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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Elvira Maria Godinho Aranha O papel do diretor escolar: uma discussão colaborativa MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA LINGUAGEM SÃO PAULO 2009

Elvira Maria Godinho Aranha O papel do diretor escolar ... Maria... · Sueli Salles Fidalgo, integrantes da banca de qualificação, pela leitura cuidadosa, pelas críticas e orientações

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Elvira Maria Godinho Aranha

O papel do diretor escolar: uma discussão colaborativa

MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA

E ESTUDOS DA LINGUAGEM

SÃO PAULO

2009

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Elvira Maria Godinho Aranha

O papel do diretor escolar: uma discussão colaborativa

MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA

LINGUAGEM

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora como exigência parcial

para obtenção do título de Mestre em

Linguística Aplicada e Estudos da

Linguagem pela Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo sob orientação da

Profa. Dra. Maria Cecília Camargo

Magalhães.

SÃO PAULO

2009

FICHA CATALOGRÁFICA

ARANHA, Elvira M. G. O papel do diretor escolar: uma discussão

colaborativa. São Paulo, s.n., 2009.

Dissertação de Mestrado: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Área de Concentração: Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem

Orientadora: Profa. Dra. Maria Cecília Camargo Magalhães

Palavras-Chave: Pesquisa Crítica de Colaboração, Direção Escolar, Formação

de Educadores.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

__________________________________________

__________________________________________

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Profª. Dra. Maria Cecília Camargo Magalhães, por seu incentivo, paciência e confiança no meu trabalho. Por me apontar caminhos, mesmo quando pensei que este empreendimento não poderia ser possível.

À pesquisadora Maria Cecília Camargo Magalhães, cujo trabalho e os valores que ele encerra são fonte constante de inspiração.

A todos os professores do LAEL, que conheci e aprendi a admirar, por me mostrarem outros mundos possíveis, abrirem meus horizontes e colaborarem na minha constituição como pesquisadora.

Agradeço especialmente à Profª. Dra. Fernanda Coelho Liberali, pelas oportunidades de crescimento oferecidas nos projetos de pesquisa durante este período, e pela crítica ao meu trabalho durante as aulas em 2008, que me impulsionou a buscar respostas e ir além.

Agradeço à Profª. Dra. Maria Otilia Guimarães Ninin e à Profª. Dra. Sueli Salles Fidalgo, integrantes da banca de qualificação, pela leitura cuidadosa, pelas críticas e orientações exigentes e precisas, que colaboraram muito para reorganização final desta dissertação.

À Sueli, que me introduziu neste caminho de pesquisa e tem uma importância enorme na minha vida. Mesmo de longe, foi durante este período um “outro para mim”, com quem bati longos papos imaginários.

À querida Otília, com quem aprendi muito, muito mesmo, durante os cursos do COGEAE. Considero-me privilegiada por ter tido a oportunidade de trabalhar com você.

À Professora Fernanda Moreno Cardoso que acompanhou de longe e de perto a minha caminhada, agradeço muito mais do que a revisão cuidadosa.

Às minhas queridíssimas amigas, sem as quais não poderia ter realizado este trabalho: Cris Castelani, por sua alegria e presença constante, e Lena, por sua paz de espírito, interlocutoras de todas as horas. Norma, Helena, Rose, Mona, Mônica Guerra, Mônica Lemos, Rosa, Cris, Ilka, Valquíria, com quem dividi risos e angústias, apoio, dúvidas e questionamentos. E a tantas e tantos outros amigos que fiz neste caminho.

Agradeço, também especialmente, à Vivi e à Edna, por sua disponibilidade, presença e torcida.

A Maria Lúcia e Márcia, funcionárias do LAEL.

À CAPES, pelo apoio financeiro durante o período de desenvolvimento deste trabalho.

Dedico este trabalho à minha família.

Aos meus pais.

Ao meu amor, Henrique, companheiro de todas as horas, por seu incentivo e compreensão durante este período, seus conselhos e por ser sempre meu porto seguro.

Aos meus filhos, Pedro e Carol, por me questionarem sempre e por me incentivarem a ser sempre mais. Amo vocês.

À queridíssima Dinda, onde você estiver.

Agradecimento especial

Para “Valéria”, que aprendi a conhecer e a admirar.

Meus mais sinceros agradecimentos pela aprendizagem que esta relação me proporcionou. Pela transparência com que me mostrou a realidade do diretor escolar e pelo empenho e interesse em ir sempre além.

Agradeço, também, a “Áurea” e “Cleonice”, que compartilharam suas perspectivas e muito contribuíram para a compreensão do papel do diretor escolar.

RESUMO Autora: Elvira Maria Godinho Aranha

Título: O papel do diretor escolar: uma discussão colaborativa.

Este trabalho tem como objetivo geral investigar o processo de produção de significados

compartilhados sobre direção escolar a partir do processo colaborativo desenvolvido

entre uma pesquisadora e a diretora de uma escola da rede pública municipal. Mais

especificamente, é objetivo desta pesquisa compreender como e de que maneira a

relação entre pesquisadora e diretora permitiu esse processo, voltado á construção de

uma escola mais democrática e participativa. Desenvolvido em uma Escola Municipal

de Educação Infantil da Cidade de São Paulo, está fundado na Pesquisa Crítica de

Colaboração - PCCol (MAGALHÃES, 1994/2007, 1998/2007, 2009p). Considerando

que este tipo de metodologia propõe a aprendizagem e o desenvolvimento para todos os

envolvidos, o arcabouço teórico está embasado na Teoria da Atividade Sócio-Histórico-

Cultural (TASHC) considerando as discussões de Vygotsky, (1927/2004, 1934/2001,

1925/2004, 1930/2004, 1926/2004), Leontiev (1977, 1978, 1983, 2004), Daniels

(1993/1999, 2002, 2003), Newman & Holzman (1993/2002) e Engeström (1987, 1999a

1999b, 1999c), sobre aprendizagem e desenvolvimento, consciência e mediação. Apoia-

se também nos estudos do Círculo de Bakhtin (1929-1930/2006,1934-35/1998). O

objeto da atividade focalizada neste trabalho é a Formação de Diretor. A discussão dos

resultados foi realizada com base em recortes selecionados de interações entre a

pesquisadora e a diretora ao longo de nove encontros. Está pautada em categorias

desenvolvidas por Bronckart (1999/2007), Kerbrat-Orecchioni (2006); Pontecorvo

(2005), Wertsch & Smolka (1993/1999) Brookfield & Preskill (2005). Os resultados

revelam que: (i) as relações desenvolvidas entre as participantes possibilitaram

aprendizagem e desenvolvimento a ambas; (ii) os sentidos iniciais das duas

participantes sobre direção foram ressignificados; e (iii) as relações desenvolvidas

tiveram uma repercussão no planejamento das ações da direção e sugerem modificações

no contexto imediato. Aponta, também, para a importância da construção de artefatos de

mediação que representaram tanto o compartilhamento de significados como a

possibilidade de avanço na Atividade Formação de Diretor.

Palavras-Chave: Pesquisa Crítica de Colaboração, Direção Escolar, Formação de

Educadores

ABSTRACT This dissertation aims to investigate the overall production process of shared meanings

related to school administration, starting from the collaborative process developed

between a researcher and the director of a municipal public school. More specifically,

the aim of this research work is to elicit how the relationship between researcher and

director allowed for the process, having its focus on building a more democratic and

participatory school. Developed in a municipal school of Children Education in the City

of São Paulo, this work is based on the methodology of Collaborative Critical Research

- PCCol (MAGALHÃES, 1994/2007, 1998/2007, 2009p). Considering this kind of

research suggests there should be learning and development for all involved, the

theoretical frame of the study is based on the Socio-Cultural-Historical Activity Theory

(TASCH), and taken into account are the discussions of Vygotsky, (1927/2004,

1934/2001, 1925-1930/2004, 1925/2004, 1930/2004, 1926/2004), Leontiev (1977,

1978, 1983, 2004), Daniels (1994, 2001, 2002), Newman & Holzman (1993/2002) and

Engeström (1987, 1999 a, 1999b,1999c 7) on learning and development, awareness and

mediation. It is also supported by the studies of Bakhtin´s Circle (1929-1930/2006,

1934-35/1998). The Activity focused in this study has been defined as director training.

The analysis and discussion of results was based on clippings of selected interactions

between the researcher and the director over nine meetings and guided by categories

based on the texts of Bronckart (1999/2007), Kerbrat-Orecchioni (2006), Pontecorvo

(2005), Wertsch & Smolka (1993/1999) Brookfield & Preskill (2005). The results

mentioned here show that: (i) the relationships developed between the participants

enabled learning and development, (ii) the original meanings were re-signified and (iii)

the interactions developed had an impact on the director´s action planning and

suggested changes in the immediate context. They also point to the importance of

building mediation devices which represented both the sharing of meanings and the

opportunity to advance in what concerns the Director Training process Activity.

Key Words: Collaborative Critical Research, School Administration, Educator Training

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 001

CAPÍTULO 1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................. 007

1.1 O pano de fundo social: o mundo contemporâneo - concepções, perspectivas e desafios 008 1.1.1. Nova sociedade, novos desafios para a escola e para a formação de seus atores .... 008

1.2. A emergência do paradigma de gestão escolar e o papel do diretor escolar ..................... 012

1.3. Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural: TASHC ................................................... 015 1.3.1. Consciência, atividade e desenvolvimento .............................................................. 020 1.3.2. Mediação: aprendizagem e desenvolvimento .......................................................... 024 1.3.3. Linguagem, consciência e desenvolvimento ........................................................... 027 1.3.4. Sentido e significado ............................................................................................... 029 1.3.5. Linguagem, Linguística Aplicada e Pesquisa Crítica de Colaboração .................... 031

1.4 A Pesquisa Crítica de Colaboração .................................................................................... 033 1.4.1. Pesquisa crítica de colaboração: reflexão e formação ............................................. 036

1.5. Linguagem e produção de significados compartilhados: as teorias de análise ................. 041 1.5.1. Interação e produção de significados ....................................................................... 041

1.5.2. As contribuições de Bronckart.................................................................................. 048

CAPÍTULO 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA ................................. 055 2.1. Os paradigmas de produção de conhecimento .................................................................. 055 2.2. Os vários tipos de pesquisa ............................................................................................... 057 2.3. Definição da Metodologia de Pesquisa ............................................................................. 059 2.4. O percurso da pesquisadora .............................................................................................. 060 2.5. Macro contexto de Pesquisa .............................................................................................. 062

2.5.1. Caracterização do bairro e da população pela própria Prefeitura de São Paulo ...... 063 2.5.2. Contexto imediato .................................................................................................... 064

2.6. Participantes da Pesquisa .................................................................................................. 064 2.6.1. Participantes primárias ......................................................................................... 065 2.6.2. Participantes secundários ...................................................................................... 065

2.7. Produção dos dados ........................................................................................................... 065 2.8. Condução e desenvolvimento da pesquisa ........................................................................ 070 2.9. Seleção dos dados ............................................................................................................. 074 2.10. Categorias de análise dos dados ...................................................................................... 074 2.11. Credibilidade da pesquisa ............................................................................................... 083

CAPÍTULO 3. DISCUSSÃO E DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS .................................... 085 3.1. Primeiro Momento: Levantando as necessidades dos participantes e aprofundando o

conhecimento do contexto específico de ação ............................................................... 086 3.1.1 Sentidos e significados sobre o papel da direção na organização da participação

da comunidade e no fortalecimento do Conselho de Escola................................. 087 3.1.2 Sentidos e significados sobre o papel do diretorna formação dos profissionais

da escola ............................................................................................................... 089 3.1.3 Sentidos e significados sobre o papel do diretor na organização da equipe

técnica e questões administrativas da escola....................................................... 091 3.1.4 Sentidos e significados sobre o papel do diretor no planejamento das ações na

escola................................................................................................................... 093 3.2 Segundo momento da Atividade: a introdução dos artefatos de mediação explícita......... 101

3.2.1 Descrição dos Artefatos.......................................................................................... 101 3.2.1.1 Artefato 1: “Tabela de Ações”............................................................... 101

3.2.1.2 Artefato 2: “Jogo de Papéis”.................................................................. 102 3.2.2 Exemplos de Uso dos Artefatos.......................................................................... 104

3.2.2.1 Tabela de Ações................................................................................. 104 3.2.2.2 Jogo de papéis: instrumento e resultado................................................ 106

3.3 Retomando sentidos e compartilhando significados das ações na escola ......................... 114 3.3.1 Sentidos/significados sobre o papel do diretor na organização da

participação da comunidade e no fortalecimento do conselho de escola........... 114 3.3.2 Sentidos/significados sobre o papel do diretor na formação dos profissionais

da escola............................................................................................................. 118 3.3.3 Sentidos/significados sobre o papel do diretor na organização administrativa

............................................................................................................................ 122 3.3.4 Sentidos/significados sobre o papel do diretor no planejamento das ações na

escola ................................................................................................................. 123 3.4 Foco na relação diretora e pesquisadora na construção de novos significados sobre

direção escolar ................................................................................................................... 127 4. Considerações finais ............................................................................................................. 153 Referências Bibliográficas ....................................................................................................... 159

ANEXOS ANEXO 1 - ROTEIRO DA ENTREVISTA INICIAL ANEXO 2 - TABELA DE AÇÕES ANEXO 3 - JOGO DOS PAPÉIS

ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1.1 - Tipos de Perguntas com respectivos objetivos e exemplos ...................... 046Quadro 1.2 - Situação de ação e Tipos de Discurso ....................................................... 050Quadro 2.1 - Visão geral dos instrumentos de produção dos dados e sua utilização...... 066Quadro 2.2 - Artefatos utilizados em mediação explícita .............................................. 067Quadro 2.3 - Linha do tempo dos eventos desta pesquisa ............................................. 072Quadro 2.4 - Visão geral dos encontros analisados durante a pesquisa ......................... 073Quadro 2.5 - Código de transcrição ............................................................................... 074Quadro 2.6 - Plano geral do texto produzido na entrevista de 9 de março de 2007 ...... 075Quadro 2.7 - Exemplificação de temas introduzidos pelas interlocutoras ..................... 076Quadro 2.8 - Modalizações: tipos, conceituação, características linguísticas e

exemplos ................................................................................................... 077

Quadro 2.9 - Turnos: classificação, função e exemplificação ....................................... 078Quadro 2.10 - Tipos de Perguntas .................................................................................... 079Quadro 2.11 - Categorias de Comentários ....................................................................... 080Quadro 2.12 - Categorias de verbos utilizados................................................................. 082Quadro 2.13 - Síntese dos Principais Elementos da Pesquisa........................................... 083Quadro 2.14 - Ações de Credibilidade da Pesquisa.......................................................... 084Quadro 3.1 - Conteúdos Temáticos: preocupações da diretora no Primeiro Momento

da Pesquisa................................................................................................. 100

Quadro 3.2 - Tabela de Ações - visão simplificada........................................................ 102Quadro 3.3 - Visão geral das preocupações da diretora no final deste segundo

momento da pesquisa................................................................................. 127

1

IInnttrroodduuççããoo

O processo pedagógico é a vida social ativa, é a substituição de vivências combativas responsivas [...] A vida se revela como um sistema de criação, de permanente tensão e superação, de constante criação e combinação de novas formas de comportamento. Assim, cada idéia, cada movimento e cada vivência são uma aspiração de criar uma nova realidade, um ímpeto no sentido de alguma coisa nova (VYGOTSKY, 1924-25/2004).

Este trabalho tem como objetivo geral investigar criticamente o processo de

produção de significados compartilhados sobre direção escolar a partir do processo

colaborativo desenvolvido entre uma pesquisadora e a diretora de uma escola da rede

pública municipal. Mais especificamente, é objetivo desta pesquisa compreender se e

como a interação de uma pesquisadora e uma diretora permitiu a produção de

significados partilhados sobre direção escolar, com foco na construção de uma escola

mais democrática e participativa. As questões que me conduziram ao mestrado tiveram

origem em reflexões sobre minha prática profissional. Atuando durante mais de 20 anos

em escolas particulares na cidade de São Paulo e exercendo as funções de orientadora

educacional, orientadora pedagógica e coordenadora, sempre fiz parte da equipe diretiva

das escolas. Desde sempre me interessei pela escola enquanto organização / sistema,

bem como pelas diferenças entre as escolas em que trabalhei. Se algumas conseguiam se

manter sempre atualizadas, vivendo um clima organizacional favorável e com

possibilidades de contínua renovação de seus propósitos em busca das demandas que se

apresentavam, outras, no entanto, apesar dos esforços, e muitas vezes contando com

ótimos profissionais, não conseguiam atingir seus objetivos e metas.

Comecei, então, a prestar atenção ao papel do diretor, em sua postura como

articulador da equipe diretiva, nas suas concepções filosóficas e no seu conhecimento

pedagógico relacionado a objetivos mais amplos. Um aspecto que logo chamou minha

atenção foi a distância entre a teoria e a prática, mais especialmente entre o seu discurso

e a sua ação.

Como discutido por vários autores na literatura educacional (cf. NÓVOA, 1995;

LÜCK, 2000, 2006a, b, c; LIBÂNEO, 2004; ALONSO E ALMEIDA, 2007), até há

bem pouco tempo, o modelo típico de direção de escola apresentava um diretor tutelado

2

pelos órgãos centrais, sem autonomia para determinar os destinos do estabelecimento de

ensino pelo qual respondia e, consequentemente, desresponsabilizado de suas ações e de

um compromisso mais amplo com os resultados pretendidos. Seu trabalho consistia

basicamente em repassar informações, controlar, supervisionar, de acordo com as

normas pré-estabelecidas, e agir de acordo com elas. Portanto, “tensões, contradições e

conflitos eram eliminados ou abafados” (LÜCK, 2000: 17).

Contrariamente a essa visão, o diretor passa a ser entendido, atualmente, como

um articulador de toda a equipe de educadores. Sua atuação é hoje considerada como

fundamental para a criação de um ambiente propício para a discussão de questões

referentes ao ensino-aprendizagem, à participação colaborativa, à construção de

cidadania e à implementação de programas de formação contínua de educadores

(docentes e não docentes). Muito embora diretores já tenham uma percepção cada vez

mais nítida da inadequação de algumas formas de atuação para o enfrentamento dos

desafios atuais, sua prática cotidiana ainda se revela fragmentada, técnica e burocrática,

restringindo-se à divisão e distribuição de tarefas destinadas a organizar o cotidiano

escolar.

Considerando-se a escola como um organismo vivo, a evolução de sua

organização está diretamente relacionada com o desenvolvimento das pessoas que a

compõem, o que implica, diretamente, que a formação de seus gestores passa a ser um

desafio e uma necessidade. Compromisso, continuidade da equipe e formação constante

parecem ser ingredientes que possibilitam o sucesso na construção de uma escola mais

democrática e comprometida com metas e resultados. Mas como construir essa

realidade? Como sustentar a transformação dessas práticas?

Nos cursos em que participei como aluna, monitora ou professora assistente,

pude verificar que diretores e vice-diretores relatam a grande dificuldade em encontrar

espaços adequados de formação e de trocas profissionais (seminários, palestras e

cursos), que os auxiliem na sustentação da tão desejada e urgente transformação de suas

práticas1. Pouca ou quase nenhuma atenção é dada ao processo de aprendizagem desses

profissionais, que tão importante papel têm no desenvolvimento direto de professores e

alunos. Como aponta Magalhães (1994), os programas de “capacitação” de profissionais

1 Depoimentos de profissionais participantes dos cursos organizados pelo LAEL, PUC-SP e oferecidos pelo COGEAE-SP: “Diretor Escolar - Articulando Papéis Funções e Reflexões”, e também o Projeto Ação Cidadã, desenvolvido pelo LAEL, PUC-SP.

3

da educação são muitas vezes organizados por órgãos centrais, cuja tendência é

considerar a problemática educacional em seu caráter genérico e amplo, o que muitas

vezes resulta num conteúdo abstrato e desligado da realidade. Tal distanciamento está

associado a uma separação entre o pensar e o fazer. Por esse motivo costumamos ouvir

desses profissionais que “na prática, a teoria é outra”.

Se o desenvolvimento de novas competências deve ser o foco de programas e

espaços de formação de gestores, é importante que esses espaços sejam organizados de

modo a considerar a unidade dialética teoria e prática. Esta pesquisa pretende,

justamente, investigar essa questão, ou seja, a possibilidade de espaços colaborativos

em que teoria e prática se relacionem na e pela construção dos sentidos e significados

sobre o papel de uma diretora como articuladora da equipe diretiva, na e pela construção

de uma escola mais participativa.

Desenvolvida numa Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), localizada

em Cidade Tiradentes, bairro com população de baixa renda situado no extremo leste da

cidade de São Paulo, pretendeu-se criar espaços colaborativos de discussão entre

pesquisadora e diretora como lócus para repensar as necessidades de seu contexto

específico.

Para desenvolver este trabalho, a metodologia escolhida foi a Pesquisa Crítica de

Colaboração, tal como definida por Magalhães (1994/2007, 1996/2007, 1998a, b/2007),

Magalhães e Liberali (2007) e Liberali (1999), que tem como objetivos a emancipação

de todos os participantes envolvidos e a transformação de sua ação e do contexto. Na

medida em que as relações entre educadores (pesquisadora – diretora, diretora –

coordenadora pedagógica e assistente de direção) em seus diferentes papéis, se dão a

partir de discussões reflexivas sobre suas práticas, em que a linguagem ocupa um papel

central, este projeto insere-se no campo interdisciplinar da Linguística Aplicada.

Rojo (2006) sinaliza que a partir das mudanças históricas dos últimos dez anos,

as discussões na área da Linguística Aplicada apontam cada vez mais para o seu caráter

transdisciplinar. Na mesma direção, Celani (2004) já discutia e apontava que o linguista

aplicado tem como ponto de partida “um problema com o qual as pessoas se deparam

ao usar a linguagem na prática social e, em um contexto de ação, procuram subsídios

em várias disciplinas para que possam iluminar as questões em jogo” (CELANI,

2004:114). Atualmente, muitos autores têm insistido numa Linguística Aplicada

4

comprometida com a busca de solução de problemas contextualizados, ligados ao uso

da linguagem, suficientemente relevantes para exigir contribuições teóricas que tragam

ganhos às práticas sociais e a seus participantes (ROJO, 2006; KLEIMAN, 2004) e que

superem a tradicional divisão do trabalho entre teoria e prática (KLEIMAN, 2004;

MOITA LOPES, 2006b).

Neste quadro, muitos estudiosos têm se dedicado à temática de formação de

educadores. Entre eles, podemos apontar as importantes contribuições do grupo de

pesquisa do Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da

Linguagem (LAEL) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que se

caracteriza pelo desenvolvimento de estudos que envolvem educadores das redes

pública e particular. Esses trabalhos têm contribuído para o entendimento de que os

profissionais da educação (especialmente professor, coordenador, pesquisador) devem

se preocupar com a articulação teórico-prática. Entre as diferentes pesquisas que vêm

sendo realizadas, destacam-se os trabalhos de Magalhães (1990, 1992, 1994, 1996,

1998a, 2000, 2009p), que enfocam a necessidade de investigação das ações de

coordenadores e professores em busca de aproximação da teoria com a prática, tendo

como suporte a teoria crítica do conhecimento e a colaboração. Nessa mesma direção,

Liberali (1999) enfatiza a importância do papel do coordenador na formação dos

professores e o foco de seus trabalhos está em criar oportunidades de reflexão a ambos.

Também Ninin (2006a) investigou um trabalho colaborativo com uma equipe diretiva,

cujo foco era caracterizar a pesquisa colaborativa.

Pesquisadores ligados a diferentes áreas da Educação, tais como Psicologia da

Educação, Supervisão e Currículo têm enfocado o papel do diretor como formador de

professores, considerando ora os desafios tecnológicos ou as reformas educacionais, ora

as relações interpessoais envolvidas em seu trabalho ou sua atuação na escola pública.

Ximenes (2003) investigou a atuação do diretor escolar enquanto agente do

processo de democratização das relações na escola junto à comunidade usuária,

focalizando a busca da re-humanização da escola. Saboya (2004) discutiu direção

escolar e identidade sexual em busca de caracterizar as ações desenvolvidas pelos

diretores, concluindo que a direção escolar pressupõe características e ações

socialmente definidas tanto como femininas quanto masculinas. Silva (2006) investigou

o papel do diretor escolar na formação de uma cultura escolar inclusiva. Tendo como

base teórica a psicologia sócio-histórica, observou como os aspectos idiossincráticos do

5

diretor influenciam de maneira decisiva, facilitando ou dificultando a implantação da

inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais.

Muitos outros pesquisadores trazem contribuições importantes para a área,

focando ora a formação de professores (NÓVOA, 1995), ora as relações pedagógicas

entre formador e formandos e a natureza das propostas de formação (GARCIA, 1995;

NÓVOA, 1995), ora a função do diretor (LIBÂNEO et al., 2007). Aspectos

relacionados à gestão e à democratização da gestão escolar, bem como mecanismos de

participação foram também discutidos por Lück (2000, 2006a, B, C), Libâneo (2004),

Alonso e Almeida (2007), Thurler (2001), Vieira (2000), entre outros.

Embora todos os aspectos citados sejam de fundamental relevância, em se

tratando da formação de educadores, ainda são relativamente poucos os estudos que

procuram compreender o papel do diretor, especialmente no desenvolvimento de novas

competências da equipe diretiva; e pouca atenção também tem sido dada ao processo de

formação específico desse profissional.

Este trabalho visa a preencher essa lacuna, através da investigação do processo

de construção do conhecimento que envolve uma diretora, uma pesquisadora e uma

equipe diretiva em formação. Nesse sentido, é objetivo desta pesquisa compreender se e

de que maneira a relação entre pesquisadora e diretora permitiu a produção de novos

significados partilhados. São perguntas de pesquisa:

1. Quais os sentidos declarados e os significados compartilhados sobre direção escolar

pelos participantes: diretora e pesquisadora externa? Há transformação? Qual(is)? O

que caracteriza essa transformação?

2. Como pesquisadora e diretora interagem na construção de novos significados sobre

direção escolar? Há transformação? Qual(is)? O que caracteriza essa transformação?

Este trabalho organiza-se em quatro partes.

Capítulo 1: Fundamentação Teórica – apresento a Teoria Sócio–Histórico-

Cultural, enfatizando as contribuições de Vygotsky, (1927/2004, 1934/2001, 1925/2004,

1930/2004, 1926/2004), Leontiev (1977, 1978a e b, 1983, 2004), Daniels (1993, 2002,

2003), Newman & Holzman (1993/2002) e Engeström (1999a, b, c, , 1987/2007), sobre

aprendizagem e desenvolvimento, consciência e mediação, acompanhadas das

abordagens teóricas sobre a Teoria da Atividade (TA) (LEONTIEV, 1977, 1978a, b,

1983); ENGESTRÖM, 1987, 1999), seguidas das contribuições de Bakhtin (1979/2003,

6

1929/2005, 1929-30/2006) sobre dialogia e polifonia do discurso, que explicam a

multivocalidade dentro da TA.

Discorro, ainda, sobre a pertinência deste trabalho no campo interdisciplinar da

Linguística Aplicada, bem como os conceitos fundamentais para a Pesquisa Crítica e a

Reflexão Crítica (SMYTH, 1992; KEMMIS, 1987) e os pressupostos teóricos da

Pesquisa Critica de Colaboração (MAGALHÃES, 1994, 1996, 1998a, b, 2009p;

MAGALHÃES & LIBERALI, 2007). Finalizando este capítulo discuto as teorias de

análise que fundamentaram a discussão dos resultados, conforme Bronckart

(1997/2007), Kerbrat-Orecchioni (1996/2006); Pontecorvo (2005), Wertsch & Smolka

(1993), Brookfield & Preskill (2005).

Capítulo 2: Fundamentação Teórico-Metodológica – discuto inicialmente,

neste capítulo, questões relacionadas aos diferentes paradigmas que a humanidade vem

construindo em seus vários processos de produção de conhecimento. Em seguida,

apresento e justifico a metodologia adotada neste trabalho. Discorro sobre a

problematização que gerou esta pesquisa e justifico a escolha metodológica da Pesquisa

Crítica de Colaboração, dentro do enfoque da Linguística Aplicada. Em seguida,

descrevo o contexto de pesquisa, os participantes, o procedimento para a geração de

registros e para seleção de dados, os critérios e as categorias de análise e discussão dos

dados. Finalizo o capítulo com considerações a respeito da confiabilidade desta

investigação.

Capítulo 3: Discussão dos Resultados – retomo as perguntas de pesquisa e, a

partir da análise de excertos das reuniões realizadas, procuro respondê-las com base no

aporte teórico adotado na Fundamentação Teórica.

Finalizo a discussão com as Considerações Finais sobre o trabalho

desenvolvido.

7

CAPÍTULO 1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA (...) os homens transformam as circunstâncias e o próprio educador precisa ser educado (...). A coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou automudança só pode ser considerada e compreendida racionalmente como práxis revolucionária (MARX, 1845-46/2007: 100).

Neste capítulo apresentarei o arcabouço teórico desta pesquisa. Considerando as

discussões de Vygotsky (1927/2004) que, apoiadas em Marx e Engels (1845-46/2007),

apontam a centralidade do contexto particular de ação para a compreensão dos sentidos

dos participantes em uma interação, a atividade do diretor não pode ser entendida fora

do contexto das discussões sobre a função da escola e das transformações sócio-

histórico-culturais e políticas, ocorridas na sociedade. Para dar conta dessas questões,

organizo este capítulo em quatro seções:

(1) o pano de fundo social para as novas exigências que influenciam os papéis na escola

(professor, aluno e equipe diretiva);

(2) as questões referentes ao conceito de gestão e ao papel do diretor tal como têm sido

discutidas por pesquisadores e teóricos sob diferentes perspectivas;

(3) o quadro teórico da Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural (TASHC) para o

entendimento dos motivos dos participantes da pesquisa em agir e os papéis que

atribuem a si na divisão de trabalho, no contexto escolar e na pesquisa; enfatizo as

contribuições teóricas de Vygotsky e Leontiev e seus seguidores: Daniels (1993/1999,

2003, 2002), Newman & Holzman (1993/2002) e Engeström (1987, 1999, 2002, 2007),

com foco, especialmente, nos conceitos relacionados a atividade e consciência,

aprendizagem e desenvolvimento;

(4) a relação entre linguagem, colaboração e criação de novos conhecimentos na Pesquisa

Crítica de Colaboração.

Todos esses conceitos contribuem para o entendimento de questões relacionadas

à constituição histórica do papel do diretor escolar, bem como à tomada de consciência

das participantes desta pesquisa, possibilitada pela análise e discussão das ações na

escola e pela colaboração que se constituiu na aprendizagem dos novos papéis a serem

desempenhados.

8

1.1 O pano de fundo social: o mundo contemporâneo – concepções, perspectivas e desafios

As transformações sociais, a discussão do papel da escola na era do

conhecimento, as expectativas de formação dos indivíduos em face de novas tendências

e o significado e função dos profissionais da escola estão emaranhados numa complexa

teia de relações, de modo que se influenciam mutuamente e contribuem para a maneira

como cada indivíduo, em particular, atribui sentido à sua função. A compreensão do

papel do diretor e a transformação de suas funções ao longo dos anos não podem ser

entendidas sem que se considerem as transformações nos paradigmas de conhecimento

que impactam a sociedade atual.

Ainda que não seja objetivo deste trabalho aprofundar essas questões, considero

que apontar para elas é importante por identificar que estão em campo novas realidades

econômicas, sociais, tecnológicas, que “entrelaçam uma série de novos significados,

práticas técnicas e institucionais, procedimentos de subjetivação e relação discursiva

sobre o mundo, o homem e a sociedade tornando reduzida qualquer tentativa de

explicação simplista a respeito de qualquer fenômeno social” (FABRÍCIO, 2006: 47).

Dessa maneira, não faria sentido estudar o papel do diretor sem considerar o papel da

escola e o universo sócio-político-cultural e histórico de que faz parte.

1.1.1. Nova sociedade, novos desafios para a escola e para a formação de seus atores Diversos autores têm abordado as mudanças na sociedade atual e a forma como

modificam a maneira de concebermos a realidade e a nós mesmos (cf. FABRÍCIO,

2006; MOITA LOPES, 2006; LÜCK, 2006a,b). Sob a designação geral de

Globalização, são enumerados diversos fenômenos, tais como: as transformações

decorrentes dos avanços tecnológicos e científicos nos últimos 20 anos, que

desencadearam uma revolução tecnológica sem precedentes; a difusão maciça da

informação, possibilitada pela velocidade de circulação oferecida pela TV e pela

Internet, que afetou a circulação e o consumo de cultura; a reestruturação do sistema de

produção cultural, com consequente aumento da distância entre os incluídos e os

excluídos quanto ao acesso às novas formas de conhecimento. No plano sócio-político,

discute-se a transnacionalização política e econômica e o surgimento de

megaconglomerados e corporações estratégicas que atuam num nível global (ARRUDA

e BOFF, 2000).

9

Todas essas transformações impactam de diferentes maneiras na forma como a

sociedade humana se reorganiza, produz seus meios de existência, com consequências

diversas que vão além do escopo deste trabalho. De qualquer forma, para fazer frente a

essa nova realidade, em que o domínio do conhecimento se torna essencial, o indivíduo

precisa desenvolver novos saberes e habilidades, ser capaz de pensar autônoma e

criticamente, encontrar soluções para os problemas que se apresentam, desenvolver

competências de trabalho em grupo, cuidar de sua formação, para participar ativa e

conscientemente da sociedade.

No Brasil, educadores e cidadãos em geral debatem a urgência na elevação dos

níveis científico, cultural e técnico da população, uma vez que se reconhece o grande

desafio em incluir, como cidadãos, milhões de indivíduos excluídos, não apenas

socialmente, mas também, culturalmente. Provas nacionais como SARESP e ENEM2

têm atestado que nossos estudantes estão sendo formados sem condições básicas para

participarem de uma sociedade em constante transformação. O desenvolvimento das

pessoas e das comunidades, bem como a transformação de nosso país em uma nação

desenvolvida, com uma população competente, cidadã e participante, somente se dará se

conseguirmos promover, o mais urgentemente possível, um avanço qualitativo em

nosso ensino (cf. LIBÂNEO, 2004; LIBÂNEO et al., 2007; LÜCK, 2006a, b, c). Como

apontam Penin e Vieira (2002), toda vez que a sociedade atravessa mudanças

significativas nas suas bases sociais e tecnológicas, novas competências são exigidas da

escola.

Nesse quadro, como o conhecimento encontra-se disponível em uma série de

formas e lugares, a escola, enquanto instituição educativa, não é mais o único ou o mais

eficiente meio de socialização dos conhecimentos e das competências e habilidades

sociais necessárias para a vida prática. Assim, a escola de hoje precisa conviver com

outras modalidades de educação não formais, articulá-las e integrar-se a elas, a fim de

formar cidadãos para um novo tempo (LIBÂNEO et al., 2007; ALARCÃO, 2001).

Para fazer frente a esses novos desafios, a escola tem que ser aberta, pensante,

reflexiva e crítica, uma organização aprendente, que continuamente se repensa, capaz de

proporcionar aprendizagem e desenvolvimento a todos os envolvidos – professores e

alunos, pais, equipe diretiva e funcionários (ALARCÃO, 2005). Mas o que é a escola?

2 SARESP: Sistema de Avaliação Escolar do Estado de São Paulo; ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio.

10

Uma comunidade educativa, um grupo social constituído por alunos, pais, professores e

comunidade (LIBÂNEO, 2004). Discuti-la implica, necessariamente, a discussão dos

indivíduos e grupos que a compõem. Mais ainda, tornar a escola uma comunidade

colaborativo-reflexiva exige a possibilidade de contar com profissionais que

signifiquem constante e sistematicamente suas práticas, com vistas ao desenvolvimento

de um ensino que satisfaça as necessidades e valores colocados como necessários à

constituição da cidadania. Assim, os papéis tradicionais dos profissionais da educação

(equipe diretiva, professor, funcionários) e dos pais e alunos, as funções que exercem e

a divisão de trabalho na escola, para atingir os objetivos propostos e suprir as

necessidades colocadas, precisam ser revistos em duas direções principais, articuladas

de forma interdependente: a) na formação de educadores, identificando o contexto

escolar como lugar preferencial dessa formação; e b) na própria re-organização dos

sistemas de ensino.

Em relação à formação de educadores, vários autores têm discutido essa questão,

a partir de diferentes perspectivas (cf. NÓVOA, 1995; ALARCÃO, 2005;

KINCHELOE, 1993/1997; FULLAN & HARGREAVES, 2000), mas sempre

enfatizando a necessidade de professores e/ou coordenadores desenvolverem uma

competência reflexivo-crítica e a centralidade do enfoque nas questões sócio-históricas

culturais para que essa transformação ocorra. Libâneo (2004, 2007) aponta a

necessidade de investigações que enfoquem a escola e os agrupamentos das escolas,

bem como questões de sua autonomia pedagógica, curricular e profissional, isto é, seu

“trabalho interno” (APPLE, 2006), para se chegar à compreensão da complexidade de

uma transformação no contexto escolar.

Todas essas discussões também impactam, diretamente, o sistema escolar de

vários países. Um dos aspectos importantes da modernização dos sistemas educativos é

a sua descentralização e a tendência em situar a escola como fundamental para o

fortalecimento de um compromisso de formação constante de todos os participantes da

comunidade escolar, incluindo-se aí a comunidade mais ampla, a partir do estreitamento

das relações escola-comunidade.

A Lei de Diretrizes e Bases de 20 de dezembro de 1996 (LDB) estabelece que a

organização da educação nacional se dará em regime de colaboração entre os níveis

federal, estadual e municipal, e que os municípios organizarão regimentos próprios,

respeitando as diretrizes e normas do sistema como um todo. Focaliza, em diversos

11

parágrafos e artigos, os princípios da gestão democrática da escola e da participação da

sociedade nela. Atribui à escola a função de elaborar e executar sua proposta

pedagógica, administrar o pessoal interno e os recursos financeiros, além de se articular

com as famílias e com a comunidade, fortalecendo os processos de integração escola -

comunidade, entre outras obrigações (BRASIL, 1996). Nesta pesquisa, tal discussão é

importante, na medida em que todas essas realidades influenciam a percepção que pais,

educadores (professores, diretores, coordenadores e funcionários em geral), alunos têm

do papel da escola e do seu papel, considerando-se que estas influências são recíprocas,

em maior ou menor grau.

Das várias pesquisas que têm se preocupado em investigar quais características

de uma escola fazem a diferença no nível de qualidade do ensino, podemos citar um

recente estudo intitulado “Avança Brasil, o direito de aprender”, realizado em parceria

pelo MEC e UNICEF (BRASIL, 2006). Esse trabalho procurou entender, entre as 33

escolas que se destacaram pelos excelentes resultados nos últimos exames nacionais

(SAEB, ENEM, PROVA BRASIL3), aspectos relacionados à gestão, à organização e ao

funcionamento da escola, que em maior ou menor grau influenciaram a qualidade de

ensino. Os resultados revelaram como principais fatores: a formação inicial e

continuada do corpo docente, o papel do diretor, a participação da comunidade, a

importância da leitura, a importância da avaliação no dia a dia da escola.

Outras investigações (cf. NÓVOA, 1995; ALARCÃO, 2005; LÜCK, 2006a,b,c;

2008; LIBÂNEO et al., 2007), que parecem confirmar esses resultados, destacam a

capacidade de liderança dos dirigentes – especialmente do diretor –, as práticas de

gestão participativa, o relacionamento entre os membros da escola, o clima de trabalho,

as oportunidades de reflexão e trocas de experiências entre os professores, a

participação dos pais e a existência de condições físicas, materiais e pedagógicas além

de outros recursos necessários à aprendizagem. O papel do diretor na escola passou a

despertar interesse, pois como administrador e responsável pela escola ele seria o gestor

das transformações inseridas no contexto escolar. O conceito de gestor precisa ser

aprofundado e o farei a seguir.

3 SAEB: Sistema de Avaliação da Escola Básica; ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio; Prova Brasil: Avaliação da Educação Fundamental I, de âmbito nacional.

12

1.2. A emergência do paradigma de gestão escolar e o papel do diretor escolar

Embora em alguns contextos, direção e gestão sejam palavras utilizadas como

sinônimas e, assim, se opere uma substituição direta dos termos “diretor escolar”, por

“gestor escolar”, Lück (2000, 2008) não concebe o conceito de gestão como um

substituto para direção, gerência, supervisão, administração, no sentido estrito. Para a

autora, a simples escolha da palavra revela uma “uma questão paradigmática”: uma

nova mentalidade em um momento histórico, em que a utilização de uma nova palavra

indica um novo conceito, cujo significado já não cabia mais na palavra anterior, para

indicar um processo compartilhado.

Lück (2000, 2006a, 2007) aponta que, a partir da década de 1980, a

institucionalização da democracia, associada à exigência da sociedade pelo

aprimoramento da eficiência e da qualidade da educação pública, tem sido uma força

poderosa nos processos de mudança na forma de gerir as escolas no Brasil. Entendo

como crucial essa gestão compartilhada da equipe diretiva, mas agregar uma nova

dimensão ao papel do diretor sem a compreensão das questões sócio-históricas e

políticas do contexto escolar, significaria apenas ampliar responsabilidades sem o

entendimento de quais são as responsabilidades de cada um dos atores da equipe

diretiva e como podem ser compartilhadas na gestão. Ou seja, a simples transposição

deste conceito para o papel do diretor escolar seria um reducionismo que implicaria

num empobrecimento do próprio termo e poderia, ao contrário do que propõe, atribuir

somente ao diretor essa responsabilidade.

Para Libâneo (2004) e Libâneo et al. (2007), a ação denominada gestão

caracteriza-se por processos para se chegar a uma decisão e fazê-la funcionar. Todas as

funções da organização escolar (o planejamento, a estrutura organizacional, a direção, a

avaliação) são, pois, consequência de um processo eficaz de tomada de decisão. O autor

pontua que a gestão é um princípio e o atributo da direção escolar, entendida como um

trabalho conjunto da equipe diretiva (diretor, coordenador e assistentes). O conceito de

gestão escolar está, efetivamente, associado ao fortalecimento da democratização do

processo pedagógico, à participação responsável de todos nas decisões necessárias a

cada contexto e em sua implementação.

Nessa perspectiva, o conceito de gestão está articulado a pelo menos duas

13

questões: a) à relativa autonomia das escolas em relação aos sistemas educacionais,

possibilitando que as unidades de ensino possam, em seu interior, praticar a busca de

soluções próprias para seus problemas e, portanto, mais adequadas às suas necessidades

e expectativas; b) ao modo como cada unidade vai conduzir seus processos internos,

desenvolvendo compromisso coletivo (pais, alunos, educadores e comunidade em geral)

na efetivação de resultados educacionais considerados necessários. Na literatura

revisada, encontramos semelhanças quanto à compreensão do papel do diretor, com

foco no papel de administrador que também o torna responsável pelo trabalho educativo

Para Libâneo (2004: 216), “o diretor de escola é o dirigente e o principal responsável

pela escola, tem a visão de conjunto, articula e integra os vários setores (setor

administrativo, pedagógico, secretaria, serviços gerais, relacionamento com a

comunidade)”. Semelhantemente, Saviani (2000: 207) mostra que o diretor é o principal

responsável, nos limites da unidade escolar, para “garantir o cumprimento da função

educativa que é a razão de ser da escola”. Lucchesi (1997) e Parro (2000) salientam

outra questão interessante: a contradição existente no papel do diretor quando este se

assume como legislador e educador, uma vez que a forma como o Estado conduz a

organização educacional leva o diretor, muitas vezes, a privilegiar tarefas legislativas e

administrativas, em detrimento da sua função de educador e de gerenciador das

relações.

Gadotti (1994), voltando-se para a questão de maneira mais ampla, mais

institucional, aponta que a escola, anteriormente, se questionava sobre os métodos que

empregava e, hoje, frente a novas necessidades, inclusive a de formar cidadãos, a escola

se questiona sobre seus fins e, mais especialmente, a respeito da articulação de meios e

fins. De qualquer maneira, uma escola bem administrada e bem gerida é aquela capaz de

assegurar, à comunidade escolar, melhores condições didático-pedagógicas e

operacionais que proporcionem o bom desenvolvimento do ensino, de modo que as

atenções se voltam, novamente, para aquele que, em última instância, responde por ela.

Com a mudança de paradigma, mudam também as questões consideradas

prioritárias. Assim, com vistas a desenvolver uma visão coletiva, um significado

comum sobre as necessidades de uma escola entendida como uma comunidade

aprendente (ALARCÃO, 2005), a partir de meados da década de 1990, a literatura

educacional passa a dar ênfase ao Projeto (Político) Pedagógico – P(P)P. Este é um

documento que, a partir do levantamento das necessidades de cada escola, estabelece os

14

objetivos educacionais e os pressupostos teórico-metodológicos, ou seja, a filosofia, as

teorias pedagógicas que sustentam e orientam as ações da escola para o atendimento dos

objetivos pretendidos (cf. GARRIDO, 2008; VASCONCELLOS; 1999; PADILHA,

2006; GADOTTI, 1994). Tem como princípio considerar a diversidade da realidade de

cada escola, suas necessidades específicas, seu processo de desenvolvimento interno,

“em que cada escola é resultado de um processo de desenvolvimento de suas próprias

contradições” (GADOTTI, 1994: 3). A elaboração ou reorganização do Projeto Político

Pedagógico (doravante PPP) recuperaria a história daquela realidade, o conjunto dos

seus currículos, dos seus métodos, o conjunto dos seus atores internos e externos e o seu

modo de vida, ou seja, o que representa o “instituído da escola”. Mas, segundo o autor,

“dialeticamente confronta esse instituído com o instituinte, aquilo a que a realidade

chama naquele momento, os desafios e necessidades particulares do seu contexto”

(ibid., p. 3).

Como apontado pelos pesquisadores acima, o PPP da escola não é

responsabilidade apenas do diretor, mas de toda a comunidade escolar, porém, cabe ao

diretor conhecê-lo, zelar por ele, utilizá-lo como um norte, bem como propiciar e

participar de sua constante re-elaboração. Isso o torna um poderoso “instrumento”4 que

poderia representar, para a equipe diretiva e para os professores, a possibilidade de se

desprenderem de uma atuação mecânica e imediata e de superar uma visão burocrática e

fragmentada de suas ações em busca de uma atuação mais abrangente, isto é, a

possibilidade de se desprenderem do contexto imediato do fazer alienado e

estabelecerem a articulação entre objetivos, necessidade, escolhas pedagógicas e os

valores considerados centrais na formação dos alunos. O PPP tem uma grande

importância para a organização da ação do diretor, principalmente ao assumir uma nova

escola. Nesse caso, o conhecimento dos valores e objetivos presentes no projeto

pedagógico, refletidos e articulados com a prática poderiam orientar a organização de

sua tarefa e os objetivos de suas ações.

Todas essas discussões são importantes para esta pesquisa. Num sentido mais

amplo, são úteis para entender quais são as prescrições para a função de diretor escolar.

Num trabalho que se inscreve no campo interdisciplinar da Linguística Aplicada, que

discute educação e linguagem, essas teorizações representam o resultado de uma

organização da leitura de mundo historicamente contextualizado.

4 O conceito de instrumento será discutido na próxima seção

15

Como apontam Bakhtin/Volochinov (1929-1930/2006), quando uma palavra

entra no horizonte social, ela representa um valor para aquela sociedade e passa a fazer

parte dos mais diferentes discursos: das conversas cotidianas à sua expressão em lei.

Nesse quadro, a compreensão do diretor a respeito de seu papel está relacionada

também a experiências anteriores. Além disso, na realização de uma tarefa, o sujeito não

pode ser concebido como um mero executor, pois o significado dado a seu papel dialoga

com objetivos pessoais, com as várias questões e dificuldades que enfrenta no contexto

de trabalho. O sujeito dialoga com essas dificuldades, re-elabora sua tarefa, redefine sua

função. Ou seja, elas se inscrevem, para ele, na sua história (CLOT, 1999).

Nesta pesquisa, a produção de significados compartilhados tem o objetivo de

contribuir para a compreensão dos papéis sobre os quais a diretora se responsabiliza e,

como na interação desenvolvida, puderam ser repensados e transformados. O objetivo

desta seção foi, de forma sucinta, abordar alguns aspectos que discutem o papel do

diretor escolar.

1.3. Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural: TASHC

Este trabalho está fundamentado na Teoria da Atividade Sócio-Histórico-

Cultural (TASHC). Considera, assim, que os sentidos que cada indivíduo atribui a seu

fazer são construídos historicamente nas relações que estabelece com os seus pares, com

os contextos de suas experiências e a sociedade, em atividades concretas.

O termo TASHC é uma escolha do Grupo de Pesquisa LACE5 do qual faço

parte. A TASHC tem como base a Teoria Sócio Histórico–Cultural, desenvolvida por

Vygotsky, e a Teoria da Atividade, desenvolvida por Leontiev6. A opção por enfatizar

tanto o conceito “social” como o “histórico” e o “cultural” deve-se ao fato de que são

fundamentais e complementares nessa abordagem. O termo “social” acentua o aspecto

de que, na relação homem-mundo, os indivíduos estão em constante relação social na

produção de novos artefatos culturais, agindo e produzindo história. Porém, essas

relações sociais e as atividades específicas em que se constituem, estão inseridas em

uma determinada cultura, em determinados espaço e tempo. Isto é, possuem

características próprias, valores, modos de agir, pensar e sentir específicos e, nessa

medida, torna-se necessário enfatizar o conceito de “cultura”. De forma semelhante, o 5. LACE: Linguagem e Atividade em Contextos Escolares, vinculado ao PAC: Programa Ação Cidadã, desenvolvido na PUC-SP. 6 Nesse texto, toda vez que citar Leontiev, estarei fazendo referência a A. N. Leontiev.

16

termo “histórico” permite entender que os sujeitos dessas atividades se constituiriam ao

longo de uma história, com identidades peculiares forjadas no processo histórico. Não

só os sujeitos foram assim constituídos, como também as relações que são percebidas

entre eles, a cultura na qual estão inseridos e a própria atividade enfocada (LIBERALI,

2006a,).

As origens desses conceitos encontram-se nos trabalhos de Vygotsky, Leontiev e Luria, desenvolvidos nos anos 20 do século passado, sobre a origem social da consciência. De tais estudos, surgiram a Psicologia Sócio-Histórica e/ou Sócio-Cultural, no contexto das discussões de Vygotsky, e a Teoria da Atividade, sistematizada por Leontiev e seus seguidores a partir dos anos 30.

Com base nos pressupostos do materialismo histórico-dialético marxista (MARX e ENGELS, 1845-46/2007), os estudiosos russos elegeram o conceito de atividade como um dos princípios centrais do estudo da consciência humana. Vygotsky utiliza este conceito já em seus primeiros escritos, quando sugere que a consciência emerge da atividade social significativa, ou seja, na relação que o homem estabelece com os outros homens e o meio (KOSULIN, 2002). Em seus estudos enfatiza a mediação semiótica e o uso de instrumentos e artefatos para a aprendizagem e o desenvolvimento (VIGOTSKY, 1925, 1929, 1930/2004).

Discutindo as bases das duas teorias (TSH e TA), Dimitri Leontiev (2005) aponta que enquanto Vygotsky focaliza o desenvolvimento da consciência a partir da perspectiva da comunicação nas relações sociais, cuja categoria central é a linguagem, Leontiev ocupa-se das relações práticas que o homem desenvolve no mundo cuja categoria primária de análise é a atividade, relacionada com objetos e instrumentos. Ressalva que, para Vygotsky, a relação interindividual não pode ser entendida numa perspectiva estreita e, portanto, não exclui o social, uma vez que em todos os seus trabalhos é enfatizada a importância da apropriação, pelo indivíduo, da experiência histórico-social, ou seja, dos conhecimentos produzidos historicamente e já existentes objetivamente no mundo no qual o indivíduo vive (LURIA, 2006). Para Dimitri Leontiev (2005), o que se convencionou chamar de diferenças entre as bases das duas teorias deve-se mais a uma questão de enfoque, momento histórico e interpretação posterior do que a conceitos geradores, pois todos os conceitos chaves da teoria da atividade encontram-se na mesma gênese da Psicologia Histórico-Cultural. O autor destaca que:

Todos os processos, funções e estruturas do homem emergem, se desenvolvem e se convertem em atividade relacionada com os objetos que vinculam o homem ao mundo; todos os processos e funções

17

mentais do homem são derivadas de atividades externas, por meio da retenção da estrutura reduzida da atividade externa (LEONTIEV, D., 2005: 33).

A atividade é considerada como uma unidade de vida, uma unidade molecular, –

indivisível – não uma unidade aditiva do sujeito material (LEONTIEV, 1978a: 66). Isto

significa que, no nível psicológico, é a própria atividade, mediada pelo reflexo psíquico

da realidade, que orienta o indivíduo no mundo objetivo, na realidade.

Para Leontiev, a condição de existência de toda atividade é uma necessidade.

Porém, uma necessidade só pode ser satisfeita quando encontra um objeto, ou seja, um

motivo que supre uma necessidade específica do sujeito. O motivo pode ser material ou

ideal, real ou imaginário. As atividades humanas podem diferir por diversas razões, mas

o fundamental, aquilo que distingue uma atividade da outra, é o seu objeto. Nas palavras

de Leontiev (1978a: 82): “O objeto da atividade é seu motivo real”.

Uma atividade prática real, concreta, só se realiza por meio das ações que a

constituem. A ação é um processo que corresponde à noção do resultado que será

alcançado. Assim como a atividade se relaciona com o objeto/motivo, as ações

relacionam-se com os objetivos. Cada ação, por sua vez, realiza-se por meio de

diferentes operações, que dependem das condições de execução da ação ou, dito de

outro modo, das possibilidades do contexto e dos instrumentos por meio dos quais é

realizada.

Também, qualquer atividade humana concreta transcorre em condições de uma

comunidade aberta, entre os homens que a rodeiam e com o mundo e não pode ser

considerada como desengajada dessas condições: “a atividade humana é um sistema

incluído no sistema de relações da sociedade” (LEONTIEV, 1978a: 67). Assim, a

análise de qualquer atividade depende da análise da comunidade em que está inserida e

das regras que organizam as relações entre os indivíduos, como também apontam

Vygotsky e Bakhtin.

Esta pesquisa tem como objetivo examinar o processo de colaboração,

desenvolvido entre esta pesquisadora e a diretora de uma escola da rede pública

municipal, na discussão dos sentidos e no compartilhamento de novos significados

sobre o papel do diretor na organização da escola. Assim, o motivo que deu origem à

atividade foi a compreensão da formação em serviço do diretor. Está relacionado com

necessidades da diretora e desta pesquisadora que procuram entender a complexidade

18

desse papel. Mas esta atividade também está incluída em um sistema de relações com

outras atividades, ou seja: no meu caso como pesquisadora, com meu trabalho

acadêmico na universidade – as teorias aprendidas e o trabalho de dissertação – e

minhas experiências anteriores como coordenadora e professora de cursos de extensão.

Quanto à diretora, interagem, com suas experiências anteriores, as outras atividades do

contexto escolar, tais como: as necessidades da escola, a relação com as outras

participantes da equipe diretiva, com os pais e os alunos, que formam a comunidade

escolar, e também com a Secretaria Municipal de Educação (SME-SP), cujos decretos e

normas sintetizam as orientações do sistema educacional e as transmitem para as

escolas. No interior dessas relações estão as regras que regulam a atividade e a divisão

do trabalho. Para Leontiev, os objetivos das ações devem corresponder à meta a ser

alcançada – nesta pesquisa os objetivos das ações e operações nas entrevistas e nas

reuniões.

Engeström parte dos estudos de Leontiev e amplia as representações da teoria da

atividade, apontando que a atividade se organiza em múltiplas ações, cujas metas,

inicialmente, podem não ser iguais para todos os participantes. Para ele, “as metas das

ações são reformuladas e revistas à medida que a pessoa age, e em geral, só

retrospectivamente explicadas com clareza” (ENGESTRÖM, 1999a: 381). Assim, “O

objeto e o motivo de uma atividade coletiva são algo como um mosaico em constante

evolução, um padrão que nunca está inteiramente acabado” (idem) Por essa razão

cunhou o conceito de Sistema de Atividade, no qual o objeto se move e se transforma,

em uma rede de elementos interrelacionados: os sujeitos, o objeto da atividade, a

comunidade, os instrumentos e artefatos, as regras e a divisão do trabalho.

A Teoria da Atividade enfatiza a mediação semiótica e o uso de instrumentos e

artefatos que medeiam as interações para a aprendizagem e o desenvolvimento. A

consciência é entendida como algo que emerge dessa relação mediada, sendo co-

construída pelos sujeitos participantes, os quais são considerados como ativos em seu

próprio desenvolvimento (RUSSEL, 2002; COLE, 1996, apud MOTTA, 2004). Nesta

pesquisa, são considerados instrumentos de mediação: a linguagem utilizada nas

entrevistas e reuniões, as perguntas e outros artefatos materiais que contribuíram para a

produção de significados compartilhados (“Tabela de Ações” e “Jogo de Papéis”, que

serão explicados no Capítulo de Metodologia e aprofundados na discussão dos

resultados).

19

Engeström sugere que a Teoria da Atividade pode ser resumida em cinco

princípios:

1) um sistema de atividade, mediado por um artefato e orientado para o objeto; visto em

suas relações de rede com outros sistemas, é assumido como unidade primária de

análise;

2) a multivocalidade do sistema com múltiplos pontos de vista, tradições e interesses;

3) a historicidade, os problemas e potenciais do sistema, que só podem ser

compreendidos com base na própria história.

4) o papel central da contradição como fontes de mudança e desenvolvimento; e

5) a possibilidade de transformações expansivas no sistema: os sistemas assumem forma

e são transformados em longos períodos de tempo.

Engeström (1987), com base nas discussões de Leontiev (1977; 1978), que por

sua vez está apoiado nas discussões de Marx e Engels (1845-46/2007), salienta as

contradições na atividade como fundamentais para que transformações ocorram e se

alcance o resultado desejado. Segundo Engeström, a contradição básica presente em

qualquer atividade humana é um choque entre as ações individuais e os sistemas de

atividade da sociedade em que os sujeitos estão inseridos. Em outras palavras, as

contradições estão relacionadas aos contextos sócio-histórico-culturais nos quais os

sujeitos participam. Por exemplo, no caso desta pesquisa, diretora e pesquisadora

trazem para a atividade significados sobre seus papéis, sócio-historicamente construídos

a partir de suas próprias experiências individuais.

Como salienta Engeström, as contradições e os conflitos delas decorrentes

indicam o potencial de transformação, uma vez que movem objeto e instrumento em um

sistema de atividade. Assim, as contradições fazem com que conflitos venham à tona,

abrindo possibilidades de resolução que se dão na e pela negociação das diferentes

compreensões (sentidos) dos sujeitos implicados e que possibilitam a produção de

novos significados. A organização da linguagem como instrumento de mediação na

discussão para resolução dos conflitos possibilita a reflexão dos participantes sobre suas

ações, criando ZPD (Zone of proximal development)7 como instrumento-e-resultado no

compartilhamento de significados, o que move o objeto da atividade no sistema e

transforma-o em produto, em resultado. É importante ressaltar que o movimento é

sempre dialético, relacionando o nível individual – os sentidos pessoais dos

7 O conceito de ZPD será discutido em outra seção.

20

participantes – e o nível coletivo – os significados compartilhados nas interações. Todo

esse movimento é resultado da mediação. Nesse sentido, as intervenções possibilitam as

transformações e inovações no sistema coletivo. Como salienta Engeström (1999 b), a

atividade “é alcançada pela negociação, pela orquestração, pela luta constante entre as

diferentes metas e perspectivas de seus participantes”.

Ao discutir a importância central da mediação na TASHC, Engeström (1999a,) defende o estudo dos artefatos como “componentes inseparáveis do funcionamento humano na relação com os outros componentes do sistema de atividade”. Para o pesquisador:

A construção de objetos, mediada por artefatos [..] é um processo colaborativo e dialógico, em que diferentes perspectivas [...] e vozes [...] se encontram, colidem e se fundem. As diferentes perspectivas estão enraizadas em diferentes comunidades e práticas, que continuam a existir no mesmíssimo sistema de atividade coletivo (ENGESTRÖM 1999a: 382).

Tais conceitos são fundamentais para esta pesquisa que, como já apontado, está

inserida no paradigma da pesquisa crítica, em que se busca não apenas entender a

realidade, mas transformá-la. Organizada como pesquisa colaborativa, esta investigação

focaliza a interação entre a pesquisadora e a diretora no compartilhamento de sentidos e

produção de novos significados sobre direção escolar. Discute, portanto, aprendizagem

e desenvolvimento quanto a novos papéis de direção. Assim, este trabalho foi

organizado preocupando-se com a organização de espaços de colaboração e reflexão

crítica para que os participantes pudessem tomar consciência de suas ações, entendê-las

em seu contexto e na sua história, e transformá-las à luz de novos conhecimentos.

Consciência e reflexão crítica são fundamentais na atividade em foco,

desenvolvida por meio de entrevistas e reuniões reflexivas, em que a linguagem, mais

especialmente a organização linguística dos espaços interacionais, tem um papel central.

Os conceitos de consciência, mediação, atividade e linguagem, bem como os de

colaboração e reflexão, intrinsecamente relacionados, são fundamentais para sustentar

este trabalho e serão aprofundados.

1.3.1 Consciência, atividade e desenvolvimento

Neste trabalho os conceitos de consciência, atividade e desenvolvimento são entendidos com base nas discussões vygotskianas que, por sua vez estão apoiadas nas

21

premissas do pensamento histórico-dialético marxista (MARX e ENGELS, 1845-46/2007) e no monismo de Espinoza. Para Vygotsky, a consciência, como uma característica específica da espécie humana, emerge e se desenvolve a partir da mediação, ou seja, das relações que o indivíduo estabelece com os outros indivíduos e o meio. Não existe, portanto, fora de um contexto sócio-histórico, em que a linguagem assume um papel fundamental.

Para discutir esses conceitos e outros que formam a base teórico-metodológica da psicologia sócio-histórico-cultural, Vygotsky empreende um amplo programa de pesquisas, nas quais revê e discute as principais correntes de psicologia da época (Reflexologia, Associacionismo, Behaviorismo e Subjetivismo), bem como as bases filosóficas que as sustentam (Idealismo e Materialismo estrito). Faz uma crítica aos métodos utilizados pela psicologia da época quanto ao estudo dos fenômenos complexos do comportamento e das funções especificamente humanas (a memória, a percepção voluntária, a emoção, a linguagem, o pensamento consciente), dividindo-os em elementos isolados, com foco prioritário em cada um deles de forma dualística. Segundo Vygotsky, tal abordagem não possibilitava a compreensão do todo que se pretendia observar (VYGOTSKY, 1934/2001). Era preciso encontrar outra, que fosse capaz de considerar ao mesmo tempo os aspectos subjetivos e objetivos do comportamento humano e entender os nexos entre eles, o que possibilitaria considerar as relações dialéticas entre os fatores internos ao organismo (biológico) e os externos (meio).

Nessa trajetória, Vygotsky (1925/2004; 1930/2004) discute a diferença fundamental no processo de desenvolvimento dos homens e dos animais. Salienta que a atividade consciente do homem provém da experiência de toda a humanidade, acumulada no processo da história social e transmissível através do processo de aprendizagem. A grande maioria de conhecimentos, habilidades e procedimentos do comportamento tipicamente humanos não são apenas o resultado de sua própria experiência, mas adquiridos pela apropriação da experiência histórico-social de gerações anteriores e de sua ação ao adaptar-se ativamente ao meio, na construção de instrumentos para transformar a natureza em busca de satisfazer suas necessidades. A produção de instrumentos e artefatos é outra particularidade fundamental da espécie humana. Em suas palavras:

Toda a nossa vida, o trabalho, o comportamento baseiam-se na utilização muito ampla da experiência das gerações anteriores, ou seja, de uma experiência que não se transmite de pais para filhos através do nascimento. Convencionaremos chamá-la experiência histórica. Junto

22

disto deve-se situar a experiência social a de outras pessoas, que constitui um importante componente do comportamento do homem. Disponho não apenas das conexões que se fecham na minha experiência particular (...), mas também das numerosas conexões que foram estabelecidas nas experiências de outras pessoas (...) por fim ... o homem adapta ativamente o meio a si mesmo” (VYGOTSKY, 1925/2004: 65).

Vygotsky salienta o conceito de desenvolvimento na construção da consciência ao enfocar o papel do instrumento na atividade humana, mediando a relação sujeito e objeto. Estabelece diferença entre dois tipos de instrumento: o psicológico (signo) e o técnico (material). O instrumento técnico orienta o sujeito no sentido de provocar mudanças no objeto, enquanto o instrumento psicológico tem uma orientação para a psique e para o comportamento do próprio sujeito. Nas palavras do autor:

Ao inserir-se no processo de comportamento, o instrumento psicológico modifica de forma global a evolução e a estrutura das funções psíquicas, e suas propriedades determinam a configuração de novo ato instrumental do mesmo modo que o instrumento técnico modifica o processo de adaptação natural e determina a forma das operações laborais (VYGOTSKY, 1930a/2004: 94).

É importante salientar que a incorporação desses recursos à ação humana, incluindo a ação mental, não torna a ação simplesmente mais eficiente, quantitativamente, mas resulta inevitavelmente, em uma transformação qualitativamente criativa (WERTSCH e SMOLKA, 1993/1999). O instrumento medeia a atividade que relaciona o homem não só com o mundo material, mas também com os outros homens. Assim, os processos psíquicos se estruturam por meio de relações e procedimentos sócio-histórico-culturais situados e transmitidos pelos homens, no processo de comunicação e colaboração entre eles (LEONTIEV, 1978). Nas palavras de VYGOTSKY (1930a/2004: 96-97):

A inclusão do instrumento no processo provoca a atividade de toda uma série de funções novas relacionadas com a utilização do instrumento e seu manejo (...) e modifica também o curso e as diferentes características (duração, intensidade, sequência, etc.) de todos os processos psíquicos que fazem parte do ato instrumental (...) Os processos psíquicos (...) orientam-se para a resolução de uma tarefa – que é proposta pelo objeto – de acordo com a evolução do processo que é ditada pelo instrumento. Nasceu uma nova estrutura: o ato instrumental.

É importante considerar que as idéias de Vygotsky exigem que se concebam as formas de ação, mesmo individuais, sempre relacionadas aos recursos mediacionais e,

23

portanto, sociais (WERTSCH, 1991, apud WERTSCH e SMOLKA, 1993/1999).

A afirmação de Vygotsky (1930/2004: 223) de que a fonte do comportamento humano é social, com a mediação em um papel central, pode ser melhor compreendida na citação abaixo, em que este aponta a dimensão social da consciência e formula a lei genética do desenvolvimento das funções psicológicas superiores:

No desenvolvimento cultural, todas as funções entram em cena duas vezes, em dois diferentes planos: primeiro no social, depois no plano psicológico; primeiro como uma forma de cooperação entre as pessoas, como uma categoria coletiva e interpsicológica, depois como meios de comportamento individual, como uma categoria intrapsicológica.

Dessa maneira, Vygotsky defende que, no desenvolvimento de uma criança,

cada função era externa antes de ser interna, ou seja, era social antes de ser individual. É

com este sentido que podemos entender a afirmação de que a mente humana e a

consciência humana seja “Cons Ciência” (LEONTIEV, 1978a: 78) e que se forme a

partir do externo (do meio) para o interno (mental). Wertsch e Smolka (1993/1999)

apontam que é significativo que Vygotsky tenha formulado essa lei em função de como

uma e a mesma função aparece em dois planos para reforçar que os processos de

internalização – processos intramentais – têm uma relação com a transformação

genética e com “a formação de um plano interno da consciência” (grifo dos autores).

Isto significa que todas as funções que conhecemos como caracteristicamente de

nossa espécie, as chamadas funções psicológicas superiores (a atenção voluntária, a

memória lógica, a abstração, a comparação, a imaginação, a capacidade de

planejamento, entre outras) não são processos inatos, mas se desenvolvem na relação

com outros seres humanos e com o ambiente e estavam primeiramente no próprio

ambiente. O deslocamento de um plano externo para o interno dá-se por meio de um

processo que Vygotsky chamou de internalização.

Ao discutir o processo de internalização, Vygotsky salienta que esse processo

não é um simples espelho direto da relação social externa, mas é uma transformação

refletida, ou seja, reorganização das estruturas mentais a partir das (novas) informações

compartilhadas e das relações que se estabelecem com os conhecimentos já existentes

no indivíduo. Por meio dos processos de internalização e externalização, o indivíduo

transforma e impulsiona novas formas de ação que produzem outras ações e, assim,

24

sucessivamente. Uma vez interiorizadas, essas funções superiores se transformam em

“ferramentas mentais” que regulam a atividade do sujeito e possibilitam ao indivíduo

atuar sobre o ambiente de forma controlada e organizada e voluntária (VYGOTSKY,

1930/2004, LEONTIEV, D., 2005).

Moran e John-Steiner (2003) também discutem esses dois processos sociais –

internalização e externalização. Apontam que estão em constante tensão dialética entre

si e que o movimento interno / externo torna-se cíclico, conectando passado e futuro,

cujo resultado constrói a história e a cultura. No plano intersubjetivo, esta relação pode

ser compreendida como uma interação da pessoa com ela mesma, também uma forma

de interação (VYGOTSKY, 1925/2004). Em resumo, como sintetiza Luria (apud

LEONTIEV, D., 2005: 30), as funções superiores são: “1. sociais por sua origem; 2.

mediadas por sua estrutura; 3. voluntárias e deliberadas por sua forma de

funcionamento”.

Para elucidar a perspectiva de aprendizagem adotada nesta pesquisa, que analisa

uma atividade de formação de diretor, discuto na próxima seção os conceitos de

mediação e os tipos de mediação quanto à aprendizagem e desenvolvimento.

1.3.2. Mediação: aprendizagem e desenvolvimento

Para iniciar esta seção discuto a relação aprendizagem-desenvolvimento com

foco na mediação. Considero necessário distinguir a aprendizagem incidental,

espontânea, resultado da vivência cotidiana, e a aprendizagem organizada e intencional,

bem como o tipo de mediação envolvida em cada uma delas. Para Vygotsky, a

aprendizagem só é útil na medida em que conduz ao desenvolvimento, entendido como

a reorganização das estruturas mentais a partir de novas informações recebidas e

articuladas com os conhecimentos e experiências já elaboradas pelo sujeito.

Em suas pesquisas, dedicou uma atenção especial ao desenvolvimento dos

conceitos na criança, concluindo que esse processo revela as leis mais profundas do

processo de formação dos conceitos em geral; porém, suas conclusões podem ser

aplicadas para a aprendizagem dos seres humanos em geral.

Para elaborar a relação dialética entre aprendizagem e desenvolvimento,

Vygotsky distingue os conceitos espontâneos – que são produzidos na experiência

cotidiana e espontânea da criança com o seu meio – dos conceitos científicos –

introduzidos na educação formal. Atribui o nível maior de consciência aos conceitos

25

científicos ao discutir o contexto escolar, salientando o fato de estes últimos serem

produzidos em colaboração sistemática entre o professor e a criança. Em consequência

dessa colaboração, o indivíduo torna-se capaz de se envolver em atividade

desenvolvimental consciente e volitivamente, ao invés de só espontaneamente. Para

explicitar essa relação, Vygotsky introduziu o conceito de ZPD (zone of proximal

development ou zona proximal de desenvolvimento), discutido pelo próprio autor de

diferentes formas (VYGOTSKY, 1934/2001: 244-311; 1926/2004b: 480 et seq.) e

interpretada por pesquisadores pós vygotskianos também diferentemente. A partir da

constatação de que “O que hoje a criança faz com auxílio poderá fazer amanhã por

conta própria” (VYGOTSKY, 1927/2004: 480), o autor salienta que “o

desenvolvimento decorrente da colaboração (...) é a fonte do surgimento de todas as

propriedades especificamente humanas da consciência” (VYGOTSKY, 1934/2001:

331).

John-Steiner (2000: 187) acrescenta que “esse contexto colaborativo fornece

uma zona de desenvolvimento proximal mútua na qual os participantes podem

aumentar o seu repertório de expressão cognitiva e emocional”. Isto significa que a

ZPD mútua favorece a possibilidade de indivíduos aprenderem um com o outro e se

constitui num espaço de crescimento em que cada participante possa ouvir o outro e

também ouvir-se de uma outra perspectiva, ou seja, que possa ser, também, o outro para

si mesmo; e que, por meio dessa colaboração, possa transcender as limitações da

biologia, do tempo, dos hábitos, indo além das limitações e talentos individuais.

Com base nessas discussões, Magalhães (2009p) define o conceito de Zona

Proximal de Desenvolvimento (ZPD), como um espaço de conflito e de negociação, em

que a aprendizagem-desenvolvimento se dá por meio da negociação e consequente

criação de um espaço de colaboração, compreendida como práxis, isto é, como

“atividade prático-crítica”.

Para a autora, o objetivo de Vygotsky ao criar o conceito de ZPD era enfatizar a

importância do desenvolvimento e da relação colaborativa na relação com outros, ou

seja, defender que “desenvolver” significa criar contextos para transformar totalidades e

não particulares. Nessa direção, Newman e Holzman (1993/2002: 82) argumentam que,

ao criar a ZPD,

26

[Vygotsky] praticou conscienciosamente a metodologia do instrumento-e-resultado: descobriu a unidade de estudo “psicológica” caracteristicamente humana, que, já se sabe, não é unidade psicológica nenhuma, mas uma unidade sócio-histórica; ele descobriu a unidade (aprendizagem e desenvolvimento). Pois a ZDP nada mais é do que a unidade psicológica (...) da história (...) e, portanto, o lugar da atividade revolucionária.

Com base nessas discussões, a ZPD pode ser entendida como uma zona de

possibilidades, um espaço de troca, em que os sentidos dos participantes podem ser

colocados em negociação, em busca da produção de novos significados compartilhados,

que, por sua vez, geram novos sentidos, num movimento incessante. Esse movimento

teria a capacidade de transformar estruturas (MAGALHÃES, 2009p; NEWMAN &

HOLZMAN, 1993/2002). Esse conceito traz enormes implicações para o processo de

ensino-aprendizagem, não só de crianças como do ser humano de forma geral. Segundo

Newman e Holzman, para ser coerente com o pensamento dialético marxista de

Vygotsky, a ZPD deve ser encarada como uma unidade revolucionária, uma vez que

Vygotsky, como marxista, entendia que “a atividade de produzir é inseparável do

produto” (NEWMAN e HOLZMAN, 1993/2002: 90). Nesse sentido, defendem que a

“revolucionária descoberta monista de Vygotsky, radicalmente sintetizada indivíduo-

em-sociedade-na-história é a expressão sociológica da ZPD”. (ibid., p. 90) Assim, mais

do que um fator a se observar no modo como cada pessoa aprende, a ZPD pode ajudar

também a investigar como coletivos de pessoas aprendem.

Como aponta Daniels (2003: 82), Engeström (1987: 174) discute a ZPD dentro

de uma perspectiva “coletivista” ou “societal”, em que é definida como a distância entre

as ações cotidianas do indivíduo e a forma historicamente nova da atividade que pode

ser coletivamente gerada. Segundo Engeström (1999: 180), ZPD seria o espaço de

transformação radical potencial do sistema de atividade, alcançável pelas resoluções das

contradições, ou seja, seria um processo articulador da história da atividade e sua

projeção futura. Em suas palavras: “As tensões relacionadas ao agrupamento de ações e

vozes oferecem uma janela na emergente ZDP do sistema de atividade local” (ibid., p.

180). De acordo com qualquer uma das definições, os conceitos de mediação, ZPD e

colaboração estão estreitamente relacionados no processo de desenvolvimento humano.

Nesta pesquisa, que se define como pesquisa crítica de colaboração, a Zona de

Desenvolvimento Proximal (ZPD) é entendida como uma zona de confiança, mas

27

também de conflitos, em que as participantes compartilham a produção do

conhecimento por meio de sentidos e significados construídos e “em que as mediações

sociais são “pré-requisito” (instrumento) e “produto” (desenvolvimento)

(MAGALHÃES, 2009p, grifos da autora). Esse conceito me possibilita entender se e

como os espaços de troca e discussão entre os participantes foram organizados e se, de

fato, possibilitaram o desenvolvimento e a transformação dos envolvidos; se a relação

que se estabeleceu entre diretora e pesquisadora deu-se por meio de “ZPD mútuas que

foram criadas” (JOHN-STEINER, 2000), promovendo aprendizagem para ambas; e,

ainda, se e como essa aprendizagem se reflete no contexto imediato.

1.3.3. Linguagem, consciência e desenvolvimento

Para Vygotsky, o mais importante de todos os sistemas simbólicos criados pela

cultura humana é a linguagem, entendendo-a como constitutiva do ser humano e como

principal instrumento para a mediação do homem com os conhecimentos sociais.

Vygotsky aponta, ao longo de seu trabalho, que os signos e a linguagem funcionam, ao

mesmo tempo, como meio de comunicação e modo de operação mental, o que

possibilita que a atividade humana seja conservada e partilhada individual e

coletivamente. Afirma “que a estrutura da consciência é uma estrutura semântica”

(VYGOTSKY, 1930a/2004: 94) e o pensamento é um processo mediado, que se realiza

na palavra. Para o teórico, o significado da palavra é ao mesmo tempo linguagem e

pensamento, pois é “uma unidade do pensamento verbalizado” (VYGOTSKY,

1934/2001: 11). Para o autor, a partir do domínio da linguagem, todo o sistema do

homem se reorganiza, transformando o modo de funcionar do indivíduo e a maneira de

se relacionar com os outros seres humanos e com a própria natureza. O indivíduo passa

a ser capaz de se desprender de seu contexto imediato e adquire a possibilidade de

planejar, transmitir seu conhecimento e experiência para os outros homens e para as

gerações futuras.

Dessa forma, como já apontado, podemos compreender que, como um sistema

de símbolos e significações, a linguagem tem, para Vygotsky, um caráter instrumental,

que medeia a relação entre o indivíduo e o meio. Porém, coerente com o seu

pensamento, o ato instrumental, como já discutido, é dialético, ou seja, reflete e refrata a

realidade e, nesta perspectiva, como característica essencialmente humana, a linguagem

pode ser entendida como constituinte do indivíduo.

28

Na mesma direção, Bakhtin discute a consciência humana no arcabouço teórico da filosofia da linguagem. Para ele, a consciência só pode se desenvolver se encontrar um material concreto, flexível, veiculado pelo corpo (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929-1930/2006). Esse material é o signo, a palavra, que pode ser utilizada tanto como signo exterior ou também como signo interior. A própria consciência surge e se afirma como realidade mediante a encarnação material em signos e somente no processo de interação social. Nessa direção, Bakhtin postula que não existe um abismo entre atividade psíquica interior e sua expressão. Tudo o que ocorre no psiquismo pode tornar-se material para a expressão da atividade psíquica, uma vez que tudo pode adquirir um valor semiótico e, assim, tornar-se expressivo. Estes signos, as palavras, são intrinsecamente sociais, na medida em que emergem nas relações do indivíduo com os outros e estão impregnados de conteúdo ideológico (semiótico). Assim, “os signos são o alimento da consciência individual, sua lógica e suas leis” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929-1930/2006: 36).

Dessa maneira, para Bakhtin, é na linguagem e pela linguagem, na interação e

evolução constante entre os diversos enunciados proferidos pelos falantes em diversas

situações de comunicação, que o homem se constitui. A enunciação é entendida como

uma unidade significativa da língua, escrita ou oral, que comporta outras vozes além da

voz do enunciador, não existindo fora de um contexto sócio-histórico. A tensão entre os

diversos enunciados é o que Bakhtin chamará de relações dialógicas. A idéia de

dialogia é fundamental nos escritos de Bakhtin sobre os processos mentais e sociais

humanos e diz respeito a como uma ou mais vozes entram em contato. Dito de outra

maneira, só podemos entender qualquer enunciação, na relação com as outras

enunciações (WERTSCH e SMOLKA, 1993). Isso significa que a palavra utilizada e

pronunciada por um indivíduo já carrega, em si, índices de valor, ou seja, crenças,

modos de pensar, idéias que despontam numa determinada sociedade e são absorvidas

pela comunicação cotidiana (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929-1930/2006). Em seu

processo de vida, os indivíduos estão sempre imersos numa corrente de comunicação,

nossos enunciados comunicam com outros: respondem, refutam, complementam. Nesse

sentido, nossas palavras carregam outras “vozes”, por meio das palavras que já foram

pronunciadas por outros. Esse movimento se dá, não apenas em relação ao falante

imediato, mas também, a discursos que já foram proferidos ou a outros que ainda o

serão.

Assim, todo enunciado é dialógico e constituí-se a partir de outro enunciado.

29

Neste sentido é sempre heterogêneo, pois comporta pelo menos duas vozes: a do falante

e aquela em oposição a que se construiu (FIORIN, 2006). Bakhtin/Volochínov (1929-

1930/2006) aponta que o indivíduo, ao proferir um enunciado, preocupa-se não apenas

com o objeto do discurso, mas também com todos os outros discursos à sua volta. Essas

relações dialógicas podem ser entendidas como um conflito de vozes, que lutam na

enunciação e mostram pontos de vista e possibilidades semânticas, numa influência

recíproca. Os participantes da interação assumem atitudes avaliativas e acabam por

expressá-las tanto por meio de expressões orais quanto gestuais ou de entonação da voz.

Para compreender como se dá a apreensão da palavra do outro, do discurso alheio que

habita em nós, Bakhtin (1934-35/1998) faz uma distinção entre discurso internamente

persuasivo e discurso de autoridade.

O discurso de autoridade entra na consciência verbal (individual e social) como

uma massa compacta e indivisível, que dificulta o questionamento e impõe um tipo de

assimilação de um único sentido como o significado a ser aceito, transmitido e

reconhecido. É, por exemplo, o caso do enunciado das leis, normas etc. Já a palavra /

discurso internamente persuasivo envolve um processo de assimilação pessoal e criativo

do discurso do outro, implica uma transformação na consciência. É aquela palavra que

dialoga com a palavra do outro, lugar do “nós”, onde história, valores e sujeitos se

misturam. Assim, dá-se a possibilidade de sentidos pessoais trazidos pelos indivíduos

envolvidos serem expressos e negociados e neste processo se produz gradualmente um

significado, que é parte seu e parte do outro (VYGOTSKY, 1924-1930/2004;

LEONTIEV,1978; BAKHTIN, 1934-35/1998).

Nesta pesquisa, tais conceitos são fundamentais, pois ajudam a compreender

como se relacionam os enunciados das participantes e de que maneiras refletem ou

refratam os enunciados ao seu redor. Colaboram, também, para o entendimento de como

os discursos das participantes revelam características de discurso autoritário ou

internamente persuasivo e como, no movimento interacional, refratam e refletem a

realidade exterior, se reorganizam, se re-elaboram, possibilitando o compartilhamento

de novos significados.

1.3.4 Sentido e significado

Os conceitos de sentido e significado são centrais na obra de Vygotsky, mas ao

serem discutidos por pesquisadores posteriores, constituíram inúmeras contradições.

30

Para Vygotsky, o sentido e o significado são duas faces do signo. Os significados estão

dados, fazem parte do social. Mas na apreensão individual, o significado da palavra não

é estável, constante ou imutável, dado de uma vez por todas. Quando um indivíduo

apreende o significado de uma palavra, o trabalho com ela apenas se inicia, pois o

significado evolui na cooperação entre os indivíduos. Uma palavra, um signo, contém

tanto o sentido (pessoal) como o significado (social) em constante tensão dialética. O

significado é a parte estável do signo.

Vygotsky (1934/2001) explica que indivíduo e grupo dialogam dialeticamente e

compartilham conhecimento. Ao considerarmos uma perspectiva sócio-histórico-

cultural, o significado se desenvolve na relação entre os homens de diferentes culturas

ao longo da história. Ao entrar em contato com outros seres humanos, o indivíduo traz

ao grupo os seus sentidos, que foram formados em sua experiência única e individual ao

longo de sua vida. Esses sentidos, ao se relacionarem com os sentidos individuais de

outras pessoas, são compartilhados e novos significados são negociados e vão sendo

modificados por aquele grupo, a partir dos quais novos significados são produzidos e

compartilhados. O sentido é pessoal, trazido pelo indivíduo a partir de suas experiências

e sua história e faz parte do significado, mas não foi fixado por ele.

Para Leontiev (1978a), o processo de apropriação do mundo objetivo pelo

sujeito começa no sistema de relações em que toma lugar a transição do conteúdo

objetivo da atividade em seu produto. Para que esse processo possa ser realizado, o

produto deveria ser apresentado ao sujeito com suas propriedades materiais, e a

transformação deve emergir como algo do qual o sujeito é consciente, quer dizer, de

uma forma ideal. Essa transformação é efetivada por meio da linguagem, que traz em

seus significados (conceitos) um certo conteúdo objetivo. Os significados linguísticos

carregam valores que são modos de ação, socialmente desenvolvidos (operações),

processo pelo qual as pessoas mudam e conhecem a realidade objetiva. Assim, os

significados refratam o mundo na consciência do homem, mas são produzidos pela

sociedade e possuem sua própria história no desenvolvimento das formas da consciência

social. Nessa sua existência objetiva, subordinam-se às leis histórico-sociais e,

simultaneamente, à lógica interna de seu próprio desenvolvimento. Para Leontiev, o

sentido pessoal revela a apreensão individual do significado, atualizado na própria

história do sujeito e ancorado nas suas experiências pessoais.

Tais conceitos são importantes, nesta pesquisa, de várias formas. Colaboram na

31

direção de entender como determinados termos como gestão, participação, cidadania,

qualidade, entre outros, despontam com maior ou menor força numa determinada

sociedade e num contexto como o escolar, e começam a fazer parte do discurso das

participantes. Na medida em que estas palavras trazem conceitos historicamente

construídos, é necessário aprofundar quais os sentidos que as participantes construíram

para esses conceitos. Entendendo que, numa perspectiva vygotskiana, a aprendizagem e

o desenvolvimento ocorrem quando se internaliza um conceito na relação com o outro, a

internalização acontece nas significações constituídas no processo de interação, às quais

o sujeito confere um sentido pessoal.

Na medida em que a linguagem possui uma materialidade sígnica, ela é,

simultaneamente, instrumento-e-resultado do processo de interação entre os

participantes, que internalizando e externalizando os conceitos discutidos, podem

reorganizar suas estruturas cognitivas e possibilitar novas compreensões. Nessa direção,

esses conceitos ajudam a compreender como, numa perspectiva dialógica, esta pesquisa

consegue garantir espaços de aprendizagem e desenvolvimento para os envolvidos.

1.3.5 Linguagem, Linguística Aplicada e Pesquisa Crítica de Colaboração

Esta seção discutirá a relação entre os conceitos já abordados para justificar a

pertinência deste trabalho no campo interdisciplinar da Linguística Aplicada (doravante,

L.A.). A L.A. pode ser considerada como um campo de caráter interdisciplinar que

investiga o mundo real, as relações humanas e sociais, de modo que teoria e prática

sejam contempladas e a linguagem ocupe um papel central. Isto significa que a L.A.

preocupa-se com a linguagem em uso, busca referência de uma língua real, uma língua

falada por falantes reais, em práticas reais. Daí a especificidade do objeto de pesquisa

em L.A.: o estudo de práticas específicas de uso de linguagem em contextos específicos

(SIGNORINI, 1998/2004).

No período final dos anos 1980 e na década de 1990, começou-se a discutir, nos

meios científicos e acadêmicos, de que maneira as novas formas de entender o mundo

impactavam as ciências humanas de maneira geral. Nesse movimento, questionou-se

como os paradigmas de pesquisa e de construção de conhecimento, ainda muito

centrados num modelo positivista, afetavam a L.A. e que impactos trariam para uma

forma de fazer pesquisa de natureza aplicada num quadro crítico. Para Signorini

(1998/2004: 8) “novos e diversificados focos de interesse e novos grupos de

32

pesquisadores trabalhando na área favoreceram a expansão e a consolidação de uma

base multidisciplinar na constituição dos procedimentos de investigação próprios do

campo aplicado”, o que, por sua vez, possibilitou a emergência de um caráter

transdisciplinar.

Na mesma direção, Moita Lopes (1998/2004: 114) afirma que “O Linguista

Aplicado, partindo de um problema com o qual as pessoas se deparam ao usar a

linguagem na prática social e em um contexto de ação, procura subsídios em várias

disciplinas para que possam iluminar as questões em jogo”. Deve, também, considerar

a compreensão das mudanças relacionadas à vida sociocultural, política, histórica que

elas vivem (MOITA LOPES, 2006). Pennycook (1998/2004, 2006) também traz

questão semelhante e defende que todo linguista aplicado deve perceber-se como

intelectual situado em lugares sociais, culturais e históricos bem específicos, o que

exige que se rompa com os modos de investigação que sejam associais, apolíticos e a-

históricos. Enfatiza que, na L.A. é necessário conceber a linguagem como fundamental

tanto para manter quanto para mudar a maneira como vivemos e compreendemos o

mundo e a nós mesmos.

Essas discussões têm apontado cada vez mais para uma L.A. que, mais do que

“aplicada” está “implicada” (ROJO, 2006), ou seja, um campo de estudos “implicado”

com o social, desmascarando uma concepção asséptica e ingênua da ciência e do

conhecimento. Essa L.A. transdisciplinar tenta “criar inteligibilidades para problemas

sociais em que a linguagem tem papel central (MOITA LOPES, 2006a: 14) e cuja

característica essencial é o “envolvimento em uma reflexão contínua sobre si mesma:

um campo que se repensa insistentemente” (ibid., p. 17). Para esse movimento, são

necessárias teorizações que dialoguem com o mundo contemporâneo, com as práticas

sociais, com desenhos de pesquisa que considerem diretamente os interesses daqueles

que trabalham e agem no contexto de aplicação.

Por seu caráter multi e transdiciplinar, a L.A. é um campo fecundo para o estudo

de problemas que necessitam da contribuição de várias disciplinas para lançar luz para

as questões em foco. Este é o caso de uma pesquisa que se preocupa com a formação de

educadores, mais especialmente com a formação de diretores. Para o entendimento

desta problemática são convocadas as contribuições de várias disciplinas, tais como: a

psicologia, a educação, a legislação, entre outras. A abordagem adotada nesta pesquisa

exige, ainda, uma discussão sobre os princípios do que se convencionou chamar de

33

pesquisa crítica de colaboração: a centralidade da linguagem, os conceitos de

colaboração e a reflexão crítica.

1.4 A Pesquisa Crítica de Colaboração

Tal como vem sendo discutida por Magalhães e colaboradores desde 1990, a

pesquisa crítica de colaboração pode ser considerada como um método de pesquisa

desenvolvido no contexto escolar, situado num paradigma crítico e inserido no campo

interdisciplinar da Linguística Aplicada, mais especificamente, da Linguística Aplicada

Crítica. Esse tipo de metodologia tem algumas especificidades que a distingue das

demais pesquisas em Ciências Sociais: por sua intenção de intervenção comprometida

com a transformação social; pela centralidade que a linguagem ocupa em sua condução;

pelo tipo de relacionamento entre os participantes. Agrega pesquisa e formação e cria a

possibilidade dos participantes (incluindo os pesquisadores) aprenderem, por meio da

participação coletiva na condução da pesquisa, e estarem comprometidos com a

produção de conhecimentos significativos e com a transformação das práticas em foco,

visando à superação das condições sociais de desigualdade em todas as suas

manifestações: pobreza, autoritarismo, preconceito, violência, etc.

Desenvolvida no grupo de pesquisa do departamento de Linguística Aplicada e

Estudos da Linguagem (LAEL/PUC-SP), especificamente no contexto de formação de

educadores em ação, como aponta Magalhães (2009p):

(...) este tipo de pesquisa tem sido utilizada como lócus de discussão, para repensar as necessidades de seu contexto específico, isto é, a cultura tradicional que dita as regras que organizam os papéis da equipe diretiva, de professor e de alunos. Mais ainda, espaços para que a escola, como um todo, discutisse, questionasse e, realmente, trabalhasse, contra a alienação e individualidade que, em geral, embasa toda a organização escolar, bem como com os problemas que hoje se colocam como resultado de novas organizações sócio-histórico-culturais (e.g., a violência, o desânimo, a certeza da falência e os péssimos resultados de avaliações locais, nacionais e internacionais). Em suma, uma metodologia que organizasse os projetos de pesquisa e de extensão como “pré-requisito e produto, ferramenta e resultado do estudo”, de forma a possibilitar aprendizagem e desenvolvimento a todos os participantes.

A pesquisadora salienta o papel fundamental da linguagem para criar espaços

colaborativos que possibilitem aos participantes, por meio de práticas dialógicas,

refletirem sobre sua ação, questionarem suas escolhas, admitirem conflitos e incertezas,

34

bem como desenvolverem uma prática sistemática de análise e interpretação dos

discursos, com o objetivo de transformar suas ações à luz de outras informações. Nesse

tipo de pesquisa os conceitos de reflexão crítica e colaboração são fundamentais.

Kemmis (1987) considera a reflexão crítica um processo em que os educadores

(professores, coordenadores, diretores e funcionários da escola) conscientizam-se do

próprio discurso por meio da contínua problematização e reflexão sobre seus fazeres e

representações, ou seja, os sentidos que atribuem às suas ações. Por meio de uma

contínua problematização dessas práticas, espera-se desvendar algumas relações entre

os sentidos reveladas no discurso e sua realização na ação. Procura-se, desta forma, que

a reflexão possibilite aos participantes entendê-las e transformá-las. A reflexão crítica,

nessa perspectiva, envolve os participantes em um discurso que se organiza de forma

argumentativa, focalizando o questionamento das razões que sustentam as escolhas

feitas no agir cotidiano (MAGALHÃES, 1998a/2007). Essa transformação não busca

apenas uma maior eficiência para a ação, no contexto imediato, mas preocupa-se,

também, com uma relação mais ampla, no social.

Estreitamente ligada à reflexão crítica está a discussão do conceito de

colaboração e das formas de colaboração na construção de um conhecimento

compartilhado. Nesse contexto, a colaboração pode ser entendida como o

estabelecimento de um processo intencional de participação, que pressupõe uma atitude

de envolvimento dos participantes, o desenvolvimento de uma confiança mútua, forjada

numa atitude de respeito em considerar os valores, as idéias e as necessidades do outro,

e em expor, de forma clara, suas próprias idéias, valores e necessidades. Implica em

disponibilidade, compromisso e responsabilidade, em intenção transformadora.

(MAGALHÃES, 2003/2007; MAGALHÃES E FIDALGO, 2007; NININ, 2006a).

John-Steiner (2000: 188) aponta que a atuação conjunta, o interesse na resolução

de problemas comuns, em que cada participante pode compartilhar outras maneiras de

pensar, expandindo seus próprios entendimentos é crucial para o sucesso de um

empreendimento colaborativo. Segundo a autora, esforços colaborativos são processos

dinâmicos e mutáveis em que os indivíduos assumem riscos emocionais e intelectuais,

para construir mutualidade e interdependência produtiva, com vistas a desenvolver uma

visão compartilhada, bem como a atingir conjuntamente resultados negociados.

Define alguns padrões de colaboração (distribuída, complementar, integrativa e

35

familiar – que não será aqui discutida), bem como os papéis que os participantes

assumem em cada uma delas (ibid., p. 101). Esses padrões variam quanto a: intensidade

de colaboração, duração, processos interacionais envolvidos e objetivos. A autora

adverte, ainda, que tais padrões não são hierárquicos e muitas vezes a colaboração

começa com um padrão e termina com outro.

1. A Colaboração distribuída ocorre quando os indivíduos estão ligados por interesses

similares. Neste tipo de colaboração, que acontece tanto em contextos mais informais

como em contextos organizados, a divisão de papéis é informal e voluntária. De tempos

em tempos, podem surgir “insigths” pessoais e quando as trocas se tornam

controversas, o grupo pode se romper e formar outros grupos.

2. A Colaboração complementar, que envolve compreensão mútua, é a forma mais

frequentemente encontrada. Caracteriza-se a pela divisão de trabalho baseada no saber

complementar, nos papéis e no temperamento dos participantes, que negociam metas e

trabalham para um uma visão comum. Este tipo de relacionamento proporciona

benefícios pessoais, que vão além da mera realização de tarefa conjuntamente

negociada. Citando Wertsch, John-Steiner (2000: 199) retoma o conceito bakhtiniano

de apropriação, como “o processo de tomar alguma coisa que pertence a outro e fazê-

lo seu”. Em empreendimentos colaborativos, a apropriação mútua é o resultado de um

engajamento sustentado, durante o qual os participantes, escutam, discordam e lutam

para alcançar os pensamentos e as idéias dos outros. Este procedimento não é apenas

um processo cognitivo, mas sim apropriação intelectual e emocional.

3. A Colaboração integrativa requer dos participantes um período prolongado de

compromisso e empenho numa atividade comum. Este padrão cresce no diálogo, na

tomada de riscos e em uma visão negociada, representando uma forma particular de

interdependência humana que leva anos para ser completamente realizada. Os

participantes podem construir um padrão comum de crenças ou ideologia, que os

sustenta em períodos de oposição e insegurança. São motivados pelo desejo de

transformação de conhecimento, estilos e novas visões.

Em contextos de pesquisa e formação, estabelecer uma postura colaborativa é,

portanto, fundamental para que os participantes possam trabalhar juntos, partilhando

sentidos e construindo novos significados. Porém, como já apontado, o processo de

colaboração, implica em conflitos, tensões e questionamentos, que, por sua vez,

36

possibilitam aos participantes distanciamento, reflexão e autocompreensão, em relação

aos seus próprios discursos, e a relação destes com a prática efetiva que desenvolvem.

Na negociação e resolução desses conflitos está a possibilidade de desenvolvimento e

aprendizagem, ou seja, a produção compartilhada de novas compreensões e

possibilidades de ação.

Ninin (2006a) aponta os seguintes princípios como constituintes de um processo

colaborativo:

1) responsividade – cada participante assume as diferentes visões explicitadas no grupo;

2) deliberação - cada participante apresenta argumentos e contra-argumentos para

defender e embasar seus pontos de vista, mantendo-se firme em sua posição até

encontrar razões fundamentadas para mudar de opinião;

3) alteridade - cada um desenvolve a capacidade de se colocar no lugar do outro,

convivendo com as diferenças e buscando complementaridade e interdependência;

4) humildade e cuidado – o interesse do grupo prevalece sobre os interesses pessoais; e

5) mutualidade - o grupo, e cada um, reconhece a necessidade de participação de todos

os envolvidos.

Na medida em que esta pesquisa se insere no quadro de formação de educadores

em uma perspectiva crítica e considerando os vários aspectos da colaboração, considero

fundamental aprofundar o conceito de reflexão, na sua relação com processos

colaborativos.

1.4.1. Pesquisa crítica de colaboração: reflexão e formação

Muitos autores discutem o processo reflexivo e as interpretações sobre o que

seja refletir. Considerando a inserção deste trabalho na L.A., numa perspectiva

vygotskiana, em que a linguagem é considerada instrumento e objeto da constituição

humana, o estudo das características linguísticas do processo reflexivo torna-se

fundamental.

Baseado nos estudos de Habermas sobre o conhecimento humano, Van Manen

(1970, apud LIBERALI, 2008) descreveu três tipos de reflexão: técnica, prática e

crítica. A reflexão técnica estaria preocupada com a eficiência e a eficácia dos meios

para atingir determinados fins e da teoria como forma de previsão e controle dos

eventos. Nessa perspectiva, o educador estaria voltado a buscar, nas descobertas

científicas e nas teorias, as soluções para seus problemas. Assim a reflexão técnica é

37

marcada pela avaliação das práticas, segundo as normas da teoria e nas situações em

que ela tem lugar é comum se observar tentativas de aplicar conhecimentos teóricos,

mesmo sem uma compreensão real sobre eles.

A reflexão prática, preocupada com o conhecimento do cotidiano, caracteriza-se

pela focalização em necessidades funcionais. Em contexto em que o foco é a reflexão

prática, o trabalho é marcado por relatos ou narrativa de fatos, muitas vezes

entremeados de avaliações pessoais, uma vez que há uma tentativa de compreender as

ações a partir da própria experiência e conhecimento de mundo. A reflexão crítica

relaciona-se com as organizações anteriores, porém valorizando critérios morais e éticos

para a análise da situação e levando em conta os contextos histórico-sociais mais

amplos. Baseada na pedagogia crítica (FREIRE, 1970; KEMMIS, 1987; KINCHELOE,

1993/1997), a reflexão crítica se preocupa com uma tomada de posição frente aos

acontecimentos, de forma a desenvolver possibilidades de transformá-los.

Com base na discussão de Freire (1970), Smyth (1992) aponta que o processo

reflexivo se desenvolve a partir de quatro ações de linguagem, que estão estreitamente

relacionadas e não são hierárquicas: descrever (o que faço?); informar (o que agir

deste modo significa? ou qual a fundamentação teórica da minha ação?); confrontar (a

que interesses servem minhas ações?); reconstruir (como posso agir de forma

diferente?). Estas ações como já dito, estão relacionadas e a separação é apenas

metodológica/didática. Todavia, saliento que as ações do descrever e do informar estão

relacionadas ao microcontexto de ação, diferentemente das ações do confrontar e do

reconstruir.

Assim, o descrever leva o participante a apresentar verbalmente suas ações, o

que lhe permite distanciamento e questionamento sobre as escolhas feitas. O informar

envolve a busca pelos princípios que sustentam, inconscientemente ou não, suas ações.

Magalhães (1998a,b/2007) destaca que no momento de informar, o participante pode

descobrir que age de forma contrária a seus objetivos, atingindo uma compreensão do

que realmente faz e dos significados do que faz, que muitas vezes ficam escondidos

num discurso cristalizado e distorcido sob o senso comum. A discussão, então, passa

para um outro nível, isto é, passa a enfocar a escola como agente cultural e de uma

comunidade mais ampla. É o momento de confrontar, quando o educador retoma o seu

agir, num quadro sócio-histórico, que lhe permite uma compreensão maior dos

significados de suas ações para a manutenção ou transformação de desigualdades,

38

injustiças e preconceitos. A compreensão de suas práticas, dialeticamente relacionadas

com o resultado das três ações anteriores, pode proporcionar ao sujeito a possibilidade

de reconstruir sua ação, intervindo de forma mais produtiva no contexto escolar. O

momento de reconstruir sua ação coloca-se quando o participante se pergunta: como

posso agir de modo diferente? É o momento de emancipação de si mesmo e da

possibilidade de se tornar um agente de transformação.

Assim, podemos entender que as ações da reflexão crítica só acontecem com a

mediação do outro e com o compartilhamento de novos significados. Saliento que

podemos ser o outro para nós mesmos, como já apontavam Vygotsky (1925/2004) e

Bakhtin (1929-30/2006). Por meio da linguagem, intencionalmente, organizam-se

espaços de troca capazes de proporcionar aprendizagem e desenvolvimento e, nesse

processo, torna-se possível negociar, avaliar (entender, afirmar, analisar e questionar). O

objetivo final é que os educadores se vejam como agentes críticos, que tomem decisões

levando em conta a questão sociocultural e que se perguntem a que interesses servem as

ações escolhidas, ou seja, se estão a serviço da manutenção ou da transformação do

“status quo”.

Podemos relacionar também, na atividade Formação de Diretor, que é o foco

desta pesquisa, as ações sobre o processo reflexivo proposto por Smyth, e a discussão

de Engeström sobre o ciclo expansivo de aprendizagem. Nas palavras do autor :

A teoria da aprendizagem expansiva está baseada na dialética de ascender do abstrato para o concreto. Este é um método de agarrar a essência de um objeto traçando e reproduzindo teoricamente a lógica de seu desenvolvimento, de sua formação histórica, através da emergência e resolução de suas próprias contradições (...) uma nova idéia teórica ou um conceito é produzido inicialmente de forma abstrata. Esta abstração inicial vai sendo enriquecida e transformada num sistema concreto de múltiplas manifestações em constante desenvolvimento, ou seja, no ciclo expansivo, a idéia inicial é transformada num objeto complexo, uma nova forma de prática e ao mesmo tempo, este ciclo produz novos conceitos teóricos (ENGESTRÖM, 1999: 382)

O autor completa explicando que nesse quadro teórico, o termo “abstrato”

refere-se a parcial, separado da totalidade concreta. Adverte que no pensamento

empírico, que é baseado na comparação e em classificações, as abstrações capturam

arbitrariedades, ou seja, apenas propriedades formalmente interconectadas. No

pensamento teórico dialético, baseado em ascender do abstrato para o concreto, uma

abstração captura a menor e mais simples unidade de todo o sistema funcionalmente

39

interconectado.

O ciclo de aprendizagem expansiva organiza-se em sete ações, que também não

são hierárquicas (ENGESTRÖM, 1999a):

1) QUESTIONAR – consiste de um momento em que o sujeito questiona, desafia ou

até mesmo rejeita alguns aspectos da prática aceita e consagrada. Os

questionamentos partem de um sujeito individual, mas acabam por ser

compartilhados com outros.

2) ANALISAR – envolve situações de transformação mental, discursiva ou prática,

que buscam causas ou mecanismos explicativos. Este tipo de análise evoca o

“porquê”. Um tipo de análise é o histórico-genético, que busca explicar a situação

com base em sua origem e evolução ao longo dos tempos; o outro é o real-empírico

– que busca explicar a situação com base em suas relações sistêmicas. A ação de

analisar está associada às contradições presentes entre os diversos elementos da

atividade.

3) MODELAR – consiste de ações em que os sujeitos, a partir do resultado da análise

das contradições, elaboram novos instrumentos para uma possível solução em

direção ao resultado desejado.

4) EXAMINAR – está relacionada ao momento de expor à crítica o modelo ou o

instrumento criado. Em outras palavras, equivale a um projeto piloto, em que tal

solução é testada e questionada, analisada, criticada, no sentido de se entender suas

limitações e, se possível, reduzi-las.

5) IMPLEMENTAR – consiste da aplicação efetiva dos novos instrumentos gerados.

Essa ação ocorre envolta em questionamentos dos envolvidos em relação às idéias

novas, que surgem em contraposição àquelas estáveis no sistema.

6) REFLETIR – é o momento em que as novas idéias e instrumentos gerados são

internalizados pelos envolvidos. Este é o momento de olhar para os novos modelos

e escolher procedimentos para descrevê-los, discuti-los, em busca de suporte teórico

ao processo. A ação de refletir, na verdade, exige que as anteriores se façam

presentes, uma vez que a reflexão aqui desejada pauta-se no referencial crítico e em

contínuas práticas discursivas de negociação.

40

7) CONSOLIDAR – consiste em olhar para a situação e para as práticas

implementadas e pensar prospectivamente sobre elas, para imaginar novas

possibilidades em estágios futuros.

Como já apontado anteriormente e salientado pelas discussões de Smyth e de

Engeström, o movimento de expansão está diretamente relacionado à presença das

contradições e conflitos num sistema, uma vez que são elas que promovem o

desenvolvimento, na medida em que os envolvidos questionam as situações e ações

vivenciadas. Nessa direção, a organização das ações de reflexão desenvolvidas entre os

participantes abre a possibilidade para que objeto e motivo da atividade sejam

reconceitualizados. Assim, é possível relacionar tanto as ações da reflexão crítica,

propostas por Smyth, como o ciclo expansivo discutido por Engeström, com os

conceitos de internalização e externalização discutidos por Vygotsky (1930/1984: 223).

Como aponta John-Steiner, os processos de internalização e externalização acontecem a

partir da colaboração na e pela interação dos envolvidos, na e pela linguagem que

“fornece uma zona de desenvolvimento proximal mútua na qual os participantes

negociam sentidos e compartilham novos significados, que impulsionam o

desenvolvimento” (JOHN-STEINER, 2000).

As discussões acima estão estreitamente relacionadas ao arcabouço teórico da

TASHC e aos conceitos de colaboração, ZPD, desenvolvimento e ao papel fundamental

da linguagem na constituição humana e, como discutido por Daniels, é fundamental

estudar a linguagem num sistema de atividades. Nas palavras do autor:

nós necessitamos de uma linguagem de descrição que permita-nos identificar e investigar: as circunstâncias nas quais discursos específicos são produzidos, as modalidades dessas formas de produção cultural, e a implicação da disponibilidade de formas específicas de tais produções para moldar a aprendizagem e o desenvolvimento (DANIELS, 2004: 122, apud NININ, 2006a: 172).

O pesquisador aponta ainda que há necessidade de conectar teoria com as

descrições usadas na atividade, a qual deveria estabelecer relação entre o contexto

sócio-histórico-cultural e os artefatos, com o propósito de examinar as práticas

discursivas, organizacionais e interativas no confronto com as atividades específicas e

seus resultados.

Considerando-se a importância fundamental da linguagem na constituição do ser

41

humano, nos processos de aprendizagem e desenvolvimento, a concepção de linguagem

adotada nesta pesquisa será retomada e articulada com as teorias linguísticas que

sustentam a análise e a discussão dos resultados.

1.5 Linguagem e produção de significados compartilhados: as teorias de análise

O objetivo desta seção é discutir, com base no quadro teórico exposto, as teorias

linguísticas que orientam a análise de dados neste trabalho. Para isso, inicio

apresentando a concepção de linguagem adotada na pesquisa. Retomo alguns

pressupostos do pensamento de Bakhtin e Vygotsky, discutidos também por autores

pós-vygotskianos: Newman & Holzman, 1993/2002; Wertsch & Smolka, 1993,

entremeando essas discussões com a de outros autores: Liberali (1999), Kerbrat-

Orecchioni (2006), Pontecorvo (2005), Orsolini (2005), Mackay (2001), Brookfield &

Preskill (2005), Magalhães e Fidalgo (2007) que contribuem para expandir o tópico em

debate. A seguir, apresento brevemente as categorias propostas por Bronckart

(1997/2007): o plano geral, os conteúdos temáticos; os tipos de discurso, mais

especialmente o discurso interativo pertencente ao eixo do expor; e as sequências,

retomadas de Adam (1992 apud BRONCKART, 1997/2007) e reconceitualizadas pelo

autor (narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal), enfatizando a sequência

argumentativa e, por último, os mecanismos enunciativos. Encerro a discussão apontando

como esses conceitos contribuem para esta pesquisa.

1.5.1 Interação e produção de significados

Como já apontei, a linguagem é aqui entendida como prática discursiva com

base no quadro teórico da Teoria da Atividade sócio-histórico-cultural (Vygotsky e seus

seguidores). Os estudos que envolvem a dialogia bakhtiniana também permitem um

aprofundamento nas questões da linguagem e em como as várias vozes entram em

contato gerando novos significados compartilhados.

Wertsch & Smolka (1993/1999: 127, 128, 133) discutem, a partir do conceito de

dialogia de Bakhtin, como são apresentadas as várias maneiras pelas quais as vozes

entram em contato e contribuem para uma compreensão ativa da palavra do outro: a)

interação face-a-face com alternância de turnos; b) utilização de palavras e/ou

42

expressões de outra voz; c) repetição da voz do outro; d) referência às elocuções do

outro; d) pressuposição silenciosa da fala do outro; e e) reação responsiva a elas. Esse

entrelaçamento de vozes, presente nos enunciados, propicia a geração de novos

significados e funcionam como recursos de pensamento, pois qualquer texto (oral ou

escrito) possui duas funções básicas “comunicar significados adequadamente e criar

novos significados” (LOTMAN, 1988: 34, apud WERTSCH & SMOLKA, 1993/1999:

133). Nos textos em que a função dialógica predomina, “cada voz tomará os enunciados

das outras vozes como estratégias de pensamento (...) essas enunciações são vistas

como propiciadoras de um movimento em forma de negociação e geração de

significado” (WERTSCH & SMOLKA, 1993/1999: 136).

Retomando, mais uma vez, que um dos objetivos desta pesquisa é investigar o

processo de produção de novos significados compartilhados sobre direção escolar a

partir de um processo de colaboração desenvolvido entre uma pesquisadora e a diretora,

a noção de dialogia contribui para a compreensão dos dados. É essencial para que se

entenda como as participantes trazem, para os seus discursos, outras vozes e como, ao

longo do trabalho desenvolvido, ocorreu ou não a apreensão da palavra do outro e o

compartilhamento de significados na interação que desenvolvem durante o trabalho.

Assim, compreender como se deu a interação nesta pesquisa é fundamental.

Kerbrat-Orecchioni (1996/2006: 9, 11) discute que, na interação face a face, como é o

caso deste trabalho, o discurso é sempre produto de um trabalho colaborativo

incessante, na medida em que emissor e receptor (ou os interlocutores, numa concepção

bakhtiniana) estão num mesmo espaço e tempo, sendo o discurso inteiramente co-

produzido. A autora discute a noção de interação, apontando que para que a troca

interativa de fato ocorra é necessário que os falantes envolvidos “se” falem, ou seja,

estejam ambos “engajados” na troca e que deem sinais desse engajamento mútuo,

recorrendo a diversos procedimentos de validação interlocutória (grifos da autora).

Kerbrat-Orecchioni (1996/2006: 9) classifica esses procedimentos como fáticos, quando

o falante (emissor) quer assegurar a escuta do seu destinatário (“hein”, “né”, “sabe”,

etc.); e/ou, eventualmente, corrigir problemas de escuta ou compreensão, por meio das

retomadas ou reformulações; e como reguladores, quando o falante (receptor) quer

assegurar que está ouvindo o outro falante (“humm”, “sim”, “certo”, entre outros)

(grifos no original). Os procedimentos fáticos e reguladores são solidários e se

influenciam mutuamente, se ajustam e coordenam permanentemente seus

43

comportamentos, ou seja, não são independentes um do outro.

Para Kerbrat-Orecchioni (1996/2006: 59), os turnos dos participantes envolvidos

em uma conversação podem ser classificados em três tipos:

a) como uma intervenção iniciativa, que inicia um novo assunto;

b) como uma intervenção reativa, que responde a uma intervenção iniciativa; e

c) como uma intervenção avaliativa, que acusa a recepção da intervenção reativa.

Ainda segundo a autora, a alternância das falas e o número de palavras em cada

turno afetam a maneira como se efetuam as negociações entre os participantes e têm

consequências sobre o desenvolvimento da interação e sobre a construção da relação

interpessoal.

Essas categorias são importantes nesta pesquisa, para compreender se o

participante é responsável pela abertura ou pela conclusão do tema em debate e por que

e para que toma a palavra (ou seja, para questionar, para concordar, levantar outra

questão, entender o outro, ou aprofundar o entendimento do contexto), além de oferecer

informações sobre o engajamento das participantes na interação. Colabora também para

compreender os padrões de colaboração desenvolvidos durante o trabalho, como o

discurso foi sendo ou não co-construído, e de que maneira os sentidos foram declarados

gerando a possibilidade de novos significados compartilhados.

Pontecorvo também colabora para esta discussão: parte da necessidade de definir

instrumentos mais apurados de descrição do processo e de interpretação daquilo que

ocorre, de fato, na interação social que visa ao conhecimento e à aprendizagem

(PONTECORVO, 2005: 65-66). Discutindo algumas pesquisas anteriores, observou que

há duas dimensões – desenvolvimento e pertinência, das quais destaco, para esta

pesquisa, apenas a primeira.

Define o desenvolvimento como a dimensão que se manifesta no fio condutor do

raciocínio e se mantém coerente quando passa de um interlocutor para o outro, fazendo

avançar e progredir a análise, bem como a interpretação e a definição do objeto do

discurso, mediante a introdução de novos elementos e novas expectativas. O não

desenvolvimento se verifica quando o discurso se intrinca ou quando há uma situação de

inércia, de bloqueio do raciocínio coletivo. Para a autora, as categorias que marcam o

desenvolvimento são: trazer elementos novos, relacionar, contrapor-se argumentando,

compor relações de nível mais alto, problematizar, reestruturar. As categorias que

44

marcam um não desenvolvimento são: repetir, confirmar, referir-se a uma experiência

pessoal.

Tais modalidades coletivas e socialmente compartilhadas de pensar e raciocinar

manifestam-se no diálogo e na conversação, assumindo diferentes modalidades de

realização. A construção conjunta de um raciocínio compartilhado manifesta-se numa

variedade de formas conversacionais:

a) Na complementação de uma asserção típica de sujeitos que têm grande

familiaridade entre si, e na qual o objeto do discurso é compartilhado porque se está

pensando a mesma coisa;

b) Outra forma de construção conjunta é dada pelas interações elípticas, com uso de

muita adjetivação; nenhum interlocutor completa a frase do outro, mas o fio

condutor do raciocínio não se perde e o turno passa de um interlocutor para o outro;

c) Outro exemplo de construção conjunta é dado pela retomada, mais ou menos

explícita, de um tema introduzido por outro interlocutor, com a intenção de incluir

acréscimos, variações elaborações. Para a autora, esta é a forma mais evidente de

compartilhar experiências, conhecimentos e avaliações.

Todas essas formas mostram um compartilhamento do discurso por parte dos

interlocutores e sugerem que o contexto social pode propiciar o compartilhamento de

novos significados. Nesta pesquisa, utilizaremos alguns destes conceitos para entender

como se deu a interação entre pesquisadora e diretora. Assim considerarei para a análise

algumas das categorias apontadas pela autora em relação ao desenvolvimento de um

discurso comum.

Pesquisando os mecanismos que tornam possível o desenvolvimento do discurso

raciocínio, a autora identificou a importância do interlocutor exigente, que não está

satisfeito com o que dizem ou respondem os outros; que propõe objeções, perguntas e

delimitações; que permite ao grupo ou ao outro ir além do dado, a procurar outras

explicações mais bem fundamentadas. Aponta também que o pensar, conhecer e

raciocinar apresenta uma dimensão argumentativa “o ato de pensar procede por meio de

asserções que se distinguem das outras, que contém posicionamento, mesmo que

implícito, um expressar prós e contras, juízos de valor, analogias, semelhanças e

exemplos” (PONTECORVO, 2005: 78). Nesta direção, complementa que quando um

dos interlocutores opõe-se, pergunta ou põe algo em comum no discurso, em geral

45

provoca uma argumentação mais profunda e produz análises mais acuradas do

problema.

Procurando observar linguisticamente como a geração de significados é propiciada nas interações, Orsolini (2005: 124) propõe categorias de análise que buscam o “exame dos aspectos interativos e de construção do discurso”. Levando em conta o conteúdo semântico dos turnos tanto do professor quanto dos alunos, Orsolini discute os ciclos de pedido de informação, produzidos em turnos relacionados: os pedidos de esclarecimento, ou pedidos de explicação. Os pedidos de esclarecimento requerem que o falante especifique um dos referentes do enunciado – o que contribui para o entendimento do que está em discussão. Segundo a autora, estes tendem a ser seguidos por turnos simples. O segundo – pedido de explicação – é introduzido por uma pergunta “por que...?” e “como...?”, e requer que o falante elabore o conteúdo semântico e acrescente outra informação como elaboração da resposta.

Uma outra categoria a que a autora se refere é o que chama de intervenções de

espelhamento, ou seja, contribuições conversacionais com as quais o sujeito repete,

reformula ou estende a informação introduzida por outro falante. Tais intervenções

expressam que a “informação precedente é considerada importante” e que “o falante

comunica um esforço de compreensão e encoraja o interlocutor a prosseguir o

discurso, fornecendo-lhe, ao mesmo tempo, a oportunidade de esclarecer e elaborar

posteriormente a mensagem precedente”. Assim como o espelhamento, os pedidos de

esclarecimento e de explicação podem proporcionar maior participação dos envolvidos,

o que pode levar a mais chances de compartilhamento de significados.

Nesta discussão, como já apontado, podemos também entender que na troca

interativa, as perguntas têm um importante papel no desenvolvimento da conversação e

podem ser utilizadas para se verificar de que maneira houve ou não o desenvolvimento

do raciocínio dos participantes e de que maneira novos significados foram

compartilhados na interação que se desenvolveu.

Nessa direção, Brookfield & Preskill (2005) pontuam que, na troca interativa, a discussão é a construída com diversas experiências e interpretações dos participantes sobre o objeto da discussão. Embora o coordenador da discussão tenha responsabilidade por guiá-la, nenhuma pessoa sozinha controla a direção da discussão completamente. Boas discussões são imprevisíveis e surpreendentes, na medida em que revelam tanto aspectos sobre os participantes como sobre o tema em debate, que iluminam e para o qual abrem novas perspectivas. Porém, os autores também apontam que, mesmo quando

46

as discussões têm um bom começo, devido à variedade de circunstâncias presentes na situação de interação, elas podem conduzir a um bloqueio coletivo.

Para eles, a questão central é verificar quais as condições que inibem o diálogo e quais as medidas que podem ser tomadas para superar essas inibições. Nessa direção, os autores discutem a função das perguntas no desenvolvimento do raciocínio e apontam que os diversos tipos de perguntas possuem funções específicas na conversação e que colaboram para o aprofundamento dos sentidos declarados e para a construção de novos significados compartilhados. No quadro abaixo, retomo algumas categorias de perguntas propostas pelos autores:

Quadro 1.1 - Tipos de Perguntas com respectivos objetivos e exemplos

Categorias Objetivos Exemplos Questões que pedem por mais evidências.

São utilizadas para que os participantes possam explicar opiniões que parecem desconectadas, “insuportadas” ou injustificadas.

Como você sabe disto? Onde se baseia esta informação (dados) / em que dados se baseiam estas informações? Em que teoria você está embasada? O que o autor fala que sustenta este seu argumento? Onde você percebeu que esta visão está expressa?

Questões que pedem clarificação.

São questões que permitem aos participantes expandir as idéias para serem entendidas pelos outros.

Como você pode colocar isto de outra maneira? Qual seria um bom exemplo sobre o que está falando? Você pode explicar o que você entende por isto? Você pode explicar melhor este termo? Você pode dar uma outra ilustração deste ponto?

Questões abertas.

São questões utilizadas para provocar o pensamento e a resolução de problemas.

Como e por quê ...?

Ligando ou expandindo questões.

São usadas para engajar os participantes na construção “coletiva” a partir das falas de todos

Há alguma conexão entre o que você disse e o que João falou? Como o que você disse/comentou se encaixa no que João falou? Como sua observação se relaciona com o que o grupo decidiu/ discutiu na outra semana? Como sua idéia/ conceito/ colocação se transforma/muda em relação ao que acabou de ser colocado?

Questões hipotéticas.

Construção de novos cenários estabelecem hipóteses de trabalho

Se consideramos que ... como.... Se todos os pais participarem da escola ...

Questões de causa e efeito.

Provoca e estimula os participantes a explorarem causa e efeito / relações entre classes,

Como a nova legislação educacional afeta nosso planejamento escolar? Como esta teoria de ensino modifica nossas concepções?

Sumarizando e sintetizando Resumo ou síntese

Utilizada para que os participantes sistematizem o que foi pensado ou discutido

Discutindo tudo isto, quais são as questões centrais que aprendemos hoje? Quais as questões que você não conseguiu aprender hoje? Quais as duas ou três idéias mais importantes desta discussão? O que ainda não ficou compreendido aqui?

Mackay (2001), também discutindo a função das perguntas, divide-as em três

47

categorias principais: as perguntas abertas, que estimulam o interlocutor a formular uma

resposta; as perguntas fechadas, que em geral esperam um tipo de resposta específica ou

monossilábica; e as perguntas contraproducentes que não têm utilidade na enunciação.

Para as perguntas abertas, o autor estabelece uma distinção entre o:

questionamento ativo e o questionamento passivo e utiliza subcategorias em cada um

deles. No questionamento passivo, o objetivo é estimular a continuidade da discussão,

dar espaço e tempo para o outro, mostrar interesse e prolongar a discussão. São

exemplos de questionamento passivo: estímulos não verbais, comentários de apoio,

repetição de palavras chaves, pausa. No questionamento ativo, o autor também

subdivide em outras subcategorias, entre as quais: perguntas de contato, que são usadas

para estabelecer afinidade e aproximação entre os participantes, perguntas

investigadoras, que têm como objetivo buscar informações num nível de maior

profundidade e investigar mais detalhadamente o objeto em foco, encorajando a pessoa

que está sendo questionada a pensar e a encontrar soluções para si mesma. De

relevância para esta pesquisa estão as perguntas fechadas, as perguntas investigadoras e

os comentários de apoio.

Magalhães & Fidalgo (2007), discutem a condução de pesquisas colaborativas

em contextos escolares e apontam para os elementos enunciativos que permitem a

criação de um lócus de colaboração, fundamental para espaços de confiança. Enumeram

alguns tipos de perguntas que colaboram para que uma discussão possa se desenvolver

de modo que os participantes informem suas práticas e aprofundem as razões de seu

agir. Assim, perguntas que permitem que os participantes informem suas práticas (O

que...? seguido de Por quê...?) têm como objetivo ouvir atentamente, a fim de

promover investigações sobre desentendimentos e propiciar lócus confortável para que

cada participante mostre suas diferentes compreensões e pontos de vista. Cada fala deve

dar lugar às idéias dos outros participantes e promover a co-construção do que está

sendo dito, proporcionando a possibilidade de construção de novos significados

compartilhados.

Liberali (2004a) também colabora nesta discussão e faz um levantamento das

questões coletadas em contextos de formação de professores, relacionadas às ações da

reflexão crítica, tal como propostas por Smyth. Questões que iniciam com o quê, como,

ou que pedem exemplos, são questões que permitem um entendimento e até mesmo o

aprofundamento do objeto em discussão. Se seguidas de por que e para que,

48

aprofundam as razões apresentadas e em geral podem conduzir o participante a justificar

suas escolhas.

Da mesma maneira, asserções e comentários podem oferecer modelos que

auxiliam os participantes a visualizar outras possibilidades e a aumentar o conhecimento

do que está em discussão.

A partir das discussões dos diferentes autores, construí categorias de perguntas

para esta pesquisa, que serão retomadas e exemplificadas no capítulo metodológico:

1. Perguntas fechadas ou indutivas – Perguntas de sim ou não, ou que induzem a um

certo tipo de resposta;

2. Perguntas que pedem por mais evidências ou clarificação: São questões que

permitem aos participantes expandir as idéias para serem entendidas tanto para si

mesmos como pelos outros e têm a função de aprofundar o entendimento do objeto

em foco (explica melhor...., qual...., quais......, o que.....);

3. Perguntas que pedem explicação: São perguntas que exigem uma justificativa –

provocam o pensamento e a resolução de problemas (como... ?, por que...?, para

que... ?;

4. Perguntas síntese que resumem o que foi discutido: são perguntas que pedem uma

síntese do que foi discutido e exigem uma abstração: (quais as conclusões ...?);

5. Perguntas Hipotéticas: perguntas que estabelecem hipóteses (e se...).

1.5.2 As contribuições de Bronckart

O quadro teórico discutido por Bronckart (1997/2007) também colabora para

organizar esta discussão e permitiu a compreensão da relação entre as características das

ações de linguagem utilizadas nesta pesquisa – que se propõem reflexivas

(MAGALHÃES e LIBERALI, 2007) –, e as escolhas linguísticas realizadas pelas

participantes. Das categorias propostas pelo autor, considero, neste estudo, a análise da

situação de ação verbal, dos tipos de discurso utilizados, da organização sequencial,

além de aspectos dos mecanismos de textualização e de enunciação. Bronckart

(1997/2007: 108) discute que a produção de qualquer texto empírico é sempre um

produto da dialética que se instaura entre as representações, com base nos sentidos que

o agente atribui aos contextos de ação e aos seus próprios sentidos e representações.

49

Nessa direção, cada novo texto empírico contribui para a transformação histórica

permanente.

Bronckart (1997/2007: 102) aponta como central a compreensão do conteúdo

enfocado no texto. O conteúdo temático ou referente de um texto é entendido como o

conjunto de informações que são explicitamente apresentadas no texto, isto é, os temas

e assuntos que são traduzidas no texto pelas unidades declarativas da língua natural.

(BRONCKART, 1997/2007: 97). Tal conteúdo temático pode ser composto de temas

relativos ao mundo físico (por exemplo, relacionados a um animal), ou ao mundo social

(por exemplo, os valores sociais de um grupo), ou ao mundo subjetivo (por exemplo,

uma apreciação pessoal). Pode, ainda, combinar dois ou três desses mundos. Da mesma

forma que a situação de ação de linguagem, as informações do conteúdo temático são

representações construídas pelo agente produtor. São conhecimentos adquiridos que se

relacionam com a sua experiência e nível de desenvolvimento, estando armazenados e

organizados em sua memória antes mesmo da ação de linguagem.

Nesta pesquisa, a análise do conteúdo temático será utilizada para entender os

assuntos tratados, as preocupações e os sentidos trazidos pelas participantes,

possibilitando a visualização das ações da atividade em foco e como o objeto foi se

transformando durante a atividade Formação de Diretor.

De acordo com Bronckart (1997/2007: 152), pelo fato de serem semiotizados, os

conhecimentos se organizam em mundos “outros”, ou em mundos discursivos, cujas

coordenadas são diferentes das do mundo ordinário em que se realiza a ação do agente.

A reestruturação desses conhecimentos prévios relaciona-se ao tipo de discurso

mobilizado (ibid. p. 98). Se o conteúdo temático é organizado em um mundo distante ou

disjunto da situação de ação de linguagem, as representações (sentidos) mobilizadas

referem-se a fatos passados, atestados ou não, ou a fatos futuros, possíveis ou

imaginários, havendo assim uma ancoragem em um dado espaço tempo por meio de

formas linguísticas temporais, como: ontem; aconteceu faz tempo; no ano passado; em

2007; entre outros, e em um dado espacial, como: Era uma vez...; Havia um lugar

distante daqui; entre outros. Desse modo, os fatos são narrados como se fossem passado

ou futuro e podem, de fato, ser colocados em um mundo autônomo ou atemporal. Por

outro lado, o mundo conjunto tem uma referência mais ou menos direta às coordenadas

do mundo da ação de linguagem em curso. Os fatos, neste caso, são mostrados ou

expostos.

50

Essa distinção aponta para os dois eixos descritos no quadro a seguir: O eixo do

narrar e o eixo do expor. O narrar refere-se ao mundo que deve ser avaliado ou

interpretado. O expor refere-se à interpretação dos conteúdos temáticos à luz de critérios

de validade. Por outro lado, nas operações de explicitação da relação dos parâmetros da

ação de linguagem em curso, temos o texto implicado e o texto autônomo. O texto é

implicado por meio de referências explícitas aos parâmetros da ação de linguagem. Isso

se dá por referências dêiticas a esses mesmos parâmetros e requer conhecimento das

condições de produção nas quais o texto se insere.

Já o texto autônomo não requer conhecimento dessas condições. Em outras

palavras, os textos implicados mobilizam traços do locutor e mundos, enquanto o

autônomo não os mobiliza.

Quadro 1.2 Situação de ação e Tipos de Discurso

Coordenadas gerais dos mundos Conjunção Disjunção Relação ao ato de produção Expor Narrar

Implicada Discurso interativo Relato interativo Autônoma Discurso teórico Narração

Na ordem do expor encontramos, portanto, o discurso interativo e o discurso

teórico. Nesta pesquisa, que foi conduzida por entrevistas e reuniões reflexivas, as

características do discurso interativo são fundamentais e por este motivo retomo as

características propostas por Bronckart (1997/2007) e discutidas por Liberali (1999).

O Discurso interativo O mundo do expor implicado realiza-se num discurso interativo, em que se faz

necessário o conhecimento prévio dos parâmetros da situação. Este tipo de discurso tem

o formato de diálogo ou monólogo marcado com as seguintes características

linguísticas:

• Frases interrogativas, imperativas, exclamativas;

• Sistema temporal que exprime a relação que é colocada entre o momento dos

acontecimentos verbalizados no texto e o momento da tomada da palavra na

interação (presente, pretérito perfeito e futuro perifrástico);

• Unidades que se referem a objetos acessíveis aos interagentes, ou ao espaço tempo:

dêiticos espaciais (Estou aqui.) e temporais (Agora não vou.); aos interactantes (Isto

é seu?);

51

• nomes próprios, verbos, pronomes e adjetivos em 1ª. e 2ª. pessoas do singular e

plural (referindo-se diretamente aos protagonistas da interação verbal);

• expressão do tipo “a gente” ou “você” (em lugar de “nós”);

• auxiliares (poder, querer, dever, ser preciso).

A organização sequencial Uma outra característica pode ser observada no interior do plano geral de um

texto e constitui elemento essencial para análise, considerando-se sua forma de

desenvolvimento. É a organização sequencial ou prototípica do conteúdo temático que

se constitui ingrediente da infraestrutura dos textos. São modelos abstratos em que os

produtores de texto se apoiam e que permitem aos produtores de textos organizarem

suas ações de linguagem (BRONCKART, 1997/2007: 217). Baseado na situação da

ação de linguagem, o produtor faz uso das estruturações linguísticas convencionais,

orientado pelo objetivo que busca alcançar e pelas representações que tem do

destinatário. As sequências textuais, retomadas de Adam (1992) e reconceitualizadas

por Bronckart (1997/2004) são modos de planificação da linguagem dentro do plano

geral do texto (narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal) e outros

modos de planificação que podem ser combinadas em um mesmo texto. De relevância

para esta pesquisa destacamos a sequência argumentativa, considerando especialmente

os elementos enunciativos que a caracteriza.

Sequência argumentativa A sequência argumentativa é importante nesta pesquisa e está relacionada aos

tipos de perguntas e à maneira como um argumento é elaborado.

Segundo Bronckart (1997/2007: 226), o raciocínio argumentativo implica na

existência de uma tese anterior (Os seres humanos são inteligentes), para qual são

apresentados dados novos (Os seres humanos fazem guerra), os quais sofrem um

processo de inferência (As guerras são tolas), que levam a uma conclusão ou nova tese

(Os seres humanos não são inteligentes, senão para isso). Durante o processo de

inferência, o movimento argumentativo pode ser escorado por suportes (As guerras

trazem a morte e desolação) e freiado por restrições (Certas guerras contribuem para o

estabelecimento das liberdades individuais). Segundo Bronckart, o protótipo da

sequência argumentativa apresenta-se como uma sucessão de quatro fases:

1) fase das premissas (ou dados) em que propõe uma constatação de inicial;

52

2) fase de apresentação dos argumentos – elementos que orientam para uma conclusão

provável que podem ser apoiados por regras gerais, lugares comuns, etc.;

3) a fase da apresentação dos contra-argumentos – que operam uma restrição em

relação á orientação argumentativa ou aos argumentos apresentados, que podem ser

refutados ou apoiados por regras gerais, lugares comuns, exemplos, etc;

4) fase de conclusão (ou de nova tese) em que – faz-se uma integração dos

argumentos e contra argumentos; (grifos do autor)

Essas fases, segundo Bronckart (1997/2007: 227), podem ser realizadas de modo

simplificado, deixando implícitas outras fases, ou, de modo complexo, com fases

múltiplas.

Liberali (1999) discute que no argumentar algumas unidades linguísticas se

sobressaem: Em meus dados destacam-se:

• formas pessoais para assumir uma opinião (pronomes e adjetivos pessoais - na

minha opinião) ou envolver e implicar o destinatário (Você deve concordar que);

• organizadores textuais que articulam razões, conclusões, enumeração,

argumentações, refutação, concessão e oposição (disjunção, causa, oposição,

analogia, exemplificação, gradação);

• locuções de modalidades (expressões de certeza, probabilidade, necessidade);

• restrições (exceto se, a menos que);

• expressões usadas para formular objeções e opor (É possível que... Eu duvido

que...);

• questões da ordem do porquê;

• exemplificação;

• uso de meios para exprimir dúvida: advérbios, verbos auxiliares,

• emprego de tempos;·modalidades de enunciação (questões retóricas, fórmulas

interrogativas, exclamativas);

• uso de diferentes formas de discurso reportado;

• uso de termos pejorativos e apreciativos.

Contribuindo para esta discussão, Mosca (2004) pontua que a argumentação está

presente em toda e qualquer atividade discursiva, e nesta perspectiva, argumentar

significa considerar o outro como capaz de reagir e interagir diante das idéias, teses que

lhes são apresentadas num movimento dialógico. Neste sentido, aprender a argumentar

53

é também aprender a pensar e a ler os discursos à nossa volta com maior profundidade.

Argumentar também é “integrar-se no universo do outro”, ou seja conseguir o que se

deseja de cooperativo e construtivo, buscando, traduzindo nossa verdade dentro da

verdade do outro” (ABREU, 2006: 10).

Esses conceitos são importantes para este trabalho para entender os argumentos

que expressam os sentidos da diretora e da pesquisadora durante toda a pesquisa e é no

conjunto das premissas apresentadas durante a interação que se percebe a construção do

argumento de cada um dos participantes. Tais conceitos estão, também, relacionados

com os tipos de perguntas produzidas na troca interativa que se estabeleceu entre

diretora e pesquisadora.

Retomando as contribuições de Bronckart (1997/2007: 97), a organização de um

texto é constituída por três camadas superpostas que são: 1) a infraestrutura geral do

texto; 2) os mecanismos de textualização; e 3) os mecanismos enunciativos. Como o

próprio autor declara, essa distinção é apenas didática: na prática, os três níveis se

apresentam em constante interação. Nesta pesquisa apontar para eles é importante e por

este motivo passaremos a discuti-los a seguir.

Os Mecanismos enunciativos Os mecanismos enunciativos constituem o nível mais visível de organização do

texto e propiciam sua coerência pragmática: esclarecem os posicionamentos

enunciativos (instâncias que assumem o que é enunciado no texto); expressam as

diversas avaliações (julgamentos, opiniões, sentimentos) sobre alguns aspectos do

conteúdo temático; e as vozes, integrantes dessa camada, assumem a responsabilidade

pelo enunciado. A importância deste item está em permitir analisar os dados buscando

compreender como as participantes (diretora e pesquisadora) assumem a

responsabilidade de seus atos enunciativos.

De acordo com Bronckart (1997/2007), são as modalizações que, em geral,

traduzem os diversos comentários ou avaliações sobre alguns aspectos do conteúdo

temático. Essas avaliações são marcadas pelos julgamentos, pelas opiniões, pelos

sentimentos, e outros, apresentados pelo agente enunciador e que orientam o leitor na

interpretação do seu conteúdo. As modalizações também marcam a coerência

pragmática do enunciando por meio da interação das avaliações formuladas a respeito

do conteúdo temático. Bronckart (1997/2007), com base nos três mundos de Habermas,

54

propõe quatro funções de modalização, a saber: lógicas, deônticas, apreciativas e

pragmáticas. Bronckart & Machado (2004) discutem essas funções e denominam como

relações predicativas. Distinguem as relações predicativas diretas (asserções neutras,

sem metaverbos) das indiretas, que são classificadas de acordo com o metaverbo que as

precede. São eles:

• valor deôntico (dever, ser preciso, etc.), que explicita os determinantes externos do agir;

• valor pragmático (querer, tentar, buscar, procurar, etc.), que explicita as intenções do

agente;

• valor psicológico (pensar, acreditar, considerar, etc.), que explicita os recursos

cognitivos do agente;

• valor epistêmico (ser verdade, poder, etc.), que explicita o grau de verdade ou certeza

objetiva sobre o predicado;

• valor apreciativo (gostar, apreciar, etc.), que explicita a posição subjetiva do agente em

relação ao predicado.

Para Bronckart & Machado (2004), as modalizações ou relações predicativas são importantes na análise dos textos, pois, mais do que marcar o posicionamento do enunciador, podem também revelar os “efeitos de sentido produzidos pelos enunciados” (ibid., p. 150). Dos conceitos discutidos, são importantes para essa pesquisa, as relações predicativas e os tipos de verbos, que Bronckart (1997/2007: 278-9), baseado em Vendler (1967), classifica de acordo com o aspecto, e que discuto a seguir: a) Verbos de estado: que remetem a processos estáveis, excluindo qualquer forma de

mudança: saber, ser bonito, etc. b) Verbos de atividade: que remetem a processos dinâmicos durativos (que implicam

numa certa duração) e não resultativos (que não implicam resultados): escrever, nadar, subir, etc.

c) Verbos de realização: que remetem a processos dinâmicos, durativos e resultativos: correr (uma maratona), fumar (um cigarro); este tipo de verbos exige a presença de um complemento para o resultado.

d) Verbos de acabamento: que remetem a processos dinâmicos, não durativos e resultativos: cair, chegar.

Esta seção discutiu os aspectos linguísticos que orientaram a análise e a discussão dos dados dentro do quadro teórico adotado. Esta apresentação é fundamental para estabelecer as categorias de análise linguística que apoiam os padrões de colaboração desenvolvidos nesta pesquisa.

55

CAPÍTULO 2

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA

O que pode ser buscado nos mestres do marxismo não é a solução da questão, e nem mesmo uma hipótese de trabalho (porque estas são obtidas sobre a base da própria ciência), mas o método de construção. [...] Eu quero aprender, a partir do método de Marx, como construir uma ciência, como conduzir a investigação da mente (VYGOTSKY, 1927/2004).

Apoiada no quadro teórico da TASHC e entendendo, junto com Vygotsky, que a

seleção do método tem uma estreita afinidade com os objetivos de uma pesquisa, seu

desenvolvimento e os resultados obtidos, bem como com a teoria que a sustenta, discuto

inicialmente, neste capítulo, questões relacionadas aos diferentes paradigmas que a

humanidade vem construindo em seus vários processos de produção de conhecimento.

Em seguida, apresento e justifico a metodologia adotada neste trabalho, especificando o

contexto em que foi realizado, os participantes, os instrumentos de produção de dados e,

por fim, as categorias de análise utilizadas. Finalizo o capítulo com considerações a

respeito da confiabilidade desta investigação.

2.1 Os paradigmas de produção de conhecimento

A noção de “paradigma” é discutida por Kuhn (1962) como representando um

conjunto de crenças, modelos, valores e esquemas de referência, visões de mundo e

formas de trabalhar, reconhecidas por uma comunidade científica em determinados

momentos históricos. Gouldner (apud BREDO e FEINBERG, 1982: 5) avalia que “uma

mudança teórica nas ciências sociais geralmente ocorre quando as bases conceituais

que dominam uma determinada teoria ficam dissonantes com os interesses e

sentimentos compartilhados”8.

Em uma análise filosófica do conhecimento produzido academicamente,

Habermas propõe uma distinção entre os três principais interesses humanos no mundo

8 Tradução minha. No original: “Theoretical change in social sciences often occurs when the domain assumptions or infrastructure of theory are dissonant with shared sentiments and interests”.

56

científico: o técnico, o prático e o emancipatório. O interesse técnico procura entender a

realidade empírica e busca maneiras de controlar o meio através do trabalho, ou seja, do

agir instrumental. O interesse prático, por sua vez, diz respeito à influência da atividade

cultural e histórica nas relações entre indivíduos em sua vida social. Finalmente, o

interesse emancipatório é compreendido por Habermas como a ligação entre os saberes

teórico e prático na busca de valores éticos na atividade humana. Pautados na discussão

habermasiana, Bredo e Feinberg (1982) observam que são três os paradigmas que

norteiam os tipos de pesquisas desenvolvidas academicamente: o Positivismo, o

Interpretativismo e o Crítico. De acordo com a filosofia positivista, o método científico,

emprestado das ciências naturais, assume a separação entre o sujeito e o objeto de

conhecimento. A base do conhecimento científico é, nessa visão, constituída por fatos

da experiência sensorial e que são pensados como indubitáveis, podendo ser

relacionados e explicados por leis gerais, ou padrões de leis integradas em sistemas

teóricos coerentes. No ideal do positivismo há uma busca de um conhecimento válido,

verdadeiro e comprovado, que pode ser replicado, independente do contexto: o ideal de

um “verdadeiro” saber positivista é ser cientificamente comprovado, em uma dada

teoria que pode ser aplicável a “todos os mundos sociais concretamente desiguais”

(RIZZINI et al., 1999: 38). Deste ponto de vista, não há diferença metodológica entre

estudar pessoas ou fenômenos sociais e estudar fenômenos naturais. Esse paradigma ou

modelo imperou nas ciências sociais até aproximadamente a década de 1960, e

encontrou oposição no interpretativismo e nas abordagens qualitativas, que propunham

uma abertura nas concepções e entendimentos de pessoas e grupos que eram estudados

(BREDO e FEINBERG, 1982: 4 et seq.).

Comentando esse momento de transformações teórico-metodológicas, Fidalgo

(2006: 3) sugere que vale voltar um pouco à noção de quebra de paradigma que, nas

ciências sociais e humanas, resultou na não aceitação de métodos científicos oriundos

das ciências naturais. Considerada uma perspectiva mecanicista de produção de

conhecimento, o método científico foi posto em cheque por estudos surgidos, quase que

concomitantemente, na antropologia (como é o caso da etnografia), na filosofia (caso da

fenomenologia, hermenêutica) e nos estudos acerca da pesquisa per se (caso do

embasamento teórico dos paradigmas interpretativista e crítico).

O paradigma interpretativista, em oposição ao positivista, preocupa-se com

interesses práticos. Os fatos passam a ser vistos como relativos a um esquema simbólico

57

particular, constituído por um conjunto de termos e conceitos. O conhecimento é gerado

considerando-se as convenções adotadas por uma determinada comunidade científica. A

pesquisa realizada dentro de um paradigma interpretativista tem como função essencial

a possibilidade de encontrar sentidos atribuídos, pelos agentes, à realidade investigada,

para explicar essa realidade. Nessa perspectiva, existe um envolvimento entre “o

conhecedor” e “o conhecimento”, ou seja, entre o sujeito que conhece e o objeto da

investigação (BREDO e FEINBERG, 1982).

Quanto ao paradigma crítico de conhecimento, este tem suas raízes na filosofia

alemã, mais especialmente nos escritos de Marx e Engels, e posteriormente nas

contribuições de Habermas. As idéias que o sustentam buscam avaliar as contribuições

das pesquisas positivistas e das interpretativistas, num esforço de sintetizá-las.

Para o teórico crítico, o conhecimento deve ser visto no contexto de sua constituição em contribuição potencial para a evolução social, onde evolução social é concebida em termos de possibilidade para o material progressivo e a emancipação simbólica. Esta visão coloca o conhecimento em uma perspectiva de desenvolvimento histórico e social que destaca seus potenciais repressores e emancipatórios9 (BREDO e FEINBERG, 1982: 272).

De acordo com os autores, portanto, a metodologia crítica engloba tantos os

interesses técnicos quanto os práticos e emancipatórios, vistos como dialeticamente

relacionados. Nessa perspectiva, é rejeitada qualquer ênfase exclusiva, seja nas causas

externas, seja nas causas internas dos fenômenos.

Na segunda metade do século passado, com base nesses diferentes paradigmas,

desenvolveram-se, nas diferentes áreas, vários tipos de pesquisa, dos quais destaco

aqueles que se debruçaram sobre questões sociais e que discuto a seguir.

2.2. Os vários tipos de pesquisa

Rizzini et al. (1999) apontam que, nas ciências humanas e sociais, as primeiras

iniciativas para a criação de metodologias de pesquisa dirigidas para a resolução de

problemas sociais e organizacionais surgiram na década de 1940 com Kurt Lewin. Teve

lugar, então, a pesquisa denominada participativa, definida pelas autoras como “um

9 Tradução minha. No original: “For the critical theorist, knowledge must be seen in the context of its constitution in potential contribution to social evolution, where social evolution is conceived of in terms of the possibility for progressive material and symbolic emancipation. This view places knowledge in a societal and historical-developmental perspective that highlights its repressive or emancipatory potentials”.

58

método, uma estratégia de pesquisa, concebida a partir dos problemas vividos pela

população pesquisada, com a participação de grupos sociais diretamente envolvidos na

problemática e em todo processo de conhecer e transformar a realidade” (RIZZINI et

al., 1999: 38). Nessa abordagem espera-se uma mudança de comportamento dos

envolvidos: pesquisadores e participantes são chamados a serem co-autores, tanto no

diagnóstico como na criação de alternativas para a realidade discutida, e o grupo, na sua

totalidade, é responsável pela análise dos resultados obtidos e pela possível re-

elaboração.

Dessa forma, embora as autoras citadas usem a expressão “pesquisa

participativa”, unificando princípios e metodologias da pesquisa participante /

participativa e da pesquisa-ação, outros estudiosos posicionam-se de modo diferente.

Thiollent (2007:16), por exemplo, conceitua a pesquisa-ação como “um tipo de pesquisa

social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma

ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os participantes

representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou

participativo”.

Ressaltando que alguns partidários da pesquisa-ação restringem essa concepção

a uma orientação de ação emancipatória, vista como uma forma de engajamento político

a serviço das classes populares, o autor considera que sua estrutura metodológica pode

dar lugar a uma diversidade de propostas e adverte que “nem sempre numa pesquisa

participante existe uma vontade planejadora, de ação conjunta programada voltada

para a transformação da realidade” (THIOLLENT, 2007:16-17).

Kincheloe agrega o termo “crítico” à pesquisa-ação e a coloca como uma

extensão da Teoria Crítica10. Para ele, “ser critico é pressupor que os humanos são

agentes ativos cuja auto-análise reflexiva e conhecimento do mundo levam à ação”

(KINCHELOE, 1993/1997: 188). A pesquisa-ação crítica, então, tal como proposta por

este autor, pressupõe uma atuação e um compromisso de mudança emancipatória no

contexto estudado. Desta forma, Kincheloe distingue esse tipo de pesquisa de outras

(pesquisa participante, pesquisa-ação), que embora envolvam a participação da

população estudada, não acentuam o compromisso com a intervenção.

Todas essas discussões são importantes tanto para a definição do tipo de

10 A Teoria Crítica será discutida a seguir.

59

pesquisa adotado neste trabalho bem como para entender em que paradigma esta

pesquisa está situada e como ela focaliza o papel dos participantes. Como já apontei, a

PCCol tem algumas especificidades que a distingue das demais metodologias de

pesquisa em Ciências Sociais: por sua intenção de intervenção comprometida com a

transformação social; pela centralidade que a linguagem ocupa em sua condução; pelo

tipo de relacionamento entre os participantes. Agrega pesquisa e formação e cria a

possibilidade dos participantes (incluindo os pesquisadores) aprenderem, por meio da

participação coletiva na condução da pesquisa, e estarem comprometidos com a

produção de conhecimentos significativos e com a transformação das práticas em foco,

visando à superação das condições sociais de desigualdade em todas as suas

manifestações: pobreza, autoritarismo, preconceito, violência, etc. Defino-a a seguir.

2.3 Definição da Metodologia de Pesquisa

Situado na Linguística Aplicada e inserido no quadro epistemológico da

Pesquisa Crítica, este é um trabalho apoiado na metodologia da Pesquisa Crítica de

Colaboração (PCCol), conforme discutida por Magalhães (1994, 1998a, 2004, 2009p) e

Liberali (1999, 2007). Nessa perspectiva, o objeto de estudo desta investigação é a

produção de novos significados compartilhados sobre direção escolar, a partir de um

processo de colaboração, desenvolvido entre esta pesquisadora e a diretora de uma

Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) da cidade de São Paulo.

Considerando que este trabalho, como já apontado, está fundamentado no arcabouço da Teoria Sócio-Histórico-Cultural, a atividade em foco foi definida como Formação de Diretor e se originou de diferentes necessidades das participantes: enquanto a diretora desejava saber sobre como desempenhar seu papel de diretora, eu (pesquisadora) desejava compreender o que é ser diretora. Essas necessidades, embora distintas, encontraram um motivo comum: compreender as tarefas do diretor escolar, ou seja, o papel do diretor na organização da escola – um objeto compartilhado – que deu origem à atividade. Necessitava, pois de uma metodologia que contemplasse esses pressupostos. Para Vygotsky (1930/2004), a procura de um método torna-se um dos problemas mais importantes de todo empreendimento para a compreensão das formas caracteristicamente humanas de atividade psicológica. Neste caso, o método é, ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, o instrumento e o resultado do estudo.

Nessa direção, optei pela PCCol, pois entendo, como propõe Magalhães

60

(2009p), que este tipo de pesquisa é ao mesmo tempo instrumento e resultado num contexto de formação crítica, ou seja, ao mesmo tempo em que procura entender, busca uma transformação da realidade. Ao mesmo tempo em que possibilita que os participantes explicitem seus sentidos, pretende oportunizar a construção e compartilhamento de novos significados, gerando transformações no objeto da atividade.

Assim, durante todo o desenvolvimento do estudo, preocupei-me em agir como

pesquisadora com foco não apenas nos conceitos que trazia, mas considerando

prioritárias as necessidades do contexto em foco. Neste sentido, a todo momento

procedia a uma análise crítica de minhas ações para compreender quais espaços de

aprendizagem e desenvolvimento mútuo estava criando. Em outras palavras, procurei

levar em conta o interesse de todos os envolvidos, além de criar espaços de produção de

conhecimento em que ambas (a diretora e eu) pudéssemos “ter vez e voz para colocar

[nossas] experiências, necessidades e sobre os sentidos que [atribuíamos] a estas

necessidades” (MAGALHÃES, 1998a /2007).

Assim, em um quadro do paradigma crítico de produção de conhecimento, esta é

uma pesquisa crítica e colaborativa, pois pressupõe a entrada no contexto escolar com

intenção de intervir, a partir da observação, da análise e da compreensão das situações

em foco. Articulando a teoria com informações do contexto e conhecimentos dos

participantes, pretendeu desenvolver novas compreensões sobre a realidade e a

possibilidade de transformar as ações na escola com vistas à formação de uma

comunidade aprendente (MAGALHÃES, 2007). Enfim, preocupou-se “não apenas em

entender e descrever o mundo da prática, mas em mudá-lo” (KINCHELOE, 1993/1997:

188).

Considerando a importância e o meu compromisso com os conceitos expostos

acima, apresento a seguir o meu percurso para desenvolver esta pesquisa, o contexto em

que a pesquisa foi realizada, os participantes, os instrumentos de coleta de dados e, por

fim, as categorias de análise utilizadas.

2.4 O percurso da pesquisadora

Meu trabalho na área educacional teve início em 1981, como professora de

educação infantil, na época em que esse segmento era chamando de “pré-escola”. Ao

61

final desse ano, concluí o Curso de Pedagogia na USP, optando pela habilitação em

Orientação Educacional. É importante destacar que, nessa ocasião, as funções do

orientador educacional não contemplavam questões de caráter pedagógico. Com o

intuito de completar minha formação, iniciei no ano seguinte a habilitação em

Supervisão Escolar. Em 1984, assumi a orientação educacional da escola onde havia

estudado, tendo como responsabilidade a organização e a implementação desse serviço

no ensino fundamental; e em 1987 fui convidada para assumir a coordenação geral e

pedagógica desse segmento do ensino fundamental. Em 1996, como decorrência de uma

avaliação institucional, juntamente com duas outras coordenadoras assumimos a

coordenação geral da escola, numa experiência de direção compartilhada.

Posteriormente, tive também a oportunidade de trabalhar em outras escolas

como orientadora pedagógica, e também como assessora, ligada a uma empresa com

foco em avaliação institucional. Na medida em que identificava a distância entre o

discurso proferido em diversas realidades e a prática que realmente ocorria nos

contextos educacionais, bem como as dificuldades em construir uma comunidade

dialógica, decidi investigar tal matéria e sabia que o caminho me levaria a um curso de

pós-graduação.

Desconhecendo ainda que programa ou teoria utilizar, procurei o curso “Projetos

de pesquisa em Linguagem e Educação”, oferecido pelo LAEL na COGEAE – PUC-

SP. A proposta do curso é auxiliar os participantes a desenvolver e organizar teorias de

pesquisa e estudar mais profundamente as metodologias empregadas.

Como parte das atividades propostas, os alunos foram incentivados a conhecer e

a participar de diversos eventos relacionados às diferentes abordagens metodológicas,

ou seja, seminários de pesquisa, encontros, congressos. Um dos eventos que estava

acontecendo naquele maio de 2006, em São Paulo, era o seminário chamado “Ação

Cidadã”, realizado na PUC-SP, e ligado à linha de pesquisa “Linguagem e Educação”,

inserido no Programa Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem - LAEL.

Nesse evento, os participantes tiveram a oportunidade de ouvir depoimentos de

professores, diretores e coordenadores, que relatavam a importância das transformações

que haviam conseguido em suas práticas por meio do trabalho do qual tinham

participado e, especialmente, do tipo de reflexão que haviam desenvolvido. Como o

seminário havia sido organizado de modo a destacar a articulação teoria e prática,

62

entremeada aos depoimentos, havia a explicitação das concepções que sustentavam esse

trabalho, destacando os fundamentos filosóficos, o quadro teórico e o papel central da

linguagem como instrumento e resultado dessas transformações. No auditório, fui

também contagiada por um entusiasmo e por uma imediata sensação de identidade com

as idéias expostas. Assim, posso afirmar que, ao participar do evento Ação Cidadã, as

minhas questões pareciam ter encontrado um método, uma perspectiva teórica e um

encaminhamento.

Em busca de entender melhor como se dá a articulação da teoria com a prática

na construção do papel do diretor, e ainda antes de ingressar no mestrado, matriculei-

me, no segundo semestre de 2006, no curso “Diretor Escolar: articulando papéis

reflexões e função”, oferecido pelo LAEL na COGEAE – PUC-SP. Desse curso

participavam diretores que atuavam nas mais variadas realidades, tanto públicas como

particulares.

Em meio às atividades do curso chamou, em especial, minha atenção a

exposição de uma diretora da rede municipal de educação, que explicitou de forma clara

as dificuldades de colocar em prática as teorias estudadas, especialmente considerando a

realidade da escola pública. Em suas colocações ressaltou que os programas de

formação oferecidos pelos órgãos oficiais eram voltados para conteúdos genéricos e

desvinculados dos problemas enfrentados. Por iniciativa própria e com recursos

pessoais, buscava outras possibilidades de aprofundamento. Sua insatisfação com as

condições de trabalho no contexto onde atuava era muito grande e, por esse motivo,

havia prestado um concurso de remoção para outra unidade, que assumiria a partir de

janeiro de 2007.

Diante dessa situação, conversei com a diretora e expliquei que, caso ingressasse

no mestrado stritu senso na área educacional, gostaria de desenvolver uma pesquisa

investigando o papel do diretor escolar. A essa altura, já havia feito minha adesão à

perspectiva metodológica da PCCol e expus, brevemente, os objetivos iniciais deste tipo

de pesquisa, a metodologia e os procedimentos.

2.5 Macro contexto de Pesquisa

Esta pesquisa, como já colocado, foi desenvolvida em uma Escola Municipal de

Educação Infantil (doravante EMEI, que é a designação oficial adotada para as escolas

63

que atendem crianças de 4 a 6 anos no município de São Paulo). A Educação Infantil é

parte integrante da Educação Básica e é uma das áreas educacionais cuja demanda tem

sido crescente.11 A Secretaria Municipal da Educação possui 469 EMEIs, divididas em

13 coordenadorias responsáveis pelas orientações técnicas e pedagógicas. A EMEI em

questão está localizada no bairro Cidade Tiradentes e pertence à Coordenadoria de

Guaianases. Nesta região existem 30 EMEIs, que atendem, diretamente, 38.368

crianças. Abaixo descrevo a caracterização do bairro e sua população

2.5.1 Caracterização do bairro e da população pela própria Prefeitura de São Paulo12

“Cidade Tiradentes está situado no extremo leste da capital, a 35 quilômetros do marco

zero da cidade, a Praça da Sé. O bairro foi planejado como um grande conjunto periférico e

monofuncional do tipo “bairro dormitório” para assentamento de populações atingidas por

obras públicas.

Conjuntos residenciais começaram a ser construídos, modificando a paisagem, e o

local passou a ser habitado por enormes contingentes de famílias que aguardavam na “fila” da

casa própria de companhias habitacionais.

Além da vastidão de conjuntos habitacionais que passaram a predominar na região,

com cerca de 160 mil pessoas que compõem a chamada “Cidade Formal”, existe também a

“Cidade Informal”, constituída por favelas e pelos loteamentos habitacionais clandestinos e

irregulares, instalados em áreas privadas e que são habitados por cerca de 60 mil pessoas.

Cidade Tiradentes possui, portanto, uma população estimada em 220 mil habitantes

que estão, de certa forma, separados por dois níveis de pobreza: há 71 equipamentos na cidade

formal e 3 na informal; a renda média do chefe de família varia de 500 a 1200 reais na Cidade

Formal e de 200 a 500 na Informal; o analfabetismo vai de 0 a 10% na Cidade Formal, ao

passo que, na Informal, o índice fica entre 10 e 20%. As áreas ocupadas pela população da

Cidade Informal são lacunas deixadas na construção dos prédios da Cohab; ocupações nas

bordas dos conjuntos e, também, resultado de expansão da mancha urbana.

A identidade dos moradores de Cidade Tiradentes está diretamente ligada ao processo

de constituição do bairro, feita sem um planejamento pré-estabelecido, que levasse em conta as

11 Dados obtidos a partir do Sistema de informações gerais da Secretaria Municipal de Educação. Disponível em: <http://portaleducacao.prefeitura.sp.gov.br/WebModuleSme/itemMenuPaginaConteudoUsuarioAction.do?service=PaginaItemMenuConteudoDelegate&actionType=mostrar&idPaginaItemMenuConteudo=4855>. Acesso em 22 de janeiro de 2008. 12 As informações foram extraídas do site da Prefeitura do Município de São Paulo. Disponível em: <http://portal.prefeitura.sp.gov.br/subprefeituras/spct/dados/historico/0001> Acesso em 22 de janeiro de 2008.

64

necessidades básicas da população. Muitas pessoas vieram para Cidade Tiradentes em busca

da realização do sonho da casa própria, embora boa parte tenha se deslocado a contragosto,

na ausência de uma outra opção de moradia. Por não terem encontrado, no local, uma infra-

estrutura adequada às suas necessidades, aliado ao fato de que a região oferece escassas

oportunidades de trabalho, seus habitantes reconhecem Cidade Tiradentes como bairro

dormitório e de passagem e não de destino.”

2.5.2 Contexto imediato

A pesquisa em questão foi realizada em uma EMEI que, no início da pesquisa,

contava com 780 alunos matriculados em dois turnos, funcionando com nove classes de

manhã e nove classes à tarde. Possui um quadro funcional de 23 professoras efetivas,

uma diretora, uma coordenadora pedagógica e uma assistente de direção, 4 agentes

escolares e um vigia.

A escola fica em um terreno plano e pouco arborizado, com um terreno baldio ao

lado, onde havia, por informação da diretora no início da pesquisa, acúmulo de lixo.

Tem dois pavimentos. No andar térreo, fica a secretaria, a sala de professores, a sala da

coordenação pedagógica, da direção, uma sala para reunião de professores, dois

banheiros e uma cozinha. Possui 8 salas de aula, localizadas no pavimento superior, que

funcionam como salas-ambiente. Possui também um amplo pátio descoberto, um parque

com areia e brinquedos, além de um salão interno para refeições.

No período em que a pesquisa se desenvolvia, foi realizada uma série de

reformas de maneira a adequar as instalações às necessidades dos alunos: o pátio foi

reconstruído; novos brinquedos foram adquiridos tanto para a área externa quanto para a

brinquedoteca; a sala de professores foi ampliada; a cozinha reformada e seus

equipamentos modernizados; o prédio da escola foi pintado; e foram plantadas muitas

árvores na escola e ao redor. Por decisão e providências do conselho de escola, o terreno

baldio ao lado foi higienizado.

2.6 Participantes da Pesquisa

Foi nesse espaço físico que se desenvolveu a pesquisa, em que atuaram os

seguintes participantes: pesquisadora, diretora, coordenadora pedagógica e assistente de

direção. Nesta pesquisa a diretora e a pesquisadora são participantes primárias,

65

enquanto a assistente e a coordenadora são participantes secundárias, uma vez que no

momento em que a escola se reorganizava com a chegada da diretora, não foi possível

organizar reuniões sistemáticas com a presença simultânea das quatro participantes13.

2.6.1. Participantes primárias

Diretora (Valéria*): tem formação inicial em História pela PUC-SP. Foi professora do

Ensino Fundamental II por 10 anos, assistente de direção de uma Escola Municipal de

Ensino Fundamental II (quinta a oitava série) por 5 anos e diretora nomeada de um

Centro de Educação Unificada (C.E.U.) por 4 anos. Desde janeiro de 2007 é diretora

efetiva nesta EMEI.

Pesquisadora (Elvira): conforme já apresentada, é formada em Educação pela USP, foi

Coordenadora Pedagógica, Orientadora Educacional, e assessora em escolas

particulares. Desenvolveu esta pesquisa como aluna de mestrado em Linguística

Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL), na PUC-SP.

2.6.2. Participantes secundárias

Coordenadora Pedagógica (Áurea*): tem formação inicial em Educação Física, foi

professora de dança em escolas livres por 10 anos e ingressou na educação municipal

em 1993, exercendo a função de professora de classes regulares do Ensino Fundamental

I (primeira a quarta série) por 8 anos. Há 6, exerce a coordenação pedagógica em

escolas oficiais e há 2, é coordenadora efetiva nesta unidade.

Assistente de direção (Cleonice*): professora de Ensino Fundamental I, trabalhou

como alfabetizadora de adultos por 15 anos. Em 1998 foi nomeada auxiliar de direção

em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental e, desde 2004, é assistente de direção

nesta EMEI, cargo eleito pelo Conselho de Escola.

2.7 Produção dos dados14

Os dados da pesquisa foram produzidos em diversas interações da pesquisadora

* Foram utilizados nomes fictícios para preservar a identidade das participantes. 13 Saliento que as participações da assistente de direção e da coordenadora foram fundamentais para um melhor entendimento daquela realidade específica. Esclareço, ainda, que todas as entrevistas realizadas com todas as participantes foram disponibilizadas e as reuniões de apresentação dos resultados parciais da pesquisa contou com a presença das quatro participantes. 14 Utilizo a terminologia “produção de dados”, por entender que neste quadro teórico os dados não são “coletados”, mas co-produzidos na interação dos participantes.

66

com a diretora e com as participantes secundárias, bem como em observações de eventos que envolviam a comunidade escolar. Todas as reuniões e entrevistas foram audiogravadas, transcritas e compartilhadas com a equipe técnica. Algumas das entrevistas foram semi-estruturadas, na medida em que tiveram o apoio de questionários previamente elaborados por mim, a pesquisadora.

O Quadro 2.1 apresenta uma relação dos instrumentos de produção de dados utilizados, os objetivos de sua aplicação, bem como a quantidade de aplicações realizadas ao longo da pesquisa. Merecem destaque dois artefatos que colaboraram na produção de dados, com a função de mediação explicita (WERTSCH, 2007): “Tabela de Ações” e “Jogo de Papéis”, cujos objetivos e quantidade de aplicações estão resumidos no Quadro 2.2, mais abaixo.

Quadro 2.1. Visão geral dos instrumentos de produção dos dados e sua utilização

Instrumento de produção de dados Ocorrências Objetivos

Entrevistas com a diretora 8

Entrevista com a Coordenadora 2

Entrevista com a Assistente técnica 2

As entrevistas foram organizadas com diversos objetivos dependendo da época em que ocorreram: aprofundar as concepções dos participantes, aprofundar conceitos discutidos, proporcionar espaços de reflexão

Entrevista15 com professores, funcionários

e pais

2

Investigar os sentidos que as professoras, funcionários e pais atribuíam ao Conselho de Escola, como espaço de participação; compreender como entendiam seu papel e o da comunidade nesse Conselho; e qual o entendimento que declaravam ter sobre os assuntos discutidos.

Questionário para a diretora 1

Questionário para a Coordenadora 1

Questionário para a assistente 1

Conhecer as concepções iniciais das participantes sobre sua função, sobre a organização e função social da escola, seu papel na equipe, as concepções de gestão/direção, o conhecimento declarativo e as teorias que embasam sua ação.

Reuniões reflexivas com a equipe 3 Discutir os resultados da pesquisa

Reuniões reflexivas com a diretora 8

Confrontar teoria e prática Colaborar na reflexão e na reconstrução da ação

Diário da pesquisadora

Durante toda a pesquisa

Investigar as transformações ocorridas nas concepções da pesquisadora

15 **Não foram analisados

67

Quadro 2.2 - Artefatos utilizados em mediação explícita

Artefatos Ocorrências Objetivos

Tabela de ações 4 encontros Orientar a reflexão sobre os espaços criados para que as intenções se efetivassem; e orientar um plano de ação para a concretização das mesmas.

Jogo dos papéis 1 encontro Oportunizar a reflexão e a comparação das ações efetivamente realizadas com as intenções declaradas.

Explico, a seguir, os vários instrumentos utilizados:

Entrevistas

No começo da pesquisa, foram utilizadas com o objetivo de entender os sentidos iniciais que embasavam as ações das participantes tanto na escola quanto no processo da pesquisa; discutir e esclarecer os procedimentos de produção e análise dos dados; explicitar os interesses das participantes. À medida que a pesquisa avançava, passaram a ter o objetivo de apresentar e discutir aspectos observados; estabelecer novos objetivos; introduzir teorias.

Apenas as entrevistas com a Assistente e com a CP seguiram o questionário previamente enviado para a escola, tendo sido audiogravadas e transcritas. Para orientar as entrevistas iniciais com a diretora, também foi enviado um roteiro, mas que acabou não sendo seguido integralmente devido a interrupções ocorridas em função de demandas internas da escola.

Questionários (em anexo).

Foram escritos com o objetivo de levantar as concepções iniciais das participantes sobre seu papel na escola, os sentidos atribuídos à gestão, e conhecimento que declaram ter sobre seu contexto de atuação (caracterização dos alunos, professores, funcionários e pais) e sobre quais necessidades da comunidade a escola procuraria atender. Esses questionários dirigiram as entrevistas iniciais, que foram audiogravadas e transcritas.

Observação de:

Reunião pedagógica (1 vez);

Reunião de Conselho de Escola (3 vezes);

Reunião de pais (1 vez).

68

A equipe diretiva me permitiu que assistisse a essas reuniões com o objetivo de conhecer, de forma mais detalhada, os contextos de atuação das participantes; verificar a relação entre o prescrito planejado e o que efetivamente ocorria; e oferecer subsídios para as discussões.

Reuniões reflexivas.

Para efeito desta pesquisa, chamo de “reunião reflexiva” os encontros com a

diretora, agendados com o objetivo de aprofundar conceitos anteriormente discutidos e

relacionar teoria e prática. Nessas ocasiões muitas vezes foram usados dados produzidos

em entrevistas e reuniões anteriores. É, neste sentido, que as reuniões com a diretora

sempre foram “reflexivas”.

Diário de campo da Pesquisadora.

Utilizado como instrumento, teve como objetivos registrar as mudanças nas

minhas concepções de pesquisadora e avaliar como a teoria (aprendida na universidade)

modificou minhas ações de pesquisa e transformou minha compreensão de forma mais

ampla. O diário detalhado encontra-se em anexo.

Documentos Oficiais.

Nesta investigação foram, também, parcialmente analisados alguns documentos

de caráter legal. São eles:

• Regimento Interno da Secretaria Municipal da Educação Infantil de São Paulo:

Decreto N° 33.991, de 24 de fevereiro de 1994, com as alterações contidas no

decreto n° 35.216, de 22 de junho de 1995 - DOM 23/06/95.

• LDB – Lei de Diretrizes e Bases - Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

É importante deixar claro que durante a pesquisa, muitas vezes foram utilizados

mais de um instrumento no mesmo encontro. Por exemplo, no dia 22 de maio de 2007,

iniciei observando a reunião de pais. Depois, conforme havia combinado com a diretora,

fiz uma entrevista semiestruturada com pais e professores, com o objetivo de verificar

qual a compreensão que eles tiveram dos assuntos discutidos na reunião. Os dados das

entrevistas com pais e funcionários foram transcritos, disponibilizados para a direção,

mas não analisados.

Descrevo a seguir os artefatos de mediação explícita.

69

Tabela de ações (em anexo).

Construí este artefato, atendendo à solicitação da diretora para colaborar com ela na construção de um plano. O critério que orientou a seleção dos temas que constam na tabela foram aqueles que a diretora considerava importante priorizar na condução da escola, colhidos nas entrevistas e reuniões realizadas ao longo de 2007, quais sejam: a participação dos pais, alunos e equipe técnica; formação de agentes e professores. O objetivo da tabela foi orientar a reflexão sobre os espaços criados e orientar um plano de ação para a concretização das intenções explicitadas.16

Jogo dos papéis (em anexo)17.

Conjunto de “tiras de papel”: cada uma continha um excerto selecionado de entrevistas e reuniões ocorridas ao longo de 2007, no qual estivessem explicitadas ações que representavam as várias tarefas atribuídas à sua função (por exemplo: intervenção da diretora junto aos funcionários, ação junto ao Conselho de Escola, relatos de providências administrativas, etc.). Construí este artefato, com os seguintes objetivos: que a diretora pudesse comparar as suas ações efetivamente realizadas com as suas intenções declaradas no início da pesquisa; e que pudéssemos, juntas, retomar as ações, desenvolvidas durante 2007, tanto da direção como as da pesquisa. Desta forma, a construção deste artefato e a tarefa solicitada também tinham como objetivo possibilitar uma maior compreensão do papel do diretor escolar, tema que estava em discussão.

O critério que orientou a minha escolha dos excertos foi o foco nas ações desenvolvidas pela diretora em relação às várias tarefas do diretor escolar, que constavam das transcrições de nossas reuniões. Durante o jogo, foram acrescentadas também papeletas com as ações desenvolvidas por ela durante a semana anterior a reunião. A diretora teve como tarefa categorizar as ações representadas nos excertos e depois reorganizar as categorias para incluir as ações desenvolvidas por ela durante a semana.

No terceiro momento da tarefa, comparamos as papeletas com as prescrições sobre o trabalho do diretor escolar, constantes no Regimento Interno da Secretaria Municipal da Educação Infantil de São Paulo. Esse exercício foi didático sem pretender esgotar a discussão sobre as tarefas do diretor. Utilizado no dia 22 de fevereiro de 2008, 16 Este instrumento foi baseado no exemplo oferecido por Magalhães (1990/2007: 31) no texto First Steps: Ethnographic Studies, extraído da tese de doutorado da autora. Seguindo a estrutura da tabela “Participant Observation Guidelines”. 17 Para este “jogo” foram utilizados excertos de entrevistas anteriores, identificados com data e turno e impressos em pequenos papéis. De posse dos papéis a diretora tinha que categorizá-los. Este jogo foi inspirado no instrumento “Fotografando a Escola”, elaborado por Ninin (2006a) e usado em cursos de formação de educadores (diretores e gestores).

70

o artefato foi, posteriormente, nomeado por nós de “Jogo de Papéis”. A utilização deste artefato marcou um salto na pesquisa.

2.8. Condução e desenvolvimento da pesquisa

Dois motivos básicos me conduziram a esta investigação: o de me constituir pesquisadora crítico-colaborativa e o de conhecer a função do diretor escolar, levando em conta as novas demandas sociais e as novas orientações institucionais.

Como já apontei, meu primeiro contato com a Valéria foi como colega em um curso sobre gestão escolar (COGEAE). Logo que propus desenvolver uma pesquisa de campo na escola em que ela estaria assumindo como diretora efetiva no ano seguinte, interessou-se por participar, mas ressaltou que precisaria inicialmente conhecer os outros componentes da equipe, para que estes também pudessem opinar sobre aderir ou não ao projeto. A equipe que se formaria seria totalmente nova, pois os participantes ainda não se conheciam, o que tornava a situação ainda mais interessante.

Conversei com Valéria durante as férias, por telefone e por e-mail e combinamos uma data (28 de janeiro de 2007), em que fui conhecer a escola e a equipe diretiva, composta por ela, uma coordenadora pedagógica (C. P.) e uma assistente técnica (A. T.). Nesse meu primeiro contato com toda a equipe expliquei, em linhas gerais, quais eram os objetivos da pesquisa, as perguntas iniciais e esclareci a metodologia. As três mostraram-se interessadas e receptivas, mas deixei que elas ficassem à vontade para aderir ou não à proposta. Novamente por e-mail, veio a confirmação de que elas estavam dispostas a participar.

Inicialmente, eu planejara desenvolver esta investigação envolvendo toda a equipe. No entanto, a efetivação da diretora na escola exigia várias providências. Assim, as participantes eram solicitadas para reuniões na coordenadoria e faziam um rodízio de horário para que, na EMEI, sempre houvesse um representante da equipe diretiva. Além disso, em alguns períodos também faltavam funcionários administrativos para a secretaria, fato que as sobrecarregava com demandas diversas. Dessa maneira, não conseguimos efetivar um encontro com as quatro participantes (diretora, assistente, coordenadora pedagógica e pesquisadora,), o que era natural em um momento em que havia tantas exigências e procedimentos junto à coordenadoria. Embora a coordenadora e a assistente participassem de vários momentos da pesquisa e suas contribuições tenham sido muito valiosas para o entendimento do contexto e dos desafios da função do diretor escolar, o trabalho passou, intencionalmente, a focalizar a interação de pesquisadora e diretora em busca da compreensão do papel do diretor escolar.

71

Certamente, devido ao meu trajeto profissional, eu já trazia para a pesquisa os meus sentidos do que é ser diretor. Por outro lado, meu sentido inicial sobre o meu próprio papel era o de entender o que era ser diretor escolar num contexto específico e aprofundar a compreensão de como este papel se desenvolvia e de como a “gestão” estava acontecendo naquela realidade. Chegando, porém, à escola onde se realizaria a pesquisa, meus sentidos se interpuseram entre o ideal e a realidade, materializada num contexto completamente novo, desconhecido. Também fiquei extremamente impactada com a dinâmica da escola pública, com as inúmeras tarefas que a diretora tinha que realizar, com os problemas de toda ordem que enfrentava (falta de material, falta de pessoal administrativo, ausência de funcionários afastados por licença médica, prazos e exigências legais a cumprir, etc.).

O compromisso de trabalhar em colaboração, que foi assumido, prontamente, por Valéria conduziu nossas ações, desde o início, mesmo quando fatores alheios às questões da pesquisa nos impuseram um tempo de afastamento. Saliento que fui convidada e eu pude participar de várias atividades escolares como observadora privilegiada.

Embora eu tenha desde sempre assumido o compromisso de trabalhar baseada nos pressupostos da PCCol, com o aprofundamento das teorias estudadas no mestrado, bem como a oportunidade de participar do Grupo de Pesquisa LACE (Linguagem e Atividade em Contexto Escolar) e participar do programa de pesquisa PAC (Projeto Ação-Cidadã) e de formação de educadores (cursos pela COGEAE–PUC/SP), fui modificando minhas concepções iniciais. Desta forma, durante a pesquisa, diversas vezes revi as minhas ações tanto em relação aos pressupostos teóricos, quando aos objetivos a que me propunha. Em setembro de 2007, a diretora e eu fizemos uma avaliação da pesquisa e, a partir daí, atendendo a um pedido dela para colaborar na organização de um plano de formação, construí a “Tabela de Ações”, apresentada no dia 9 de janeiro de 2008, para ser preenchida até a reunião seguinte, tarefa que recebeu imediata adesão de Valéria.

No entanto, ao confirmar por telefone nosso encontro agendado para o dia 22 de fevereiro de 2008, informou-me que não estava conseguindo realizar inteiramente o que havíamos combinado, justificando-se com as várias demandas que a sobrecarregavam no início do novo ano. Sugeri a transferência de nossa reunião, mas a diretora disse que não havia necessidade e solicitou-me que mantivesse a data, pois era uma maneira de forçá-la a refletir sobre o que estava ocorrendo. Pedi-lhe, então, que fizesse uma lista das ações que desenvolvera durante aquela semana (18 a 22 de fevereiro de 2008). Ao mesmo tempo, eu também construí, a partir das entrevistas realizadas em 2007, uma

72

lista com excertos de entrevistas que focalizaram ações desenvolvidas pela diretora durante 2007. A minha lista e a dela foram usadas no “Jogo de Papéis”.

Passo, agora, a apresentar a linha do tempo constituída dos eventos desta pesquisa. O Quadro 2.3 abaixo dá uma noção geral dos momentos em que estive na escola pesquisada e dos eventos de que participei. São destacadas com realce cinza as atividades efetivamente analisadas.

Quadro 2.3 – Linha do tempo dos eventos desta pesquisa

Datas Evento / Encontro Datas Evento / Encontro

22/01/07 Primeiro contato 21/09/07 Reunião com a diretora

09/02/07 Contatos iniciais 13/12/07 Reunião com a equipe técnica

16/02/07 Entrevista com a Assistente / conversa informal com a CP 09/01/08 Reunião com a diretora

26/02/07 Entrevista com a CP;

Observação do conselho de escola 22/02/08 Reunião com a diretora

09/03/07 Entrevista com a diretora 11/04/08 Reunião com a diretora

23/03/07 Observação da reunião de Professores. 13/05/08 Reunião com a diretora

20/04/07

Observação da eleição do novo “Conselho de Escola”,

Reunião com a equipe diretiva

Entrevista com pais

13/06/08 Reunião com a equipe

27/04/07 Reunião com a diretora e a assistente 16/06/08 Reunião com a diretora

22/05/07 Observação da reunião de pais

Entrevista com a diretora

1/06/07 Observação da reunião da equipe técnica

15/06/07 Observação do Conselho de

Escola

Reunião com a equipe técnica.

Apresento, a seguir, um novo quadro (2.4), no qual relaciono as reuniões que

foram efetivamente analisadas na pesquisa e acrescento o conteúdo temático

desenvolvido em cada uma delas, com os objetivos planejados das ações18. Todos os

eventos e encontros foram audiogravados e transcritos.

18 O quadro completo com todos os encontros e os objetivos de cada um deles encontra-se em anexo.

73

Quadro 2.4 - Visão geral dos encontros analisados durante a pesquisa

Datas Evento/ Encontro Conteúdo Temático Objetivos Planejados da Ação de pesquisa

09/03/07 Entrevista com a diretora

Organização administrativa burocrática; Relacionamento profissional; Consciência profissional / exigências da função; Formação de educadores; Conselho de classe.

Investigar as concepções iniciais da diretora e da CP em relação ao seu papel na escola, à gestão escolar, às teorias pedagógicas; e suas expectativas em relação à direção e à formação da equipe. Conhecer as necessidades da diretora. Aprofundar alguns conceitos já discutidos

27/04/07

Entrevista com a diretora

e assistente

Papéis da equipe diretiva; Concepções de gestão; Organização do trabalho; Projeto Político-Pedagógico; Participação da comunidade

Investigar o relacionamento de teoria e prática: discussão das teorias, verificando a relação entre o prescrito declarado e o efetivamente vivido.

Reunião de pais.

Participação; Conceito de Gestão; Informes para os pais.

Aprofundar o entendimento entre as ações declaradas e a realização. Compreender como foi organizada a reunião de pais. Investigar a relação entre a intenção e a efetiva participação dos pais.

22/05/07

Entrevista com a diretora

Dificuldades inerentes á função Discussão sobre elaboração de um plano de ações

Discutir o planejamento das atividades na escola.

21/09/07 Reunião com a diretora

Avaliação da diretora: organização administrativa da escola, conquistas da equipe, dificuldades enfrentadas durante o ano. Avaliação da pesquisadora: andamento da pesquisa. Solicitação da diretora de colaboração num plano de ação.

Retomar o trabalho de pesquisa.

09/01/08 Reunião com a diretora

Ações de 2008; necessidades da escola/direção, plano de ação.

Focalizar e organizar o planejamento da continuidade do trabalho. Apresentação da “Tabela de ações”

22/02/08 Reunião com a diretora

Avaliação e discussão das ações realizadas em 2007.

Discutir a tabela e introduzir outro instrumento. “Jogo de Papéis” 19 Refletir sobre as várias tarefas desempenhadas pela diretora. Planejar a continuidade do trabalho.

11/04/08 Reunião com a diretora

Plano de ação; Áreas prioritárias de atuação da direção.

Refletir sobre intenções e ações. Avaliar o trabalho para a seleção de novas ações.

13/05/08 Reunião com a diretora

Reunião de professores; Projeto pedagógico; Ações da direção.

Refletir e aprofundar as discussões iniciadas.

16/06/8 Reunião com a diretora

Trabalho com a comunidade; Trabalho com os professores. Organização da equipe diretiva.

Aprofundar os conceitos discutidos.

19 Para este “jogo” foram utilizados excertos de entrevistas anteriores, identificados com data e turno e impressos em pequenos papéis. De posse dos papéis a diretora tinha que categorizá-los. Este jogo foi inspirado no instrumento “fotografando a escola”, elaborado por Ninin (2006) e usado em cursos de formação de educadores (Diretores e gestores).

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Explicação das transcrições:

As entrevistas e reuniões foram audiogravadas e transcritas. Suas transcrições foram livres, mas alguns sinais são importantes para a melhor compreensão dos excertos selecionados. Apresento, a seguir, um quadro com exemplos das principais codificações adotadas:

Quadro 2.5 – Código de transcrição

((nonon)) = explicação Então eu falei para eles ((os alunos)) que

(#) = inaudível Mas acontece que (#), por este motivo.

.... = pausa ou hesitação na fala Eu estava assim.... assim.... quer dizer.

(nono) = hipótese do que se ouviu: Então como (é) que isto fica?

(...) = recorte efetuado pela pesquisadora Ontem eu fiz muitas coisas (...) a mais importante foi

2.9 Seleção dos dados

Devido à quantidade de material produzido, foi necessário fazer um recorte nos dados. Foram selecionados, então, momentos característicos do processo. O critério básico da seleção foi a pertinência para responder as perguntas de pesquisa:

1. Quais os sentidos declarados e os significados compartilhados sobre direção escolar pelos participantes: diretora e pesquisadora externa? Há transformação? Qual(is)? O que caracteriza essa transformação?

2. Como pesquisadora e diretora interagem na construção de novos significados sobre direção escolar? Há transformação? Qual(is)? O que caracteriza essa transformação?

Para responder a primeira pergunta, destaquei excertos em que as participantes (a diretora e esta pesquisadora) revelavam os sentidos sobre direção escolar, ao longo da pesquisa. Para localizar transformações de sentido e compartilhamento de significados, bem como para estudar mecanismos de interação que propiciaram tais transformações, foi necessário escolher trechos de entrevistas / reuniões ocorridas durante a pesquisa e que marcaram momentos que exemplificam transformações.

2.10 Categorias de análise dos dados

A análise de dados teve como objetivo principal investigar os sentidos explicitados pelas participantes e verificar se e como ocorreu compartilhamento de novos significados ao longo da pesquisa. As categorias utilizadas serão descritas e

75

exemplificadas a seguir.

• Plano geral do texto

Refere-se à organização de conjunto do conteúdo temático, que se mostra visível no processo de leitura/compreensão do texto e pode ser codificado em um resumo (BRONCKART, 1997/2007: 120).

• Conteúdo temático

O conteúdo temático ou referente pode ser definido como o conjunto de informações ou assuntos que são apresentados no texto e traduzidos pelas unidades declarativas da língua natural.

Estes dois planos de análise (plano geral e conteúdo temático) permitem identificar os assuntos que são tratados pelos participantes revelando, entre outros aspectos, os sentidos, os valores e as principais preocupações dos interlocutores. A título de exemplo, apresento abaixo o Quadro 2.6 com um fragmento de uma das entrevistas analisadas:

Quadro 2.6 - Plano geral do texto produzido na entrevista de 9 de março de 2007

TEMA CONTEÚDO TEMÁTICO TURNOS

Organização da escola; secretaria

e documentos

• Diretora relata as dificuldades encontradas: para colocar em ordem documentos e papéis; para orientar a funcionária responsável

• Pesquisadora faz pergunta de esclarecimento • Diretora responde e continua seu relato sobre os problemas

enfrentados

Diretora Val 1 a Val 3

1ªinterrupção • A funcionária substituta, responsável pela Secretaria, interrompe e pede esclarecimentos sobre procedimentos

Explicação sobre

procedimentos da pesquisa:

• Pesquisadora explica o contexto da Linguística aplicada • Diretora faz um comentário • Pesquisadora continua explicando a pesquisa: Papel do

diretor e Papel do pesquisador • Diretora pergunta se a pesquisadora está expondo a

metodologia • Pesquisadora responde que sim e continua explicando

Pesquisadora;Elv 2 a ELV12

2ª interrupção • Serralheiro solicita presença da diretora

Explicação sobre

procedimentos da pesquisa

• Pesquisadora retoma a explicação da pesquisa • Diretora concorda • Pesquisadora continua explicando tratamento de dados • Diretora concorda e diz que “está tudo certo”

Elv13

Organização da escola

Problemas com funcionários na

condução da organização

• Diretora interrompe a explicação da pesquisadora, pede para terminar de contar o caso da secretária e expõe sua preocupação com a organização da escola

Diretora : VAl 13 a Val 16

76

Este primeiro conjunto de informações permite, como já dito, visualizar algumas

das preocupações, sentidos e representações dos participantes: quem são, de onde vêm,

que sentidos atribuem a seu(s) papel(éis), algumas de suas prioridades.

Tendo analisado as tabelas de conteúdo temático das reuniões iniciais,

identifiquei os temas que foram introduzidos por cada uma das participantes,

construindo dois quadros em paralelo, como apresentados no exemplo abaixo, que se

refere à reunião do dia 27 de abril de 2007:

Quadro 2.7. Exemplificação de temas introduzidos pelas interlocutoras

Temas introduzidos pela diretora Temas introduzidos pela pesquisadora

Organização da participação dos pais: Projeto Político Pedagógico (PPP) e relação com a prática

Organização administrativa da escola: Objetivos da escola e construção da equipe

Projeto político pedagógico (PPP) como instrumento de mediação

Papel da direção em relação à articulação da equipe; necessidade de plano de ação

Relação direção – professores Teorias de gestão escolar

Estes procedimentos me permitiram identificar os sentidos que as participantes

atribuíam ao papel do diretor, o que colabora para responder a primeira pergunta desta

pesquisa.

Ainda na direção de identificar os sentidos e significados compartilhados, recorri

ao estudo das escolhas lexicais (verbos, adjetivos, substantivos, dêiticos e operadores

recorrentes). Utilizei também as modalizações, como exemplifico a seguir.

• As modalizações

Apresento no Quadro 2.8 abaixo as modalizações / relações predicativas, que

mais apareceram nesta pesquisa e também colaboraram para o entendimento dos

sentidos construídos pelas participantes: modalizações deônticas, modalizações

apreciativas e modalizações pragmáticas.

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Quadro 2.8 - Modalizações: tipos, conceituação, características linguísticas e exemplos

Tipos Explicação Características linguísticas Exemplos na pesquisa

deôn

ticas

Avaliação de alguns elementos do conteúdo temático, apoiada em valores, nas opiniões e nas regras constitutivas do mundo social, apresentando os elementos do conteúdo como sendo do domínio do direito, da obrigação social e/ou da conformidade com as normas em uso. Apresentam, os fatos enunciados como permitidos ou proibidos, necessários, desejáveis, etc.

advérbios e orações impessoais que indicam obrigatoriedade; uso de verbos auxiliares, ou metaverbos tais como: dever, ser preciso, ter que, etc.

VAL6: (((os pais começaram a ))). reclamar, eles resolveram pôr os professores pra cobrir esse horário que seria o pós aula, ou seria as duas aulas complementares. Então aqueles professores que estavam lá de eventuais, eles pegaram essas aulas, então eles estão no lugar dos oficineiros, ou seja, pra Prefeitura fazer isso ela tinha que ter contratado mais professores, e ela não contratou, ou tinha que ter feito concurso, quer dizer, tinha que ter sido uma ação prevista, e eles não fizeram, então o que que acontece, agora não tem professor na Rede. E aqui ainda eu estou com o quadro completo, tem escola que não tem professor pra dar aula, não é só substituto que não tem, então é coordenador que está dando aula é diretor que vai pra sala, é assistente que vai pra sala, todo mundo indo pra sala de aula, (.)por quê? Por falta de professor.

Pra

gmát

icas

Explicitação de alguns aspectos da responsabilidade de uma entidade constitutiva do conteúdo temático (personagem, grupo, instituição) em relação às ações de que é agente, e atribuem a esse agente: intenções, razões (causas, restrições), ou ainda, capacidades de ação (BRONCKART, 1997/2007)

verbos auxiliares de modo, em sua foram restrita ou ampliada. com metaverbos tais como ser verdade, poder, etc.;

VAL3 e 4: nós já estamos chegando no inverno e o uniforme de verão não chegou ainda (.), a coordenadoria não dá nenhuma justificativa fala que está chegando, que tá vindo essa licitação foi feita desde o início do ano, eles tinham garantido que em abril chegaria, nós já estamos no final de maio e não chega

Apr

ecia

tivas

Avaliação de alguns aspectos do conteúdo temático, procedente do mundo subjetivo da voz que é fonte desse julgamento, apresentando-os como benéficos, infelizes estranhos, do ponto de vista da entidade avaliadora(BRONCKART, 1997/2007)

marcadas preferivelmente por adjetivos, advérbios ou orações adverbiais ou predicativas.

(.) VAL4:_ (.), e pra nós é importante o uniforme, principalmente numa região carente como essa.(.) Que os pais, o que acontece? Eles acabam trazendo as crianças com roupinhas boas, que são geralmente as melhores que eles têm, pra escola, que eles rolam no parque, que eles brincam, que eles sujam de tinta, e o que era pra ser feito não pode, infelizmente não chegou ainda.

78

• Análise de Turnos

A análise qualitativa dos turnos foi realizada a fim de compreender o padrão de colaboração que se estabeleceu durante a pesquisa, para entender como e se os espaços de discussão favorecerem a aprendizagem e desenvolvimento das participantes e se os sentidos declarados puderam ser compartilhados Para isso, categorias de análise específicas foram criadas baseadas nos textos de Pontecorvo (2005), Wertsch & Smolka (1993/1999), Bakhtin (1986 apud Wertsch & Smolka, 1993/1999), Brookfield & Preskill (2005) e Kerbrat-Orecchioni (1996/2006). Baseio-me também na categoria “avanço da fala do outro” desenvolvida por Dellova (2009) para instituir novas categorias que podem identificar se os comentários ou perguntas das participantes colaboram ou não para o desenvolvimento da discussão: 1. Avanço da fala do outro: quando um participante expande sua fala trazendo novos

elementos e complementando o que foi dito pelo outro, mostrando que há um desenvolvimento no raciocínio ou aprofundamento da discussão

2. Não avanço da fala do outro: quando não há desenvolvimento e/ou há uma pausa ou bloqueio no raciocínio/ ou mesmo quando a discussão não evolui.

O quadro, a seguir, sintetiza as categorias utilizadas.

Quadro 2.9 – Turnos: classificação, função e exemplificação

CATEGORIAS EXPLICAÇÃO CARACTERÍSTICAS EXEMPLOS

Turno Elaborado Avanço da fala do outro

Coerência de raciocínio entre os interlocutores • avanço e progresso da análise e interpretação do objeto do discurso • introdução de novos elementos e de novas perspectivas

A informação introduzida por um falante precedente é continuada, elaborada ou expandida com acréscimo de informações: Um enunciado incompleto é completado. A narração de um episódio ou o resumo de fatos é continuado. A explicitação de um conceito é apresentado. Uma asserção é completada. Há retomada da fala anterior com novos acréscimos retomar.

ELV47 – (.) Como que você ta vendo essa relação com os professores que era uma preocupação que você tinha? Val47 – Ainda não é como eu gostaria que fosse. ELV48 – Como você gostaria que fosse? Val48– Eu queria estar mais próxima, principalmente com relação ao pedagógico. Eu queria estar mais próxima, mas ainda não consegui cultivar esse tempo, eu acho que é falha minha mesmo, acabo fazendo o que é mais urgente do que é mais importante. Acabo fazendo o que é mais urgente antes do que é mais importante.

Turno Simples Não há avanço na fala do outro

Inércia, bloqueio do raciocínio coletivo

A informação solicitada pelo falante precedente é fornecida, mas não elaborada. Há repetição de elementos já discutidos Refere-se a uma experiência pessoal

ELV: 21 Ou talvez você ter um plano pra você. Com as suas ações pra essa articulação. Não sei... (...) VAL 24: Tá certo. Certíssima. (silêncio)

79

• Tipos de perguntas

As categorias para analisar os tipos de perguntas foram baseadas em Brookfield

& Preskill (2005) (1995); Magalhães e Fidalgo (2007); Smyth (1992); Liberali (2004a),

Mackay (2001) e estão resumidas no Quadro 2.10, a seguir.

Quadro 2.10 – Tipos de Perguntas

TIPO DE PERGUNTA EXPLICAÇÃO SUBTIPOS EXPLICAÇÃO EXEMPLO

Indutivas de sim/não

Perguntas que pedem concordância ou discordância simples sem maiores explicações

Val 27 Antes porque tinha que atender balcão. você lembra? Perguntas

fechadas

Perguntas que induzem a um certo

tipo de resposta sugerido pelo

falante Sugestão de Ação

Perguntas que convidam o interlocutor a agir, sugerem alguma operação, em geral na direção de solucionar algum problema implícito ou explícito

Elv.33Você falou com a coordenadora?

Perguntas que pedem síntese

Perguntas que pedem uma síntese, do que foi discutido e exigem uma abstração por meio de resumo ou conclusão

Elv.82,Quais as conclusões que você chegou neste exercício?

Perguntas hipotéticas

Perguntas que estabelecem hipóteses e i proporcionam a criação de cenários alternativos

Elv. E se você não cumprir prazo?

Perguntas que pedem explicação

/justificativa

Perguntas que exigem apresentações das razões de uma determinada ação, provocam o

pensamento e podem promover a resolução de problemas

Elv. Por que na sua função você tem que fazer isso? Para que são organizados os conselhos? Como você pensa organizar..?

Perguntas abertas

Perguntas que fazem avançar o

raciocínio, por meio de explicações, justificativas,

sínteses, clarificações, discussão de

hipóteses.

Perguntas que pedem evidência e/ou clarificação

Perguntas que permitem aos participantes expandirem suas idéias para serem entendidas tanto para si mesmo quanto para os outros e proporcionam o aprofundamento do objeto em foco

Elv.49 – Dá exemplo de coisas que são urgentes? Em que sentido? Como assim?

Os tipos de perguntas foram analisados para observar se, durante a pesquisa, houve predomínio de um ou outro tipo; se e como estas perguntas favoreceram – ou não – o aprofundamento do que estava em discussão; se e como indicam – ou não – mudança nas regras e divisão do trabalho; e finalmente, se houve – ou não – mudanças no padrão de relacionamento entre as participantes (mediacional).

Foi importante considerar, além das perguntas, as colocações e os comentários das participantes, na medida em que veiculam um ponto de vista, ou seja, as ideias, valores historicamente constituídos. Esses comentários também podem produzir expansões no discurso do outro e possibilitar uma reflexão ou, até mesmo,

80

impossibilitá-la. Com ocorrência marcante nesta pesquisa, esses comentários foram categorizados conforme apresentado no Quadro 2.11, a seguir.

Quadro 2.11 – Categorias de Comentários

SIGLA ASSERÇÃO FUNÇÃO EXEMPLOS

CE Expansão

Criar um contexto colaborativo; Demonstrar entendimento da situação exposta; Demonstrar que há escuta; Esclarecer o conceito ou idéia em discussão

Ent 2)ELV16 (#){ então } foi um. período de adaptação, você está entrando nessa unidade agora, vocês estão fazendo uma equipe nova, vocês estão se articulando, tal, tal, tal. Então eu acho que tudo isso tem que ser olhado também

CEL Elucidação

Esclarecer o que está em discussão. Tornar mais claro seu pensamento para o outro, declarar seu pensamento.

ElV16- Então, veja se eu estou entendendo.. esse trabalho é para de envolver esses pais através das crianças?, então teria tudo a ver com essa proposta..,

CI Interpretação

O assunto em discussão é interpretado pela pesquisadora em busca de confirmação

(Ent 1)ELV-35 O que está.. Eu vou falar o que você está me passando. Você está me passando. Você tem realmente uma sólida posição política. Você falou isso. Você acredita que a participação é importante e você quer envolver essa comunidade pra que eles participem mais, com um objetivo, se tornem mais conscientes, provavelmente tenham uma atuação melhor.

CRP

Retomada para

introduzir pergunta

Retomada e/ou valorização do que esta sendo discutido, mas com o objetivo de introduzir questão.

ELV29- então Valéria, mas de tudo que você ta falando.. Ent 2).Elv:17.. mas assim essas reformas, que são válidas, importantes.. essa atenção que você..está dando para os professores, este seu o seu olhar pedagógico tal,Como se relacionam(...)?.

CP Proposição

Dar ao participante entender qual a sua opinião/ expor-se. Apontar problema a ser resolvido pode gerar desconforto

ELV32: Então Valéria. o que eu sinto é que você faz, o que você precisa se apoderar, eu acho, que é da intencionalidade do porquê você faz. VAL47:: ta certo, Concordo com você. ELV20: Agora, lembra só qual é que é seu papel.

Tal como as perguntas, a evolução do tipo de comentário permite entender

melhor a interação entre as participantes.

• Análise dos tipos de verbos.

Bronckart (1997/2007: 278-279), baseado em Vendler (1967), assume as

81

seguintes classes de verbos:

a) Verbos de estado: que remetem a processos estáveis, excluindo qualquer forma de

mudança: saber, ser bonito, etc.

b) Verbos de atividade: que remetem a processos dinâmicos durativos (que implicam

numa certa duração) e não resultativos (que não implicam resultados): escrever, nadar,

subir, etc.

c) Verbos de realização: que remetem a processos dinâmicos, durativos e resultativos:

correr (uma maratona), fumar (um cigarro); este tipo de verbos exige a presença de um

complemento para o resultado.

d) Verbos de acabamento: que remetem a processos dinâmicos, não durativos e

resultativos: cair, chegar, etc.

Nesta pesquisa, utilizei como ponto de partida as categorias definidas por

Bronckart. No entanto, o material produzido nas entrevistas e reuniões revelou que essas

categorias não seriam suficientes para a análise dos verbos e das mudanças que se

desenvolveram na interação e que foram refletidas no discurso das participantes. Assim,

considerei também os verbos que aparecem nos trabalhos dos autores que discutem a

formação de educadores, na perspectiva da reflexão sobre a prática (DEWEY,

1933/1959; SCHÖN, 1992; e.g) e da reflexão crítica (SMYTH, 1992; FREIRE, 1970).

Nos trabalhos desses autores, aparecem verbos que remetem a ações mentais, tais como:

refletir, analisar, pensar, planejar, questionar, etc. Dessa forma, as categorias que serão

utilizadas para a análise dos verbos empregados nessa pesquisa foram reorganizadas da

seguinte maneira:

a) Verbos que indicam uma atividade material: (V.A.MT.) organizar (a secretaria)

comprar, encomendar, adquirir, pagar, fazer: A ênfase neste tipo de verbo pode

indicar que o sujeito está preocupado com a ação prática e concreta, especialmente

se o verbo for utilizado em lugar de outro, tal como “reunir”;

b) Verbos que indicam uma atividade física (V.A.F.): subir, acompanhar, sentar;

c) Verbos que indicam uma Atividade Mental (V.A.M.): pensar, discutir, planejar,

articular, organizar, participar. No entanto, como um dos objetivos desta pesquisa

é verificar se houve ou não possibilidade dos participantes desenvolverem uma

reflexão crítica, para que essa se efetive é importante considerar o complemento que

82

acompanha o verbo e o comprometimento do sujeito da enunciação e, portanto é

preciso considerar a responsabilização enunciativa.

d) Verbos que indicam uma Atividade Mental Reflexiva (V.A.MR): pensar,

discutir, planejar, refletir, participar, articular, organizar. Esta categoria exige a

presença de um complemento verbal que sugira a finalidade da ação, para o

resultado reflexivo.

Portanto, para a análise dos dados desta pesquisa, podemos considerar também o

objeto da frase, ou seja, a transitividade do verbo. Na teoria da atividade, podemos

considerar que os objetivos “das ações”, como correspondentes à meta a serem atingidas

se complexificam. Isto pode indicar que a reflexão do participante se aprofundou,

incluindo elementos que antes não estavam presentes e emergiram na enunciação, ou

seja, são incorporados elementos da realidade para os quais o indivíduo havia dirigido

sua atenção de forma voluntária.

No quadro abaixo apresento exemplos de verbos, marcados em trechos de falas

transcritas:

Quadro 2.12 - Categorias de verbos utilizados

CATEGORIAS EXEMPLOS

(V.A.MT) e

(V. A. F).

VAL15: Então, a semana passada nós conseguimos sentar, (V. A. F). acho que uma hora, nós três, eu, ela e a Cleonice e acabamos falando (V. A. F).inclusive só da questão da demanda e a gente tinha que gastar (V.A.MT) esse dinheiro do PTRF, porque essa verba é uma verba que.. ta sendo repassada (V.A.MT)desde o ano passado, e o, assim, o que a gente está ouvindo (V. A. F)., é que o Secretário da Educação ta falando (V. A. F).é que as escolas não estão precisando desse dinheiro, porque não estão gastando, e nós. precisamos do dinheiro, né? Então o que nós sentamos (V. A. F). pra fazer, priorizar o que a gente ia gastar (V.A.MT)mesmo, né?(.)

VAL137: Andamos(V. A. F). o dia inteiro,(.) Compramos(V.A.MT) papelaria, mas era mais brinquedo, né?(.) Compramos(V.A.MT) tudo o que eles tinham pedido. Carrinho, hominho

(V.A.M)

VAL78: Então já é uma vantagem, eu tenho a perspectiva de que agora a gente comece a se organizar, a planejar, a pensar assim conjuntamente nos objetivos que a gente tem com relação a.. trabalho. Porque a gente tá muito na prática, né?

*(VAMR)

Valéria4 eu tinha pensado assim, ó, primeiro conversar com eles como eles estão se organizando dentro do trabalho.(.) E fazer uma reflexão” com eles sobre a questão dos intervalos, qual o papel deles, no horário dos intervalos, né. ? OBS Aqui, por exemplo., o que torna o verbo “pensar” reflexivo é o fato de ela “ter pensado” e agora estar falando desse “pensar”

Finalizando esta exposição, apresento, no Quadro 2.13, uma síntese da pesquisa.

83

Quadro 2.13 – Síntese dos Principais Elementos da Pesquisa

PERGUNTAS DE

PESQUISA

OBJETIVOS DAS

PERGUNTAS DE PESQUISA

CATEGORIAS DE ANÁLISE FOCOS TEÓRICOS PARA

ANÁLISE DA MATERIALIDADE

LINGUÍSTICA

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA PARA DISCUSSÃO DOS

RESULTADOS

1. Quais os sentidos declarados e os significados compartilhados sobre direção escolar pelos participantes: diretora e pesquisadora externa? Há transformação? Qual(is)? O que caracteriza essa transformação?

Investigar a influência da história e da cultura escolar, bem como das teorias que embasam as concepções das participantes.

Conteúdo Temático, Escolhas lexicais e Responsabilização Enunciativa (análise de dêiticos e da implicação dos participantes no seu discurso). Tipos de verbos

Teorias sobre gestão escolar; Vygotsky: concepções de ensino-aprendizagem/ desenvolvimento; linguagem e consciência; sentido e significado; Bakhtin: Relações dialógicas; Bronckart: na análise de textos/ discursos; Teoria da Atividade Leontiev, Engeström, Daniels;

2. Como pesquisadora e diretora interagem na construção de novos significados sobre direção escolar? Há transformação? Qual(is)? O que caracteriza essa transformação?

Investigar se e como o tipo de interação desenvolvida ajuda a conduzir ambas as transformações no processo de construção e compartilhamento de significados e como essas compreensões se desenvolvem levando em conta o contexto interacional.

Análise dos turnos e Responsabilização enunciativa (Tipos de discurso, tipos de perguntas, tipos de comentários ).

Teorias de ensino-aprendizagem enfocando especialmente ZPD e mediação; Kerbrat-Orecchioni: análise da conversação; Pontecorvo; Brookfield & Preskill; Bronckart: na análise de textos/ discursos; Bakhtin: Relações dialógicas; Teoria da atividade Leontiev, Engeström, Daniels.

2.11 Credibilidade da pesquisa

A credibilidade desta pesquisa foi construída ao longo de todo o processo, por

meio de reflexões com colegas, grupos de estudo, seminários de orientação, bem como

nas orientações individuais e nas disciplinas em que houve a oportunidade para mostrar

os dados (2007-2008).

Além disso, Valéria, a diretora que fez parte da pesquisa teve acesso a todos os

dados, bem como também esteve presente na minha apresentação no 4º Forum LACE,

organizado pelo LAEL/PUC–SP, em junho de 2008. As outras participantes da pesquisa

também tiveram acesso e receberam suas entrevistas e participações transcritas e

impressas.

Ao longo do Mestrado, também participei de congressos e seminários externos,

apresentando os dados da pesquisa em suas diferentes fases. Nesses eventos, que estão

84

listados no Quadro 2.14, a seguir, recebi inúmeras contribuições (questionamento e

sugestões dos participantes) que enriqueceram esse trabalho.

Quadro 2.14 – Ações para Credibilidade da Pesquisa

EVENTO TIPO DE APRESENTAÇÃO LOCAL DATA

Discussões em Seminários de Orientação

Apresentação da análise de dados e categorias criadas

PUC-SP / Brasil 2007 e 2008

Apresentação em Congresso Pôster 16º. InPLA – Intercâmbio de Pesquisas em

Linguística Aplicada / Brasil 2007

Apresentação em Congresso Comunicação 1º. SIAC – Simpósio Ação Cidadã / Brasil 2007

Apresentação em Curso de Extensão Universitária

Palestra a Convite Curso: “Projetos de Pesquisa em Educação” – COGEAE – PUC-SP / Brasil 2008

Apresentação em Disciplina do Mestrado Pôster

Disciplina: “Panorama Histórico da Linguística Aplicada: questões teóricas e metodológicas” – PUC-SP / Brasil

2007

Apresentação em Disciplina do Mestrado

Trabalho Escrito e Apresentação Oral

Disciplina: “Linguística Aplicada II - Linguagem e Formação Crítica do Conhecimento” – PUC-SP / Brasil

2008

Apresentação em Disciplina do Mestrado Trabalho Escrito

Disciplina: “Linguística Aplicada II - Pesquisa Crítica de Colaboração na Formação Profissional: uma discussão teórico-metodológica” – PUC-SP / Brasil

2007

Apresentação em Disciplina do Mestrado

Trabalho Escrito e Apresentação Oral

Disciplina: “Argumentação em Contexto Escolar” – PUC-SP / Brasil 2008

Apresentação em Congresso Pôster 2008 ISCAR Conference – San Diego,

Califórnia – Estados Unidos 2008

Apresentação em Congresso Comunicação 2º. SIAC – Simpósio Ação Cidadã / Brasil 2008

85

CAPÍTULO 3 – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Temos consciência de nós mesmos porque a temos dos demais e

pelo mesmo procedimento através do qual conhecemos os

demais, porque nós mesmos em relação a nós mesmos somos o

mesmo que os demais em relação a nós. Tenho consciência de

mim mesmo somente na medida em que para mim sou outro.

(VYGOTSKY, 1925/2004).

Este capítulo está organizado para descrever compreender e discutir os

resultados da pesquisa. Descreve como, a partir das trocas discursivas entre mim e a

diretora participante, e em contato com as restrições do contexto específico de ação,

fomos, de forma colaborativa, levantando as necessidades daquela realidade e, ao

mesmo tempo, construindo um objeto compartilhado. Aponta, também, para o papel dos

artefatos na forma de mediação explícita, descrevendo como esses artefatos foram

construídos e de que maneira possibilitaram o desenvolvimento de novas compreensões

para as participantes sobre as tarefas do diretor escolar. Demonstra, ainda, o quanto a

utilização dos artefatos foi importante para encaminhar as necessidades constatadas no

contexto em foco, o que possibilitou um avanço na Atividade Formação de Diretor.

Nessa direção, e para uma melhor compreensão das transformações observadas

na condução da Atividade Formação de Diretor, discutirei dois momentos específicos

que correspondem às transformações na atividade em foco: 3.1) o momento inicial do

trabalho, que chamarei de “Primeiro Momento”, cujo material produzido revelou que se

caracterizou por um aprofundamento do contexto específico de ação e pela explicitação

e compreensão das necessidades específicas das participantes; e 3.2) um momento

posterior da atividade – “Segundo Momento” – no qual utilizamos alguns instrumentos /

artefatos / materiais que colaboraram para clarificar as necessidades constatadas, re-

avaliando as ações desenvolvidas. Este segundo momento, abriu a possibilidade para

uma reorganização, tanto nas ações de pesquisa como no planejamento das ações na

escola. Para melhor compreensão de como se desenvolveu a discussão, cada um dos

momentos será dividido em subtemas, que apontarei na próxima seção .

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3.1. Primeiro Momento: Levantando as necessidades dos participantes e aprofundando o conhecimento do contexto específico de ação.

Como já discutido no capítulo metodológico, Valéria e eu (esta pesquisadora), conhecemo-nos em um curso sobre direção escolar, que discutia as teorias sobre a gestão escolar, e decidimos estudar a sua “práxis” (da diretora). No primeiro momento da pesquisa, eu tinha ainda pouco conhecimento da realidade e das necessidades específicas da escola-foco da pesquisa, e ela de seu papel como diretora, bem como do contexto da escola e da comunidade, todos novos para ela. Estávamos, portanto, nos apropriando de um novo contexto e dos novos papéis, que aprendíamos a desempenhar. Valéria estava se constituindo enquanto diretora efetiva de uma escola de educação infantil, com uma proposta particular já em andamento, em uma comunidade que havia se organizado para recebê-la e apresentar-lhe suas expectativas. Eu, recém iniciando o programa de mestrado, estava me constituindo como pesquisadora numa outra realidade – a escola pública – até então desconhecida.

Assim, no início da investigação o foco está voltado para o entendimento do contexto específico de ação e para o sentido que cada uma atribui ao papel do diretor. Esses sentidos são revelados em nossos discursos. O discurso da diretora, por exemplo, revela que ela identificava várias necessidades por cujo encaminhamento e organização se responsabilizava: (a) estrutura burocrática administrativa e articulação da equipe diretiva; (b) participação dos pais e fortalecimento do conselho de escola; e (c) formação de professores e funcionários a partir das necessidades constatadas. Esses temas, recorrentes durante a pesquisa, estão intrinsecamente relacionados.

Trazendo os meus sentidos construídos sobre o que é ser diretor e também sobre o que seria desenvolver uma pesquisa colaborativa, meu sentido inicial sobre o meu próprio papel era o de entender e aprofundar a compreensão de como se desenvolve o papel do diretor escolar naquela realidade, na complexidade daquele contexto específico. Nessa direção, começo a interagir com Valéria e a propor alguns encaminhamentos, o que sugere que eu pensava ser esse o meu papel. A diretora, por sua vez, vai direcionando nossas discussões para alguns temas recorrentes, os quais utilizo, aqui, para discutir como se deu o compartilhamento de sentidos e significados sobre direção escolar e que revelam sua interpretação de nosso trabalho conjunto – colaborar na solução de problemas. Divido, pois, esta seção em quatro subtemas, que foram o foco de nossas discussões:

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a) Sentidos e significados sobre o papel da direção na organização da participação da comunidade e no fortalecimento do conselho de escola;

b) Sentidos e significados sobre o papel da direção na formação dos profissionais na escola;

c) Sentidos e significados sobre o papel da direção na organização burocrática e administrativa da escola;

d) Sentidos e significados sobre o papel da direção no planejamento das ações na escola.

Os resultados obtidos nesta seção estão apoiados no levantamento do conteúdo temático das reuniões iniciais e na análise das escolhas lexicais (verbos, substantivos, operadores e modalizações) – em negrito ou sublinhadas nos excertos selecionados. Nesta seção, estão destacadas em cinza todas as conjugações do verbo “fazer”, devido à sua grande incidência no discurso da diretora neste primeiro momento, o que revela que, para ela, “ser diretora” tem como primeiro sentido “fazer”, “executar” ações na escola. Inicio destacando exemplos das preocupações da diretora em relação aos temas supracitados.

3.1.1. Sentidos e significados sobre o papel do diretor na organização da participação da comunidade e no fortalecimento do Conselho de Escola

Desde o início da pesquisa a diretora considerava como parte de seu papel organizar a participação da comunidade e fortalecer o Conselho de Escola, como mostra o exemplo:

Recorte 1 (9 de março de 2007) VAL18: ... então eu quero envolver mais os pais, quero que participem mais do conselho. E

um dos nossos objetivos é que as crianças também participem do Conselho (..) Então esses a gente quer estar pelo menos assim..a Áurea [CP] está fazendo um trabalho... Cada sala vai ter um nome.(..) Isso é um passo pra gente começar a trabalhar com eles o representante da sala (..)

ELV15: Hum

VAL19: _Entendeu?.(..) que a gente quer fazer(..)

ElV16: Então, veja se eu estou entendendo... esse trabalho é para de envolver esses pais através das crianças?(..), então têm tudo a ver

Observa-se no excerto acima (turno VAL18), as relações predicativas com valor pragmático “VAL18:... então eu quero envolver mais os pais”, “quero que participem”, “a gente quer estar”. O uso do pronome pessoal eu sugere que um sentido que Valéria atribui ao seu papel é o da responsabilidade de desenvolver ações para envolver a comunidade. Porém o uso de “a gente” e “nossos” associado a “objetivos” indica que ela considera que essa responsabilidade não é exclusivamente sua. Ao citar, explicitamente, o nome da coordenadora pedagógica da escola (“Áurea”), sugere que

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um dos sentidos que atribui ao seu papel é o de trabalhar de forma compartilhada com a equipe.

O excerto abaixo é outro exemplo das preocupações da diretora em relação à participação da comunidade neste primeiro momento, extraído do encontro de 22 de maio de 2007, em que a diretora inicia seu diálogo comigo, relatando as ações concretas que tinha desenvolvido para incentivar a presença e a participação dos pais na escola, uma questão que considerava prioritária.

Valéria mostra um painel na entrada da escola, em que havia colocado as decisões do conselho, bem como as notas fiscais de todo o movimento do período e me explica cada uma das notas do mural. Explica também como organizou as aulas e o rodízio que foi necessário fazer com as classes para que todos os pais pudessem conhecer os professores. Salientou que antes de cada reunião, como diretora recebia os pais e dava uma série de avisos práticos em relação ao uniforme e a procedimentos cotidianos, bem como os convidava a olharem no mural da escola as decisões do Conselho, antes de se dirigirem à sala de aula. O excerto abaixo, explica alguns eventos típicos escolares e revela a compreensão que Valéria tinha sobre o papel dos pais naquele momento.

Recorte 2 (22 de maio de 2007) ELV5: Que mais que teve na reunião? Por que esta reunião?

VAL6: Então, essa reunião agora é de pais com os professores, mas dentre esses informes, a gente ainda dentro da nossa proposta de trabalho, a questão da participação deles, né? Então, por que que eu falei também dessas contas? Pra eles perceberem que é o Conselho de Escola e a APM que tomam as decisões pra escola, pra eles se tocarem disso, e nessa sexta-feira, por exemplo, nós vamos ter reunião de APM e de Conselho pra organizar a festa junina, não é só isso que nós vamos ter, mas é uma das pautas mais importantes. E pra eles perceberem que depois reclamam:” ah, não gostei disso, não gostei daquilo”, mas então a gente convidou.....

O excerto inicia-se com meu pedido de esclarecimentos sobre o que ocorreu na reunião e sobre as razões para organizá-la, o que revela que eu procurava entender as ações da diretora. Nota-se, no turno VAL6, que Valéria utiliza e expressão “a gente” e o pronome “nossa” em “a gente ainda dentro da nossa proposta de trabalho, a questão da participação deles, né?” – que podem representar tanto a própria diretora como a equipe diretiva ou até mesmo a escola – e o pronome “deles”, para representar os pais. Assim, a expressão inclusiva “a gente” ainda não inclui os pais. O mesmo jogo de oposição entre os representantes da escola e os da comunidade é estabelecido na declaração seguinte “Então, porque que eu falei também dessas contas? Pra eles perceberem que é o Conselho de Escola e a APM que tomam as decisões pra escola”,

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sugerindo que “eles” ainda não se constituíam como participantes efetivos das ações da escola.

Por outro lado, sua ação sugere que, como diretora, considera fundamental o envolvimento dos pais nos conselhos e na fiscalização do uso dos recursos, garantindo a transparência na condução da escola. Como discutido por Lücka ou b? (2006) e Libâneo (2004), esse aspecto, previsto no Artigo 33, Parágrafo 4 do Regimento escolar (cf. Regimento), embora necessário, não é suficiente para a efetivação plena da participação. Valéria parece acreditar que se os pais “perceberem” que a APM e o Conselho tomam as decisões sobre a escola, eles ficarão mais próximos e não reclamarão (“E pra eles perceberem que depois reclamam:” ah, não gostei disso, não gostei daquilo mas então a gente convidou”).

Naquele momento, o papel dos pais ainda é, sob o ponto de vista da diretora, um papel fiscalizador, não deliberador. Nesse sentido, a reflexão sobre a participação dos pais assume um caráter de reflexão prática. No entanto, naquele momento, eu – pesquisadora – ainda em processo de me apoderar dos pressupostos da PCCol, não aprofundei as respostas nem questionei a forma como essa participação estava sendo organizada.

3.1.2. Sentidos e significados sobre o papel do diretor na formação dos profissionais da escola

Da mesma forma que atribuía importância à participação dos pais, a diretora preocupava-se com sua responsabilidade sobre o trabalho dos educadores – funcionários e professores. O excerto abaixo, extraído da reunião de 22 de maio de 2007, registra um momento da entrevista em que estávamos discutindo a formação dos funcionários.

Recorte 3 (22 de maio de 2007) VAL22: (...) eu...eu tenho comentado com a Áurea [C.P.] que a gente precisa fazer uma

formação pra elas ((agentes)), uma questão de valorização do trabalho delas,(..) também de esclarecimento sobre quais são as funções, da importância do trabalho delas (...)

ELV25: (...) eu tive oportunidade de observar uma reunião informal (...) Mas você tem tido essas reuniões formais?

VAL26: Eu fiz,(...) pra gente se organizar, assim, estabelecer as normas, e assim, fazer a divisão do trabalho deles, quem vai ficar com que, que horário(...).

ELV26: Sei...

VAL27: Mas é só em cima de um problema pra resolver...

ELV27: Mas uma reunião preventiva, pra avaliar e tal... não?

VAL28: (...) Isso inclusive eu tava conversando com a Áurea, falei “eu acho que a gente vai precisar fazer uma formação com eles

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VAL29: E aí ontem eu estava falando com ela isso. Eu falei: “Áurea!!! A gente tem a proposta de trabalhar a questão dos valores com as crianças. E com os funcionários? E com os professores, por exemplo?”(...). mas não tirando a responsabilidade, é tanta coisa que vem na cabeça da gente pra fazer e a gente acaba meio fazendo conforme é possível mesmo, por isso que a gente fala que não dá conta do que a gente tem que fazer, nós não estamos dando conta mesmo, e a gente sente essa angústia aqui dentro que não tá dando conta de tudo isso que precisa fazer.

Observe-se, no turno VAL22, as modalizações de valor deôntico “que a gente

precisa fazer uma formação pra elas”, repetida no turno VAL28 “eu acho que a gente

vai precisar fazer uma formação com eles”, bem como a responsabilização enunciativa,

marcada pelo emprego do pronome pessoal “eu” em todas as declarações do exemplo

acima e que dividem o espaço discursivo com o “a gente”. Isso parece sugerir, mais

uma vez, que embora a diretora se responsabilize pelo encaminhamento das situações

constatadas, gostaria de compartilhar a discussão com a coordenadora. Também, as

escolhas lexicais para tratar da formação das agentes da escola: “valorização do

trabalho delas”, “uma questão de autoestima”, “uma questão talvez também de

esclarecimento sobre quais são as funções” parecem sugerir as preocupações da

diretora em relação à formação dos participantes da comunidade escolar. Quando,

porém, pergunto sobre “reuniões formais”, sua fala revela que, naquele momento, as

reuniões resumiam-se “à divisão de trabalho” e “em cima de um problema pra

resolver”, ou seja, problemas da prática cotidiana. Por outro lado, a escolha de “Mas é

só” no turno VAL 27, para apontar o conteúdo das reuniões com funcionários, sugere

sua insatisfação com relação às suas próprias ações, de que se pode inferir que ela,

aparentemente, identificava necessidade de propiciar espaços para reflexão crítica e

transformação, o que considera papel do diretor, mas aponta para a dificuldade em dar

conta dessa necessidade, no contexto atual.

Observe-se, também, no turno VAL29, “A gente tem a proposta de trabalhar a

questão dos valores com as crianças. E com os funcionários. E com os professores,

por exemplo”. O fato de ela considerar que o trabalho de formação não deve ser

dirigido apenas aos alunos, mas a todos os funcionários e professores, parece indicar

que Valéria busca uma coerência entre o que se pretende com os alunos e o trabalho

interno da escola (APPLE, 2006). Como aponta Alarcão (2001, 2005), para dar conta

das demandas atuais, ou seja, formar cidadãos capazes de participar ativamente da

sociedade, a escola precisa ser reflexiva e crítica. Nesse sentido, a comunidade como

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um todo precisa refletir continuamente sobre seus fins e objetivos e verificar a coerência

com a prática, o que aponta para a necessidade de uma formação constante de seus

membros. Os questionamentos da diretora sugerem que ela está preocupada com esse

assunto e busca levantar necessidades mais amplas. Porém, nota-se também o registro

de uma insatisfação frequente naquele momento da pesquisa: “nós não estamos dando

conta mesmo, e a gente sente essa angústia aqui dentro que não tá dando conta de

tudo isso que precisa fazer”.

3.1.3. Sentidos e significados sobre o papel do diretor na organização da equipe técnica e questões administrativas da escola

O excerto abaixo, extraído da reunião de 22 de maio de 2007, colabora para um

maior entendimento da questão do papel do diretor, estabelecendo relações com

sentidos e significados em nível institucional:

Recorte 4 (22 de maio de 2007) ELV39: ...qual a visão, não a definição, a visão que você imagina que eles ((a Secretaria

Municipal da Educação)) têm da função da diretora?

VAL40: Então, olha só, eles têm uma visão,(...) que a gente não deve ter uma prioridade, não deve priorizar a função administrativa, a função burocrática, falam até de gestão, falam de gestão, mas aí, eu só vou mostrar pra você, a quantidade de papeis e de apostilas nesses poucos encontros que nós tivemos tudo isso é voltado pra fazer... eu nem, eu to fazendo ó...

(...)

ELV45: E você na sua função Por que você que tem que fazer isso?

VAL46: É uma atribuição... mas nem tudo sou eu que tenho que fazer, (...)não é tudo eu que faço, mas eu tenho que saber o que eu estou assinando.

Minha pergunta (ELV39) sugere que, com base no que discuti no Capítulo

Teórico, eu busco o entendimento mais amplo da função do diretor, para o que observo

tanto por meio das declarações da diretora, quanto por conta da minha própria

observação do cotidiano da escola. Em resposta, Valéria declara que a Secretaria da

Educação tem uma proposta para o diretor agir como gestor (VAL40), não devendo,

portanto, priorizar apenas a parte administrativa. Mas, em seguida, sua fala revela uma

contradição entre o discurso oficial e a realidade vivida. Essa contradição está marcada

pelo operador “mas aí” no turno VAL40. Ao responder minha pergunta que pede mais

esclarecimentos sobre “sua função”, a diretora explica que embora não precise fazer

tudo, pessoalmente, é a responsável pelo gerenciamento de tudo, na medida em que

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precisa “saber” o que está “assinando”. Na sequência, na mesma reunião, direciono a

pergunta para o sentido de gestão que ela própria construiu.

Recorte 5 (22 de maio de 2007) ELV47: Que pra você é que (é) gestão? de verdade?

VAL48: Eu acho que vai além dessa questão da administração, eu acho que extrapola, eu acho eu a gente administra sim, administra recursos, inclusive recursos financeiros, humanos, mas, por exemplo, eu acho que o administrador ele tem uma menor ênfase na formação daqueles que trabalham com a gente, são as pessoas que estão colaborando com a gente, então eu acho que o administrador tem menos essa preocupação, eu acho que o gestor tem que ter, inclusive com a formação dele mesmo, mas eu acho que é por aí, mas eu acho também (...) eu acho que o administrador ele é bem essa coisa de administrar, o gestor ele tem que ter essa coisa um pouco mais ampla, inclusive de que não é ele quem faz as coisas sozinhas, as coisas são trabalhadas mais a nível de construção coletiva mesmo, eu que tenho essa visão(..)...

Nesse momento Val assume que o gestor administra recursos financeiros e humanos, mas vendo-se como gestor a preocupação com a formação humana é maior “eu acho eu a gente administra sim, administra recursos, inclusive recursos financeiros, humanos”. A responsabilização enunciativa, marcada pela escolha de um metaverbo de valor psicológico (BRONCKART e MACHADO, 2004) “eu acho” sugere que administrar recursos também é um sentido importante que ela atribui ao próprio papel. Mas, ao contrapor “o administrador” ao “gestor”, suas escolhas lexicais revelam preocupação com a formação dos funcionários e inclusive com a sua própria (“eu acho que o administrador ele tem uma menor ênfase na formação daqueles que trabalham com a gente, então eu acho que o administrador tem menos essa preocupação, eu acho que o gestor tem que ter”). Esta última declaração também sugere que ela tem conhecimento daquilo que socialmente se espera dela no papel que está desenvolvendo.

Na continuidade da discussão, aparecem algumas contradições: ao definir o conceito de gestão, ela assume o discurso oficial como dela, como parece confirmar o pronome “eu” em “eu que tenho essa visão”. Porém, se observarmos o jogo das modalizações na produção do sentido desse enunciado, particularmente o uso recorrente da expressão “eu acho”, parece que esse conceito ainda está se construindo na prática: “mas eu acho que é por aí, mas eu acho também”. Isto sugere contradições na ampla descrição pela SME do papel da direção. Revela que Valéria tinha conhecimento das exigências atuais sobre o papel do diretor e sua responsabilidade por organizar os espaços de formação e participação, mas que seus sentidos ainda não estavam

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claramente estabelecidos, especialmente em sua relação dialética com a prática e com as necessidades que verificava em seu contexto de ação.

Como já discutido na Fundamentação Teórica, faz parte do papel do diretor,

garantir o bom funcionamento da escola, uma vez que ele é o principal responsável, nos

limites da unidade escolar, para “articular e integrar os vários setores (setor

administrativo, pedagógico, secretaria, serviços gerais, relacionamento com a

comunidade)” (LIBÂNEO, 2004; SAVIANI, 2000, eg.). No entanto, naquele momento,

em que a diretora participante ainda está se apropriando das necessidades inerentes á

sua função, ela se vê frente a outros desafios, de ordem prática, que acabam interferindo

na construção de sentidos do que é ser diretora, como mostra o recorte abaixo, cujo

objetivo é mostrar algumas das dificuldades concretas encontradas.

Recorte 6 (21 de setembro de 2007) Val36: (...), o que eu não estou fazendo é ainda o acompanhamento de sentar com elas

((professoras )) diariamente no horário de formação. Isso eu não consigo fazer.

ELV37: E você não consegue fazer isso por quê?

VAL37: Porque eu ando enrolada com essa papelada aqui.(..) E agora mais ainda, agora eu assumi a outra parte.

ELV38: Você está sem uma funcionária?

VAL38: Estou fazendo pagamento, eu estou fazendo tudo o que ela fazia, e mais as coisas que ela deixou pendente, eu estou tentando deixar em ordem...

3.1.4. Sentidos e significados sobre o papel do diretor no planejamento das ações na escola

Como já apontado na seleção acima, o discurso da diretora naquele primeiro

momento revelava uma preocupação com todos os temas que atualmente têm sido

discutidos sobre o papel do diretor escolar. Observe-se, porém, que a ênfase de suas

ações está no fazer, talvez devido ao excesso de tarefas a serem realizadas que

considera como necessidades suas. Esta questão é retomada no exemplo abaixo, em que

Valéria demonstra seu interesse em acompanhar uma série de aspectos, como sugerem

as escolhas lexicais nominais (substantivos e adjetivos negritados) e verbais

(classificados nesta pesquisa como verbos de ação – sublinhados).

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Recorte 7 (27 de abril de 2007) VAL9: ((a secretária voltou de licença ))Voltou, voltou e aí, éeee e, aí assim, já fiquei um

pouco mais tranquila. Então essa semana já consigo sentar lá com as professoras, conversar um pouquinho com elas em horário de jornada, consegui subir, conversar lá em cima, ter um contato mais direto com as professoras. Acompanhar a reforma (..)consegui chamar a presidente e o vice-presidente da APM para conversar com eles, tal.. Então eu consegui fazer algumas coisas, mais para lado da direção mesmo em vez de ser secretária, né? Aí fiquei mais assim tranquila. Mas ainda tem umas coisas que eu quero e não consigo fazer.

ELV8: Agora, você já esquematizou essas suas intenções num plano?..., como é que elas se relacionam com o projeto pedagógico?

Ao relatar a ampla relação de seu trabalho como gestora, descreve as ações que desenvolveu com a volta da secretária (VAL8), destacando ações relacionadas à manutenção do patrimônio “Acompanhar a reforma no parque(...)”; relacionadas aos professores (“já consigo sentar lá com as professoras consegui subir, conversar lá em cima”); e aos pais (“consegui chamar a presidente e o vice-presidente da APM para conversar com eles”). Isto colabora para a interpretação de que um sentido que Valéria atribui ao seu papel é o de articular ações em relação a todos os temas, como parece confirmar a declaração “Então eu consegui fazer algumas coisas, mais para lado da direção mesmo, em vez de ser secretária, né?”. No entanto, os verbos utilizados, classificados nesta pesquisa como verbos que remetem a uma atividade material , ou uma atividade física subir acompanhar sentar (sublinhados) parecem sugerir que o papel do diretor estava, naquele momento, fortemente atrelado ao sentido de executor de várias ações práticas.

Minha intervenção (ELV8) “Agora, você já esquematizou essas suas intenções num plano..., como é que elas se relacionam com o projeto pedagógico?” sugere minha compreensão de uma desorganização no excesso de coisas a fazer e tudo isso teria relação com sua preocupação como gestora. Isto é, eu atribuía às ações de Val, naquele momento, uma necessidade de organizar o que deveria ser priorizado no seu agir e de planejar as ações que iria executar, como mostram também minhas escolhas lexicais “esquematizou”, “plano” e “projeto pedagógico”. Tais escolhas contribuem para a interpretação de que o sentido que eu vinha construindo ia de encontro ao que eu observava naqueles contatos iniciais. O excerto abaixo revela que, embora a diretora concordasse comigo sobre a importância do PPP, suas necessidades naquele momento eram outras.

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Recorte 8 (27 de abril de 2007) VAL12: Eu tenho assim, ando um pouco preocupada de estar fazendo dos meus meios os

objetivos, entendeu? De estar confundindo as coisas. (..) mas ainda... os objetivos... que a gente precisa estar relacionando com os objetivos da unidade que o caso no.. no caso do.PPP.. isso é uma coisa que eu não consegui sentar para sabe, para delinear, porque era inclusive o objetivo daquela minha.... daquele meu projetinho inicial. Entendeu. Então não consegui fazer isso ainda. To preocupada com isso.

ELV11: Mas você tem em mente quais são os objetivos do..PPP?

VAL13: Então,.... também tem isso, né? (...) É... eu lendo, o que eu sei..é(..) mas eu ainda acho que a gente vai ter que sentar pra ver, é é definir o PPP direitinho. Isso nós não conseguimos fazer..

ELV12: Vocês na nesta questão..não estão conseguindo sentar...?

VAL14: Então, a semana passada nós conseguimos sentar, (..), nós três, eu, ela ((a coordenadora pedagógica)) e a Cleonice e acabamos falando inclusive só da questão da demanda e a gente tinha que gastar esse dinheiro do PTRF, (...) Então o que nós sentamos pra fazer, priorizar o que a gente ia gastar mesmo, né? Como que a gente ia fazer isso, aí a semana passada eu e a Cleonice saímos um dia, essa semana a Áurea também saiu e nós compramos muitaaaaas coisas. Você precisa ver nossa brinquedoteca como está. Tá lindona!

Observe-se, no excerto acima (turno VAL12), o uso do adjetivo “preocupada” com duas ocorrências nesse turno, bem como da expressão “eu não consegui” em sua declaração “mas ainda... os objetivos... que a gente precisa estar relacionando com os objetivos da unidade que o caso no... no caso do PPP... isso é uma coisa que eu não consegui sentar para sabe, para delinear, (...). Então não consegui fazer isso ainda”. As escolhas lexicais da diretora indicam que ela tem conhecimento da importância da discussão do Projeto Político Pedagógico, mas justifica não tê-lo providenciado com a falta de tempo, uma vez que a equipe ainda não tinha conseguido se reunir para discuti-lo. No turno seguinte, ela esclarece que a reunião da equipe tinha priorizado “questões da demanda” e “o que a gente ia gastar”. A declaração “e nós compramos muitaaaaas coisas. Você precisa ver nossa brinquedoteca como está. Tá lindona!“, marcada pelo adjetivo “lindona”, sugere que as ações efetivamente realizadas (o que ela conseguiu “fazer”) era o que importava naquele momento. Talvez porque a equipe ainda estava em processo de formação, talvez porque a diretora estava assumindo uma escola nova, a preocupação era organizar a escola e garantir a infraestrutura, ou seja, condições físicas e materiais para os professores trabalharem (LIBÂNEO, 2004). Nessa direção, suas ações focalizam as ações práticas, burocráticas e administrativas, ou seja, os meios para a escola funcionar.

O diálogo acima transcrito revela, também, que participávamos de contextos sócio-históricos diferentes, o que ocasionava contradições no sentido que cada uma de nós atribuía ao papel do gestor (ENGESTRÖM, 1999): enquanto eu, ligada à

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universidade e tendo participado de vários contextos de formação insistia na importância da discussão e apropriação do Projeto Político Pedagógico da Escola como uma das formas de desenvolver e analisar as ações e relacionar teoria e prática. (GARRIDO, 2008; VASCONCELLOS; 1999; PADILHA, 2006; GADOTTI, 1994/ 2008, eg.), Valéria estava preocupada em resolver os problemas que se apresentavam na prática. Isto também pode ser evidenciado em seu discurso pela utilização dos verbos de ação, especialmente pelo uso do verbo “fazer”, contraposto às minhas escolhas lexicais relacionadas ao “planejar”.

Engeström (1999) enfatiza a importância das contradições e conflitos no desenrolar de uma atividade, pois eles podem se constituir um fator que levará ao desenvolvimento e às transformações, na medida em que os envolvidos estarão negociando pontos de vista e buscando novas compreensões das discussões em foco. A discussão do PPP, embora importante parecia não ser prioritária para ela. E eu, como formadora, em minha visão de pesquisadora crítico-colaborativa, insistia no tema “planejamento”, como se pode observar no turno ELV19, abaixo.

Recorte 9 (22 de maio de 2007) VAL19: (...) a questão do trabalho, mais... do diálogo mais próximo com os professores eu

ainda não estou conseguindo fazer, eu vou lá, converso com elas, mas eu sei que isso é esporádico, não tem nenhum efeito mais...

ELV18: Mas como você conversa?

VAL20: É, eu vou lá em cima, dou uma palavrinha. (...) mas eu sei que tá precário, assim como os funcionários também né, porque eu não dou conta de tudo o que tem pra fazer (...)

ELV19: Você já pôs num papel? Esquematicamente? Não é um plano é um esquema? Já planejou o que fazer?

VAL21: Assim o meu planejamento pelo menos não.

Como já apontei, o discurso da diretora voltava-se para o levantamento de ações

que ela desejava ou necessitava “fazer” nas diversas áreas do contexto escolar. Sua

declaração recorrente “porque eu não dou conta de tudo que tem para fazer” reforça a

interpretação de que ela identificava várias necessidades e, ainda, sugere que ela

desejava conversar comigo sobre – exatamente – o que “não conseguia fazer”. Como já

discutido por Leontiev (1977/1978), apenas a necessidade não é suficiente para que a

atividade aconteça. Isto significa que era preciso encontrar caminhos para a realização.

O trecho de reunião transcrito abaixo focaliza um momento da pesquisa em que

estávamos fazendo uma avaliação:

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Recorte 10 (21 de setembro de 2007) Val48 – Eu queria estar mais próxima, principalmente com relação ao pedagógico. Eu

queria estar mais próxima(..),Acabo fazendo o que é mais urgente antes do que é mais importante. Entendeu?

ELV49: Dá exemplo de coisas que são urgentes?

VAL49: Por exemplo, eu tenho que fazer processo de verba, eu tenho que estar fazendo pagamento, eu tenho que estar fazendo vida funcional, eu tenho que atender solicitação de coordenadoria, eu tenho reunião de convocação.

(..)

VAL52 : (....) e eu sei das minhas responsabilidades(..)Porque eu respondo por isso, então tem algumas coisas assim, agora esses urgentes, não que esses urgentes não sejam importantes, são importantes, mas eu tenho uma outra prioridade na minha cabeça, mas que eu não estou conseguindo dar conta.

ELV53: O que ?

VAL53: Acompanhar o projeto político pedagógico por exemplo.. a formação

Observe-se, no excerto acima, as modalizações pragmáticas (“Eu queria estar mais próxima, principalmente com relação ao pedagógico. Eu queria estar mais próxima”) e as várias modalizações deônticas (“eu tenho que fazer processo de verba, eu tenho que estar fazendo pagamento, eu tenho que estar fazendo vida funcional, eu tenho que atender solicitação de coordenadoria”). Isto sugere que o “dever” e o “querer” da diretora mantêm conflito constante. Como discutido por Engeström (1999), um conflito sempre aponta para contradições mais amplas que precisam ser buscadas na historicidade. Historicamente cabe ao diretor organizar a estrutura administrativa da escola e garantir os meios para a escola funcionar, sendo que ele é considerado o principal responsável, no nível legal pela escola, o que demanda providências de várias ordens: fazer o controle do orçamento, responsabilizar-se por organizar a secretaria ou outros departamentos, quando não há funcionários suficientes na escola. Por outro lado, as atuais discussões sobre este papel apontam para o papel do diretor como o articulador da escola (LIBÂNEO et al., 2007, SAVIANI, 2000, LÜCK, 2008), sentido também indicado no Regimento Interno da Secretaria. Assim, faz parte das competências e atribuições do diretor uma gama imensa de atribuições que vai deste “fazer o encaminhamento de verbas e recursos bem como acompanhar todos os projetos da escola” (cf. Regimento). O conflito acima expresso é um exemplo dessas contradições especialmente num momento em que ela recém chegada se apossava de suas atribuições.

Como discutido por Bakhtin/Volochínov (1929-1930/2006), os enunciados se articulam uns aos outros. Imersa naquela realidade, pude ampliar o entendimento das

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atribuições do diretor, das dificuldades concretas enfrentadas e observadas. Inicialmente, eu acreditava que meu papel era colaborar com a diretora para organizar a escola e utilizar o PPP como instrumento. Porém, durante este primeiro momento, nas interações que desenvolvemos, bem como nas oportunidades que tive de observar o cotidiano da escola naquela realidade específica, fui tomando consciência (VYGOTSKY, 1930/2004) das reais necessidades. Dessa forma fui reconstruindo os sentidos que atribuía ao meu próprio papel naquele atividade e na responsabilidade de colaborar com a diretora para organizar uma forma de encaminhar as necessidades que ela constatava. Nessa direção, os enunciados que ela proferia em resposta às minhas perguntas e intervenções, funcionaram como estratégia de pensamento para mim (WERTSCH e SMOLKA, 1993/1999) e pude perceber que as ações de pesquisa não estavam repercutindo na prática concreta da diretora.

O excerto abaixo, da mesma reunião de 21 de setembro, focaliza o momento em que reconheço e explicito o conflito de interesses. Parece que tal confronto faz avançar o desenvolvimento da pesquisa, na medida em que avaliamos o percurso até ali e começamos efetivamente a negociar necessidades e prioridades:

Recorte 11 (21 de setembro de 2007) ELV58: Por que na verdade eu tava (...) insistindo no projeto político pedagógico aí você

tem apontado as questões da rotina e do cotidiano, que de alguma maneira tem impedido isso(...). Então, a minha pergunta é assim, (...) o que você sente ainda de necessidade?

VAL58: Eu acho que o projeto pedagógico é muito importante porque o projeto que está no papel não condiz com o projeto que é realizado na prática aqui (...), é também o momento de nós sentarmos com os professores pra rever algumas coisas(...). O que ta faltando, ta faltando a gente esquematizar isso, por no papel e mandar pra frente...

ELV59: Você toparia que eu mandasse algumas perguntas por e-mail pra você me responder e devolver?

VAL59 Pode mandar. Eu quero que você me ajude a organizar um plano

ELV60 ta bom, combinado. Eu queria fazer umas perguntas agora (...),Quando eu estive ausente esse tempo, você falou, “ah, nós estamos sentindo falta das suas intervenções”. Em que sentido você acha que elas ajudaram ou não ajudaram? (...).

VAL60: Olha, algumas vezes, você perguntou “você já pôs isso no papel?”. Algumas sugestões que às vezes você me dá, as sugestões de leitura, (...) eu sinto muita falta disso, sugestões de formas de encaminhamento, “olha, e se você fizesse dessa forma tal”, eu acho isso importante, porque é um outro olhar, você não está no meio do furacão, você está aqui dentro quando você vem, mas você não está no meio do furacão, não tem esse envolvimento que a gente tem, é diferente a sua posição, então essas sugestões eu acho que são importantes, esse olhar diferenciado.

99

Observe-se, no turno ELV58, a forma como retomo nossas diferentes

perspectivas “eu tava (...) insistindo no projeto político pedagógico aí você tem

apontado as questões da rotina e do cotidiano, que de alguma maneira tem impedido

isso” e termino o meu turno com uma pergunta que pede mais evidências sobre as

necessidades da diretora “(...) o que você sente ainda de necessidade?”. Esta pergunta

sugere que, naquele momento, estou reelaborando meus próprios sentidos sobre o meu

papel na atividade.

É interessante notar que, ao respondê-la, Valéria declara que “está faltando é esquematizar e pôr no papel”, questão essa que eu considerava prioritária. Observa-se que a diretora repete a escolha lexical que eu havia empregado em 22 de maio de 2008. Esta ocorrência também pode ser observada no turno VAL 60, em que, ao responder meu pedido de mais evidências sobre as intervenções da pesquisa, Val revocaliza uma expressão utilizada por mim em reunião anterior: “você já pôs isso no papel?”

Como discutido por Wertsch e Smolka (1993/1999), numa perspectiva bakhtiniana, isso sugere a presença de um discurso internamente persuasivo, uma vez que houve “a apropriação de outra voz” e indica um compartilhamento de significados. Os significados que compartilhamos também podem ser evidenciados pelo seu pedido para que eu colaborasse na elaboração de um plano.

Todo este diálogo sugere, também, que naquele momento há uma aproximação de objetos na atividade, na medida em que houve um compartilhamento de sentidos sobre as necessidades daquela realidade específica e do papel do diretor em planejar e organizar as necessidades constatadas. Houve, pois, a possibilidade de criarmos uma ZPD mútua (JOHN-STEINER, 2000), em que pudemos aprender uma com a outra.

Com o objetivo de esclarecer melhor como nossas vozes se misturam, recupero o excerto abaixo. Recorte 12 (21 de setembro de 2007) ELV60: tá bom, combinado. Eu queria fazer umas perguntas agora (..) Quando eu estive

ausente esse tempo, você falou, “ah, nós estamos sentindo falta das suas intervenções”. Em que sentido você acha que elas ajudaram ou não ajudaram? (...)

VAL60: Olha, algumas vezes, você perguntou “você já pôs isso no papel?”. Algumas sugestões que às vezes você me dá, as sugestões de leitura, (...) eu sinto muita falta disso, sugestões de formas de encaminhamento, “olha, e se você fizesse dessa forma tal”, eu acho isso importante, porque é um outro olhar, você não está no meio do furacão, você está aqui dentro quando você vem, mas você não está no meio do furacão, não tem esse envolvimento que a gente tem, é diferente a sua posição, então essas sugestões eu acho que são importantes, esse olhar diferenciado.

100

Se Valéria se apoia em meus enunciados para fazer avançar a própria reflexão, deve-se registrar que eu também me apoio nos enunciados dela para reformular minha compreensão da necessidade que ela estava priorizando, naquele momento e reoganizo as ações de pesquisa. A resposta de Valéria espelhando meus enunciados no turno VAL60 “você já pôs isso no papel” e “porque é um outro olhar”, bem como todos os temas que pudemos compartilhar, foi o que nos orientou na etapa seguinte. Nesse sentido, retrospectivamente, revejo as minhas ações e a meta que pretendia alcançar (ENGESTRÖM , 1999).

Assim, foi a partir de sua solicitação que criei instrumentos que materializaram o compartilhamento de significados, utilizando os temas mais recorrentes para a diretora, construindo uma “Tabela de Ações” e elaborando o “Jogo de Papéis”. A construção desses artefatos já representa o resultado do compartilhamento de significados desse primeiro momento de nossa participação e sua importância para o salto qualitativo revelado a seguir. Antes de discutir este segundo momento da atividade, apresento um quadro que resume os principais conteúdos temáticos que permearam nossas reuniões, e que revelam as preocupações da diretora neste primeiro momento. No Quadro 3.1 estão assinaladas as declarações que se repetiram naquele momento da pesquisa. As modalizações deônticas e pragmáticas estão realçadas em cinza, a escolha pronominal em itálico, e as declarações recorrentes negritadas. Quadro 3.1 – Conteúdos Temáticos: preocupações da diretora no Primeiro Momento da

Pesquisa

Pais e alunos comunidade

Organização da equipe Funcionários Professores Organização

administrativa (1)VAL18:.. então eu quero envolver mais os pais, quero que participem mais do conselho. E um dos nossos objetivos é que as crianças também participem do Conselho (..) 9 de março de 2007

(4)VAL23: é, eu tenho, eu tenho que estar, assim, eu acho que eu tenho que estar favorecendo os encontros, eu tenho que muitas vezes estar mesmo que intimando algumas coisas, e agora... Durante esse período acho que não foi possível, mas eu tenho que estar articulando essa equipe. 27 de abril de 2007

(2)VAL 28 – (..) Isso inclusive eu tava conversando com a Áurea, falei “oh Áurea eu acho que a gente vai precisar fazer uma formação com eles”, (..) mas não tirando a responsabilidade, é tanta coisa que vem na cabeça da gente pra fazer e a gente acaba meio fazendo conforme é possível mesmo, por isso que a gente fala que não dá conta do que a gente tem que fazer, nós não estamos dando conta mesmo, e a gente sente essa angústia aqui dentro que não tá dando conta de tudo isso que precisa fazer. 22 de maio de 2007

(3)VAL19 – (..) mas ainda tem algumas falhas, a questão do trabalho, mais... do diálogo mais próximo com os professores eu ainda não estou conseguindo fazer, eu vou lá, converso com elas, mas eu sei que isso é esporádico, não tem nenhum efeito mais (..)... porque eu não dou conta de tudo o que tem pra fazer...(.) 22 de maio de 2007

V al49 – Por exemplo, eu tenho que fazer processo de verba, eu tenho que estar fazendo pagamento, eu tenho que estar fazendo vida funcional, eu tenho que atender solicitação de coordenadoria, eu tenho reunião de convocação. 21 de setembro 2007

101

3.2 Segundo momento da Atividade: A introdução dos artefatos de mediação explícita.

Esta seção está organizada para discutir a introdução dos artefatos de mediação

explícita e descrever as modificações que eles trouxeram nos sentidos que atribuíamos à

função do diretor, considerando os temas anteriormente apresentados. Discuto

inicialmente os artefatos, procurando demonstrar como eles já se constituem como

resultado de um compartilhamento de sentidos.

Em seguida apresento excertos das reuniões de 9 de janeiro e 22 de fevereiro de

2008, ilustrando a utilização desses artefatos. Finalmente, retomo os temas

anteriormente discutidos para mostrar as transformações de sentidos e modificação nas

práticas.

3.2.1 Descrição dos Artefatos

3.2.1.1 - Artefato 1: “Tabela de Ações”

Meu objetivo em introduzir a “Tabela de Ações” foi atender ao pedido

explicitado pela diretora para colaborar com ela na elaboração de um plano de ação

como gestora. No entanto, eu também queria encontrar uma maneira de organizar as

reflexões de Valéria sobre as necessidades que ela constatava como importantes, e os

sentidos que atribuía ao papel do diretor escolar, mas que, segundo suas próprias

declarações, não conseguia encaminhar de maneira satisfatória. Assim, formulei

perguntas que focalizassem cada um dos temas tratados e propiciassem uma reflexão

sobre as ações que ela poderia desenvolver para que suas intenções se efetivassem. A

seguir, apresento uma visão simplificada da “Tabela de Ações” e, após, analiso o tipo de

perguntas formuladas.

102

Quadro 3.2 - Tabela de Ações - visão simplificada

TEMAS (emergentes durante o primeiro momento)

PERGUNTAS (para criação de oportunidades de participação da equipe diretiva, dos pais e alunos, dos professores e dos funcionários)

Ação 1

Ação 2

Ação 3

Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que a equipe possa participar efetivamente?

Qual é o tipo de participação esperada?

Que tipo de atividades são enfatizadas?

Todos têm iguais possibilidades de participação?

De que maneira a direção deixa claro para a equipe diretiva que tipo de participação se espera?

Que tipos de instrumentos são usados: recursos, materiais, etc?

Equipe diretiva Pais Alunos Professores Agentes escolares

Que tipo de material é utilizado para a reflexão?

Observa-se que as perguntas materializadas na tabela são perguntas que, nesta

pesquisa, foram classificadas como “Questões Abertas” e pedem por evidências,

clarificação ou justificativa. Tais questões são introduzidas para permitir que as

participantes expandam suas idéias para serem entendidas tanto por si mesmas como

pelos outros, colaborando, dessa forma, para o desenvolvimento do raciocínio, ao

mesmo tempo em que mantêm o foco sobre os temas selecionados.

3.2.1.2 - Artefato 2: “Jogo de Papéis”

O meu objetivo, ao introduzir o “Jogo de Papéis”, foi possibilitar que Valéria

“visualizasse” as ações que fazem parte do papel do diretor escolar e que efetivamente

foram desenvolvidas por ela em 2007 (articulação da participação da comunidade –

pais, professores, funcionários e alunos, organização burocrática e administrativa, etc).

Eu pretendia possibilitar um espaço de reflexão, de modo que ela, como diretora,

pudesse reavaliar suas intenções explicitadas, em comparação com as ações

efetivamente realizadas.

Tal intenção de minha parte sugere que compartilhei as suas declarações sobre

como de fato, “agia” e do que constituem também tarefas importantes de seu papel.

Durante o jogo, foram acrescentadas papeletas com as ações desenvolvidas pela diretora

103

durante aquela semana (18 a 22 de fevereiro de 2008). Apresento, abaixo, um exemplo

de uma papeleta organizada por mim e de outra organizada por Valéria. Esclareço que a

classificação entre parênteses na última linha de cada papeleta representa as categorias

construídas pela diretora durante a tarefa realizada.

• Papeleta construída por mim.

22/04: Val6: Porque eu falei também com os pais do (...) pra eles perceberem que é o conselho e a APM que toma as decisões da escola, pra eles se tocarem disso. Nessa sexta feira, por exemplo, nós vamos ter uma reunião da APM pra agenda a festa junina (...). Mas então a gente convida também, agora vamos fazer os cartazes pra divulgar as demais pra ver se a gente tem uma divulgação maior dos pais” (Participação da comunidade).

• Papeleta escrita a partir das ações desenvolvidas pela diretora, no exercício de

seu papel como diretora, durante a semana de 18 a 22 de fevereiro de 2008.

Encaminhei papelada da atribuição (Parte administrativa cotidiana)

A discussão de Wertsch (2007), sobre mediação explícita e implícita, me ajudou

a denominar estes artefatos como instrumentos de mediação explícita, isto é, que foram

intencionalmente introduzidos como mediadores, na atividade Formação de Diretor. No

entanto, esclareço que estes dois “artefatos” construídos durante a pesquisa também já

incluem várias vozes e perspectivas que partilhamos durante aquele primeiro momento,

tanto da diretora como minhas, bem como dos contextos sociais de que participamos e,

neste sentido, “é resultado de um processo colaborativo e dialógico, em que diferentes

perspectivas se encontram e se fundem” (ENGESTRÖM, 1999).

Da mesma forma que a “Tabela de Ações” não poderia ter sido organizada sem

o conhecimento das necessidades específicas declaradas pela diretora, a confecção do

“Jogo de Papéis” foi a materialização de experiências vividas por nós durante 2007,

resultado, portanto, do compartilhamento de experiências e das interações que

proporcionaram desenvolvimento. Desta forma, também fui tomando consciência das

diversas tarefas do diretor e a própria construção do artefato sugere que compreendi que

uma atividade concreta (Formação de Diretor) não pode ser idealizada nem entendida

fora das relações com outras atividades do sistema e da realidade em que está inserida,

não podendo ser excluída dessas relações (LEONTIEV, 1977/1978). Isto significa que

estávamos discutindo a formação em serviço de um de um diretor real, concreto: “sua

ação e suas condições materiais de existência tanto as que ele já encontrou prontas,

104

como aquelas engendradas por sua própria ação” (MARX & ENGELS, 1845-

46/2007). Ao organizar o “Jogo de Papéis”, eu pretendia oportunizar que a diretora “se

vizualizasse” nas várias tarefas que, efetivamente, tinha realizado. Eu me baseava em

alguns pressupostos da reflexão crítica discutidos, que apontam como fundamental os

indivíduos se distanciarem de suas ações cotidianas e evitarem um juízo apressado de

valor que compromete a reorganização de ações futuras (SMYTH, 1992).

Pretendia, também, possibilitar a emergência de algumas ações características do

ciclo expansivo, tal como proposto por Engeström (1999). Desta forma, a construção

desses artefatos sugere que eu já havia reformulado o sentido que atribuía ao meu papel

como pesquisadora crítico-colaborativa e que, naquele momento, assumia que deveria

criar situações que favorecessem a reflexão, para que a diretora pudesse realmente

focalizar as questões importantes para ela.

Esclareço que a “Tabela de Ações” acompanhou nossas discussões até o final da

pesquisa. O “Jogo de Papéis” foi utilizado na reunião de 22 de fevereiro de 2008, mas

as reflexões que esta reunião desencadeou também tiveram repercussões até o final da

pesquisa. Por este motivo, considero importante focalizar exemplos de momentos em

que estamos utilizando os dois artefatos. Saliento que outros materiais foram utilizados

durante a pesquisa e todos contribuíram para os resultados finais da pesquisa.

3.2.2 Exemplos de Uso dos Artefatos Na seção abaixo dou exemplos da utilização desses artefatos. Inicio pela

apresentação da “Tabela de Ações”. Em seguida, discuto a reunião de 22 de fevereiro,

em que foi utilizado o “Jogo de Papéis”.

3.2.2.1 A “Tabela de Ações”

O excerto abaixo foi extraído da reunião de 9 de janeiro de 2008. Focaliza o

momento em que, atendendo à solicitação da diretora para colaborar na elaboração de

um plano, apresento a “Tabela de Ações”. Naquele momento da reunião, estávamos

com a tabela nas mãos.

105

Recorte 13 (9 de janeiro de 2008) ELV3: (...) você faz umas questões recorrentes: Você diz que você gostaria de

trabalhar(#) agentes escolares...

VAL4::...

Com as agentes escolares

ELV4: Que você....gostaria de trabalhar com o Projeto pedagógico....que você gostaria de estar mais perto das as professoras,...

VAL5: Isto eu já falei acho que umas 500 vezes

ELV5: (...) Então a minha hipótese é assim... minha hipótese é que se você não organizar um plano, colocar suas intenções num plano, você não vai conseguir fazer isto que você está querendo. Não que você não esteja fazendo nada, porque eu estou vendo aqui esta reforma.

VAL6: (...) Era até legal eu colocar alguma coisa no papel...eu já tinha que ter me organizado (...)Também, com esta bagunça [reforma, falta de funcionários] não dá para fazer mais nada, eu estou fazendo o que é possível. Eu já me livrei de 2 processos...(( Alguém chama a diretora para fazer matrícula))

Observa-se, no trecho transcrito, que eu retomo a voz da diretora para introduzir

a tabela: “Você diz que você gostaria de trabalhar (#) agentes escolares..(..)” e,

aparentemente, uso-a como um recurso para justificar a minha hipótese, que apresento

no turno ELV5 “minha hipótese é que se você não organizar um plano, colocar suas

intenções num plano, você não vai conseguir fazer isto que você está querendo”. A

forma modalizada que uso a seguir, com três negativas na mesma frase (“Não que você

não esteja fazendo nada, porque eu estou vendo aqui esta reforma”) mostra que

considero importante afirmar que ela FAZ muitas coisas.

A resposta de Valéria expressa um conflito entre nossas perspectivas, mas da

mesma forma como revocalizei sua fala de uma reunião anterior, Valéria recupera meu

discurso, marcando-o com uma modalização apreciativa “Era até legal eu colocar

alguma coisa no papel”. Em seguida, emprega a modalização deôntica “eu já tinha que

ter me organizado”, o que marca os determinantes externos da sua ação

(BRONCKART 2008), motivados por minhas ações. A justificativa que ela mesma dá

(“Também, com esta bagunça [reforma, falta de funcionários] não dá para fazer mais

nada, eu estou fazendo o que é possível”) corrobora para a interpretação de que, nesse

momento, Valéria ainda está obedecendo a necessidades externas à sua própria

compreensão do que julgava necessário.

Deve-se salientar que, naquela ocasião, a escola estava em reforma e a maior

parte dos funcionários estava de férias, incluindo a assistente e a secretária, de maneira

106

que a diretora era a única responsável pelas mais diferentes tarefas, fato que gerou

inúmeras interrupções em nossa reunião como mostra o excerto abaixo.

Recorte 14 (9 de janeiro de 2008) VAL8: Então retomando. Tem coisas que são gritantes da avaliação do ano passado que eu

conversei com as professoras e eu não consegui fazer.

ELV8: Por que você acha que não conseguiu fazer?

VAL9: eu acho que eu não consegui fazer porque este ano foi o ano primeiro de.. de eu conhecer a situação... depois, eu só apaguei incêndio, entendeu? Então esta parte de que eu acho que é mais de planejamento, mais da gente refletir e depois pôr em prática, eu não consegui fazer....

Após uma dessas interrupções (para que a diretora efetuasse a matrícula de um

aluno), é ela quem retoma o assunto e recupera uma avaliação negativa (VAL8: Então

retomando. Tem coisas que são gritantes da avaliação do ano passado que eu

conversei com as professoras e eu não consegui fazer”). Observa-se, no turno ELV8,

que minha pergunta sobre o que ela “acha” lhe provoca uma reflexão sobre o seu

contexto de trabalho (“este ano foi o ano primeiro de... de eu conhecer a situação...

depois, eu só apaguei incêndio, entendeu?”). O jogo que se estabelece entre o verbo

“fazer”, e a expressão “eu só apaguei incêndio”, seguida da declaração “esta parte de

que eu acho que é mais de planejamento, mais da gente refletir e depois pôr em

prática” sugere que “apagar incêndio” carrega um sentido de fazer sem refletir.

3.2.2.2 – “Jogo de Papéis”: instrumento e resultado

Apresento, abaixo, excertos da reunião de 22 de fevereiro de 2008, que contribuem para o entendimento de como esta reunião foi importante na produção de novos significados compartilhados sobre o papel do diretor escolar. Os exemplos abaixo foram extraídos do meio da reunião e focalizam o momento em que, após categorizar as papeletas, a diretora e eu começamos a discutir a classificação das mesmas.

Recorte 15 (22 de fevereiro de 2008) VAL92: Pronto.

ELV80: Como é que você categorizou?

VAL93: Então, ó, aqui é a participação da comunidade, que é uma das coisas que, pra mim, está pendente ainda.

ELV81: Certo Mas eu queria que você lesse. Isso aqui são ações que você realizou em 2007?

VAL94: Não, não realizei Elvira.

ELV82: Não?

VAL95: Mas, eu queria uma coisa melhor.

107

No turno VAL93, ao responder minha pergunta sobre como ela categorizara os excertos, a primeira classificação a que ela se refere é “participação da comunidade”. Este fato, reforçado pelo pronome oblíquo em 1ª pessoa “pra mim” e pela avaliação expressa pelo adjetivo “pendente”, contribui para a interpretação de que esse era realmente um tema importante para a diretora. No turno 95 ela inicia a avaliação da qualidade da ação que fora desenvolvida: “eu queria uma coisa melhor”.

O excerto abaixo focaliza a continuidade da discussão e o momento em que a Valéria compara as ações desenvolvidas em 2007.

Recorte 16 (22 de fevereiro de 2008) ELV96: (...) A formação tá aqui. ((E, olhando para outra pilha, pergunta)) O que você pôs

aqui?

VAL110: Ah, isso daí foi um pouco das nossas conquistas, né. Compra do datashow, a brinquedoteca que a gente equipou. O que mais que a gente... Coisas que nós conseguimos comprar, né. Quer dizer, eu acho que é assim, mesmo os talheres que a gente conseguiu para as crianças, que não foi nem compra isso. Mas foi uma conquista material. Então, isso daqui eu acho que são conquistas. Isso daqui é concreto, isso daqui é real.

ELV97: Você acha que você conversar com a mãe, chamar os pais pro conselho, fazer a contabilidade, isso não é concreto? por quê?

VAL111: Porque é assim eu acho que isso só vai ser uma coisa concreta quando eu tiver os pais aqui dentro participando da escola. Pra mim isso é uma tentativa. Um canal. Mas, não é o que eu queria. O que eu quero é além disso. Agora, esse ano eu vou começar tudo de novo.

ELV98: E o que você aprendeu com essa experiência Valéria? Com essas tentativas?

VAL112: (...). Eu acho que eu preciso fazer mais pra chamar esse povo pra dentro a escola. Ou, a forma que eu estou fazendo não está correta.

ELV99: sei... P(por que...?)

VAL113: Alguma coisa nesse sentido. Entendeu. Agora, isso é uma das coisas Elvira que me persegue faz tempo. Quando eu era diretora da EMEF em 2004 eu já tinha isso em mente, lá também a gente tentou e eu tinha o apoio da coordenadoria, da equipe pedagógica e eu não consegui fazer isso lá. Agora, aqui vai fazer dois anos também...

No turno VAL110, a diretora enumera suas conquistas, marcadas pelos

substantivos “datashow”, “brinquedoteca”, afirmando que aquilo é “concreto”, “real”.

Aproprio-me, então, dos adjetivos que ela usou positivamente (“concreto”, “real”) para

questionar sua avaliação sobre suas ações direcionadas ao trabalho com a comunidade.

Observe-se que minha escolha lexical no turno 97 (“Você acha que você

conversar...?”) também influencia para que Valéria busque seus recursos cognitivos

(BRONCKART & MACHADO, 2004). Em sua resposta, a diretora aprofunda a

108

reflexão (neste excerto, marcada pela expressão modalizadora “eu acho”): compara as

conquistas que teve, distinguindo o que é concreto do que é intenção e indica que a

participação dos pais é ainda uma intenção (“eu acho que isso só vai ser uma coisa

concreta quando eu tiver os pais aqui dentro participando da escola. Pra mim isso é

uma tentativa. Um canal. Mas, não é o que eu queria. O que eu quero é além disso.

Agora, esse ano eu vou começar tudo de novo”). Nota-se, também, o jogo das

conjugações verbais entre o presente (“é”), o pretérito imperfeito (“queria”) e,

novamente o presente (“eu quero”), jogo este que sugere uma avaliação concreta das

ações passadas na sua relação com as intenções iniciais, concluindo com uma

modalização pragmática: “o que eu quero vai além disso” e com uma nova intenção

(“Agora, esse ano eu vou começar tudo de novo”). Aproveitando a reflexão da diretora,

no turno 98, faço uma pergunta que, explicitamente pede que ela analise a ação

desenvolvida, (“E o que você aprendeu...?”). Sua resposta, no turno 112, traz indícios

de que repensa, agora, esse tema numa nova perspectiva: chama para si a

responsabilidade na condução de uma nova tentativa (“Eu acho que eu preciso fazer

mais”) e começa a refletir sobre o “como” desenvolve a ação (“Ou, a forma que eu

estou fazendo não está correta”).

Alguns turnos adiante, nosso foco cai sobre a questão do planejamento das ações

na escola. É um momento relevante, pois mostra a importância da mediação explícita:

quando o instrumento e o resultado se evidenciam.

Recorte 17 (22 de fevereiro de 2008) ELV125: O que é esse?

VAL140 Planejamento e esclarecimento do nosso trabalho com os funcionários.

ELV126: É o seu planejamento?

VAL141: É. Tô fazendo ainda, né.

(...)

VAL146: Isso daqui é tudo questões financeiras, ó. Providências de verbas, essas coisas. Agora, tudo isso daqui é trabalho que eu faço diariamente: balcão, atribuição, computador, acúmulo, férias, termo de doação, horário de equipe técnica, tudo isso...

ELV:131 É o quê?

VAL147: É serviço do dia-a-dia mesmo. Parte administrativa cotidiana. São aquelas coisas que não têm como escapar de fazer. E olha só, olha o volume!

ELV132: É isso que eu ia pedir pra você: contar. Qual é o montinho maior e qual o menor?

109

VAL148: O maior é esse. ((parte administrativa cotidiana))

ELV133: E o menor?

VAL149: O menor deve ser o de formação!

ELV134: Então vamos contar mesmo. Quantas ações estão aqui no...

VAL150: Vixi, o menor é o planejamento.

Observe-se, no recorte acima (turno Val146), as escolhas lexicais (substantivos)

que Valéria utiliza para elencar as tarefas que faz diariamente e que denomina “questões

financeiras” – “balcão, atribuição, computador, acúmulo, férias, termo de doação,

horário de equipe técnica”. Finalmente, ela conclui que as tarefas de cunho

administrativo são trabalhos diários dos quais não tem como escapar (VAL147): fazem

parte das suas atribuições. Minha pergunta no turno 132 pede mais evidências sobre

essa constatação e induz para uma ação concreta (contar), isto é, que pede uma

avaliação quantitativa. No turno 148, a diretora levanta uma hipótese (“o menor deve

ser formação”. Porém, ao contabilizar, Val chega ao concreto e se espanta, como mostra

o turno VAL150: “Vixi, o menor é o planejamento”. A escolha de uma interjeição

“vixi!” sugere, que, aparentemente, ela toma consciência, naquele momento, dos poucos

espaços que tem dedicado para pensar a escola, o que colabora para a sua constatação

do pouco tempo disponível para o planejamento.

Tal interpretação é corroborada, no turno VAL151 abaixo, quando, ao constatar o número de ações administrativas selecionadas no jogo, ela se declara uma “tarefeira”.

Recorte 18 (22 de fevereiro de 2008) ELV135: Nesse “Parte administrativa cotidiana” você tem 1,2,3,4,5, 6,7,8,9,10,11. Então:

onze. Formação tem três. Planejamento: dois. Qual que é esse?

VAL151: Eu sou uma tarefeira mesmo Elvira.

ELV136: (...) o que acontece se você não mexer com essas questões, se você não prestar conta no processo de verba?

VAL156: Então, se eu não fizesse isso eu não podia ter feito esse.

ELV137: Que é organização para o começo do ano.

VAL157: Esse aqui também eu não podia, porque é assim, sem recurso o que é que eu faço? Não é? Sem recurso eu não consigo fazer as coisas.

ELV138: Tá. Acerto de verba do PTRF, você podia largar?

VAL158: Não. Porque se eu largar esse não entra dinheiro para o próximo mês.

ELV139: Tá. Isso é acerto de conta de caixa. Essas contas bancárias da escola são as da

110

APM?

VAL159: É da APM e a de adiantamento bancário. É essa daqui.

ELV140: Tá bom. Teria como não fazer essa parte?

VAL160: Teria. Tem diretor que não faz.

ELV141: Não?

VAL161: Mas, se eu não fizer eu inviabilizo um monte de coisa na escola. Entendeu? Por exemplo, a gente tá querendo comprar mais brinquedos pra brinquedoteca. Eu estava falando hoje de manhã para a Áurea Áurea acabou o dinheiro e não deu pra comprar brinquedo pra brinquedoteca. O ano passado a gente comprou bastante, mas eles gastam, né. E aí, é claro que a gente gastou bastante dinheiro com a reforma, né. Aí ela falou: e aí Valéria, agora o que a gente faz? Eu falei: e livro? Tá precisando de livro pra sala de leitura também. Se eu não fizer isso (((a pilha intitulada questões Financeiras” o acerto de verbas)),eu não dou esse suporte para as professoras trabalharem, entendeu?

No turno VAL151, a escolha lexical “tarefeira” sugere que Valéria está

valorizando as próprias ações, constitutivas de sua função, como aquelas que não

pretendia enfatizar. Tal autoavaliação parece revelar as contradições de sua ação como

diretora, a complexidade do contexto específico. Sugere que quando não se tem claros

os objetivos de uma ação, ela não pode ser redimensionada e sua operacionalização fica

comprometida. Mais do que isso, o enunciado se expressa como uma realidade

complexa em que aparentemente não se tem total controle, e que as necessidades mais

prementes organizam as ações e organizam as prioridades. No entanto, ao me explicar

que sem os recursos ela não consegue dar suporte para as professoras trabalharem, ela

reconstrói o sentido para algumas das ações constitutivas de sua função, não valorizadas

na sua fala anterior (“eu sou uma tarefeira”), mas essenciais, na prática, para o

desenvolvimento do trabalho pedagógico (“... acabou o dinheiro e não deu pra comprar

brinquedo pra brinquedoteca. O ano passado a gente comprou bastante, mas eles

gastam, né?”). Isso pode ter contribuído para que Valéria superasse a dificuldade para a

organização de prioridades e possibilitando um desprender-se do contexto imediato,

abrindo a possibilidade para o relacionamento das ações com objetivos mais amplos,

ainda que práticos, como aponta a conclusão “eu não dou esse suporte para as

professoras trabalharem, entendeu?”. Ao avaliar suas ações de maneira

contextualizada, parece que ela pôde, a partir de sua história e de suas experiências,

apropriar-se do significado social e ressignificá-las (LEONTIEV, 1978).

Como já discutido por Vygotsky (1930/2004), o instrumento técnico, como

descrito aqui, orienta o agente no sentido de provocar mudanças no próprio objeto,

111

enquanto o instrumento psicológico tem uma orientação para a psique e para o

comportamento do próprio sujeito. Mas a inclusão do instrumento no processo provoca

a atividade de toda uma série de funções novas relacionadas com a utilização do

instrumento e seu manejo. É importante salientar, como apontam Wertsch e Smolka

(1993/1999), que a incorporação desses recursos à ação humana, incluindo a ação

mental, não torna a ação simplesmente mais eficiente, quantitativamente, mas resulta,

inevitavelmente, em uma transformação qualitativamente criativa.

Dessa forma, entendo que esses artefatos podem ser considerados instrumentos-

e-resultados (NEWMAN e HOLZMAN, 1993/2002), na medida em que, com sua

utilização, ao reorganizar as papeletas e comparar com suas atribuições, na e pela

interação, Valéria e eu estávamos, ambas, reorganizando e reformulando as tarefas do

diretor escolar, refletindo sobre as possíveis ações, compartilhando e produzindo novos

significados.

O excerto abaixo focaliza um momento da mesma reunião, em que peço que a

diretora sintetize as conclusões a que chegou durante as tarefas propostas para aquele

dia.

Recorte 19 (22 de fevereiro de 2008) ELV175: (...) Valéria, a gente meio que retomou todas as áreas em que você trabalha. Você

concorda? E comparamos com o que você tinha que fazer. Que conclusão você tira disso?

VAL197: Eu faço quase tudo. Tudo que é da minha competência eu faço e tem que melhorar algumas coisas. Tem algumas coisas que são mais importantes (...) mas eu acabo direcionando mais tempo com aquilo que é mais cotidiano (...)

ELV176: (...) Tá. Dos três exercícios que a gente fez, só pra sintetizar, quais são as áreas onde, agora, você quer investir?(...), pegando os três ((exercícios)) Nós fizemos três exercícios, certo? Quais as áreas agora onde você vai (#...)

VAL198: Elvira, se eu conseguir me planejar melhor talvez eu consiga diminuir o tempo que eu gasto com essas coisas aqui (administrativo cotidiano). Não é... isso aqui faz parte das minhas atribuições, e é também porque isso aqui a gente tem um pressão em cima, direto pra estar fazendo, não é? (...) Então, eu preciso me organizar mais, melhor.

ELV177: Essa organização envolve o que que prioridades que já tinham sido discutidas? Quais? Tem aqui (monte de excertos) e os que você mesma fez (lista de ações da semana)). (01:30:00)

VAL199: É isso mesmo. Eu preciso me planejar, dividir melhor o trabalho pra eu conseguir dar conta de acompanhar melhor essa parte pedagógica. Eu acho que é uma coisa que falta. A parte pedagógica. Melhorar a comunicação da escola e, eu acho que inclusive através dessa comunicação eu vou conseguir chegar mais próximo da minha comunidade, que eu não estou conseguindo chegar.

112

No excerto acima, no turno VAL197, ao refletir sobre as conclusões extraídas da

tarefa proposta, a diretora constata que “faz quase tudo”, o que, como aponta, é da

competência de um diretor escolar. Sua escolha lexical ainda revela uma ênfase no

“fazer”; porém, reavalia a forma como está desenvolvendo suas atribuições para

melhorar a escola: reconhece que tem coisas mais importantes mas que não consegue

fazer porque enfatiza o cotidiano da escola (“e tem que melhorar algumas coisas. Tem

algumas coisas que são mais importantes. (...) e eu acabo direcionando mais tempo

com o que é cotidiano”). No turno seguinte (198), Val levanta a hipótese de que

“planejar” pode ajudá-la a se “organizar”, dando indícios de que o sentido que eu

trazia sobre o trabalho do diretor estava sendo compartilhado naquele momento.

Na sequência (ELV177), reformulo a pergunta, pedindo mais esclarecimentos

sobre suas prioridades. A sua resposta no turno 199 sugere que, ao olhar para as tarefas,

pôde concluir e tomar uma nova decisão: “É isso mesmo”. “Eu preciso me planejar,

dividir melhor (...) melhorar a comunicação da escola e, eu acho que inclusive através

dessa comunicação eu vou conseguir chegar mais próximo da minha comunidade, que

eu não estou conseguindo chegar”. Observa-se que o verbo planejar marca uma nova

perspectiva e sugere que, nesse momento, Valéria repensa os objetivos de suas ações,

enfocando os conflitos que eu trouxera ao apontar as contradições na discussão. Assim,

recontextualiza suas prioridades, o que abre a possibilidade de uma redefinição e

consequente operacionalização das ações futuras. Também sugere que todo esse

movimento pode ter sido resultado da criação de uma ZPD mútua (JOHN-STEINER,

2000: 199), que possibilitou a criação de um espaço de colaboração, compreendido

como práxis, isto é, como “atividade prático-crítica” (NEWMAN e HOLZMAN,

1993/2002), cuja atividade de significar é uma expressão fundamental da atividade

revolucionária.

Esses exemplos parecem confirmar a importância de se acentuar os dois tipos de

instrumentos (psicológicos e materiais) como uma unidade que medeia a relação entre o

homem e o mundo, mostrando que ambos são fundamentais na forma como os

indivíduos aprendem e se desenvolvem (HEDEGAARD, 2001).

Essa referência aos “instrumentos materiais” também pode ser identificada no

excerto abaixo, em que a diretora se apoia na “Tabela de Ações” para avaliar a sua

responsabilidade em organizar a participação dos professores:

113

Recorte 20 (22 de fevereiro de 2008) VAL28: ((lendo a tabela de ações)) Olha, que tipo de ações são organizadas

sistematicamente dentro da escola para que a equipe possa participar efetivamente? Puxa, de professores isso me deu um tilte porque é assim: A gente conversa em reunião pedagógica. No dia a dia assim, nos projetos eu não consegui o ano passado estar conversando com elas. E aí eu percebi que as situações que a gente tinha para conversar eram muito poucas, né. E aí eu comecei a pensar em quais situações eu poderia cavar esse ano pra estar tendo esse canal com os professores. Porque assim, olha, com os funcionários, por exemplo, quando eu preciso...

Observe-se, no excerto acima, as escolhas lexicais: “olha” “Puxa” “tilte”: “olha”

faz uma dupla referência: ao próprio instrumento e à pergunta materializada no

instrumento (“Olha, que tipo de ações são organizadas sistematicamente dentro da

escola para que a equipe possa participar efetivamente?”); “Puxa” e “tilte” parecem

sugerir que a questão formulada para o preenchimento do instrumento possibilitou que a

diretora constatasse uma situação da realidade e reorganizasse seu pensamento (“E aí eu

percebi que as situações que a gente tinha para conversar eram muito poucas, né? E

aí eu comecei a pensar em quais situações eu poderia cavar esse ano pra estar tendo

esse canal com os professores”), o que sugere a emergência de uma intencionalidade.

Como já apontado neste trabalho, a internalização não é uma mera cópia, mas a

transformação e a reorganização das estruturas mentais a partir das (novas) informações

recebidas e da relação com os conhecimentos já existentes. Apontei acima, com

exemplos da reunião, como o uso de artefatos procurou organizar um contexto que

criasse a possibilidade da diretora se ver como um outro (BAKHTIN, 1929-1930/2006;

VYGOTSKY, 1925/2004: 82), de modo a reavaliar as suas intenções a as suas ações.

Essa reunião marcou um salto qualitativo na atividade de Formação de Diretor.

Como já discutido, o significado desenvolve-se na relação mediada por

instrumentos entre os indivíduos e o meio, sendo que a linguagem é o principal

instrumento mediador. Os dados sugerem que a relação que se estabeleceu possibilitou

que cada uma de nós trouxesse para a atividade nossos sentidos iniciais formados por

nossas experiências – únicas e individuais. Na interação, esses sentidos se relacionaram

e foram compartilhados: novos significados foram negociados e modificados. A análise

sugere, também, que a reflexão desencadeada possibilitou o movimento dialético entre

intenções e ações (tanto as da diretora, como as minha como pesquisadora) efetivamente

realizadas, o que parece ter contribuído para que nós fizéssemos uma “síntese”, em que

emergiu um comportamento novo, que não estava presente nos elementos iniciais, mas

114

tornou-se possível pela mediação desses elementos, isto é, pela internalização ou

apropriação dos instrumentos culturais e da interação social.

Passo, em seguida, a discutir a repercussão destas reuniões, retomando os

sentidos em cada um dos temas já discutidos. Isto talvez tenha sido importante para que

ambas reavaliássemos nossas ações: que a diretora iniciasse um planejamento mais

consistente; e eu, efetivamente, procurasse desenvolver ações para que a diretora

aprofundasse as reflexões que já fazia.

3.3 Retomando sentidos e compartilhando significados das ações na escola

Nesta seção, retomo os temas considerados importantes desde o início da

pesquisa, com o objetivo de mostrar as transformações ocorridas na condução da

pesquisa e no entendimento do que constitui o papel do diretor. A análise desta seção

está apoiada na estudo das escolhas lexicais (operadores, substantivos e verbos, bem

como os complementos sintáticos desses verbos e substantivos). Também farei a análise

das minhas perguntas relacionando-as ao tipo de resposta da diretora. Faço estas

escolhas para verificar em que medida o compartilhamento de significados permitiu um

maior conhecimento do contexto em foco e possibilitou a criação de perguntas de minha

parte que colaborassem para aprofundar a nossa reflexão em relação aos temas

discutidos.

3.3.1 Sentidos/ significados sobre o papel do diretor na organização da participação da comunidade e no fortalecimento do conselho de escola

O excerto abaixo é extraído da reunião de 16 de junho de 2008 e refere-se ao

momento da reunião em que introduzo o tema participação da comunidade. O objetivo

deste exemplo é mostrar como, durante a atividade, novas compreensões foram

alcançadas, o que se traduz em nossos discursos.

Recorte 21 (16 de junho de 2008) ELV17: Então, eu queria também entender o que é pra você participação da comunidade.

VAL17: É assim, eu acho que a gente participa quando a gente assume aquilo pra gente. Quando a gente se sente responsável por aquilo que se faz. Então eu gostaria, por exemplo, em termos de participação da comunidade que eles... Nós observamos em um questionário que nós fizemos, assim, não são todos os pais que conhecem nossa proposta de trabalho. Isso por quê? Talvez porque eles não participaram da elaboração do projeto pedagógico. Não é? E nem seria possível esse ano(...)Estávamos montando a escola na realidade, crianças novas entrando, pais

115

que a gente não conhecia ainda e tal. Mas assim, eu acho que a comunidade precisa conhecer exatamente qual é a nossa proposta. E nós passamos pra eles na reunião de pais.(..). Talvez isso não tenha sido suficiente.

Em resposta à minha pergunta, Valéria utiliza uma sequência argumentativa, em

que apresenta um ponto de vista “eu acho que a gente participa quando a gente

assume aquilo pra gente” (tese) e expande o pensamento, incluindo outros suportes:

“Quando a gente se sente responsável por aquilo que se faz” e “Nós observamos em um

questionário que nós fizemos, assim, não são todos os pais que conhecem nossa

proposta de trabalho.” Em meio à sua explanação, ela se pergunta: “Isso por quê?”, a

que ela mesma responde (“Talvez porque eles não participaram da elaboração do

projeto pedagógico”). Podemos considerar sua pergunta como retórica, ou como uma

previsão de uma contrapalavra à sua argumentação. De qualquer forma, todas essas

escolhas corroboram para a interpretação de que está pensando consigo mesma, o que

indica uma reflexão, a partir de um dado concreto da realidade (“Nós observamos em

um questionário”), mas também considerando a meta que tenciona alcançar (“os pais

precisavam também participar da elaboração do nosso planejamento para o ano”),

para em seguida avaliar a ação passada (E nós passamos pra eles na reunião de pais

(...) Talvez isso não tenha sido suficiente).

Observa-se, nas respostas de Valéria, que ela levanta uma hipótese para o

desconhecimento dos pais, sugerindo que o fato possa ter origem na ausência deles no

momento da elaboração do projeto pedagógico da escola (“Talvez porque eles não

participaram da elaboração do projeto pedagógico”). Isso sugere que a reflexão

desencadeada oportunizou que ela analisasse a participação dos pais sob um outro

ângulo, não aceitando mais uma prática consagrada (ENGESTRÖM, 1999), ou seja,

reuniões que “passam” o conteúdo para os pais, e apenas “convidam para eles

participarem” (cf. Recorte 2, 22 de maio de 2007), como ficou evidenciado nos

registros das primeiras reuniões.

No discurso de Valéria estão ecoando, portanto, diferentes vozes que se fazem presentes nas instituições escolares, vozes que se confrontam e disputam espaço nos textos prescritivos institucionais, bem como nas pesquisas acadêmicas sobre as questões pedagógicas. Assim, nesse confronto de sentidos, nessa “arena” bakhtiniana, as referências sobre a proposta da escola e a elaboração do projeto de forma compartilhada com os pais sugerem uma reflexão sobre um tema que eu – pesquisadora – insistia em tratar: o Projeto Político Pedagógico e pode-se afirmar que seu nível de reflexão foi

116

intensificado a partir do meio da pesquisa. Porém, deve-se destacar que as declarações da diretora nesse momento da investigação revelam, também, uma avaliação articulada, considerando tanto o PPP como a realidade da escola, o que não seria possível no início do trabalho.

Na mesma direção, minhas perguntas também estão mais focalizadas, resultado do conhecimento da realidade e das experiências vividas. Desta maneira, colaboram para aprofundar os conceitos discutidos e favorecem um raciocínio argumentativo que, por sua vez, possibilita o aprofundamento da discussão, como acontece no trecho a seguir:

Recorte 22 (16 de junho de 2008) ELV18: Como você acha que eles poderiam conhecer?

VAL18: Eu acho que se eles participassem do processo. Olha, primeiro, eu acho que eles tinham que saber qual é a proposta da secretaria municipal de educação para a educação infantil. O que se espera dessa escola? Porque a prefeitura monta um equipamento desse e matricula as crianças e contrata os professores? Não é pra ficar cuidando dessas crianças enquanto os pais vão trabalhar. Nós temos uma proposta de trabalho voltado para um desenvolvimento dessas crianças, né? Um desenvolvimento mais saudável pra que as crianças tenham não só o desenvolvimento da parte cognitiva, mas da parte pessoal, da parte humana. Então, eu acho que os pais precisavam saber quais são as expectativas da secretaria em relação a esse equipamento que é a escola. Um é isso. Outro, eu acho que os pais precisavam também participar da elaboração do nosso planejamento para o ano. Então, eu acho que os pais não deveriam ser um depositário, olha nossa escola tem esse e esse objetivo. Eu queria que os pais colocassem as suas expectativas com relação ao nosso trabalho dentro do nosso projeto. E isso a gente tá longe de conseguir. Porque eles vêm nas reuniões que são convocadas, mas fica difícil.

No excerto acima que, em reposta ao meu pedido de explicação sobre como os

pais poderiam participar, VAL18 faz referência à proposta da Secretaria Municipal de

Educação (“(..) Olha, primeiro, eu acho que eles tinham que saber qual é a proposta da

secretaria municipal de educação para a educação infantil. O que se espera dessa

escola? Porque a prefeitura monta um equipamento desse e matricula as crianças e

contrata os professores?(...) Nós temos uma proposta de trabalho voltado para um

desenvolvimento dessas crianças, né?”). Pode-se considerar, pelo jogo discursivo que se

estabelece entre “prefeitura” e “Nós”, que o discurso oficial é assumido por ela, o que

indica, mais uma vez, a presença de uma “mistura de vozes”, parecendo indicar a

apropriação de um discurso internamente persuasivo (BAKHTIN, 1934/35 – 1975/1998),

o que também sugere uma elaboração pessoal.

117

No excerto abaixo, em que a diretora reavalia os espaços e as expectativas sobre

a participação, é significativo que ela assuma a formação como uma dimensão

necessária (turno VAL19).

Recorte 23 (16 de junho de 2008) ELV19: Então, Valéria, eu queria que você pensasse quais ações vocês poderiam ter feito

pra que vários tipos de participação fossem feitas. Será que todo mundo participa do mesmo jeito?(...)

VAL19: Eu acho que isso é uma coisa que a gente tem que pensar ainda. Eu acho que é uma conquista que a gente tem conseguir. Talvez não vá conseguir esse ano, porque eu acho que é bem a longo prazo mesmo. É uma interferência inclusive na formação da própria comunidade. E não é fácil esse trabalho. Mas eu acho que(#) (20:00)

ELV20: Mas (...) a participação ano passado? Vamos pensar um pouco. Que tipo de participação você esperava no primeiro momento? E, portanto, você facilitou? Você lembra que a gente... Talvez você não tivesse toda essa, nós estamos agora refletindo sobre algo que já aconteceu. Mas qual era sua preocupação?

VAL20: Então, eu queria fortalecer esses instrumentos de representatividade por parte dos pais pra que eles assumissem a escola como um equipamento a serviço deles, pra eles.

ELV21: Então, mas o que é assumir a escola como um equipamento deles?

VAL21: É se sentir sujeito dentro da escola. Entendeu? Olha só, é eles perceberem que aqui eles também podem decidir as coisas. Não fui clara?

ELV22: Foi...

VAL22: É assim, olha, eles são sujeitos, não são receptores, a escola faz, a escola dá e eles recebem apenas (...). Além disso, eu queria que eles sentissem a escola um equipamento da comunidade a serviço da comunidade. E que eles estivessem mais preocupados com o andamento da escola e que eles estivessem aqui presentes seja pra questionar, pra criticar, pra sugerir. Era isso que eu gostaria que eles vissem.

Neste excerto acima, minhas intervenções insistem na ação de “pensar” (ELV19

“eu queria que você pensasse...”; ELV20 “Vamos pensar um pouco (...) nós estamos

agora refletindo sobre algo que já Aconteceu.”). E, efetivamente, conduzo a discussão

para uma expansão das idéias que a própria Valéria enuncia, buscando a relação entre

teoria e prática.

No final desse trecho (turno VAL22), Valéria conceitua melhor a “participação

dos pais”: “E que eles tivessem mais preocupados com o andamento da escola e que

eles tivessem aqui presentes seja pra questionar, pra criticar, pra sugerir.”

Nota-se, aqui, que as ações atribuídas aos pais nesta síntese (questionar, criticar,

sugerir) indicam finalidades que vão além da organização da escola, da resolução de

problemas práticos e incluem um compromisso com a aprendizagem dos alunos. Além

118

disso, as escolhas lexicais para se referir aos pais sugerem que a diretora agora lhes

atribui, efetivamente, um papel ativo na construção da escola: eles passam a ser

“sujeitos”, não “receptores”. Assim, a divisão de papéis em sua relação com os pais, ao

menos no discurso, se transformou, na medida em que o papel deles, agora, não é mais

o de fiscalizar, nem são “convidados”, como discutido anteriormente (cf. Recorte 2, 22

de maio de 2007). Dessa forma aparece, no discurso da diretora, uma transformação no

que diz respeito à divisão de papéis dos pais na comunidade escolar e aos sentidos que

atribui ao seu próprio papel em encaminhar as necessidades constatadas.

Fazendo uma análise com base nos pressupostos da teoria da atividade e

considerando a Formação de Diretor, pode-se entender que durante a atividade

conseguimos, juntas, organizar contextos de reflexão que possibilitaram que a diretora

tomasse consciência, no decorrer do processo, de que novas operações seriam

necessárias para que a ação de envolver os pais se concretizasse, no sentido de atingir o

objetivo proposto. Assim, podemos considerar que as ações para envolver os pais

indicam objetivos mais definidos e se complexificam (LEONTIEV, 1978). Como

consequência dessa reflexão, aparece, marcada no discurso de Valéria uma

intencionalidade, que se materializa no planejamento de suas intervenções para

modificar a situação constatada, o que indica uma tentativa de articulação entre

intenções e ações. Este mesmo movimento pode ser verificado com relação ao

planejamento do trabalho com os funcionários da escola, cujos sentidos discuto a seguir.

3.3.2 Sentidos/significados sobre o papel do diretor na formação dos profissionais da escola

No excerto abaixo, extraído da reunião de 11 de abril de 2008, Valéria declara

que seu objetivo é inserir os agentes (funcionários) no projeto da escola, incentivando a

participação deles, condição que considera fundamental para que o trabalho como um

todo se torne efetivo.

Recorte 24 (11 de abril de 2008) VAL29: Porque ô Elvira. Você viu que eu coloquei ((na tabela)) que eu quero estar

introduzindo esses agentes, eu chamo de agentes escolares(...)

(...)

ELV31 Então, o seu objetivo é...?

VAL31: O meu objetivo maior é inseri-los na questão dos projetos da escola, o que são os valores. E a agenda 21. Falar pra eles um pouquinho o que é a agenda 21, o projeto do meio ambiente, tal. Porque esse projeto foi bastante enfocado agora nas

119

reuniões de planejamento dos professores. Eles enfocaram bastante, inclusive com ações diferenciadas das do ano passado (...): separação de lixo, por exemplo. Compramos os baldes pra separação de lixo, que já tinha o ano passado, mas tentar focar mais isso, fazer com que isso na prática se torne efetivo. E pra isso a gente precisa da participação deles também. E pra eles participarem eles precisam saber o que é. Então, essas coisas e a questão dos valores, valores positivos, valores negativos.

ELV32 (...)

VAL32: Então, aí eu queria tirar deles o que são valores, entendeu? São valores morais? Daqui eu queria tirar inclusive a questão da postura profissional.

ELV33: Mas você está trabalhando esses valores ligados ao PPP? ou não?

VAL33: Ligados ao PPP. Porque é assim, isso aqui está dentro do nosso projeto (...)

Observe-se, no excerto acima (turno VAL31), suas declarações : “meu objetivo é

inseri-los na questão dos projetos da escola... Falar pra eles um pouquinho o que é a

agenda 21, o projeto do meio ambiente, tal” e “pra eles participarem eles precisam

saber o que é”. O discurso da diretora revela, aqui, que pretende que suas interações

com os agentes vá além da divisão de tarefas, para a reorganização da qualidade de suas

ações, o que difere do fato constatado nos encontros iniciais (cf. 22 de maio de 2007).

Além disso, Valéria destaca que os funcionários (agentes) precisam conhecer a proposta

da escola. As escolhas lexicais (em negrito) revelam que pretende tratar, com os

agentes, de assuntos que vão além de resolver problemas cotidianos. Tal fato sugere

finalidades mais claras para o projeto de formação que pretende desenvolver com os

funcionários. Isso parece indicar, também, que a reflexão da diretora atinge, no

planejamento de suas ações, um outro nível de reflexão, o que pode ser corroborado

pela focalização na linguagem dos objetivos das ações.... eu queria tirar deles o que são

valores... eu queria tirar inclusive a questão da postura profissional”), clareza que

também pode ser observada em relação ao próprio projeto pedagógico da escola. Como

mostra o excerto a seguir:

Recorte 25 (11 de abril de 2008) ELV40: (...) Por que a gente falou que seria importante trabalhar com os valores pra eles?

VAL40: Então, porque o nosso projeto, ele tem a questão dos valores. A gente tem como foco sempre trabalhar os mais positivos, por exemplo, o respeito. O respeito, cooperação, colaboração, inclusive o respeito ao meio ambiente, por isso que entra a questão da agenda 21.

ELV41: E quando você fala de valores negativos, quais são? O que é isso?

VAL41: Então, eu acho que é exatamente o contrário, quando você só enxerga o seu lado, quando você não vê o outro (...) Quando você só pensa em si mesmo, a questão do egoísmo. Inveja, ciúmes um do outro.

120

ELV42: Tá. Mas, os valores que estão no PPP os quais você gostaria que eles se pautassem, só estão escritos os positivos. E por que você falou dos negativos?

VAL42: Então, por quê? Porque é justamente isso que a gente vê no dia-a-dia. Falta de respeito um com o outro, um não quer colaborar com o outro. Ah, não vou fazer isso porque não me mandaram. Só faço se me mandarem...

Ao responder minha pergunta, no turno 40, Valéria demonstra ter conhecimento dos valores que norteiam o Projeto Político Pedagógico da escola, como mostram suas escolhas lexicais (substantivos: “respeito” “colaboração” “cooperação” e a declaração: “inclusive o respeito ao meio ambiente”). Ela também chama a atenção para a necessidade de esclarecer os sentidos considerados para “valores” e relacioná-los com as vivências pessoais e profissionais, uma vez que constatou que eles nem sempre são observados na prática. Isso sugere que ela está perseguindo o objetivo de articular teoria e prática, como mostra o turno VAL42: “Porque é justamente isso que a gente vê no dia-a-dia. Falta de respeito um com o outro, um não quer colaborar com o outro”.

Esse movimento pode ser observado, também, em relação ao acompanhamento do trabalho com os professores. Tal como já discutido, professores e funcionários fazem parte da “comunidade” escolar. Na literatura educacional, enfatiza-se que cabe ao diretor escolar acompanhar os projetos da escola e fazer a supervisão e a coordenação do funcionamento geral da escola, de acordo com deliberações e decisões do Conselho de Escola (cf. Regimento).

Com base nessas considerações, passarei a discutir brevemente a transformação dos sentidos da diretora em relação ao trabalho com os professores, a partir de seu relato sobre um acontecimento na escola, em que ela procura repetir as palavras usadas na interação.

Recorte 26 (13 de maio de 2008) VAL9: (...) Aí eu falei: “Professora a gente vê as suas crianças chorando e não vê o que

você está fazendo pra tirar essa ansiedade das crianças. Elas nunca foram para a escola. São crianças que precisam de uma atenção especial. No segundo dia de aula você falta e deixa essas crianças aqui assim. Você sabia que não tinha outro professor pra ficar no seu lugar. Você é a referência...”.

ELV10: (...)

VAL10: ... a primeira referência deles de escola. “Não, mas eu sou muito boa. (...) Eu sou muito boa, eu tenho um trabalho muito bom com as crianças”. (...) E aí nós falamos: “Olha a gente vai sentar pra conversar junto com a Áurea, eu, você e a Áurea, mas eu vou te dizer o seguinte, a Áurea é nossa coordenadora, ela é muito competente, a gente confia muito no trabalho dela e eu tenho certeza que se você estiver precisando de ajuda pedagógica ela pode sentar, ela pode te ajudar. Talvez seja o momento...”(...)

VAL12: A gente faz tudo cronometrado por quê? Para não prejudicar um e favorecer o outro. (...)

121

Observe-se no turno VAL9, que ela parece estar descrevendo (SMYTH, 1992) sua ação em um movimento reflexivo: utiliza o discurso citado (turnos 9, 10, 12), o que parece sugerir que ela pretende que eu acompanhe detalhadamente a situação em foco, ao mesmo tempo em que procura olhar o fato com certo distanciamento. Para isso, recupera a voz da professora e a dela própria no evento que está sendo descrito. Além disso, encontra-se, também, no turno, uma referência à coordenadora pedagógica (“Áurea”), o que sugere uma ação conjunta. Ou seja, a equipe diretiva está se constituindo enquanto grupo colaborativo. O excerto abaixo mostra uma outra mudança importante.

Recorte 27 (13 de maio de 2008) ELV13: Sabe o que eu estou observando Valéria? É a primeira vez que você fala assim... dá

uma importância nas nossas entrevistas e ocupa o tempo pra falar de um acompanhamento que você fez com professor.

VAL13: Pois é, né.

ELV14: O que mudou?

VAL14: Pois é, o que mudou? Eu acho que assim, eu tenho conversado mais com eles, subido mais, eu acho que o que mudou já foi o início que foi o acompanhamento com o planejamento. Então, pra mim está mais fácil acompanhar o trabalho na sala porque agora eu sei qual é a proposta de trabalho deles, então isso pra mim já mudou bastante.(...) Então, agora eu acho que está mais claro. Também tem Elvira, eu acho que a questão da gente se sentir um pouco mais segura com relação ao relacionamento com os próprios professores. A gente recebe críticas, a gente recebeu críticas no geral, no final do ano nas avaliações nós tivemos críticas, uma delas era a falta do meu acompanhamento pedagógico. Mas, a gente observa que tem um apoio dos professores. No geral, eu entendo que é assim, a gente tem o reconhecimento dos professores ao nosso trabalho. Não só dos professores, mas da comunidade também. Até mesmo da diretoria.

Depois de pontuar a mudança de tópico em seu discurso durante nossas reuniões,

focalizo a transformação na ação, com a pergunta “o que mudou?” (ELV14). Para

responder a minha pergunta, no turno VAL14 (“pra mim está mais fácil acompanhar o

trabalho na sala porque agora eu sei qual é a proposta de trabalho deles”). Essa

mudança parece revelar que sua ação está mais direcionada, com foco no trabalho

pedagógico da professora e demonstra uma mudança em relação ao tipo de interação

que desenvolvia com os professores, conforme Recorte 9, que recupero a seguir.

122

Recorte 9 (22 de maio de 2007) VAL19: (...) a questão do trabalho, mais... do diálogo mais próximo com os professores eu

ainda não estou conseguindo fazer, eu vou lá, converso com elas, mas eu sei que isso é esporádico, não tem nenhum efeito mais...

ELV18: Mas como você conversa?

VAL 20: É, eu vou lá em cima, dou uma palavrinha. (...) mas eu sei que tá precário, assim como os funcionários também né, porque eu não dou conta de tudo o que tem pra fazer(.)

Observa-se também que minha pergunta, no turno ELV13 (recorte 27, acima),

sugere mudança no meu modo de agir formativamente com a diretora: reconheço uma

transformação no desenvolvimento dela e trago o fato para discutir em nossa reunião.

Ou seja, faço uma intervenção no sentido de marcar essa ocorrência.

3.3.3. Sentidos/significados sobre o papel do diretor na organização administrativa

Na mesma reunião, um pouco mais adiante, Valéria levanta outro ponto

essencial para marcar sua transformação, fazendo referência à importância que ela

atribuía às tarefas administrativas. Observe-se que o meu questionamento era para que

ela ampliasse a discussão sobre a “questão pedagógica” e a sua resposta vai remeter à

“parte administrativa”:

Recorte 28 (13 de maio de 2008) ELV26: E Valéria, volta um pouquinho na questão pedagógica, então você tem

acompanhado mais o trabalho? Porque você conhece mais a proposta. Explica isso para mim um pouquinho.

VAL26: É. Eu conheço mais a proposta, e eu tenho abandonado um pouquinho a parte administrativa, não é que eu tenho abandonado, mas assim, acho que eu estou menos neurótica com essa parte de acompanhamento de prazo, porque isso deixa a gente neurótica mesmo. Porque dia-a-dia tem que entregar isso, tem que entregar aquilo, etc. E você não tem ninguém aqui na secretaria a gente tem que fazer, não tem jeito. Então, eu tenho ficado um pouco mais lá em cima, tenho entrado nas salas conversado com as professoras, conversado com as crianças, então, assim, eu acho que está um pouquinho melhor. Não tá o que eu acho ideal, não é, mas acho que melhorou um pouquinho.

O excerto acima parece sugerir que Valéria redimensionou suas prioridades e

que esse redimensionamento permitiu, também, que ela se desprendesse do contexto

imediato, das tarefas cotidianas. Como ela ainda acentua, “não ’tá o... ideal”, mas ela

relata ter conseguido uma maior aproximação das professoras e dos alunos (“Então, eu

tenho ficado um pouco mais lá em cima, tenho entrado nas salas conversado com as

professoras, conversado com as crianças, então, assim, eu acho que está um

123

pouquinho melhor”), fato que lhe proporciona uma posição mais confortável, porque

mais próxima de uma atuação pedagógica. Essa maior adequação às suas funções é

confirmada quando Valéria trata mais especificamente das questões de ordem

administrativa. Ao mesmo tempo em que assume que algumas tarefas administrativas

precisam ser executadas mesmo que, oficialmente, não sejam de sua competência (“E

você não tem ninguém aqui na secretaria a gente tem que fazer, não tem jeito”),

refere-se à sua preocupação com o cumprimento de prazos, impostos pelo sistema

institucional, utilizando a expressão “menos neurótica”. Tais escolhas lexicais permitem

considerar que houve um redimensionamento das suas diferentes tarefas dentro do papel

de diretora de escola.

3.3.4 Sentidos/significados sobre o papel do diretor no planejamento das ações na escola

Como já exposto, nas considerações sobre o 1º momento desta pesquisa

trazíamos – pesquisadora e diretora de escola – sentidos diferentes sobre o papel do

diretor (planejar versus fazer). Também como já apontei, o segundo momento já

representa o compartilhamento de significados. Retomando o processo de negociação e

construção de sentidos/significados exposto nas seções anteriores, observa-se que a

interação que se desenvolveu bem como a utilização dos artefatos (“Tabela de Ações” e

“Jogo de Papéis”) possibilitaram a oportunidade de mais uma vez negociar nossos

sentidos e compartilhar o significado de “planejar” como uma ação essencial para o

desenvolvimento do papel do diretor.

Essa constatação é confirmada pela diretora em uma de nossas últimas reuniões,

em que estamos avaliando o desenvolvimento da pesquisa e peço que ela descreva as

ações que desenvolveu na escola, durante o exercício de 2007.

Recorte 30 (16 de junho de 2008) ELV1: Bom Valéria, você escreveu aqui que em 2007 você estava conhecendo essa

unidade (...). Eu queria que você falasse um pouco de cada uma dessas ações.

VAL1: Cada uma dessas?

ELV2: É.

VAL2: Então, o ano passado quando eu cheguei aqui era complicado eu me planejar porque eu ainda não conhecia a escola direito, né.(...) Então, inicialmente o que eu tinha como objetivo era a questão da reorganização da escola (...) Então, eu tinha que primeiro conhecer a realidade, foi mais ou menos isso que a gente foi fazendo o ano passado. Planejamento mesmo eu não fiz. E isso, é claro, deixa a gente muito solto, e acaba a gente vivendo só de improvisação. Algumas coisas esse

124

ano, são inclusive, estão ainda no que eu pretendia o ano passado. A maior participação da comunidade, (...) O fortalecimento da equipe técnica, (...) A participação efetiva das crianças, dos representantes de sala,(...). A participação da comunidade. Um maior comprometimento por parte dos funcionários da equipe de apoio (...) inclusive a formação deles. Então, tudo isso são coisas que eu tinha intenção de fazer, mas ainda não estava claro pra mim o que era necessário. Algumas coisas que a gente tem como prioridade, até mesmo pessoal que é a questão de estabelecer relações democráticas dentro da escola. Mas, isso é uma coisa assim... Agora, esse ano mudou, por quê? Porque eu consegui saber qual era a realidade onde eu estava e planejar. Então, eu acho que, por exemplo, nesse sentido a pesquisa me ajudou bastante.

Observa-se no excerto acima (turno Val 2) que Valéria retoma cada um dos

temas que foram discutidos em nossas reuniões: “A maior participação da

comunidade, (...) O fortalecimento da equipe técnica, (...) A participação efetiva das

crianças, dos representantes de sala,(...). A participação da comunidade. Um maior

comprometimento por parte dos funcionários da equipe de apoio (...) inclusive a

formação deles”. Isto confirma a interpretação de que estes eram realmente os temas

importantes para ela no papel que estava desenvolvendo. Observa-se também, no

mesmo turno, a declaração “Agora, esse ano mudou, por quê? Porque eu consegui

saber qual era a realidade onde eu estava e planejar”(...), que sugere que tanto a

mudança como as conquistas nesse período são situações constatadas, como sugere o

uso do tempo verbal (pretérito) usado em relação ao planejamento. No excerto abaixo

focalizo, nas declarações da diretora, as referências a esse processo.

Recorte 31 (16 de junho de 2008) ELV3: Por quê? Como te ajudou?

VAL3: Então, é assim, a gente sabe o que tem que fazer, sempre.(..)

ELV4: E nesse sentido, nessa diferença que você está apontando, como que a pesquisa te ajudou?

VAL4: Então, por exemplo, no começo desse ano você chegou e me deu lá umas questões, e a gente... Foi um momento que mesmo dentro da correria, foi um momento de eu pensar no que eu já tinha feito e o que eu achava que era necessário eu fazer ainda. Você me ajudou com algumas perguntas e até mesmo aquela tabelinha que você me deu pra fazer. Me ajudou bastante.

ELV5: Ajudou no quê? (05’06)

VAL5: Pra eu organizar minha reflexão sobre o planejamento. Veja bem, é diferente você pegar segmentos, vários segmentos da escola e pensar em quais ações eu teria que ter em cima desses segmentos pra dar uma cara diferenciada pra escola. Então, a própria formatação das sugestões que você me deu e daquelas atividades que você me deu me ajudou bastante, eu acho, na elaboração do planejamento. Não é assim também, que eu não pensava em nada, eu pensava. Mas, às vezes, a gente tem uma certa dificuldade pra colocar no papel. Eu nem tentei, antes que você me passasse a tabela. Mas, me ajudou bastante. E aquelas reflexões que a gente fez também. Eu

125

lembro dos papeizinhos, as ações, tal, pra gente pensar no que foi feito no ano anterior e o que estava faltando. E nós observamos que o ano de 2007 foi um ano basicamente voltado para essa questão mais administrativa. E eu estava falhando muito no acompanhamento pedagógico. Então, esse ano eu tenho esse foco maior no pedagógico(...).

Observa-se, no turno Val 5, o uso de verbos, classificados nessa pesquisa como verbos de ação mental reflexiva, acompanhados de seus respectivos complementos: “organizar (reflexão sobre o planejamento); pensar (em ações); lembro (dos papeizinhos, ações); pensar (no que foi feito e o que estava faltando); observamos (ano de 2007) ...

Por último, podemos apontar também que Valéria faz referência explícitas às “perguntas” e à “tabela” “Veja bem, é diferente você pegar segmentos, vários segmentos da escola e pensar em quais ações eu teria que ter em cima desses segmentos pra dar uma cara diferenciada pra escola. Então, a própria formatação das sugestões que você me deu e daquelas atividades que você me deu me ajudou bastante, eu acho, na elaboração do planejamento”.

Resumindo a resposta à pergunta 1, sobre os sentidos declarados e significados compartilhados sobre gestão escolar que os resultados revelaram como durante a atividade de formação houve a oportunidade para que ambas – Valéria e eu – aprendêssemos um pouco sobre o papel do diretor escolar e, especialmente, sobre como desenvolver este papel, numa realidade específica, num determinado momento histórico. Sugerem, também, que as trocas discursivas possibilitaram a criação de uma ZPD mútua, em que novos significados foram construídos e compartilhados. Os significados compartilhados no primeiro momento possibilitaram a reorganização das ações da pesquisa. Assim, no segundo momento da pesquisa, introduzi instrumentos/ artefatos, que já eram resultado de um compartilhamento de significados e tais artefatos colaboraram para focalizar as diversas necessidades levantadas pela diretora e por mim. Nessa direção, esses artefatos, como já dito, se constituíram como instrumento-e-resultado, pois já revelavam transformações na maneira como eu via o meu papel na atividade e como eu também fui me apropriando dos desafios revelados nas várias tarefas do diretor escolar. Também, a partir de sua utilização, Valéria reconheceu que “planejar” era preciso: estabeleceu algumas prioridades e iniciou um planejamento de suas ações para que os compromissos de ação se efetivassem.

As transformações dos sentidos sobre necessidades e papéis são refletidas na linguagem de diferentes maneiras: podem se expressar na inclusão de complementos verbais ou nominais, ligados à função social da escola para complementar verbos e nomes empregados, o que sugere que na linguagem ela expressa ações mais complexas

126

no planejamento de suas ações. Observa-se também um aumento de verbos ligados à reflexão (refletir, planejar, entre outros) e uma diminuição de verbos que remetem a uma ação física representados pelo fazer, frequentes no início da pesquisa. Transformações no modo como a diretora se relaciona com suas atribuições institucionais também podem se revelar quando, no discurso, ela deixa de usar modalizações deônticas referentes a prescrições oficiais ou socialmente compartilhadas e passa a chamar para si a responsabilidade das ações desenvolvidas na escola.

Com relação à minha constituição como pesquisadora, notou-se que o compartilhamento de significados me possibilitou conhecer mais a realidade e formular questões que favorecessem a reflexão. Apresento a seguir o quadro geral que mostra exemplos dos mesmos temas que perpassaram as nossas discussões desde o primeiro momento e exemplifica, no discurso da diretora, as transformações acima discutidas.

127

Quadro 3.3 - Visão geral das preocupações da diretora no final deste segundo momento da pesquisa

Pais e alunos Comunidade

Funcionários Professores Organização administrativa

Planejamento e Organização da equipe

(1)Val 17: É assim, eu acho que a gente participa quando a gente assume aquilo pra gente. Quando a gente se sente responsável por aquilo que se faz. (...) Nós observamos em um questionário que nós fizemos, assim, não são todos os pais que conhecem nossa proposta de trabalho. Isso por quê? Talvez porque eles não participaram da elaboração do projeto pedagógico. (16 de junho de 2008)

(2)Val 29 que eu quero estar introduzindo esses agentes, eu chamo de agentes escolares (..) O meu objetivo maior é inseri-los na questão dos projetos da escola, o que são os valores. (...) mas tentar focar mais isso, fazer com que isso na prática se torne efetivo. E pra isso a gente precisa da participação deles também. E pra eles participarem eles precisam saber o que é. (11 de abril de 2008)

(3)Val 9: (..) Aí eu falei: “Professora a gente vê as suas crianças chorando e não vê o que você está fazendo pra tirar essa ansiedade das crianças. Elas nunca foram para a escola.(..) E aí nós falamos: “ Olha a gente vai sentar pra conversar junto com a Áurea, eu, você e a Áurea, mas eu vou te dizer o seguinte, a Áurea é nossa coordenadora, ela é muito competente, a gente confia muito no trabalho dela e eu tenho certeza que se você estiver precisando de ajuda pedagógica ela pode sentar, ela pode te ajudar. Talvez seja o momento”... (13 de maio de 2008)

(4)Elvira 26: E Valéria, volta um pouquinho na questão pedagógica, então você tem acompanhado mais o trabalho? (...) Valéria 26: É. Eu conheço mais a proposta, eu tenho abandonado um pouquinho a parte administrativa (...). Porque dia-a-dia tem que entregar isso, tem que entregar aquilo, etc. E você não tem ninguém aqui na secretaria a gente tem que fazer, não tem jeito. Então, eu tenho ficado um pouco mais lá em cima, tenho entrado nas salas conversado com as professoras, conversado com as crianças(..) (13 de maio de 2008)

(5)VAL 96: Olha, você está me dando uma idéia. (...) Então, aí deixa eu te falar como eu e a Áurea... Eu estava pensando assim, ó, de fazer uma reflexão com os professores sobre a questão dos valores entre nós. Porque daí, olha só o que eu pensei agora. A gente no primeiro encontro, eu te falei que a gente fez uma discussão sobre isso daqui, da qualidade da educação, da qualidade essencial do ensino(..) (11 de abril de 2008).....

Como já discutido anteriormente, a aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem

na relação do ser humano com o ambiente e na interação com os outros. Neste trabalho,

para completar o entendimento das transformações ocorridas durante a pesquisa,

passarei a discutir brevemente como se deu a interação entre as participantes.

3.4. Foco na relação diretora e pesquisadora na construção de novos significados sobre direção escolar

Entendendo que a produção de novos significados se dá na e pela interação, as

duas perguntas que orientaram a análise estão intrinsecamente relacionadas. Porém, esta

seção está organizada para apresentar e discutir especificamente como se desenvolveu a

interação entre diretora e pesquisadora no decorrer da pesquisa. Descreve os padrões de

colaboração que se estabeleceram durante o trabalho e a possibilidade de

proporcionarem ZPDs mútuas (JOHN STEINER, 2000). Considerando também a

128

perspectiva da dialogia bakhtiniana, analisa como esta relação se desenvolveu ao longo

do tempo e como, no movimento interacional, os discursos das participantes refratam e

refletem a realidade exterior, se reorganizam, se re-elaboram, possibilitando o

compartilhamento de novos significados. Ou seja, procura entender como “cada voz

tomará os enunciados das outras vozes como estratégias de pensamento, e imersas na

corrente comunicacional estas enunciações serão propiciadoras de um movimento em

forma de negociação e geração de significado” (BAKHTIN, 1929-30/2006;

WERTSCH & SMOLKA, 1993/1999). E como esse movimento faz mover o objeto na

atividade Formação de Diretor (ENGESTRÖM , 1999).

Os resultados obtidos nesta seção foram pautados na análise de:

1. Quantidade de turnos;

2. Tipos de turno (avanço na fala do outro, não avanço na fala do outro);

3. Tipos de perguntas e/ou comentários da pesquisadora (negritados na discussão);

4. Escolhas lexicais (verbos, operadores, modalizadores, marcas de pessoa).

Apresento, inicialmente, a análise quantitativa da distribuição dos turnos e das

palavras empregadas nos encontros.

Quantidade de TURNOS

0

20

40

60

80

100

120

140

160

180

200

9 de março de 2007 27 de abril de 2007 22 de maio de 2007 22 de fevereiro de 2008 11 de abril de 2008 16 de junho de 2008

Diretora Pesquisadora

Quantidade de PALAVRAS

0

1000

2000

3000

4000

5000

6000

7000

8000

9 de março de 2007 27 de abril de 2007 22 de maio de 2007 22 de fevereiro de 2008 11 de abril de 2008 16 de junho de 2008

Diretora Pesquisadora

O número aproximado de turnos em cada entrevista parece indicar que a relação

era simétrica. Porém, na medida em que a maior parte da pesquisa foi conduzida por

entrevistas e reuniões face a face, em que o discurso é inteiramente coproduzido

(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006), é importante também considerarmos o número de

palavras em cada turno. Embora os turnos sejam divididos equitativamente, os meus são

menores em número de palavras. Isso sugere que ao responder minhas perguntas, a

diretora utiliza muitas palavras, o que talvez signifique que ela teve oportunidade de

pensar sobre o que estava em discussão. Ao mesmo tempo, as respostas da diretora me

129

possibilitaram aprender mais sobre aquela realidade específica, o que possibilitou a

ambas um aprofundamento dos sentidos levantados.

A discussão do compartilhamento segue uma sequência temporal linear, porque,

pela análise dos dados, observei que cada um dos encontros e a reflexão sobre o que

aconteceu em cada um permitiram o meu questionamento a respeito do meu papel na

atividade Formação de Diretor e do papel da diretora, possibilitando a reorganização

das ações de pesquisa. Como já apontei, no momento inicial, o sentido que eu atribuía

ao meu papel era o de entender as particularidades daquela realidade específica e de

colaborar com a diretora, com os sentidos construídos ao longo da minha vida

profissional. O excerto abaixo é um exemplo desse momento, tendo sido extraído da

primeira reunião formal entre mim e a diretora, reunião que tinha, entre outros

objetivos, o de explicar os procedimentos de pesquisa e aprofundar o conhecimento do

contexto específico de ação.

Recorte 32 (9 de março de 2007) ELV2: Deixa eu te explicar que eu vou aproveitar e fazer uma explicação.... (...) O

trabalho que eu estou fazendo é a parte da Linguística aplicada (...) vocês todas colocam que as vezes o discurso é muito diferente da prática

VAL4: Até o nosso.

ELV3: De todos nós.(..). Então eu tô gravando o seu. O meu, a minha interferência tal, tal. (...)

VAL5: Isto aí é uma metodologia então?

ELV4: Isso é um, vamos dizer é um subsídio teórico para você analisar as suas ações (...) então o que que a pesquisa faz? O que eu quero saber. (...) Como é que um diretor, que é o responsável, que eu acredito nele, que é o responsável por formar uma equipe pedagógica, como é que ele vai construindo isso e ele vai se tornando um diretor mais crítico, reflexivo. Ta? (...) Só que nessa pesquisa(...) tem o papel do pesquisador. Então... nessa abordagem que eu estou, não é que o pesquisador vai na escola ou na realidade e ele extrai todos os dados e não dá nada (... )

VAL6: hum hum

ELV5: entendeu? Aí eu vou para casa, aí eu transcrevo (...)

Nova interrupção: serralheiro

ELV6: então eu tô aprendendo.(...) Entendeu?.(...)

VAL7: Ta!

ELV6: depois quando for reunião coletiva, vocês têm que aprovar, tá certo?(...).

VAL8: Hum hum

ELV7: depois eu ponho. Pesquisando um, pesquisando 2, tal. Isso vai gerar um monte de

130

material, né? Só que cada

Nova interrupção _ toca o telefone e a diretora atende)

ELV11: ... outra coisa também. Os nomes não ficarão expostos (...)

Val12: Claro, claro. Isso aí tudo certo.

ELV12: Então..

VAL13: Então deixa só eu terminar de te contar do caso da Luiza ((secretária})..: (..).

O excerto acima se inicia com a minha explicação sobre a Pesquisa Crítica de

Colaboração, como se observa nas minhas escolhas lexicais, sublinhadas e em negrito

no turno ELV 4. Neste sentido, procuro deixar claro o tipo de pesquisa, os valores e

pressupostos que ela encerra “Só que nessa pesquisa (...) tem o papel do pesquisador.

Então... nessa abordagem que eu estou, não é que o pesquisador vai na escola ou na

realidade e ele extrai todos os dados e não dá nada” (...). Também me posiciono em

relação às minhas próprias idéias e valores: “que eu acredito nele, que é o responsável

por formar uma equipe pedagógica, como é que ele vai construindo isso e ele vai se

tornando um diretor mais crítico, reflexivo. Ta?” e explicito os procedimentos ELV11

“outra coisa também. Os nomes não ficarão expostos”.

Valéria demonstra que acompanha a minha explicação e sugere que este é um

assunto que para ela já estava esclarecido, como mostra sua colocação em VAL 12: –

“Claro, claro. Isso aí tudo certo”, e aproveitando uma pausa na minha explicação

(ELV12 – Então...), toma o turno e recoloca o assunto que de fato a incomodava

(VAL13 Então deixa só eu terminar de te contar do caso da Luiza (..)”. A tomada de

turno da diretora me faz prestar atenção às suas necessidades e, a partir daí, diminuem

minhas intervenções. Se por um lado este é um indício de nós estávamos aprendendo a

desenvolver nossos papéis, de forma igualitária (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006), por

outro lado revela que, naquele momento nossas necessidades ainda eram diferentes e

indicam também que participávamos de contexto sócio-históricos diferentes.

(ENGESTRÖM 1999). Enquanto eu, ligada à universidade tinha um compromisso em

esclarecer os pressupostos da pesquisa, Valéria estava preocupada em resolver os

problemas que se apresentavam na sua prática. A continuidade da discussão possibilitou

um maior entendimento das suas preocupações. O excerto abaixo mostra um momento

em que estávamos discutindo a participação da comunidade, tema introduzido por ela.

131

Recorte 33 (9 de março de 2007) VAL18: ... então eu quero envolver mais os pais, quero que participem mais do conselho.

E.um dos nossos objetivos é que as crianças também participem do Conselho(..)Então esses a gente quer estar pelo menos assim..a a Áurea[C.P] está fazendo um trabalho... Cada sala vai ter um nome.(..)Isso é um passo pra gente começar a trabalhar com eles o representante da sala(..).

ELV15: Hum

VAL19: Entendeu?.,(..) que a gente quer fazer?Que tenha um representante de sala, e que desses... que sejam eleitos, e que desses representantes eles façam parte do Conselho, (..)

ElV16: Então, veja se eu estou entendendo... esse trabalho é para envolver esses pais através das crianças?(..)

VAL20: têm tudo a ver Precisa saber como chamar os pais

ELV17:. Talvez se gerássemos as expectativas neles, das crianças convidarem os pais para lerem os cartazes sobre os Conselhos, os professores contarem o quanto é importante os conselhos, talvez seja uma possibilidade.....

VAL21: É. Sabe o ponto de dificuldade que eu acho que talvez a gente vá sentir é... por conta da formação política dos professores.

ELV18: Hummm, Por que?

VAL22: Por que eu acho que muitos professores também não têm noção da importância que tem conselho na unidade. Então isso é uma coisa que também precisava ser trabalhada.

ELV19:....

Então talvez fosse o caso, né? Você discutir com os professores....a importância disso.

VAL25: É, deixa a Áurea [C.P] chegar porque a gente tenta falar, porque hoje a gente não tem quase horário coletivo com os professores, entendeu? (..)Olha, nós temos que fazer. E fazer de qualquer jeito

Observa-se no excerto acima (turno VAL18), a relação predicativa com valor

pragmático “VAL18:... então eu quero envolver mais os pais”;

Minha intervenção em ELV16, marcada por um comentário de elucidação,

indica que eu procuro um melhor entendimento sobre as ações que a diretora pretende

realizar. No turno ELV17 faço outro comentário dando uma sugestão “Talvez se

gerássemos as expectativas neles (os pais), das crianças convidarem os pais para lerem

os cartazes sobre os Conselhos, os professores contarem o quanto é importante os

conselhos, talvez seja uma possibilidade”. Tal intervenção sugere que procurava

responder a dúvida de Valéria expressa no turno anterior e abre a possibilidade para que

ela também apresente sua sugestão. Sua resposta (turno VAL21), porém, acaba por

identificar novos elementos dificultadores para que a participação se efetive – “É. Sabe

o ponto de dificuldade que eu acho que talvez a gente vá sentir é... por conta da

132

formação política dos professores”. Novamente, minha pergunta que pede explicação

faz avançar o entendimento da situação, gerando um avanço no objeto da discussão em

foco.

O excerto abaixo mostra a continuidade de nossa discussão, mais à frente, e

sugere como estava se desenvolvendo a interação.

Recorte 34 (9 de março de 2007) ELV47: Agora... se esta comunidade é uma comunidade carente e nessa comunidade tem é

carente de... atuação política, não seria uma necessidade desenvolver ações concretamente que atingem esse objetivo? Eu tô falando Valéria professores que não têm essa dimensão (...)

VAL55: Você quer saber, eu acho talvez eles que a gente precisa trabalhar mais, porque eles têm mais contato com a comunidade que a gente, se eles tiverem essa visão, eles podem estar passando para as crianças, trabalhando com eles para chegar nos pais. Então é um caminho importante, mas a gente tem bastante, eu já percebi isso, trabalho mesmo como diretora que tem bastante resistência nesse sentido, mas a gente vai tentar.

ELV48: Resistência ou desconhecimento?

VAL56: é, eu acho eu sabe aquela coisa, isso é política, bobagem, aquelas coisas, né, mas eu acho que num sei (...) Então, então eu acho que talvez isso ajude a gente né? Mas olha como foi bom eu ter conversado com você sobre isso porque eu ainda não tinha pensado sobre tudo isso e não conversei com a Áurea [C.P] sobre nada disso. (...)

Em ELV47, inicio o turno fazendo uma referência a uma questão colocada

anteriormente pela diretora (turno VAL22) sobre a necessidade de envolver os

professores no conselho de Escola. Embora seja uma pergunta indutiva, (não seria uma

necessidade desenvolver ações concretamente que atingem esse objetivo?) a reposta de

Valéria (turno Val 55) sugere que a partir da minha intervenção, ela expande o

pensamento incluindo novas informações “eu acho talvez eles que a gente precisa

trabalhar mais, porque eles têm mais contato com a comunidade que a gente, se eles

tiverem essa visão, eles podem estar passando para as crianças, trabalhando com eles

para chegar nos pais”.

Na sequência, minha pergunta em ELV48 “Resistência ou desconhecimento?”

pede mais esclarecimentos sobre a afirmação da diretora. Na sua resposta, novamente

há uma expansão do pensamento e ela conclui o quanto foi importante conversarmos.

Observa-se tal avaliação no turno VAL56 – “Mas olha como foi bom eu ter conversado

com você sobre isso porque eu ainda não tinha pensado sobre tudo isso e não conversei

com a Áurea sobre nada disso”, – marcada pela avaliação positiva “Olha como foi bom

133

eu ter conversado com você” seguida da constatação de ausência de reflexão nesse

sentido – “eu não tinha pensado”. Tais escolhas lexicais – a modalização apreciativa e o

verbo “pensado” no pretérito – parecem colaborar para a interpretação de que a

interação que se desenvolvia permitia a identificação de necessidades de ambas em

conhecer melhor a realidade e que naquele momento estávamos estabelecendo um lócus

de colaboração (MAGALHÃES E FIDALGO, 2007) e iniciando um percurso

colaborativo em que novos significados poderiam ser construídos. Observa-se também o

jogo que se estabelece entre o eu e o Você. Se, por um lado, isso que indica que naquele

momento não havia ainda um “nós” durante a interação, por outro lado estávamos

“engajadas” (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006): eu pude ouvi-la e ela pôde me ouvir,

o que possibilitou que a diretora se ouvisse de uma outra perspectiva, ou seja, que

pudesse ser também o outro para si mesma. (VYGOTSKY, 1924-1930/2004;

BAKHTIN, 1929-30/2006). Neste sentido uma ZPD mútua estava se formando (JOHN-

STEINER, 2000).

Embora, neste momento inicial, a colaboração tenha proporcionado o

desenvolvimento da interação, é importante salientar que é necessário analisar a

qualidade da interação e o desenvolvimento que proporciona. Embora a colaboração

seja constitutiva da ZPD, apenas participar pode não levar ao desenvolvimento: há

necessidade de que a colaboração se organize como um processo de questionamento

crítico para que as participantes atinjam novas compreensões sobre o que está em

discussão, como apontam John-Steiner e Magalhães, entre outros. Assim, se nos

exemplos mostrados acima, observa-se que eu, pesquisadora, compartilho da

preocupação da diretora sobre a participação dos pais e mostro-me engajada em

entender tais preocupações, também se verifica que ainda assumo uma postura inicial de

colaboração, marcada pela minha experiência profissional: faço mais comentários e dou

sugestões. Nesta direção acabo encaminhando a discussão para questões práticas, sem

aprofundar algumas das colocações da diretora. Como já discutido na fundamentação

teórica, este tipo de reflexão caracteriza-se pela focalização em necessidades funcionais,

marcada por relatos ou narrativa de fatos, muitas vezes entremeados de avaliações

pessoais, uma vez que há uma tentativa de compreender as ações a partir da própria

experiência e do conhecimento de mundo.

Embora importante para entender o contexto, em atividades de formação como é

o caso da atividade em foco, não é suficiente para que todos possam aprender e se

134

desenvolver. Numa perspectiva materialista histórica (MARX e ENGELS, 1845-

46/2007; VYGOTSKY, 1927/2004) e com base em pesquisas que estão embasadas

nesse quadro teórico (e.g., ENGESTRÖM, 1999; MAGALHÃES, 2009p), é

fundamental que se estabeleça o conflito para que, ao tentar resolvê-lo, os participantes

possam alcançar novas compreensões. Como bem salienta Pontecorvo (2005), um dos

meios de estabelecer o conflito produtivo é fazer perguntas ou contrapor-se

argumentando.

No entanto, como apontado por Magalhães (2009p), se colaboração sem o

processo de questionamento crítico traz o foco para a interação apenas, o foco no

questionamento, sem o processo colaborativo, propicia imposição de poder,

autoritarismo, o que dificulta a possibilidade de compartilhamento e de transformação e

desenvolvimento.

O excerto abaixo, extraído da reunião de 27 de abril de 2007, mostra um

momento da reunião em que eu procuro introduzir uma reflexão sobre o Projeto Político

Pedagógico da escola, mas revela que a colaboração não acontece. No exemplo, é a

diretora quem inicia o tema quando, retornando à sala após uma interrupção externa,

passa a relatar as ações que desenvolveu com a volta da secretária, anteriormente

afastada por licença médica. O excerto será dividido em três segmentos para que a

análise fique clara.

Recorte 35 (27 de abril de 2007) VAL9: ((a secretária voltou de licença )) Voltou, voltou e aí, éeee e, aí assim, já fiquei um

pouco mais tranquila. Então essa semana já consigo sentar lá com as professoras, conversar um pouquinho com elas em horário de jornada, consegui subir, conversar lá em cima, ter um contato mais direto com as professoras. Acompanhar a reforma no parque que o seu Julimar ta fazendo(...). Então eu consegui fazer algumas coisas, mais para lado da direção mesmo em vez de ser secretária, né? Aí fiquei mais assim tranquila. Mas ainda tem umas coisas que eu quero e não consigo fazer.

ELV8: Agora, você já esquematizou essas suas intenções num plano como é que elas se relacionam com o projeto pedagógico

VAL10: Ah, tá!!

ELV9: Eu vi duas, duas... duas interações, né, que foi a... Conselho e a reunião de professores,... além das nossas conversas... Você tem uma concepção...

VAL11: Então Elvira, você sabe que eu estou assim preocupada, eu to lendo aquele livro lá do Libâneo, né?

ELV10: É

VAL12: EU tenho assim, ando um pouco preocupada de estar fazendo dos meus meios os

135

objetivos, entendeu? De estar confundindo as coisas. Na realidade eu estou tentando é.... é... facilitar o trabalho dos professores, tal, mas ainda... os objetivos... que a gente precisa estar relacionando com os objetivos da unidade que o caso no.. no caso do.PPP.. isso é uma coisa que eu não consegui sentar para sabe, para delinear, porque era inclusive o objetivo daquela minha.... daquele meu projetinho inicial. Entendeu. Então não consegui fazer isso ainda. To preocupada com isso.

Ao relatar as ações que desenvolveu com a volta da secretária (VAL8) destaca

ações desenvolvidas junto aos professores e aos pais, ou pela manutenção do

patrimônio, como sugerem as escolhas lexicais negritadas no turno VAL 9, o que parece

revelar um sentido que Valéria atribui ao seu papel – articular ações em relação a todos

os temas. Por exemplo “Então eu consegui fazer algumas coisas, mais para lado da

direção mesmo em vez de ser secretária, né. Mas ainda tem umas coisas que eu quero

e não consigo fazer.”

O turno ELV8 introduz uma pergunta indutiva: Agora, você já esquematizou

essas suas intenções num plano?, seguida por uma que pede mais evidências: como é

que elas se relacionam com o projeto pedagógico”. Isso sugere que tomo a última

declaração da diretora no fim do turno VAL9 “Mas ainda tem umas coisas que eu

quero e não consigo fazer” e atribuo meus próprios sentidos para aquela afirmação. O

advérbio “Agora” que inicia a minha pergunta, funciona como um operador

argumentativo, introduzindo uma mudança na orientação discursiva e causando uma

quebra no relato da diretora. Pode-se observar que tal intervenção não propicia o

desenvolvimento na nossa interação e a exclamação da diretora em VAL10 (Ah, tá!!)

sugere que não era o que minha interlocutora esperava.

No turno ELV9 faço um comentário de retomada, recuperando experiências já

vividas “Eu vi duas, duas... duas interações, né, que foi a... Conselho e a reunião de

professores,... além das nossas conversas...”, o que pode indicar que percebi minha

inadequação e que procuro voltar a um ponto anterior para estabelecer uma situação

mais confortável. Mas sou interrompida por Valéria, que, no turno VAL12, faz uma

introdução (“um pouco preocupada de estar fazendo dos... meios os objetivos’ –

sugerindo que ela também tem conhecimento da teoria – para, finalmente, responder a

minha pergunta, com uma negação e com a indicação de que isso a incomoda: “Então

não consegui fazer isso ainda. To preocupada com isso”. Porém, novamente, eu não

investigo e não aprofundo as razões de sua preocupação.

O excerto abaixo mostra como se deu a continuidade da discussão.

136

Recorte 36 (27 de abril de 2007) ELV11: Mas você tem em mente quais são os objetivos do..PPP?

VAL13: Então,.... também tem isso, né? (...) É... eu lendo, o que eu sei..é(..)mas eu ainda acho que a gente vai ter que sentar pra ver, é é definir o PPP direitinho. Isso nós não conseguimos fazer..

ELV12: Vocês na nesta questão..não estão conseguindo sentar?

VAL14: Então, a semana passada nós conseguimos sentar, (..), nós três,eu, ela((a coordenadora pedagógica)) e a Cleonice e acabamos falando inclusive só da questão da demanda(...) Então o que nós sentamos pra fazer, priorizar o que a gente ia gastar mesmo, né? Como que a gente ia fazer isso, aí a semana passada eu e a Cleonice saímos um dia, essa semana a Áurea também saiu e nós compramos muitaaaaas coisas. Você precisa ver nossa brinquedoteca como está. Tá lindona!(resposta é desenvolvimento

No turno ELV11 faço outra pergunta indutiva, que obtém, como resposta,

outra negativa (VAL 13) Isso nós não conseguimos fazer. Contrariamente a todos os

pressupostos da PCCol, insisto na investigação sobre o PPP e na articulação da equipe,

como mostra o excerto abaixo:

Recorte 37 (27 de abril) ELV14: Agora, vocês já tiveram alguma discussão...[.Falam juntas]

VAL17: Nããoo.

ELV15: .em cima... quais são os objetivos dessa escola

VAL18: Pois é, ainda não Elvira, não fizemos, esses.tempos foi..ahhh

ELV16: (#){ então } foi um. período de adaptação, você está entrando nessa unidade agora, vocês estão fazendo uma equipe nova, vocês estão se articulando, tal, tal, tal. Então eu acho que tudo isso tem que ser olhado também

VAL 19: é...

ELV17:... mas assim, essas reformas, que são válidas, importantes... essa atenção que você...está dando para os professores, este seu o seu olhar pedagógico tal, como é que se articula com os objetivos da escola, o que você deseja pra essa escola, quais as necessidades dessa comunidade, como é que esse PPP ta contemplando, como é que essas ações estão articuladas?.

Porque ação Valéria, você está fazendo...

VAL20: É

ELV18:.. O que precisa é talvez mais consciência.... da intencionalidade de cada ação...

VAL21: É. (durante a fala da pesquisadora )

ELV19: e quanto mais...

VAL22: MAS EU TAMBÉM NÃO QUERO FAZER ISSO SOZINHA, ENTENDEU? Eu não quero fazer isso sozinha, então assim, claro que eu fico pensando, nas coisas que eu tenho... mas eu não quero fazer isso sozinha, eu quero fazer junto com elas. Não...quero falar..é chegar pra você e dizer, não, mas eu já defini quais os

137

objetivos, eu tenho alguns objetivos que são pessoais, né? Até profissionais pessoais, entendeu? Mas não é isso que eu quero para unidade. Para unidade eu preciso construir junto com elas.

ELV20: Agora, lembra só qual é que é seu papel.

VAL23: é, eu tenho, eu tenho que estar, assim, eu acho que eu tenho que estar favorecendo os encontros, eu tenho que muitas vezes estar mesmo que intimando algumas coisas, e agora... Durante esse período acho que não foi possível, mas eu tenho que estar articulando essa equipe..

ELV21: Ou talvez você ter um plano pra você. Com as suas ações pra essa articulação. Não sei.....

VAL24: Ta certo. Certíssima. (silêncio)...

ELV22: deixa eu mostrar uma coisa para você

Nota-se, também, um excesso de perguntas em ELV17 “como é que se articula

com os objetivos da escola, o que você deseja pra essa escola, quais as necessidades

dessa comunidade, como é que esse PPP tá contemplando, como é que essas ações

estão articuladas?”. Embora sejam perguntas classificadas nesta pesquisa como

perguntas abertas, e que pedem mais evidências ou justificativas, a forma como as

utilizo sugere que não espero resposta para elas e que estou interessada em veicular um

ponto de vista. Tal ação de minha parte dificulta que a diretora responda. Há também

indícios de que o uso do VOCÊ , no meu discurso, acentua a responsabilidade exclusiva

da diretora na organização da equipe na discussão do projeto, o que acaba provocando

uma situação tensa, expressa pelo conteúdo e pelo tom (volume, indicado em caixa alta

no turno VAL22)

Apesar de tentar modalizar, nos turnos ELV16 e ELV17, a continuidade da

discussão parece indicar que o que eu realmente considerava importante era reintroduzir

o tema planejamento. Como já apontei, minha visão era de que o Projeto Político

Pedagógico constitui-se no documento primordial na escola para organizar as ações.

Minha insistência nesse tópico revela também que um sentido inicial que eu atribuía ao

meu próprio papel era o de apontar as contradições entre intenções e ações e parece que

é esse o sentido que me guia no turno ELV20: Agora, lembra só qual é que é seu papel!

Porém, utilizo uma forma imperativa, sem modalização e deixo de “escutar” o

que a própria diretora estava colocando em relação ao contexto que ela enfrentava.

Nesse sentido, minha ação é contrária às intenções de criar um contexto colaborativo,

não favorecendo a criação de um espaço de discussão capaz de promover um conflito

cognitivo. Se, no turno 23, há indícios de que a diretora admite seu papel como

138

articuladora da equipe (“é, eu tenho, eu tenho que estar, assim, eu acho que eu tenho

que estar favorecendo os encontros, eu tenho que muitas vezes estar mesmo que

intimando algumas coisas, e agora (...)”, no entanto, a modalização deôntica negritada

sugere que isto ainda se configura como um determinante externo. Sugere que, no caso,

isto se deu pela própria condução da entrevista por mim.

Os dados apresentados sugerem que a forma como conduzi esta parte da reunião não possibilitou às participantes, incluindo a mim própria, refletir e “entender as necessidades e sobre os sentidos que atribuem a estas necessidades” (MAGALHÃES, 1998, 2006). Nesta direção, não houve uma negociação de agendas e o que se estabeleceu foi um conflito entre nossas perspectivas para analisar a situação. Este conflito revela contradições mais amplas, ligadas aos contextos sociais de que participávamos, bem como as aprendizagens que estávamos desenvolvendo ao desempenhar nossos papéis. Como já discutido, as contradições e conflitos no desenrolar de uma atividade podem se constituir num fator que levará ao desenvolvimento e às transformações, na medida em que os envolvidos estarão negociando pontos de vista e buscando novas compreensões das discussões em foco. A pesquisa crítica de colaboração é uma pesquisa produzida com as pessoas e, como aponta John-Steiner (2000, p. 82) – envolve “intensidade emocional” e uma “bastante desconfortável zona de ação”, que precisa da atenção dos pesquisadores ao lidar com essas questões (MAGALHÃES, 2009p). Assim. a forma que encontrei para encaminhar o conflito foi com a exposição de uma teoria, como veremos a seguir:

Recorte 38 (27 de abril de 2007) ELV21: Ou talvez você ter um plano pra você. Com as suas ações pra essa articulação. Não

sei...

VAL24: Ta certo. Certíssima. (silêncio)...

ELV22: deixa eu mostrar uma coisa para você

ELV23: (# ) até aqui... Toda vez que a gente está trabalhando com gestão, a gente trabalha com esses 4 pontos, se você tentar fazer a figura (...) ela representa a essência mesmo da sua gestão porque, veja: Você tem que lidar com pessoas, com recursos, o seu serviço que você está desenvolvendo e com a sociedade que demanda esse serviço, precisa disso. Você tem que estar de olho o tempo inteiro nesses 4 pontos. Você concorda? Essa figura é um continuum, se você for fazer... ela é difícil, o equilíbrio é precário...

VAL26: O ái... naquele meinho?.

ELV24: Esse meinho,.....este meinho aqui numa outra tela... estaria, o comando estratégico. Aquilo que vai fazer todos esse cantos ficarem equilibrados. Seria aqui no miolinho o coração da gestão (..).

VAL27: que articula os quatro.

139

O excerto acima sugere minha nova tentativa de introduzir uma teoria em nossa

discussão, mas procurando evitar abordar diretamente o PPP e buscando outro suporte

para a discussão. Pode-se observar, também, a minha insistência na elaboração de um

plano e na tentativa de articular as demandas que a diretora estava relatando com uma

visão mais ampla. O excerto também sugere um sentido que eu tinha construído para a

articulação teoria e prática: trazer “teorias para iluminar as questões em jogo”.

No entanto, com tal atitude eu não possibilitei que o conflito fosse enfocado e

trabalhado, uma vez que para que isso aconteça é necessário que sejam reconhecidas e

questionadas contradições entre o objeto da atividade, instrumentos, ações dos

participantes, regras que embasam as relações e a qualidade da divisão do trabalho, o

que não se deu naquele momento (ENGESTRÖM , 1999, MAGALHÃES, 2009p).

Neste exemplo houve ação e reação, embora não colaborativamente. No entanto,

isto não significa que não houve produção de significados. Na medida em que “sou o

outro para mim mesmo”, ao ouvir a fita e ler a transcrição desta reunião, percebo que o

que a caracterizou foram perguntas fechadas, indutivas ou sugestão de ação, revelando

que eu não negociava mas impunha pontos de vista e nesta direção assumia uma postura

autoritária. Assim, na reflexão sobre esse encontro, observei que não estávamos ainda

trabalhando sobre o mesmo objeto. Para Valéria, a preocupação era organizar a escola

enquanto que para mim, era discutir o PPP.

Também se observa, na seleção apresentada, que a forma como interajo com ela

neste primeiro momento se realiza por meio de perguntas indutivas, sugestão de ação e

comentários. Embora este tipo de intervenção de minha parte possa ter proporcionado

oportunidade de expansão em recolocações em alguns momentos, por outro lado, parece

indicar que naquele momento eu, ainda estava em processo de me apoderar dos

pressupostos da PCCol. Ainda apresento uma visão tradicional da divisão de papéis na

atividade, em que o pesquisador pergunta, ou dá sugestões, e ao participante cabe seguir

ou contestar. Assim, já com base na Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural, que

supõe a compreensão das necessidades dos participantes, o entendimento de seus

motivos em agir, a construção coletiva do objeto da atividade em investigação, do

porquê das escolhas feitas, das regras que organizam os contextos específicos em foco,

dos papéis dos participantes na divisão de trabalho, e com base nas diversas vozes

presentes em todos os outros enunciados bem como nas oportunidades que tive de

observar a complexidade da dinâmica da escola, entendo que para intervir è preciso

140

conhecer. Como discutido por Bakhtin (1929-1930/2006: 137), “compreender a

enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela”. Assim faço uma reflexão

sobre o meu papel na atividade, o que possibilitou uma tomada de consciência de minha

parte. É o que sugere o trecho abaixo, extraído da reunião de 22 de maio de 2007, no

intervalo entre uma e outra reunião de pais com professores, para a qual eu havia sido

convidada. Naquele momento a diretora me relata que havia conversado em reunião

com a equipe (CP e Assistente) sobre a minha presença na escola naquela data. E é a

diretora quem introduz o tema “Projeto Pedagógico”

Recorte 39 (22 de maio de 2007) VAL28: (..) Então outra coisa que eu passei na reunião foi sobre a sua presença que

você viria hoje sexta-feira, que era sua previsão, a questão do PPP, que nós vamos ter uma reunião pedagógica agora no dia 28 de junho e que eu queria já tá encaminhando alguma coisa com relação a PPP.

ELV28: Em relação a PPP, Valéria, a gente até já conversou da outra vez, as três declaram que desejam uma escola melhor, uma qualidade de escola, um trabalho em equipe, se... uma possibilidade era que o PPP mediasse o que você está entendendo por uma qualidade(..), talvez o PPP pudesse representar, por isso que eu tenho insistido mas não é uma camisa de força.

Observa-se no excerto acima, no turno VAL28, a declaração “Então outra coisa

que eu passei na reunião foi sobre a sua presença que você viria hoje sexta-feira, que

era sua previsão, a questão do PPP”. Nota-se o jogo que se estabelece entre os

pronomes eu, você e pronome possessivo “sua” presença e “sua” previsão. Se, por um

lado, o relato sugere que a diretora também pensou sobre o que conversamos na reunião

de 27 de abril, e por este motivo introduz o tema PPP, por outro lado é a mim que, nesse

primeiro momento, ela atribui a preocupação com a discussão do PPP.

Na sequência (ELV28), eu começo meu turno fazendo um comentário de

retomada para recuperar o que as participantes já haviam declarado “em relação ao

PPP Valéria, a gente já conversou uma vez”. Tal comentário marcado pelo dêitico “a

gente” sugere uma tentativa minha de incluir todas nós na preocupação. Nota-se,

também, que para isso utilizo uma fala modalizada, marcada pelo talvez, me referindo

ao PPP como uma possibilidade, e justificando minha insistência com outro talvez

“talvez o PPP pudesse representar”. Tal comentário gera um desenvolvimento em

nossa interação, como observamos no recorte abaixo.

141

Recorte 40 (22 de maio de 2007) VAL29: Elvira uma das coisas que a gente está atrás e falhando que é a questão do PPP.(..).

mas não tirando a responsabilidade, é tanta coisa que vem na cabeça da gente pra fazer e a gente acaba meio fazendo conforme é possível mesmo, por isso que a gente fala que não dá conta do que a gente tem que fazer, nós não estamos dando conta mesmo, e a gente sente essa angústia aqui dentro que não tá dando conta de tudo isso que precisa fazer.

ELV30: Vocês têm assim daqui até o final de junho quantos encontros com os pais, quantos com os professores, tem uma noção de todo o trabalho que vai demandar com (..) ... você fez um mapa mesmo de tudo e o que cada um desses eventos vai exigir de preparação?

VAL30: Não, eu tenho quais os exemplos, então por exemplo, que nem hoje eu estou falando na reunião de pais olha no dia 16, dia 16 nós vamos ter um encontro com vocês, que uma coisa que a gente precisa elaborar mais, que ta aí, tá batendo na porta e aí a gente vai ter encontro com esses pais nós temos que ter uma.. temos uma proposta de trabalho. Tenho conversado com os pais do Conselho, pais da APM que a gente quer sugestões de assuntos de interesse deles, mais ainda não tivemos nenhum retorno. Nós temos isso, temos a festa junina, temos reunião, nós temos mesmo, agora o que fazer em cada item ainda eu não elenquei e não me organizei pra isso.

Observa-se, no turno VAL29 (“Uma coisa que a gente está falhando é a questão

do PPP”), marcada pelo verbo “falhando”, a preocupação da diretora em relação ao

PPP. Em seguida, Valéria parece se justificar relatando as dificuldades que vem

enfrentando naquele momento da organização da escola (“mas não tirando a

responsabilidade, é tanta coisa que vem na cabeça da gente pra fazer (...) por isso que

a gente fala que não dá conta do que a gente tem que fazer, nós não estamos dando

conta mesmo, e a gente sente essa angústia aqui dentro que não tá dando conta de

tudo isso que precisa fazer”. Observa-se que o substantivo “angústia” caracteriza uma

situação que parece ser permanente e tem uma força na asserção da diretora, reforçada

pela expressão “aqui dentro”.

Talvez por este motivo, na sequência, utilizo uma pergunta fechada, mas que

já aponta para uma ação concreta, o que sugere que eu tenha percebido que naquele

momento as necessidades de Valéria eram diferentes das minhas e reconheço que ela

estava tendo dificuldade em estabelecer prioridades em relação às várias necessidades

constatadas. Esta mudança em minha postura durante a interação sugere que levo em

conta o princípio da alteridade, discutido por Ninin (2006a) e procuro colocar-me no

lugar da diretora. Ao reconhecer sua “angústia”, procuro uma outra forma de colaborar

com ela, por meio de sugestões. Também não pude deixar de refletir a sobre a

142

responsabilidade que eu possa ter sobre este conflito expresso por ela, o que novamente

me faz rever minha postura e a qualidade de minhas intervenções.

Neste sentido, todas as interações que desenvolvemos, bem como as

oportunidades que tive de observar o cotidiano da escola e a análise de minhas

intervenções me fazem repensar os objetivos da pesquisa e de minhas ações de pesquisa.

Como já discutido no capítulo teórico metodológico, uma pesquisa crítica se preocupa

“não apenas em entender e descrever o mundo da prática, mas em mudá-lo”

(KINCHELOE, 1997: 188).

A discussão dos resultados da seleção apresentada sugere também que durante

as reuniões houve oportunidade para expansões do que estava sendo discutido como

indicam os turnos elaborados e o avanço na fala do outro, expansões essas que

permitiram um maior conhecimento tanto das exigências do papel do diretor quanto das

necessidades específicas do contexto de ação. Indica também que, se nesse primeiro

momento, Valéria sentia-se sobrecarregada com as várias demandas que deveria

encaminhar e que não conseguia se organizar para resolvê-las, o mesmo se dava

comigo. Entrando em contato com uma realidade muito diversa da que eu já havia

enfrentado e ainda me apoderando dos pressupostos que orientam a pesquisa crítica de

colaboração, apresento dificuldades em focalizar e identificar as necessidades da

diretora e em fazer questionamentos que encaminhem a discussão para além da

discussão prática e da constatação de situações repetidamente expostas. Isso se revela

por intervenções ora muito incisivas, oferecendo sugestões, marcadas no meu discurso

pelo uso de muitas modalizações, perguntas indutivas, perguntas que acentuam ‘o

como” e o “o quê”, classificadas nesta pesquisa como perguntas que pedem mais

evidências, em detrimento do “porquê” e do “para quê”. No entanto, todos esses

desacertos geraram aprendizagens que permitiram a reorganização da ação. O excerto

abaixo marca um momento em que iniciamos uma negociação explícita de nossos

papéis na pesquisa, enquanto procuramos encontrar um objeto que satisfaça as

necessidades de ambas.

O excerto abaixo foi retirado da reunião de 21 de setembro de 2007 e revela um

momento em que estávamos avaliando nossas ações, tanto as de pesquisa como as que a

diretora tinha desenvolvido na escola. Como este excerto já foi discutido na outra seção,

o objetivo de trazê-lo aqui é apenas focalizar o momento da negociação de agendas:

143

Recorte 41 (21 de setembro de 2007) ELV58: Por que na verdade eu tava, insistindo, insistindo no projeto político pedagógico aí

você tem apontado as questões da rotina e do cotidiano, que de alguma maneira tem impedido isso. Então, a minha pergunta é assim, desse tempo que você viveu(..),o, o que você sente de necessidade?

VAL58: Eu acho que o projeto pedagógico é muito importante, porque o projeto que está no papel não condiz com o projeto que é realizado na prática aqui, eu acho que a gente precisa regularizar isso, é também o momento de nós sentarmos com os professores pra rever algumas coisas, mas eu sinto que as coisas estão caminhando. O que ta faltando, ta faltando a gente esquematizar isso, por no papel e mandar pra frente

ELV59: Você toparia que eu mandasse algumas perguntas por e-mail pra você me responder e devolver?

VAL59: Pode mandar. Eu quero que você me ajude a organizar um plano

ELV60: ta bom, combinado. Eu queria fazer umas perguntas agora só pra fechar.(..), Quando eu estive ausente esse tempo, você falou, “ah, nós estamos sentindo falta das suas intervenções”. Em que sentido você acha que elas ajudaram ou não ajudaram. (..)

VAL60: Olha, algumas vezes, você perguntou “ você já pos isso no papel”?, Algumas sugestões que às vezes você me dá, as sugestões de leitura, porque eu esse ano foi zero em termos de estudo né, eu sinto muita falta disso, sugestões de formas de encaminhamento, “ olha, e se você fizesse dessa forma tal”, eu acho isso importante, porque é um outro olhar, você não está no meio do furacão, você está aqui dentro quando você vem, mas você não está no meio do furacão, não tem esse envolvimento que a gente tem, é diferente a sua posição, então essas sugestões eu acho que são importantes, esse olhar diferenciado

Observa-se que termino o meu turno (ELV58) com uma pergunta que pede mais

evidências sobre as reais necessidades da diretora “o que você sente ainda de

necessidade?”. Tal colocação faz evoluir nossa interação e a diretora reafirma que o

projeto pedagógico é muito importante, mas que “está faltando é esquematizar e pôr no

papel”. No turno ELV60, utilizo tal declaração para fazer avançar nossa discussão, por

meio de uma pergunta fechada e induzir a uma proposta concreta “Você toparia que eu

mandasse algumas perguntas por e-mail”? Esta pergunta sugere que eu estou fazendo

uma tentativa de “combinar a agenda de forma conjunta”, característica da PCCol. Tal

proposta é aceita pela diretora imediatamente, como sugere o verbo no presente “eu

quero que você me ajude a elaborar um plano”, no turno VAL59.

Na sequência (ELV60), minha pergunta pede mais evidências “em que medida

estas intervenções colaboraram?” e indica que eu também queria mais elementos para

orientar a minha ação futura, ou seja, procurava encontrar caminhos para uma ação

conjunta e uma maneira de compartilhar e expandir nossos próprios entendimentos em

busca de garantir um empreendimento colaborativo (JOHN-STEINER, 2000). Fazia,

144

pois, uma tentativa de agir com responsividade, possibilitando que diferentes visões e

necessidades fossem explicitadas (NININ, 2006a). Valéria, ao respondê-la, me dá

elementos que resumem como ela via minhas intervenções: sugestões e formas de

encaminhamento. Observa-se a declaração no turno “eu acho isso importante, porque

é um outro olhar” completadas com a declaração final “esse olhar diferenciado”,

apontam para o papel do pesquisadora como o outro (BAKHTIN, 1929-30/2006;

VYGOTSKY, 1925/2004).

Nesse momento, parece que negociamos novos papéis na atividade e que há um

compartilhamento do objeto da atividade, na medida em que diferentes necessidades

foram contempladas. A partir daí há uma mudança no padrão de colaboração que se

estabelece. Reconheço também, nessa oportunidade, a necessidade de uma mediação

explícita, já discutida na seção anterior. É o que mostra o excerto abaixo, extraído da

reunião de 9 de janeiro de 2008, em que apresento a “Tabela de Ações” como resposta à

solicitação da diretora para colaborar com ela. Como já explicitado, essa tabela tinha

como objetivo orientar nossas reflexões futuras. O exemplo mostra um momento no

meio de nossa reunião em que discutimos a tabela que já tínhamos em mãos e que,

como se pode verificar, foi bastante bem aceita por Valéria.

Recorte 42 (9 de janeiro de 2008)

ELV16: minha sugestão é que você comece por esta... eu vou mandar esta tabela por e-mail, porque aí você vai escrevendo e vai abrindo

VAL16: Então amanhã talvez eu consiga fazer isto..eu gostei desta planilha

ELV17: Eu fiz esta planilha também com o foco nas quatro áreas pra você avaliar o ano.. a gente pensar, podemos mudar... por exemplo...

VAL17: ta. Nas quatro áreas

ELV18: isto: eu fui pegando o que você falou... que você pediu....Foco na participação dos pais

Val 18 Hum hum

Pais professores e alunos (juntas)

ELV19: “Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que a equipe possa participar efetivamente”Qual é o tipo de participação esperada”.

VAL 23 Eu acho que eu posso pensar assim.. se eu colocar no papel uma ação... uma ação para cada segmento...para mim já é lucro... uma ação e eu mais ou menos vendo.. eu já tenho uma idéia.. eu vou sentar. vou pegar estas planilhas direitinho... vou mudar.

Após minha sugestão explicitada (ELV16), que aponta para uma ação concreta

(“eu vou mandar esta tabela por e-mail, porque aí você vai escrevendo e vai

145

abrindo”), a diretora emite sua avaliação positiva, VAL16:” eu gostei da tabela”,

sinalizando que posso continuar a explicação do artefato. No turno ELV:17 “Eu fiz esta

planilha também com o foco nas quatro áreas pra você avaliar o ano.. a gente pensar,

podemos mudar... por exemplo”, observa-se que o jogo entre “eu fiz” e “para você avaliar

o ano, podemos mudar” sugere uma nova divisão de papéis na atividade. Na

continuidade da discussão (turno ELV18: isto: eu fui pegando o que você falou.. que

você pediu....Foco na participação dos pais), eu procuro explicitar os critérios em que

me pautei para construir a tabela.

Tudo isso parece colaborar para a interpretação de que, naquele momento,

estávamos realmente nos engajando numa atuação conjunta, crucial para alcançar novas

compreensões num empreendimento colaborativo (JOHN-STEINER, 2000). O

engajamento da diretora na proposta está marcado pela sobreposição de fala “pais,

professores e alunos” (KERBRAT–ORECCHIONI, 2006) que, no caso, indica

também, como aponta Pontecorvo (2006), a complementação da asserção, que sugere

um raciocínio compartilhado, em que a atividade “é alcançada pela negociação, pela

orquestração, pela luta constante entre as diferentes metas e perspectivas de seus

participantes” (ENGESTRÖM, 1999).

O exemplo acima sugere um momento de colaboração intencional na nossa

relação (VYGOTSKY, 1926/2001) e é significativo da mudança de padrão interacional.

Sugere que a partir daí é possível outro tipo de aprendizagem, não mais baseada num

modelo tradicional, mas embasado numa perspectiva histórico-dialética, considerando

tanto a história daquela atividade como as nossas diferentes perspectivas, o que

possibilita outra qualidade de aprendizagem e desenvolvimento para ambas. O

conhecimento da realidade e das necessidades do contexto específico também se refletiu

na mudança do padrão de minhas intervenções e minhas perguntas.

O excerto abaixo é extraído do final da reunião de 22 de fevereiro de 2008,

quando, como já apontei, trabalhávamos com o “Jogo de Papéis”. Focalizarei agora

apenas o encadeamento das minhas perguntas e como este encadeamento sugere a

possibilidade da reflexão se aprofundar e novamente indica uma mudança de papéis na

atividade:

146

Recorte 44 (22 de fevereiro de 2008) ELV175: Então, vamos pra frente, nesse caso. Na verdade Valéria a gente meio que

retomou todas as áreas em que você trabalha. Você concorda? E comparamos com o que você tinha que fazer. Que conclusão você tira disso?

VAL197: Eu faço quase tudo. Tudo que é da minha competência eu faço e tem que melhorar algumas coisas. Tem algumas coisas que são mais importantes. E eu acabo dando... Não que eu dou prioridade, mas eu acabo direcionando mais tempo com aquilo que é mais cotidiano e diminuindo o tempo com aquilo que eu acho mais importante.”

ELV176: Tá. Dos três exercícios que a gente fez, só pra sintetizar, quais são as áreas onde, agora, você quer investir, pegando os três(exercícios ) Nós fizemos três exercícios, certo? Quais as áreas agora onde você vai (#...)

VAL198: Elvira, se eu conseguir me planejar melhor talvez eu consiga diminuir o tempo que eu gasto com essas coisas aqui((administrativo cotidiano)). Não é.. isso aqui faz parte das minhas atribuições, e é também porque isso aqui a gente tem um pressão em cima, direto pra estar fazendo, não é? Talvez por isso que eu fique muito tempo nisso. Então, eu preciso me organizar mais, melhor

ELV177: Essa organização envolve o que que prioridades que já tinham sido discutidas? Quais? Tem aqui(pilha de excertos) e os que você mesma fez(lista de ações da semana)).

VAL199: É isso mesmo. Eu preciso me planejar, dividir melhor o trabalho pra eu conseguir dar conta de acompanhar melhor essa parte pedagógica. Eu acho que é uma coisa que falta. A parte pedagógica. Melhorar a comunicação da escola e, eu acho que inclusive através dessa comunicação eu vou conseguir chegar mais próximo da minha comunidade, que eu não estou conseguindo chegar.

No excerto acima (turno 175), inicio fazendo um comentário de retomada das

tarefas realizadas durante o encontro e finalizo com uma pergunta que pede uma síntese

“Que conclusão você tira disso?” Observa-se neste turno, novamente, o jogo que se

estabelece entre o “a gente retomou” e “que conclusão você tira disso?”. Isto sugere

também uma modificação na minha postura, pois não pretendo mais induzir, ou mesmo,

sugerir alguma ação específica.

No turno 197, Valéria inicia uma avaliação da forma como tem conduzido suas

atribuições, mas repetindo uma avaliação já expressa. Em seguida (ELV176), reformulo

a pergunta, pedindo mais evidências sobre em que áreas ela vai investir, o que sugere

que procuro colaborar para o avanço da reflexão e a focalização de uma ação concreta.

Novamente há um desenvolvimento na reflexão: a diretora inclui novos elementos e

pondera sobre a necessidade de planejamento, avaliando a sua realidade concreta “isso

aqui faz parte das minhas atribuições, e é também porque isso aqui a gente tem um

pressão em cima, direto pra estar fazendo, não é?” E conclui: “eu preciso me

organizar, mais e melhor”.

147

Os exemplos acima discutidos foram selecionados para exemplificar momentos

em que há uma mudança no padrão interacional. Apoiada no quadro teórico da TASCH,

entendo que estes momentos não foram estanques. Ao longo da pesquisa, o

compartilhamento de significados me possibilitou conhecer mais a realidade e formular

questões que favorecessem a reflexão, gerando a possibilidade de aprendizagem e

desenvolvimento. Neste sentido, minhas intervenções foram se tornando mais

“exigentes” (PONTECORVO, 2006), o que favoreceu o aprofundamento das

compreensões, dos pensamentos e das avaliações sobre o que estava em discussão; a

emergência de diferentes pontos de vista, além de oportunizar a aprendizagem para

ambas (BROOKFIELD & PRESKILL, 2005). Por outro lado, foram também mais

colaborativas, sugerindo que durante a pesquisa eu fui aprendendo a perguntar, como

mostra o excerto abaixo.

Recorte 45 (16 de junho de 2008) VAL25: É. Então, eu coloquei aí nas suas perguntas, nas suas respostas. Uma das minhas

preocupações de agora é colocar em prática tudo aquilo que eu tinha planejado.

ELV26: E o que você já colocou então em prática?

VAL26: Olha, eu acho que a elaboração do PPP. Eu tenho tentado estar mais próxima aos professores no trabalho diário(...)Não é presente, porque presente eu estou diariamente. (..) O planejamento foi uma coisa legal, eu acho que me deu mais propriedade para estar conversando com eles sobre as ações do dia-a-dia. A gente tem tentado organizar melhor a secretaria, apesar de não ter nenhum funcionário. E eu espero assim, que o conselho e a APM, a gente consiga ainda fazer, esse ano, com que eles se sintam parte da escola, co-responsáveis pelo andamento da escola. E eu vou pensar no que fazer.

ELV27: E por que fazer?

VAL27: O porquê pra mim é bem claro, a gente tem como princípio uma gestão bem democrática.

ELV28: Mas o que é uma gestão democrática?

VAL28: Democracia pra mim tá bem ali a questão da participação mesmo. Não a participação (...), a participação apropriada, aquilo que eu sinto como meu e que eu estou lá dentro. Se eu não estou lá diariamente, aquilo que eu imagino está sendo feito porque eu interferi lá. Isso pra mim é o ideal. Inclusive essa participação em termos de cobrança. Por exemplo, não tem professor hoje, cadê o funcionário da secretaria? A comunidade podia ajudar bastante a gente nesse sentido. Porque essas coisas influenciam o trabalho final lá com as crianças. Mas a gente ainda não chegou nesse ponto.

Assim, no turno ElV25, minha pergunta, que pede mais evidências (“o que você

já colocou em prática?) possibilita o aprofundamento da reflexão da diretora no turno

seguinte. A seguir, faço uma pergunta que pede por explicação ou justificativa

(ELV27). Novamente há um desenvolvimento na interação e Valéria responde trazendo

148

um outro conceito – “gestão democrática” – que merece ser investigado. Em seguida,

peço mais esclarecimentos sobre o que é “gestão democrática”, o que novamente gera

uma expansão.

Embora eu reconheça que muitas questões ainda merecem um aprofundamento,

a análise dos dados sugere que a colaboração de longo tempo (JOHN-STEINER, 2000)

permitiu que eu conhecesse mais a realidade, o que possibilitou que minhas

intervenções fossem se modificando, como mostro a seguir, no excerto que se refere à

reunião de 16 de junho de 2008, em que estávamos fazendo uma avaliação da pesquisa.

Recorte 46 (16 de junho de 2008) ELV1: Bom Valéria, você escreveu aqui que em 2007 você estava conhecendo essa

unidade(..). Começou a planejar as ações, participou do planejamento das unidades, colaborou na elaboração do PP, colaborou no encaminhamento do (...) e na ação do conselho da APM. Eu queria que você falasse um pouco de cada uma dessas ações.

VAL2: Então, o ano passado quando eu cheguei aqui era complicado eu me planejar porque eu ainda não conhecia a escola direito, né. (..)Então, eu tinha que primeiro conhecer a realidade, foi mais ou menos isso que a gente foi fazendo o ano passado(..) Agora, esse ano mudou, por quê? Porque eu consegui saber qual era a realidade onde eu estava e planejar.Então, eu acho que, por exemplo, nesse sentido a pesquisa me ajudou bastante.

O excerto se inicia com o meu pedido para que ela fale sobre as ações que

desenvolveu em 2007. Motivada pela minha pergunta, a resposta de Valéria (turno

VAL2) sugere que, durante a atividade, as interações que desenvolvemos

proporcionaram possibilidades de aprendizagens mútuas, as quais possibilitaram a

construção de um objeto compartilhado. Materializada nos artefatos produzidos, a

mediação possibilitou a articulação entre intenções e ações tanto da pesquisadora,

quanto da diretora, o que provocou um avanço na atividade Formação de Diretor. Esta

interpretação pode ser corroborada, primeiramente, pela declaração “Então, eu tinha

que primeiro conhecer a realidade, foi mais ou menos isso que a gente foi fazendo o

ano passado” em que o dêitico “a gente” sugere que este foi um empreendimento

conjunto (JOHN-STEINER, 2000) e também pela constatação “Agora, esse ano

mudou, por quê? Porque eu consegui saber qual era a realidade onde eu estava e

planejar”(...). nesse sentido a pesquisa me ajudou bastante”.

Esse padrão colaborativo pode ser também observado no excerto a seguir:

149

Recorte 47 (16 de junho de 2008) ELV3: Por quê? Como te ajudou?

VAL3: Então, é assim, a gente sabe o que tem que fazer, sempre. Não é que a gente não sabe, a gente sabe o que tem que fazer. Mas, às vezes, a gente vai se atropelando pelo cotidiano do dia-a-dia, pelo que a gente tem que fazer de mais urgente. O que tem que fazer, tem que ser feito, o que tem que ser entregue e a gente acaba deixando outras coisas de lado.

ELV4: E nesse sentido, nessa diferença que você está apontando, como que a pesquisa ti ajudou?

VAL4: Então, por exemplo, no começo desse ano você chegou e me deu lá umas questões, e a gente... Foi um momento que mesmo dentro da correria, foi um momento de eu pensar no que eu já tinha feito e o que eu achava que era necessário eu fazer ainda. Você me ajudou com algumas perguntas e até mesmo aquela tabelinha que você me deu pra fazer. Me ajudou bastante.

ELV5: Ajudou no quê? (05’06)

VAL5: Pra eu organizar minha reflexão sobre o planejamento.(..). E aquelas reflexões que a gente fez também. Eu lembro dos papeizinhos, as ações, tal, pra gente pensar no que foi feito no ano anterior e o que estava faltando. E nós observamos que o ano de 2007 foi um ano basicamente voltado para essa questão mais administrativa. E eu estava falhando muito no acompanhamento pedagógico. Então, esse ano eu tenho esse foco maior no pedagógico(...)..

No turno ELV3, faço uma pergunta que solicita uma explicação “Por quê?,

Como?”, a que a diretora responde com uma avaliação positiva, mas que não responde

totalmente a questão. Buscando fazer avançar a reflexão, no turno ELV4 reformulo a

pergunta e peço mais esclarecimentos sobre como a pesquisa colaborou. Observe-se, na

resposta de Valéria (turno VAL4), o jogo entre “a gente”, “você” e “eu”, que revela

uma divisão de papéis mais igualitária, como podemos observar pela colocação

pronominal na declaração a seguir “Foi um momento que mesmo dentro da correria, foi

um momento de eu pensar no que eu já tinha feito e o que eu achava que era

necessário eu fazer ainda”. Valéria revela, em seu discurso, o processo de

internalização/externalização, tal como discutido por Vygotsky, na medida em que se

pode observar, no mesmo turno, a referência às “perguntas” e à “tabela”. Sua

avaliação aponta para a linguagem como instrumento de mediação na discussão, bem

como artefato organizador na resolução dos conflitos. Sugere, pois, que a ação mediada

por instrumentos possibilitou a reflexão dos participantes sobre suas ações, criando ZPD

como instrumento-e-resultado no compartilhamento dos significados, o que moveu o

objeto da atividade no sistema e transformou-o em produto, em resultado

(MAGALHÃES, 2009p).

150

Pode-se, inclusive, compreender que todo esse movimento foi resultado da

mediação mútua, que possibilitou que, dialeticamente, relacionássemos nossos sentidos

pessoais (individuais) que trouxéssemos para a interação com o nível coletivo – os

significados compartilhados nas interações. É nesta direção que aponto que as

participantes produzem conhecimento por meio do compartilhamento de sentidos e

significados em mediações sociais, que são “pré-requisito” (instrumento) e “produto”

(desenvolvimento) (MAGALHÃES, 2009p). Defendo, novamente, o uso de artefatos. A

“Tabela de Ações” e o “Jogo de Papéis” foram produtos do compartilhamento, mas

possibilitaram, cada um a seu modo, transformações refletidas, ou seja, reorganização

das estruturas mentais a partir das (novas) informações compartilhadas e das relações

que se estabelecem com os conhecimentos já existentes no indivíduo.

Como discutido por Vygotsky (1930/2004), por meio dos processos de

internalização e externalização o indivíduo transforma e impulsiona novas formas de

ação que produzem outras ações e, assim, sucessivamente. Uma vez interiorizadas,

essas funções superiores se transformam em “ferramentas mentais” que regulam a

atividade do sujeito e possibilitam ao indivíduo atuar sobre o ambiente de forma

controlada, organizada e voluntária (VYGOTSKY, 1930/2004, LEONTIEV, D., 2005).

O movimento discursivo da interação caracterizou como um padrão de colaboração

complementar, que envolve compreensão mútua forjada ao longo de um período de

tempo em que nossos enunciados se misturaram JOHN-STEINER (2000). Caracteriza-

se a pela divisão de trabalho baseada no saber complementar, papéis e temperamento

dos participantes, de modo que eles negociam metas e trabalham para um uma visão

comum. Como aponta John-Steiner (2000: 199) participamos de um “o processo de

tomar alguma coisa que pertence a outro e fazê-lo seu”. Essa apropriação mútua

resultou do nosso engajamento sustentado durante o qual escutamos, discordamos e até

lutamos para alcançar os sentidos uma da outra.

Esta seção procurou descrever e discutir o processo de colaboração desenvolvido

por mim e pela diretora durante a pesquisa. Os dados apresentados sugerem que desde o

início as relações apresentavam possibilidade equilibrada de participação. Notou-se, no

entanto, que houve um desenvolvimento na maneira como interagimos durante a

pesquisa. Embora desde o início tenha havido oportunidade para as colocações e

expansões que geraram aprendizagens mútuas, a qualidade dessas expansões também

aumentou, na medida em que se ampliou o conhecimento do contexto, contribuindo

151

para focalizar as necessidades. Neste sentido, cada reunião se constituiu num elo, numa

cadeia de enunciados, que, interagindo com a consciência individual, a partir do social

(BAKHTIN, 1929-30/2006), foi paulatinamente transformando tanto as relações entre

nós como do objeto em foco.

No início da pesquisa, ainda me apoderando dos pressupostos do PCCol, embora

tenha feito perguntas que puderam esclarecer o que estava em discussão, bem como

contribuir para o desenvolvimento da conversação, faço mais comentários e dou

sugestões, apoiada na minha própria experiência profissional. Nesta direção, o poder

sobre a pesquisa estava nas minhas mãos. Observou-se também que, ao responder

minhas perguntas, Valéria permitiu que eu conhecesse mais sobre as suas necessidades,

o que, ao longo da pesquisa, possibilitou perguntas mais específicas. É importante

destacar que as perguntas fechadas ou indutivas, mais frequentes no início da pesquisa,

produziam menos possibilidade para o desenvolvimento de um raciocínio comum.

Outra mudança observada, também, foi a forma de conduzir a pesquisa, quando

passei a considerar as necessidades reais do contexto investigado. Nessa direção

construí artefatos que materializaram significados já compartilhados na interação. Dessa

maneira, no final da pesquisa éramos, ambas, pesquisadoras de nossa ação, na medida

em que fomos construindo juntas tanto os instrumentos como a própria metodologia

desta pesquisa, como já apontado no capítulo metodológico.

153

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já explicitei, dois objetivos me motivaram a buscar este caminho:

conhecer o papel do diretor escolar, elemento articulador fundamental para realizar o

potencial de uma escola verdadeiramente aprendente; e me constituir como uma

pesquisadora. Por reconhecer o valor e o alcance da escola pública no desenvolvimento

de uma sociedade mais igualitária e inclusiva, escolhi realizar a pesquisa nesse contexto,

ainda que desconhecido para mim.

Iniciei este percurso entusiasmada com os pressupostos da Pesquisa Crítica de

Colaboração, mas ainda sob uma perspectiva “idealista”, sem compreender que é na

“práxis” que se constrói e se transforma a realidade. Na minha perspectiva inicial, levar

a experiência acumulada na minha prática profissional para um novo contexto poderia

trazer ganhos para a escola onde a pesquisa se desenvolveria.

Ao me deparar com a complexidade do papel do diretor, especialmente no caso

de uma comunidade periférica e com uma diretora que recém assumia suas funções,

conscientizei-me da responsabilidade do empreendimento a que me propus. Percebi que

necessitava de maior embasamento teórico para conduzir com rigor e seriedade a

pesquisa. Essa constatação gerou um misto de angústia, tensão e conflito. Tais

sentimentos foram ingredientes fundamentais para o aprendizado no planejamento e

implementação do projeto. Durante todo o tempo questionava minhas ações e procurava

reorganizá-las.

Logo que cheguei à EMEI, percebi que não era o momento de trabalhar com a

equipe, pois a diretora acabara de assumir seu cargo efetivo e nosso conhecimento

anterior poderia gerar um desequilíbrio numa equipe que ainda não se conhecia. Além, é

claro, das várias necessidades que a reorganização da escola demandava. Hoje, pelos

mesmos motivos, também me questiono sobre a adequação do momento em que iniciei

a pesquisa, tanto em relação à minha constituição e preparação enquanto pesquisadora

crítica colaborativa, como em relação ao momento da diretora, que havia recém

assumido a escola. Percebo, cada vez mais claramente, a enorme responsabilidade de

desenvolver uma pesquisa que se pauta na intervenção: o quanto é necessário cuidar da

relação com os participantes, bem como aprofundar o entendimento do contexto

específico, para evitar interpretações equivocadas ou superficiais. Além disso, a

154

transparência nos erros e acertos da pesquisa é fundamental. Neste sentido, procurei

dividir com a diretora algumas das minhas dúvidas durante o percurso e, durante o

trajeto, fui abandonando concepções pré-estabelecidas a respeito de pesquisa,

aprendizagem e desenvolvimento.

A atividade de Formação de Diretor, foco da minha investigação, me

possibilitou começar aprender com o outro e em um outro meio com características e

necessidades próprias. Colaborou para que eu própria tomasse consciência das minhas

ações, revisse minhas próprias crenças e valores e o modo de estar no mundo. Assim,

saio desta experiência talvez com uma outra identidade, ainda em construção. E é com

este olhar que analiso agora a própria condução da investigação. A relação colaborativa

que se estabeleceu deste o início, possibilitou a aprendizagem e desenvolvimento.

Porém, agora questiono a concepção de aprendizagem e desenvolvimento que tinha

naquele começo da pesquisa. Constato que, então, as minhas perguntas e intervenções

tinham como objetivo saber mais sobre a realidade, mas também veicular minhas

próprias concepções e interpretações. E vejo também como, em muitos momentos,

procurei impô-las, o que é absolutamente contrário ao que acredito hoje. Esta

constatação tem repercussões na minha prática como formadora.

Minha participante focal, Valéria, era (e é) uma pessoa que constantemente

reflete e procura superar as limitações que o contexto impõe. Aprendi muito com ela,

que abriu a escola para mim, mostrou desconfortos e incertezas, mostrou uma outra e

dura realidade, sem funcionários, com dificuldades de toda ordem, mas com o

compromisso de ir sempre além. Entendo que ela representa muitas diretoras que lutam

diariamente para a melhora contínua da educação neste país.

Acredito que a relação que se estabeleceu entre nós foi uma relação construída,

forjada no respeito mútuo, na negociação dos acertos e desacertos da pesquisa. Esta

relação nos permitiu aprender juntas sobre as tarefas do diretor escolar, em como

articular teoria e prática, bem como a compartilhar as necessidades daquele contexto e a

buscar, conjuntamente, as maneiras de atuar perante as demandas que se apresentavam.

Isto é, fomos ressignificando tanto o papel do diretor como nossos próprios papéis na

Atividade. Construímos, juntas, artefatos que foram significativos para o

desenvolvimento da Atividade Formação de Diretor em serviço, artefatos estes que

foram produto da mediação mútua, resultados de uma produção conjunta. A introdução

desses artefatos, por um lado, sugere como já apontei, que eu havia reorganizado alguns

155

dos sentidos que atribuía ao meu papel. Mas me surpreendi – e muito – com a

repercussão que eles tiveram no desenvolvimento da pesquisa. Quando os estava

elaborando, tinha plena consciência de que eles poderiam me auxiliar na investigação

que desenvolvia, mas somente no processo de utilização é que confirmei a função da

linguagem para a organização do pensamento (Vygotsky) – meu e da diretora.

Interessante foi verificar o quanto eles colaboraram para que Valéria organizasse

a sua própria reflexão em relação às ações que pretendia desenvolver na escola. Sua

reflexão sistematizada ofereceu a possibilidade de uma reorganização das prioridades e

das ações que pretendia encaminhar. Estas transformações se traduzem em seu discurso

no planejamento de suas ações na escola, modificando, em parte, o sentido que atribuía

ao papel do outro (pai, professor, funcionário, etc.), o que sugere que, durante o

percurso, a diretora ressignificou, também, o sentido que atribuía a seu próprio papel na

condução da escola. Quanto a mim, pude verificar a importância dos vários tipos de

mediação e também pude reorganizar os meus próprios sentidos sobre direção escolar e

aprofundar as necessidades e características particulares sobre o processo de formação

de educadores em serviço.

Acredito também que esta pesquisa contribuiu para a compreensão da

complexidade do papel do diretor escolar e da necessidade de aprofundar o

conhecimento do contexto específico de ação sempre que se pretende desenvolver um

trabalho de formação. Aliás, este é um dos pressupostos que orienta este trabalho uma

vez que a PCCol está comprometida com indivíduos específicos em contextos

específicos de atuação.

Assim, acredito que esta pesquisa trouxe contribuições também por se tratar de

uma colaboração de longo prazo. Quanto a mim, esta experiência proporcionou a

oportunidade de aprender a como conduzir uma pesquisa colaborativa e a como

organizar perguntas e intervenções de maneira que esta “organização linguística”

favoreça a reflexão dos envolvidos e abandone um discurso cristalizado assumindo o

compromisso real de transformação na ação. Nesta direção, embora esta pesquisa tenha

me proporcionado desenvolvimento e aprendizagem em trabalhar com o outro,

reconheço que há ainda muito que aprender. Há muito que aprimorar em relação ao meu

aprendizado como pesquisadora. Este é um caminho que apenas se inicia para mim.

Saio desta experiência enriquecida, despida de certezas que trazia, mas

156

acreditando cada vez mais na importância da linguagem para a constituição e mudança

das práticas humanas. Percebo, ao encerrar esta pesquisa que muito ainda precisa ser

estudado e investigado tanto em relação ao papel do diretor como articulador da equipe,

quanto em relação os cursos de formação para esses profissionais. Também tenho

convicção de que estas páginas revelam apenas momentos e alguns aspectos das tarefas

do diretor. Fiz questão de acentuar as várias áreas de atuação desse profissional e

mostrar como cada uma delas exige aprendizagens específicas, seja na relação

interpessoal para atingir a liderança com sua equipe, seja nos aspectos específicos

administrativos burocráticos que se descuidados geram prejuízos a escola, seja em

relação ao conhecimento pedagógico, necessário para uma coordenação adequada da

escola. Isso aponta também para a importância da constituição de uma equipe diretiva

coesa, que se forja no compartilhamento de responsabilidades e reflexões.

Formar uma equipe é um empreendimento não se esgota em um ano. Exige

tempo, intencionalidade e esforço de todos. Por isso reafirmo minha convicção da

importância de trabalhar com a direção e com equipes diretivas escolares em projetos de

longo prazo.

No futuro, gostaria de desenvolver outros trabalhos que agreguem pesquisa e

formação. Acredito que seja importante trabalhar com grupo de diretores e suas equipes,

como já vem acontecendo em algumas iniciativas oferecidas pelo LAEL na COGEAE

da PUC/SP (Cursos para Diretores e Coordenadores) e nos programas de pesquisa

desenvolvidos pelo LAEL, particularmente pelo grupo de pesquisa LACE (Linguagem e

Atividade em Contextos Escolares) e nos projetos vinculados ao PAC: Programa Ação

Cidadã, e que têm mostrado resultados positivos na formação em conjunto. Considero

fundamental esta parceria Universidade – Escola e acredito que ela proporcione

benefícios tanto para os participantes diretos como para os pesquisadores que têm suas

práticas frequentemente analisadas, o que colabora para um aperfeiçoamento contínuo.

Gostaria, assim, de aprofundar a compreensão de como estas parecerias têm repercutido

na prática concreta dos diretores e como se refletem no contexto imediato.

Outro aspecto que eu gostaria de aprofundar tem relação com uma descoberta

revelada durante a análise dos dados mas não foi enfocado nesta pesquisa. Ao estudar

linguisticamente o discurso da diretora em busca de mudanças, percebi que as operações

expressas na linguagem se complexificavam, à medida que nossa interação avançava,

revelando que novas ações seriam necessárias para atingir os objetivos idealmente

157

propostos. Por este motivo, fui procurar entender tanto os verbos como os

complementos que os acompanhavam, que sugerem uma relação entre a reflexão e a

focalização dos objetivos das ações declarados no discurso, ou seja, sugerem que, à

medida que a reflexão se aprofunda, o alvo do verbo torna-se mais específico.

Interessei-me por esta descoberta, que considerei importante especialmente em

contextos de formação. Da mesma maneira percebi uma relação entre os tipos de

perguntas e a possibilidade de expansão e desenvolvimento de um discurso comum.

Nesta direção, em discussões futuras, também gostaria de aprofundar a relação entre

perguntas que veiculam um determinado argumento e a co-construção conjunta.

Outra descoberta importante neste trabalho foi a importância dos instrumentos e

artefatos de mediação. Apesar de ter discutido a matéria neste estudo, também gostaria

de investigar mais profundamente o papel dos artefatos mediacionais, especialmente

aqueles que são co-construídos, de modo a entender e, talvez, sistematizar como eles

contribuem para a mudança do padrão mediacional e para a produção de novos

significados. Todas essas questões trazem contribuições às pesquisas com formação de

educadores desenvolvidas no Grupo de Pesquisa LACE.

Enfim, abrem-se muitos campos. Este é apenas um começo.

159

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Anexos

2

ANEXO 1 - ROTEIRO DA ENTREVISTA INICIAL (enviado por e-mail em 06/02/07)

Valéria, Cleonice e Áurea (nomes fictícios).

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a recepção de vocês.

Nossos primeiros encontros têm o objetivo principal de nós nos conhecermos melhor.

Conforme combinamos estou enviando o questionário abaixo para nos ajudar nesta primeira conversa. Eu também o responderei. Fiquem a vontade para acrescentar outras perguntas.

1. Há quanto tempo você assumiu a função que exerce agora?

2. Há quanto tempo você está nesta escola?

3. Qual a sua experiência anterior com este tipo de trabalho?

4. Relembre brevemente sua experiência profissional anterior. Quais foram os aspectos marcantes? Quais as pessoas que a ajudaram e por quê?

5. Como você descreveria sua função?

6. Descreva brevemente a comunidade escolar na qual você trabalha: há quanto tempo existe, como foi criada e por que, quem são os alunos, quem são os professores, etc

7. Na sua opinião, quais são as principais necessidades destes alunos?

8. Que outras necessidades você identifica?

9. Quais são os objetivos desta escola?

10. Onde eles estão expressos?

11. Todos têm conhecimento destes objetivos?

12. Quais objetivos desta escola estão em consonância com as necessidades da comunidade?

13. Qual importância você atribui ao seu trabalho para alcançar tais objetivos?

14. Como você imagina que os professores descreveriam sua função?

15. O que você imagina que os professores esperam de você?

16. O que você imagina que os pais esperam de você?

17. O que você imagina que os funcionários esperam de você?

18. Quais são as suas expectativas em relação ao trabalho dos professores?

19. Quais os principais desafios que você encontra no seu trabalho cotidiano? Quais as principais dificuldades?

20. Quais são as suas expectativas em relação ao trabalho da equipe que está se formando agora?

21. Quais são as suas expectativas em relação a esta pesquisa?

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ANEXO 2 -TABELA DE AÇÕES FOCO Foco na criação de oportunidades de participação:da equipe diretiva, dos pais :professores e alunos e funcionários Ação 1 Ação 2 Ação 3

Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que a equipe possa participar efetivamente? Qual é o tipo de participação esperada? Que tipo de atividades são enfatizadas? Todos tem iguais possibilidades de participação? De que maneira a direção deixa claro para a equipe diretiva que tipo de participação se espera? Que tipos de instrumentos são usados: recursos , materiais, etc?

Equ

ipe

dire

tiva

Que tipo de material é utilizado para a reflexão? Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que os professores possam participar efetivamente Qual é o tipo de participação esperada? Que tipo de atividades são enfatizadas? Todos tem iguais possibilidades de participação? De que maneira a direção( equipe diretiva )deixa claro para os professores que tipo de participação se espera deles? Que tipos de instrumentos são usados: recursos , materiais, etc?

Prof

esso

res

Que tipo de material é utilizado para a reflexão? Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que os pais possam participar efetivamente Qual é o tipo de participação esperada? Que tipo de atividades são enfatizadas? Todos as pais tem iguais possibilidades de participação?

Pais

De que maneira a direção deixa claro para os pais que tipo de participação se espera deles? Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que os alunos possam participar efetivamente Qual é o tipo de participação esperada? Que tipo de atividades são enfatizadas? Todos as pais tem iguais possibilidades de participação? De que maneira a direção deixa claro para os pais que tipo de participação se espera deles?

Alu

nos

Que tipos de instrumentos são usados: recursos , materiais, etc? Que tipos de situações são organizadas sistematicamente na escola para que os professores possam participar efetivamente Qual é o tipo de participação esperada? Que tipo de atividades sistematicamente organizadas são enfatizadas? Todos os professores tem iguais possibilidades de participação? De que maneira a direção deixa claro para os professores que tipo de participação se espera deles? Que tipos de instrumentos são usados: recursos , materiais, etc? Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que os pais possam participar efetivamente

Age

ntes

esc

olar

es

Qual é o tipo de participação esperada? Tabela original apresentada no dia 9 de janeiro de 2008. . Na apresentação original, cada um dos focos estava em uma folha e os espaços para preenchimento eram significativamente maiores. Disponibilizada pra a diretora também por e-mail. Outro quadro de perguntas acompanhava essa tabela. A tabela foi organizada com base no exemplo oferecido por Magalhães (1990-2006), no texto: First Steps: Ethnographic Studies extraído da tese de doutorado da autora, especialmente na tabela “Particpant Observation Guidlines”(2006:31).

1

ANEXO 3 - JOGO DOS PAPÉIS Este artefato foi usado na reunião de 22 de fevereiro de 2008 e a tarefa foi realizada em três etapas descritas a seguir. 1ª ETAPA A partir dos excertos das entrevistas realizadas durante 2007, selecionadas por mim e que estavam, recortadas em tiras de papel e embaralhadas, diretora precisaria lê-las e separá-las segundo um critério que ela própria estabelecesse. Depois a diretora deveria encontrar uma categoria para essas “papeletas.e nomeá-las”. O destaque no fim da papeleta foi a categoria que a diretora deu para as mesmas. Mostro abaixo exemplos de papeletas organizadas por mim. Na página 5 deste anexo estão as papeletas escritas pela diretora a Como já apontado na metodologia, para selecioná-las privilegiei ações da diretora em vários temas e tarefas realizadas por ela. VAL9: Então deixa só eu terminar de te contar do caso da Angélica. Aí na sexta feira eu falei pra ela, olha você faz isso pra mim. Aí não, não dá, é muita coisa pra eu fazer. Eu tô aqui organizando essas fichas. E mexe com essas fichas e mexe ... fichas, e mexe com essas fichas. Eu falei pra ela:” Olha, não dá pra você só atender balcão”, porque antes ela atendia todo dia, e eu tirei, 2ª, 4ª e 6ª. E os pais até que estão colaborando. Não pode. Não pode, né? Oficialmente tem que ficar atendendo o tempo todo, mas acontece que eu achei que ela estava muito enrolada, que ela precisava de um tempo pra estar organizando coisas aqui. Por que eu achei aí dentro do armário, documentos para serem arquivados que pra mim é uma coisa... né? É um pecado. Desde o ano passado. Entendeu? Tem 2 pastas de documentos para serem arquivados e é uma coisa que a menina da secretaria tinha que dar .conta .(Organização administrativa) 1/06 Diretora - (com relação a secretária)hoje eu até deixei um bilhetinho lá: porque as fichas não estão atualizadas? (Organização administrativa) 27 de abril VAL23: é, eu tenho, eu tenho que estar, assim, eu acho que eu tenho que estar favorecendo os encontros, eu tenho que muitas vezes estar mesmo que intimando algumas coisas, e agora ... Durante esse período acho que não foi possível, mas eu tenho que estar articulando essa ...(relação da equipe técnica) VAL22: Mas eu também não quero fazer isso sozinha, entendeu? Eu não quero fazer isso sozinha, então assim, claro que eu fico pensando, nas coisas que eu tenho ... mas eu não quero fazer isso sozinha, eu quero fazer junto com elas. Não ...quero falar..é chegar pra você e dizer, não, mas eu já defini quais os objetivos, eu tenho alguns objetivos que são pessoais, né? Até profissionais pessoais, entendeu? Mas não é isso que eu quero para unidade. Para unidade eu preciso construir junto com elas. (relação da equipe técnica) 1/07 Val1 - Na sexta feira eu adverti o seu Fernando por conta daquela ocorrência lá do pai lá, do pai, eu fiz aquela advertência pra ele e na hora em que eu estava conversando com ele, ele citou a questão da Elaine. (Organização administrativa). 1/07 Val4 – Assim como também é mais fácil você fazer de conta que não vê e ficar e quieto, assim é mais fácil com os agentes, é mais fácil com o professor, como a questão da abonada, né, professor também faz isso, que é a questão da falta deles, que eles tão resistindo porque não quer, não quer, no dia da paralisação eles querem ter abono, e assim, seria irresponsabilidade funcional minha, só pra começar e eu quero esclarecer isso com vocês, eu dispensar 600 alunos da escola um dia, pra todo mundo abonar, seria irresponsabilidade funcional, sem dizer nas outras irresponsabilidades que seriam, por isso que eu não concordo com o abono, e por isso que eu não vou abonar, entendeu? Então, assim, como que eu vou falar depois, olha, a gente tem dispensado criança, eu tenho sentido muito isso, isso ta me incomodando também

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que é a gente dispensar por causa de professor que sai, por causa disso, por causa que vai no médico, por causa de Apropen, tudo isso me incomoda, a gente está dispensando muito as crianças. A Márcia que é uma professora frequente, já recebi ligações de que, Ah, mas ela falta muito essa professora, ela falta muito porque ela ta doente, não tem... aí eu explico, explico, explico, mas assim, isso por que essa comunidade, eu vou falar pra vocês, é boa, porque se fosse lá na José da SILVA, todos esses casos já tinham batido lá na supervisão(..). Por que que que você está dispensando essas crianças, agora, eu dispensar 600 alunos pros professores irem pra uma paralisação? (Formação) 1/07 Val – Então eu quero estar justificando pra vocês isso eu vou falar pra elas novamente na reunião pedagógica que eu acho que precisa estar colocando isso, porque ...(..)– É, que é aquela questão da formação política que a gente tinha também pensado com as professoras, não é? Que entra a questão ética, que entra. (Formação) Val agora os agente escolares acho que é urgente a gente começar a pensar no que que vai fazer com eles. Bom!! E a LUISA!? O que que a gente faz com essa moça? Ela vai entrar de férias a semana eu vem. Hoje eu peguei um prontuário de uma criança, nem... as professoras entregaram todas aquelas fichinhas de atualização de cadastro? Acho que não né Áurea, depois a gente precisa cobrar das professoras e pensar. (Formação/organização administrativa) Val – Você está conseguindo acompanhar o serviço dela Cleonice. (Relação da equipe Técnica) VAL1 : os pais não deram retorno sabe o que eu fiz ? ELV: Hum VAL2: ...passei o telefone deles, chamei a menina ... essa semana, a mãe, ela não apareceu na última reunião \(..) ai eu falei para ela(..) (...) “olha, a gente precisa de vocês estarem aqui dentro, ... aquela semana, pra gente conversar com eles, ver quais as necessidades, o que que eles acham da escola” ... aí, “não mas, eu tenho conversado com os pais ... nenhuma queixa, é uma das melhores escolas daqui,” ta, tal, tal ... “mas tem, deve ter coisas , devem ter coisas que vocês queiram estar opinando, tal, vamos marcar essa reunião no sábado, eu venho, você vem”... Aí ela falou assim: “Mas se a gente falar que é reunião, eles não vêm,” né?. Então vamos vamos pensar em uma outra coisa, falei pra ela, ela falou, então e se fosse uma palestra de como lidar com as crianças ... né. Ela falou, porque daí a gente pega isso pra ta falando um pouco de tudo que você ta falando comigo, aí falei pra ela. Ta bom. Então falei pra ela, vamos combinar assim, a semana que vem é 4ª, 5ª e 6ª, só, muito pouco. (Participação da comunidade) VAL11: Então Elvira, você sabe que eu estou assim preocupada, eu to lendo aquele livro lá do Libâneo, né? Val12 Eu tenho assim, ando um pouco preocupada de estar fazendo dos meus meios os objetivos, entendeu? De estar confundindo as coisas. Na realidade eu estou tentando é.... é... facilitar o trabalho dos professores, tal, mas ainda... os objetivos... que a gente precisa estar relacionando com os objetivos da unidade que.o caso no .. no caso do .PPP.. isso é uma coisa que eu não consegui sentar para sabe, para delinear, porque era inclusive o objetivo daquela minha.... daquele meu projetinho inicial. Entendeu. Então não consegui fazer isso ainda. To preocupada com isso. ELV6: Mas você tem em mente quais são os objetivos do ..PPP?. VAL13: Então,.... também tem isso, né? (...) É... eu lendo, o que eu sei..é ... do PPP do ano passado, que a Áurea estava trabalhando, era a questão dos valores.. ...Né? com as crianças, mas eu acho que precisa ir um pouquinho além disso, aí eu tenho conversado um pouco ... assim, eu converso bastante com a Áurea, dá pra gente...., mesmo que seja na loucura, assim, de não sentar pra... mas é assim.. . é. Outro dia tava falando pra ela. – Áurea! Os professores já fizeram um planejamento? Mas a Áurea ta fazendo um. Um... ela ta fazendo um caminho inverso. Ela ta tentando desconstruir aqueles aqueles ..hábitos que as professoras tinham antes. Que é o de fazer um planejamento . proforma.., só pra por no papel e entregar pra gente e construir com elas uma proposta de trabalho pra depois fazer esse tal desse planejamento. (Formação) Val40 Aí oooOOO Elvira só pra terminar o assunto do escritório de contabilidade. Aí que eu fiz, eu chamei, eu liguei pra uma diretora , ´´é que ..de é de uma EMEF uma ... ela me deu esse telefone desse escritório porque eu estava quase louca de impostos e declarações que tinha que fazer para Receita Federal e eu não tinha feito porque eu não sabia que era pra fazer. Porque quem tinha que estar falando isso pra gente era a

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coordenadoria, eu nunca fiz isso sozinha, e deixei de entregar RAIS DIC ... vou ter que pagar multa por causa disso. Aí as minhas companheiras de estrada. (Organização administrativa) Val(..)Que a gente conseguiu comprar o data show né? Um suor, mas nós conseguimos comprar o data show. Data show, telão e uma caixinha de som. VAL50: Qual a finalidade para gente estar usando esse data show? Né? . Então a princípio nós vamos estar colocando na sala de vídeo, né? Para estar exibindo filmes, mas não é só esse objetivo, aliás, uma das coisas que ...tanto eu quanto a Áurea, ela concorda comigo. Esse acesso de utilização dos vídeos dos DVDs é por as crianças sentadas pra só ficar vendo, não é? Nós não queremos isso, porque nós estamos criando cidadãos passivos como ... como a televisão quer mesmo, né? Então isso a gente não quer mesmo. Nós queremos estar colocando data show inclusive para eles estarem utilizando na sala de informática e estarem criando e ...vendo aquilo que eles estão criando. Então, assim, a gente tem uma proposta pedagógica com esse equipamento, não é? Não é assim sem nada. (Conquistas) ELV48: Pra o PPP des.. deste ano vocês nunca sentaram? VAL79 Não. (Formação) VAL112:– Como se ..como se e eu mordesse, porque acho que, por conta talvez da minha postura ser um pouco diferente da Maria que era a outra diretora que era mais assim, mais tranquila, né? Que nem, ontem, a hora que eu saí, eu falei, Ò amanhã não tem horário de banco. Nutricionista: eu tenho um problema. CLIV: sério Nutricionista: serio A gelatina A gelatina não endureceu.. a geladeira está com problema VAL(...) E se não congelar , qual a sua alternativa ?(Rotina) Nutricionista: Muita escola tem self service mas não tem projeto. Tem que tem a colaboração dos professores conversando sobre o que vai ser servido. Vocês tem projeto. A única coisa que falta aqui é o quadro. Val: então eu também estava conversando com as professoras esta semana sobre a questão do intervalo e das refeições da gente estar trabalhando um pouco mais com eles éé a forma a forma de usar o talheres é.. e o que comer, né então eu estava conversando com elas hoje PEA e saiu até umas sugestão da gente alternar os intervalos e ter mais a presença do professore ali. Né? (Conquistas) VAL: que é adequado ao self service, então nós conseguimos as talheres ... a semana passada, que nós íamos, nós tínhamos pedido as talheres, as crianças ... com a colher, ... então, por que é assim, oh, eu tinha pedido, eu pedi pra eles substituírem os garfos que já estavam mais usados, porque estavam desagradáveis aqueles pratos, ... pratos plásticos, pedi pra eles .trazerem .. as cumbuquinhas, pra sobremesa, porque as crianças comiam as sobremesas na mão né?(...) E as crianças já estão comendo com garfo e faca, ai assim ..sem nenhuma dificuldade porque na casa deles devem comer com garfo.Algumas crianças é que falam, ah, na minha casa não usa isso. Porque ninguém come com garfo e faca na casa, todo mundo come de colher, e aí também é uma forma da criança estar levando isso pra casa, quem sabe mudar os hábitos da família. Mas as mães estão gostando viu.... ( Conquistas/Participação da comunidade) VAL: Andamos o dia inteiro, depois chegamos aqui às 6 horas da tarde pra descarregar os dois carros lotados. Você não tem noção como veio aquela caçamba. A caçamba dela lotada, a frente lotada, o meu porta mala lotado e a traseira do meu carro, a parte de passageiro lotado. Nossa!!! Brinquedo de coisa pra escola, tudo. Compramos papelaria, mas era mais brinquedo, né? (Conquistas) VAL13:... um dos nossos objetivos é que as crianças participem do Conselho. Provavelmente serão as crianças do 3º estágio que são os maiorzinhos né? Que já têm um pouquinho mais de maturidade, de 5 a 6, né. Tem uns de 6 anos já completos de 6 a 7. Então esses a gente quer estar pelo menos assim..a Áurea está fazendo um trabalho. (Participação da comunidade)

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Val30 – É, é isso que eu quero. Que pelo menos tivéssemos uma maior participação da comunidade. Pelo menos, né. E eu queria que isso viesse não de minha pessoa. Uma postura minha, ou então da Áurea que eu acho que quem mais está próxima assim, mas assim de toda a escola. Então nós fizemos uma coisa. Nós temos, 2 no calendário, dois dias que nós temos que repor, que nós fizemos ponte. Agora em abril, que é a semana santa e a outra ponte que tem..., ah, não me lembro de cabeça, essas coisas. (Participação da comunidade) Val37 – Então eu acho que dava pra gente estar fazendo disso, mas eu preciso, veja bem os projetos em horários coletivos dos professores que é o espaço maior que a gente tem para formação deles, dentro da unidade é uma coisa que é direcionada pela coordenação pedagógica e eu não posso passar por cima dela. Entendeu? E eu não quero passar. Porque é uma atribuição dela, então a gente tem que sentar junto. Val 38 – É, é e a gente nem sentou pra fazer isso, você sabe. (Formação) Interrupção: Funcionária entra com alunos machucado. Caiu no pátio, cortou a boca. É necessário levar para o Pronto Socorro. A diretora é quem levará. Série de providencias práticas tem inicio: ligar para os pais, localizar a ficha etc. (Rotina ) Val - Então, agora nós temos, nós estamos com ... ontem eles liberaram 60 vagas, nós temos 80 vagas . Nos limpamos as listas de espera , a s professoras..que elas estão reclamando que as salas estão muito cheias e eu to chamando, liberam 60 vagas, mas elas estão reclamando por que? Porque na realidade a coordenadoria impôs para gente que tinha que ser salas de 40. Por isso que ... dá é puxado 40 alunos,... eu também concordo. Agora tem ausências, tem ausências. Então a gente conta com isso. E elas estavam falando... então na realidade nós temos 780 vagas. Nós temos agora matriculados.700. (Organização administrativa) E – Esse tipo de conversa com o pedagógico com a Áurea você tem? V – Tenho, o que eu não estou fazendo é ainda o acompanhamento de sentar com elas diariamente no horário de formação. Isso eu não consigo fazer E você não consegue fazer isso porque? V Por que eu ando enrolada com essa papelada aqui. Essa encrenca dessa papelada. E agora mais ainda, agora eu assumi a outra parte. Você está sem uma funcionária? V – Estou fazendo pagamento, eu estou fazendo tudo o que ela fazia, e mais as coisas que ela deixou pendente, eu estou tentando deixar em ordem... (Organização administrativa) V - Eu acho que o projeto pedagógico é muito importante, porque o projeto que está no papel não condiz com o projeto que é realizado na prática aqui, eu acho que a gente precisa regularizar isso, é também o momento de nós sentarmos com os professores pra rever algumas coisas, mas eu sinto que as coisas estão caminhando. O que ta faltando, ta faltando a gente esquematizar isso, por no papel e mandar pra frente. (Formação) Mostrando o painel onde fez a prestção de contas. Este painel está no mural, na entrada principal da escola, passagem obrigatória de todos os responsáveis pelas crianças, diariamente. Val: A prestação de contas aqui da APM, da caixinha, que entra dos pais deu, eu já pedi pra tirar esse vaso daqui, senão não dá pra por .... fiz a prestação de contas também dessa verba do PTRF, fiz as prioridades .... em reunião, as notas, cópias das notas. (Participação da comunidade) VAL: Então, essa reunião agora é de pais com os professores, mas dentre esses informes, a gente ainda dentro da nossa proposta de trabalho, a questão da participação deles, né? Então, porque que eu falei também dessas contas? Pra eles perceberem que é o Conselho de Escola e a APM que tomam as decisões pra escola, pra eles se tocarem disso, e nessa sexta-feira, por exemplo, nós vamos ter reunião de APM e de Conselho pra organizar a festa junina, não é só isso que nós vamos ter, mas é uma das pautas mais importantes. E pra eles perceberem que depois reclamam:” ah, não gostei disso, não gostei daquilo”, mas então a gente convidou também agora vamos fazer os cartazes pra divulgar as reuniões, pra ver se a gente tem uma participação maior dos pais, mas eu acho que eles têm vindo, tá devagarzinho mas . (Participação da comunidade)

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2ª ETAPA A partir da lista de ações que a diretora escreveu e foram realizadas naquela semana (18 a 22 de fevereiro de 2008), Valéria deveria reorganizar as categorias iniciais, acrescentando o que ela havia realizado e estava expresso na sua lista. Lista de tarefas organizada pela diretora: Participei dois dias em reuniões de formação da Coordenadoria da Educação. (Minha formação) Participei do curso “ carta da Terra”. (Minha formação) Participaie de reuniões de organização da unidade (dias 1 e 7 de 08). (Minha formação) Encaminhei papelada da atribuição. (Parte administrativa cotidiana) Li DOCs (( diário oficial e documentos)). Li e destaquei pontos importantes. (Parte administrativa cotidiana) Fechei apontamento da folha de pagamento. (Parte administrativa cotidiana) Atendi balcão diariamente. (Parte administrativa cotidiana) Consegui a detetização. (Parte administrativa cotidiana) Fiz atribuição dos professores que chegaram. (Parte administrativa cotidiana) Instalei novo computador. (Parte administrativa cotidiana) Entreguei acúmulo a todos os professores. (Parte administrativa cotidiana) Fiz horário anual da equipe técnica. (Parte administrativa cotidiana) Encaminhei férias do vigia. (Parte administrativa cotidiana) Fiz Termos de Doação de processos de incorporação. (Parte administrativa cotidiana) Montei e prestei conta do processo de verba e aditamento bancário. (Questões financeiras) Esclareci pontos importantes do nosso trabalho com os funcionários. (Organização para o início do ano) Estou fazendo o meu planejamento. (Organização para o inicio do ano) Fiz acerto do processo de verba do PTRF. (Questões financeiras) Iniciei o acerto de conta do caixa. (Questões financeiras) Peguei (( no banco)) extratos das 3 contas bancárias da escola. (Questões financeiras) Passamos informes da 1ª semana para os agentes escolares. (Organização para o início do ano) Combinamos os horários com os agentes escolares. (Organização para o início do ano) Fiz combinados com os agentes escolares. (Organização para o início do ano)

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3ª. ETAPA A terceira etapa da tarefa foi comparar os papéis dos exercícios anteriores com as atribuições do diretor escolar, extraídas do Regimento Escolar da Secretária da Educação Municipal. O objetivo dessa terceira etapa não era detalhar o texto legal, nem discuti-lo exaustivamente, mas utilizá-lo nesse momento como mais um instrumento que pudesse possibilitar que a diretora tivesse uma visão geral do que é esperado de sua função.20

REGIMENTO ESCOLAR CONSOLIDADO

* Considerando atual Regimento, LDB e orientações normativas

CONSOLIDADO ENVOLVENDO REGIMENTO COMUM EXISTENTE

Deliberação CME 03/97 e indicação CME 04/97, LEI DE DIRETRIZES E BASES 9394/96 CNE/CB 05/97, Lei Complementar 60/72 (estadual) Deliberações das Instâncias do SINPEEM.

REGIMENTO COMUM DAS ESCOLAS MUNICIPAIS

DECRETO N° 33.991, DE 24 DE FEVEREIRO DE 1994, COM AS ALTERAÇÕES CONTIDAS NO DECRETO N° 35.216, DE 22 DE JUNHODE 1995 -DOM 23/06/95

Dispõe sobre o Regimento Comum das Escolas Municipais, e dá outras providências.

(.......)

Capítulo II Da Equipe Escolar

Art. 28- A Equipe Escolar das Escolas Públicas Municipais é constituída por:

I - Equipe Técnica - da qual fazem parte o Diretor de Escola, o Assistente do Diretor de Escola e os Coordenadores Pedagógicos;

II - Equipe Docente - da qual fazem parte os Professores em regência de classe, os Professores Substitutos, os Professores Readaptados, os Monitores de Educação de Adultos e os Professores Orientadores de Sala de Leitura;

III - Equipe Auxiliar da Ação Educativa - da qual fazem parte o Auxiliar de Direção, Auxiliar Técnico de Educação, o Secretário de Escola (Encarregado de Secretaria), Auxiliar Administrativo de Ensino, Oficial de Administração Geral, Auxiliar de Secretaria, Inspetores de Alunos, Agentes Escolares e Vigias.

20 O excerto do texto foi retirado da Internet do site : http://paisonline.homestead.com/files/SMEREGESCOLAR.doc; em 18 de fevereiro de 2008. Posteriormente foi comparado com outras fontes, revelando pequenas alterações, não pertinentes para essa pesquisa .

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Art. 29- Os direitos e deveres de todos os que fazem parte da equipe escolar estão estabelecidos nos princípios gerais deste Regimento e demais dispositivos legais vigentes, assegurada a equidade para todos.

Parágrafo Único- Todos terão direito de requerer ou representar, pedir reconsideração e recorrer nas formas previstas pela legislação em vigor.

Seção I Da Equipe Técnica

Subseção I Do Diretor de Escola

Art. 30 - A função do Diretor de Escola deve ser entendida como a coordenação do funcionamento geral da escola e da execução das deliberações coletivas do Conselho de Escola, de acordo com as diretrizes da Política Educacional da Secretaria Municipal de Educação e respeitada a legislação em vigor.

Parágrafo Único - O cargo de Diretor de Escola é exercido por titular de cargo, de provimento efetivo, na forma da legislação em vigor.

Art. 31 - São competências do Diretor de Escola, além de outras que lhe forem delegadas, respeitada a legislação pertinente:

I - Cumprir e/ou assegurar o cumprimento das disposições legais e das diretrizes da Política Educacional da Secretaria Municipal de Educação;

II - Coordenar a utilização do espaço fisico da Unidade Escolar no que diz respeito a:

a) ao atendimento e acomodação da demanda, inclusive à criação e supressão de classes;

b) aos turnos de funcionamento;

c) à distribuição de classe por turno.

III - Encaminhar, na sua área de competência, os recursos e processos, bem como petições, representações ou ofícios dirigidos a qualquer autoridade e/ou remetê-los devidamente informados a quem de direito, nos prazos legais, quando for o caso;

IV - Autorizar a matrícula e transferência dos alunos;

V - Aplicar as penalidades de acordo com as normas estatuárias, bem como as previstas nas normas disciplinares da escola, elaboradas pelo Conselho de Escola e descritas no Plano Escolar, assegurada ampla defesa aos acusados;

VI- Encaminhar mensalmente ao Conselho de Escola prestação de contas sobre aplicação dos recursos financeiros;

VII - Apurar ou fazer apurar irregularidades de que venha a tomar conhecimento no âmbito da escola, comunicando e prestando informações sobre as mesmas ao Conselho de Escola;

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VIII - Assinar, juntamente com o Secretário de Escola, todos os documentos relativos à vida escolar dos alunos expedidos pela unidade;

IX - Conferir diplomas e certificados de conclusão de curso;

X - Dar exercício a servidores nomeados ou designados para prestar serviços na escola;

XI- Decidir, nos casos de absoluta necessidade de serviço, sobre a impossibilidade de gozo de férias regulamentares não usufruí das no exercício correspondente, por servidores com férias não previstas no calendário escolar;

XII- Controlar a frequência diária dos servidores, atestar a frequência mensal, bem como responder pelas folhas de frequência e pagamento do pessoal;

XIII - Autorizar a retirada do servidor durante o expediente;

XIV-Delegar atribuições, quando se fizer necessário;

Art. 32 –São atribuições do Diretor de Escola:

I - Participar da elaboração do Plano Escolar e acompanhar a sua execução, em conjunto com a Equipe Escolar e o Conselho de Escola;

II - Participar da elaboração e acompanhar a execução de todos os projetos da escola;

III - Organizar com o Coordenador Pedagógico e a Equipe Escolar as reuniões pedagógicas da unidade;

IV - Organizar com a Equipe Técnica a divisão de trabalho desta e sua execução;

V – Garantir a organização e atualização do acervo, recortes de leis, decretos, portarias, comunicados e outros, bem como a sua ampla divulgação à Equipe Escolar e ao Conselho de Escola;

VI - Diligenciar para que o prédio escolar e os bens patrimoniais da escola sejam mantidos e preservados:

a) coordenando e orientando todos os servidores da escola sobre o uso dos equipamentos e materiais de consumo;

b) coordenando e orientando a equipe escolar quanto à manutenção e conservação dos bens patrimoniais da escola, realizando o seu inventário, anualmente ou quando solicitado pela administração superior;

c)adotando com o Conselho de Escola medidas que estimulem a comunidade a se co-responsabilizar pela preservação do prédio e dos equipamentos escolares, informando aos órgãos competentes as necessidades de reparos, reformas e ampliações.

VII - Coordenar e acompanhar as atividades administrativas,relativas a:

a) folhas de frequência;

b) fluxo de documentos da vida escolar;

c) fluxo de documentos da vida funcional;

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d) fornecimento de dados, informações e outros indicadores aos órgãos centrais, respondendo por sua fidedignidade e atualização;

e) comunicação às autoridades competentes e ao Conselho de Escola dos casos de doença contagiosa e irregularidades graves ocorridas na escola;

f) adoção de medidas de emergência em situações não previstas neste Regimento, comunicando-as, de imediato, à Delegacia Regional de Educação, ouvindo o Conselho de Escola, quando possível, ou ao seu “ad referendum”;

VIII - Garantir a circulação e o acesso de toda a informação de interesse à comunidade e ao conjunto de servidores e educandos da escola;

IX - Coordenar o processo de escolha e atribuição de classes, aulas e turnos;

X - Organizar o horário de trabalho da Equipe Escolar, de acordo com as normas previstas neste Regimento e legislação pertinente, ouvidos os interessados;

IX - Decidir, junto à Equipe Técnica, sobre recursos interpostos pelos alunos ou seus responsáveis, relativos à verificação do rendimento escolar, ouvido(s) o(s) professor(es) envolvido(s).

Art. 33 - A substituição do Diretor de Escola, nos seus eventuais impedimentos legais por período igual ou inferior a 30 (trinta) dias, será feita automaticamente pelo Assistente de Diretor e, na ausência e impedimento legal deste, por qualquer educador da unidade, indicado pelo Diretor, desde que devidamente habilitado, na forma da legislação em vigor.

Parágrafo Único - Nos impedimentos legais por período superior a 30(trinta) dias, o Conselho de Escola elegerá o Diretor Substituto, obedecidas as exigências legais, de acordo com o Artigo 14 deste Regimento.