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XIV Congreso Internacional de Ingeniería Gráfica Santander, España – 5-7 junio de 2002 A HISTÓRIA URBANA ATRAVÉS DO DESENHO E DO PROJETO DA CIDADE. Eloísa Petti Pinheiro Universidade Federal da Bahia – Brasil Faculdade de Arquitetura – Departamentos das Geometrias de Representação [email protected] RESUMO A forma e as dimensões das cidades mudam, se transformam fisicamente e refletem as mudanças demográficas, econômicas, tecnológicas, sociológicas, etc. Captar e entender as mudanças morfológicas das cidades nos ajuda a entender outros parâmetros das transformações. Para isso, podemos utilizar os desenhos – no sentido de representação gráfica – ou os desenhos – no sentido de projetos – das cidades. O desenho – enquanto representação gráfica – são os registros gráficos feitos ao longo do tempo, por diferentes técnicas que mudam o suporte e o instrumental, As perspectivas, os skylines, as vistas de pássaro, os planos iconográficos, etc. são excelentes fontes para entender as transformações morfológicas da cidade. O desenho – enquanto projeto – são as propostas urbanas para as novas cidades ou os planos de intervenção e de expansão, o que resulta em distintos modelos urbanos, reflexo de momentos históricos, ideológicos, sociais, políticos e econômicos diferentes. A análise do desenho (representação gráfica) que busca entender o desenho (projeto) nos permite utilizar a base iconográfica das cidades como fonte historiográfica. Assim, a soma da representação gráfica e dos projetos de uma cidade são fontes de análise que nos pode levar a entender, em cada período da história, seu processo de urbanização. Palavras chaves : iconografia; representação gráfica; história urbana ABSTRACT The form and the dimensions of the cities change, they transform physically and reflect the demographic, economic, technological, sociological transformations, etc. Capturing and understanding the physical evolution of the cities helps us to understand the other parameters of the change. For that, we can use the drawings or the designs of the cities. The drawing of a city is its representations graph, they are the graphic registrations in the time, made by different technical that change the support and the instrumental one. The perspectives, the skylines, the bird views, the iconographic plane, etc. is excellent sources to understand the morphological transformations of the city. The design of a city is the projects, the urban proposals for the new cities or the intervention plans and the enlarge plans, that solved in different urban models, that reflect different historical, ideological, social, political and economic moments. The analysis of the drawing that approves to understand the design allows us to use the iconographic base of the cities like an historiographical source. This way, the sum of the drawings and of the designs of a city they are sources of analysis that can take us to understand, in every period of the history, their urbanization process. Key words: iconography; graphic representation; urban history

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XIV Congreso Internacional de Ingeniería Gráfica

Santander, España – 5-7 junio de 2002

A HISTÓRIA URBANA ATRAVÉS DO DESENHO EDO PROJETO DA CIDADE.

Eloísa Petti Pinheiro

Universidade Federal da Bahia – BrasilFaculdade de Arquitetura – Departamentos das Geometrias de Representação

[email protected]

RESUMO

A forma e as dimensões das cidades mudam, se transformam fisicamente e refletem asmudanças demográficas, econômicas, tecnológicas, sociológicas, etc. Captar e entender asmudanças morfológicas das cidades nos ajuda a entender outros parâmetros dastransformações. Para isso, podemos utilizar os desenhos – no sentido de representaçãográfica – ou os desenhos – no sentido de projetos – das cidades.O desenho – enquanto representação gráfica – são os registros gráficos feitos ao longo dotempo, por diferentes técnicas que mudam o suporte e o instrumental, As perspectivas, osskylines, as vistas de pássaro, os planos iconográficos, etc. são excelentes fontes paraentender as transformações morfológicas da cidade.O desenho – enquanto projeto – são as propostas urbanas para as novas cidades ou osplanos de intervenção e de expansão, o que resulta em distintos modelos urbanos, reflexode momentos históricos, ideológicos, sociais, políticos e econômicos diferentes.A análise do desenho (representação gráfica) que busca entender o desenho (projeto) nospermite utilizar a base iconográfica das cidades como fonte historiográfica. Assim, a somada representação gráfica e dos projetos de uma cidade são fontes de análise que nos podelevar a entender, em cada período da história, seu processo de urbanização.

Palavras chaves : iconografia; representação gráfica; história urbana

ABSTRACT

The form and the dimensions of the cities change, they transform physically and reflect thedemographic, economic, technological, sociological transformations, etc. Capturing andunderstanding the physical evolution of the cities helps us to understand the otherparameters of the change. For that, we can use the drawings or the designs of the cities.The drawing of a city is its representations graph, they are the graphic registrations in thetime, made by different technical that change the support and the instrumental one. Theperspectives, the skylines, the bird views, the iconographic plane, etc. is excellent sourcesto understand the morphological transformations of the city.The design of a city is the projects, the urban proposals for the new cities or theintervention plans and the enlarge plans, that solved in different urban models, that reflectdifferent historical, ideological, social, political and economic moments.The analysis of the drawing that approves to understand the design allows us to use theiconographic base of the cities like an historiographical source. This way, the sum of thedrawings and of the designs of a city they are sources of analysis that can take us tounderstand, in every period of the history, their urbanization process.

Key words: iconography; graphic representation; urban history

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1 Introdução

Podemos analisar o desenho da cidade através da sua morfologia, forma e projeto; ouatravés da sua representação gráfica. Numa cidade, a componente arquitetônica surgequando qualquer estruturação social não existe sem espaço e este é necessariamentehistórico, posicionando-se em marcos temporais, geográficos e culturais. O espaço ésempre concreto possuindo qualidades físicas. Não é um fenômeno estático, encontra-seem permanente transformação.

2 O Desenho da CidadeSendo a cidade um espaço arquitetônico, observamos que na história dos assentamentosurbanos muitas cidades possuem normas urbanísticas cujo ponto de partida é uma visãoefetivamente morfológica do espaço urbano. Assim acontece desde o aparecimento daprimeira cidade: na Antigüidade, na Idade Média, no Renascimento, no Barroco, noséculo XIX e chega até a atualidade.

No projeto de cidades novas observam-se técnicas que resultam traçados emquadrícula ou diagramas. Nas cidades espontâneas, como as medievais e islâmicas, ostraçados são mais complexos e muitas vezes difíceis de serem decifrados. No projeto deintervenções se superpõe um novo desenho ao traçado antigo.

O conjunto das edificações e o traçado das cidades são a forma transparente deexpressão cultural. Quanto mais se conhece da cultura, da estrutura da sociedade emvários períodos da história, em diferentes partes do mundo, mais se é capaz deinterpretar seu meio ambiente construído. As cidades podem ser classificadas peloreflexo do governo ou de idéias – cidade catedral, cidade estado, cidade portuária,cidade imperial, cidade ideal, sede de principado, cidade capital, etc.

A cidade pode ser cósmica, como uma interpretação do universo e dos deuses oupode resultar de planos ideais da renascença e do barroco que são uma expressãoarticulada do poder e se caracteriza por um eixo monumental, muralhas e portões, tramaregular e organização espacial hierarquizada; a cidade pode ser prática, que é a cidadecomo uma máquina, pequena, autônoma, as diferentes partes ligadas à grande máquina,que por sua vez, tem claramente diferenciadas as suas funções e movimentos; ou aindapode ser orgânica, biológica, algo vivo mais do que uma máquina, com limite definido etamanho ótimo, coeso, indivisível, estrutura interna e conduta ritmada que busca, face àinevitável mudança, manter o estado balanceado, modelo urbano não geométrico. [13]

Algumas cidades são planejadas, criadas, desenhadas, e até o século XIX, modeloinvariavelmente ordenado, diagrama geométrico que pode ser o grid, ou centralizado,como o círculo ou o polígono, e muitas vezes combina as duas fórmulas. Outras sãoespontâneas, um modelo geomorfológico, de forma irregular, não geométrica, orgânica,sem projetistas, segundo as leis da terra, o dia-a-dia dos habitantes, sem um planodiretor.

O desenvolvimento do espaço urbano é o maior indicador do estado de civilizaçãodo seu povo. É o resultado de múltiplas ações de seus habitantes, às vezes forças que seinteragem e criam formas claras que representam uma nobre cidade. Dois são osingredientes básicos no desenho arquitetônico da cidade: espaço e massa (volume). Aessência do desenho é a interação entre os dois. Em todas as culturas a formaarquitetônica é a expressão da relação das forças de massa e espaço, que por sua vezreflete a relação entre o homem e a natureza, o homem e o universo. A clareza e o rigor,

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da relação entre a massa e o espaço define o nível de excelência do trabalhoarquitetônico em qualquer período do desenvolvimento cultural. [3]

A relação entre volume e espaço nas cidades deve estabelecer que a volumetriaesteja em escala com as necessidades do tempo presente e definida em harmonia com asmodernas tecnologias. Assim a cidade estará dotada de riqueza e variedade, e através daacumulação de variados tipos de associações nas diferentes partes da cidade e onde oscidadãos poderão se identificar. O desafio do desenho da cidade está em construirharmoniosamente as experiências no espaço ao longo do tempo. A arquitetura éformada por uma série de espaços articulados, cada um possuindo qualidadesparticulares e relacionados entre si. O objetivo do projeto é atingir a população que vaiusar e se apropriar destes espaços que devem mexer com suas emoções e sensibilidadesenquanto estes se movem por ele. A função do projeto é fazer com que essasexperiências sejam harmoniosas, continuamente, a cada instante e de todos os pontos devista.

Spiro KOSTOF (1991), em seu livro The City Shaped, estuda o desenho da cidadeatravés de alguns modelos: orgânica, em grid e diagrama, independente da época ou doestilo arquitetônico em vigor. Assim identifica a representação de cada modelo emdistintos períodos da história e seu significado.

O modelo orgânico se encontra na origem modesta de muitas cidades, com suaforma insinuante e gradual. Onde antes haviam campos e pastos, ruas se materializam ese ligam, espaços públicos estreitos abrigam a vida da comunidade, e o estender dascasas engrossam a malha. As construções sobem as vertentes e se adaptam o melhor quepodem à topografia ou à curvatura de um rio. Aos poucos, esse arranjo natural tomaconsciência.

Espaços sugestionam hierarquias institucionais e sociais. O grid é o modelo maiscomum das cidades planejadas, como por exemplo Mileto na Grécia, a cidade ideal dorenascimento ou na América Colonial. O significado do retângulo pode ser distinto acada momento histórico e a cada lugar: para o sacerdote etrusco pode significar uma leicósmica, para os planejadores de Nova York, em 1811, o máximo de possibilidades paraespeculações imobiliárias.

A ortogonalidade é uma maneira de criar ordem urbana, não uma simples fórmula dedesenho urbano. Se o grid urbano está presente na história da cidade, esta não é nemstandard nem previsível. Num terreno plano, ele é o método mais simples de divisão deterra. Mas o grid rapidamente sobe montes ou curva suas linhas para acompanhar umrio. A virtude do grid é ser infinitamente flexível, sob medida para escalas urbanasmoderadas, e até capaz de digerir as superquadras da moderna metrópole. Iniciado emsimples assentamentos, pode estender-se indefinidamente como na grande Chicago ounas conurbações de Buenos Aires ou Lima.

O grid não é necessariamente regular. Antes do renascimento mestres do gótico temo grid das cidades como um problema artístico, por exemplo nas cidades florentinas doséculo XIV, em terreno plano e com um esquema básico aplicado a todas, representandoum uso sofisticado da trigonometria. Funções do seno são relacionadas com as medidasgeométricas do círculo, ou seja, dos arcos e cordas uma vez que os quadros diminuemquanto mais longe do centro.

A consciência artística criada pelos planejadores florentinos precedeu a atituderenascentista de que uma cidade, assim como uma importante construção, deve serproduto de um projeto de arquitetura. No século XV, Alberti e outros vão comparar acidade a um palácio. Segundo Alberti, “o principal ornamento da cidade é a ordenadadistribuição das ruas, praças e edificações de acordo com sua dignidade e funções.” [13]

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O diagrama é uma forma geométrica perfeita, círculos e polígonos de vários tipos,que obedecem a rígidos modos de centralidade, convergência radial ou alinhamentoaxial. É uma simples idéia de um indivíduo, ou instituição, de como o mundo deveriafuncionar de.forma ideal, com a suprema direção do indivíduo ou da instituição, ouainda de acordo com algum princípio envolvendo tudo. A maioria das cidades não saiudo papel, e as que foram construídas duraram pouco, ou por não se adaptarem à rígidasubserviência ou por serem suplantadas por novos princípios de ordem. São desenhosque encontramos, por exemplo, em cidades santas, cósmicas, cuja centralidade é a fé; oupolítica, onde a primazia é para as regras e a proteção militar.

Uma outra forma de analisar o desenho da cidade é por períodos históricos. Otraçado das cidades medievais pode ser mais irregular pelo fato de utilizarem terrenosmais acidentados para melhor defesa, e não há, a priori, o gosto pela simetria, nem senecessita pensar na circulação interna de veículos a rodas. É mais fácil adaptar-se àtopografia do que realizar aterros, ou elevações de terrenos.

No renascimento não se busca a transformação do organismo urbano e territorial.Não há necessidade de fundação de novas cidades nem da expansão das existentes. Aarquitetura do renascimento realiza seu ideal de proporção e regularidade em algunsedifícios isolados e na nova cidade que fica como um objetivo teórico: a cidade ideal.

No barroco, um ponto focal pode se transformar numa força de desenho poderosaque traz ordem ao caos. Por exemplo, em Roma, na Praça de São Pedro e em outraspraças de igrejas, os obeliscos são pontos no espaço que determinam os pontos focais dosistema viário projetado por Sisto V. São finais das linhas de força esticados entre eles.

A função da geometria, na projetação barroca, é esclarecer e orientar. Osplanejadores barrocos mostraram-se muito confiantes a respeito do tipo de ordem queimpunham: não havia lugar no seu planejamento tridimensional nem mesmo para otempo.

Também não perdem tempo estudando as peculiaridades topográficas do sítio.Tendo ido buscar nos monumentos da Grécia e de Roma a sua inspiração original, talmentalidade classicamente formada não tem o sentido do tempo como processo dedesenvolvimento.

Todas essas modificações e adaptações, que são inevitáveis com o crescimentoposterior, são por eles deixadas fora de cogitação. Daí serem os seus planos muitosimétricos, a sua ordem exclusiva e rígida, para admitir, como regra, as necessidadesdas gerações futuras. A planta barroca é uma realização de natureza geométrica; sepossível, sob a orientação de um déspota arquitetônico. A partir do momento que alteraresse tipo de planta, ou introduzir elementos novos, é prejudicar a sua simetria, atémesmo os elementos estéticos superficiais da planta só podem ser preservados atravésde severos regulamentos administrativos.

Entre os séculos XVI e XIX, as principais cidades novas construídas, na Europa, sãopara o abrigo do príncipe e de sua corte. Os prolongamentos urbanos ocorrem emcidades onde a burguesia ganha pretensões quase aristocráticas. As novas plantas sedistinguem dos antigos núcleos medievais pelo emprego de linhas retas, quarteirõesregulares e, na medida do possível, com ruas e avenidas radiais, a cortar imparcialmentevelhos obstáculos e campos novos.

As avenidas em forma de asterisco tem sua origem na aristocracia e seus campos decaça onde os caçadores podem se reunir num ponto central e sair em todas as direções.

Algumas cidades, como Versailles, tem a localização do palácio no local do antigopavilhão de caça. O Palácio na praça central, atrai para si as avenidas que convergempara ele, como o governante reunia o poder político antes disperso entre grupos ecorporações. O palácio também fechava a perspectiva das avenidas.

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Sendo a nova forma de projetar a cidade um símbolo geométrico, significa que afigura abstrata determina o conteúdo social: as instituições da comunidade não maisgeram o plano e o modificam conforme as necessidades especiais da vida. Se atopografia é.irregular, o terreno deve ser uniformizado, por mais absurdo que isso custeem material e mão de obra, simplesmente para fazer o plano funcionar.

As idéias de Vitruvio e a renascença chegam também ao novo mundo. O planoatribuído a Vitruvio e reproduzido em L’Architettura de Cataneo em 1567, é umaproposta para uma cidade ideal desenvolvida sob o estímulo da discussão romana.Algumas cidades européias adotam o culto a Vitruvio, mas o grande impacto das idéiasdo arquiteto encontram expressão nas grandes escalas das cidades fundadas nas colôniasnorte americanas.

Este é um tipo de traçado ideal para as atividades e necessidades sociais doespeculador imobiliário, do construtor improvisado, sendo o meio mais simples deorganizá-la topograficamente através do uso de quarteirões retangulares: quarteirões detamanho idêntico, separados por ruas e avenidas de largura uniforme. Em Savannah, em1733, a evolução do diagrama, segundo uma mesma estrutura, praça com 12 blocos,propicia o crescimento por acréscimo e por extensão. A interação entre os dois modelos,a trama em grade e das ruas dividindo a unidade base, e a trama dos espaços verdes esuas ligações que sublinham a geometria das ruas.

A unidade urbana essencial não era mais o bairro, era o quarteirão, projetado comofunção de uma artéria de tráfego e que se transforma em unidade de distância. Essaforma geométrica sugere que a cidade é uma construção puramente artificial quepossivelmente pode ser separada e reagrupada como uma casa de blocos. A planta dacidade estabelece metas e limites, fixa de maneira geral a localização e o caráter dasconstruções da cidade, e impõe aos edifícios levantados pela iniciativa privada bemcomo pela autoridade pública uma arrumação ordenada dentro da área citadina.

O século XX determina o fim da uma época que teve sua origem no renascimento everá surgir uma nova cidade, a da cidade contemporânea. A solução dos problemas dedesenho da cidade contemporânea não se apóia na forma ou nas relações que existemcomo simetria ou rigidez geométrica. A relação das edificações e o traçado urbano podese estender numa grande composição.

3 Representação da cidadeNo estudo da evolução das cidades as diversas formas de representação gráfica nospossibilita um melhor entendimento do desenvolvimento da forma urbana. Conhecer ehistoriar a iconografia e a cartografia existente sobre as cidades é também uma forma deentender o processo de urbanização e transformação urbana. São muitos os processos derepresentação gráfica utilizados pelos povos desde a antigüidade até os tempos atuaispara registro dos elementos construídos onde se destacam os momentos históricos emque surgem e sua relevância. A evolução das formas de representação urbana passa poruma evolução técnica buscando novos métodos de desenho, novos suportes, novasferramentas para obter maior clareza e adequação no produto final.

As técnicas de representação, com a mudança dos suportes, a mudança de escala, edas ferramentas utilizadas, evoluíram muito desde os primeiros traçados até os temposde hoje. Quem poderia conceber na antigüidade as cidades sendo retratadas por meiodas atuais técnicas computacionais e fotografias feitas por satélites?

As vistas aéreas são uma das formas que encontramos de iconografia urbana. Suaaparição ocorre na Itália do século XVI com a visão de Veneza de Jacobo de Barbari em1500. São vistas realizadas de pontos altos próximos da cidade, mas que muitas vezesde um ponto de vista impossível para a época, e se baseiam na reconstrução da realidade

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a.partir do conhecimento da cidade, e quando possível, com o uso da cartografiaexistente.

Barcelona vai ser retratada em 1563 por Anton van den Wyngaerde como se oobservador estivesse em um ponto de vista elevado, e portanto fictício, tendo como baseuma visão desde a elevação do Montjuic, de croquis feitos percorrendo as ruas e outravista do mar. [10]

No século XIX, a forma e as dimensões das cidades ocidentais se modificamrapidamente. Passam de objetos pequenos e bem delimitados a constituir entidades degrandes dimensões, tentaculares, metrópoles sem limites claros, integradas de formacomplexa no seu entorno territorial. Com isso o ponto de observação necessita estarcada vez mais longe. No final do século XVIII a invenção do balão permite ao homemtransformar em realidade a ilusão de voar e ver a cidade de cima.

A partir de princípios do século XX, o crescimento das cidades unido aodesenvolvimento técnico/científico, o avião e a fotografia, permitem conhecer melhoruma cidade que, como resultado da urbanização maciça, da industrialização e darevolução dos transportes, rompe seus limites, se diversifica e cresce de formadiferenciada.

Chegamos ao final do século XX e as cidades são uma realidade, centro de trocas einovações, motores de crescimento e desenvolvimento, mas também focos deproblemas. Vivemos num mundo urbano. A cidade do final do século XX não temlimites claros, metropolitana, um produto da expansão econômica e urbana que adquirepleno sentido na consolidação das tecnologias de comunicações de pessoas einformações. Para obtermos uma vista aérea dessas conurbações necessitamos adistância de um satélite.

O skyline é a técnica onde se enfatizam os principais edifícios em silhueta contra océu em branco, é como uma assinatura urbana, um resumo da identidade da cidade.Assim são representadas cidades de todos os tipos e períodos, seja para celebrar a fé, opoder ou um feito especial. São concebidos para um espectador externo, para o visitanteoficial, o turista comum e o peregrino. [13]

O skyline, ou silhueta urbana é o retrato da cidade, resultado de um processocumulativo, e de leitura calculada. O ponto de referência que se apresenta é o símboloda vida da coletividade, ela adverte prioridades cívicas e faz palpável a hierarquia dasinstituições públicas. Os skylines podem ter duas características: da paisagem como oPão de Açúcar no Rio de Janeiro ou a proeminência dos edifícios, como em Nova York.Nele aparecem a superposição dos símbolos do poder: a torre da Catedral versus a daPrefeitura; o Castelo do Príncipe versus o Centro Cívico; a rivalidade dos mosteiros dediferentes ordens. Ou mesmo a evolução arquitetônica dos seus elementos como ascúpulas das igrejas, os minaretes, as torres e as chaminé.

Identificar os principais elementos faz parte do ritual de um skyline, como as torresna cidade medieval, as cúpulas da Roma Barroca, as chaminés da cidade industrial e osarranha céus da cidade contemporânea. A cúpula do Duomo de Florença é a imagem doRenascimento e é marca da cidade assim como a cúpula de St. Paul em Londres.

O skyline é usado pelo menos desde o século XII. Antes do renascimento eram,geralmente, ideais. Edifícios considerados “chaves” deveriam ser enaltecidos. Mesmoquando a representação ideal fosse baseada em alguma realidade, se retrata como umaauto imagem da cidade, ou melhor, de quem encomendou o retrato – normalmente opoder administrativo. Por causa de guerras, muitas das cidades tem suas fortificaçõesrealçadas.nas pinturas de seus skylines. Uma primeira sistematização desse tipo derepresentação acontece quando Felipe II da Espanha (1556-98) contrata Anton van der

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Wyngaerde para ilustrar as principais cidades espanholas e de Jacob van Deventer paradesenhar os planos das cidades dos Países Baixos, que estavam sob o seu domínio.

Podem ter um objetivo específico, como servir de pano de fundo a umacontecimento importante, ou para oferecer a alguma autoridade. Ou usadas comopropaganda turística fazendo parte de livros de viagem, guias para peregrinos onde sedestacam as elevações dos monumentos mais importantes. O principal livro de viagemilustrado é Peregrinações na Terra Santa de 1486.

A cartografia é a ciência ou arte de projetar a zona terrestre sobre superfícies planasou desenvolvíveis. Podemos classificar a cartografia em dois tipos: onde se representamtodas as feições naturais e artificiais - essencialmente topográfico; e onde só serepresentam o que se tem interesse especial - são mapas itinerários. Sendo defundamental importância a perfeita representação das cidades são reforçadas osexperimentos das técnicas gráficas, como a xilografia ou a litografia, buscando umamaior precisão dos elementos representados. Não só a mudança de escala do espaçourbano como também a sua complexidade exige novas metodologias de representaçãocomo a cartografia.

Os descobrimentos portugueses e espanhóis tem grande repercussão e desenvolvema curiosidade geográfica. Estes disputam o conhecimento da cartografia para manterseus domínios. A cartografia floresce e se beneficia da recente invenção da imprensa.Esta evolução cria uma verdadeira e nova imagem do Mundo, pela primeira vez, umaimagem unificada e global e começa a se cultivar a diferença e a aceitar ouniversalismo.

Mas a confecção de mapas antecede a arte de escrever, aparentemente uma aptidãoinata da espécie humana. O mapa já era utilizado pelos homens das cavernas paraexpressar seus deslocamentos e registrar as informações quanto às possibilidades decaça, problemas de terreno, matas, rios, etc. Eram mapas em que se usavam símbolos eque tinham por objetivo melhorar a sobrevivência. Eram mapas topológicos, sempreocupação de projeção e de sistema de signos ordenados. Os símbolos pictóricos eramde significação direta, sem legendas pois era a própria linguagem deles, a iconografia.

O mapa é uma representação codificada de um determinado espaço real. Podemosaté chamá-lo de um modelo de comunicação visual, que se vale de um sistemasemiótico complexo. A informação é transmitida por meio de uma linguagemcartográfica que se utiliza de três elementos básicos: sistema de signos, redução eprojeção.

O mapa mais antigo que se tem conhecimento da Babilônia Antiga data do séculoXX a.C., e se trata de uma tábua em argila cozida com a representação de duasmontanhas e o rio Eufrates. No Vale do Pó no norte da Itália se identifica um mapa doséculo XIV a.C., onde estão descritas atividades de um povo agrícola. A principal obracartográfica da antigüidade são os 8 volumes de Geografia que datam do século II d.C.,obra do cartógrafo, geógrafo e astrônomo grego Ptolomeu, que se encontra no Museu daCidade de Alexandria e se compõe de 27 mapas de países mediterrâneos. No séculoXVI foi realizada uma tentativa de mostrar as cidades como eram e foi publicado oCivitates Orbis Terrarum com 5 volumes publicados entre 1572 e 1598 e um 6º em1617. [18]

Os mapas antigos eram representados mais pelo simbolismo do que pela lógicapragmática, como mostra o plano da capital asteca Tenochtitlán do século XIV, onde olocal de fundação da futura capital é assinalado por uma águia pousada num cactos quecresce numa rocha.

No Renascimento se desenvolve o chamado plano iconográfico, ou plano do solo,onde se representa a cidade de pontos de vista infinitos, todos perpendiculares a cada

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ponto topográfico. Esta complicada abstração reduziu a cidade a duas dimensõesregistradas por cheios e vazios. Este plano do solo, conhecido dos romanos, masabandonado na idade média, se tornou possível outra vez pelo desenvolvimento deavançadas técnicas topográficas e instrumentos durante o século XVI.

Na Era Moderna, observamos uma mudança radical na forma de representar acidade. Um plano apresentado para o Prêmio de Roma, desenhado por Monsieur Giroudem 1922 e o de Le Corbusier, mostram o passo dado entre as duas fases. [3]

O primeiro fecha a era da Beaux Arts, onde o desenho das edificações se coordenaao desenho do solo, que são representados por sua estrutura interna e externa como umsó projeto. A forma das edificações são derivadas do projeto de parcelamento do solo. Oprojeto apresenta o espaço como uma só totalidade, onde tudo se coordena com tudo. Éuma representação acadêmica.

No segundo, Le Corbusier inaugura uma nova fase, onde ficam claras asconseqüências da revolução da arquitetura, separando a edificação do terreno. A massasuspensa sobre o terreno, e o desenho dos dois são independentes. Enquanto asedificações se posicionam de forma geométrica rígida sobre o terreno, os caminhos poreste seguem seu próprio sistema curvilíneo. Exemplo do projeto de Chandigarh, onde assombras sugerem o volume das construções e as destacam do terreno.

Os meios computacionais revolucionaram a sociedade do século XX. A informática,com seu desenvolvimento galopante nos últimos 25 anos, vem proporcionando aohomem a possibilidade de manipular inúmeras informações num pequeno espaço detempo. São estes meios computacionais que vêm reformar totalmente o processo deelaboração e manipulação da imagem e do som. A representação do mundo real ficalimitada à criatividade do homem, que nos tempos atuais, pode realizar quase tudoaquilo que idealizar quando se trata da representação do mundo real.

As imagens que atualmente podem ser elaboradas nos computadores são imagensdigitais em duas ou três dimensões. As maquetes tornaram-se intangíveis, são modelostridimensionais que estão numa tela de computador, mais em compensação permitem apresença do homem em seu interior, numa simulação da realidade, sem que para issoseja necessário construir-se um modelo em tamanho natural.

A cidade moderna e o universo de informações que a compõe, logo vira centro parao uso desta nova tecnologia. O homem percebe que, com a tecnologia computacional,pode expressar o espaço da cidade com todos os seus entes num mecanismo dinâmico, etambém pode oferecer, naquele mesmo veículo, inumeráveis informações sobre cadaum destes entes e sobre a cidade como um todo: surge o geoprocessamento.

4 Considerações FinaisO pequeno resumo do estudo da evolução histórica do desenho da cidade, seja comomorfologia do traçado urbano, seja como representação e técnica de expressão gráfica éo primeiro momento de um projeto de pesquisa maior. Esta pesquisa, da qual estacomunicação faz parte de sua fundamentação teórica, se trata de um estudo de casoonde serão analisadas as diversas formas de representação gráfica da Cidade deSalvador, assim como os projetos urbanos elaborados para esta cidade. A pesquisa“Representação Gráfica da Cidade de Salvador” encontra-se em sua fase inicial.

Nesta primeira etapa, aqui apresentada preliminarmente, traçamos um primeiroesboço do marco teórico da questão “desenho da cidade” e um primeiro levantamentobibliográfico para a elaboração do estado das artes. Não pretendemos com estacomunicação dar por encerrada esta primeira etapa, e sim, fazer uma primeirasistematização do material até agora pesquisado.

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Referências

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