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mento que suas mães e avós viveram. Defendem que a batalha não é uma luta exclusiva delas, mas mesmo ambos tendo direitos e deveres iguais perante a lei, a so- ciedade ainda tem as marcas dos primór- dios da humanidade quando o mundo gi- rava em torno da figura masculina, explica o jornalista Douglas Melo, 22 anos, que se considera pró-feminista em respeito a cor- rentes do movimento que não concordam que apoiadores da causa usem o termo feminista. Mesmo assim, destaca que seu papel perante a luta permanece sendo o mesmo, independente das denominações. “É uma luta das mulheres, porque é sobre elas que é o feminismo, é sobre elas que é todo o sofrimento e a desigualdade de di- reitos, mas que deve ter a participação de toda a sociedade. Essas são lutas que de- veriam atingir e sensibilizar a todos para refletir na sociedade”, argumenta. Douglas também se faz presente em páginas que discutem o assunto nas redes sociais. Além de expor sua opinião em re- lação à luta feminista, ele busca acrecentar informações para que outros participantes entendam a importância do movimento e TEXTO E FOTOS: FRANCIELLY BRITES Mulheres e homens buscam lado a lado combater o machismo e defender os direitos femininos contra a sociedade patriarcal C om rostos pintados e carregando cartazes, mulheres e homens seguem na Marcha das Vadias de Porto Ale- gre, no mês de abril, em busca de direitos em uma só voz. Elas e eles gritam e can- tam contra a sociedade patriarcal levan- tando a bandeira a favor das mulheres e da igualdade. Elas lideram, tomam a fren- te da guerra social em que as mulheres são seres humanos de segunda categoria. Eles compram a briga e respeitam o pro- tagonismo feminino da luta, afinal, só elas podem dizer o que uma mulher sofre por ser mulher. Alguns deles usam batom, outros op- tam por algo mais discreto como o sím- bolo feminino na bochecha, os casais mais criativos usam os corpos para mostrar mensagens que se completam reforçando que homem não é dono da mulher, por mais que estejam as acompanhando, sen- do que em alguns casos é nítida a proposta de dar força a luta pelos direitos da mulher que está de mãos dadas com ele. Mas não é só levantar cartazes que os fazem pró-feministas. Os homens pas- saram a questionar seus privilégios e a argumentar sobre a posição da mulher na sociedade. Participam ativamente de discussões sobre os assuntos machismo e feminismo em blogs e redes sociais, con- tribuindo para a aceitação da luta em to- dos os espaços da sociedade. Grande parte é jovem e busca uma sociedade igualitária, em que as mulheres de sua família e ami- gas não sofram como suas antepassadas. Carregam a vontade de destruir o sofri- que se sensibilizem. O jornalista simboliza uma nova forma dos homens de participa- rem da luta por meio da internet que pos- sibilita discussões e troca de conhecimen- tos com as próprias mulheres que sofrem com o machismo. O caixa operador Matheus Pereira Fa- gundes, 24 anos, identifica a luta como uma necessidade a ser incorporada por todos os trabalhadores. Para ele, é indis- pensável ter as mulheres à frente. “Não podemos esquecer que a luta feminista não pode ser encarada como exclusiva das mulheres. Uma nova sociedade precisa ser livre, não sexista. Minha postura como ho- mem feminista é estar inserido nas lutas sociais que pautam esses temas e me poli- ciar sempre para que a cada dia eu repro- duza menos a ideologia machista”, reforça. Além disso, ele busca conhecimentos em livros e na internet para compreender as necessidades femininas. Apesar dessa posição, muitos homens que se consideram pró-feministas são ex- cluídos das discussões sobre o feminismo por estarem impregnados pela ideologia machista. Muitos pensam que estão fa- zendo o certo, quando, na verdade, criam argumentos opostos aos do objetivo. Também há os que condenam situações vividas por feministas, desrespeitando o espaço delas. Para não cometer o mesmo erro, o interesse de Matheus pela qualida- de de vida da mulher vai muito além do que ele encontra em livros e artigos. Ain- Meu avô sempre foi muito machista, sempre reprimindo minha avó, apesar de nunca a ter agredido fisicamente. Maurício Schein Hahn, estudante ELES LUTAM COM ELAS 84 EXP JULHO 2014

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Mulheres e homens buscam lado a lado combater o machismo e defender os direitos femininos contra a sociedade patriarcal

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mento que suas mães e avós viveram. Defendem que a batalha não é uma luta

exclusiva delas, mas mesmo ambos tendo direitos e deveres iguais perante a lei, a so-ciedade ainda tem as marcas dos primór-dios da humanidade quando o mundo gi-rava em torno da figura masculina, explica o jornalista Douglas Melo, 22 anos, que se considera pró-feminista em respeito a cor-rentes do movimento que não concordam que apoiadores da causa usem o termo feminista. Mesmo assim, destaca que seu papel perante a luta permanece sendo o mesmo, independente das denominações. “É uma luta das mulheres, porque é sobre elas que é o feminismo, é sobre elas que é todo o sofrimento e a desigualdade de di-reitos, mas que deve ter a participação de toda a sociedade. Essas são lutas que de-veriam atingir e sensibilizar a todos para refletir na sociedade”, argumenta.

Douglas também se faz presente em páginas que discutem o assunto nas redes sociais. Além de expor sua opinião em re-lação à luta feminista, ele busca acrecentar informações para que outros participantes entendam a importância do movimento e

TEXTO E FOTOS: FRANCIELLY BRITES

Mulheres e homens buscam lado a lado combater o machismo e defender os direitos femininos contra a sociedade patriarcal

Com rostos pintados e carregando cartazes, mulheres e homens seguem na Marcha das Vadias de Porto Ale-gre, no mês de abril, em busca de direitos

em uma só voz. Elas e eles gritam e can-tam contra a sociedade patriarcal levan-tando a bandeira a favor das mulheres e da igualdade. Elas lideram, tomam a fren-te da guerra social em que as mulheres são seres humanos de segunda categoria. Eles compram a briga e respeitam o pro-tagonismo feminino da luta, afinal, só elas podem dizer o que uma mulher sofre por ser mulher.

Alguns deles usam batom, outros op-tam por algo mais discreto como o sím-bolo feminino na bochecha, os casais mais criativos usam os corpos para mostrar mensagens que se completam reforçando que homem não é dono da mulher, por mais que estejam as acompanhando, sen-do que em alguns casos é nítida a proposta de dar força a luta pelos direitos da mulher que está de mãos dadas com ele.

Mas não é só levantar cartazes que os fazem pró-feministas. Os homens pas-saram a questionar seus privilégios e a argumentar sobre a posição da mulher na sociedade. Participam ativamente de discussões sobre os assuntos machismo e feminismo em blogs e redes sociais, con-tribuindo para a aceitação da luta em to-dos os espaços da sociedade. Grande parte é jovem e busca uma sociedade igualitária, em que as mulheres de sua família e ami-gas não sofram como suas antepassadas. Carregam a vontade de destruir o sofri-“

que se sensibilizem. O jornalista simboliza uma nova forma dos homens de participa-rem da luta por meio da internet que pos-sibilita discussões e troca de conhecimen-tos com as próprias mulheres que sofrem com o machismo.

O caixa operador Matheus Pereira Fa-gundes, 24 anos, identifica a luta como uma necessidade a ser incorporada por todos os trabalhadores. Para ele, é indis-pensável ter as mulheres à frente. “Não podemos esquecer que a luta feminista não pode ser encarada como exclusiva das mulheres. Uma nova sociedade precisa ser livre, não sexista. Minha postura como ho-mem feminista é estar inserido nas lutas sociais que pautam esses temas e me poli-ciar sempre para que a cada dia eu repro-duza menos a ideologia machista”, reforça. Além disso, ele busca conhecimentos em livros e na internet para compreender as necessidades femininas.

Apesar dessa posição, muitos homens que se consideram pró-feministas são ex-cluídos das discussões sobre o feminismo por estarem impregnados pela ideologia machista. Muitos pensam que estão fa-zendo o certo, quando, na verdade, criam argumentos opostos aos do objetivo. Também há os que condenam situações vividas por feministas, desrespeitando o espaço delas. Para não cometer o mesmo erro, o interesse de Matheus pela qualida-de de vida da mulher vai muito além do que ele encontra em livros e artigos. Ain-

Meu avô sempre foi muito machista, sempre reprimindo minha avó, apesar de nunca a ter agredido fisicamente.

Maurício Schein Hahn, estudante

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das minhas tias. Tenho muito orgulho dela, é um grande exemplo”, lembra.

A professora da pós-graduação de psi-cologia da PUCRS Marlene Neves Satray, que trabalha com psicologia social e com estudos de gênero com foco feminista, fala sobre o poder que o homem ainda exerce sobre a mulher. “As leis dizem que as mu-lheres podem ser do jeito que quiserem, mas no dia a dia, na família e na escola não é assim. Elas são levadas a agir de um de-terminado jeito e os meninos de outro. E quando uma mulher é diferente do que foi ensinado, toma para si a culpa por não ser exatamente do jeito que as pessoas espe-ram”, explica.

Marlene também levanta a questão de que os homens maltratam as mulheres porque eles podem, apesar de estar pre-visto em lei que não. Grande parte das mulheres que são maltratadas não de-nuncia o agressor por ter construído uma família ou por depender emocionalmente ou financeiramente dele, além da pressão

da mais por conviver com seu pai, Alcides Fagundes, e com mais três mulheres, sua mãe, Tanira Fagundes, e suas duas irmãs, Gabriele e Renata, que lhe ensinam na prática a compreender a legitimidade do feminismo.

Na medida em que as mulheres busca-ram escapar dos estereótipos de cuidar dos filhos, da casa, do marido e de viver nas sombras, sentiram dificuldades para serem entendidas. Mauricio Schein Hahn, 28 anos, é um exemplo de homem que se tornou apoiador da luta porque cansou de ver nas ruas sinais de falta de respeito perante mulheres de sua família e amigas. Também presenciou comentários maldo-sos e atitudes de discriminação no am-biente de trabalho sobre gestantes, mas o fator determinante para se engajar ao movimento foi a sua experiência familiar. “Meu avô é muito machista, sempre repri-mindo minha avó, apesar de nunca a ter agredido fisicamente, até onde sabemos, o que a fez expulsá-lo de casa com o apoio

social que ainda existe quando uma mu-lher quer se separar e pela culpa que é designada à vítima. “Há uns dois anos eu perguntei para um aluno do mestrado de Psicologia por que os homens maltratam as mulheres? Ele pensou um pouco e res-pondeu: porque a gente pode. Ou seja, os homens podem. Ainda podem. Vai chegar um dia, eventualmente, quem sabe, que eles não vão mais poder,” conta.

A especialista também defende a im-portância de manifestações como a Mar-cha das Vadias para a mudança de com-portamento e valoriza o engajamento masculino para uma nova postura social diante às questões das mulheres.

O educador social Lucas Severo Ramos, 26 anos, também foi movido por uma situ-ação familiar para se colocar solidário às feministas. “Minha luta por expressão de uma sexualidade livre e plena se origina da luta contra o machismo. Outro motivo de eu ter me engajado, foi ter visto minha mãe enfrentar muitas barreiras na vida

Homens e mulheres lutam lado a lado pelos direitos femininos na Marcha das Vadias, em Porto Alegre

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por ser mulher, o que me marcou muito durante a infância”, recorda Lucas.

Ser um homem feminista ou pró-femi-nista significa muito mais do que fazer trabalhos domésticos. Questionar privi-légios dados aos homens e levantar al-ternativas para uma mudança no sistema são algumas das formas de darem força ao movimento e ao futuro da sociedade igualitária. Porém, muitos homens a favor ao feminismo seguem com atitudes ma-chistas impregnadas pela cultura, como o que também ocorre com as mulheres que aprendem a aceitar o que os homens es-tabelecem. “Identificar que ainda estamos em uma sociedade patriarcal e que se utili-za disso para explorar mais, perceber que por vezes o machismo pode ser reproduzi-do sem se dar conta pelo fato ter se natu-ralizado”, complementa Matheus.

Com palavras e ações, Lucas está atento às posições e demandas necessárias para desconstruir o machismo se colocando ao lado de mulheres feministas para dar força e disseminar a ideia com outros homens. “Tenho atitudes simples. Busco ouvir as necessidades das mulheres. Por vezes as vemos serem cerceadas ao direito da pa-lavra sendo interrompidas ou tendo suas posições menosprezadas. Coloco-me sen-sível a estas posições e faço o esforço de não moralizar a questão de gênero, lutan-do contra minha própria construção so-cial”, afirma.

O funcionário público Miguel Belar-dinelli Prytoluk, 21 anos, defende que a participação dos homens no movimento feminista é importante, mas que devem entender que isso não significa deixar de compreender a natureza da movimenta-ção. “É um momento em que os homens devem tomar uma posição acessória e sensível às questões que estão levantadas, para levar os debates para as suas vidas e os momentos em que estejam eventual-mente sendo protagonistas”, indica.

O QUE ELAS PENSAM?Cada um constrói seu feminismo, a par-

tir de suas experiências e no que acredita. Sem uma lista de regras sobre como ser ou não feminista e nem o que pode e o que não pode, duas feministas que lutam pe-los menos ideais têm opiniões divergentes quanto à participação do homem no movi-mento feminista. A estudante de medicina veterinária Fernanda Pereira Moreira, 19 anos, defende a não participação dos ho-mens por diversos motivos, incluindo o de já ter sido silenciada por eles em discuti-ções sobre o tema. “Em nome da sororida-de, união entre mulheres que se reconhe-

cem irmãs formando um grupo na luta pelo feminismo, com as mulheres que têm traumas severos, eu defendo a não participação dos homens na luta. Eles não sentem na pele o que estão lutando. Por isso, silenciam companheiras e ba-gunçam nossos objetivos”, contesta.

Fernanda acredita que a função dos homens que querem participar de mani-festações e de discussões feministas é de transformar espaços onde as mulheres não têm acesso mais receptivos. Dessa forma, ajudariam revendo os privilégios que têm na sociedade. “Em manifesta-ções como a Marcha das Vadias, eu acho válida a participação deles desde que an-tes seja preestabelecido que estejam ali para aprender e observar, não tomar a frente da luta e roubar nossa voz”, opina.

A estudante de ciências sociais Maria-na Pahim, 22 anos, luta por um feminis-mo da mulher para a mulher, mas acre-dita no homem enquanto aliado porque não podem lutar por um direito que já têm por serem privilegiados na socieda-de. “Eles devem utilizar esse espaço que já possuem para disseminar a ideia de equidade entre os gêneros. Creio que a principal atitude do homem que decide apoiar a causa seja reconhecer seus pri-vilégios para submeter-se a um processo de desconstrução. Sem esquecer que ser mulher é estar condicionada a situações como o assédio e a violência”, conclui. Matheus pesquisa sobre o feminismo

Mauricio apoia a causa feminista por sua avó ter sofrimento com o machismo

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