12
10 J.A. Garbino Eletroneuromiografia em hanseníase ELEMENTOS DE FISIOLOGIA NEURO- MUSCULAR Os nervos periféricos são estruturas simples, compostas de fibras nervosas agru- padas em fascículos por tecido conjuntivo es- pecial. As fibras são o conjunto de axônios, prolongamentos citoplasmáticos dos neurônios, e as suas bainhas. A sustentação intima dos axônios é sempre feita pelas células de Schwann. Os axônios de grosso calibre são envoltos por urna célula de Schwann e dessa relação é produzida a mielina. Esta substância lipopro- teica está disposta em lâminas cilíndricas, em torno do axônio, e entre lâminas do próprio citoplasma da célula de Schwann, indo de um a outro nodo de Ranvier. Estes envoltórios com mielina "equipam" os axônios para uma condução do impulso nervoso mais eficiente, com maior rapidez. Outras fibras, no entanto, são envoltas em grupos por uma célula de Schwann e não desenvolvem as bainhas de mielina, nem os nodos de Ranvier. As fibras com "capas" mais grossas conduzem melhor, enquanto que as mais finas e as sem mielina, muito lentamente. Os impulsos nervosos são alterações de polaridade da membrana que se propagam por toda a extensão do axônio. Esta alteração da membrana gera umpotencial de ação facilmente detectável por eletrodos ligados a equipamentos com capacidade de amplificação de sinais. Na tela de um osciloscópio, estes potenciais aparecem como deflexões da linha de base, positivas ou negativas. Em eletroneu- romiografia são consideradas positivas as deflexões para baixo da linha de base. O potencial propagado tem inicialmente uma deflexão negativa ou positiva, referente As diferenças de potencial geradas pelo fluxo de ions através das membranas celulares, e em seguida a volta A linha de base ou até uma deflexão positiva ou negativa, correspondente repolarização de membrana. A contração mus-cular também se inicia por um processo de despolarização e repolarização da membrana celular. Nos músculos, a fibra muscular não despolariza isoladamente e sim todas as fibras pertencentes a urna unidade motora, definida como o neurônio motor, e as fibras musculares por ele inervadas (Fig. 10.1). Em situações patológicas as células musculares disparam espontaneamente, e os potenciais de ação gerados em repouso são os achados mais Fig. 10.1 Unidade Motora.

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10 J.A. Garbino

Eletroneuromiografia em hanseníase

ELEMENTOS DE FISIOLOGIA NEURO-MUSCULAR

Os nervos periféricos são estruturassimples, compostas de fibras nervosas agru-padas em fascículos por tecido conjuntivo es-pecial. As fibras são o conjunto de axônios,prolongamentos citoplasmáticos dos neurônios,e as suas bainhas. A sustentação intima dosaxônios é sempre feita pelas células de Schwann.Os axônios de grosso calibre são envoltos porurna célula de Schwann e dessa relação éproduzida a mielina. Esta substância lipopro-teica está disposta em lâminas cilíndricas, emtorno do axônio, e entre lâminas do própriocitoplasma da célula de Schwann, indo de uma outro nodo de Ranvier. Estes envoltórios commielina "equipam" os axônios para umacondução do impulso nervoso mais eficiente,com maior rapidez. Outras fibras, no entanto,são envoltas em grupos por uma célula deSchwann e não desenvolvem as bainhas demielina, nem os nodos de Ranvier. As fibrascom "capas" mais grossas conduzem melhor,enquanto que as mais finas e as sem mielina,muito lentamente.

Os impulsos nervosos são alterações depolaridade da membrana que se propagam portoda a extensão do axônio. Esta alteração damembrana gera umpotencial de ação facilmentedetectável por eletrodos ligados a equipamentoscom capacidade de amplificação de sinais. Natela de um osciloscópio, estes potenciais F

aparecem como deflexões da linha de base,positivas ou negativas. Em eletroneu-romiografia são consideradas positivas asdeflexões para baixo da linha de base. Opotencial propagado tem inicialmente umadeflexão negativa ou positiva, referente Asdiferenças de potencial geradas pelo fluxo de ions atravésdas membranas celulares, e em seguida a voltaA linha de base ou até uma deflexão posit ivaou negativa, correspondente repolarização demembrana. A contração mus-cular também seinicia por um processo de despolarização erepolarização da membrana celular. Nosmúsculos, a fibra muscular não despolarizaisoladamente e sim todas as fibras pertencentesa urna unidade motora, definida como oneurônio motor, e as fibras musculares por eleinervadas (Fig. 10.1). Em situaçõespatológicas as células musculares disparamespontaneamente, e os potenciais de ação

gerados em repouso são os achados mais

ig. 10.1 Unidade Motora.

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94 Cirurgia Reparadora e Reabilitação em Hanseníase

significativos de comprometimento da unidademotora, e estão presentes tanto em distúrbiosneurológicos como nos da célula muscular. Durantea contração voluntária, os potenciais das unidadesmotoras apresentam carac-terísticas distintas naspatologias neuro-musculares, e sinalizamquanto à etiologia neurogênica ou miopática.O estudo destes fenômenos, sua distribuiçãoanatômica e a correlação clinica consistem noExame de Eletroneuromiografia.

O EXAME DE ELETRONEUROMIOGRAFIA

ecoeaDeoae(mesrep

E

opmuC

crescentes, atingindo patamares supra-máximos, para se obter seguramente adespolarização de todos os neurônios motores.O mesmo se procura obter com os estudos dospotenciais de ação sensitivos (P.A.S.), emborasejam de pequena amplitude (10 a 80 uV),exigindo grande capacidade de amplificação doequipamento.

Para se realizar uma pesquisa da velo-cidade de condução nervosa motora, colocam-seeletrodos de captação em músculos distais, comoos abductor pollicis brevis, abductor digiti minimi, extensor digitibrevis e músculos plantares (abductor hallucis e flexorhallucis brevis) , e os eletrodos de estimulação nosnervos

Para se realizar o exame é necessário o

quipamento chamado eletromiógrafo, queontém uma unidade de amplificação, umsciloscópio e uma unidade de estimulação. Antrada da unidade de amplificação é um pré-mplificador munido de eletrodos de captação.a unidade de estimulação também saem

letrodos. Os eletrodos podem ser: de superfícieu profundos, placas ou discos de platina, ougulhas de aço, utilizados para captação oustimulação. Nos estudos de condução nervosaeletroneurografia), os potenciais de ação

usculares e sensitivos são gerados porstímulos elétricos nos nervos ou ramos nervo-os. Em eletromiografia são gerados volunta-iamente pela contração muscular e tambémspontaneamente, quando existem processos

atológicos da unidade motora.

STUDOS DE CONDUÇÃO NERVOSA

O potencial de ação motor (P.A.M.), ounda M, captada A eletroneurografia_( E.N.G.)or eletrodos colocados nos pontos motores dosúsculos, é a soma de todos os potenciais das

nidades motoras daquele músculo (Mcommas). Para isso são necessários estímulos

Fig. 10.2 (a) Registro de estudo de condução motoranormal.(b) Registro de estudo de condução sensitiva nor-

mal. E: estimulo. L1: Latência distal. L2: Latência

proximal. * Com velocidades maiores que 50 m/s.

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correspondentes. Sempre que tivermos duaslatências, uma distal e outra proximal, pode-seobter a velocidade de condução nervosa motorano segmento entre os dois pontos de estimulo(Fig. 10.2 a). Mudando-se o ponto de estimulo,no sentido proximal ou distal, se obtêm latênciasdiferentes, e pode-se estudar a velocidade decondução motora em segmentos distintos donervo. Nos membros superiores (MMSS),podemos estudá-las desde o Ponto de Erb até o,punho, e nos membros inferiores (MMII) desdea regido posterior da coxa até o tornozelo, parao nervo ciático e seus ramos, e desde a regidoinguinal até o tornozelo, para o femoral e seusramos. Outros estudos que investigam até asraizes e sinapses medulares são as latências dasondas F e o reflexo H (Johnson). Nossegmentos mais distais dos nervos é impossívelse medir a velocidade de condução nervosamotora, pois a latência (tempo do estimulo aoinicio da deflexão negativa) obtida é compostada velocidade de condução nervosa, acrescidado tempo de sinapse na junção neuromuscular.Entretanto seus resultados são considerados ecomparados com os valores de referência.

As técnicas para velocidade de conduçãonervosa sensitiva podem ser ortodrômicas ouantidrômicas, enormalmente utilizamos ambas.A ortodrômica segue a mesma direção doimpulso nervoso sensitivo, que é centrípeto, e aantidrômica, o sentido contrário. Na primeira,por exemplo, se estimulam os dedos e faz-se acaptação nos troncos nervosos do punho nosMMSS, e nos MMII a captação é no tornozeloao estimularem-se os artelhos. Mas em outrosramos mais proximais, como o sural,musculocutâneo, femoral e fibular superficial,utiliza-se a técnica antidrômica. Somente umalatência (o tempo do estimulo ao inicioda deflexão negativa) e a distância entre os

eletrodos de estimulação e captação, sãonecessários para se determinar a velocidade decondução sensitiva (Fig. 10.2 b).

As fibras grossamente mielinizadasconduzem a uma velocidade de 100 a 120 m/s,enquanto que as amielinicas, de 1 a 2 m/s(Schmidt). Entre estes dois extremos existe umavariedade de fibras com diferentes calibres eintensidade de mielinização, conduzindo avelocidades intermediárias. Os estudos deeletroneurografia medem a média dasvelocidades das fibras mais rápidas. Sendoconsiderado 50 m/ s o valor de referência(Verghese) em seu limite inferior, para osmembros superiores, e 40 m/s para osmembros inferiores.

ELETROMIOGRAFIA

Os estudos de eletromiografia ( E M G),com eletrodos de agulha coaxial ou mo-nopolares, investigam a integridade das uni-dades motoras, sendo possível detectar alteraçõesda excitabilidade das células musculares. Ao seinserir o eletrodo de agulha, se observa o ruídocaracterístico da inserção da agulha no músculo,não encontrado ao inseri-la em outros tecidossem a capacidade de despolarização. Existindointerrupções da passagem dos estímulos oudisparos neuronais As células musculares, estasficam sem comando e, susceptíveis Asdespolarizações espontâneas, pequenos estímulosmecânicos as desen- cadeiam. Os potenciaisgerados por fibras isoladas são captados àeletromiografia em forma de deflexões da linhadebase, uma inicial positiva e outra negativa, depequena ampli- tude e curta duração, e sãochamadas Fibrilações. As fibrilações são asalterações mais inequívocas de desnervaçãomotora em eletromiografia

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96 Cirurgia Reparadora eReabilitação emHanseníase

F

p

(Bdinnfelea

mdojá(fa

ig. 10.3 (a) Atividades espontâneas: fibrilação (Fib) e ondaositiva (OP). (b) Potencial polifásico neurogênicos.

all). As ondas positivas as acompanham, sãoe dimensões maiores com uma grande deflexãoicial positiva, seguida de uma pequena

egativa, e têm significado semelhante Asibrilações. Porém as ondas positivas não sãospecificas de desnervação, e aparecem emsões menos graves e até por artefatos semlguma relevância clinica (Fig. 10.3 a).

Outras patologias, como as doençasusculares (miopatias) e neuronais (doenças

a célula da asa anterior), apresentam tambémutros tipos de atividade espontânea: além das

descritas, as descargas de alta freqüênciamiotônicas ou pseudo-miotônicas) e assciculações respectivamente. Nenhuma destas

tem especificidade absoluta. Estes achados seenquadram entre as atividades espontâneas,estudadas com o músculo em repouso.

A freqüência das atividades espontâ-neas(fibrilações e ondas positivas) é dire-tamenteproporcional A extensão das lesões nervosas.Estas fibras musculares desnervadas podem sernovamente reinervadas, ou substituidas peloconjuntivo intermisial. A longo prazo, meses eanos, a freqüência de atividades espontâneas sereduz e tende a se exaurir, tanto quando existemprocessos de reinervação, como na suaausência. Se há reinervação surgem ospotenciais polifásicos neurogênicos (Fig. 10.3b), de pequena amplitude, grande duração emuitas fases, isto é, número de deflexões dalinha de base maior que quatro, o númeroconsiderado normal para o potencial da unidademotora. Se a reinervação não ocorrer, o tecidomuscular será substituído por conjuntivo, eneste caso não apresentará ruído algum Ainserção do eletrodo de agulha.

APLICAÇÃO PRÁTICA EM HANSENÍASE

pbJlénoecmpct

Na Hanseníase a célula de Schwann é arimeira estrutura do nervo infectada e onde osacilos crescem em grande número (Dastur,ob, Shetty). Conseqüentemente a desmie-inização em sítios de maior crescimento bacilar

considerada a alteração mais precoce daeuropatia da Hanseníase (Job). Nestas regiõess nervos apresentam a temperatura tecidualm torno de 2°C menor que em outras partes doorpo, e esta característica tem relação com oaior crescimento bacilar (Job). São segmentos

róximos As articulações onde os nervos estãoontidos em canais osteoligamentares, e encon-

ram-se também próximos A pele. Estes canais
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Eletroneuromiografia emhanseníase 97

anatômicos propiciam a compressão extrínsecados troncos nervosos edemaciados peloprocesso inflamatório específico (Job; Stump,Garbino & Zulian), compressão tambémencontrada em processos inespecíficos,hormonais, mecânicos e lesões por esforçorepetitivo, comuns na pratica clínica (Dawson).A desmielinização nestes segmentos estápresente em todas as formas clínicas daHanseníase, em seu início, e é denominadadesmielinização segmentar. Posteriormente alesão evolui com maior ou menor agressãotecidual variando da virchoviana tuberculóide,conforme a intensidade da resposta imune,chegando a causar extensas axonotmese nostuberculóides e dimorfos. As fases deagudização do processo inflamatório, chamadasreações, produzem muita exsudação e au mentode volume do tronco nervoso, e com freqüênciasão observados estados de compressão severosem Areas dos canais osteoligamentares.

A Neuropatia Hanseniana é distal,chegando no máximo aos níveis dos terçosmédios dos braços e coxas. Nos membrossuperiores, os segmentos dos nervos mistosafetados estão na altura dos punhos e cotovelose nos membros inferiores, nos tornozelos ejoelhos, justamente nas regiões onde existem oscanais osteoligamentares. Os pares cranianostambém encontram-se envolvidos e, dentreestes, ramos do trigêmeo e ramos do nervofacial. Além destes, todos os ramos sensitivossuperficiais do corpo podem apresentar com-prometimento. 0 quadro clínico desenvolvido éde uma Mononeuropatia Múltipla (De Faria;Job; Senna; Stump).

A desmielinização produz reduções nasvelocidades de condução, precocementedetectáveis pelos estudos de condução ner-

vosa. Reduções nas amplitudes dos potenciaisde ação ocorrem em conseqüência A. des-mielinização e bloqueios de condução axonal. Aredução de amplitude dos potenciais de açãosensitivos, sem a concomitante diminuição navelocidade de condução nervosa, é carac-terística de envolvimento primariamente axo-nal. Realizando-se estudos de eletroneu-rografiaextensivos, isto é, de uma amostragem comampla distribuição, nos quatro membros, e nosnervos alvo da hanseníase, aumenta-se a chancede detectar quadros subclínicos de umaMononeuropatia Múltipla (De Faria).

Os estudos de condução nervosa tam-bém, oferecem oportunidade de diagnósticosprecisos das lesões compressivas agudas. Em

Fig. 10.4 (a) Interrupção temporária da condução nervosa.(b) Ruptura de axônios, axonotmese. PAM obtidodistalmente do sitio da lesão e não detectado acima. RAMnão detectados tanto distalmente quanto acima do sítio dalesão.

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98 Cirurgia Reparadora e Reabilitação em Hanseníase

casos com paralisias motoras pode-se definir seha (Fig. 10.4 a e b) interrupção temporária, semdestruição anatômica da fibra nervosa,neuropraxia, ou se há destruição com rupturados axônios, axonotmeses. Quando há inter-rupção temporária, neuropraxia, é possível sedetectar potenciais de ação distalmente à lesão,distinguindo-a da interrupção anatômica.Nestas últimas o prognóstico é pior e podeexigir condutas mais agressivas, como explo-ração cirúrgica.

Nos estados compressivos seminterrupção da condução nervosa, onde se temparesias e não paralisias, o conhecimento damagnitude do distúrbio de condução nos canaisanatômicos fornece dados importantes para

Fig. 10.5 Neuropatia mediano . (a) Antes do tratamentoclinico (b) Depois do tratamento clinico com ganho deAmplitudes dos PAM's e normalização da VCN.

orientar a terapêutica clínica ou cirúrgica. Ao serealizarem estudos de condução periódicos,determina-se precocemente se há melhora oupiora da compressão. Em casos agudos pode-seobservar retorno da velocidade a valoresnormais (Fig. 10.5 a e b), auxiliando no controleda dosagem dos antiinflamatórios hormonais ena indicação de descompressão cirúrgica(Linois, Magora, Magora, Verghese).

A eletromiografia complementa e pre-cisa os estudos de eletroneurografia nos casosonde se encontram bloqueios de condução,neuropraxias e interrupções anatômicas. Eminterrupção anatômica (com ruptura de axô-nios), detectada nos estudos de condução ner-vosa, existe interesse especial em sua utilizaçãocom o objetivo de melhor definir se há lesãocompleta ou incompleta. Neste aspecto aeletromiografia que utiliza eletrodos de agulha,mais sensíveis que os de superfície, demonstraprecisamente a dimensão do quadro, através doestudo em repouso e detecção das atividadesespontâneas e fibrilações. Já no seguimento daslesões completas se procuram sinais dereinervação, os potenciais polifásicos neu-rogênicos, de pequena amplitude, sóidentificados com eletrodos de agulha.

Fig. 10.6 Potencial não detectado no sural esquerdo, onervo escolhido para biópsia.

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Fig. 10.7 Estudos de condução sensitiva. (a) Membrosuperior direito com estudos de condução sensitivosnormais nos ramos digitais do I ao IV dedo no mediano, dosIV ao V no ulnar e no I radial. (b) Membro superioresquerdo com os mesmos ramos digitais estudados e cornalterações assimétricas entre os nervos da mão e até entreramos digitais de um mesmo nervo, o mediano.

Com o estudo eletromiográfico de mús-culos selecionado pode-se conhecer a distri-buição de um comprometimento neurológico,se é troncular (nervo), se é miotomérica (radicu-lar), proximal, distal cm generalizada. Compro-metimentos de músculos proximais em coxa,braço e paraespinhais não são característicos deHanseníase.

AUXÍLIO NO DIAGNÓSTICO

DIFERENCIAL

Em Neuropatias Periféricas, de etiologianão esclarecida, os estudos ele-troneuromiográficos definem o quadroneurológico dentre os grandes grupos:Polineuropatias Axonais, PolineuropatiasDesmielinizantes e Mono-neuropatias Múl-tiplas. Os quadros de Mono-neuropatias Múl-tiplas são os suspeitos de hanseníase, a suaforma "neural pura". As biópsias de nervo paraelucidação diagnóstica são melhor dirigidas

Fig. 10.8 Os estudos de condução nos nervos surais e fibularesdireito (a) e esquerdo (b), mostram assimetria dos achados emamplitudes dos potenciais de ação, latências econseqüentemente velocidade de condução, retardada nofibular esquerdo.

com o auxílio da eletro-neurografia (Relatórioda Reunião sobre Neurites, DNDS/ MS). Derotina utiliza-se o nervo sural e, diante deachados distintos em cada nervo, escolhe-se onervo com mais alterações. Se os surais não asapresentarem, outros nervos são utilizadosdesde que demonstrada alteração (Fig. 10.6).A neuropatia mais freqüente e compossível dificuldade na diferenciação diag-ncistica com a hanseniana é a diabética. Princi-palmente casos sem sintomas clínicos de diabe-tes e com exames de glicemia normais oulimítrofes. o teste de tolerância à glicose deveser utilizado para a confirmação da presença dediabetes. Apresentam-se como PolineuropatiaAxonal, e inicialmente com redução das ampli-tudes dos potenciais de ação sensitivos, semalterações das velocidades de condução ner-vosa, são simétricas, difusas e mais in tensas nosmembros inferiores. Diferenciam-se pois daHanseníase, que apresenta alteraçõesassimétricas, sem preferência por membros in

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TABELA 1. Polineuropatias Axonais e Desmielinizantes com suas etiologias tóxica, nutricional,paraneoplásica, metabólica, inflamatória e hereditárias (nesta tabela estão listadas asetiologias que fazem parte da casuística do autor).

ferior ou superior, próprias das MononeuritesMúltiplas (Fig. 10.7 a e b e Fig. 10.8 a e b).Entretanto a Neuropatia Diabética podetambém apresentar-se como MononeuriteMúltiplos.

As Neuropatias Vasculiticas do grupodas Colagenoses, onde a mais característica é aPeriarterite Nodosa, são semelhantes clinica eeletrofisiologicamente à hanseniana. São Mo-noneurites Múltiplas com desmielinizaçãosegmentar, e com episódios agudos e subagu-dos. A diferenciação diagnóstica deste grupo depatologias é clinica, e apresentam uma evo-lução mais benigna que a Neuropatia Han-

seniana.,A Neuropatia Compressiva Here-ditaria

(neuropatia hereditária com predisposição acompressões), autossômica dominante, evoluicom quadro de Mononeu-ropatiapor diversos síndromes compressivas dedistribuição assimétrica (Johnson), de inicio nasegunda década.

A Polineuropatia Alcoólica mostraalterações motoras e sensitivas. As amplitudesdos potenciais de ação sensitivos e motores e asvelocidades de condução nervosa estãolimítrofes, ou moderadamente reduzidas, distale proximalmente. Alguns autores (Ballantyne

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Eletroneuromiografia em hanseníase 101

et al afirmam que o comprometimento motoré preponderante ao sensitivo enquanto outros(Johnson) que é uniforme. Mais recentementeShankar e colaboradores mostram um pre-domínio sensitivo sobre o motor.

Em indivíduos com alterações A eletro-miografia, em músculos proximais, na coxa,braço e paraespinhais, afasta-se a possibilidadede hanseniase, ao se demonstrar um quadro delesão neurogênica proximal: Polineuropatias

TABELA 2. Polineuropatias Axonais predominantemente sensitivas e Mononeuropatias Múltiplas

com suas etiologias inflamatória, paraneoplásica, tóxica, infecciosa e hereditária (nesta

tabela estão listadas as etiologias que fazem parte da casuística do autor).

proximais (diabética e alcoólica), radiculo-patias ou polirradiculoneurite. Nas Polirradi-culoneurites, agudas (Síndrome de Guillain-Barré) ou crônicas, as velocidades de conduçãonervosa estão reduzidas também de modoassimétrico (Johnson), mas de forma intensaem segmentos proximais, enquanto que nahanseniase os distúrbios de condução lo-calizam-se distalmente. Nestes casos testes

especiais são utilizados para avaliar a conduçãonervosa proximal, efetivando-se a distinção entreos dois quadros. O reflexo H estuda as latênciasdo arco reflexo no miótomo S1 e a onda F, umcomponente tardio do potencial de ação motor,que pode ser estudado roti-neiramente emmúsculos dos membros superiores e inferiores.Os dois testes são Ateis para a avaliação dedistúrbios neurológicos

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102 Cirurgia Reparadora e Reabilitação em Hanseníase

proximais, o reflexo H para radiculopatia S1 e aonda F nas polirradiculoneurites agudas oucrônicas. As Neuropatias Sensório-MotorasHereditárias apresentam muitas semelhançasclinicas e eletrofisiológicas com a hanseniase. Aneuropatia sensório-motora hereditária tipo I,neuropatia hipertrófica de Charcot-Marie-Tooth, é usualmente autossômica dominante,outras vezes autossômica recessiva ou esporá-dica. Tem inicio freqüente na infância, compro-metimento motor em antebraços e mãos, e osdistúrbios sensitivos estão presentes em 70%dos casos (Bethlem & Knobbout). As velocida-des de condução sensitivas e motoras estãoprofundamente reduzidas, como em casosavançados de hanseniase. Já a NeuropatiaSensório-Motora Hereditária tipo II, formaAxonal de Charcot-Marie-Tooth, também au-tossômica dominante ou recessiva e raramenteligada ao sexo, inicia-se em torno da idade de 20anos ou muito mais tarde e apresenta alteraçõesclinicas e eletrofisiológicas moderadas (Bethlem&Knobbout). A forma Hipertrófica deDéjérine- Sottas, Neuropatia Sensório-MotoraHereditá- ria tipo III, é mais rara, tem inicio nainfância ou ao nascimento, tem prognósticograve, e evolui com desmielinização extensa.

Com menor freqüência estão as Neu-ropatias Sensoriais Hereditárias, autossômicasrecessivas, que, por apresentarem profundosdistúrbios sensitivos, desenvolvem mutilaçõessemelhantes à hanseniase. Os estudos deEletroneurografia fornecem dados inequívocospara a diferenciação diagnóstica. Há severaalteração sensitiva, não se detectam ospotenciais de ação sensitivos, entretanto osestudos de condução motora são absolutamentenormais, assim como a eletromiografia comeletrodos de agulha (Dyck, Garbino).

Outras afecções neurológicas menos

comuns e com freqüência confundidas comhanseniase são as de origem medular Destegrupo de patologias destacamos as maisobservadas em nossa prática clinica comodiagnóstico diferencial com hanseniase: asSíndromes Siringomiélicas e as doenças daCélula da Asa Anterior.

A Siringomielia se caracteriza por umasíndrome periependimário, com alteraçõessensitivas, a dissociação termoanalgésica, atro-fias musculares em miótomos C8 e T1, e sinaisde liberação piramidal abaixo do sitio da lesão(Barraquer). E semelhante (Senna) porque apre-senta distúrbios sensitivos e motores quecostumam se iniciar nas mãos, desenvolvendogarras e lesões tróficas decorrentes da falta desensibilidade. Os sinais de liberação piramidalna Siringomielia e os espessamentos de nervosna hanseniase são relevantes na diferenciaçãodiagnóstica, mas nem sempre estão presentes. 0ponto central da distinção eletrofisiológica entreuma e outra patologia é a presença de estudosde condução sensitiva absolutamente normaisna Siringomielia. Isto ocorre porque nestadoença a lesão neurológica é pré- ganglionar e oneurônio sensitivo periférico está conservado,definindo-se assim o local da lesão. Avelocidade de condução nervosa motoratambém é normal, mas os potenciais de açãomotores estão reduzidos em amplitude. Aeletromiografia encontram-se alterações dedistribuição miotomérica. Estudo neuro-fisiológico adicional pode ser realizado,demonstrando-se alterações nas vias espino-talâmicas, os potenciais evocados corticaissomato-sensitivos.

As doenças da Célula da Asa Anterior(Esclerose Lateral Amiotrófica ou Síndromes"like"), assim como a Siringomielia apresentamamiotrofias nas mãos e sinais de liberação

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Eletroneuromiografia em hanseníase 103

piramidal, mas sem quaisquer distúrbios sen-sitivos. São mais facilmente diferenciadas Aeletroneuromiografia, pois as velocidades decondução nervosas e os potenciais de açãosensitivos são normais e os achados A eletro-

miografia têm distribuição distinta da hanse-niase e com freqüência se encontram atividadesespontâneas características desta patologia, asFasciculações, disparos espontâneos da uni-dade motora.

BIBLIOGRAFIA

BALLANTYNE, J.P. et al. Quantitave electro-physiologi-cal of alcoholic neuropathy. Journal of Neurology

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