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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Elvira Maria Godinho Aranha
O papel do diretor escolar: uma discussão colaborativa
MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA
E ESTUDOS DA LINGUAGEM
SÃO PAULO
2009
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC-SP
Elvira Maria Godinho Aranha
O papel do diretor escolar: uma discussão colaborativa
MESTRADO EM LINGUÍSTICA APLICADA E ESTUDOS DA
LINGUAGEM
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial
para obtenção do título de Mestre em
Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo sob orientação da
Profa. Dra. Maria Cecília Camargo
Magalhães.
SÃO PAULO
2009
FICHA CATALOGRÁFICA
ARANHA, Elvira M. G. O papel do diretor escolar: uma discussão
colaborativa. São Paulo, s.n., 2009.
Dissertação de Mestrado: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Área de Concentração: Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem
Orientadora: Profa. Dra. Maria Cecília Camargo Magalhães
Palavras-Chave: Pesquisa Crítica de Colaboração, Direção Escolar, Formação
de Educadores.
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Profª. Dra. Maria Cecília Camargo Magalhães, por seu incentivo, paciência e confiança no meu trabalho. Por me apontar caminhos, mesmo quando pensei que este empreendimento não poderia ser possível.
À pesquisadora Maria Cecília Camargo Magalhães, cujo trabalho e os valores que ele encerra são fonte constante de inspiração.
A todos os professores do LAEL, que conheci e aprendi a admirar, por me mostrarem outros mundos possíveis, abrirem meus horizontes e colaborarem na minha constituição como pesquisadora.
Agradeço especialmente à Profª. Dra. Fernanda Coelho Liberali, pelas oportunidades de crescimento oferecidas nos projetos de pesquisa durante este período, e pela crítica ao meu trabalho durante as aulas em 2008, que me impulsionou a buscar respostas e ir além.
Agradeço à Profª. Dra. Maria Otilia Guimarães Ninin e à Profª. Dra. Sueli Salles Fidalgo, integrantes da banca de qualificação, pela leitura cuidadosa, pelas críticas e orientações exigentes e precisas, que colaboraram muito para reorganização final desta dissertação.
À Sueli, que me introduziu neste caminho de pesquisa e tem uma importância enorme na minha vida. Mesmo de longe, foi durante este período um “outro para mim”, com quem bati longos papos imaginários.
À querida Otília, com quem aprendi muito, muito mesmo, durante os cursos do COGEAE. Considero-me privilegiada por ter tido a oportunidade de trabalhar com você.
À Professora Fernanda Moreno Cardoso que acompanhou de longe e de perto a minha caminhada, agradeço muito mais do que a revisão cuidadosa.
Às minhas queridíssimas amigas, sem as quais não poderia ter realizado este trabalho: Cris Castelani, por sua alegria e presença constante, e Lena, por sua paz de espírito, interlocutoras de todas as horas. Norma, Helena, Rose, Mona, Mônica Guerra, Mônica Lemos, Rosa, Cris, Ilka, Valquíria, com quem dividi risos e angústias, apoio, dúvidas e questionamentos. E a tantas e tantos outros amigos que fiz neste caminho.
Agradeço, também especialmente, à Vivi e à Edna, por sua disponibilidade, presença e torcida.
A Maria Lúcia e Márcia, funcionárias do LAEL.
À CAPES, pelo apoio financeiro durante o período de desenvolvimento deste trabalho.
Dedico este trabalho à minha família.
Aos meus pais.
Ao meu amor, Henrique, companheiro de todas as horas, por seu incentivo e compreensão durante este período, seus conselhos e por ser sempre meu porto seguro.
Aos meus filhos, Pedro e Carol, por me questionarem sempre e por me incentivarem a ser sempre mais. Amo vocês.
À queridíssima Dinda, onde você estiver.
Agradecimento especial
Para “Valéria”, que aprendi a conhecer e a admirar.
Meus mais sinceros agradecimentos pela aprendizagem que esta relação me proporcionou. Pela transparência com que me mostrou a realidade do diretor escolar e pelo empenho e interesse em ir sempre além.
Agradeço, também, a “Áurea” e “Cleonice”, que compartilharam suas perspectivas e muito contribuíram para a compreensão do papel do diretor escolar.
RESUMO Autora: Elvira Maria Godinho Aranha
Título: O papel do diretor escolar: uma discussão colaborativa.
Este trabalho tem como objetivo geral investigar o processo de produção de significados
compartilhados sobre direção escolar a partir do processo colaborativo desenvolvido
entre uma pesquisadora e a diretora de uma escola da rede pública municipal. Mais
especificamente, é objetivo desta pesquisa compreender como e de que maneira a
relação entre pesquisadora e diretora permitiu esse processo, voltado á construção de
uma escola mais democrática e participativa. Desenvolvido em uma Escola Municipal
de Educação Infantil da Cidade de São Paulo, está fundado na Pesquisa Crítica de
Colaboração - PCCol (MAGALHÃES, 1994/2007, 1998/2007, 2009p). Considerando
que este tipo de metodologia propõe a aprendizagem e o desenvolvimento para todos os
envolvidos, o arcabouço teórico está embasado na Teoria da Atividade Sócio-Histórico-
Cultural (TASHC) considerando as discussões de Vygotsky, (1927/2004, 1934/2001,
1925/2004, 1930/2004, 1926/2004), Leontiev (1977, 1978, 1983, 2004), Daniels
(1993/1999, 2002, 2003), Newman & Holzman (1993/2002) e Engeström (1987, 1999a
1999b, 1999c), sobre aprendizagem e desenvolvimento, consciência e mediação. Apoia-
se também nos estudos do Círculo de Bakhtin (1929-1930/2006,1934-35/1998). O
objeto da atividade focalizada neste trabalho é a Formação de Diretor. A discussão dos
resultados foi realizada com base em recortes selecionados de interações entre a
pesquisadora e a diretora ao longo de nove encontros. Está pautada em categorias
desenvolvidas por Bronckart (1999/2007), Kerbrat-Orecchioni (2006); Pontecorvo
(2005), Wertsch & Smolka (1993/1999) Brookfield & Preskill (2005). Os resultados
revelam que: (i) as relações desenvolvidas entre as participantes possibilitaram
aprendizagem e desenvolvimento a ambas; (ii) os sentidos iniciais das duas
participantes sobre direção foram ressignificados; e (iii) as relações desenvolvidas
tiveram uma repercussão no planejamento das ações da direção e sugerem modificações
no contexto imediato. Aponta, também, para a importância da construção de artefatos de
mediação que representaram tanto o compartilhamento de significados como a
possibilidade de avanço na Atividade Formação de Diretor.
Palavras-Chave: Pesquisa Crítica de Colaboração, Direção Escolar, Formação de
Educadores
ABSTRACT This dissertation aims to investigate the overall production process of shared meanings
related to school administration, starting from the collaborative process developed
between a researcher and the director of a municipal public school. More specifically,
the aim of this research work is to elicit how the relationship between researcher and
director allowed for the process, having its focus on building a more democratic and
participatory school. Developed in a municipal school of Children Education in the City
of São Paulo, this work is based on the methodology of Collaborative Critical Research
- PCCol (MAGALHÃES, 1994/2007, 1998/2007, 2009p). Considering this kind of
research suggests there should be learning and development for all involved, the
theoretical frame of the study is based on the Socio-Cultural-Historical Activity Theory
(TASCH), and taken into account are the discussions of Vygotsky, (1927/2004,
1934/2001, 1925-1930/2004, 1925/2004, 1930/2004, 1926/2004), Leontiev (1977,
1978, 1983, 2004), Daniels (1994, 2001, 2002), Newman & Holzman (1993/2002) and
Engeström (1987, 1999 a, 1999b,1999c 7) on learning and development, awareness and
mediation. It is also supported by the studies of Bakhtin´s Circle (1929-1930/2006,
1934-35/1998). The Activity focused in this study has been defined as director training.
The analysis and discussion of results was based on clippings of selected interactions
between the researcher and the director over nine meetings and guided by categories
based on the texts of Bronckart (1999/2007), Kerbrat-Orecchioni (2006), Pontecorvo
(2005), Wertsch & Smolka (1993/1999) Brookfield & Preskill (2005). The results
mentioned here show that: (i) the relationships developed between the participants
enabled learning and development, (ii) the original meanings were re-signified and (iii)
the interactions developed had an impact on the director´s action planning and
suggested changes in the immediate context. They also point to the importance of
building mediation devices which represented both the sharing of meanings and the
opportunity to advance in what concerns the Director Training process Activity.
Key Words: Collaborative Critical Research, School Administration, Educator Training
SUMÁRIO INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 001
CAPÍTULO 1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA .................................................................. 007
1.1 O pano de fundo social: o mundo contemporâneo - concepções, perspectivas e desafios 008 1.1.1. Nova sociedade, novos desafios para a escola e para a formação de seus atores .... 008
1.2. A emergência do paradigma de gestão escolar e o papel do diretor escolar ..................... 012
1.3. Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural: TASHC ................................................... 015 1.3.1. Consciência, atividade e desenvolvimento .............................................................. 020 1.3.2. Mediação: aprendizagem e desenvolvimento .......................................................... 024 1.3.3. Linguagem, consciência e desenvolvimento ........................................................... 027 1.3.4. Sentido e significado ............................................................................................... 029 1.3.5. Linguagem, Linguística Aplicada e Pesquisa Crítica de Colaboração .................... 031
1.4 A Pesquisa Crítica de Colaboração .................................................................................... 033 1.4.1. Pesquisa crítica de colaboração: reflexão e formação ............................................. 036
1.5. Linguagem e produção de significados compartilhados: as teorias de análise ................. 041 1.5.1. Interação e produção de significados ....................................................................... 041
1.5.2. As contribuições de Bronckart.................................................................................. 048
CAPÍTULO 2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA ................................. 055 2.1. Os paradigmas de produção de conhecimento .................................................................. 055 2.2. Os vários tipos de pesquisa ............................................................................................... 057 2.3. Definição da Metodologia de Pesquisa ............................................................................. 059 2.4. O percurso da pesquisadora .............................................................................................. 060 2.5. Macro contexto de Pesquisa .............................................................................................. 062
2.5.1. Caracterização do bairro e da população pela própria Prefeitura de São Paulo ...... 063 2.5.2. Contexto imediato .................................................................................................... 064
2.6. Participantes da Pesquisa .................................................................................................. 064 2.6.1. Participantes primárias ......................................................................................... 065 2.6.2. Participantes secundários ...................................................................................... 065
2.7. Produção dos dados ........................................................................................................... 065 2.8. Condução e desenvolvimento da pesquisa ........................................................................ 070 2.9. Seleção dos dados ............................................................................................................. 074 2.10. Categorias de análise dos dados ...................................................................................... 074 2.11. Credibilidade da pesquisa ............................................................................................... 083
CAPÍTULO 3. DISCUSSÃO E DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS .................................... 085 3.1. Primeiro Momento: Levantando as necessidades dos participantes e aprofundando o
conhecimento do contexto específico de ação ............................................................... 086 3.1.1 Sentidos e significados sobre o papel da direção na organização da participação
da comunidade e no fortalecimento do Conselho de Escola................................. 087 3.1.2 Sentidos e significados sobre o papel do diretorna formação dos profissionais
da escola ............................................................................................................... 089 3.1.3 Sentidos e significados sobre o papel do diretor na organização da equipe
técnica e questões administrativas da escola....................................................... 091 3.1.4 Sentidos e significados sobre o papel do diretor no planejamento das ações na
escola................................................................................................................... 093 3.2 Segundo momento da Atividade: a introdução dos artefatos de mediação explícita......... 101
3.2.1 Descrição dos Artefatos.......................................................................................... 101 3.2.1.1 Artefato 1: “Tabela de Ações”............................................................... 101
3.2.1.2 Artefato 2: “Jogo de Papéis”.................................................................. 102 3.2.2 Exemplos de Uso dos Artefatos.......................................................................... 104
3.2.2.1 Tabela de Ações................................................................................. 104 3.2.2.2 Jogo de papéis: instrumento e resultado................................................ 106
3.3 Retomando sentidos e compartilhando significados das ações na escola ......................... 114 3.3.1 Sentidos/significados sobre o papel do diretor na organização da
participação da comunidade e no fortalecimento do conselho de escola........... 114 3.3.2 Sentidos/significados sobre o papel do diretor na formação dos profissionais
da escola............................................................................................................. 118 3.3.3 Sentidos/significados sobre o papel do diretor na organização administrativa
............................................................................................................................ 122 3.3.4 Sentidos/significados sobre o papel do diretor no planejamento das ações na
escola ................................................................................................................. 123 3.4 Foco na relação diretora e pesquisadora na construção de novos significados sobre
direção escolar ................................................................................................................... 127 4. Considerações finais ............................................................................................................. 153 Referências Bibliográficas ....................................................................................................... 159
ANEXOS ANEXO 1 - ROTEIRO DA ENTREVISTA INICIAL ANEXO 2 - TABELA DE AÇÕES ANEXO 3 - JOGO DOS PAPÉIS
ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1.1 - Tipos de Perguntas com respectivos objetivos e exemplos ...................... 046Quadro 1.2 - Situação de ação e Tipos de Discurso ....................................................... 050Quadro 2.1 - Visão geral dos instrumentos de produção dos dados e sua utilização...... 066Quadro 2.2 - Artefatos utilizados em mediação explícita .............................................. 067Quadro 2.3 - Linha do tempo dos eventos desta pesquisa ............................................. 072Quadro 2.4 - Visão geral dos encontros analisados durante a pesquisa ......................... 073Quadro 2.5 - Código de transcrição ............................................................................... 074Quadro 2.6 - Plano geral do texto produzido na entrevista de 9 de março de 2007 ...... 075Quadro 2.7 - Exemplificação de temas introduzidos pelas interlocutoras ..................... 076Quadro 2.8 - Modalizações: tipos, conceituação, características linguísticas e
exemplos ................................................................................................... 077
Quadro 2.9 - Turnos: classificação, função e exemplificação ....................................... 078Quadro 2.10 - Tipos de Perguntas .................................................................................... 079Quadro 2.11 - Categorias de Comentários ....................................................................... 080Quadro 2.12 - Categorias de verbos utilizados................................................................. 082Quadro 2.13 - Síntese dos Principais Elementos da Pesquisa........................................... 083Quadro 2.14 - Ações de Credibilidade da Pesquisa.......................................................... 084Quadro 3.1 - Conteúdos Temáticos: preocupações da diretora no Primeiro Momento
da Pesquisa................................................................................................. 100
Quadro 3.2 - Tabela de Ações - visão simplificada........................................................ 102Quadro 3.3 - Visão geral das preocupações da diretora no final deste segundo
momento da pesquisa................................................................................. 127
1
IInnttrroodduuççããoo
O processo pedagógico é a vida social ativa, é a substituição de vivências combativas responsivas [...] A vida se revela como um sistema de criação, de permanente tensão e superação, de constante criação e combinação de novas formas de comportamento. Assim, cada idéia, cada movimento e cada vivência são uma aspiração de criar uma nova realidade, um ímpeto no sentido de alguma coisa nova (VYGOTSKY, 1924-25/2004).
Este trabalho tem como objetivo geral investigar criticamente o processo de
produção de significados compartilhados sobre direção escolar a partir do processo
colaborativo desenvolvido entre uma pesquisadora e a diretora de uma escola da rede
pública municipal. Mais especificamente, é objetivo desta pesquisa compreender se e
como a interação de uma pesquisadora e uma diretora permitiu a produção de
significados partilhados sobre direção escolar, com foco na construção de uma escola
mais democrática e participativa. As questões que me conduziram ao mestrado tiveram
origem em reflexões sobre minha prática profissional. Atuando durante mais de 20 anos
em escolas particulares na cidade de São Paulo e exercendo as funções de orientadora
educacional, orientadora pedagógica e coordenadora, sempre fiz parte da equipe diretiva
das escolas. Desde sempre me interessei pela escola enquanto organização / sistema,
bem como pelas diferenças entre as escolas em que trabalhei. Se algumas conseguiam se
manter sempre atualizadas, vivendo um clima organizacional favorável e com
possibilidades de contínua renovação de seus propósitos em busca das demandas que se
apresentavam, outras, no entanto, apesar dos esforços, e muitas vezes contando com
ótimos profissionais, não conseguiam atingir seus objetivos e metas.
Comecei, então, a prestar atenção ao papel do diretor, em sua postura como
articulador da equipe diretiva, nas suas concepções filosóficas e no seu conhecimento
pedagógico relacionado a objetivos mais amplos. Um aspecto que logo chamou minha
atenção foi a distância entre a teoria e a prática, mais especialmente entre o seu discurso
e a sua ação.
Como discutido por vários autores na literatura educacional (cf. NÓVOA, 1995;
LÜCK, 2000, 2006a, b, c; LIBÂNEO, 2004; ALONSO E ALMEIDA, 2007), até há
bem pouco tempo, o modelo típico de direção de escola apresentava um diretor tutelado
2
pelos órgãos centrais, sem autonomia para determinar os destinos do estabelecimento de
ensino pelo qual respondia e, consequentemente, desresponsabilizado de suas ações e de
um compromisso mais amplo com os resultados pretendidos. Seu trabalho consistia
basicamente em repassar informações, controlar, supervisionar, de acordo com as
normas pré-estabelecidas, e agir de acordo com elas. Portanto, “tensões, contradições e
conflitos eram eliminados ou abafados” (LÜCK, 2000: 17).
Contrariamente a essa visão, o diretor passa a ser entendido, atualmente, como
um articulador de toda a equipe de educadores. Sua atuação é hoje considerada como
fundamental para a criação de um ambiente propício para a discussão de questões
referentes ao ensino-aprendizagem, à participação colaborativa, à construção de
cidadania e à implementação de programas de formação contínua de educadores
(docentes e não docentes). Muito embora diretores já tenham uma percepção cada vez
mais nítida da inadequação de algumas formas de atuação para o enfrentamento dos
desafios atuais, sua prática cotidiana ainda se revela fragmentada, técnica e burocrática,
restringindo-se à divisão e distribuição de tarefas destinadas a organizar o cotidiano
escolar.
Considerando-se a escola como um organismo vivo, a evolução de sua
organização está diretamente relacionada com o desenvolvimento das pessoas que a
compõem, o que implica, diretamente, que a formação de seus gestores passa a ser um
desafio e uma necessidade. Compromisso, continuidade da equipe e formação constante
parecem ser ingredientes que possibilitam o sucesso na construção de uma escola mais
democrática e comprometida com metas e resultados. Mas como construir essa
realidade? Como sustentar a transformação dessas práticas?
Nos cursos em que participei como aluna, monitora ou professora assistente,
pude verificar que diretores e vice-diretores relatam a grande dificuldade em encontrar
espaços adequados de formação e de trocas profissionais (seminários, palestras e
cursos), que os auxiliem na sustentação da tão desejada e urgente transformação de suas
práticas1. Pouca ou quase nenhuma atenção é dada ao processo de aprendizagem desses
profissionais, que tão importante papel têm no desenvolvimento direto de professores e
alunos. Como aponta Magalhães (1994), os programas de “capacitação” de profissionais
1 Depoimentos de profissionais participantes dos cursos organizados pelo LAEL, PUC-SP e oferecidos pelo COGEAE-SP: “Diretor Escolar - Articulando Papéis Funções e Reflexões”, e também o Projeto Ação Cidadã, desenvolvido pelo LAEL, PUC-SP.
3
da educação são muitas vezes organizados por órgãos centrais, cuja tendência é
considerar a problemática educacional em seu caráter genérico e amplo, o que muitas
vezes resulta num conteúdo abstrato e desligado da realidade. Tal distanciamento está
associado a uma separação entre o pensar e o fazer. Por esse motivo costumamos ouvir
desses profissionais que “na prática, a teoria é outra”.
Se o desenvolvimento de novas competências deve ser o foco de programas e
espaços de formação de gestores, é importante que esses espaços sejam organizados de
modo a considerar a unidade dialética teoria e prática. Esta pesquisa pretende,
justamente, investigar essa questão, ou seja, a possibilidade de espaços colaborativos
em que teoria e prática se relacionem na e pela construção dos sentidos e significados
sobre o papel de uma diretora como articuladora da equipe diretiva, na e pela construção
de uma escola mais participativa.
Desenvolvida numa Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI), localizada
em Cidade Tiradentes, bairro com população de baixa renda situado no extremo leste da
cidade de São Paulo, pretendeu-se criar espaços colaborativos de discussão entre
pesquisadora e diretora como lócus para repensar as necessidades de seu contexto
específico.
Para desenvolver este trabalho, a metodologia escolhida foi a Pesquisa Crítica de
Colaboração, tal como definida por Magalhães (1994/2007, 1996/2007, 1998a, b/2007),
Magalhães e Liberali (2007) e Liberali (1999), que tem como objetivos a emancipação
de todos os participantes envolvidos e a transformação de sua ação e do contexto. Na
medida em que as relações entre educadores (pesquisadora – diretora, diretora –
coordenadora pedagógica e assistente de direção) em seus diferentes papéis, se dão a
partir de discussões reflexivas sobre suas práticas, em que a linguagem ocupa um papel
central, este projeto insere-se no campo interdisciplinar da Linguística Aplicada.
Rojo (2006) sinaliza que a partir das mudanças históricas dos últimos dez anos,
as discussões na área da Linguística Aplicada apontam cada vez mais para o seu caráter
transdisciplinar. Na mesma direção, Celani (2004) já discutia e apontava que o linguista
aplicado tem como ponto de partida “um problema com o qual as pessoas se deparam
ao usar a linguagem na prática social e, em um contexto de ação, procuram subsídios
em várias disciplinas para que possam iluminar as questões em jogo” (CELANI,
2004:114). Atualmente, muitos autores têm insistido numa Linguística Aplicada
4
comprometida com a busca de solução de problemas contextualizados, ligados ao uso
da linguagem, suficientemente relevantes para exigir contribuições teóricas que tragam
ganhos às práticas sociais e a seus participantes (ROJO, 2006; KLEIMAN, 2004) e que
superem a tradicional divisão do trabalho entre teoria e prática (KLEIMAN, 2004;
MOITA LOPES, 2006b).
Neste quadro, muitos estudiosos têm se dedicado à temática de formação de
educadores. Entre eles, podemos apontar as importantes contribuições do grupo de
pesquisa do Programa de Estudos Pós-Graduados em Linguística Aplicada e Estudos da
Linguagem (LAEL) da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que se
caracteriza pelo desenvolvimento de estudos que envolvem educadores das redes
pública e particular. Esses trabalhos têm contribuído para o entendimento de que os
profissionais da educação (especialmente professor, coordenador, pesquisador) devem
se preocupar com a articulação teórico-prática. Entre as diferentes pesquisas que vêm
sendo realizadas, destacam-se os trabalhos de Magalhães (1990, 1992, 1994, 1996,
1998a, 2000, 2009p), que enfocam a necessidade de investigação das ações de
coordenadores e professores em busca de aproximação da teoria com a prática, tendo
como suporte a teoria crítica do conhecimento e a colaboração. Nessa mesma direção,
Liberali (1999) enfatiza a importância do papel do coordenador na formação dos
professores e o foco de seus trabalhos está em criar oportunidades de reflexão a ambos.
Também Ninin (2006a) investigou um trabalho colaborativo com uma equipe diretiva,
cujo foco era caracterizar a pesquisa colaborativa.
Pesquisadores ligados a diferentes áreas da Educação, tais como Psicologia da
Educação, Supervisão e Currículo têm enfocado o papel do diretor como formador de
professores, considerando ora os desafios tecnológicos ou as reformas educacionais, ora
as relações interpessoais envolvidas em seu trabalho ou sua atuação na escola pública.
Ximenes (2003) investigou a atuação do diretor escolar enquanto agente do
processo de democratização das relações na escola junto à comunidade usuária,
focalizando a busca da re-humanização da escola. Saboya (2004) discutiu direção
escolar e identidade sexual em busca de caracterizar as ações desenvolvidas pelos
diretores, concluindo que a direção escolar pressupõe características e ações
socialmente definidas tanto como femininas quanto masculinas. Silva (2006) investigou
o papel do diretor escolar na formação de uma cultura escolar inclusiva. Tendo como
base teórica a psicologia sócio-histórica, observou como os aspectos idiossincráticos do
5
diretor influenciam de maneira decisiva, facilitando ou dificultando a implantação da
inclusão escolar de alunos com necessidades educacionais especiais.
Muitos outros pesquisadores trazem contribuições importantes para a área,
focando ora a formação de professores (NÓVOA, 1995), ora as relações pedagógicas
entre formador e formandos e a natureza das propostas de formação (GARCIA, 1995;
NÓVOA, 1995), ora a função do diretor (LIBÂNEO et al., 2007). Aspectos
relacionados à gestão e à democratização da gestão escolar, bem como mecanismos de
participação foram também discutidos por Lück (2000, 2006a, B, C), Libâneo (2004),
Alonso e Almeida (2007), Thurler (2001), Vieira (2000), entre outros.
Embora todos os aspectos citados sejam de fundamental relevância, em se
tratando da formação de educadores, ainda são relativamente poucos os estudos que
procuram compreender o papel do diretor, especialmente no desenvolvimento de novas
competências da equipe diretiva; e pouca atenção também tem sido dada ao processo de
formação específico desse profissional.
Este trabalho visa a preencher essa lacuna, através da investigação do processo
de construção do conhecimento que envolve uma diretora, uma pesquisadora e uma
equipe diretiva em formação. Nesse sentido, é objetivo desta pesquisa compreender se e
de que maneira a relação entre pesquisadora e diretora permitiu a produção de novos
significados partilhados. São perguntas de pesquisa:
1. Quais os sentidos declarados e os significados compartilhados sobre direção escolar
pelos participantes: diretora e pesquisadora externa? Há transformação? Qual(is)? O
que caracteriza essa transformação?
2. Como pesquisadora e diretora interagem na construção de novos significados sobre
direção escolar? Há transformação? Qual(is)? O que caracteriza essa transformação?
Este trabalho organiza-se em quatro partes.
Capítulo 1: Fundamentação Teórica – apresento a Teoria Sócio–Histórico-
Cultural, enfatizando as contribuições de Vygotsky, (1927/2004, 1934/2001, 1925/2004,
1930/2004, 1926/2004), Leontiev (1977, 1978a e b, 1983, 2004), Daniels (1993, 2002,
2003), Newman & Holzman (1993/2002) e Engeström (1999a, b, c, , 1987/2007), sobre
aprendizagem e desenvolvimento, consciência e mediação, acompanhadas das
abordagens teóricas sobre a Teoria da Atividade (TA) (LEONTIEV, 1977, 1978a, b,
1983); ENGESTRÖM, 1987, 1999), seguidas das contribuições de Bakhtin (1979/2003,
6
1929/2005, 1929-30/2006) sobre dialogia e polifonia do discurso, que explicam a
multivocalidade dentro da TA.
Discorro, ainda, sobre a pertinência deste trabalho no campo interdisciplinar da
Linguística Aplicada, bem como os conceitos fundamentais para a Pesquisa Crítica e a
Reflexão Crítica (SMYTH, 1992; KEMMIS, 1987) e os pressupostos teóricos da
Pesquisa Critica de Colaboração (MAGALHÃES, 1994, 1996, 1998a, b, 2009p;
MAGALHÃES & LIBERALI, 2007). Finalizando este capítulo discuto as teorias de
análise que fundamentaram a discussão dos resultados, conforme Bronckart
(1997/2007), Kerbrat-Orecchioni (1996/2006); Pontecorvo (2005), Wertsch & Smolka
(1993), Brookfield & Preskill (2005).
Capítulo 2: Fundamentação Teórico-Metodológica – discuto inicialmente,
neste capítulo, questões relacionadas aos diferentes paradigmas que a humanidade vem
construindo em seus vários processos de produção de conhecimento. Em seguida,
apresento e justifico a metodologia adotada neste trabalho. Discorro sobre a
problematização que gerou esta pesquisa e justifico a escolha metodológica da Pesquisa
Crítica de Colaboração, dentro do enfoque da Linguística Aplicada. Em seguida,
descrevo o contexto de pesquisa, os participantes, o procedimento para a geração de
registros e para seleção de dados, os critérios e as categorias de análise e discussão dos
dados. Finalizo o capítulo com considerações a respeito da confiabilidade desta
investigação.
Capítulo 3: Discussão dos Resultados – retomo as perguntas de pesquisa e, a
partir da análise de excertos das reuniões realizadas, procuro respondê-las com base no
aporte teórico adotado na Fundamentação Teórica.
Finalizo a discussão com as Considerações Finais sobre o trabalho
desenvolvido.
7
CAPÍTULO 1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA (...) os homens transformam as circunstâncias e o próprio educador precisa ser educado (...). A coincidência da mudança das circunstâncias e da atividade humana ou automudança só pode ser considerada e compreendida racionalmente como práxis revolucionária (MARX, 1845-46/2007: 100).
Neste capítulo apresentarei o arcabouço teórico desta pesquisa. Considerando as
discussões de Vygotsky (1927/2004) que, apoiadas em Marx e Engels (1845-46/2007),
apontam a centralidade do contexto particular de ação para a compreensão dos sentidos
dos participantes em uma interação, a atividade do diretor não pode ser entendida fora
do contexto das discussões sobre a função da escola e das transformações sócio-
histórico-culturais e políticas, ocorridas na sociedade. Para dar conta dessas questões,
organizo este capítulo em quatro seções:
(1) o pano de fundo social para as novas exigências que influenciam os papéis na escola
(professor, aluno e equipe diretiva);
(2) as questões referentes ao conceito de gestão e ao papel do diretor tal como têm sido
discutidas por pesquisadores e teóricos sob diferentes perspectivas;
(3) o quadro teórico da Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural (TASHC) para o
entendimento dos motivos dos participantes da pesquisa em agir e os papéis que
atribuem a si na divisão de trabalho, no contexto escolar e na pesquisa; enfatizo as
contribuições teóricas de Vygotsky e Leontiev e seus seguidores: Daniels (1993/1999,
2003, 2002), Newman & Holzman (1993/2002) e Engeström (1987, 1999, 2002, 2007),
com foco, especialmente, nos conceitos relacionados a atividade e consciência,
aprendizagem e desenvolvimento;
(4) a relação entre linguagem, colaboração e criação de novos conhecimentos na Pesquisa
Crítica de Colaboração.
Todos esses conceitos contribuem para o entendimento de questões relacionadas
à constituição histórica do papel do diretor escolar, bem como à tomada de consciência
das participantes desta pesquisa, possibilitada pela análise e discussão das ações na
escola e pela colaboração que se constituiu na aprendizagem dos novos papéis a serem
desempenhados.
8
1.1 O pano de fundo social: o mundo contemporâneo – concepções, perspectivas e desafios
As transformações sociais, a discussão do papel da escola na era do
conhecimento, as expectativas de formação dos indivíduos em face de novas tendências
e o significado e função dos profissionais da escola estão emaranhados numa complexa
teia de relações, de modo que se influenciam mutuamente e contribuem para a maneira
como cada indivíduo, em particular, atribui sentido à sua função. A compreensão do
papel do diretor e a transformação de suas funções ao longo dos anos não podem ser
entendidas sem que se considerem as transformações nos paradigmas de conhecimento
que impactam a sociedade atual.
Ainda que não seja objetivo deste trabalho aprofundar essas questões, considero
que apontar para elas é importante por identificar que estão em campo novas realidades
econômicas, sociais, tecnológicas, que “entrelaçam uma série de novos significados,
práticas técnicas e institucionais, procedimentos de subjetivação e relação discursiva
sobre o mundo, o homem e a sociedade tornando reduzida qualquer tentativa de
explicação simplista a respeito de qualquer fenômeno social” (FABRÍCIO, 2006: 47).
Dessa maneira, não faria sentido estudar o papel do diretor sem considerar o papel da
escola e o universo sócio-político-cultural e histórico de que faz parte.
1.1.1. Nova sociedade, novos desafios para a escola e para a formação de seus atores Diversos autores têm abordado as mudanças na sociedade atual e a forma como
modificam a maneira de concebermos a realidade e a nós mesmos (cf. FABRÍCIO,
2006; MOITA LOPES, 2006; LÜCK, 2006a,b). Sob a designação geral de
Globalização, são enumerados diversos fenômenos, tais como: as transformações
decorrentes dos avanços tecnológicos e científicos nos últimos 20 anos, que
desencadearam uma revolução tecnológica sem precedentes; a difusão maciça da
informação, possibilitada pela velocidade de circulação oferecida pela TV e pela
Internet, que afetou a circulação e o consumo de cultura; a reestruturação do sistema de
produção cultural, com consequente aumento da distância entre os incluídos e os
excluídos quanto ao acesso às novas formas de conhecimento. No plano sócio-político,
discute-se a transnacionalização política e econômica e o surgimento de
megaconglomerados e corporações estratégicas que atuam num nível global (ARRUDA
e BOFF, 2000).
9
Todas essas transformações impactam de diferentes maneiras na forma como a
sociedade humana se reorganiza, produz seus meios de existência, com consequências
diversas que vão além do escopo deste trabalho. De qualquer forma, para fazer frente a
essa nova realidade, em que o domínio do conhecimento se torna essencial, o indivíduo
precisa desenvolver novos saberes e habilidades, ser capaz de pensar autônoma e
criticamente, encontrar soluções para os problemas que se apresentam, desenvolver
competências de trabalho em grupo, cuidar de sua formação, para participar ativa e
conscientemente da sociedade.
No Brasil, educadores e cidadãos em geral debatem a urgência na elevação dos
níveis científico, cultural e técnico da população, uma vez que se reconhece o grande
desafio em incluir, como cidadãos, milhões de indivíduos excluídos, não apenas
socialmente, mas também, culturalmente. Provas nacionais como SARESP e ENEM2
têm atestado que nossos estudantes estão sendo formados sem condições básicas para
participarem de uma sociedade em constante transformação. O desenvolvimento das
pessoas e das comunidades, bem como a transformação de nosso país em uma nação
desenvolvida, com uma população competente, cidadã e participante, somente se dará se
conseguirmos promover, o mais urgentemente possível, um avanço qualitativo em
nosso ensino (cf. LIBÂNEO, 2004; LIBÂNEO et al., 2007; LÜCK, 2006a, b, c). Como
apontam Penin e Vieira (2002), toda vez que a sociedade atravessa mudanças
significativas nas suas bases sociais e tecnológicas, novas competências são exigidas da
escola.
Nesse quadro, como o conhecimento encontra-se disponível em uma série de
formas e lugares, a escola, enquanto instituição educativa, não é mais o único ou o mais
eficiente meio de socialização dos conhecimentos e das competências e habilidades
sociais necessárias para a vida prática. Assim, a escola de hoje precisa conviver com
outras modalidades de educação não formais, articulá-las e integrar-se a elas, a fim de
formar cidadãos para um novo tempo (LIBÂNEO et al., 2007; ALARCÃO, 2001).
Para fazer frente a esses novos desafios, a escola tem que ser aberta, pensante,
reflexiva e crítica, uma organização aprendente, que continuamente se repensa, capaz de
proporcionar aprendizagem e desenvolvimento a todos os envolvidos – professores e
alunos, pais, equipe diretiva e funcionários (ALARCÃO, 2005). Mas o que é a escola?
2 SARESP: Sistema de Avaliação Escolar do Estado de São Paulo; ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio.
10
Uma comunidade educativa, um grupo social constituído por alunos, pais, professores e
comunidade (LIBÂNEO, 2004). Discuti-la implica, necessariamente, a discussão dos
indivíduos e grupos que a compõem. Mais ainda, tornar a escola uma comunidade
colaborativo-reflexiva exige a possibilidade de contar com profissionais que
signifiquem constante e sistematicamente suas práticas, com vistas ao desenvolvimento
de um ensino que satisfaça as necessidades e valores colocados como necessários à
constituição da cidadania. Assim, os papéis tradicionais dos profissionais da educação
(equipe diretiva, professor, funcionários) e dos pais e alunos, as funções que exercem e
a divisão de trabalho na escola, para atingir os objetivos propostos e suprir as
necessidades colocadas, precisam ser revistos em duas direções principais, articuladas
de forma interdependente: a) na formação de educadores, identificando o contexto
escolar como lugar preferencial dessa formação; e b) na própria re-organização dos
sistemas de ensino.
Em relação à formação de educadores, vários autores têm discutido essa questão,
a partir de diferentes perspectivas (cf. NÓVOA, 1995; ALARCÃO, 2005;
KINCHELOE, 1993/1997; FULLAN & HARGREAVES, 2000), mas sempre
enfatizando a necessidade de professores e/ou coordenadores desenvolverem uma
competência reflexivo-crítica e a centralidade do enfoque nas questões sócio-históricas
culturais para que essa transformação ocorra. Libâneo (2004, 2007) aponta a
necessidade de investigações que enfoquem a escola e os agrupamentos das escolas,
bem como questões de sua autonomia pedagógica, curricular e profissional, isto é, seu
“trabalho interno” (APPLE, 2006), para se chegar à compreensão da complexidade de
uma transformação no contexto escolar.
Todas essas discussões também impactam, diretamente, o sistema escolar de
vários países. Um dos aspectos importantes da modernização dos sistemas educativos é
a sua descentralização e a tendência em situar a escola como fundamental para o
fortalecimento de um compromisso de formação constante de todos os participantes da
comunidade escolar, incluindo-se aí a comunidade mais ampla, a partir do estreitamento
das relações escola-comunidade.
A Lei de Diretrizes e Bases de 20 de dezembro de 1996 (LDB) estabelece que a
organização da educação nacional se dará em regime de colaboração entre os níveis
federal, estadual e municipal, e que os municípios organizarão regimentos próprios,
respeitando as diretrizes e normas do sistema como um todo. Focaliza, em diversos
11
parágrafos e artigos, os princípios da gestão democrática da escola e da participação da
sociedade nela. Atribui à escola a função de elaborar e executar sua proposta
pedagógica, administrar o pessoal interno e os recursos financeiros, além de se articular
com as famílias e com a comunidade, fortalecendo os processos de integração escola -
comunidade, entre outras obrigações (BRASIL, 1996). Nesta pesquisa, tal discussão é
importante, na medida em que todas essas realidades influenciam a percepção que pais,
educadores (professores, diretores, coordenadores e funcionários em geral), alunos têm
do papel da escola e do seu papel, considerando-se que estas influências são recíprocas,
em maior ou menor grau.
Das várias pesquisas que têm se preocupado em investigar quais características
de uma escola fazem a diferença no nível de qualidade do ensino, podemos citar um
recente estudo intitulado “Avança Brasil, o direito de aprender”, realizado em parceria
pelo MEC e UNICEF (BRASIL, 2006). Esse trabalho procurou entender, entre as 33
escolas que se destacaram pelos excelentes resultados nos últimos exames nacionais
(SAEB, ENEM, PROVA BRASIL3), aspectos relacionados à gestão, à organização e ao
funcionamento da escola, que em maior ou menor grau influenciaram a qualidade de
ensino. Os resultados revelaram como principais fatores: a formação inicial e
continuada do corpo docente, o papel do diretor, a participação da comunidade, a
importância da leitura, a importância da avaliação no dia a dia da escola.
Outras investigações (cf. NÓVOA, 1995; ALARCÃO, 2005; LÜCK, 2006a,b,c;
2008; LIBÂNEO et al., 2007), que parecem confirmar esses resultados, destacam a
capacidade de liderança dos dirigentes – especialmente do diretor –, as práticas de
gestão participativa, o relacionamento entre os membros da escola, o clima de trabalho,
as oportunidades de reflexão e trocas de experiências entre os professores, a
participação dos pais e a existência de condições físicas, materiais e pedagógicas além
de outros recursos necessários à aprendizagem. O papel do diretor na escola passou a
despertar interesse, pois como administrador e responsável pela escola ele seria o gestor
das transformações inseridas no contexto escolar. O conceito de gestor precisa ser
aprofundado e o farei a seguir.
3 SAEB: Sistema de Avaliação da Escola Básica; ENEM: Exame Nacional do Ensino Médio; Prova Brasil: Avaliação da Educação Fundamental I, de âmbito nacional.
12
1.2. A emergência do paradigma de gestão escolar e o papel do diretor escolar
Embora em alguns contextos, direção e gestão sejam palavras utilizadas como
sinônimas e, assim, se opere uma substituição direta dos termos “diretor escolar”, por
“gestor escolar”, Lück (2000, 2008) não concebe o conceito de gestão como um
substituto para direção, gerência, supervisão, administração, no sentido estrito. Para a
autora, a simples escolha da palavra revela uma “uma questão paradigmática”: uma
nova mentalidade em um momento histórico, em que a utilização de uma nova palavra
indica um novo conceito, cujo significado já não cabia mais na palavra anterior, para
indicar um processo compartilhado.
Lück (2000, 2006a, 2007) aponta que, a partir da década de 1980, a
institucionalização da democracia, associada à exigência da sociedade pelo
aprimoramento da eficiência e da qualidade da educação pública, tem sido uma força
poderosa nos processos de mudança na forma de gerir as escolas no Brasil. Entendo
como crucial essa gestão compartilhada da equipe diretiva, mas agregar uma nova
dimensão ao papel do diretor sem a compreensão das questões sócio-históricas e
políticas do contexto escolar, significaria apenas ampliar responsabilidades sem o
entendimento de quais são as responsabilidades de cada um dos atores da equipe
diretiva e como podem ser compartilhadas na gestão. Ou seja, a simples transposição
deste conceito para o papel do diretor escolar seria um reducionismo que implicaria
num empobrecimento do próprio termo e poderia, ao contrário do que propõe, atribuir
somente ao diretor essa responsabilidade.
Para Libâneo (2004) e Libâneo et al. (2007), a ação denominada gestão
caracteriza-se por processos para se chegar a uma decisão e fazê-la funcionar. Todas as
funções da organização escolar (o planejamento, a estrutura organizacional, a direção, a
avaliação) são, pois, consequência de um processo eficaz de tomada de decisão. O autor
pontua que a gestão é um princípio e o atributo da direção escolar, entendida como um
trabalho conjunto da equipe diretiva (diretor, coordenador e assistentes). O conceito de
gestão escolar está, efetivamente, associado ao fortalecimento da democratização do
processo pedagógico, à participação responsável de todos nas decisões necessárias a
cada contexto e em sua implementação.
Nessa perspectiva, o conceito de gestão está articulado a pelo menos duas
13
questões: a) à relativa autonomia das escolas em relação aos sistemas educacionais,
possibilitando que as unidades de ensino possam, em seu interior, praticar a busca de
soluções próprias para seus problemas e, portanto, mais adequadas às suas necessidades
e expectativas; b) ao modo como cada unidade vai conduzir seus processos internos,
desenvolvendo compromisso coletivo (pais, alunos, educadores e comunidade em geral)
na efetivação de resultados educacionais considerados necessários. Na literatura
revisada, encontramos semelhanças quanto à compreensão do papel do diretor, com
foco no papel de administrador que também o torna responsável pelo trabalho educativo
Para Libâneo (2004: 216), “o diretor de escola é o dirigente e o principal responsável
pela escola, tem a visão de conjunto, articula e integra os vários setores (setor
administrativo, pedagógico, secretaria, serviços gerais, relacionamento com a
comunidade)”. Semelhantemente, Saviani (2000: 207) mostra que o diretor é o principal
responsável, nos limites da unidade escolar, para “garantir o cumprimento da função
educativa que é a razão de ser da escola”. Lucchesi (1997) e Parro (2000) salientam
outra questão interessante: a contradição existente no papel do diretor quando este se
assume como legislador e educador, uma vez que a forma como o Estado conduz a
organização educacional leva o diretor, muitas vezes, a privilegiar tarefas legislativas e
administrativas, em detrimento da sua função de educador e de gerenciador das
relações.
Gadotti (1994), voltando-se para a questão de maneira mais ampla, mais
institucional, aponta que a escola, anteriormente, se questionava sobre os métodos que
empregava e, hoje, frente a novas necessidades, inclusive a de formar cidadãos, a escola
se questiona sobre seus fins e, mais especialmente, a respeito da articulação de meios e
fins. De qualquer maneira, uma escola bem administrada e bem gerida é aquela capaz de
assegurar, à comunidade escolar, melhores condições didático-pedagógicas e
operacionais que proporcionem o bom desenvolvimento do ensino, de modo que as
atenções se voltam, novamente, para aquele que, em última instância, responde por ela.
Com a mudança de paradigma, mudam também as questões consideradas
prioritárias. Assim, com vistas a desenvolver uma visão coletiva, um significado
comum sobre as necessidades de uma escola entendida como uma comunidade
aprendente (ALARCÃO, 2005), a partir de meados da década de 1990, a literatura
educacional passa a dar ênfase ao Projeto (Político) Pedagógico – P(P)P. Este é um
documento que, a partir do levantamento das necessidades de cada escola, estabelece os
14
objetivos educacionais e os pressupostos teórico-metodológicos, ou seja, a filosofia, as
teorias pedagógicas que sustentam e orientam as ações da escola para o atendimento dos
objetivos pretendidos (cf. GARRIDO, 2008; VASCONCELLOS; 1999; PADILHA,
2006; GADOTTI, 1994). Tem como princípio considerar a diversidade da realidade de
cada escola, suas necessidades específicas, seu processo de desenvolvimento interno,
“em que cada escola é resultado de um processo de desenvolvimento de suas próprias
contradições” (GADOTTI, 1994: 3). A elaboração ou reorganização do Projeto Político
Pedagógico (doravante PPP) recuperaria a história daquela realidade, o conjunto dos
seus currículos, dos seus métodos, o conjunto dos seus atores internos e externos e o seu
modo de vida, ou seja, o que representa o “instituído da escola”. Mas, segundo o autor,
“dialeticamente confronta esse instituído com o instituinte, aquilo a que a realidade
chama naquele momento, os desafios e necessidades particulares do seu contexto”
(ibid., p. 3).
Como apontado pelos pesquisadores acima, o PPP da escola não é
responsabilidade apenas do diretor, mas de toda a comunidade escolar, porém, cabe ao
diretor conhecê-lo, zelar por ele, utilizá-lo como um norte, bem como propiciar e
participar de sua constante re-elaboração. Isso o torna um poderoso “instrumento”4 que
poderia representar, para a equipe diretiva e para os professores, a possibilidade de se
desprenderem de uma atuação mecânica e imediata e de superar uma visão burocrática e
fragmentada de suas ações em busca de uma atuação mais abrangente, isto é, a
possibilidade de se desprenderem do contexto imediato do fazer alienado e
estabelecerem a articulação entre objetivos, necessidade, escolhas pedagógicas e os
valores considerados centrais na formação dos alunos. O PPP tem uma grande
importância para a organização da ação do diretor, principalmente ao assumir uma nova
escola. Nesse caso, o conhecimento dos valores e objetivos presentes no projeto
pedagógico, refletidos e articulados com a prática poderiam orientar a organização de
sua tarefa e os objetivos de suas ações.
Todas essas discussões são importantes para esta pesquisa. Num sentido mais
amplo, são úteis para entender quais são as prescrições para a função de diretor escolar.
Num trabalho que se inscreve no campo interdisciplinar da Linguística Aplicada, que
discute educação e linguagem, essas teorizações representam o resultado de uma
organização da leitura de mundo historicamente contextualizado.
4 O conceito de instrumento será discutido na próxima seção
15
Como apontam Bakhtin/Volochinov (1929-1930/2006), quando uma palavra
entra no horizonte social, ela representa um valor para aquela sociedade e passa a fazer
parte dos mais diferentes discursos: das conversas cotidianas à sua expressão em lei.
Nesse quadro, a compreensão do diretor a respeito de seu papel está relacionada
também a experiências anteriores. Além disso, na realização de uma tarefa, o sujeito não
pode ser concebido como um mero executor, pois o significado dado a seu papel dialoga
com objetivos pessoais, com as várias questões e dificuldades que enfrenta no contexto
de trabalho. O sujeito dialoga com essas dificuldades, re-elabora sua tarefa, redefine sua
função. Ou seja, elas se inscrevem, para ele, na sua história (CLOT, 1999).
Nesta pesquisa, a produção de significados compartilhados tem o objetivo de
contribuir para a compreensão dos papéis sobre os quais a diretora se responsabiliza e,
como na interação desenvolvida, puderam ser repensados e transformados. O objetivo
desta seção foi, de forma sucinta, abordar alguns aspectos que discutem o papel do
diretor escolar.
1.3. Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural: TASHC
Este trabalho está fundamentado na Teoria da Atividade Sócio-Histórico-
Cultural (TASHC). Considera, assim, que os sentidos que cada indivíduo atribui a seu
fazer são construídos historicamente nas relações que estabelece com os seus pares, com
os contextos de suas experiências e a sociedade, em atividades concretas.
O termo TASHC é uma escolha do Grupo de Pesquisa LACE5 do qual faço
parte. A TASHC tem como base a Teoria Sócio Histórico–Cultural, desenvolvida por
Vygotsky, e a Teoria da Atividade, desenvolvida por Leontiev6. A opção por enfatizar
tanto o conceito “social” como o “histórico” e o “cultural” deve-se ao fato de que são
fundamentais e complementares nessa abordagem. O termo “social” acentua o aspecto
de que, na relação homem-mundo, os indivíduos estão em constante relação social na
produção de novos artefatos culturais, agindo e produzindo história. Porém, essas
relações sociais e as atividades específicas em que se constituem, estão inseridas em
uma determinada cultura, em determinados espaço e tempo. Isto é, possuem
características próprias, valores, modos de agir, pensar e sentir específicos e, nessa
medida, torna-se necessário enfatizar o conceito de “cultura”. De forma semelhante, o 5. LACE: Linguagem e Atividade em Contextos Escolares, vinculado ao PAC: Programa Ação Cidadã, desenvolvido na PUC-SP. 6 Nesse texto, toda vez que citar Leontiev, estarei fazendo referência a A. N. Leontiev.
16
termo “histórico” permite entender que os sujeitos dessas atividades se constituiriam ao
longo de uma história, com identidades peculiares forjadas no processo histórico. Não
só os sujeitos foram assim constituídos, como também as relações que são percebidas
entre eles, a cultura na qual estão inseridos e a própria atividade enfocada (LIBERALI,
2006a,).
As origens desses conceitos encontram-se nos trabalhos de Vygotsky, Leontiev e Luria, desenvolvidos nos anos 20 do século passado, sobre a origem social da consciência. De tais estudos, surgiram a Psicologia Sócio-Histórica e/ou Sócio-Cultural, no contexto das discussões de Vygotsky, e a Teoria da Atividade, sistematizada por Leontiev e seus seguidores a partir dos anos 30.
Com base nos pressupostos do materialismo histórico-dialético marxista (MARX e ENGELS, 1845-46/2007), os estudiosos russos elegeram o conceito de atividade como um dos princípios centrais do estudo da consciência humana. Vygotsky utiliza este conceito já em seus primeiros escritos, quando sugere que a consciência emerge da atividade social significativa, ou seja, na relação que o homem estabelece com os outros homens e o meio (KOSULIN, 2002). Em seus estudos enfatiza a mediação semiótica e o uso de instrumentos e artefatos para a aprendizagem e o desenvolvimento (VIGOTSKY, 1925, 1929, 1930/2004).
Discutindo as bases das duas teorias (TSH e TA), Dimitri Leontiev (2005) aponta que enquanto Vygotsky focaliza o desenvolvimento da consciência a partir da perspectiva da comunicação nas relações sociais, cuja categoria central é a linguagem, Leontiev ocupa-se das relações práticas que o homem desenvolve no mundo cuja categoria primária de análise é a atividade, relacionada com objetos e instrumentos. Ressalva que, para Vygotsky, a relação interindividual não pode ser entendida numa perspectiva estreita e, portanto, não exclui o social, uma vez que em todos os seus trabalhos é enfatizada a importância da apropriação, pelo indivíduo, da experiência histórico-social, ou seja, dos conhecimentos produzidos historicamente e já existentes objetivamente no mundo no qual o indivíduo vive (LURIA, 2006). Para Dimitri Leontiev (2005), o que se convencionou chamar de diferenças entre as bases das duas teorias deve-se mais a uma questão de enfoque, momento histórico e interpretação posterior do que a conceitos geradores, pois todos os conceitos chaves da teoria da atividade encontram-se na mesma gênese da Psicologia Histórico-Cultural. O autor destaca que:
Todos os processos, funções e estruturas do homem emergem, se desenvolvem e se convertem em atividade relacionada com os objetos que vinculam o homem ao mundo; todos os processos e funções
17
mentais do homem são derivadas de atividades externas, por meio da retenção da estrutura reduzida da atividade externa (LEONTIEV, D., 2005: 33).
A atividade é considerada como uma unidade de vida, uma unidade molecular, –
indivisível – não uma unidade aditiva do sujeito material (LEONTIEV, 1978a: 66). Isto
significa que, no nível psicológico, é a própria atividade, mediada pelo reflexo psíquico
da realidade, que orienta o indivíduo no mundo objetivo, na realidade.
Para Leontiev, a condição de existência de toda atividade é uma necessidade.
Porém, uma necessidade só pode ser satisfeita quando encontra um objeto, ou seja, um
motivo que supre uma necessidade específica do sujeito. O motivo pode ser material ou
ideal, real ou imaginário. As atividades humanas podem diferir por diversas razões, mas
o fundamental, aquilo que distingue uma atividade da outra, é o seu objeto. Nas palavras
de Leontiev (1978a: 82): “O objeto da atividade é seu motivo real”.
Uma atividade prática real, concreta, só se realiza por meio das ações que a
constituem. A ação é um processo que corresponde à noção do resultado que será
alcançado. Assim como a atividade se relaciona com o objeto/motivo, as ações
relacionam-se com os objetivos. Cada ação, por sua vez, realiza-se por meio de
diferentes operações, que dependem das condições de execução da ação ou, dito de
outro modo, das possibilidades do contexto e dos instrumentos por meio dos quais é
realizada.
Também, qualquer atividade humana concreta transcorre em condições de uma
comunidade aberta, entre os homens que a rodeiam e com o mundo e não pode ser
considerada como desengajada dessas condições: “a atividade humana é um sistema
incluído no sistema de relações da sociedade” (LEONTIEV, 1978a: 67). Assim, a
análise de qualquer atividade depende da análise da comunidade em que está inserida e
das regras que organizam as relações entre os indivíduos, como também apontam
Vygotsky e Bakhtin.
Esta pesquisa tem como objetivo examinar o processo de colaboração,
desenvolvido entre esta pesquisadora e a diretora de uma escola da rede pública
municipal, na discussão dos sentidos e no compartilhamento de novos significados
sobre o papel do diretor na organização da escola. Assim, o motivo que deu origem à
atividade foi a compreensão da formação em serviço do diretor. Está relacionado com
necessidades da diretora e desta pesquisadora que procuram entender a complexidade
18
desse papel. Mas esta atividade também está incluída em um sistema de relações com
outras atividades, ou seja: no meu caso como pesquisadora, com meu trabalho
acadêmico na universidade – as teorias aprendidas e o trabalho de dissertação – e
minhas experiências anteriores como coordenadora e professora de cursos de extensão.
Quanto à diretora, interagem, com suas experiências anteriores, as outras atividades do
contexto escolar, tais como: as necessidades da escola, a relação com as outras
participantes da equipe diretiva, com os pais e os alunos, que formam a comunidade
escolar, e também com a Secretaria Municipal de Educação (SME-SP), cujos decretos e
normas sintetizam as orientações do sistema educacional e as transmitem para as
escolas. No interior dessas relações estão as regras que regulam a atividade e a divisão
do trabalho. Para Leontiev, os objetivos das ações devem corresponder à meta a ser
alcançada – nesta pesquisa os objetivos das ações e operações nas entrevistas e nas
reuniões.
Engeström parte dos estudos de Leontiev e amplia as representações da teoria da
atividade, apontando que a atividade se organiza em múltiplas ações, cujas metas,
inicialmente, podem não ser iguais para todos os participantes. Para ele, “as metas das
ações são reformuladas e revistas à medida que a pessoa age, e em geral, só
retrospectivamente explicadas com clareza” (ENGESTRÖM, 1999a: 381). Assim, “O
objeto e o motivo de uma atividade coletiva são algo como um mosaico em constante
evolução, um padrão que nunca está inteiramente acabado” (idem) Por essa razão
cunhou o conceito de Sistema de Atividade, no qual o objeto se move e se transforma,
em uma rede de elementos interrelacionados: os sujeitos, o objeto da atividade, a
comunidade, os instrumentos e artefatos, as regras e a divisão do trabalho.
A Teoria da Atividade enfatiza a mediação semiótica e o uso de instrumentos e
artefatos que medeiam as interações para a aprendizagem e o desenvolvimento. A
consciência é entendida como algo que emerge dessa relação mediada, sendo co-
construída pelos sujeitos participantes, os quais são considerados como ativos em seu
próprio desenvolvimento (RUSSEL, 2002; COLE, 1996, apud MOTTA, 2004). Nesta
pesquisa, são considerados instrumentos de mediação: a linguagem utilizada nas
entrevistas e reuniões, as perguntas e outros artefatos materiais que contribuíram para a
produção de significados compartilhados (“Tabela de Ações” e “Jogo de Papéis”, que
serão explicados no Capítulo de Metodologia e aprofundados na discussão dos
resultados).
19
Engeström sugere que a Teoria da Atividade pode ser resumida em cinco
princípios:
1) um sistema de atividade, mediado por um artefato e orientado para o objeto; visto em
suas relações de rede com outros sistemas, é assumido como unidade primária de
análise;
2) a multivocalidade do sistema com múltiplos pontos de vista, tradições e interesses;
3) a historicidade, os problemas e potenciais do sistema, que só podem ser
compreendidos com base na própria história.
4) o papel central da contradição como fontes de mudança e desenvolvimento; e
5) a possibilidade de transformações expansivas no sistema: os sistemas assumem forma
e são transformados em longos períodos de tempo.
Engeström (1987), com base nas discussões de Leontiev (1977; 1978), que por
sua vez está apoiado nas discussões de Marx e Engels (1845-46/2007), salienta as
contradições na atividade como fundamentais para que transformações ocorram e se
alcance o resultado desejado. Segundo Engeström, a contradição básica presente em
qualquer atividade humana é um choque entre as ações individuais e os sistemas de
atividade da sociedade em que os sujeitos estão inseridos. Em outras palavras, as
contradições estão relacionadas aos contextos sócio-histórico-culturais nos quais os
sujeitos participam. Por exemplo, no caso desta pesquisa, diretora e pesquisadora
trazem para a atividade significados sobre seus papéis, sócio-historicamente construídos
a partir de suas próprias experiências individuais.
Como salienta Engeström, as contradições e os conflitos delas decorrentes
indicam o potencial de transformação, uma vez que movem objeto e instrumento em um
sistema de atividade. Assim, as contradições fazem com que conflitos venham à tona,
abrindo possibilidades de resolução que se dão na e pela negociação das diferentes
compreensões (sentidos) dos sujeitos implicados e que possibilitam a produção de
novos significados. A organização da linguagem como instrumento de mediação na
discussão para resolução dos conflitos possibilita a reflexão dos participantes sobre suas
ações, criando ZPD (Zone of proximal development)7 como instrumento-e-resultado no
compartilhamento de significados, o que move o objeto da atividade no sistema e
transforma-o em produto, em resultado. É importante ressaltar que o movimento é
sempre dialético, relacionando o nível individual – os sentidos pessoais dos
7 O conceito de ZPD será discutido em outra seção.
20
participantes – e o nível coletivo – os significados compartilhados nas interações. Todo
esse movimento é resultado da mediação. Nesse sentido, as intervenções possibilitam as
transformações e inovações no sistema coletivo. Como salienta Engeström (1999 b), a
atividade “é alcançada pela negociação, pela orquestração, pela luta constante entre as
diferentes metas e perspectivas de seus participantes”.
Ao discutir a importância central da mediação na TASHC, Engeström (1999a,) defende o estudo dos artefatos como “componentes inseparáveis do funcionamento humano na relação com os outros componentes do sistema de atividade”. Para o pesquisador:
A construção de objetos, mediada por artefatos [..] é um processo colaborativo e dialógico, em que diferentes perspectivas [...] e vozes [...] se encontram, colidem e se fundem. As diferentes perspectivas estão enraizadas em diferentes comunidades e práticas, que continuam a existir no mesmíssimo sistema de atividade coletivo (ENGESTRÖM 1999a: 382).
Tais conceitos são fundamentais para esta pesquisa que, como já apontado, está
inserida no paradigma da pesquisa crítica, em que se busca não apenas entender a
realidade, mas transformá-la. Organizada como pesquisa colaborativa, esta investigação
focaliza a interação entre a pesquisadora e a diretora no compartilhamento de sentidos e
produção de novos significados sobre direção escolar. Discute, portanto, aprendizagem
e desenvolvimento quanto a novos papéis de direção. Assim, este trabalho foi
organizado preocupando-se com a organização de espaços de colaboração e reflexão
crítica para que os participantes pudessem tomar consciência de suas ações, entendê-las
em seu contexto e na sua história, e transformá-las à luz de novos conhecimentos.
Consciência e reflexão crítica são fundamentais na atividade em foco,
desenvolvida por meio de entrevistas e reuniões reflexivas, em que a linguagem, mais
especialmente a organização linguística dos espaços interacionais, tem um papel central.
Os conceitos de consciência, mediação, atividade e linguagem, bem como os de
colaboração e reflexão, intrinsecamente relacionados, são fundamentais para sustentar
este trabalho e serão aprofundados.
1.3.1 Consciência, atividade e desenvolvimento
Neste trabalho os conceitos de consciência, atividade e desenvolvimento são entendidos com base nas discussões vygotskianas que, por sua vez estão apoiadas nas
21
premissas do pensamento histórico-dialético marxista (MARX e ENGELS, 1845-46/2007) e no monismo de Espinoza. Para Vygotsky, a consciência, como uma característica específica da espécie humana, emerge e se desenvolve a partir da mediação, ou seja, das relações que o indivíduo estabelece com os outros indivíduos e o meio. Não existe, portanto, fora de um contexto sócio-histórico, em que a linguagem assume um papel fundamental.
Para discutir esses conceitos e outros que formam a base teórico-metodológica da psicologia sócio-histórico-cultural, Vygotsky empreende um amplo programa de pesquisas, nas quais revê e discute as principais correntes de psicologia da época (Reflexologia, Associacionismo, Behaviorismo e Subjetivismo), bem como as bases filosóficas que as sustentam (Idealismo e Materialismo estrito). Faz uma crítica aos métodos utilizados pela psicologia da época quanto ao estudo dos fenômenos complexos do comportamento e das funções especificamente humanas (a memória, a percepção voluntária, a emoção, a linguagem, o pensamento consciente), dividindo-os em elementos isolados, com foco prioritário em cada um deles de forma dualística. Segundo Vygotsky, tal abordagem não possibilitava a compreensão do todo que se pretendia observar (VYGOTSKY, 1934/2001). Era preciso encontrar outra, que fosse capaz de considerar ao mesmo tempo os aspectos subjetivos e objetivos do comportamento humano e entender os nexos entre eles, o que possibilitaria considerar as relações dialéticas entre os fatores internos ao organismo (biológico) e os externos (meio).
Nessa trajetória, Vygotsky (1925/2004; 1930/2004) discute a diferença fundamental no processo de desenvolvimento dos homens e dos animais. Salienta que a atividade consciente do homem provém da experiência de toda a humanidade, acumulada no processo da história social e transmissível através do processo de aprendizagem. A grande maioria de conhecimentos, habilidades e procedimentos do comportamento tipicamente humanos não são apenas o resultado de sua própria experiência, mas adquiridos pela apropriação da experiência histórico-social de gerações anteriores e de sua ação ao adaptar-se ativamente ao meio, na construção de instrumentos para transformar a natureza em busca de satisfazer suas necessidades. A produção de instrumentos e artefatos é outra particularidade fundamental da espécie humana. Em suas palavras:
Toda a nossa vida, o trabalho, o comportamento baseiam-se na utilização muito ampla da experiência das gerações anteriores, ou seja, de uma experiência que não se transmite de pais para filhos através do nascimento. Convencionaremos chamá-la experiência histórica. Junto
22
disto deve-se situar a experiência social a de outras pessoas, que constitui um importante componente do comportamento do homem. Disponho não apenas das conexões que se fecham na minha experiência particular (...), mas também das numerosas conexões que foram estabelecidas nas experiências de outras pessoas (...) por fim ... o homem adapta ativamente o meio a si mesmo” (VYGOTSKY, 1925/2004: 65).
Vygotsky salienta o conceito de desenvolvimento na construção da consciência ao enfocar o papel do instrumento na atividade humana, mediando a relação sujeito e objeto. Estabelece diferença entre dois tipos de instrumento: o psicológico (signo) e o técnico (material). O instrumento técnico orienta o sujeito no sentido de provocar mudanças no objeto, enquanto o instrumento psicológico tem uma orientação para a psique e para o comportamento do próprio sujeito. Nas palavras do autor:
Ao inserir-se no processo de comportamento, o instrumento psicológico modifica de forma global a evolução e a estrutura das funções psíquicas, e suas propriedades determinam a configuração de novo ato instrumental do mesmo modo que o instrumento técnico modifica o processo de adaptação natural e determina a forma das operações laborais (VYGOTSKY, 1930a/2004: 94).
É importante salientar que a incorporação desses recursos à ação humana, incluindo a ação mental, não torna a ação simplesmente mais eficiente, quantitativamente, mas resulta inevitavelmente, em uma transformação qualitativamente criativa (WERTSCH e SMOLKA, 1993/1999). O instrumento medeia a atividade que relaciona o homem não só com o mundo material, mas também com os outros homens. Assim, os processos psíquicos se estruturam por meio de relações e procedimentos sócio-histórico-culturais situados e transmitidos pelos homens, no processo de comunicação e colaboração entre eles (LEONTIEV, 1978). Nas palavras de VYGOTSKY (1930a/2004: 96-97):
A inclusão do instrumento no processo provoca a atividade de toda uma série de funções novas relacionadas com a utilização do instrumento e seu manejo (...) e modifica também o curso e as diferentes características (duração, intensidade, sequência, etc.) de todos os processos psíquicos que fazem parte do ato instrumental (...) Os processos psíquicos (...) orientam-se para a resolução de uma tarefa – que é proposta pelo objeto – de acordo com a evolução do processo que é ditada pelo instrumento. Nasceu uma nova estrutura: o ato instrumental.
É importante considerar que as idéias de Vygotsky exigem que se concebam as formas de ação, mesmo individuais, sempre relacionadas aos recursos mediacionais e,
23
portanto, sociais (WERTSCH, 1991, apud WERTSCH e SMOLKA, 1993/1999).
A afirmação de Vygotsky (1930/2004: 223) de que a fonte do comportamento humano é social, com a mediação em um papel central, pode ser melhor compreendida na citação abaixo, em que este aponta a dimensão social da consciência e formula a lei genética do desenvolvimento das funções psicológicas superiores:
No desenvolvimento cultural, todas as funções entram em cena duas vezes, em dois diferentes planos: primeiro no social, depois no plano psicológico; primeiro como uma forma de cooperação entre as pessoas, como uma categoria coletiva e interpsicológica, depois como meios de comportamento individual, como uma categoria intrapsicológica.
Dessa maneira, Vygotsky defende que, no desenvolvimento de uma criança,
cada função era externa antes de ser interna, ou seja, era social antes de ser individual. É
com este sentido que podemos entender a afirmação de que a mente humana e a
consciência humana seja “Cons Ciência” (LEONTIEV, 1978a: 78) e que se forme a
partir do externo (do meio) para o interno (mental). Wertsch e Smolka (1993/1999)
apontam que é significativo que Vygotsky tenha formulado essa lei em função de como
uma e a mesma função aparece em dois planos para reforçar que os processos de
internalização – processos intramentais – têm uma relação com a transformação
genética e com “a formação de um plano interno da consciência” (grifo dos autores).
Isto significa que todas as funções que conhecemos como caracteristicamente de
nossa espécie, as chamadas funções psicológicas superiores (a atenção voluntária, a
memória lógica, a abstração, a comparação, a imaginação, a capacidade de
planejamento, entre outras) não são processos inatos, mas se desenvolvem na relação
com outros seres humanos e com o ambiente e estavam primeiramente no próprio
ambiente. O deslocamento de um plano externo para o interno dá-se por meio de um
processo que Vygotsky chamou de internalização.
Ao discutir o processo de internalização, Vygotsky salienta que esse processo
não é um simples espelho direto da relação social externa, mas é uma transformação
refletida, ou seja, reorganização das estruturas mentais a partir das (novas) informações
compartilhadas e das relações que se estabelecem com os conhecimentos já existentes
no indivíduo. Por meio dos processos de internalização e externalização, o indivíduo
transforma e impulsiona novas formas de ação que produzem outras ações e, assim,
24
sucessivamente. Uma vez interiorizadas, essas funções superiores se transformam em
“ferramentas mentais” que regulam a atividade do sujeito e possibilitam ao indivíduo
atuar sobre o ambiente de forma controlada e organizada e voluntária (VYGOTSKY,
1930/2004, LEONTIEV, D., 2005).
Moran e John-Steiner (2003) também discutem esses dois processos sociais –
internalização e externalização. Apontam que estão em constante tensão dialética entre
si e que o movimento interno / externo torna-se cíclico, conectando passado e futuro,
cujo resultado constrói a história e a cultura. No plano intersubjetivo, esta relação pode
ser compreendida como uma interação da pessoa com ela mesma, também uma forma
de interação (VYGOTSKY, 1925/2004). Em resumo, como sintetiza Luria (apud
LEONTIEV, D., 2005: 30), as funções superiores são: “1. sociais por sua origem; 2.
mediadas por sua estrutura; 3. voluntárias e deliberadas por sua forma de
funcionamento”.
Para elucidar a perspectiva de aprendizagem adotada nesta pesquisa, que analisa
uma atividade de formação de diretor, discuto na próxima seção os conceitos de
mediação e os tipos de mediação quanto à aprendizagem e desenvolvimento.
1.3.2. Mediação: aprendizagem e desenvolvimento
Para iniciar esta seção discuto a relação aprendizagem-desenvolvimento com
foco na mediação. Considero necessário distinguir a aprendizagem incidental,
espontânea, resultado da vivência cotidiana, e a aprendizagem organizada e intencional,
bem como o tipo de mediação envolvida em cada uma delas. Para Vygotsky, a
aprendizagem só é útil na medida em que conduz ao desenvolvimento, entendido como
a reorganização das estruturas mentais a partir de novas informações recebidas e
articuladas com os conhecimentos e experiências já elaboradas pelo sujeito.
Em suas pesquisas, dedicou uma atenção especial ao desenvolvimento dos
conceitos na criança, concluindo que esse processo revela as leis mais profundas do
processo de formação dos conceitos em geral; porém, suas conclusões podem ser
aplicadas para a aprendizagem dos seres humanos em geral.
Para elaborar a relação dialética entre aprendizagem e desenvolvimento,
Vygotsky distingue os conceitos espontâneos – que são produzidos na experiência
cotidiana e espontânea da criança com o seu meio – dos conceitos científicos –
introduzidos na educação formal. Atribui o nível maior de consciência aos conceitos
25
científicos ao discutir o contexto escolar, salientando o fato de estes últimos serem
produzidos em colaboração sistemática entre o professor e a criança. Em consequência
dessa colaboração, o indivíduo torna-se capaz de se envolver em atividade
desenvolvimental consciente e volitivamente, ao invés de só espontaneamente. Para
explicitar essa relação, Vygotsky introduziu o conceito de ZPD (zone of proximal
development ou zona proximal de desenvolvimento), discutido pelo próprio autor de
diferentes formas (VYGOTSKY, 1934/2001: 244-311; 1926/2004b: 480 et seq.) e
interpretada por pesquisadores pós vygotskianos também diferentemente. A partir da
constatação de que “O que hoje a criança faz com auxílio poderá fazer amanhã por
conta própria” (VYGOTSKY, 1927/2004: 480), o autor salienta que “o
desenvolvimento decorrente da colaboração (...) é a fonte do surgimento de todas as
propriedades especificamente humanas da consciência” (VYGOTSKY, 1934/2001:
331).
John-Steiner (2000: 187) acrescenta que “esse contexto colaborativo fornece
uma zona de desenvolvimento proximal mútua na qual os participantes podem
aumentar o seu repertório de expressão cognitiva e emocional”. Isto significa que a
ZPD mútua favorece a possibilidade de indivíduos aprenderem um com o outro e se
constitui num espaço de crescimento em que cada participante possa ouvir o outro e
também ouvir-se de uma outra perspectiva, ou seja, que possa ser, também, o outro para
si mesmo; e que, por meio dessa colaboração, possa transcender as limitações da
biologia, do tempo, dos hábitos, indo além das limitações e talentos individuais.
Com base nessas discussões, Magalhães (2009p) define o conceito de Zona
Proximal de Desenvolvimento (ZPD), como um espaço de conflito e de negociação, em
que a aprendizagem-desenvolvimento se dá por meio da negociação e consequente
criação de um espaço de colaboração, compreendida como práxis, isto é, como
“atividade prático-crítica”.
Para a autora, o objetivo de Vygotsky ao criar o conceito de ZPD era enfatizar a
importância do desenvolvimento e da relação colaborativa na relação com outros, ou
seja, defender que “desenvolver” significa criar contextos para transformar totalidades e
não particulares. Nessa direção, Newman e Holzman (1993/2002: 82) argumentam que,
ao criar a ZPD,
26
[Vygotsky] praticou conscienciosamente a metodologia do instrumento-e-resultado: descobriu a unidade de estudo “psicológica” caracteristicamente humana, que, já se sabe, não é unidade psicológica nenhuma, mas uma unidade sócio-histórica; ele descobriu a unidade (aprendizagem e desenvolvimento). Pois a ZDP nada mais é do que a unidade psicológica (...) da história (...) e, portanto, o lugar da atividade revolucionária.
Com base nessas discussões, a ZPD pode ser entendida como uma zona de
possibilidades, um espaço de troca, em que os sentidos dos participantes podem ser
colocados em negociação, em busca da produção de novos significados compartilhados,
que, por sua vez, geram novos sentidos, num movimento incessante. Esse movimento
teria a capacidade de transformar estruturas (MAGALHÃES, 2009p; NEWMAN &
HOLZMAN, 1993/2002). Esse conceito traz enormes implicações para o processo de
ensino-aprendizagem, não só de crianças como do ser humano de forma geral. Segundo
Newman e Holzman, para ser coerente com o pensamento dialético marxista de
Vygotsky, a ZPD deve ser encarada como uma unidade revolucionária, uma vez que
Vygotsky, como marxista, entendia que “a atividade de produzir é inseparável do
produto” (NEWMAN e HOLZMAN, 1993/2002: 90). Nesse sentido, defendem que a
“revolucionária descoberta monista de Vygotsky, radicalmente sintetizada indivíduo-
em-sociedade-na-história é a expressão sociológica da ZPD”. (ibid., p. 90) Assim, mais
do que um fator a se observar no modo como cada pessoa aprende, a ZPD pode ajudar
também a investigar como coletivos de pessoas aprendem.
Como aponta Daniels (2003: 82), Engeström (1987: 174) discute a ZPD dentro
de uma perspectiva “coletivista” ou “societal”, em que é definida como a distância entre
as ações cotidianas do indivíduo e a forma historicamente nova da atividade que pode
ser coletivamente gerada. Segundo Engeström (1999: 180), ZPD seria o espaço de
transformação radical potencial do sistema de atividade, alcançável pelas resoluções das
contradições, ou seja, seria um processo articulador da história da atividade e sua
projeção futura. Em suas palavras: “As tensões relacionadas ao agrupamento de ações e
vozes oferecem uma janela na emergente ZDP do sistema de atividade local” (ibid., p.
180). De acordo com qualquer uma das definições, os conceitos de mediação, ZPD e
colaboração estão estreitamente relacionados no processo de desenvolvimento humano.
Nesta pesquisa, que se define como pesquisa crítica de colaboração, a Zona de
Desenvolvimento Proximal (ZPD) é entendida como uma zona de confiança, mas
27
também de conflitos, em que as participantes compartilham a produção do
conhecimento por meio de sentidos e significados construídos e “em que as mediações
sociais são “pré-requisito” (instrumento) e “produto” (desenvolvimento)
(MAGALHÃES, 2009p, grifos da autora). Esse conceito me possibilita entender se e
como os espaços de troca e discussão entre os participantes foram organizados e se, de
fato, possibilitaram o desenvolvimento e a transformação dos envolvidos; se a relação
que se estabeleceu entre diretora e pesquisadora deu-se por meio de “ZPD mútuas que
foram criadas” (JOHN-STEINER, 2000), promovendo aprendizagem para ambas; e,
ainda, se e como essa aprendizagem se reflete no contexto imediato.
1.3.3. Linguagem, consciência e desenvolvimento
Para Vygotsky, o mais importante de todos os sistemas simbólicos criados pela
cultura humana é a linguagem, entendendo-a como constitutiva do ser humano e como
principal instrumento para a mediação do homem com os conhecimentos sociais.
Vygotsky aponta, ao longo de seu trabalho, que os signos e a linguagem funcionam, ao
mesmo tempo, como meio de comunicação e modo de operação mental, o que
possibilita que a atividade humana seja conservada e partilhada individual e
coletivamente. Afirma “que a estrutura da consciência é uma estrutura semântica”
(VYGOTSKY, 1930a/2004: 94) e o pensamento é um processo mediado, que se realiza
na palavra. Para o teórico, o significado da palavra é ao mesmo tempo linguagem e
pensamento, pois é “uma unidade do pensamento verbalizado” (VYGOTSKY,
1934/2001: 11). Para o autor, a partir do domínio da linguagem, todo o sistema do
homem se reorganiza, transformando o modo de funcionar do indivíduo e a maneira de
se relacionar com os outros seres humanos e com a própria natureza. O indivíduo passa
a ser capaz de se desprender de seu contexto imediato e adquire a possibilidade de
planejar, transmitir seu conhecimento e experiência para os outros homens e para as
gerações futuras.
Dessa forma, como já apontado, podemos compreender que, como um sistema
de símbolos e significações, a linguagem tem, para Vygotsky, um caráter instrumental,
que medeia a relação entre o indivíduo e o meio. Porém, coerente com o seu
pensamento, o ato instrumental, como já discutido, é dialético, ou seja, reflete e refrata a
realidade e, nesta perspectiva, como característica essencialmente humana, a linguagem
pode ser entendida como constituinte do indivíduo.
28
Na mesma direção, Bakhtin discute a consciência humana no arcabouço teórico da filosofia da linguagem. Para ele, a consciência só pode se desenvolver se encontrar um material concreto, flexível, veiculado pelo corpo (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929-1930/2006). Esse material é o signo, a palavra, que pode ser utilizada tanto como signo exterior ou também como signo interior. A própria consciência surge e se afirma como realidade mediante a encarnação material em signos e somente no processo de interação social. Nessa direção, Bakhtin postula que não existe um abismo entre atividade psíquica interior e sua expressão. Tudo o que ocorre no psiquismo pode tornar-se material para a expressão da atividade psíquica, uma vez que tudo pode adquirir um valor semiótico e, assim, tornar-se expressivo. Estes signos, as palavras, são intrinsecamente sociais, na medida em que emergem nas relações do indivíduo com os outros e estão impregnados de conteúdo ideológico (semiótico). Assim, “os signos são o alimento da consciência individual, sua lógica e suas leis” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929-1930/2006: 36).
Dessa maneira, para Bakhtin, é na linguagem e pela linguagem, na interação e
evolução constante entre os diversos enunciados proferidos pelos falantes em diversas
situações de comunicação, que o homem se constitui. A enunciação é entendida como
uma unidade significativa da língua, escrita ou oral, que comporta outras vozes além da
voz do enunciador, não existindo fora de um contexto sócio-histórico. A tensão entre os
diversos enunciados é o que Bakhtin chamará de relações dialógicas. A idéia de
dialogia é fundamental nos escritos de Bakhtin sobre os processos mentais e sociais
humanos e diz respeito a como uma ou mais vozes entram em contato. Dito de outra
maneira, só podemos entender qualquer enunciação, na relação com as outras
enunciações (WERTSCH e SMOLKA, 1993). Isso significa que a palavra utilizada e
pronunciada por um indivíduo já carrega, em si, índices de valor, ou seja, crenças,
modos de pensar, idéias que despontam numa determinada sociedade e são absorvidas
pela comunicação cotidiana (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 1929-1930/2006). Em seu
processo de vida, os indivíduos estão sempre imersos numa corrente de comunicação,
nossos enunciados comunicam com outros: respondem, refutam, complementam. Nesse
sentido, nossas palavras carregam outras “vozes”, por meio das palavras que já foram
pronunciadas por outros. Esse movimento se dá, não apenas em relação ao falante
imediato, mas também, a discursos que já foram proferidos ou a outros que ainda o
serão.
Assim, todo enunciado é dialógico e constituí-se a partir de outro enunciado.
29
Neste sentido é sempre heterogêneo, pois comporta pelo menos duas vozes: a do falante
e aquela em oposição a que se construiu (FIORIN, 2006). Bakhtin/Volochínov (1929-
1930/2006) aponta que o indivíduo, ao proferir um enunciado, preocupa-se não apenas
com o objeto do discurso, mas também com todos os outros discursos à sua volta. Essas
relações dialógicas podem ser entendidas como um conflito de vozes, que lutam na
enunciação e mostram pontos de vista e possibilidades semânticas, numa influência
recíproca. Os participantes da interação assumem atitudes avaliativas e acabam por
expressá-las tanto por meio de expressões orais quanto gestuais ou de entonação da voz.
Para compreender como se dá a apreensão da palavra do outro, do discurso alheio que
habita em nós, Bakhtin (1934-35/1998) faz uma distinção entre discurso internamente
persuasivo e discurso de autoridade.
O discurso de autoridade entra na consciência verbal (individual e social) como
uma massa compacta e indivisível, que dificulta o questionamento e impõe um tipo de
assimilação de um único sentido como o significado a ser aceito, transmitido e
reconhecido. É, por exemplo, o caso do enunciado das leis, normas etc. Já a palavra /
discurso internamente persuasivo envolve um processo de assimilação pessoal e criativo
do discurso do outro, implica uma transformação na consciência. É aquela palavra que
dialoga com a palavra do outro, lugar do “nós”, onde história, valores e sujeitos se
misturam. Assim, dá-se a possibilidade de sentidos pessoais trazidos pelos indivíduos
envolvidos serem expressos e negociados e neste processo se produz gradualmente um
significado, que é parte seu e parte do outro (VYGOTSKY, 1924-1930/2004;
LEONTIEV,1978; BAKHTIN, 1934-35/1998).
Nesta pesquisa, tais conceitos são fundamentais, pois ajudam a compreender
como se relacionam os enunciados das participantes e de que maneiras refletem ou
refratam os enunciados ao seu redor. Colaboram, também, para o entendimento de como
os discursos das participantes revelam características de discurso autoritário ou
internamente persuasivo e como, no movimento interacional, refratam e refletem a
realidade exterior, se reorganizam, se re-elaboram, possibilitando o compartilhamento
de novos significados.
1.3.4 Sentido e significado
Os conceitos de sentido e significado são centrais na obra de Vygotsky, mas ao
serem discutidos por pesquisadores posteriores, constituíram inúmeras contradições.
30
Para Vygotsky, o sentido e o significado são duas faces do signo. Os significados estão
dados, fazem parte do social. Mas na apreensão individual, o significado da palavra não
é estável, constante ou imutável, dado de uma vez por todas. Quando um indivíduo
apreende o significado de uma palavra, o trabalho com ela apenas se inicia, pois o
significado evolui na cooperação entre os indivíduos. Uma palavra, um signo, contém
tanto o sentido (pessoal) como o significado (social) em constante tensão dialética. O
significado é a parte estável do signo.
Vygotsky (1934/2001) explica que indivíduo e grupo dialogam dialeticamente e
compartilham conhecimento. Ao considerarmos uma perspectiva sócio-histórico-
cultural, o significado se desenvolve na relação entre os homens de diferentes culturas
ao longo da história. Ao entrar em contato com outros seres humanos, o indivíduo traz
ao grupo os seus sentidos, que foram formados em sua experiência única e individual ao
longo de sua vida. Esses sentidos, ao se relacionarem com os sentidos individuais de
outras pessoas, são compartilhados e novos significados são negociados e vão sendo
modificados por aquele grupo, a partir dos quais novos significados são produzidos e
compartilhados. O sentido é pessoal, trazido pelo indivíduo a partir de suas experiências
e sua história e faz parte do significado, mas não foi fixado por ele.
Para Leontiev (1978a), o processo de apropriação do mundo objetivo pelo
sujeito começa no sistema de relações em que toma lugar a transição do conteúdo
objetivo da atividade em seu produto. Para que esse processo possa ser realizado, o
produto deveria ser apresentado ao sujeito com suas propriedades materiais, e a
transformação deve emergir como algo do qual o sujeito é consciente, quer dizer, de
uma forma ideal. Essa transformação é efetivada por meio da linguagem, que traz em
seus significados (conceitos) um certo conteúdo objetivo. Os significados linguísticos
carregam valores que são modos de ação, socialmente desenvolvidos (operações),
processo pelo qual as pessoas mudam e conhecem a realidade objetiva. Assim, os
significados refratam o mundo na consciência do homem, mas são produzidos pela
sociedade e possuem sua própria história no desenvolvimento das formas da consciência
social. Nessa sua existência objetiva, subordinam-se às leis histórico-sociais e,
simultaneamente, à lógica interna de seu próprio desenvolvimento. Para Leontiev, o
sentido pessoal revela a apreensão individual do significado, atualizado na própria
história do sujeito e ancorado nas suas experiências pessoais.
Tais conceitos são importantes, nesta pesquisa, de várias formas. Colaboram na
31
direção de entender como determinados termos como gestão, participação, cidadania,
qualidade, entre outros, despontam com maior ou menor força numa determinada
sociedade e num contexto como o escolar, e começam a fazer parte do discurso das
participantes. Na medida em que estas palavras trazem conceitos historicamente
construídos, é necessário aprofundar quais os sentidos que as participantes construíram
para esses conceitos. Entendendo que, numa perspectiva vygotskiana, a aprendizagem e
o desenvolvimento ocorrem quando se internaliza um conceito na relação com o outro, a
internalização acontece nas significações constituídas no processo de interação, às quais
o sujeito confere um sentido pessoal.
Na medida em que a linguagem possui uma materialidade sígnica, ela é,
simultaneamente, instrumento-e-resultado do processo de interação entre os
participantes, que internalizando e externalizando os conceitos discutidos, podem
reorganizar suas estruturas cognitivas e possibilitar novas compreensões. Nessa direção,
esses conceitos ajudam a compreender como, numa perspectiva dialógica, esta pesquisa
consegue garantir espaços de aprendizagem e desenvolvimento para os envolvidos.
1.3.5 Linguagem, Linguística Aplicada e Pesquisa Crítica de Colaboração
Esta seção discutirá a relação entre os conceitos já abordados para justificar a
pertinência deste trabalho no campo interdisciplinar da Linguística Aplicada (doravante,
L.A.). A L.A. pode ser considerada como um campo de caráter interdisciplinar que
investiga o mundo real, as relações humanas e sociais, de modo que teoria e prática
sejam contempladas e a linguagem ocupe um papel central. Isto significa que a L.A.
preocupa-se com a linguagem em uso, busca referência de uma língua real, uma língua
falada por falantes reais, em práticas reais. Daí a especificidade do objeto de pesquisa
em L.A.: o estudo de práticas específicas de uso de linguagem em contextos específicos
(SIGNORINI, 1998/2004).
No período final dos anos 1980 e na década de 1990, começou-se a discutir, nos
meios científicos e acadêmicos, de que maneira as novas formas de entender o mundo
impactavam as ciências humanas de maneira geral. Nesse movimento, questionou-se
como os paradigmas de pesquisa e de construção de conhecimento, ainda muito
centrados num modelo positivista, afetavam a L.A. e que impactos trariam para uma
forma de fazer pesquisa de natureza aplicada num quadro crítico. Para Signorini
(1998/2004: 8) “novos e diversificados focos de interesse e novos grupos de
32
pesquisadores trabalhando na área favoreceram a expansão e a consolidação de uma
base multidisciplinar na constituição dos procedimentos de investigação próprios do
campo aplicado”, o que, por sua vez, possibilitou a emergência de um caráter
transdisciplinar.
Na mesma direção, Moita Lopes (1998/2004: 114) afirma que “O Linguista
Aplicado, partindo de um problema com o qual as pessoas se deparam ao usar a
linguagem na prática social e em um contexto de ação, procura subsídios em várias
disciplinas para que possam iluminar as questões em jogo”. Deve, também, considerar
a compreensão das mudanças relacionadas à vida sociocultural, política, histórica que
elas vivem (MOITA LOPES, 2006). Pennycook (1998/2004, 2006) também traz
questão semelhante e defende que todo linguista aplicado deve perceber-se como
intelectual situado em lugares sociais, culturais e históricos bem específicos, o que
exige que se rompa com os modos de investigação que sejam associais, apolíticos e a-
históricos. Enfatiza que, na L.A. é necessário conceber a linguagem como fundamental
tanto para manter quanto para mudar a maneira como vivemos e compreendemos o
mundo e a nós mesmos.
Essas discussões têm apontado cada vez mais para uma L.A. que, mais do que
“aplicada” está “implicada” (ROJO, 2006), ou seja, um campo de estudos “implicado”
com o social, desmascarando uma concepção asséptica e ingênua da ciência e do
conhecimento. Essa L.A. transdisciplinar tenta “criar inteligibilidades para problemas
sociais em que a linguagem tem papel central (MOITA LOPES, 2006a: 14) e cuja
característica essencial é o “envolvimento em uma reflexão contínua sobre si mesma:
um campo que se repensa insistentemente” (ibid., p. 17). Para esse movimento, são
necessárias teorizações que dialoguem com o mundo contemporâneo, com as práticas
sociais, com desenhos de pesquisa que considerem diretamente os interesses daqueles
que trabalham e agem no contexto de aplicação.
Por seu caráter multi e transdiciplinar, a L.A. é um campo fecundo para o estudo
de problemas que necessitam da contribuição de várias disciplinas para lançar luz para
as questões em foco. Este é o caso de uma pesquisa que se preocupa com a formação de
educadores, mais especialmente com a formação de diretores. Para o entendimento
desta problemática são convocadas as contribuições de várias disciplinas, tais como: a
psicologia, a educação, a legislação, entre outras. A abordagem adotada nesta pesquisa
exige, ainda, uma discussão sobre os princípios do que se convencionou chamar de
33
pesquisa crítica de colaboração: a centralidade da linguagem, os conceitos de
colaboração e a reflexão crítica.
1.4 A Pesquisa Crítica de Colaboração
Tal como vem sendo discutida por Magalhães e colaboradores desde 1990, a
pesquisa crítica de colaboração pode ser considerada como um método de pesquisa
desenvolvido no contexto escolar, situado num paradigma crítico e inserido no campo
interdisciplinar da Linguística Aplicada, mais especificamente, da Linguística Aplicada
Crítica. Esse tipo de metodologia tem algumas especificidades que a distingue das
demais pesquisas em Ciências Sociais: por sua intenção de intervenção comprometida
com a transformação social; pela centralidade que a linguagem ocupa em sua condução;
pelo tipo de relacionamento entre os participantes. Agrega pesquisa e formação e cria a
possibilidade dos participantes (incluindo os pesquisadores) aprenderem, por meio da
participação coletiva na condução da pesquisa, e estarem comprometidos com a
produção de conhecimentos significativos e com a transformação das práticas em foco,
visando à superação das condições sociais de desigualdade em todas as suas
manifestações: pobreza, autoritarismo, preconceito, violência, etc.
Desenvolvida no grupo de pesquisa do departamento de Linguística Aplicada e
Estudos da Linguagem (LAEL/PUC-SP), especificamente no contexto de formação de
educadores em ação, como aponta Magalhães (2009p):
(...) este tipo de pesquisa tem sido utilizada como lócus de discussão, para repensar as necessidades de seu contexto específico, isto é, a cultura tradicional que dita as regras que organizam os papéis da equipe diretiva, de professor e de alunos. Mais ainda, espaços para que a escola, como um todo, discutisse, questionasse e, realmente, trabalhasse, contra a alienação e individualidade que, em geral, embasa toda a organização escolar, bem como com os problemas que hoje se colocam como resultado de novas organizações sócio-histórico-culturais (e.g., a violência, o desânimo, a certeza da falência e os péssimos resultados de avaliações locais, nacionais e internacionais). Em suma, uma metodologia que organizasse os projetos de pesquisa e de extensão como “pré-requisito e produto, ferramenta e resultado do estudo”, de forma a possibilitar aprendizagem e desenvolvimento a todos os participantes.
A pesquisadora salienta o papel fundamental da linguagem para criar espaços
colaborativos que possibilitem aos participantes, por meio de práticas dialógicas,
refletirem sobre sua ação, questionarem suas escolhas, admitirem conflitos e incertezas,
34
bem como desenvolverem uma prática sistemática de análise e interpretação dos
discursos, com o objetivo de transformar suas ações à luz de outras informações. Nesse
tipo de pesquisa os conceitos de reflexão crítica e colaboração são fundamentais.
Kemmis (1987) considera a reflexão crítica um processo em que os educadores
(professores, coordenadores, diretores e funcionários da escola) conscientizam-se do
próprio discurso por meio da contínua problematização e reflexão sobre seus fazeres e
representações, ou seja, os sentidos que atribuem às suas ações. Por meio de uma
contínua problematização dessas práticas, espera-se desvendar algumas relações entre
os sentidos reveladas no discurso e sua realização na ação. Procura-se, desta forma, que
a reflexão possibilite aos participantes entendê-las e transformá-las. A reflexão crítica,
nessa perspectiva, envolve os participantes em um discurso que se organiza de forma
argumentativa, focalizando o questionamento das razões que sustentam as escolhas
feitas no agir cotidiano (MAGALHÃES, 1998a/2007). Essa transformação não busca
apenas uma maior eficiência para a ação, no contexto imediato, mas preocupa-se,
também, com uma relação mais ampla, no social.
Estreitamente ligada à reflexão crítica está a discussão do conceito de
colaboração e das formas de colaboração na construção de um conhecimento
compartilhado. Nesse contexto, a colaboração pode ser entendida como o
estabelecimento de um processo intencional de participação, que pressupõe uma atitude
de envolvimento dos participantes, o desenvolvimento de uma confiança mútua, forjada
numa atitude de respeito em considerar os valores, as idéias e as necessidades do outro,
e em expor, de forma clara, suas próprias idéias, valores e necessidades. Implica em
disponibilidade, compromisso e responsabilidade, em intenção transformadora.
(MAGALHÃES, 2003/2007; MAGALHÃES E FIDALGO, 2007; NININ, 2006a).
John-Steiner (2000: 188) aponta que a atuação conjunta, o interesse na resolução
de problemas comuns, em que cada participante pode compartilhar outras maneiras de
pensar, expandindo seus próprios entendimentos é crucial para o sucesso de um
empreendimento colaborativo. Segundo a autora, esforços colaborativos são processos
dinâmicos e mutáveis em que os indivíduos assumem riscos emocionais e intelectuais,
para construir mutualidade e interdependência produtiva, com vistas a desenvolver uma
visão compartilhada, bem como a atingir conjuntamente resultados negociados.
Define alguns padrões de colaboração (distribuída, complementar, integrativa e
35
familiar – que não será aqui discutida), bem como os papéis que os participantes
assumem em cada uma delas (ibid., p. 101). Esses padrões variam quanto a: intensidade
de colaboração, duração, processos interacionais envolvidos e objetivos. A autora
adverte, ainda, que tais padrões não são hierárquicos e muitas vezes a colaboração
começa com um padrão e termina com outro.
1. A Colaboração distribuída ocorre quando os indivíduos estão ligados por interesses
similares. Neste tipo de colaboração, que acontece tanto em contextos mais informais
como em contextos organizados, a divisão de papéis é informal e voluntária. De tempos
em tempos, podem surgir “insigths” pessoais e quando as trocas se tornam
controversas, o grupo pode se romper e formar outros grupos.
2. A Colaboração complementar, que envolve compreensão mútua, é a forma mais
frequentemente encontrada. Caracteriza-se a pela divisão de trabalho baseada no saber
complementar, nos papéis e no temperamento dos participantes, que negociam metas e
trabalham para um uma visão comum. Este tipo de relacionamento proporciona
benefícios pessoais, que vão além da mera realização de tarefa conjuntamente
negociada. Citando Wertsch, John-Steiner (2000: 199) retoma o conceito bakhtiniano
de apropriação, como “o processo de tomar alguma coisa que pertence a outro e fazê-
lo seu”. Em empreendimentos colaborativos, a apropriação mútua é o resultado de um
engajamento sustentado, durante o qual os participantes, escutam, discordam e lutam
para alcançar os pensamentos e as idéias dos outros. Este procedimento não é apenas
um processo cognitivo, mas sim apropriação intelectual e emocional.
3. A Colaboração integrativa requer dos participantes um período prolongado de
compromisso e empenho numa atividade comum. Este padrão cresce no diálogo, na
tomada de riscos e em uma visão negociada, representando uma forma particular de
interdependência humana que leva anos para ser completamente realizada. Os
participantes podem construir um padrão comum de crenças ou ideologia, que os
sustenta em períodos de oposição e insegurança. São motivados pelo desejo de
transformação de conhecimento, estilos e novas visões.
Em contextos de pesquisa e formação, estabelecer uma postura colaborativa é,
portanto, fundamental para que os participantes possam trabalhar juntos, partilhando
sentidos e construindo novos significados. Porém, como já apontado, o processo de
colaboração, implica em conflitos, tensões e questionamentos, que, por sua vez,
36
possibilitam aos participantes distanciamento, reflexão e autocompreensão, em relação
aos seus próprios discursos, e a relação destes com a prática efetiva que desenvolvem.
Na negociação e resolução desses conflitos está a possibilidade de desenvolvimento e
aprendizagem, ou seja, a produção compartilhada de novas compreensões e
possibilidades de ação.
Ninin (2006a) aponta os seguintes princípios como constituintes de um processo
colaborativo:
1) responsividade – cada participante assume as diferentes visões explicitadas no grupo;
2) deliberação - cada participante apresenta argumentos e contra-argumentos para
defender e embasar seus pontos de vista, mantendo-se firme em sua posição até
encontrar razões fundamentadas para mudar de opinião;
3) alteridade - cada um desenvolve a capacidade de se colocar no lugar do outro,
convivendo com as diferenças e buscando complementaridade e interdependência;
4) humildade e cuidado – o interesse do grupo prevalece sobre os interesses pessoais; e
5) mutualidade - o grupo, e cada um, reconhece a necessidade de participação de todos
os envolvidos.
Na medida em que esta pesquisa se insere no quadro de formação de educadores
em uma perspectiva crítica e considerando os vários aspectos da colaboração, considero
fundamental aprofundar o conceito de reflexão, na sua relação com processos
colaborativos.
1.4.1. Pesquisa crítica de colaboração: reflexão e formação
Muitos autores discutem o processo reflexivo e as interpretações sobre o que
seja refletir. Considerando a inserção deste trabalho na L.A., numa perspectiva
vygotskiana, em que a linguagem é considerada instrumento e objeto da constituição
humana, o estudo das características linguísticas do processo reflexivo torna-se
fundamental.
Baseado nos estudos de Habermas sobre o conhecimento humano, Van Manen
(1970, apud LIBERALI, 2008) descreveu três tipos de reflexão: técnica, prática e
crítica. A reflexão técnica estaria preocupada com a eficiência e a eficácia dos meios
para atingir determinados fins e da teoria como forma de previsão e controle dos
eventos. Nessa perspectiva, o educador estaria voltado a buscar, nas descobertas
científicas e nas teorias, as soluções para seus problemas. Assim a reflexão técnica é
37
marcada pela avaliação das práticas, segundo as normas da teoria e nas situações em
que ela tem lugar é comum se observar tentativas de aplicar conhecimentos teóricos,
mesmo sem uma compreensão real sobre eles.
A reflexão prática, preocupada com o conhecimento do cotidiano, caracteriza-se
pela focalização em necessidades funcionais. Em contexto em que o foco é a reflexão
prática, o trabalho é marcado por relatos ou narrativa de fatos, muitas vezes
entremeados de avaliações pessoais, uma vez que há uma tentativa de compreender as
ações a partir da própria experiência e conhecimento de mundo. A reflexão crítica
relaciona-se com as organizações anteriores, porém valorizando critérios morais e éticos
para a análise da situação e levando em conta os contextos histórico-sociais mais
amplos. Baseada na pedagogia crítica (FREIRE, 1970; KEMMIS, 1987; KINCHELOE,
1993/1997), a reflexão crítica se preocupa com uma tomada de posição frente aos
acontecimentos, de forma a desenvolver possibilidades de transformá-los.
Com base na discussão de Freire (1970), Smyth (1992) aponta que o processo
reflexivo se desenvolve a partir de quatro ações de linguagem, que estão estreitamente
relacionadas e não são hierárquicas: descrever (o que faço?); informar (o que agir
deste modo significa? ou qual a fundamentação teórica da minha ação?); confrontar (a
que interesses servem minhas ações?); reconstruir (como posso agir de forma
diferente?). Estas ações como já dito, estão relacionadas e a separação é apenas
metodológica/didática. Todavia, saliento que as ações do descrever e do informar estão
relacionadas ao microcontexto de ação, diferentemente das ações do confrontar e do
reconstruir.
Assim, o descrever leva o participante a apresentar verbalmente suas ações, o
que lhe permite distanciamento e questionamento sobre as escolhas feitas. O informar
envolve a busca pelos princípios que sustentam, inconscientemente ou não, suas ações.
Magalhães (1998a,b/2007) destaca que no momento de informar, o participante pode
descobrir que age de forma contrária a seus objetivos, atingindo uma compreensão do
que realmente faz e dos significados do que faz, que muitas vezes ficam escondidos
num discurso cristalizado e distorcido sob o senso comum. A discussão, então, passa
para um outro nível, isto é, passa a enfocar a escola como agente cultural e de uma
comunidade mais ampla. É o momento de confrontar, quando o educador retoma o seu
agir, num quadro sócio-histórico, que lhe permite uma compreensão maior dos
significados de suas ações para a manutenção ou transformação de desigualdades,
38
injustiças e preconceitos. A compreensão de suas práticas, dialeticamente relacionadas
com o resultado das três ações anteriores, pode proporcionar ao sujeito a possibilidade
de reconstruir sua ação, intervindo de forma mais produtiva no contexto escolar. O
momento de reconstruir sua ação coloca-se quando o participante se pergunta: como
posso agir de modo diferente? É o momento de emancipação de si mesmo e da
possibilidade de se tornar um agente de transformação.
Assim, podemos entender que as ações da reflexão crítica só acontecem com a
mediação do outro e com o compartilhamento de novos significados. Saliento que
podemos ser o outro para nós mesmos, como já apontavam Vygotsky (1925/2004) e
Bakhtin (1929-30/2006). Por meio da linguagem, intencionalmente, organizam-se
espaços de troca capazes de proporcionar aprendizagem e desenvolvimento e, nesse
processo, torna-se possível negociar, avaliar (entender, afirmar, analisar e questionar). O
objetivo final é que os educadores se vejam como agentes críticos, que tomem decisões
levando em conta a questão sociocultural e que se perguntem a que interesses servem as
ações escolhidas, ou seja, se estão a serviço da manutenção ou da transformação do
“status quo”.
Podemos relacionar também, na atividade Formação de Diretor, que é o foco
desta pesquisa, as ações sobre o processo reflexivo proposto por Smyth, e a discussão
de Engeström sobre o ciclo expansivo de aprendizagem. Nas palavras do autor :
A teoria da aprendizagem expansiva está baseada na dialética de ascender do abstrato para o concreto. Este é um método de agarrar a essência de um objeto traçando e reproduzindo teoricamente a lógica de seu desenvolvimento, de sua formação histórica, através da emergência e resolução de suas próprias contradições (...) uma nova idéia teórica ou um conceito é produzido inicialmente de forma abstrata. Esta abstração inicial vai sendo enriquecida e transformada num sistema concreto de múltiplas manifestações em constante desenvolvimento, ou seja, no ciclo expansivo, a idéia inicial é transformada num objeto complexo, uma nova forma de prática e ao mesmo tempo, este ciclo produz novos conceitos teóricos (ENGESTRÖM, 1999: 382)
O autor completa explicando que nesse quadro teórico, o termo “abstrato”
refere-se a parcial, separado da totalidade concreta. Adverte que no pensamento
empírico, que é baseado na comparação e em classificações, as abstrações capturam
arbitrariedades, ou seja, apenas propriedades formalmente interconectadas. No
pensamento teórico dialético, baseado em ascender do abstrato para o concreto, uma
abstração captura a menor e mais simples unidade de todo o sistema funcionalmente
39
interconectado.
O ciclo de aprendizagem expansiva organiza-se em sete ações, que também não
são hierárquicas (ENGESTRÖM, 1999a):
1) QUESTIONAR – consiste de um momento em que o sujeito questiona, desafia ou
até mesmo rejeita alguns aspectos da prática aceita e consagrada. Os
questionamentos partem de um sujeito individual, mas acabam por ser
compartilhados com outros.
2) ANALISAR – envolve situações de transformação mental, discursiva ou prática,
que buscam causas ou mecanismos explicativos. Este tipo de análise evoca o
“porquê”. Um tipo de análise é o histórico-genético, que busca explicar a situação
com base em sua origem e evolução ao longo dos tempos; o outro é o real-empírico
– que busca explicar a situação com base em suas relações sistêmicas. A ação de
analisar está associada às contradições presentes entre os diversos elementos da
atividade.
3) MODELAR – consiste de ações em que os sujeitos, a partir do resultado da análise
das contradições, elaboram novos instrumentos para uma possível solução em
direção ao resultado desejado.
4) EXAMINAR – está relacionada ao momento de expor à crítica o modelo ou o
instrumento criado. Em outras palavras, equivale a um projeto piloto, em que tal
solução é testada e questionada, analisada, criticada, no sentido de se entender suas
limitações e, se possível, reduzi-las.
5) IMPLEMENTAR – consiste da aplicação efetiva dos novos instrumentos gerados.
Essa ação ocorre envolta em questionamentos dos envolvidos em relação às idéias
novas, que surgem em contraposição àquelas estáveis no sistema.
6) REFLETIR – é o momento em que as novas idéias e instrumentos gerados são
internalizados pelos envolvidos. Este é o momento de olhar para os novos modelos
e escolher procedimentos para descrevê-los, discuti-los, em busca de suporte teórico
ao processo. A ação de refletir, na verdade, exige que as anteriores se façam
presentes, uma vez que a reflexão aqui desejada pauta-se no referencial crítico e em
contínuas práticas discursivas de negociação.
40
7) CONSOLIDAR – consiste em olhar para a situação e para as práticas
implementadas e pensar prospectivamente sobre elas, para imaginar novas
possibilidades em estágios futuros.
Como já apontado anteriormente e salientado pelas discussões de Smyth e de
Engeström, o movimento de expansão está diretamente relacionado à presença das
contradições e conflitos num sistema, uma vez que são elas que promovem o
desenvolvimento, na medida em que os envolvidos questionam as situações e ações
vivenciadas. Nessa direção, a organização das ações de reflexão desenvolvidas entre os
participantes abre a possibilidade para que objeto e motivo da atividade sejam
reconceitualizados. Assim, é possível relacionar tanto as ações da reflexão crítica,
propostas por Smyth, como o ciclo expansivo discutido por Engeström, com os
conceitos de internalização e externalização discutidos por Vygotsky (1930/1984: 223).
Como aponta John-Steiner, os processos de internalização e externalização acontecem a
partir da colaboração na e pela interação dos envolvidos, na e pela linguagem que
“fornece uma zona de desenvolvimento proximal mútua na qual os participantes
negociam sentidos e compartilham novos significados, que impulsionam o
desenvolvimento” (JOHN-STEINER, 2000).
As discussões acima estão estreitamente relacionadas ao arcabouço teórico da
TASHC e aos conceitos de colaboração, ZPD, desenvolvimento e ao papel fundamental
da linguagem na constituição humana e, como discutido por Daniels, é fundamental
estudar a linguagem num sistema de atividades. Nas palavras do autor:
nós necessitamos de uma linguagem de descrição que permita-nos identificar e investigar: as circunstâncias nas quais discursos específicos são produzidos, as modalidades dessas formas de produção cultural, e a implicação da disponibilidade de formas específicas de tais produções para moldar a aprendizagem e o desenvolvimento (DANIELS, 2004: 122, apud NININ, 2006a: 172).
O pesquisador aponta ainda que há necessidade de conectar teoria com as
descrições usadas na atividade, a qual deveria estabelecer relação entre o contexto
sócio-histórico-cultural e os artefatos, com o propósito de examinar as práticas
discursivas, organizacionais e interativas no confronto com as atividades específicas e
seus resultados.
Considerando-se a importância fundamental da linguagem na constituição do ser
41
humano, nos processos de aprendizagem e desenvolvimento, a concepção de linguagem
adotada nesta pesquisa será retomada e articulada com as teorias linguísticas que
sustentam a análise e a discussão dos resultados.
1.5 Linguagem e produção de significados compartilhados: as teorias de análise
O objetivo desta seção é discutir, com base no quadro teórico exposto, as teorias
linguísticas que orientam a análise de dados neste trabalho. Para isso, inicio
apresentando a concepção de linguagem adotada na pesquisa. Retomo alguns
pressupostos do pensamento de Bakhtin e Vygotsky, discutidos também por autores
pós-vygotskianos: Newman & Holzman, 1993/2002; Wertsch & Smolka, 1993,
entremeando essas discussões com a de outros autores: Liberali (1999), Kerbrat-
Orecchioni (2006), Pontecorvo (2005), Orsolini (2005), Mackay (2001), Brookfield &
Preskill (2005), Magalhães e Fidalgo (2007) que contribuem para expandir o tópico em
debate. A seguir, apresento brevemente as categorias propostas por Bronckart
(1997/2007): o plano geral, os conteúdos temáticos; os tipos de discurso, mais
especialmente o discurso interativo pertencente ao eixo do expor; e as sequências,
retomadas de Adam (1992 apud BRONCKART, 1997/2007) e reconceitualizadas pelo
autor (narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal), enfatizando a sequência
argumentativa e, por último, os mecanismos enunciativos. Encerro a discussão apontando
como esses conceitos contribuem para esta pesquisa.
1.5.1 Interação e produção de significados
Como já apontei, a linguagem é aqui entendida como prática discursiva com
base no quadro teórico da Teoria da Atividade sócio-histórico-cultural (Vygotsky e seus
seguidores). Os estudos que envolvem a dialogia bakhtiniana também permitem um
aprofundamento nas questões da linguagem e em como as várias vozes entram em
contato gerando novos significados compartilhados.
Wertsch & Smolka (1993/1999: 127, 128, 133) discutem, a partir do conceito de
dialogia de Bakhtin, como são apresentadas as várias maneiras pelas quais as vozes
entram em contato e contribuem para uma compreensão ativa da palavra do outro: a)
interação face-a-face com alternância de turnos; b) utilização de palavras e/ou
42
expressões de outra voz; c) repetição da voz do outro; d) referência às elocuções do
outro; d) pressuposição silenciosa da fala do outro; e e) reação responsiva a elas. Esse
entrelaçamento de vozes, presente nos enunciados, propicia a geração de novos
significados e funcionam como recursos de pensamento, pois qualquer texto (oral ou
escrito) possui duas funções básicas “comunicar significados adequadamente e criar
novos significados” (LOTMAN, 1988: 34, apud WERTSCH & SMOLKA, 1993/1999:
133). Nos textos em que a função dialógica predomina, “cada voz tomará os enunciados
das outras vozes como estratégias de pensamento (...) essas enunciações são vistas
como propiciadoras de um movimento em forma de negociação e geração de
significado” (WERTSCH & SMOLKA, 1993/1999: 136).
Retomando, mais uma vez, que um dos objetivos desta pesquisa é investigar o
processo de produção de novos significados compartilhados sobre direção escolar a
partir de um processo de colaboração desenvolvido entre uma pesquisadora e a diretora,
a noção de dialogia contribui para a compreensão dos dados. É essencial para que se
entenda como as participantes trazem, para os seus discursos, outras vozes e como, ao
longo do trabalho desenvolvido, ocorreu ou não a apreensão da palavra do outro e o
compartilhamento de significados na interação que desenvolvem durante o trabalho.
Assim, compreender como se deu a interação nesta pesquisa é fundamental.
Kerbrat-Orecchioni (1996/2006: 9, 11) discute que, na interação face a face, como é o
caso deste trabalho, o discurso é sempre produto de um trabalho colaborativo
incessante, na medida em que emissor e receptor (ou os interlocutores, numa concepção
bakhtiniana) estão num mesmo espaço e tempo, sendo o discurso inteiramente co-
produzido. A autora discute a noção de interação, apontando que para que a troca
interativa de fato ocorra é necessário que os falantes envolvidos “se” falem, ou seja,
estejam ambos “engajados” na troca e que deem sinais desse engajamento mútuo,
recorrendo a diversos procedimentos de validação interlocutória (grifos da autora).
Kerbrat-Orecchioni (1996/2006: 9) classifica esses procedimentos como fáticos, quando
o falante (emissor) quer assegurar a escuta do seu destinatário (“hein”, “né”, “sabe”,
etc.); e/ou, eventualmente, corrigir problemas de escuta ou compreensão, por meio das
retomadas ou reformulações; e como reguladores, quando o falante (receptor) quer
assegurar que está ouvindo o outro falante (“humm”, “sim”, “certo”, entre outros)
(grifos no original). Os procedimentos fáticos e reguladores são solidários e se
influenciam mutuamente, se ajustam e coordenam permanentemente seus
43
comportamentos, ou seja, não são independentes um do outro.
Para Kerbrat-Orecchioni (1996/2006: 59), os turnos dos participantes envolvidos
em uma conversação podem ser classificados em três tipos:
a) como uma intervenção iniciativa, que inicia um novo assunto;
b) como uma intervenção reativa, que responde a uma intervenção iniciativa; e
c) como uma intervenção avaliativa, que acusa a recepção da intervenção reativa.
Ainda segundo a autora, a alternância das falas e o número de palavras em cada
turno afetam a maneira como se efetuam as negociações entre os participantes e têm
consequências sobre o desenvolvimento da interação e sobre a construção da relação
interpessoal.
Essas categorias são importantes nesta pesquisa, para compreender se o
participante é responsável pela abertura ou pela conclusão do tema em debate e por que
e para que toma a palavra (ou seja, para questionar, para concordar, levantar outra
questão, entender o outro, ou aprofundar o entendimento do contexto), além de oferecer
informações sobre o engajamento das participantes na interação. Colabora também para
compreender os padrões de colaboração desenvolvidos durante o trabalho, como o
discurso foi sendo ou não co-construído, e de que maneira os sentidos foram declarados
gerando a possibilidade de novos significados compartilhados.
Pontecorvo também colabora para esta discussão: parte da necessidade de definir
instrumentos mais apurados de descrição do processo e de interpretação daquilo que
ocorre, de fato, na interação social que visa ao conhecimento e à aprendizagem
(PONTECORVO, 2005: 65-66). Discutindo algumas pesquisas anteriores, observou que
há duas dimensões – desenvolvimento e pertinência, das quais destaco, para esta
pesquisa, apenas a primeira.
Define o desenvolvimento como a dimensão que se manifesta no fio condutor do
raciocínio e se mantém coerente quando passa de um interlocutor para o outro, fazendo
avançar e progredir a análise, bem como a interpretação e a definição do objeto do
discurso, mediante a introdução de novos elementos e novas expectativas. O não
desenvolvimento se verifica quando o discurso se intrinca ou quando há uma situação de
inércia, de bloqueio do raciocínio coletivo. Para a autora, as categorias que marcam o
desenvolvimento são: trazer elementos novos, relacionar, contrapor-se argumentando,
compor relações de nível mais alto, problematizar, reestruturar. As categorias que
44
marcam um não desenvolvimento são: repetir, confirmar, referir-se a uma experiência
pessoal.
Tais modalidades coletivas e socialmente compartilhadas de pensar e raciocinar
manifestam-se no diálogo e na conversação, assumindo diferentes modalidades de
realização. A construção conjunta de um raciocínio compartilhado manifesta-se numa
variedade de formas conversacionais:
a) Na complementação de uma asserção típica de sujeitos que têm grande
familiaridade entre si, e na qual o objeto do discurso é compartilhado porque se está
pensando a mesma coisa;
b) Outra forma de construção conjunta é dada pelas interações elípticas, com uso de
muita adjetivação; nenhum interlocutor completa a frase do outro, mas o fio
condutor do raciocínio não se perde e o turno passa de um interlocutor para o outro;
c) Outro exemplo de construção conjunta é dado pela retomada, mais ou menos
explícita, de um tema introduzido por outro interlocutor, com a intenção de incluir
acréscimos, variações elaborações. Para a autora, esta é a forma mais evidente de
compartilhar experiências, conhecimentos e avaliações.
Todas essas formas mostram um compartilhamento do discurso por parte dos
interlocutores e sugerem que o contexto social pode propiciar o compartilhamento de
novos significados. Nesta pesquisa, utilizaremos alguns destes conceitos para entender
como se deu a interação entre pesquisadora e diretora. Assim considerarei para a análise
algumas das categorias apontadas pela autora em relação ao desenvolvimento de um
discurso comum.
Pesquisando os mecanismos que tornam possível o desenvolvimento do discurso
raciocínio, a autora identificou a importância do interlocutor exigente, que não está
satisfeito com o que dizem ou respondem os outros; que propõe objeções, perguntas e
delimitações; que permite ao grupo ou ao outro ir além do dado, a procurar outras
explicações mais bem fundamentadas. Aponta também que o pensar, conhecer e
raciocinar apresenta uma dimensão argumentativa “o ato de pensar procede por meio de
asserções que se distinguem das outras, que contém posicionamento, mesmo que
implícito, um expressar prós e contras, juízos de valor, analogias, semelhanças e
exemplos” (PONTECORVO, 2005: 78). Nesta direção, complementa que quando um
dos interlocutores opõe-se, pergunta ou põe algo em comum no discurso, em geral
45
provoca uma argumentação mais profunda e produz análises mais acuradas do
problema.
Procurando observar linguisticamente como a geração de significados é propiciada nas interações, Orsolini (2005: 124) propõe categorias de análise que buscam o “exame dos aspectos interativos e de construção do discurso”. Levando em conta o conteúdo semântico dos turnos tanto do professor quanto dos alunos, Orsolini discute os ciclos de pedido de informação, produzidos em turnos relacionados: os pedidos de esclarecimento, ou pedidos de explicação. Os pedidos de esclarecimento requerem que o falante especifique um dos referentes do enunciado – o que contribui para o entendimento do que está em discussão. Segundo a autora, estes tendem a ser seguidos por turnos simples. O segundo – pedido de explicação – é introduzido por uma pergunta “por que...?” e “como...?”, e requer que o falante elabore o conteúdo semântico e acrescente outra informação como elaboração da resposta.
Uma outra categoria a que a autora se refere é o que chama de intervenções de
espelhamento, ou seja, contribuições conversacionais com as quais o sujeito repete,
reformula ou estende a informação introduzida por outro falante. Tais intervenções
expressam que a “informação precedente é considerada importante” e que “o falante
comunica um esforço de compreensão e encoraja o interlocutor a prosseguir o
discurso, fornecendo-lhe, ao mesmo tempo, a oportunidade de esclarecer e elaborar
posteriormente a mensagem precedente”. Assim como o espelhamento, os pedidos de
esclarecimento e de explicação podem proporcionar maior participação dos envolvidos,
o que pode levar a mais chances de compartilhamento de significados.
Nesta discussão, como já apontado, podemos também entender que na troca
interativa, as perguntas têm um importante papel no desenvolvimento da conversação e
podem ser utilizadas para se verificar de que maneira houve ou não o desenvolvimento
do raciocínio dos participantes e de que maneira novos significados foram
compartilhados na interação que se desenvolveu.
Nessa direção, Brookfield & Preskill (2005) pontuam que, na troca interativa, a discussão é a construída com diversas experiências e interpretações dos participantes sobre o objeto da discussão. Embora o coordenador da discussão tenha responsabilidade por guiá-la, nenhuma pessoa sozinha controla a direção da discussão completamente. Boas discussões são imprevisíveis e surpreendentes, na medida em que revelam tanto aspectos sobre os participantes como sobre o tema em debate, que iluminam e para o qual abrem novas perspectivas. Porém, os autores também apontam que, mesmo quando
46
as discussões têm um bom começo, devido à variedade de circunstâncias presentes na situação de interação, elas podem conduzir a um bloqueio coletivo.
Para eles, a questão central é verificar quais as condições que inibem o diálogo e quais as medidas que podem ser tomadas para superar essas inibições. Nessa direção, os autores discutem a função das perguntas no desenvolvimento do raciocínio e apontam que os diversos tipos de perguntas possuem funções específicas na conversação e que colaboram para o aprofundamento dos sentidos declarados e para a construção de novos significados compartilhados. No quadro abaixo, retomo algumas categorias de perguntas propostas pelos autores:
Quadro 1.1 - Tipos de Perguntas com respectivos objetivos e exemplos
Categorias Objetivos Exemplos Questões que pedem por mais evidências.
São utilizadas para que os participantes possam explicar opiniões que parecem desconectadas, “insuportadas” ou injustificadas.
Como você sabe disto? Onde se baseia esta informação (dados) / em que dados se baseiam estas informações? Em que teoria você está embasada? O que o autor fala que sustenta este seu argumento? Onde você percebeu que esta visão está expressa?
Questões que pedem clarificação.
São questões que permitem aos participantes expandir as idéias para serem entendidas pelos outros.
Como você pode colocar isto de outra maneira? Qual seria um bom exemplo sobre o que está falando? Você pode explicar o que você entende por isto? Você pode explicar melhor este termo? Você pode dar uma outra ilustração deste ponto?
Questões abertas.
São questões utilizadas para provocar o pensamento e a resolução de problemas.
Como e por quê ...?
Ligando ou expandindo questões.
São usadas para engajar os participantes na construção “coletiva” a partir das falas de todos
Há alguma conexão entre o que você disse e o que João falou? Como o que você disse/comentou se encaixa no que João falou? Como sua observação se relaciona com o que o grupo decidiu/ discutiu na outra semana? Como sua idéia/ conceito/ colocação se transforma/muda em relação ao que acabou de ser colocado?
Questões hipotéticas.
Construção de novos cenários estabelecem hipóteses de trabalho
Se consideramos que ... como.... Se todos os pais participarem da escola ...
Questões de causa e efeito.
Provoca e estimula os participantes a explorarem causa e efeito / relações entre classes,
Como a nova legislação educacional afeta nosso planejamento escolar? Como esta teoria de ensino modifica nossas concepções?
Sumarizando e sintetizando Resumo ou síntese
Utilizada para que os participantes sistematizem o que foi pensado ou discutido
Discutindo tudo isto, quais são as questões centrais que aprendemos hoje? Quais as questões que você não conseguiu aprender hoje? Quais as duas ou três idéias mais importantes desta discussão? O que ainda não ficou compreendido aqui?
Mackay (2001), também discutindo a função das perguntas, divide-as em três
47
categorias principais: as perguntas abertas, que estimulam o interlocutor a formular uma
resposta; as perguntas fechadas, que em geral esperam um tipo de resposta específica ou
monossilábica; e as perguntas contraproducentes que não têm utilidade na enunciação.
Para as perguntas abertas, o autor estabelece uma distinção entre o:
questionamento ativo e o questionamento passivo e utiliza subcategorias em cada um
deles. No questionamento passivo, o objetivo é estimular a continuidade da discussão,
dar espaço e tempo para o outro, mostrar interesse e prolongar a discussão. São
exemplos de questionamento passivo: estímulos não verbais, comentários de apoio,
repetição de palavras chaves, pausa. No questionamento ativo, o autor também
subdivide em outras subcategorias, entre as quais: perguntas de contato, que são usadas
para estabelecer afinidade e aproximação entre os participantes, perguntas
investigadoras, que têm como objetivo buscar informações num nível de maior
profundidade e investigar mais detalhadamente o objeto em foco, encorajando a pessoa
que está sendo questionada a pensar e a encontrar soluções para si mesma. De
relevância para esta pesquisa estão as perguntas fechadas, as perguntas investigadoras e
os comentários de apoio.
Magalhães & Fidalgo (2007), discutem a condução de pesquisas colaborativas
em contextos escolares e apontam para os elementos enunciativos que permitem a
criação de um lócus de colaboração, fundamental para espaços de confiança. Enumeram
alguns tipos de perguntas que colaboram para que uma discussão possa se desenvolver
de modo que os participantes informem suas práticas e aprofundem as razões de seu
agir. Assim, perguntas que permitem que os participantes informem suas práticas (O
que...? seguido de Por quê...?) têm como objetivo ouvir atentamente, a fim de
promover investigações sobre desentendimentos e propiciar lócus confortável para que
cada participante mostre suas diferentes compreensões e pontos de vista. Cada fala deve
dar lugar às idéias dos outros participantes e promover a co-construção do que está
sendo dito, proporcionando a possibilidade de construção de novos significados
compartilhados.
Liberali (2004a) também colabora nesta discussão e faz um levantamento das
questões coletadas em contextos de formação de professores, relacionadas às ações da
reflexão crítica, tal como propostas por Smyth. Questões que iniciam com o quê, como,
ou que pedem exemplos, são questões que permitem um entendimento e até mesmo o
aprofundamento do objeto em discussão. Se seguidas de por que e para que,
48
aprofundam as razões apresentadas e em geral podem conduzir o participante a justificar
suas escolhas.
Da mesma maneira, asserções e comentários podem oferecer modelos que
auxiliam os participantes a visualizar outras possibilidades e a aumentar o conhecimento
do que está em discussão.
A partir das discussões dos diferentes autores, construí categorias de perguntas
para esta pesquisa, que serão retomadas e exemplificadas no capítulo metodológico:
1. Perguntas fechadas ou indutivas – Perguntas de sim ou não, ou que induzem a um
certo tipo de resposta;
2. Perguntas que pedem por mais evidências ou clarificação: São questões que
permitem aos participantes expandir as idéias para serem entendidas tanto para si
mesmos como pelos outros e têm a função de aprofundar o entendimento do objeto
em foco (explica melhor...., qual...., quais......, o que.....);
3. Perguntas que pedem explicação: São perguntas que exigem uma justificativa –
provocam o pensamento e a resolução de problemas (como... ?, por que...?, para
que... ?;
4. Perguntas síntese que resumem o que foi discutido: são perguntas que pedem uma
síntese do que foi discutido e exigem uma abstração: (quais as conclusões ...?);
5. Perguntas Hipotéticas: perguntas que estabelecem hipóteses (e se...).
1.5.2 As contribuições de Bronckart
O quadro teórico discutido por Bronckart (1997/2007) também colabora para
organizar esta discussão e permitiu a compreensão da relação entre as características das
ações de linguagem utilizadas nesta pesquisa – que se propõem reflexivas
(MAGALHÃES e LIBERALI, 2007) –, e as escolhas linguísticas realizadas pelas
participantes. Das categorias propostas pelo autor, considero, neste estudo, a análise da
situação de ação verbal, dos tipos de discurso utilizados, da organização sequencial,
além de aspectos dos mecanismos de textualização e de enunciação. Bronckart
(1997/2007: 108) discute que a produção de qualquer texto empírico é sempre um
produto da dialética que se instaura entre as representações, com base nos sentidos que
o agente atribui aos contextos de ação e aos seus próprios sentidos e representações.
49
Nessa direção, cada novo texto empírico contribui para a transformação histórica
permanente.
Bronckart (1997/2007: 102) aponta como central a compreensão do conteúdo
enfocado no texto. O conteúdo temático ou referente de um texto é entendido como o
conjunto de informações que são explicitamente apresentadas no texto, isto é, os temas
e assuntos que são traduzidas no texto pelas unidades declarativas da língua natural.
(BRONCKART, 1997/2007: 97). Tal conteúdo temático pode ser composto de temas
relativos ao mundo físico (por exemplo, relacionados a um animal), ou ao mundo social
(por exemplo, os valores sociais de um grupo), ou ao mundo subjetivo (por exemplo,
uma apreciação pessoal). Pode, ainda, combinar dois ou três desses mundos. Da mesma
forma que a situação de ação de linguagem, as informações do conteúdo temático são
representações construídas pelo agente produtor. São conhecimentos adquiridos que se
relacionam com a sua experiência e nível de desenvolvimento, estando armazenados e
organizados em sua memória antes mesmo da ação de linguagem.
Nesta pesquisa, a análise do conteúdo temático será utilizada para entender os
assuntos tratados, as preocupações e os sentidos trazidos pelas participantes,
possibilitando a visualização das ações da atividade em foco e como o objeto foi se
transformando durante a atividade Formação de Diretor.
De acordo com Bronckart (1997/2007: 152), pelo fato de serem semiotizados, os
conhecimentos se organizam em mundos “outros”, ou em mundos discursivos, cujas
coordenadas são diferentes das do mundo ordinário em que se realiza a ação do agente.
A reestruturação desses conhecimentos prévios relaciona-se ao tipo de discurso
mobilizado (ibid. p. 98). Se o conteúdo temático é organizado em um mundo distante ou
disjunto da situação de ação de linguagem, as representações (sentidos) mobilizadas
referem-se a fatos passados, atestados ou não, ou a fatos futuros, possíveis ou
imaginários, havendo assim uma ancoragem em um dado espaço tempo por meio de
formas linguísticas temporais, como: ontem; aconteceu faz tempo; no ano passado; em
2007; entre outros, e em um dado espacial, como: Era uma vez...; Havia um lugar
distante daqui; entre outros. Desse modo, os fatos são narrados como se fossem passado
ou futuro e podem, de fato, ser colocados em um mundo autônomo ou atemporal. Por
outro lado, o mundo conjunto tem uma referência mais ou menos direta às coordenadas
do mundo da ação de linguagem em curso. Os fatos, neste caso, são mostrados ou
expostos.
50
Essa distinção aponta para os dois eixos descritos no quadro a seguir: O eixo do
narrar e o eixo do expor. O narrar refere-se ao mundo que deve ser avaliado ou
interpretado. O expor refere-se à interpretação dos conteúdos temáticos à luz de critérios
de validade. Por outro lado, nas operações de explicitação da relação dos parâmetros da
ação de linguagem em curso, temos o texto implicado e o texto autônomo. O texto é
implicado por meio de referências explícitas aos parâmetros da ação de linguagem. Isso
se dá por referências dêiticas a esses mesmos parâmetros e requer conhecimento das
condições de produção nas quais o texto se insere.
Já o texto autônomo não requer conhecimento dessas condições. Em outras
palavras, os textos implicados mobilizam traços do locutor e mundos, enquanto o
autônomo não os mobiliza.
Quadro 1.2 Situação de ação e Tipos de Discurso
Coordenadas gerais dos mundos Conjunção Disjunção Relação ao ato de produção Expor Narrar
Implicada Discurso interativo Relato interativo Autônoma Discurso teórico Narração
Na ordem do expor encontramos, portanto, o discurso interativo e o discurso
teórico. Nesta pesquisa, que foi conduzida por entrevistas e reuniões reflexivas, as
características do discurso interativo são fundamentais e por este motivo retomo as
características propostas por Bronckart (1997/2007) e discutidas por Liberali (1999).
O Discurso interativo O mundo do expor implicado realiza-se num discurso interativo, em que se faz
necessário o conhecimento prévio dos parâmetros da situação. Este tipo de discurso tem
o formato de diálogo ou monólogo marcado com as seguintes características
linguísticas:
• Frases interrogativas, imperativas, exclamativas;
• Sistema temporal que exprime a relação que é colocada entre o momento dos
acontecimentos verbalizados no texto e o momento da tomada da palavra na
interação (presente, pretérito perfeito e futuro perifrástico);
• Unidades que se referem a objetos acessíveis aos interagentes, ou ao espaço tempo:
dêiticos espaciais (Estou aqui.) e temporais (Agora não vou.); aos interactantes (Isto
é seu?);
51
• nomes próprios, verbos, pronomes e adjetivos em 1ª. e 2ª. pessoas do singular e
plural (referindo-se diretamente aos protagonistas da interação verbal);
• expressão do tipo “a gente” ou “você” (em lugar de “nós”);
• auxiliares (poder, querer, dever, ser preciso).
A organização sequencial Uma outra característica pode ser observada no interior do plano geral de um
texto e constitui elemento essencial para análise, considerando-se sua forma de
desenvolvimento. É a organização sequencial ou prototípica do conteúdo temático que
se constitui ingrediente da infraestrutura dos textos. São modelos abstratos em que os
produtores de texto se apoiam e que permitem aos produtores de textos organizarem
suas ações de linguagem (BRONCKART, 1997/2007: 217). Baseado na situação da
ação de linguagem, o produtor faz uso das estruturações linguísticas convencionais,
orientado pelo objetivo que busca alcançar e pelas representações que tem do
destinatário. As sequências textuais, retomadas de Adam (1992) e reconceitualizadas
por Bronckart (1997/2004) são modos de planificação da linguagem dentro do plano
geral do texto (narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal) e outros
modos de planificação que podem ser combinadas em um mesmo texto. De relevância
para esta pesquisa destacamos a sequência argumentativa, considerando especialmente
os elementos enunciativos que a caracteriza.
Sequência argumentativa A sequência argumentativa é importante nesta pesquisa e está relacionada aos
tipos de perguntas e à maneira como um argumento é elaborado.
Segundo Bronckart (1997/2007: 226), o raciocínio argumentativo implica na
existência de uma tese anterior (Os seres humanos são inteligentes), para qual são
apresentados dados novos (Os seres humanos fazem guerra), os quais sofrem um
processo de inferência (As guerras são tolas), que levam a uma conclusão ou nova tese
(Os seres humanos não são inteligentes, senão para isso). Durante o processo de
inferência, o movimento argumentativo pode ser escorado por suportes (As guerras
trazem a morte e desolação) e freiado por restrições (Certas guerras contribuem para o
estabelecimento das liberdades individuais). Segundo Bronckart, o protótipo da
sequência argumentativa apresenta-se como uma sucessão de quatro fases:
1) fase das premissas (ou dados) em que propõe uma constatação de inicial;
52
2) fase de apresentação dos argumentos – elementos que orientam para uma conclusão
provável que podem ser apoiados por regras gerais, lugares comuns, etc.;
3) a fase da apresentação dos contra-argumentos – que operam uma restrição em
relação á orientação argumentativa ou aos argumentos apresentados, que podem ser
refutados ou apoiados por regras gerais, lugares comuns, exemplos, etc;
4) fase de conclusão (ou de nova tese) em que – faz-se uma integração dos
argumentos e contra argumentos; (grifos do autor)
Essas fases, segundo Bronckart (1997/2007: 227), podem ser realizadas de modo
simplificado, deixando implícitas outras fases, ou, de modo complexo, com fases
múltiplas.
Liberali (1999) discute que no argumentar algumas unidades linguísticas se
sobressaem: Em meus dados destacam-se:
• formas pessoais para assumir uma opinião (pronomes e adjetivos pessoais - na
minha opinião) ou envolver e implicar o destinatário (Você deve concordar que);
• organizadores textuais que articulam razões, conclusões, enumeração,
argumentações, refutação, concessão e oposição (disjunção, causa, oposição,
analogia, exemplificação, gradação);
• locuções de modalidades (expressões de certeza, probabilidade, necessidade);
• restrições (exceto se, a menos que);
• expressões usadas para formular objeções e opor (É possível que... Eu duvido
que...);
• questões da ordem do porquê;
• exemplificação;
• uso de meios para exprimir dúvida: advérbios, verbos auxiliares,
• emprego de tempos;·modalidades de enunciação (questões retóricas, fórmulas
interrogativas, exclamativas);
• uso de diferentes formas de discurso reportado;
• uso de termos pejorativos e apreciativos.
Contribuindo para esta discussão, Mosca (2004) pontua que a argumentação está
presente em toda e qualquer atividade discursiva, e nesta perspectiva, argumentar
significa considerar o outro como capaz de reagir e interagir diante das idéias, teses que
lhes são apresentadas num movimento dialógico. Neste sentido, aprender a argumentar
53
é também aprender a pensar e a ler os discursos à nossa volta com maior profundidade.
Argumentar também é “integrar-se no universo do outro”, ou seja conseguir o que se
deseja de cooperativo e construtivo, buscando, traduzindo nossa verdade dentro da
verdade do outro” (ABREU, 2006: 10).
Esses conceitos são importantes para este trabalho para entender os argumentos
que expressam os sentidos da diretora e da pesquisadora durante toda a pesquisa e é no
conjunto das premissas apresentadas durante a interação que se percebe a construção do
argumento de cada um dos participantes. Tais conceitos estão, também, relacionados
com os tipos de perguntas produzidas na troca interativa que se estabeleceu entre
diretora e pesquisadora.
Retomando as contribuições de Bronckart (1997/2007: 97), a organização de um
texto é constituída por três camadas superpostas que são: 1) a infraestrutura geral do
texto; 2) os mecanismos de textualização; e 3) os mecanismos enunciativos. Como o
próprio autor declara, essa distinção é apenas didática: na prática, os três níveis se
apresentam em constante interação. Nesta pesquisa apontar para eles é importante e por
este motivo passaremos a discuti-los a seguir.
Os Mecanismos enunciativos Os mecanismos enunciativos constituem o nível mais visível de organização do
texto e propiciam sua coerência pragmática: esclarecem os posicionamentos
enunciativos (instâncias que assumem o que é enunciado no texto); expressam as
diversas avaliações (julgamentos, opiniões, sentimentos) sobre alguns aspectos do
conteúdo temático; e as vozes, integrantes dessa camada, assumem a responsabilidade
pelo enunciado. A importância deste item está em permitir analisar os dados buscando
compreender como as participantes (diretora e pesquisadora) assumem a
responsabilidade de seus atos enunciativos.
De acordo com Bronckart (1997/2007), são as modalizações que, em geral,
traduzem os diversos comentários ou avaliações sobre alguns aspectos do conteúdo
temático. Essas avaliações são marcadas pelos julgamentos, pelas opiniões, pelos
sentimentos, e outros, apresentados pelo agente enunciador e que orientam o leitor na
interpretação do seu conteúdo. As modalizações também marcam a coerência
pragmática do enunciando por meio da interação das avaliações formuladas a respeito
do conteúdo temático. Bronckart (1997/2007), com base nos três mundos de Habermas,
54
propõe quatro funções de modalização, a saber: lógicas, deônticas, apreciativas e
pragmáticas. Bronckart & Machado (2004) discutem essas funções e denominam como
relações predicativas. Distinguem as relações predicativas diretas (asserções neutras,
sem metaverbos) das indiretas, que são classificadas de acordo com o metaverbo que as
precede. São eles:
• valor deôntico (dever, ser preciso, etc.), que explicita os determinantes externos do agir;
• valor pragmático (querer, tentar, buscar, procurar, etc.), que explicita as intenções do
agente;
• valor psicológico (pensar, acreditar, considerar, etc.), que explicita os recursos
cognitivos do agente;
• valor epistêmico (ser verdade, poder, etc.), que explicita o grau de verdade ou certeza
objetiva sobre o predicado;
• valor apreciativo (gostar, apreciar, etc.), que explicita a posição subjetiva do agente em
relação ao predicado.
Para Bronckart & Machado (2004), as modalizações ou relações predicativas são importantes na análise dos textos, pois, mais do que marcar o posicionamento do enunciador, podem também revelar os “efeitos de sentido produzidos pelos enunciados” (ibid., p. 150). Dos conceitos discutidos, são importantes para essa pesquisa, as relações predicativas e os tipos de verbos, que Bronckart (1997/2007: 278-9), baseado em Vendler (1967), classifica de acordo com o aspecto, e que discuto a seguir: a) Verbos de estado: que remetem a processos estáveis, excluindo qualquer forma de
mudança: saber, ser bonito, etc. b) Verbos de atividade: que remetem a processos dinâmicos durativos (que implicam
numa certa duração) e não resultativos (que não implicam resultados): escrever, nadar, subir, etc.
c) Verbos de realização: que remetem a processos dinâmicos, durativos e resultativos: correr (uma maratona), fumar (um cigarro); este tipo de verbos exige a presença de um complemento para o resultado.
d) Verbos de acabamento: que remetem a processos dinâmicos, não durativos e resultativos: cair, chegar.
Esta seção discutiu os aspectos linguísticos que orientaram a análise e a discussão dos dados dentro do quadro teórico adotado. Esta apresentação é fundamental para estabelecer as categorias de análise linguística que apoiam os padrões de colaboração desenvolvidos nesta pesquisa.
55
CAPÍTULO 2
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICO-METODOLÓGICA
O que pode ser buscado nos mestres do marxismo não é a solução da questão, e nem mesmo uma hipótese de trabalho (porque estas são obtidas sobre a base da própria ciência), mas o método de construção. [...] Eu quero aprender, a partir do método de Marx, como construir uma ciência, como conduzir a investigação da mente (VYGOTSKY, 1927/2004).
Apoiada no quadro teórico da TASHC e entendendo, junto com Vygotsky, que a
seleção do método tem uma estreita afinidade com os objetivos de uma pesquisa, seu
desenvolvimento e os resultados obtidos, bem como com a teoria que a sustenta, discuto
inicialmente, neste capítulo, questões relacionadas aos diferentes paradigmas que a
humanidade vem construindo em seus vários processos de produção de conhecimento.
Em seguida, apresento e justifico a metodologia adotada neste trabalho, especificando o
contexto em que foi realizado, os participantes, os instrumentos de produção de dados e,
por fim, as categorias de análise utilizadas. Finalizo o capítulo com considerações a
respeito da confiabilidade desta investigação.
2.1 Os paradigmas de produção de conhecimento
A noção de “paradigma” é discutida por Kuhn (1962) como representando um
conjunto de crenças, modelos, valores e esquemas de referência, visões de mundo e
formas de trabalhar, reconhecidas por uma comunidade científica em determinados
momentos históricos. Gouldner (apud BREDO e FEINBERG, 1982: 5) avalia que “uma
mudança teórica nas ciências sociais geralmente ocorre quando as bases conceituais
que dominam uma determinada teoria ficam dissonantes com os interesses e
sentimentos compartilhados”8.
Em uma análise filosófica do conhecimento produzido academicamente,
Habermas propõe uma distinção entre os três principais interesses humanos no mundo
8 Tradução minha. No original: “Theoretical change in social sciences often occurs when the domain assumptions or infrastructure of theory are dissonant with shared sentiments and interests”.
56
científico: o técnico, o prático e o emancipatório. O interesse técnico procura entender a
realidade empírica e busca maneiras de controlar o meio através do trabalho, ou seja, do
agir instrumental. O interesse prático, por sua vez, diz respeito à influência da atividade
cultural e histórica nas relações entre indivíduos em sua vida social. Finalmente, o
interesse emancipatório é compreendido por Habermas como a ligação entre os saberes
teórico e prático na busca de valores éticos na atividade humana. Pautados na discussão
habermasiana, Bredo e Feinberg (1982) observam que são três os paradigmas que
norteiam os tipos de pesquisas desenvolvidas academicamente: o Positivismo, o
Interpretativismo e o Crítico. De acordo com a filosofia positivista, o método científico,
emprestado das ciências naturais, assume a separação entre o sujeito e o objeto de
conhecimento. A base do conhecimento científico é, nessa visão, constituída por fatos
da experiência sensorial e que são pensados como indubitáveis, podendo ser
relacionados e explicados por leis gerais, ou padrões de leis integradas em sistemas
teóricos coerentes. No ideal do positivismo há uma busca de um conhecimento válido,
verdadeiro e comprovado, que pode ser replicado, independente do contexto: o ideal de
um “verdadeiro” saber positivista é ser cientificamente comprovado, em uma dada
teoria que pode ser aplicável a “todos os mundos sociais concretamente desiguais”
(RIZZINI et al., 1999: 38). Deste ponto de vista, não há diferença metodológica entre
estudar pessoas ou fenômenos sociais e estudar fenômenos naturais. Esse paradigma ou
modelo imperou nas ciências sociais até aproximadamente a década de 1960, e
encontrou oposição no interpretativismo e nas abordagens qualitativas, que propunham
uma abertura nas concepções e entendimentos de pessoas e grupos que eram estudados
(BREDO e FEINBERG, 1982: 4 et seq.).
Comentando esse momento de transformações teórico-metodológicas, Fidalgo
(2006: 3) sugere que vale voltar um pouco à noção de quebra de paradigma que, nas
ciências sociais e humanas, resultou na não aceitação de métodos científicos oriundos
das ciências naturais. Considerada uma perspectiva mecanicista de produção de
conhecimento, o método científico foi posto em cheque por estudos surgidos, quase que
concomitantemente, na antropologia (como é o caso da etnografia), na filosofia (caso da
fenomenologia, hermenêutica) e nos estudos acerca da pesquisa per se (caso do
embasamento teórico dos paradigmas interpretativista e crítico).
O paradigma interpretativista, em oposição ao positivista, preocupa-se com
interesses práticos. Os fatos passam a ser vistos como relativos a um esquema simbólico
57
particular, constituído por um conjunto de termos e conceitos. O conhecimento é gerado
considerando-se as convenções adotadas por uma determinada comunidade científica. A
pesquisa realizada dentro de um paradigma interpretativista tem como função essencial
a possibilidade de encontrar sentidos atribuídos, pelos agentes, à realidade investigada,
para explicar essa realidade. Nessa perspectiva, existe um envolvimento entre “o
conhecedor” e “o conhecimento”, ou seja, entre o sujeito que conhece e o objeto da
investigação (BREDO e FEINBERG, 1982).
Quanto ao paradigma crítico de conhecimento, este tem suas raízes na filosofia
alemã, mais especialmente nos escritos de Marx e Engels, e posteriormente nas
contribuições de Habermas. As idéias que o sustentam buscam avaliar as contribuições
das pesquisas positivistas e das interpretativistas, num esforço de sintetizá-las.
Para o teórico crítico, o conhecimento deve ser visto no contexto de sua constituição em contribuição potencial para a evolução social, onde evolução social é concebida em termos de possibilidade para o material progressivo e a emancipação simbólica. Esta visão coloca o conhecimento em uma perspectiva de desenvolvimento histórico e social que destaca seus potenciais repressores e emancipatórios9 (BREDO e FEINBERG, 1982: 272).
De acordo com os autores, portanto, a metodologia crítica engloba tantos os
interesses técnicos quanto os práticos e emancipatórios, vistos como dialeticamente
relacionados. Nessa perspectiva, é rejeitada qualquer ênfase exclusiva, seja nas causas
externas, seja nas causas internas dos fenômenos.
Na segunda metade do século passado, com base nesses diferentes paradigmas,
desenvolveram-se, nas diferentes áreas, vários tipos de pesquisa, dos quais destaco
aqueles que se debruçaram sobre questões sociais e que discuto a seguir.
2.2. Os vários tipos de pesquisa
Rizzini et al. (1999) apontam que, nas ciências humanas e sociais, as primeiras
iniciativas para a criação de metodologias de pesquisa dirigidas para a resolução de
problemas sociais e organizacionais surgiram na década de 1940 com Kurt Lewin. Teve
lugar, então, a pesquisa denominada participativa, definida pelas autoras como “um
9 Tradução minha. No original: “For the critical theorist, knowledge must be seen in the context of its constitution in potential contribution to social evolution, where social evolution is conceived of in terms of the possibility for progressive material and symbolic emancipation. This view places knowledge in a societal and historical-developmental perspective that highlights its repressive or emancipatory potentials”.
58
método, uma estratégia de pesquisa, concebida a partir dos problemas vividos pela
população pesquisada, com a participação de grupos sociais diretamente envolvidos na
problemática e em todo processo de conhecer e transformar a realidade” (RIZZINI et
al., 1999: 38). Nessa abordagem espera-se uma mudança de comportamento dos
envolvidos: pesquisadores e participantes são chamados a serem co-autores, tanto no
diagnóstico como na criação de alternativas para a realidade discutida, e o grupo, na sua
totalidade, é responsável pela análise dos resultados obtidos e pela possível re-
elaboração.
Dessa forma, embora as autoras citadas usem a expressão “pesquisa
participativa”, unificando princípios e metodologias da pesquisa participante /
participativa e da pesquisa-ação, outros estudiosos posicionam-se de modo diferente.
Thiollent (2007:16), por exemplo, conceitua a pesquisa-ação como “um tipo de pesquisa
social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma
ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os participantes
representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou
participativo”.
Ressaltando que alguns partidários da pesquisa-ação restringem essa concepção
a uma orientação de ação emancipatória, vista como uma forma de engajamento político
a serviço das classes populares, o autor considera que sua estrutura metodológica pode
dar lugar a uma diversidade de propostas e adverte que “nem sempre numa pesquisa
participante existe uma vontade planejadora, de ação conjunta programada voltada
para a transformação da realidade” (THIOLLENT, 2007:16-17).
Kincheloe agrega o termo “crítico” à pesquisa-ação e a coloca como uma
extensão da Teoria Crítica10. Para ele, “ser critico é pressupor que os humanos são
agentes ativos cuja auto-análise reflexiva e conhecimento do mundo levam à ação”
(KINCHELOE, 1993/1997: 188). A pesquisa-ação crítica, então, tal como proposta por
este autor, pressupõe uma atuação e um compromisso de mudança emancipatória no
contexto estudado. Desta forma, Kincheloe distingue esse tipo de pesquisa de outras
(pesquisa participante, pesquisa-ação), que embora envolvam a participação da
população estudada, não acentuam o compromisso com a intervenção.
Todas essas discussões são importantes tanto para a definição do tipo de
10 A Teoria Crítica será discutida a seguir.
59
pesquisa adotado neste trabalho bem como para entender em que paradigma esta
pesquisa está situada e como ela focaliza o papel dos participantes. Como já apontei, a
PCCol tem algumas especificidades que a distingue das demais metodologias de
pesquisa em Ciências Sociais: por sua intenção de intervenção comprometida com a
transformação social; pela centralidade que a linguagem ocupa em sua condução; pelo
tipo de relacionamento entre os participantes. Agrega pesquisa e formação e cria a
possibilidade dos participantes (incluindo os pesquisadores) aprenderem, por meio da
participação coletiva na condução da pesquisa, e estarem comprometidos com a
produção de conhecimentos significativos e com a transformação das práticas em foco,
visando à superação das condições sociais de desigualdade em todas as suas
manifestações: pobreza, autoritarismo, preconceito, violência, etc. Defino-a a seguir.
2.3 Definição da Metodologia de Pesquisa
Situado na Linguística Aplicada e inserido no quadro epistemológico da
Pesquisa Crítica, este é um trabalho apoiado na metodologia da Pesquisa Crítica de
Colaboração (PCCol), conforme discutida por Magalhães (1994, 1998a, 2004, 2009p) e
Liberali (1999, 2007). Nessa perspectiva, o objeto de estudo desta investigação é a
produção de novos significados compartilhados sobre direção escolar, a partir de um
processo de colaboração, desenvolvido entre esta pesquisadora e a diretora de uma
Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) da cidade de São Paulo.
Considerando que este trabalho, como já apontado, está fundamentado no arcabouço da Teoria Sócio-Histórico-Cultural, a atividade em foco foi definida como Formação de Diretor e se originou de diferentes necessidades das participantes: enquanto a diretora desejava saber sobre como desempenhar seu papel de diretora, eu (pesquisadora) desejava compreender o que é ser diretora. Essas necessidades, embora distintas, encontraram um motivo comum: compreender as tarefas do diretor escolar, ou seja, o papel do diretor na organização da escola – um objeto compartilhado – que deu origem à atividade. Necessitava, pois de uma metodologia que contemplasse esses pressupostos. Para Vygotsky (1930/2004), a procura de um método torna-se um dos problemas mais importantes de todo empreendimento para a compreensão das formas caracteristicamente humanas de atividade psicológica. Neste caso, o método é, ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, o instrumento e o resultado do estudo.
Nessa direção, optei pela PCCol, pois entendo, como propõe Magalhães
60
(2009p), que este tipo de pesquisa é ao mesmo tempo instrumento e resultado num contexto de formação crítica, ou seja, ao mesmo tempo em que procura entender, busca uma transformação da realidade. Ao mesmo tempo em que possibilita que os participantes explicitem seus sentidos, pretende oportunizar a construção e compartilhamento de novos significados, gerando transformações no objeto da atividade.
Assim, durante todo o desenvolvimento do estudo, preocupei-me em agir como
pesquisadora com foco não apenas nos conceitos que trazia, mas considerando
prioritárias as necessidades do contexto em foco. Neste sentido, a todo momento
procedia a uma análise crítica de minhas ações para compreender quais espaços de
aprendizagem e desenvolvimento mútuo estava criando. Em outras palavras, procurei
levar em conta o interesse de todos os envolvidos, além de criar espaços de produção de
conhecimento em que ambas (a diretora e eu) pudéssemos “ter vez e voz para colocar
[nossas] experiências, necessidades e sobre os sentidos que [atribuíamos] a estas
necessidades” (MAGALHÃES, 1998a /2007).
Assim, em um quadro do paradigma crítico de produção de conhecimento, esta é
uma pesquisa crítica e colaborativa, pois pressupõe a entrada no contexto escolar com
intenção de intervir, a partir da observação, da análise e da compreensão das situações
em foco. Articulando a teoria com informações do contexto e conhecimentos dos
participantes, pretendeu desenvolver novas compreensões sobre a realidade e a
possibilidade de transformar as ações na escola com vistas à formação de uma
comunidade aprendente (MAGALHÃES, 2007). Enfim, preocupou-se “não apenas em
entender e descrever o mundo da prática, mas em mudá-lo” (KINCHELOE, 1993/1997:
188).
Considerando a importância e o meu compromisso com os conceitos expostos
acima, apresento a seguir o meu percurso para desenvolver esta pesquisa, o contexto em
que a pesquisa foi realizada, os participantes, os instrumentos de coleta de dados e, por
fim, as categorias de análise utilizadas.
2.4 O percurso da pesquisadora
Meu trabalho na área educacional teve início em 1981, como professora de
educação infantil, na época em que esse segmento era chamando de “pré-escola”. Ao
61
final desse ano, concluí o Curso de Pedagogia na USP, optando pela habilitação em
Orientação Educacional. É importante destacar que, nessa ocasião, as funções do
orientador educacional não contemplavam questões de caráter pedagógico. Com o
intuito de completar minha formação, iniciei no ano seguinte a habilitação em
Supervisão Escolar. Em 1984, assumi a orientação educacional da escola onde havia
estudado, tendo como responsabilidade a organização e a implementação desse serviço
no ensino fundamental; e em 1987 fui convidada para assumir a coordenação geral e
pedagógica desse segmento do ensino fundamental. Em 1996, como decorrência de uma
avaliação institucional, juntamente com duas outras coordenadoras assumimos a
coordenação geral da escola, numa experiência de direção compartilhada.
Posteriormente, tive também a oportunidade de trabalhar em outras escolas
como orientadora pedagógica, e também como assessora, ligada a uma empresa com
foco em avaliação institucional. Na medida em que identificava a distância entre o
discurso proferido em diversas realidades e a prática que realmente ocorria nos
contextos educacionais, bem como as dificuldades em construir uma comunidade
dialógica, decidi investigar tal matéria e sabia que o caminho me levaria a um curso de
pós-graduação.
Desconhecendo ainda que programa ou teoria utilizar, procurei o curso “Projetos
de pesquisa em Linguagem e Educação”, oferecido pelo LAEL na COGEAE – PUC-
SP. A proposta do curso é auxiliar os participantes a desenvolver e organizar teorias de
pesquisa e estudar mais profundamente as metodologias empregadas.
Como parte das atividades propostas, os alunos foram incentivados a conhecer e
a participar de diversos eventos relacionados às diferentes abordagens metodológicas,
ou seja, seminários de pesquisa, encontros, congressos. Um dos eventos que estava
acontecendo naquele maio de 2006, em São Paulo, era o seminário chamado “Ação
Cidadã”, realizado na PUC-SP, e ligado à linha de pesquisa “Linguagem e Educação”,
inserido no Programa Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem - LAEL.
Nesse evento, os participantes tiveram a oportunidade de ouvir depoimentos de
professores, diretores e coordenadores, que relatavam a importância das transformações
que haviam conseguido em suas práticas por meio do trabalho do qual tinham
participado e, especialmente, do tipo de reflexão que haviam desenvolvido. Como o
seminário havia sido organizado de modo a destacar a articulação teoria e prática,
62
entremeada aos depoimentos, havia a explicitação das concepções que sustentavam esse
trabalho, destacando os fundamentos filosóficos, o quadro teórico e o papel central da
linguagem como instrumento e resultado dessas transformações. No auditório, fui
também contagiada por um entusiasmo e por uma imediata sensação de identidade com
as idéias expostas. Assim, posso afirmar que, ao participar do evento Ação Cidadã, as
minhas questões pareciam ter encontrado um método, uma perspectiva teórica e um
encaminhamento.
Em busca de entender melhor como se dá a articulação da teoria com a prática
na construção do papel do diretor, e ainda antes de ingressar no mestrado, matriculei-
me, no segundo semestre de 2006, no curso “Diretor Escolar: articulando papéis
reflexões e função”, oferecido pelo LAEL na COGEAE – PUC-SP. Desse curso
participavam diretores que atuavam nas mais variadas realidades, tanto públicas como
particulares.
Em meio às atividades do curso chamou, em especial, minha atenção a
exposição de uma diretora da rede municipal de educação, que explicitou de forma clara
as dificuldades de colocar em prática as teorias estudadas, especialmente considerando a
realidade da escola pública. Em suas colocações ressaltou que os programas de
formação oferecidos pelos órgãos oficiais eram voltados para conteúdos genéricos e
desvinculados dos problemas enfrentados. Por iniciativa própria e com recursos
pessoais, buscava outras possibilidades de aprofundamento. Sua insatisfação com as
condições de trabalho no contexto onde atuava era muito grande e, por esse motivo,
havia prestado um concurso de remoção para outra unidade, que assumiria a partir de
janeiro de 2007.
Diante dessa situação, conversei com a diretora e expliquei que, caso ingressasse
no mestrado stritu senso na área educacional, gostaria de desenvolver uma pesquisa
investigando o papel do diretor escolar. A essa altura, já havia feito minha adesão à
perspectiva metodológica da PCCol e expus, brevemente, os objetivos iniciais deste tipo
de pesquisa, a metodologia e os procedimentos.
2.5 Macro contexto de Pesquisa
Esta pesquisa, como já colocado, foi desenvolvida em uma Escola Municipal de
Educação Infantil (doravante EMEI, que é a designação oficial adotada para as escolas
63
que atendem crianças de 4 a 6 anos no município de São Paulo). A Educação Infantil é
parte integrante da Educação Básica e é uma das áreas educacionais cuja demanda tem
sido crescente.11 A Secretaria Municipal da Educação possui 469 EMEIs, divididas em
13 coordenadorias responsáveis pelas orientações técnicas e pedagógicas. A EMEI em
questão está localizada no bairro Cidade Tiradentes e pertence à Coordenadoria de
Guaianases. Nesta região existem 30 EMEIs, que atendem, diretamente, 38.368
crianças. Abaixo descrevo a caracterização do bairro e sua população
2.5.1 Caracterização do bairro e da população pela própria Prefeitura de São Paulo12
“Cidade Tiradentes está situado no extremo leste da capital, a 35 quilômetros do marco
zero da cidade, a Praça da Sé. O bairro foi planejado como um grande conjunto periférico e
monofuncional do tipo “bairro dormitório” para assentamento de populações atingidas por
obras públicas.
Conjuntos residenciais começaram a ser construídos, modificando a paisagem, e o
local passou a ser habitado por enormes contingentes de famílias que aguardavam na “fila” da
casa própria de companhias habitacionais.
Além da vastidão de conjuntos habitacionais que passaram a predominar na região,
com cerca de 160 mil pessoas que compõem a chamada “Cidade Formal”, existe também a
“Cidade Informal”, constituída por favelas e pelos loteamentos habitacionais clandestinos e
irregulares, instalados em áreas privadas e que são habitados por cerca de 60 mil pessoas.
Cidade Tiradentes possui, portanto, uma população estimada em 220 mil habitantes
que estão, de certa forma, separados por dois níveis de pobreza: há 71 equipamentos na cidade
formal e 3 na informal; a renda média do chefe de família varia de 500 a 1200 reais na Cidade
Formal e de 200 a 500 na Informal; o analfabetismo vai de 0 a 10% na Cidade Formal, ao
passo que, na Informal, o índice fica entre 10 e 20%. As áreas ocupadas pela população da
Cidade Informal são lacunas deixadas na construção dos prédios da Cohab; ocupações nas
bordas dos conjuntos e, também, resultado de expansão da mancha urbana.
A identidade dos moradores de Cidade Tiradentes está diretamente ligada ao processo
de constituição do bairro, feita sem um planejamento pré-estabelecido, que levasse em conta as
11 Dados obtidos a partir do Sistema de informações gerais da Secretaria Municipal de Educação. Disponível em: <http://portaleducacao.prefeitura.sp.gov.br/WebModuleSme/itemMenuPaginaConteudoUsuarioAction.do?service=PaginaItemMenuConteudoDelegate&actionType=mostrar&idPaginaItemMenuConteudo=4855>. Acesso em 22 de janeiro de 2008. 12 As informações foram extraídas do site da Prefeitura do Município de São Paulo. Disponível em: <http://portal.prefeitura.sp.gov.br/subprefeituras/spct/dados/historico/0001> Acesso em 22 de janeiro de 2008.
64
necessidades básicas da população. Muitas pessoas vieram para Cidade Tiradentes em busca
da realização do sonho da casa própria, embora boa parte tenha se deslocado a contragosto,
na ausência de uma outra opção de moradia. Por não terem encontrado, no local, uma infra-
estrutura adequada às suas necessidades, aliado ao fato de que a região oferece escassas
oportunidades de trabalho, seus habitantes reconhecem Cidade Tiradentes como bairro
dormitório e de passagem e não de destino.”
2.5.2 Contexto imediato
A pesquisa em questão foi realizada em uma EMEI que, no início da pesquisa,
contava com 780 alunos matriculados em dois turnos, funcionando com nove classes de
manhã e nove classes à tarde. Possui um quadro funcional de 23 professoras efetivas,
uma diretora, uma coordenadora pedagógica e uma assistente de direção, 4 agentes
escolares e um vigia.
A escola fica em um terreno plano e pouco arborizado, com um terreno baldio ao
lado, onde havia, por informação da diretora no início da pesquisa, acúmulo de lixo.
Tem dois pavimentos. No andar térreo, fica a secretaria, a sala de professores, a sala da
coordenação pedagógica, da direção, uma sala para reunião de professores, dois
banheiros e uma cozinha. Possui 8 salas de aula, localizadas no pavimento superior, que
funcionam como salas-ambiente. Possui também um amplo pátio descoberto, um parque
com areia e brinquedos, além de um salão interno para refeições.
No período em que a pesquisa se desenvolvia, foi realizada uma série de
reformas de maneira a adequar as instalações às necessidades dos alunos: o pátio foi
reconstruído; novos brinquedos foram adquiridos tanto para a área externa quanto para a
brinquedoteca; a sala de professores foi ampliada; a cozinha reformada e seus
equipamentos modernizados; o prédio da escola foi pintado; e foram plantadas muitas
árvores na escola e ao redor. Por decisão e providências do conselho de escola, o terreno
baldio ao lado foi higienizado.
2.6 Participantes da Pesquisa
Foi nesse espaço físico que se desenvolveu a pesquisa, em que atuaram os
seguintes participantes: pesquisadora, diretora, coordenadora pedagógica e assistente de
direção. Nesta pesquisa a diretora e a pesquisadora são participantes primárias,
65
enquanto a assistente e a coordenadora são participantes secundárias, uma vez que no
momento em que a escola se reorganizava com a chegada da diretora, não foi possível
organizar reuniões sistemáticas com a presença simultânea das quatro participantes13.
2.6.1. Participantes primárias
Diretora (Valéria*): tem formação inicial em História pela PUC-SP. Foi professora do
Ensino Fundamental II por 10 anos, assistente de direção de uma Escola Municipal de
Ensino Fundamental II (quinta a oitava série) por 5 anos e diretora nomeada de um
Centro de Educação Unificada (C.E.U.) por 4 anos. Desde janeiro de 2007 é diretora
efetiva nesta EMEI.
Pesquisadora (Elvira): conforme já apresentada, é formada em Educação pela USP, foi
Coordenadora Pedagógica, Orientadora Educacional, e assessora em escolas
particulares. Desenvolveu esta pesquisa como aluna de mestrado em Linguística
Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL), na PUC-SP.
2.6.2. Participantes secundárias
Coordenadora Pedagógica (Áurea*): tem formação inicial em Educação Física, foi
professora de dança em escolas livres por 10 anos e ingressou na educação municipal
em 1993, exercendo a função de professora de classes regulares do Ensino Fundamental
I (primeira a quarta série) por 8 anos. Há 6, exerce a coordenação pedagógica em
escolas oficiais e há 2, é coordenadora efetiva nesta unidade.
Assistente de direção (Cleonice*): professora de Ensino Fundamental I, trabalhou
como alfabetizadora de adultos por 15 anos. Em 1998 foi nomeada auxiliar de direção
em uma Escola Municipal de Ensino Fundamental e, desde 2004, é assistente de direção
nesta EMEI, cargo eleito pelo Conselho de Escola.
2.7 Produção dos dados14
Os dados da pesquisa foram produzidos em diversas interações da pesquisadora
* Foram utilizados nomes fictícios para preservar a identidade das participantes. 13 Saliento que as participações da assistente de direção e da coordenadora foram fundamentais para um melhor entendimento daquela realidade específica. Esclareço, ainda, que todas as entrevistas realizadas com todas as participantes foram disponibilizadas e as reuniões de apresentação dos resultados parciais da pesquisa contou com a presença das quatro participantes. 14 Utilizo a terminologia “produção de dados”, por entender que neste quadro teórico os dados não são “coletados”, mas co-produzidos na interação dos participantes.
66
com a diretora e com as participantes secundárias, bem como em observações de eventos que envolviam a comunidade escolar. Todas as reuniões e entrevistas foram audiogravadas, transcritas e compartilhadas com a equipe técnica. Algumas das entrevistas foram semi-estruturadas, na medida em que tiveram o apoio de questionários previamente elaborados por mim, a pesquisadora.
O Quadro 2.1 apresenta uma relação dos instrumentos de produção de dados utilizados, os objetivos de sua aplicação, bem como a quantidade de aplicações realizadas ao longo da pesquisa. Merecem destaque dois artefatos que colaboraram na produção de dados, com a função de mediação explicita (WERTSCH, 2007): “Tabela de Ações” e “Jogo de Papéis”, cujos objetivos e quantidade de aplicações estão resumidos no Quadro 2.2, mais abaixo.
Quadro 2.1. Visão geral dos instrumentos de produção dos dados e sua utilização
Instrumento de produção de dados Ocorrências Objetivos
Entrevistas com a diretora 8
Entrevista com a Coordenadora 2
Entrevista com a Assistente técnica 2
As entrevistas foram organizadas com diversos objetivos dependendo da época em que ocorreram: aprofundar as concepções dos participantes, aprofundar conceitos discutidos, proporcionar espaços de reflexão
Entrevista15 com professores, funcionários
e pais
2
Investigar os sentidos que as professoras, funcionários e pais atribuíam ao Conselho de Escola, como espaço de participação; compreender como entendiam seu papel e o da comunidade nesse Conselho; e qual o entendimento que declaravam ter sobre os assuntos discutidos.
Questionário para a diretora 1
Questionário para a Coordenadora 1
Questionário para a assistente 1
Conhecer as concepções iniciais das participantes sobre sua função, sobre a organização e função social da escola, seu papel na equipe, as concepções de gestão/direção, o conhecimento declarativo e as teorias que embasam sua ação.
Reuniões reflexivas com a equipe 3 Discutir os resultados da pesquisa
Reuniões reflexivas com a diretora 8
Confrontar teoria e prática Colaborar na reflexão e na reconstrução da ação
Diário da pesquisadora
Durante toda a pesquisa
Investigar as transformações ocorridas nas concepções da pesquisadora
15 **Não foram analisados
67
Quadro 2.2 - Artefatos utilizados em mediação explícita
Artefatos Ocorrências Objetivos
Tabela de ações 4 encontros Orientar a reflexão sobre os espaços criados para que as intenções se efetivassem; e orientar um plano de ação para a concretização das mesmas.
Jogo dos papéis 1 encontro Oportunizar a reflexão e a comparação das ações efetivamente realizadas com as intenções declaradas.
Explico, a seguir, os vários instrumentos utilizados:
Entrevistas
No começo da pesquisa, foram utilizadas com o objetivo de entender os sentidos iniciais que embasavam as ações das participantes tanto na escola quanto no processo da pesquisa; discutir e esclarecer os procedimentos de produção e análise dos dados; explicitar os interesses das participantes. À medida que a pesquisa avançava, passaram a ter o objetivo de apresentar e discutir aspectos observados; estabelecer novos objetivos; introduzir teorias.
Apenas as entrevistas com a Assistente e com a CP seguiram o questionário previamente enviado para a escola, tendo sido audiogravadas e transcritas. Para orientar as entrevistas iniciais com a diretora, também foi enviado um roteiro, mas que acabou não sendo seguido integralmente devido a interrupções ocorridas em função de demandas internas da escola.
Questionários (em anexo).
Foram escritos com o objetivo de levantar as concepções iniciais das participantes sobre seu papel na escola, os sentidos atribuídos à gestão, e conhecimento que declaram ter sobre seu contexto de atuação (caracterização dos alunos, professores, funcionários e pais) e sobre quais necessidades da comunidade a escola procuraria atender. Esses questionários dirigiram as entrevistas iniciais, que foram audiogravadas e transcritas.
Observação de:
Reunião pedagógica (1 vez);
Reunião de Conselho de Escola (3 vezes);
Reunião de pais (1 vez).
68
A equipe diretiva me permitiu que assistisse a essas reuniões com o objetivo de conhecer, de forma mais detalhada, os contextos de atuação das participantes; verificar a relação entre o prescrito planejado e o que efetivamente ocorria; e oferecer subsídios para as discussões.
Reuniões reflexivas.
Para efeito desta pesquisa, chamo de “reunião reflexiva” os encontros com a
diretora, agendados com o objetivo de aprofundar conceitos anteriormente discutidos e
relacionar teoria e prática. Nessas ocasiões muitas vezes foram usados dados produzidos
em entrevistas e reuniões anteriores. É, neste sentido, que as reuniões com a diretora
sempre foram “reflexivas”.
Diário de campo da Pesquisadora.
Utilizado como instrumento, teve como objetivos registrar as mudanças nas
minhas concepções de pesquisadora e avaliar como a teoria (aprendida na universidade)
modificou minhas ações de pesquisa e transformou minha compreensão de forma mais
ampla. O diário detalhado encontra-se em anexo.
Documentos Oficiais.
Nesta investigação foram, também, parcialmente analisados alguns documentos
de caráter legal. São eles:
• Regimento Interno da Secretaria Municipal da Educação Infantil de São Paulo:
Decreto N° 33.991, de 24 de fevereiro de 1994, com as alterações contidas no
decreto n° 35.216, de 22 de junho de 1995 - DOM 23/06/95.
• LDB – Lei de Diretrizes e Bases - Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
É importante deixar claro que durante a pesquisa, muitas vezes foram utilizados
mais de um instrumento no mesmo encontro. Por exemplo, no dia 22 de maio de 2007,
iniciei observando a reunião de pais. Depois, conforme havia combinado com a diretora,
fiz uma entrevista semiestruturada com pais e professores, com o objetivo de verificar
qual a compreensão que eles tiveram dos assuntos discutidos na reunião. Os dados das
entrevistas com pais e funcionários foram transcritos, disponibilizados para a direção,
mas não analisados.
Descrevo a seguir os artefatos de mediação explícita.
69
Tabela de ações (em anexo).
Construí este artefato, atendendo à solicitação da diretora para colaborar com ela na construção de um plano. O critério que orientou a seleção dos temas que constam na tabela foram aqueles que a diretora considerava importante priorizar na condução da escola, colhidos nas entrevistas e reuniões realizadas ao longo de 2007, quais sejam: a participação dos pais, alunos e equipe técnica; formação de agentes e professores. O objetivo da tabela foi orientar a reflexão sobre os espaços criados e orientar um plano de ação para a concretização das intenções explicitadas.16
Jogo dos papéis (em anexo)17.
Conjunto de “tiras de papel”: cada uma continha um excerto selecionado de entrevistas e reuniões ocorridas ao longo de 2007, no qual estivessem explicitadas ações que representavam as várias tarefas atribuídas à sua função (por exemplo: intervenção da diretora junto aos funcionários, ação junto ao Conselho de Escola, relatos de providências administrativas, etc.). Construí este artefato, com os seguintes objetivos: que a diretora pudesse comparar as suas ações efetivamente realizadas com as suas intenções declaradas no início da pesquisa; e que pudéssemos, juntas, retomar as ações, desenvolvidas durante 2007, tanto da direção como as da pesquisa. Desta forma, a construção deste artefato e a tarefa solicitada também tinham como objetivo possibilitar uma maior compreensão do papel do diretor escolar, tema que estava em discussão.
O critério que orientou a minha escolha dos excertos foi o foco nas ações desenvolvidas pela diretora em relação às várias tarefas do diretor escolar, que constavam das transcrições de nossas reuniões. Durante o jogo, foram acrescentadas também papeletas com as ações desenvolvidas por ela durante a semana anterior a reunião. A diretora teve como tarefa categorizar as ações representadas nos excertos e depois reorganizar as categorias para incluir as ações desenvolvidas por ela durante a semana.
No terceiro momento da tarefa, comparamos as papeletas com as prescrições sobre o trabalho do diretor escolar, constantes no Regimento Interno da Secretaria Municipal da Educação Infantil de São Paulo. Esse exercício foi didático sem pretender esgotar a discussão sobre as tarefas do diretor. Utilizado no dia 22 de fevereiro de 2008, 16 Este instrumento foi baseado no exemplo oferecido por Magalhães (1990/2007: 31) no texto First Steps: Ethnographic Studies, extraído da tese de doutorado da autora. Seguindo a estrutura da tabela “Participant Observation Guidelines”. 17 Para este “jogo” foram utilizados excertos de entrevistas anteriores, identificados com data e turno e impressos em pequenos papéis. De posse dos papéis a diretora tinha que categorizá-los. Este jogo foi inspirado no instrumento “Fotografando a Escola”, elaborado por Ninin (2006a) e usado em cursos de formação de educadores (diretores e gestores).
70
o artefato foi, posteriormente, nomeado por nós de “Jogo de Papéis”. A utilização deste artefato marcou um salto na pesquisa.
2.8. Condução e desenvolvimento da pesquisa
Dois motivos básicos me conduziram a esta investigação: o de me constituir pesquisadora crítico-colaborativa e o de conhecer a função do diretor escolar, levando em conta as novas demandas sociais e as novas orientações institucionais.
Como já apontei, meu primeiro contato com a Valéria foi como colega em um curso sobre gestão escolar (COGEAE). Logo que propus desenvolver uma pesquisa de campo na escola em que ela estaria assumindo como diretora efetiva no ano seguinte, interessou-se por participar, mas ressaltou que precisaria inicialmente conhecer os outros componentes da equipe, para que estes também pudessem opinar sobre aderir ou não ao projeto. A equipe que se formaria seria totalmente nova, pois os participantes ainda não se conheciam, o que tornava a situação ainda mais interessante.
Conversei com Valéria durante as férias, por telefone e por e-mail e combinamos uma data (28 de janeiro de 2007), em que fui conhecer a escola e a equipe diretiva, composta por ela, uma coordenadora pedagógica (C. P.) e uma assistente técnica (A. T.). Nesse meu primeiro contato com toda a equipe expliquei, em linhas gerais, quais eram os objetivos da pesquisa, as perguntas iniciais e esclareci a metodologia. As três mostraram-se interessadas e receptivas, mas deixei que elas ficassem à vontade para aderir ou não à proposta. Novamente por e-mail, veio a confirmação de que elas estavam dispostas a participar.
Inicialmente, eu planejara desenvolver esta investigação envolvendo toda a equipe. No entanto, a efetivação da diretora na escola exigia várias providências. Assim, as participantes eram solicitadas para reuniões na coordenadoria e faziam um rodízio de horário para que, na EMEI, sempre houvesse um representante da equipe diretiva. Além disso, em alguns períodos também faltavam funcionários administrativos para a secretaria, fato que as sobrecarregava com demandas diversas. Dessa maneira, não conseguimos efetivar um encontro com as quatro participantes (diretora, assistente, coordenadora pedagógica e pesquisadora,), o que era natural em um momento em que havia tantas exigências e procedimentos junto à coordenadoria. Embora a coordenadora e a assistente participassem de vários momentos da pesquisa e suas contribuições tenham sido muito valiosas para o entendimento do contexto e dos desafios da função do diretor escolar, o trabalho passou, intencionalmente, a focalizar a interação de pesquisadora e diretora em busca da compreensão do papel do diretor escolar.
71
Certamente, devido ao meu trajeto profissional, eu já trazia para a pesquisa os meus sentidos do que é ser diretor. Por outro lado, meu sentido inicial sobre o meu próprio papel era o de entender o que era ser diretor escolar num contexto específico e aprofundar a compreensão de como este papel se desenvolvia e de como a “gestão” estava acontecendo naquela realidade. Chegando, porém, à escola onde se realizaria a pesquisa, meus sentidos se interpuseram entre o ideal e a realidade, materializada num contexto completamente novo, desconhecido. Também fiquei extremamente impactada com a dinâmica da escola pública, com as inúmeras tarefas que a diretora tinha que realizar, com os problemas de toda ordem que enfrentava (falta de material, falta de pessoal administrativo, ausência de funcionários afastados por licença médica, prazos e exigências legais a cumprir, etc.).
O compromisso de trabalhar em colaboração, que foi assumido, prontamente, por Valéria conduziu nossas ações, desde o início, mesmo quando fatores alheios às questões da pesquisa nos impuseram um tempo de afastamento. Saliento que fui convidada e eu pude participar de várias atividades escolares como observadora privilegiada.
Embora eu tenha desde sempre assumido o compromisso de trabalhar baseada nos pressupostos da PCCol, com o aprofundamento das teorias estudadas no mestrado, bem como a oportunidade de participar do Grupo de Pesquisa LACE (Linguagem e Atividade em Contexto Escolar) e participar do programa de pesquisa PAC (Projeto Ação-Cidadã) e de formação de educadores (cursos pela COGEAE–PUC/SP), fui modificando minhas concepções iniciais. Desta forma, durante a pesquisa, diversas vezes revi as minhas ações tanto em relação aos pressupostos teóricos, quando aos objetivos a que me propunha. Em setembro de 2007, a diretora e eu fizemos uma avaliação da pesquisa e, a partir daí, atendendo a um pedido dela para colaborar na organização de um plano de formação, construí a “Tabela de Ações”, apresentada no dia 9 de janeiro de 2008, para ser preenchida até a reunião seguinte, tarefa que recebeu imediata adesão de Valéria.
No entanto, ao confirmar por telefone nosso encontro agendado para o dia 22 de fevereiro de 2008, informou-me que não estava conseguindo realizar inteiramente o que havíamos combinado, justificando-se com as várias demandas que a sobrecarregavam no início do novo ano. Sugeri a transferência de nossa reunião, mas a diretora disse que não havia necessidade e solicitou-me que mantivesse a data, pois era uma maneira de forçá-la a refletir sobre o que estava ocorrendo. Pedi-lhe, então, que fizesse uma lista das ações que desenvolvera durante aquela semana (18 a 22 de fevereiro de 2008). Ao mesmo tempo, eu também construí, a partir das entrevistas realizadas em 2007, uma
72
lista com excertos de entrevistas que focalizaram ações desenvolvidas pela diretora durante 2007. A minha lista e a dela foram usadas no “Jogo de Papéis”.
Passo, agora, a apresentar a linha do tempo constituída dos eventos desta pesquisa. O Quadro 2.3 abaixo dá uma noção geral dos momentos em que estive na escola pesquisada e dos eventos de que participei. São destacadas com realce cinza as atividades efetivamente analisadas.
Quadro 2.3 – Linha do tempo dos eventos desta pesquisa
Datas Evento / Encontro Datas Evento / Encontro
22/01/07 Primeiro contato 21/09/07 Reunião com a diretora
09/02/07 Contatos iniciais 13/12/07 Reunião com a equipe técnica
16/02/07 Entrevista com a Assistente / conversa informal com a CP 09/01/08 Reunião com a diretora
26/02/07 Entrevista com a CP;
Observação do conselho de escola 22/02/08 Reunião com a diretora
09/03/07 Entrevista com a diretora 11/04/08 Reunião com a diretora
23/03/07 Observação da reunião de Professores. 13/05/08 Reunião com a diretora
20/04/07
Observação da eleição do novo “Conselho de Escola”,
Reunião com a equipe diretiva
Entrevista com pais
13/06/08 Reunião com a equipe
27/04/07 Reunião com a diretora e a assistente 16/06/08 Reunião com a diretora
22/05/07 Observação da reunião de pais
Entrevista com a diretora
1/06/07 Observação da reunião da equipe técnica
15/06/07 Observação do Conselho de
Escola
Reunião com a equipe técnica.
Apresento, a seguir, um novo quadro (2.4), no qual relaciono as reuniões que
foram efetivamente analisadas na pesquisa e acrescento o conteúdo temático
desenvolvido em cada uma delas, com os objetivos planejados das ações18. Todos os
eventos e encontros foram audiogravados e transcritos.
18 O quadro completo com todos os encontros e os objetivos de cada um deles encontra-se em anexo.
73
Quadro 2.4 - Visão geral dos encontros analisados durante a pesquisa
Datas Evento/ Encontro Conteúdo Temático Objetivos Planejados da Ação de pesquisa
09/03/07 Entrevista com a diretora
Organização administrativa burocrática; Relacionamento profissional; Consciência profissional / exigências da função; Formação de educadores; Conselho de classe.
Investigar as concepções iniciais da diretora e da CP em relação ao seu papel na escola, à gestão escolar, às teorias pedagógicas; e suas expectativas em relação à direção e à formação da equipe. Conhecer as necessidades da diretora. Aprofundar alguns conceitos já discutidos
27/04/07
Entrevista com a diretora
e assistente
Papéis da equipe diretiva; Concepções de gestão; Organização do trabalho; Projeto Político-Pedagógico; Participação da comunidade
Investigar o relacionamento de teoria e prática: discussão das teorias, verificando a relação entre o prescrito declarado e o efetivamente vivido.
Reunião de pais.
Participação; Conceito de Gestão; Informes para os pais.
Aprofundar o entendimento entre as ações declaradas e a realização. Compreender como foi organizada a reunião de pais. Investigar a relação entre a intenção e a efetiva participação dos pais.
22/05/07
Entrevista com a diretora
Dificuldades inerentes á função Discussão sobre elaboração de um plano de ações
Discutir o planejamento das atividades na escola.
21/09/07 Reunião com a diretora
Avaliação da diretora: organização administrativa da escola, conquistas da equipe, dificuldades enfrentadas durante o ano. Avaliação da pesquisadora: andamento da pesquisa. Solicitação da diretora de colaboração num plano de ação.
Retomar o trabalho de pesquisa.
09/01/08 Reunião com a diretora
Ações de 2008; necessidades da escola/direção, plano de ação.
Focalizar e organizar o planejamento da continuidade do trabalho. Apresentação da “Tabela de ações”
22/02/08 Reunião com a diretora
Avaliação e discussão das ações realizadas em 2007.
Discutir a tabela e introduzir outro instrumento. “Jogo de Papéis” 19 Refletir sobre as várias tarefas desempenhadas pela diretora. Planejar a continuidade do trabalho.
11/04/08 Reunião com a diretora
Plano de ação; Áreas prioritárias de atuação da direção.
Refletir sobre intenções e ações. Avaliar o trabalho para a seleção de novas ações.
13/05/08 Reunião com a diretora
Reunião de professores; Projeto pedagógico; Ações da direção.
Refletir e aprofundar as discussões iniciadas.
16/06/8 Reunião com a diretora
Trabalho com a comunidade; Trabalho com os professores. Organização da equipe diretiva.
Aprofundar os conceitos discutidos.
19 Para este “jogo” foram utilizados excertos de entrevistas anteriores, identificados com data e turno e impressos em pequenos papéis. De posse dos papéis a diretora tinha que categorizá-los. Este jogo foi inspirado no instrumento “fotografando a escola”, elaborado por Ninin (2006) e usado em cursos de formação de educadores (Diretores e gestores).
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Explicação das transcrições:
As entrevistas e reuniões foram audiogravadas e transcritas. Suas transcrições foram livres, mas alguns sinais são importantes para a melhor compreensão dos excertos selecionados. Apresento, a seguir, um quadro com exemplos das principais codificações adotadas:
Quadro 2.5 – Código de transcrição
((nonon)) = explicação Então eu falei para eles ((os alunos)) que
(#) = inaudível Mas acontece que (#), por este motivo.
.... = pausa ou hesitação na fala Eu estava assim.... assim.... quer dizer.
(nono) = hipótese do que se ouviu: Então como (é) que isto fica?
(...) = recorte efetuado pela pesquisadora Ontem eu fiz muitas coisas (...) a mais importante foi
2.9 Seleção dos dados
Devido à quantidade de material produzido, foi necessário fazer um recorte nos dados. Foram selecionados, então, momentos característicos do processo. O critério básico da seleção foi a pertinência para responder as perguntas de pesquisa:
1. Quais os sentidos declarados e os significados compartilhados sobre direção escolar pelos participantes: diretora e pesquisadora externa? Há transformação? Qual(is)? O que caracteriza essa transformação?
2. Como pesquisadora e diretora interagem na construção de novos significados sobre direção escolar? Há transformação? Qual(is)? O que caracteriza essa transformação?
Para responder a primeira pergunta, destaquei excertos em que as participantes (a diretora e esta pesquisadora) revelavam os sentidos sobre direção escolar, ao longo da pesquisa. Para localizar transformações de sentido e compartilhamento de significados, bem como para estudar mecanismos de interação que propiciaram tais transformações, foi necessário escolher trechos de entrevistas / reuniões ocorridas durante a pesquisa e que marcaram momentos que exemplificam transformações.
2.10 Categorias de análise dos dados
A análise de dados teve como objetivo principal investigar os sentidos explicitados pelas participantes e verificar se e como ocorreu compartilhamento de novos significados ao longo da pesquisa. As categorias utilizadas serão descritas e
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exemplificadas a seguir.
• Plano geral do texto
Refere-se à organização de conjunto do conteúdo temático, que se mostra visível no processo de leitura/compreensão do texto e pode ser codificado em um resumo (BRONCKART, 1997/2007: 120).
• Conteúdo temático
O conteúdo temático ou referente pode ser definido como o conjunto de informações ou assuntos que são apresentados no texto e traduzidos pelas unidades declarativas da língua natural.
Estes dois planos de análise (plano geral e conteúdo temático) permitem identificar os assuntos que são tratados pelos participantes revelando, entre outros aspectos, os sentidos, os valores e as principais preocupações dos interlocutores. A título de exemplo, apresento abaixo o Quadro 2.6 com um fragmento de uma das entrevistas analisadas:
Quadro 2.6 - Plano geral do texto produzido na entrevista de 9 de março de 2007
TEMA CONTEÚDO TEMÁTICO TURNOS
Organização da escola; secretaria
e documentos
• Diretora relata as dificuldades encontradas: para colocar em ordem documentos e papéis; para orientar a funcionária responsável
• Pesquisadora faz pergunta de esclarecimento • Diretora responde e continua seu relato sobre os problemas
enfrentados
Diretora Val 1 a Val 3
1ªinterrupção • A funcionária substituta, responsável pela Secretaria, interrompe e pede esclarecimentos sobre procedimentos
Explicação sobre
procedimentos da pesquisa:
• Pesquisadora explica o contexto da Linguística aplicada • Diretora faz um comentário • Pesquisadora continua explicando a pesquisa: Papel do
diretor e Papel do pesquisador • Diretora pergunta se a pesquisadora está expondo a
metodologia • Pesquisadora responde que sim e continua explicando
Pesquisadora;Elv 2 a ELV12
2ª interrupção • Serralheiro solicita presença da diretora
Explicação sobre
procedimentos da pesquisa
• Pesquisadora retoma a explicação da pesquisa • Diretora concorda • Pesquisadora continua explicando tratamento de dados • Diretora concorda e diz que “está tudo certo”
Elv13
Organização da escola
Problemas com funcionários na
condução da organização
• Diretora interrompe a explicação da pesquisadora, pede para terminar de contar o caso da secretária e expõe sua preocupação com a organização da escola
Diretora : VAl 13 a Val 16
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Este primeiro conjunto de informações permite, como já dito, visualizar algumas
das preocupações, sentidos e representações dos participantes: quem são, de onde vêm,
que sentidos atribuem a seu(s) papel(éis), algumas de suas prioridades.
Tendo analisado as tabelas de conteúdo temático das reuniões iniciais,
identifiquei os temas que foram introduzidos por cada uma das participantes,
construindo dois quadros em paralelo, como apresentados no exemplo abaixo, que se
refere à reunião do dia 27 de abril de 2007:
Quadro 2.7. Exemplificação de temas introduzidos pelas interlocutoras
Temas introduzidos pela diretora Temas introduzidos pela pesquisadora
Organização da participação dos pais: Projeto Político Pedagógico (PPP) e relação com a prática
Organização administrativa da escola: Objetivos da escola e construção da equipe
Projeto político pedagógico (PPP) como instrumento de mediação
Papel da direção em relação à articulação da equipe; necessidade de plano de ação
Relação direção – professores Teorias de gestão escolar
Estes procedimentos me permitiram identificar os sentidos que as participantes
atribuíam ao papel do diretor, o que colabora para responder a primeira pergunta desta
pesquisa.
Ainda na direção de identificar os sentidos e significados compartilhados, recorri
ao estudo das escolhas lexicais (verbos, adjetivos, substantivos, dêiticos e operadores
recorrentes). Utilizei também as modalizações, como exemplifico a seguir.
• As modalizações
Apresento no Quadro 2.8 abaixo as modalizações / relações predicativas, que
mais apareceram nesta pesquisa e também colaboraram para o entendimento dos
sentidos construídos pelas participantes: modalizações deônticas, modalizações
apreciativas e modalizações pragmáticas.
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Quadro 2.8 - Modalizações: tipos, conceituação, características linguísticas e exemplos
Tipos Explicação Características linguísticas Exemplos na pesquisa
deôn
ticas
Avaliação de alguns elementos do conteúdo temático, apoiada em valores, nas opiniões e nas regras constitutivas do mundo social, apresentando os elementos do conteúdo como sendo do domínio do direito, da obrigação social e/ou da conformidade com as normas em uso. Apresentam, os fatos enunciados como permitidos ou proibidos, necessários, desejáveis, etc.
advérbios e orações impessoais que indicam obrigatoriedade; uso de verbos auxiliares, ou metaverbos tais como: dever, ser preciso, ter que, etc.
VAL6: (((os pais começaram a ))). reclamar, eles resolveram pôr os professores pra cobrir esse horário que seria o pós aula, ou seria as duas aulas complementares. Então aqueles professores que estavam lá de eventuais, eles pegaram essas aulas, então eles estão no lugar dos oficineiros, ou seja, pra Prefeitura fazer isso ela tinha que ter contratado mais professores, e ela não contratou, ou tinha que ter feito concurso, quer dizer, tinha que ter sido uma ação prevista, e eles não fizeram, então o que que acontece, agora não tem professor na Rede. E aqui ainda eu estou com o quadro completo, tem escola que não tem professor pra dar aula, não é só substituto que não tem, então é coordenador que está dando aula é diretor que vai pra sala, é assistente que vai pra sala, todo mundo indo pra sala de aula, (.)por quê? Por falta de professor.
Pra
gmát
icas
Explicitação de alguns aspectos da responsabilidade de uma entidade constitutiva do conteúdo temático (personagem, grupo, instituição) em relação às ações de que é agente, e atribuem a esse agente: intenções, razões (causas, restrições), ou ainda, capacidades de ação (BRONCKART, 1997/2007)
verbos auxiliares de modo, em sua foram restrita ou ampliada. com metaverbos tais como ser verdade, poder, etc.;
VAL3 e 4: nós já estamos chegando no inverno e o uniforme de verão não chegou ainda (.), a coordenadoria não dá nenhuma justificativa fala que está chegando, que tá vindo essa licitação foi feita desde o início do ano, eles tinham garantido que em abril chegaria, nós já estamos no final de maio e não chega
Apr
ecia
tivas
Avaliação de alguns aspectos do conteúdo temático, procedente do mundo subjetivo da voz que é fonte desse julgamento, apresentando-os como benéficos, infelizes estranhos, do ponto de vista da entidade avaliadora(BRONCKART, 1997/2007)
marcadas preferivelmente por adjetivos, advérbios ou orações adverbiais ou predicativas.
(.) VAL4:_ (.), e pra nós é importante o uniforme, principalmente numa região carente como essa.(.) Que os pais, o que acontece? Eles acabam trazendo as crianças com roupinhas boas, que são geralmente as melhores que eles têm, pra escola, que eles rolam no parque, que eles brincam, que eles sujam de tinta, e o que era pra ser feito não pode, infelizmente não chegou ainda.
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• Análise de Turnos
A análise qualitativa dos turnos foi realizada a fim de compreender o padrão de colaboração que se estabeleceu durante a pesquisa, para entender como e se os espaços de discussão favorecerem a aprendizagem e desenvolvimento das participantes e se os sentidos declarados puderam ser compartilhados Para isso, categorias de análise específicas foram criadas baseadas nos textos de Pontecorvo (2005), Wertsch & Smolka (1993/1999), Bakhtin (1986 apud Wertsch & Smolka, 1993/1999), Brookfield & Preskill (2005) e Kerbrat-Orecchioni (1996/2006). Baseio-me também na categoria “avanço da fala do outro” desenvolvida por Dellova (2009) para instituir novas categorias que podem identificar se os comentários ou perguntas das participantes colaboram ou não para o desenvolvimento da discussão: 1. Avanço da fala do outro: quando um participante expande sua fala trazendo novos
elementos e complementando o que foi dito pelo outro, mostrando que há um desenvolvimento no raciocínio ou aprofundamento da discussão
2. Não avanço da fala do outro: quando não há desenvolvimento e/ou há uma pausa ou bloqueio no raciocínio/ ou mesmo quando a discussão não evolui.
O quadro, a seguir, sintetiza as categorias utilizadas.
Quadro 2.9 – Turnos: classificação, função e exemplificação
CATEGORIAS EXPLICAÇÃO CARACTERÍSTICAS EXEMPLOS
Turno Elaborado Avanço da fala do outro
Coerência de raciocínio entre os interlocutores • avanço e progresso da análise e interpretação do objeto do discurso • introdução de novos elementos e de novas perspectivas
A informação introduzida por um falante precedente é continuada, elaborada ou expandida com acréscimo de informações: Um enunciado incompleto é completado. A narração de um episódio ou o resumo de fatos é continuado. A explicitação de um conceito é apresentado. Uma asserção é completada. Há retomada da fala anterior com novos acréscimos retomar.
ELV47 – (.) Como que você ta vendo essa relação com os professores que era uma preocupação que você tinha? Val47 – Ainda não é como eu gostaria que fosse. ELV48 – Como você gostaria que fosse? Val48– Eu queria estar mais próxima, principalmente com relação ao pedagógico. Eu queria estar mais próxima, mas ainda não consegui cultivar esse tempo, eu acho que é falha minha mesmo, acabo fazendo o que é mais urgente do que é mais importante. Acabo fazendo o que é mais urgente antes do que é mais importante.
Turno Simples Não há avanço na fala do outro
Inércia, bloqueio do raciocínio coletivo
A informação solicitada pelo falante precedente é fornecida, mas não elaborada. Há repetição de elementos já discutidos Refere-se a uma experiência pessoal
ELV: 21 Ou talvez você ter um plano pra você. Com as suas ações pra essa articulação. Não sei... (...) VAL 24: Tá certo. Certíssima. (silêncio)
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• Tipos de perguntas
As categorias para analisar os tipos de perguntas foram baseadas em Brookfield
& Preskill (2005) (1995); Magalhães e Fidalgo (2007); Smyth (1992); Liberali (2004a),
Mackay (2001) e estão resumidas no Quadro 2.10, a seguir.
Quadro 2.10 – Tipos de Perguntas
TIPO DE PERGUNTA EXPLICAÇÃO SUBTIPOS EXPLICAÇÃO EXEMPLO
Indutivas de sim/não
Perguntas que pedem concordância ou discordância simples sem maiores explicações
Val 27 Antes porque tinha que atender balcão. você lembra? Perguntas
fechadas
Perguntas que induzem a um certo
tipo de resposta sugerido pelo
falante Sugestão de Ação
Perguntas que convidam o interlocutor a agir, sugerem alguma operação, em geral na direção de solucionar algum problema implícito ou explícito
Elv.33Você falou com a coordenadora?
Perguntas que pedem síntese
Perguntas que pedem uma síntese, do que foi discutido e exigem uma abstração por meio de resumo ou conclusão
Elv.82,Quais as conclusões que você chegou neste exercício?
Perguntas hipotéticas
Perguntas que estabelecem hipóteses e i proporcionam a criação de cenários alternativos
Elv. E se você não cumprir prazo?
Perguntas que pedem explicação
/justificativa
Perguntas que exigem apresentações das razões de uma determinada ação, provocam o
pensamento e podem promover a resolução de problemas
Elv. Por que na sua função você tem que fazer isso? Para que são organizados os conselhos? Como você pensa organizar..?
Perguntas abertas
Perguntas que fazem avançar o
raciocínio, por meio de explicações, justificativas,
sínteses, clarificações, discussão de
hipóteses.
Perguntas que pedem evidência e/ou clarificação
Perguntas que permitem aos participantes expandirem suas idéias para serem entendidas tanto para si mesmo quanto para os outros e proporcionam o aprofundamento do objeto em foco
Elv.49 – Dá exemplo de coisas que são urgentes? Em que sentido? Como assim?
Os tipos de perguntas foram analisados para observar se, durante a pesquisa, houve predomínio de um ou outro tipo; se e como estas perguntas favoreceram – ou não – o aprofundamento do que estava em discussão; se e como indicam – ou não – mudança nas regras e divisão do trabalho; e finalmente, se houve – ou não – mudanças no padrão de relacionamento entre as participantes (mediacional).
Foi importante considerar, além das perguntas, as colocações e os comentários das participantes, na medida em que veiculam um ponto de vista, ou seja, as ideias, valores historicamente constituídos. Esses comentários também podem produzir expansões no discurso do outro e possibilitar uma reflexão ou, até mesmo,
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impossibilitá-la. Com ocorrência marcante nesta pesquisa, esses comentários foram categorizados conforme apresentado no Quadro 2.11, a seguir.
Quadro 2.11 – Categorias de Comentários
SIGLA ASSERÇÃO FUNÇÃO EXEMPLOS
CE Expansão
Criar um contexto colaborativo; Demonstrar entendimento da situação exposta; Demonstrar que há escuta; Esclarecer o conceito ou idéia em discussão
Ent 2)ELV16 (#){ então } foi um. período de adaptação, você está entrando nessa unidade agora, vocês estão fazendo uma equipe nova, vocês estão se articulando, tal, tal, tal. Então eu acho que tudo isso tem que ser olhado também
CEL Elucidação
Esclarecer o que está em discussão. Tornar mais claro seu pensamento para o outro, declarar seu pensamento.
ElV16- Então, veja se eu estou entendendo.. esse trabalho é para de envolver esses pais através das crianças?, então teria tudo a ver com essa proposta..,
CI Interpretação
O assunto em discussão é interpretado pela pesquisadora em busca de confirmação
(Ent 1)ELV-35 O que está.. Eu vou falar o que você está me passando. Você está me passando. Você tem realmente uma sólida posição política. Você falou isso. Você acredita que a participação é importante e você quer envolver essa comunidade pra que eles participem mais, com um objetivo, se tornem mais conscientes, provavelmente tenham uma atuação melhor.
CRP
Retomada para
introduzir pergunta
Retomada e/ou valorização do que esta sendo discutido, mas com o objetivo de introduzir questão.
ELV29- então Valéria, mas de tudo que você ta falando.. Ent 2).Elv:17.. mas assim essas reformas, que são válidas, importantes.. essa atenção que você..está dando para os professores, este seu o seu olhar pedagógico tal,Como se relacionam(...)?.
CP Proposição
Dar ao participante entender qual a sua opinião/ expor-se. Apontar problema a ser resolvido pode gerar desconforto
ELV32: Então Valéria. o que eu sinto é que você faz, o que você precisa se apoderar, eu acho, que é da intencionalidade do porquê você faz. VAL47:: ta certo, Concordo com você. ELV20: Agora, lembra só qual é que é seu papel.
Tal como as perguntas, a evolução do tipo de comentário permite entender
melhor a interação entre as participantes.
• Análise dos tipos de verbos.
Bronckart (1997/2007: 278-279), baseado em Vendler (1967), assume as
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seguintes classes de verbos:
a) Verbos de estado: que remetem a processos estáveis, excluindo qualquer forma de
mudança: saber, ser bonito, etc.
b) Verbos de atividade: que remetem a processos dinâmicos durativos (que implicam
numa certa duração) e não resultativos (que não implicam resultados): escrever, nadar,
subir, etc.
c) Verbos de realização: que remetem a processos dinâmicos, durativos e resultativos:
correr (uma maratona), fumar (um cigarro); este tipo de verbos exige a presença de um
complemento para o resultado.
d) Verbos de acabamento: que remetem a processos dinâmicos, não durativos e
resultativos: cair, chegar, etc.
Nesta pesquisa, utilizei como ponto de partida as categorias definidas por
Bronckart. No entanto, o material produzido nas entrevistas e reuniões revelou que essas
categorias não seriam suficientes para a análise dos verbos e das mudanças que se
desenvolveram na interação e que foram refletidas no discurso das participantes. Assim,
considerei também os verbos que aparecem nos trabalhos dos autores que discutem a
formação de educadores, na perspectiva da reflexão sobre a prática (DEWEY,
1933/1959; SCHÖN, 1992; e.g) e da reflexão crítica (SMYTH, 1992; FREIRE, 1970).
Nos trabalhos desses autores, aparecem verbos que remetem a ações mentais, tais como:
refletir, analisar, pensar, planejar, questionar, etc. Dessa forma, as categorias que serão
utilizadas para a análise dos verbos empregados nessa pesquisa foram reorganizadas da
seguinte maneira:
a) Verbos que indicam uma atividade material: (V.A.MT.) organizar (a secretaria)
comprar, encomendar, adquirir, pagar, fazer: A ênfase neste tipo de verbo pode
indicar que o sujeito está preocupado com a ação prática e concreta, especialmente
se o verbo for utilizado em lugar de outro, tal como “reunir”;
b) Verbos que indicam uma atividade física (V.A.F.): subir, acompanhar, sentar;
c) Verbos que indicam uma Atividade Mental (V.A.M.): pensar, discutir, planejar,
articular, organizar, participar. No entanto, como um dos objetivos desta pesquisa
é verificar se houve ou não possibilidade dos participantes desenvolverem uma
reflexão crítica, para que essa se efetive é importante considerar o complemento que
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acompanha o verbo e o comprometimento do sujeito da enunciação e, portanto é
preciso considerar a responsabilização enunciativa.
d) Verbos que indicam uma Atividade Mental Reflexiva (V.A.MR): pensar,
discutir, planejar, refletir, participar, articular, organizar. Esta categoria exige a
presença de um complemento verbal que sugira a finalidade da ação, para o
resultado reflexivo.
Portanto, para a análise dos dados desta pesquisa, podemos considerar também o
objeto da frase, ou seja, a transitividade do verbo. Na teoria da atividade, podemos
considerar que os objetivos “das ações”, como correspondentes à meta a serem atingidas
se complexificam. Isto pode indicar que a reflexão do participante se aprofundou,
incluindo elementos que antes não estavam presentes e emergiram na enunciação, ou
seja, são incorporados elementos da realidade para os quais o indivíduo havia dirigido
sua atenção de forma voluntária.
No quadro abaixo apresento exemplos de verbos, marcados em trechos de falas
transcritas:
Quadro 2.12 - Categorias de verbos utilizados
CATEGORIAS EXEMPLOS
(V.A.MT) e
(V. A. F).
VAL15: Então, a semana passada nós conseguimos sentar, (V. A. F). acho que uma hora, nós três, eu, ela e a Cleonice e acabamos falando (V. A. F).inclusive só da questão da demanda e a gente tinha que gastar (V.A.MT) esse dinheiro do PTRF, porque essa verba é uma verba que.. ta sendo repassada (V.A.MT)desde o ano passado, e o, assim, o que a gente está ouvindo (V. A. F)., é que o Secretário da Educação ta falando (V. A. F).é que as escolas não estão precisando desse dinheiro, porque não estão gastando, e nós. precisamos do dinheiro, né? Então o que nós sentamos (V. A. F). pra fazer, priorizar o que a gente ia gastar (V.A.MT)mesmo, né?(.)
VAL137: Andamos(V. A. F). o dia inteiro,(.) Compramos(V.A.MT) papelaria, mas era mais brinquedo, né?(.) Compramos(V.A.MT) tudo o que eles tinham pedido. Carrinho, hominho
(V.A.M)
VAL78: Então já é uma vantagem, eu tenho a perspectiva de que agora a gente comece a se organizar, a planejar, a pensar assim conjuntamente nos objetivos que a gente tem com relação a.. trabalho. Porque a gente tá muito na prática, né?
*(VAMR)
Valéria4 eu tinha pensado assim, ó, primeiro conversar com eles como eles estão se organizando dentro do trabalho.(.) E fazer uma reflexão” com eles sobre a questão dos intervalos, qual o papel deles, no horário dos intervalos, né. ? OBS Aqui, por exemplo., o que torna o verbo “pensar” reflexivo é o fato de ela “ter pensado” e agora estar falando desse “pensar”
Finalizando esta exposição, apresento, no Quadro 2.13, uma síntese da pesquisa.
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Quadro 2.13 – Síntese dos Principais Elementos da Pesquisa
PERGUNTAS DE
PESQUISA
OBJETIVOS DAS
PERGUNTAS DE PESQUISA
CATEGORIAS DE ANÁLISE FOCOS TEÓRICOS PARA
ANÁLISE DA MATERIALIDADE
LINGUÍSTICA
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA PARA DISCUSSÃO DOS
RESULTADOS
1. Quais os sentidos declarados e os significados compartilhados sobre direção escolar pelos participantes: diretora e pesquisadora externa? Há transformação? Qual(is)? O que caracteriza essa transformação?
Investigar a influência da história e da cultura escolar, bem como das teorias que embasam as concepções das participantes.
Conteúdo Temático, Escolhas lexicais e Responsabilização Enunciativa (análise de dêiticos e da implicação dos participantes no seu discurso). Tipos de verbos
Teorias sobre gestão escolar; Vygotsky: concepções de ensino-aprendizagem/ desenvolvimento; linguagem e consciência; sentido e significado; Bakhtin: Relações dialógicas; Bronckart: na análise de textos/ discursos; Teoria da Atividade Leontiev, Engeström, Daniels;
2. Como pesquisadora e diretora interagem na construção de novos significados sobre direção escolar? Há transformação? Qual(is)? O que caracteriza essa transformação?
Investigar se e como o tipo de interação desenvolvida ajuda a conduzir ambas as transformações no processo de construção e compartilhamento de significados e como essas compreensões se desenvolvem levando em conta o contexto interacional.
Análise dos turnos e Responsabilização enunciativa (Tipos de discurso, tipos de perguntas, tipos de comentários ).
Teorias de ensino-aprendizagem enfocando especialmente ZPD e mediação; Kerbrat-Orecchioni: análise da conversação; Pontecorvo; Brookfield & Preskill; Bronckart: na análise de textos/ discursos; Bakhtin: Relações dialógicas; Teoria da atividade Leontiev, Engeström, Daniels.
2.11 Credibilidade da pesquisa
A credibilidade desta pesquisa foi construída ao longo de todo o processo, por
meio de reflexões com colegas, grupos de estudo, seminários de orientação, bem como
nas orientações individuais e nas disciplinas em que houve a oportunidade para mostrar
os dados (2007-2008).
Além disso, Valéria, a diretora que fez parte da pesquisa teve acesso a todos os
dados, bem como também esteve presente na minha apresentação no 4º Forum LACE,
organizado pelo LAEL/PUC–SP, em junho de 2008. As outras participantes da pesquisa
também tiveram acesso e receberam suas entrevistas e participações transcritas e
impressas.
Ao longo do Mestrado, também participei de congressos e seminários externos,
apresentando os dados da pesquisa em suas diferentes fases. Nesses eventos, que estão
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listados no Quadro 2.14, a seguir, recebi inúmeras contribuições (questionamento e
sugestões dos participantes) que enriqueceram esse trabalho.
Quadro 2.14 – Ações para Credibilidade da Pesquisa
EVENTO TIPO DE APRESENTAÇÃO LOCAL DATA
Discussões em Seminários de Orientação
Apresentação da análise de dados e categorias criadas
PUC-SP / Brasil 2007 e 2008
Apresentação em Congresso Pôster 16º. InPLA – Intercâmbio de Pesquisas em
Linguística Aplicada / Brasil 2007
Apresentação em Congresso Comunicação 1º. SIAC – Simpósio Ação Cidadã / Brasil 2007
Apresentação em Curso de Extensão Universitária
Palestra a Convite Curso: “Projetos de Pesquisa em Educação” – COGEAE – PUC-SP / Brasil 2008
Apresentação em Disciplina do Mestrado Pôster
Disciplina: “Panorama Histórico da Linguística Aplicada: questões teóricas e metodológicas” – PUC-SP / Brasil
2007
Apresentação em Disciplina do Mestrado
Trabalho Escrito e Apresentação Oral
Disciplina: “Linguística Aplicada II - Linguagem e Formação Crítica do Conhecimento” – PUC-SP / Brasil
2008
Apresentação em Disciplina do Mestrado Trabalho Escrito
Disciplina: “Linguística Aplicada II - Pesquisa Crítica de Colaboração na Formação Profissional: uma discussão teórico-metodológica” – PUC-SP / Brasil
2007
Apresentação em Disciplina do Mestrado
Trabalho Escrito e Apresentação Oral
Disciplina: “Argumentação em Contexto Escolar” – PUC-SP / Brasil 2008
Apresentação em Congresso Pôster 2008 ISCAR Conference – San Diego,
Califórnia – Estados Unidos 2008
Apresentação em Congresso Comunicação 2º. SIAC – Simpósio Ação Cidadã / Brasil 2008
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CAPÍTULO 3 – DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Temos consciência de nós mesmos porque a temos dos demais e
pelo mesmo procedimento através do qual conhecemos os
demais, porque nós mesmos em relação a nós mesmos somos o
mesmo que os demais em relação a nós. Tenho consciência de
mim mesmo somente na medida em que para mim sou outro.
(VYGOTSKY, 1925/2004).
Este capítulo está organizado para descrever compreender e discutir os
resultados da pesquisa. Descreve como, a partir das trocas discursivas entre mim e a
diretora participante, e em contato com as restrições do contexto específico de ação,
fomos, de forma colaborativa, levantando as necessidades daquela realidade e, ao
mesmo tempo, construindo um objeto compartilhado. Aponta, também, para o papel dos
artefatos na forma de mediação explícita, descrevendo como esses artefatos foram
construídos e de que maneira possibilitaram o desenvolvimento de novas compreensões
para as participantes sobre as tarefas do diretor escolar. Demonstra, ainda, o quanto a
utilização dos artefatos foi importante para encaminhar as necessidades constatadas no
contexto em foco, o que possibilitou um avanço na Atividade Formação de Diretor.
Nessa direção, e para uma melhor compreensão das transformações observadas
na condução da Atividade Formação de Diretor, discutirei dois momentos específicos
que correspondem às transformações na atividade em foco: 3.1) o momento inicial do
trabalho, que chamarei de “Primeiro Momento”, cujo material produzido revelou que se
caracterizou por um aprofundamento do contexto específico de ação e pela explicitação
e compreensão das necessidades específicas das participantes; e 3.2) um momento
posterior da atividade – “Segundo Momento” – no qual utilizamos alguns instrumentos /
artefatos / materiais que colaboraram para clarificar as necessidades constatadas, re-
avaliando as ações desenvolvidas. Este segundo momento, abriu a possibilidade para
uma reorganização, tanto nas ações de pesquisa como no planejamento das ações na
escola. Para melhor compreensão de como se desenvolveu a discussão, cada um dos
momentos será dividido em subtemas, que apontarei na próxima seção .
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3.1. Primeiro Momento: Levantando as necessidades dos participantes e aprofundando o conhecimento do contexto específico de ação.
Como já discutido no capítulo metodológico, Valéria e eu (esta pesquisadora), conhecemo-nos em um curso sobre direção escolar, que discutia as teorias sobre a gestão escolar, e decidimos estudar a sua “práxis” (da diretora). No primeiro momento da pesquisa, eu tinha ainda pouco conhecimento da realidade e das necessidades específicas da escola-foco da pesquisa, e ela de seu papel como diretora, bem como do contexto da escola e da comunidade, todos novos para ela. Estávamos, portanto, nos apropriando de um novo contexto e dos novos papéis, que aprendíamos a desempenhar. Valéria estava se constituindo enquanto diretora efetiva de uma escola de educação infantil, com uma proposta particular já em andamento, em uma comunidade que havia se organizado para recebê-la e apresentar-lhe suas expectativas. Eu, recém iniciando o programa de mestrado, estava me constituindo como pesquisadora numa outra realidade – a escola pública – até então desconhecida.
Assim, no início da investigação o foco está voltado para o entendimento do contexto específico de ação e para o sentido que cada uma atribui ao papel do diretor. Esses sentidos são revelados em nossos discursos. O discurso da diretora, por exemplo, revela que ela identificava várias necessidades por cujo encaminhamento e organização se responsabilizava: (a) estrutura burocrática administrativa e articulação da equipe diretiva; (b) participação dos pais e fortalecimento do conselho de escola; e (c) formação de professores e funcionários a partir das necessidades constatadas. Esses temas, recorrentes durante a pesquisa, estão intrinsecamente relacionados.
Trazendo os meus sentidos construídos sobre o que é ser diretor e também sobre o que seria desenvolver uma pesquisa colaborativa, meu sentido inicial sobre o meu próprio papel era o de entender e aprofundar a compreensão de como se desenvolve o papel do diretor escolar naquela realidade, na complexidade daquele contexto específico. Nessa direção, começo a interagir com Valéria e a propor alguns encaminhamentos, o que sugere que eu pensava ser esse o meu papel. A diretora, por sua vez, vai direcionando nossas discussões para alguns temas recorrentes, os quais utilizo, aqui, para discutir como se deu o compartilhamento de sentidos e significados sobre direção escolar e que revelam sua interpretação de nosso trabalho conjunto – colaborar na solução de problemas. Divido, pois, esta seção em quatro subtemas, que foram o foco de nossas discussões:
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a) Sentidos e significados sobre o papel da direção na organização da participação da comunidade e no fortalecimento do conselho de escola;
b) Sentidos e significados sobre o papel da direção na formação dos profissionais na escola;
c) Sentidos e significados sobre o papel da direção na organização burocrática e administrativa da escola;
d) Sentidos e significados sobre o papel da direção no planejamento das ações na escola.
Os resultados obtidos nesta seção estão apoiados no levantamento do conteúdo temático das reuniões iniciais e na análise das escolhas lexicais (verbos, substantivos, operadores e modalizações) – em negrito ou sublinhadas nos excertos selecionados. Nesta seção, estão destacadas em cinza todas as conjugações do verbo “fazer”, devido à sua grande incidência no discurso da diretora neste primeiro momento, o que revela que, para ela, “ser diretora” tem como primeiro sentido “fazer”, “executar” ações na escola. Inicio destacando exemplos das preocupações da diretora em relação aos temas supracitados.
3.1.1. Sentidos e significados sobre o papel do diretor na organização da participação da comunidade e no fortalecimento do Conselho de Escola
Desde o início da pesquisa a diretora considerava como parte de seu papel organizar a participação da comunidade e fortalecer o Conselho de Escola, como mostra o exemplo:
Recorte 1 (9 de março de 2007) VAL18: ... então eu quero envolver mais os pais, quero que participem mais do conselho. E
um dos nossos objetivos é que as crianças também participem do Conselho (..) Então esses a gente quer estar pelo menos assim..a Áurea [CP] está fazendo um trabalho... Cada sala vai ter um nome.(..) Isso é um passo pra gente começar a trabalhar com eles o representante da sala (..)
ELV15: Hum
VAL19: _Entendeu?.(..) que a gente quer fazer(..)
ElV16: Então, veja se eu estou entendendo... esse trabalho é para de envolver esses pais através das crianças?(..), então têm tudo a ver
Observa-se no excerto acima (turno VAL18), as relações predicativas com valor pragmático “VAL18:... então eu quero envolver mais os pais”, “quero que participem”, “a gente quer estar”. O uso do pronome pessoal eu sugere que um sentido que Valéria atribui ao seu papel é o da responsabilidade de desenvolver ações para envolver a comunidade. Porém o uso de “a gente” e “nossos” associado a “objetivos” indica que ela considera que essa responsabilidade não é exclusivamente sua. Ao citar, explicitamente, o nome da coordenadora pedagógica da escola (“Áurea”), sugere que
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um dos sentidos que atribui ao seu papel é o de trabalhar de forma compartilhada com a equipe.
O excerto abaixo é outro exemplo das preocupações da diretora em relação à participação da comunidade neste primeiro momento, extraído do encontro de 22 de maio de 2007, em que a diretora inicia seu diálogo comigo, relatando as ações concretas que tinha desenvolvido para incentivar a presença e a participação dos pais na escola, uma questão que considerava prioritária.
Valéria mostra um painel na entrada da escola, em que havia colocado as decisões do conselho, bem como as notas fiscais de todo o movimento do período e me explica cada uma das notas do mural. Explica também como organizou as aulas e o rodízio que foi necessário fazer com as classes para que todos os pais pudessem conhecer os professores. Salientou que antes de cada reunião, como diretora recebia os pais e dava uma série de avisos práticos em relação ao uniforme e a procedimentos cotidianos, bem como os convidava a olharem no mural da escola as decisões do Conselho, antes de se dirigirem à sala de aula. O excerto abaixo, explica alguns eventos típicos escolares e revela a compreensão que Valéria tinha sobre o papel dos pais naquele momento.
Recorte 2 (22 de maio de 2007) ELV5: Que mais que teve na reunião? Por que esta reunião?
VAL6: Então, essa reunião agora é de pais com os professores, mas dentre esses informes, a gente ainda dentro da nossa proposta de trabalho, a questão da participação deles, né? Então, por que que eu falei também dessas contas? Pra eles perceberem que é o Conselho de Escola e a APM que tomam as decisões pra escola, pra eles se tocarem disso, e nessa sexta-feira, por exemplo, nós vamos ter reunião de APM e de Conselho pra organizar a festa junina, não é só isso que nós vamos ter, mas é uma das pautas mais importantes. E pra eles perceberem que depois reclamam:” ah, não gostei disso, não gostei daquilo”, mas então a gente convidou.....
O excerto inicia-se com meu pedido de esclarecimentos sobre o que ocorreu na reunião e sobre as razões para organizá-la, o que revela que eu procurava entender as ações da diretora. Nota-se, no turno VAL6, que Valéria utiliza e expressão “a gente” e o pronome “nossa” em “a gente ainda dentro da nossa proposta de trabalho, a questão da participação deles, né?” – que podem representar tanto a própria diretora como a equipe diretiva ou até mesmo a escola – e o pronome “deles”, para representar os pais. Assim, a expressão inclusiva “a gente” ainda não inclui os pais. O mesmo jogo de oposição entre os representantes da escola e os da comunidade é estabelecido na declaração seguinte “Então, porque que eu falei também dessas contas? Pra eles perceberem que é o Conselho de Escola e a APM que tomam as decisões pra escola”,
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sugerindo que “eles” ainda não se constituíam como participantes efetivos das ações da escola.
Por outro lado, sua ação sugere que, como diretora, considera fundamental o envolvimento dos pais nos conselhos e na fiscalização do uso dos recursos, garantindo a transparência na condução da escola. Como discutido por Lücka ou b? (2006) e Libâneo (2004), esse aspecto, previsto no Artigo 33, Parágrafo 4 do Regimento escolar (cf. Regimento), embora necessário, não é suficiente para a efetivação plena da participação. Valéria parece acreditar que se os pais “perceberem” que a APM e o Conselho tomam as decisões sobre a escola, eles ficarão mais próximos e não reclamarão (“E pra eles perceberem que depois reclamam:” ah, não gostei disso, não gostei daquilo mas então a gente convidou”).
Naquele momento, o papel dos pais ainda é, sob o ponto de vista da diretora, um papel fiscalizador, não deliberador. Nesse sentido, a reflexão sobre a participação dos pais assume um caráter de reflexão prática. No entanto, naquele momento, eu – pesquisadora – ainda em processo de me apoderar dos pressupostos da PCCol, não aprofundei as respostas nem questionei a forma como essa participação estava sendo organizada.
3.1.2. Sentidos e significados sobre o papel do diretor na formação dos profissionais da escola
Da mesma forma que atribuía importância à participação dos pais, a diretora preocupava-se com sua responsabilidade sobre o trabalho dos educadores – funcionários e professores. O excerto abaixo, extraído da reunião de 22 de maio de 2007, registra um momento da entrevista em que estávamos discutindo a formação dos funcionários.
Recorte 3 (22 de maio de 2007) VAL22: (...) eu...eu tenho comentado com a Áurea [C.P.] que a gente precisa fazer uma
formação pra elas ((agentes)), uma questão de valorização do trabalho delas,(..) também de esclarecimento sobre quais são as funções, da importância do trabalho delas (...)
ELV25: (...) eu tive oportunidade de observar uma reunião informal (...) Mas você tem tido essas reuniões formais?
VAL26: Eu fiz,(...) pra gente se organizar, assim, estabelecer as normas, e assim, fazer a divisão do trabalho deles, quem vai ficar com que, que horário(...).
ELV26: Sei...
VAL27: Mas é só em cima de um problema pra resolver...
ELV27: Mas uma reunião preventiva, pra avaliar e tal... não?
VAL28: (...) Isso inclusive eu tava conversando com a Áurea, falei “eu acho que a gente vai precisar fazer uma formação com eles
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VAL29: E aí ontem eu estava falando com ela isso. Eu falei: “Áurea!!! A gente tem a proposta de trabalhar a questão dos valores com as crianças. E com os funcionários? E com os professores, por exemplo?”(...). mas não tirando a responsabilidade, é tanta coisa que vem na cabeça da gente pra fazer e a gente acaba meio fazendo conforme é possível mesmo, por isso que a gente fala que não dá conta do que a gente tem que fazer, nós não estamos dando conta mesmo, e a gente sente essa angústia aqui dentro que não tá dando conta de tudo isso que precisa fazer.
Observe-se, no turno VAL22, as modalizações de valor deôntico “que a gente
precisa fazer uma formação pra elas”, repetida no turno VAL28 “eu acho que a gente
vai precisar fazer uma formação com eles”, bem como a responsabilização enunciativa,
marcada pelo emprego do pronome pessoal “eu” em todas as declarações do exemplo
acima e que dividem o espaço discursivo com o “a gente”. Isso parece sugerir, mais
uma vez, que embora a diretora se responsabilize pelo encaminhamento das situações
constatadas, gostaria de compartilhar a discussão com a coordenadora. Também, as
escolhas lexicais para tratar da formação das agentes da escola: “valorização do
trabalho delas”, “uma questão de autoestima”, “uma questão talvez também de
esclarecimento sobre quais são as funções” parecem sugerir as preocupações da
diretora em relação à formação dos participantes da comunidade escolar. Quando,
porém, pergunto sobre “reuniões formais”, sua fala revela que, naquele momento, as
reuniões resumiam-se “à divisão de trabalho” e “em cima de um problema pra
resolver”, ou seja, problemas da prática cotidiana. Por outro lado, a escolha de “Mas é
só” no turno VAL 27, para apontar o conteúdo das reuniões com funcionários, sugere
sua insatisfação com relação às suas próprias ações, de que se pode inferir que ela,
aparentemente, identificava necessidade de propiciar espaços para reflexão crítica e
transformação, o que considera papel do diretor, mas aponta para a dificuldade em dar
conta dessa necessidade, no contexto atual.
Observe-se, também, no turno VAL29, “A gente tem a proposta de trabalhar a
questão dos valores com as crianças. E com os funcionários. E com os professores,
por exemplo”. O fato de ela considerar que o trabalho de formação não deve ser
dirigido apenas aos alunos, mas a todos os funcionários e professores, parece indicar
que Valéria busca uma coerência entre o que se pretende com os alunos e o trabalho
interno da escola (APPLE, 2006). Como aponta Alarcão (2001, 2005), para dar conta
das demandas atuais, ou seja, formar cidadãos capazes de participar ativamente da
sociedade, a escola precisa ser reflexiva e crítica. Nesse sentido, a comunidade como
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um todo precisa refletir continuamente sobre seus fins e objetivos e verificar a coerência
com a prática, o que aponta para a necessidade de uma formação constante de seus
membros. Os questionamentos da diretora sugerem que ela está preocupada com esse
assunto e busca levantar necessidades mais amplas. Porém, nota-se também o registro
de uma insatisfação frequente naquele momento da pesquisa: “nós não estamos dando
conta mesmo, e a gente sente essa angústia aqui dentro que não tá dando conta de
tudo isso que precisa fazer”.
3.1.3. Sentidos e significados sobre o papel do diretor na organização da equipe técnica e questões administrativas da escola
O excerto abaixo, extraído da reunião de 22 de maio de 2007, colabora para um
maior entendimento da questão do papel do diretor, estabelecendo relações com
sentidos e significados em nível institucional:
Recorte 4 (22 de maio de 2007) ELV39: ...qual a visão, não a definição, a visão que você imagina que eles ((a Secretaria
Municipal da Educação)) têm da função da diretora?
VAL40: Então, olha só, eles têm uma visão,(...) que a gente não deve ter uma prioridade, não deve priorizar a função administrativa, a função burocrática, falam até de gestão, falam de gestão, mas aí, eu só vou mostrar pra você, a quantidade de papeis e de apostilas nesses poucos encontros que nós tivemos tudo isso é voltado pra fazer... eu nem, eu to fazendo ó...
(...)
ELV45: E você na sua função Por que você que tem que fazer isso?
VAL46: É uma atribuição... mas nem tudo sou eu que tenho que fazer, (...)não é tudo eu que faço, mas eu tenho que saber o que eu estou assinando.
Minha pergunta (ELV39) sugere que, com base no que discuti no Capítulo
Teórico, eu busco o entendimento mais amplo da função do diretor, para o que observo
tanto por meio das declarações da diretora, quanto por conta da minha própria
observação do cotidiano da escola. Em resposta, Valéria declara que a Secretaria da
Educação tem uma proposta para o diretor agir como gestor (VAL40), não devendo,
portanto, priorizar apenas a parte administrativa. Mas, em seguida, sua fala revela uma
contradição entre o discurso oficial e a realidade vivida. Essa contradição está marcada
pelo operador “mas aí” no turno VAL40. Ao responder minha pergunta que pede mais
esclarecimentos sobre “sua função”, a diretora explica que embora não precise fazer
tudo, pessoalmente, é a responsável pelo gerenciamento de tudo, na medida em que
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precisa “saber” o que está “assinando”. Na sequência, na mesma reunião, direciono a
pergunta para o sentido de gestão que ela própria construiu.
Recorte 5 (22 de maio de 2007) ELV47: Que pra você é que (é) gestão? de verdade?
VAL48: Eu acho que vai além dessa questão da administração, eu acho que extrapola, eu acho eu a gente administra sim, administra recursos, inclusive recursos financeiros, humanos, mas, por exemplo, eu acho que o administrador ele tem uma menor ênfase na formação daqueles que trabalham com a gente, são as pessoas que estão colaborando com a gente, então eu acho que o administrador tem menos essa preocupação, eu acho que o gestor tem que ter, inclusive com a formação dele mesmo, mas eu acho que é por aí, mas eu acho também (...) eu acho que o administrador ele é bem essa coisa de administrar, o gestor ele tem que ter essa coisa um pouco mais ampla, inclusive de que não é ele quem faz as coisas sozinhas, as coisas são trabalhadas mais a nível de construção coletiva mesmo, eu que tenho essa visão(..)...
Nesse momento Val assume que o gestor administra recursos financeiros e humanos, mas vendo-se como gestor a preocupação com a formação humana é maior “eu acho eu a gente administra sim, administra recursos, inclusive recursos financeiros, humanos”. A responsabilização enunciativa, marcada pela escolha de um metaverbo de valor psicológico (BRONCKART e MACHADO, 2004) “eu acho” sugere que administrar recursos também é um sentido importante que ela atribui ao próprio papel. Mas, ao contrapor “o administrador” ao “gestor”, suas escolhas lexicais revelam preocupação com a formação dos funcionários e inclusive com a sua própria (“eu acho que o administrador ele tem uma menor ênfase na formação daqueles que trabalham com a gente, então eu acho que o administrador tem menos essa preocupação, eu acho que o gestor tem que ter”). Esta última declaração também sugere que ela tem conhecimento daquilo que socialmente se espera dela no papel que está desenvolvendo.
Na continuidade da discussão, aparecem algumas contradições: ao definir o conceito de gestão, ela assume o discurso oficial como dela, como parece confirmar o pronome “eu” em “eu que tenho essa visão”. Porém, se observarmos o jogo das modalizações na produção do sentido desse enunciado, particularmente o uso recorrente da expressão “eu acho”, parece que esse conceito ainda está se construindo na prática: “mas eu acho que é por aí, mas eu acho também”. Isto sugere contradições na ampla descrição pela SME do papel da direção. Revela que Valéria tinha conhecimento das exigências atuais sobre o papel do diretor e sua responsabilidade por organizar os espaços de formação e participação, mas que seus sentidos ainda não estavam
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claramente estabelecidos, especialmente em sua relação dialética com a prática e com as necessidades que verificava em seu contexto de ação.
Como já discutido na Fundamentação Teórica, faz parte do papel do diretor,
garantir o bom funcionamento da escola, uma vez que ele é o principal responsável, nos
limites da unidade escolar, para “articular e integrar os vários setores (setor
administrativo, pedagógico, secretaria, serviços gerais, relacionamento com a
comunidade)” (LIBÂNEO, 2004; SAVIANI, 2000, eg.). No entanto, naquele momento,
em que a diretora participante ainda está se apropriando das necessidades inerentes á
sua função, ela se vê frente a outros desafios, de ordem prática, que acabam interferindo
na construção de sentidos do que é ser diretora, como mostra o recorte abaixo, cujo
objetivo é mostrar algumas das dificuldades concretas encontradas.
Recorte 6 (21 de setembro de 2007) Val36: (...), o que eu não estou fazendo é ainda o acompanhamento de sentar com elas
((professoras )) diariamente no horário de formação. Isso eu não consigo fazer.
ELV37: E você não consegue fazer isso por quê?
VAL37: Porque eu ando enrolada com essa papelada aqui.(..) E agora mais ainda, agora eu assumi a outra parte.
ELV38: Você está sem uma funcionária?
VAL38: Estou fazendo pagamento, eu estou fazendo tudo o que ela fazia, e mais as coisas que ela deixou pendente, eu estou tentando deixar em ordem...
3.1.4. Sentidos e significados sobre o papel do diretor no planejamento das ações na escola
Como já apontado na seleção acima, o discurso da diretora naquele primeiro
momento revelava uma preocupação com todos os temas que atualmente têm sido
discutidos sobre o papel do diretor escolar. Observe-se, porém, que a ênfase de suas
ações está no fazer, talvez devido ao excesso de tarefas a serem realizadas que
considera como necessidades suas. Esta questão é retomada no exemplo abaixo, em que
Valéria demonstra seu interesse em acompanhar uma série de aspectos, como sugerem
as escolhas lexicais nominais (substantivos e adjetivos negritados) e verbais
(classificados nesta pesquisa como verbos de ação – sublinhados).
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Recorte 7 (27 de abril de 2007) VAL9: ((a secretária voltou de licença ))Voltou, voltou e aí, éeee e, aí assim, já fiquei um
pouco mais tranquila. Então essa semana já consigo sentar lá com as professoras, conversar um pouquinho com elas em horário de jornada, consegui subir, conversar lá em cima, ter um contato mais direto com as professoras. Acompanhar a reforma (..)consegui chamar a presidente e o vice-presidente da APM para conversar com eles, tal.. Então eu consegui fazer algumas coisas, mais para lado da direção mesmo em vez de ser secretária, né? Aí fiquei mais assim tranquila. Mas ainda tem umas coisas que eu quero e não consigo fazer.
ELV8: Agora, você já esquematizou essas suas intenções num plano?..., como é que elas se relacionam com o projeto pedagógico?
Ao relatar a ampla relação de seu trabalho como gestora, descreve as ações que desenvolveu com a volta da secretária (VAL8), destacando ações relacionadas à manutenção do patrimônio “Acompanhar a reforma no parque(...)”; relacionadas aos professores (“já consigo sentar lá com as professoras consegui subir, conversar lá em cima”); e aos pais (“consegui chamar a presidente e o vice-presidente da APM para conversar com eles”). Isto colabora para a interpretação de que um sentido que Valéria atribui ao seu papel é o de articular ações em relação a todos os temas, como parece confirmar a declaração “Então eu consegui fazer algumas coisas, mais para lado da direção mesmo, em vez de ser secretária, né?”. No entanto, os verbos utilizados, classificados nesta pesquisa como verbos que remetem a uma atividade material , ou uma atividade física subir acompanhar sentar (sublinhados) parecem sugerir que o papel do diretor estava, naquele momento, fortemente atrelado ao sentido de executor de várias ações práticas.
Minha intervenção (ELV8) “Agora, você já esquematizou essas suas intenções num plano..., como é que elas se relacionam com o projeto pedagógico?” sugere minha compreensão de uma desorganização no excesso de coisas a fazer e tudo isso teria relação com sua preocupação como gestora. Isto é, eu atribuía às ações de Val, naquele momento, uma necessidade de organizar o que deveria ser priorizado no seu agir e de planejar as ações que iria executar, como mostram também minhas escolhas lexicais “esquematizou”, “plano” e “projeto pedagógico”. Tais escolhas contribuem para a interpretação de que o sentido que eu vinha construindo ia de encontro ao que eu observava naqueles contatos iniciais. O excerto abaixo revela que, embora a diretora concordasse comigo sobre a importância do PPP, suas necessidades naquele momento eram outras.
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Recorte 8 (27 de abril de 2007) VAL12: Eu tenho assim, ando um pouco preocupada de estar fazendo dos meus meios os
objetivos, entendeu? De estar confundindo as coisas. (..) mas ainda... os objetivos... que a gente precisa estar relacionando com os objetivos da unidade que o caso no.. no caso do.PPP.. isso é uma coisa que eu não consegui sentar para sabe, para delinear, porque era inclusive o objetivo daquela minha.... daquele meu projetinho inicial. Entendeu. Então não consegui fazer isso ainda. To preocupada com isso.
ELV11: Mas você tem em mente quais são os objetivos do..PPP?
VAL13: Então,.... também tem isso, né? (...) É... eu lendo, o que eu sei..é(..) mas eu ainda acho que a gente vai ter que sentar pra ver, é é definir o PPP direitinho. Isso nós não conseguimos fazer..
ELV12: Vocês na nesta questão..não estão conseguindo sentar...?
VAL14: Então, a semana passada nós conseguimos sentar, (..), nós três, eu, ela ((a coordenadora pedagógica)) e a Cleonice e acabamos falando inclusive só da questão da demanda e a gente tinha que gastar esse dinheiro do PTRF, (...) Então o que nós sentamos pra fazer, priorizar o que a gente ia gastar mesmo, né? Como que a gente ia fazer isso, aí a semana passada eu e a Cleonice saímos um dia, essa semana a Áurea também saiu e nós compramos muitaaaaas coisas. Você precisa ver nossa brinquedoteca como está. Tá lindona!
Observe-se, no excerto acima (turno VAL12), o uso do adjetivo “preocupada” com duas ocorrências nesse turno, bem como da expressão “eu não consegui” em sua declaração “mas ainda... os objetivos... que a gente precisa estar relacionando com os objetivos da unidade que o caso no... no caso do PPP... isso é uma coisa que eu não consegui sentar para sabe, para delinear, (...). Então não consegui fazer isso ainda”. As escolhas lexicais da diretora indicam que ela tem conhecimento da importância da discussão do Projeto Político Pedagógico, mas justifica não tê-lo providenciado com a falta de tempo, uma vez que a equipe ainda não tinha conseguido se reunir para discuti-lo. No turno seguinte, ela esclarece que a reunião da equipe tinha priorizado “questões da demanda” e “o que a gente ia gastar”. A declaração “e nós compramos muitaaaaas coisas. Você precisa ver nossa brinquedoteca como está. Tá lindona!“, marcada pelo adjetivo “lindona”, sugere que as ações efetivamente realizadas (o que ela conseguiu “fazer”) era o que importava naquele momento. Talvez porque a equipe ainda estava em processo de formação, talvez porque a diretora estava assumindo uma escola nova, a preocupação era organizar a escola e garantir a infraestrutura, ou seja, condições físicas e materiais para os professores trabalharem (LIBÂNEO, 2004). Nessa direção, suas ações focalizam as ações práticas, burocráticas e administrativas, ou seja, os meios para a escola funcionar.
O diálogo acima transcrito revela, também, que participávamos de contextos sócio-históricos diferentes, o que ocasionava contradições no sentido que cada uma de nós atribuía ao papel do gestor (ENGESTRÖM, 1999): enquanto eu, ligada à
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universidade e tendo participado de vários contextos de formação insistia na importância da discussão e apropriação do Projeto Político Pedagógico da Escola como uma das formas de desenvolver e analisar as ações e relacionar teoria e prática. (GARRIDO, 2008; VASCONCELLOS; 1999; PADILHA, 2006; GADOTTI, 1994/ 2008, eg.), Valéria estava preocupada em resolver os problemas que se apresentavam na prática. Isto também pode ser evidenciado em seu discurso pela utilização dos verbos de ação, especialmente pelo uso do verbo “fazer”, contraposto às minhas escolhas lexicais relacionadas ao “planejar”.
Engeström (1999) enfatiza a importância das contradições e conflitos no desenrolar de uma atividade, pois eles podem se constituir um fator que levará ao desenvolvimento e às transformações, na medida em que os envolvidos estarão negociando pontos de vista e buscando novas compreensões das discussões em foco. A discussão do PPP, embora importante parecia não ser prioritária para ela. E eu, como formadora, em minha visão de pesquisadora crítico-colaborativa, insistia no tema “planejamento”, como se pode observar no turno ELV19, abaixo.
Recorte 9 (22 de maio de 2007) VAL19: (...) a questão do trabalho, mais... do diálogo mais próximo com os professores eu
ainda não estou conseguindo fazer, eu vou lá, converso com elas, mas eu sei que isso é esporádico, não tem nenhum efeito mais...
ELV18: Mas como você conversa?
VAL20: É, eu vou lá em cima, dou uma palavrinha. (...) mas eu sei que tá precário, assim como os funcionários também né, porque eu não dou conta de tudo o que tem pra fazer (...)
ELV19: Você já pôs num papel? Esquematicamente? Não é um plano é um esquema? Já planejou o que fazer?
VAL21: Assim o meu planejamento pelo menos não.
Como já apontei, o discurso da diretora voltava-se para o levantamento de ações
que ela desejava ou necessitava “fazer” nas diversas áreas do contexto escolar. Sua
declaração recorrente “porque eu não dou conta de tudo que tem para fazer” reforça a
interpretação de que ela identificava várias necessidades e, ainda, sugere que ela
desejava conversar comigo sobre – exatamente – o que “não conseguia fazer”. Como já
discutido por Leontiev (1977/1978), apenas a necessidade não é suficiente para que a
atividade aconteça. Isto significa que era preciso encontrar caminhos para a realização.
O trecho de reunião transcrito abaixo focaliza um momento da pesquisa em que
estávamos fazendo uma avaliação:
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Recorte 10 (21 de setembro de 2007) Val48 – Eu queria estar mais próxima, principalmente com relação ao pedagógico. Eu
queria estar mais próxima(..),Acabo fazendo o que é mais urgente antes do que é mais importante. Entendeu?
ELV49: Dá exemplo de coisas que são urgentes?
VAL49: Por exemplo, eu tenho que fazer processo de verba, eu tenho que estar fazendo pagamento, eu tenho que estar fazendo vida funcional, eu tenho que atender solicitação de coordenadoria, eu tenho reunião de convocação.
(..)
VAL52 : (....) e eu sei das minhas responsabilidades(..)Porque eu respondo por isso, então tem algumas coisas assim, agora esses urgentes, não que esses urgentes não sejam importantes, são importantes, mas eu tenho uma outra prioridade na minha cabeça, mas que eu não estou conseguindo dar conta.
ELV53: O que ?
VAL53: Acompanhar o projeto político pedagógico por exemplo.. a formação
Observe-se, no excerto acima, as modalizações pragmáticas (“Eu queria estar mais próxima, principalmente com relação ao pedagógico. Eu queria estar mais próxima”) e as várias modalizações deônticas (“eu tenho que fazer processo de verba, eu tenho que estar fazendo pagamento, eu tenho que estar fazendo vida funcional, eu tenho que atender solicitação de coordenadoria”). Isto sugere que o “dever” e o “querer” da diretora mantêm conflito constante. Como discutido por Engeström (1999), um conflito sempre aponta para contradições mais amplas que precisam ser buscadas na historicidade. Historicamente cabe ao diretor organizar a estrutura administrativa da escola e garantir os meios para a escola funcionar, sendo que ele é considerado o principal responsável, no nível legal pela escola, o que demanda providências de várias ordens: fazer o controle do orçamento, responsabilizar-se por organizar a secretaria ou outros departamentos, quando não há funcionários suficientes na escola. Por outro lado, as atuais discussões sobre este papel apontam para o papel do diretor como o articulador da escola (LIBÂNEO et al., 2007, SAVIANI, 2000, LÜCK, 2008), sentido também indicado no Regimento Interno da Secretaria. Assim, faz parte das competências e atribuições do diretor uma gama imensa de atribuições que vai deste “fazer o encaminhamento de verbas e recursos bem como acompanhar todos os projetos da escola” (cf. Regimento). O conflito acima expresso é um exemplo dessas contradições especialmente num momento em que ela recém chegada se apossava de suas atribuições.
Como discutido por Bakhtin/Volochínov (1929-1930/2006), os enunciados se articulam uns aos outros. Imersa naquela realidade, pude ampliar o entendimento das
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atribuições do diretor, das dificuldades concretas enfrentadas e observadas. Inicialmente, eu acreditava que meu papel era colaborar com a diretora para organizar a escola e utilizar o PPP como instrumento. Porém, durante este primeiro momento, nas interações que desenvolvemos, bem como nas oportunidades que tive de observar o cotidiano da escola naquela realidade específica, fui tomando consciência (VYGOTSKY, 1930/2004) das reais necessidades. Dessa forma fui reconstruindo os sentidos que atribuía ao meu próprio papel naquele atividade e na responsabilidade de colaborar com a diretora para organizar uma forma de encaminhar as necessidades que ela constatava. Nessa direção, os enunciados que ela proferia em resposta às minhas perguntas e intervenções, funcionaram como estratégia de pensamento para mim (WERTSCH e SMOLKA, 1993/1999) e pude perceber que as ações de pesquisa não estavam repercutindo na prática concreta da diretora.
O excerto abaixo, da mesma reunião de 21 de setembro, focaliza o momento em que reconheço e explicito o conflito de interesses. Parece que tal confronto faz avançar o desenvolvimento da pesquisa, na medida em que avaliamos o percurso até ali e começamos efetivamente a negociar necessidades e prioridades:
Recorte 11 (21 de setembro de 2007) ELV58: Por que na verdade eu tava (...) insistindo no projeto político pedagógico aí você
tem apontado as questões da rotina e do cotidiano, que de alguma maneira tem impedido isso(...). Então, a minha pergunta é assim, (...) o que você sente ainda de necessidade?
VAL58: Eu acho que o projeto pedagógico é muito importante porque o projeto que está no papel não condiz com o projeto que é realizado na prática aqui (...), é também o momento de nós sentarmos com os professores pra rever algumas coisas(...). O que ta faltando, ta faltando a gente esquematizar isso, por no papel e mandar pra frente...
ELV59: Você toparia que eu mandasse algumas perguntas por e-mail pra você me responder e devolver?
VAL59 Pode mandar. Eu quero que você me ajude a organizar um plano
ELV60 ta bom, combinado. Eu queria fazer umas perguntas agora (...),Quando eu estive ausente esse tempo, você falou, “ah, nós estamos sentindo falta das suas intervenções”. Em que sentido você acha que elas ajudaram ou não ajudaram? (...).
VAL60: Olha, algumas vezes, você perguntou “você já pôs isso no papel?”. Algumas sugestões que às vezes você me dá, as sugestões de leitura, (...) eu sinto muita falta disso, sugestões de formas de encaminhamento, “olha, e se você fizesse dessa forma tal”, eu acho isso importante, porque é um outro olhar, você não está no meio do furacão, você está aqui dentro quando você vem, mas você não está no meio do furacão, não tem esse envolvimento que a gente tem, é diferente a sua posição, então essas sugestões eu acho que são importantes, esse olhar diferenciado.
99
Observe-se, no turno ELV58, a forma como retomo nossas diferentes
perspectivas “eu tava (...) insistindo no projeto político pedagógico aí você tem
apontado as questões da rotina e do cotidiano, que de alguma maneira tem impedido
isso” e termino o meu turno com uma pergunta que pede mais evidências sobre as
necessidades da diretora “(...) o que você sente ainda de necessidade?”. Esta pergunta
sugere que, naquele momento, estou reelaborando meus próprios sentidos sobre o meu
papel na atividade.
É interessante notar que, ao respondê-la, Valéria declara que “está faltando é esquematizar e pôr no papel”, questão essa que eu considerava prioritária. Observa-se que a diretora repete a escolha lexical que eu havia empregado em 22 de maio de 2008. Esta ocorrência também pode ser observada no turno VAL 60, em que, ao responder meu pedido de mais evidências sobre as intervenções da pesquisa, Val revocaliza uma expressão utilizada por mim em reunião anterior: “você já pôs isso no papel?”
Como discutido por Wertsch e Smolka (1993/1999), numa perspectiva bakhtiniana, isso sugere a presença de um discurso internamente persuasivo, uma vez que houve “a apropriação de outra voz” e indica um compartilhamento de significados. Os significados que compartilhamos também podem ser evidenciados pelo seu pedido para que eu colaborasse na elaboração de um plano.
Todo este diálogo sugere, também, que naquele momento há uma aproximação de objetos na atividade, na medida em que houve um compartilhamento de sentidos sobre as necessidades daquela realidade específica e do papel do diretor em planejar e organizar as necessidades constatadas. Houve, pois, a possibilidade de criarmos uma ZPD mútua (JOHN-STEINER, 2000), em que pudemos aprender uma com a outra.
Com o objetivo de esclarecer melhor como nossas vozes se misturam, recupero o excerto abaixo. Recorte 12 (21 de setembro de 2007) ELV60: tá bom, combinado. Eu queria fazer umas perguntas agora (..) Quando eu estive
ausente esse tempo, você falou, “ah, nós estamos sentindo falta das suas intervenções”. Em que sentido você acha que elas ajudaram ou não ajudaram? (...)
VAL60: Olha, algumas vezes, você perguntou “você já pôs isso no papel?”. Algumas sugestões que às vezes você me dá, as sugestões de leitura, (...) eu sinto muita falta disso, sugestões de formas de encaminhamento, “olha, e se você fizesse dessa forma tal”, eu acho isso importante, porque é um outro olhar, você não está no meio do furacão, você está aqui dentro quando você vem, mas você não está no meio do furacão, não tem esse envolvimento que a gente tem, é diferente a sua posição, então essas sugestões eu acho que são importantes, esse olhar diferenciado.
100
Se Valéria se apoia em meus enunciados para fazer avançar a própria reflexão, deve-se registrar que eu também me apoio nos enunciados dela para reformular minha compreensão da necessidade que ela estava priorizando, naquele momento e reoganizo as ações de pesquisa. A resposta de Valéria espelhando meus enunciados no turno VAL60 “você já pôs isso no papel” e “porque é um outro olhar”, bem como todos os temas que pudemos compartilhar, foi o que nos orientou na etapa seguinte. Nesse sentido, retrospectivamente, revejo as minhas ações e a meta que pretendia alcançar (ENGESTRÖM , 1999).
Assim, foi a partir de sua solicitação que criei instrumentos que materializaram o compartilhamento de significados, utilizando os temas mais recorrentes para a diretora, construindo uma “Tabela de Ações” e elaborando o “Jogo de Papéis”. A construção desses artefatos já representa o resultado do compartilhamento de significados desse primeiro momento de nossa participação e sua importância para o salto qualitativo revelado a seguir. Antes de discutir este segundo momento da atividade, apresento um quadro que resume os principais conteúdos temáticos que permearam nossas reuniões, e que revelam as preocupações da diretora neste primeiro momento. No Quadro 3.1 estão assinaladas as declarações que se repetiram naquele momento da pesquisa. As modalizações deônticas e pragmáticas estão realçadas em cinza, a escolha pronominal em itálico, e as declarações recorrentes negritadas. Quadro 3.1 – Conteúdos Temáticos: preocupações da diretora no Primeiro Momento da
Pesquisa
Pais e alunos comunidade
Organização da equipe Funcionários Professores Organização
administrativa (1)VAL18:.. então eu quero envolver mais os pais, quero que participem mais do conselho. E um dos nossos objetivos é que as crianças também participem do Conselho (..) 9 de março de 2007
(4)VAL23: é, eu tenho, eu tenho que estar, assim, eu acho que eu tenho que estar favorecendo os encontros, eu tenho que muitas vezes estar mesmo que intimando algumas coisas, e agora... Durante esse período acho que não foi possível, mas eu tenho que estar articulando essa equipe. 27 de abril de 2007
(2)VAL 28 – (..) Isso inclusive eu tava conversando com a Áurea, falei “oh Áurea eu acho que a gente vai precisar fazer uma formação com eles”, (..) mas não tirando a responsabilidade, é tanta coisa que vem na cabeça da gente pra fazer e a gente acaba meio fazendo conforme é possível mesmo, por isso que a gente fala que não dá conta do que a gente tem que fazer, nós não estamos dando conta mesmo, e a gente sente essa angústia aqui dentro que não tá dando conta de tudo isso que precisa fazer. 22 de maio de 2007
(3)VAL19 – (..) mas ainda tem algumas falhas, a questão do trabalho, mais... do diálogo mais próximo com os professores eu ainda não estou conseguindo fazer, eu vou lá, converso com elas, mas eu sei que isso é esporádico, não tem nenhum efeito mais (..)... porque eu não dou conta de tudo o que tem pra fazer...(.) 22 de maio de 2007
V al49 – Por exemplo, eu tenho que fazer processo de verba, eu tenho que estar fazendo pagamento, eu tenho que estar fazendo vida funcional, eu tenho que atender solicitação de coordenadoria, eu tenho reunião de convocação. 21 de setembro 2007
101
3.2 Segundo momento da Atividade: A introdução dos artefatos de mediação explícita.
Esta seção está organizada para discutir a introdução dos artefatos de mediação
explícita e descrever as modificações que eles trouxeram nos sentidos que atribuíamos à
função do diretor, considerando os temas anteriormente apresentados. Discuto
inicialmente os artefatos, procurando demonstrar como eles já se constituem como
resultado de um compartilhamento de sentidos.
Em seguida apresento excertos das reuniões de 9 de janeiro e 22 de fevereiro de
2008, ilustrando a utilização desses artefatos. Finalmente, retomo os temas
anteriormente discutidos para mostrar as transformações de sentidos e modificação nas
práticas.
3.2.1 Descrição dos Artefatos
3.2.1.1 - Artefato 1: “Tabela de Ações”
Meu objetivo em introduzir a “Tabela de Ações” foi atender ao pedido
explicitado pela diretora para colaborar com ela na elaboração de um plano de ação
como gestora. No entanto, eu também queria encontrar uma maneira de organizar as
reflexões de Valéria sobre as necessidades que ela constatava como importantes, e os
sentidos que atribuía ao papel do diretor escolar, mas que, segundo suas próprias
declarações, não conseguia encaminhar de maneira satisfatória. Assim, formulei
perguntas que focalizassem cada um dos temas tratados e propiciassem uma reflexão
sobre as ações que ela poderia desenvolver para que suas intenções se efetivassem. A
seguir, apresento uma visão simplificada da “Tabela de Ações” e, após, analiso o tipo de
perguntas formuladas.
102
Quadro 3.2 - Tabela de Ações - visão simplificada
TEMAS (emergentes durante o primeiro momento)
PERGUNTAS (para criação de oportunidades de participação da equipe diretiva, dos pais e alunos, dos professores e dos funcionários)
Ação 1
Ação 2
Ação 3
Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que a equipe possa participar efetivamente?
Qual é o tipo de participação esperada?
Que tipo de atividades são enfatizadas?
Todos têm iguais possibilidades de participação?
De que maneira a direção deixa claro para a equipe diretiva que tipo de participação se espera?
Que tipos de instrumentos são usados: recursos, materiais, etc?
Equipe diretiva Pais Alunos Professores Agentes escolares
Que tipo de material é utilizado para a reflexão?
Observa-se que as perguntas materializadas na tabela são perguntas que, nesta
pesquisa, foram classificadas como “Questões Abertas” e pedem por evidências,
clarificação ou justificativa. Tais questões são introduzidas para permitir que as
participantes expandam suas idéias para serem entendidas tanto por si mesmas como
pelos outros, colaborando, dessa forma, para o desenvolvimento do raciocínio, ao
mesmo tempo em que mantêm o foco sobre os temas selecionados.
3.2.1.2 - Artefato 2: “Jogo de Papéis”
O meu objetivo, ao introduzir o “Jogo de Papéis”, foi possibilitar que Valéria
“visualizasse” as ações que fazem parte do papel do diretor escolar e que efetivamente
foram desenvolvidas por ela em 2007 (articulação da participação da comunidade –
pais, professores, funcionários e alunos, organização burocrática e administrativa, etc).
Eu pretendia possibilitar um espaço de reflexão, de modo que ela, como diretora,
pudesse reavaliar suas intenções explicitadas, em comparação com as ações
efetivamente realizadas.
Tal intenção de minha parte sugere que compartilhei as suas declarações sobre
como de fato, “agia” e do que constituem também tarefas importantes de seu papel.
Durante o jogo, foram acrescentadas papeletas com as ações desenvolvidas pela diretora
103
durante aquela semana (18 a 22 de fevereiro de 2008). Apresento, abaixo, um exemplo
de uma papeleta organizada por mim e de outra organizada por Valéria. Esclareço que a
classificação entre parênteses na última linha de cada papeleta representa as categorias
construídas pela diretora durante a tarefa realizada.
• Papeleta construída por mim.
22/04: Val6: Porque eu falei também com os pais do (...) pra eles perceberem que é o conselho e a APM que toma as decisões da escola, pra eles se tocarem disso. Nessa sexta feira, por exemplo, nós vamos ter uma reunião da APM pra agenda a festa junina (...). Mas então a gente convida também, agora vamos fazer os cartazes pra divulgar as demais pra ver se a gente tem uma divulgação maior dos pais” (Participação da comunidade).
• Papeleta escrita a partir das ações desenvolvidas pela diretora, no exercício de
seu papel como diretora, durante a semana de 18 a 22 de fevereiro de 2008.
Encaminhei papelada da atribuição (Parte administrativa cotidiana)
A discussão de Wertsch (2007), sobre mediação explícita e implícita, me ajudou
a denominar estes artefatos como instrumentos de mediação explícita, isto é, que foram
intencionalmente introduzidos como mediadores, na atividade Formação de Diretor. No
entanto, esclareço que estes dois “artefatos” construídos durante a pesquisa também já
incluem várias vozes e perspectivas que partilhamos durante aquele primeiro momento,
tanto da diretora como minhas, bem como dos contextos sociais de que participamos e,
neste sentido, “é resultado de um processo colaborativo e dialógico, em que diferentes
perspectivas se encontram e se fundem” (ENGESTRÖM, 1999).
Da mesma forma que a “Tabela de Ações” não poderia ter sido organizada sem
o conhecimento das necessidades específicas declaradas pela diretora, a confecção do
“Jogo de Papéis” foi a materialização de experiências vividas por nós durante 2007,
resultado, portanto, do compartilhamento de experiências e das interações que
proporcionaram desenvolvimento. Desta forma, também fui tomando consciência das
diversas tarefas do diretor e a própria construção do artefato sugere que compreendi que
uma atividade concreta (Formação de Diretor) não pode ser idealizada nem entendida
fora das relações com outras atividades do sistema e da realidade em que está inserida,
não podendo ser excluída dessas relações (LEONTIEV, 1977/1978). Isto significa que
estávamos discutindo a formação em serviço de um de um diretor real, concreto: “sua
ação e suas condições materiais de existência tanto as que ele já encontrou prontas,
104
como aquelas engendradas por sua própria ação” (MARX & ENGELS, 1845-
46/2007). Ao organizar o “Jogo de Papéis”, eu pretendia oportunizar que a diretora “se
vizualizasse” nas várias tarefas que, efetivamente, tinha realizado. Eu me baseava em
alguns pressupostos da reflexão crítica discutidos, que apontam como fundamental os
indivíduos se distanciarem de suas ações cotidianas e evitarem um juízo apressado de
valor que compromete a reorganização de ações futuras (SMYTH, 1992).
Pretendia, também, possibilitar a emergência de algumas ações características do
ciclo expansivo, tal como proposto por Engeström (1999). Desta forma, a construção
desses artefatos sugere que eu já havia reformulado o sentido que atribuía ao meu papel
como pesquisadora crítico-colaborativa e que, naquele momento, assumia que deveria
criar situações que favorecessem a reflexão, para que a diretora pudesse realmente
focalizar as questões importantes para ela.
Esclareço que a “Tabela de Ações” acompanhou nossas discussões até o final da
pesquisa. O “Jogo de Papéis” foi utilizado na reunião de 22 de fevereiro de 2008, mas
as reflexões que esta reunião desencadeou também tiveram repercussões até o final da
pesquisa. Por este motivo, considero importante focalizar exemplos de momentos em
que estamos utilizando os dois artefatos. Saliento que outros materiais foram utilizados
durante a pesquisa e todos contribuíram para os resultados finais da pesquisa.
3.2.2 Exemplos de Uso dos Artefatos Na seção abaixo dou exemplos da utilização desses artefatos. Inicio pela
apresentação da “Tabela de Ações”. Em seguida, discuto a reunião de 22 de fevereiro,
em que foi utilizado o “Jogo de Papéis”.
3.2.2.1 A “Tabela de Ações”
O excerto abaixo foi extraído da reunião de 9 de janeiro de 2008. Focaliza o
momento em que, atendendo à solicitação da diretora para colaborar na elaboração de
um plano, apresento a “Tabela de Ações”. Naquele momento da reunião, estávamos
com a tabela nas mãos.
105
Recorte 13 (9 de janeiro de 2008) ELV3: (...) você faz umas questões recorrentes: Você diz que você gostaria de
trabalhar(#) agentes escolares...
VAL4::...
Com as agentes escolares
ELV4: Que você....gostaria de trabalhar com o Projeto pedagógico....que você gostaria de estar mais perto das as professoras,...
VAL5: Isto eu já falei acho que umas 500 vezes
ELV5: (...) Então a minha hipótese é assim... minha hipótese é que se você não organizar um plano, colocar suas intenções num plano, você não vai conseguir fazer isto que você está querendo. Não que você não esteja fazendo nada, porque eu estou vendo aqui esta reforma.
VAL6: (...) Era até legal eu colocar alguma coisa no papel...eu já tinha que ter me organizado (...)Também, com esta bagunça [reforma, falta de funcionários] não dá para fazer mais nada, eu estou fazendo o que é possível. Eu já me livrei de 2 processos...(( Alguém chama a diretora para fazer matrícula))
Observa-se, no trecho transcrito, que eu retomo a voz da diretora para introduzir
a tabela: “Você diz que você gostaria de trabalhar (#) agentes escolares..(..)” e,
aparentemente, uso-a como um recurso para justificar a minha hipótese, que apresento
no turno ELV5 “minha hipótese é que se você não organizar um plano, colocar suas
intenções num plano, você não vai conseguir fazer isto que você está querendo”. A
forma modalizada que uso a seguir, com três negativas na mesma frase (“Não que você
não esteja fazendo nada, porque eu estou vendo aqui esta reforma”) mostra que
considero importante afirmar que ela FAZ muitas coisas.
A resposta de Valéria expressa um conflito entre nossas perspectivas, mas da
mesma forma como revocalizei sua fala de uma reunião anterior, Valéria recupera meu
discurso, marcando-o com uma modalização apreciativa “Era até legal eu colocar
alguma coisa no papel”. Em seguida, emprega a modalização deôntica “eu já tinha que
ter me organizado”, o que marca os determinantes externos da sua ação
(BRONCKART 2008), motivados por minhas ações. A justificativa que ela mesma dá
(“Também, com esta bagunça [reforma, falta de funcionários] não dá para fazer mais
nada, eu estou fazendo o que é possível”) corrobora para a interpretação de que, nesse
momento, Valéria ainda está obedecendo a necessidades externas à sua própria
compreensão do que julgava necessário.
Deve-se salientar que, naquela ocasião, a escola estava em reforma e a maior
parte dos funcionários estava de férias, incluindo a assistente e a secretária, de maneira
106
que a diretora era a única responsável pelas mais diferentes tarefas, fato que gerou
inúmeras interrupções em nossa reunião como mostra o excerto abaixo.
Recorte 14 (9 de janeiro de 2008) VAL8: Então retomando. Tem coisas que são gritantes da avaliação do ano passado que eu
conversei com as professoras e eu não consegui fazer.
ELV8: Por que você acha que não conseguiu fazer?
VAL9: eu acho que eu não consegui fazer porque este ano foi o ano primeiro de.. de eu conhecer a situação... depois, eu só apaguei incêndio, entendeu? Então esta parte de que eu acho que é mais de planejamento, mais da gente refletir e depois pôr em prática, eu não consegui fazer....
Após uma dessas interrupções (para que a diretora efetuasse a matrícula de um
aluno), é ela quem retoma o assunto e recupera uma avaliação negativa (VAL8: Então
retomando. Tem coisas que são gritantes da avaliação do ano passado que eu
conversei com as professoras e eu não consegui fazer”). Observa-se, no turno ELV8,
que minha pergunta sobre o que ela “acha” lhe provoca uma reflexão sobre o seu
contexto de trabalho (“este ano foi o ano primeiro de... de eu conhecer a situação...
depois, eu só apaguei incêndio, entendeu?”). O jogo que se estabelece entre o verbo
“fazer”, e a expressão “eu só apaguei incêndio”, seguida da declaração “esta parte de
que eu acho que é mais de planejamento, mais da gente refletir e depois pôr em
prática” sugere que “apagar incêndio” carrega um sentido de fazer sem refletir.
3.2.2.2 – “Jogo de Papéis”: instrumento e resultado
Apresento, abaixo, excertos da reunião de 22 de fevereiro de 2008, que contribuem para o entendimento de como esta reunião foi importante na produção de novos significados compartilhados sobre o papel do diretor escolar. Os exemplos abaixo foram extraídos do meio da reunião e focalizam o momento em que, após categorizar as papeletas, a diretora e eu começamos a discutir a classificação das mesmas.
Recorte 15 (22 de fevereiro de 2008) VAL92: Pronto.
ELV80: Como é que você categorizou?
VAL93: Então, ó, aqui é a participação da comunidade, que é uma das coisas que, pra mim, está pendente ainda.
ELV81: Certo Mas eu queria que você lesse. Isso aqui são ações que você realizou em 2007?
VAL94: Não, não realizei Elvira.
ELV82: Não?
VAL95: Mas, eu queria uma coisa melhor.
107
No turno VAL93, ao responder minha pergunta sobre como ela categorizara os excertos, a primeira classificação a que ela se refere é “participação da comunidade”. Este fato, reforçado pelo pronome oblíquo em 1ª pessoa “pra mim” e pela avaliação expressa pelo adjetivo “pendente”, contribui para a interpretação de que esse era realmente um tema importante para a diretora. No turno 95 ela inicia a avaliação da qualidade da ação que fora desenvolvida: “eu queria uma coisa melhor”.
O excerto abaixo focaliza a continuidade da discussão e o momento em que a Valéria compara as ações desenvolvidas em 2007.
Recorte 16 (22 de fevereiro de 2008) ELV96: (...) A formação tá aqui. ((E, olhando para outra pilha, pergunta)) O que você pôs
aqui?
VAL110: Ah, isso daí foi um pouco das nossas conquistas, né. Compra do datashow, a brinquedoteca que a gente equipou. O que mais que a gente... Coisas que nós conseguimos comprar, né. Quer dizer, eu acho que é assim, mesmo os talheres que a gente conseguiu para as crianças, que não foi nem compra isso. Mas foi uma conquista material. Então, isso daqui eu acho que são conquistas. Isso daqui é concreto, isso daqui é real.
ELV97: Você acha que você conversar com a mãe, chamar os pais pro conselho, fazer a contabilidade, isso não é concreto? por quê?
VAL111: Porque é assim eu acho que isso só vai ser uma coisa concreta quando eu tiver os pais aqui dentro participando da escola. Pra mim isso é uma tentativa. Um canal. Mas, não é o que eu queria. O que eu quero é além disso. Agora, esse ano eu vou começar tudo de novo.
ELV98: E o que você aprendeu com essa experiência Valéria? Com essas tentativas?
VAL112: (...). Eu acho que eu preciso fazer mais pra chamar esse povo pra dentro a escola. Ou, a forma que eu estou fazendo não está correta.
ELV99: sei... P(por que...?)
VAL113: Alguma coisa nesse sentido. Entendeu. Agora, isso é uma das coisas Elvira que me persegue faz tempo. Quando eu era diretora da EMEF em 2004 eu já tinha isso em mente, lá também a gente tentou e eu tinha o apoio da coordenadoria, da equipe pedagógica e eu não consegui fazer isso lá. Agora, aqui vai fazer dois anos também...
No turno VAL110, a diretora enumera suas conquistas, marcadas pelos
substantivos “datashow”, “brinquedoteca”, afirmando que aquilo é “concreto”, “real”.
Aproprio-me, então, dos adjetivos que ela usou positivamente (“concreto”, “real”) para
questionar sua avaliação sobre suas ações direcionadas ao trabalho com a comunidade.
Observe-se que minha escolha lexical no turno 97 (“Você acha que você
conversar...?”) também influencia para que Valéria busque seus recursos cognitivos
(BRONCKART & MACHADO, 2004). Em sua resposta, a diretora aprofunda a
108
reflexão (neste excerto, marcada pela expressão modalizadora “eu acho”): compara as
conquistas que teve, distinguindo o que é concreto do que é intenção e indica que a
participação dos pais é ainda uma intenção (“eu acho que isso só vai ser uma coisa
concreta quando eu tiver os pais aqui dentro participando da escola. Pra mim isso é
uma tentativa. Um canal. Mas, não é o que eu queria. O que eu quero é além disso.
Agora, esse ano eu vou começar tudo de novo”). Nota-se, também, o jogo das
conjugações verbais entre o presente (“é”), o pretérito imperfeito (“queria”) e,
novamente o presente (“eu quero”), jogo este que sugere uma avaliação concreta das
ações passadas na sua relação com as intenções iniciais, concluindo com uma
modalização pragmática: “o que eu quero vai além disso” e com uma nova intenção
(“Agora, esse ano eu vou começar tudo de novo”). Aproveitando a reflexão da diretora,
no turno 98, faço uma pergunta que, explicitamente pede que ela analise a ação
desenvolvida, (“E o que você aprendeu...?”). Sua resposta, no turno 112, traz indícios
de que repensa, agora, esse tema numa nova perspectiva: chama para si a
responsabilidade na condução de uma nova tentativa (“Eu acho que eu preciso fazer
mais”) e começa a refletir sobre o “como” desenvolve a ação (“Ou, a forma que eu
estou fazendo não está correta”).
Alguns turnos adiante, nosso foco cai sobre a questão do planejamento das ações
na escola. É um momento relevante, pois mostra a importância da mediação explícita:
quando o instrumento e o resultado se evidenciam.
Recorte 17 (22 de fevereiro de 2008) ELV125: O que é esse?
VAL140 Planejamento e esclarecimento do nosso trabalho com os funcionários.
ELV126: É o seu planejamento?
VAL141: É. Tô fazendo ainda, né.
(...)
VAL146: Isso daqui é tudo questões financeiras, ó. Providências de verbas, essas coisas. Agora, tudo isso daqui é trabalho que eu faço diariamente: balcão, atribuição, computador, acúmulo, férias, termo de doação, horário de equipe técnica, tudo isso...
ELV:131 É o quê?
VAL147: É serviço do dia-a-dia mesmo. Parte administrativa cotidiana. São aquelas coisas que não têm como escapar de fazer. E olha só, olha o volume!
ELV132: É isso que eu ia pedir pra você: contar. Qual é o montinho maior e qual o menor?
109
VAL148: O maior é esse. ((parte administrativa cotidiana))
ELV133: E o menor?
VAL149: O menor deve ser o de formação!
ELV134: Então vamos contar mesmo. Quantas ações estão aqui no...
VAL150: Vixi, o menor é o planejamento.
Observe-se, no recorte acima (turno Val146), as escolhas lexicais (substantivos)
que Valéria utiliza para elencar as tarefas que faz diariamente e que denomina “questões
financeiras” – “balcão, atribuição, computador, acúmulo, férias, termo de doação,
horário de equipe técnica”. Finalmente, ela conclui que as tarefas de cunho
administrativo são trabalhos diários dos quais não tem como escapar (VAL147): fazem
parte das suas atribuições. Minha pergunta no turno 132 pede mais evidências sobre
essa constatação e induz para uma ação concreta (contar), isto é, que pede uma
avaliação quantitativa. No turno 148, a diretora levanta uma hipótese (“o menor deve
ser formação”. Porém, ao contabilizar, Val chega ao concreto e se espanta, como mostra
o turno VAL150: “Vixi, o menor é o planejamento”. A escolha de uma interjeição
“vixi!” sugere, que, aparentemente, ela toma consciência, naquele momento, dos poucos
espaços que tem dedicado para pensar a escola, o que colabora para a sua constatação
do pouco tempo disponível para o planejamento.
Tal interpretação é corroborada, no turno VAL151 abaixo, quando, ao constatar o número de ações administrativas selecionadas no jogo, ela se declara uma “tarefeira”.
Recorte 18 (22 de fevereiro de 2008) ELV135: Nesse “Parte administrativa cotidiana” você tem 1,2,3,4,5, 6,7,8,9,10,11. Então:
onze. Formação tem três. Planejamento: dois. Qual que é esse?
VAL151: Eu sou uma tarefeira mesmo Elvira.
ELV136: (...) o que acontece se você não mexer com essas questões, se você não prestar conta no processo de verba?
VAL156: Então, se eu não fizesse isso eu não podia ter feito esse.
ELV137: Que é organização para o começo do ano.
VAL157: Esse aqui também eu não podia, porque é assim, sem recurso o que é que eu faço? Não é? Sem recurso eu não consigo fazer as coisas.
ELV138: Tá. Acerto de verba do PTRF, você podia largar?
VAL158: Não. Porque se eu largar esse não entra dinheiro para o próximo mês.
ELV139: Tá. Isso é acerto de conta de caixa. Essas contas bancárias da escola são as da
110
APM?
VAL159: É da APM e a de adiantamento bancário. É essa daqui.
ELV140: Tá bom. Teria como não fazer essa parte?
VAL160: Teria. Tem diretor que não faz.
ELV141: Não?
VAL161: Mas, se eu não fizer eu inviabilizo um monte de coisa na escola. Entendeu? Por exemplo, a gente tá querendo comprar mais brinquedos pra brinquedoteca. Eu estava falando hoje de manhã para a Áurea Áurea acabou o dinheiro e não deu pra comprar brinquedo pra brinquedoteca. O ano passado a gente comprou bastante, mas eles gastam, né. E aí, é claro que a gente gastou bastante dinheiro com a reforma, né. Aí ela falou: e aí Valéria, agora o que a gente faz? Eu falei: e livro? Tá precisando de livro pra sala de leitura também. Se eu não fizer isso (((a pilha intitulada questões Financeiras” o acerto de verbas)),eu não dou esse suporte para as professoras trabalharem, entendeu?
No turno VAL151, a escolha lexical “tarefeira” sugere que Valéria está
valorizando as próprias ações, constitutivas de sua função, como aquelas que não
pretendia enfatizar. Tal autoavaliação parece revelar as contradições de sua ação como
diretora, a complexidade do contexto específico. Sugere que quando não se tem claros
os objetivos de uma ação, ela não pode ser redimensionada e sua operacionalização fica
comprometida. Mais do que isso, o enunciado se expressa como uma realidade
complexa em que aparentemente não se tem total controle, e que as necessidades mais
prementes organizam as ações e organizam as prioridades. No entanto, ao me explicar
que sem os recursos ela não consegue dar suporte para as professoras trabalharem, ela
reconstrói o sentido para algumas das ações constitutivas de sua função, não valorizadas
na sua fala anterior (“eu sou uma tarefeira”), mas essenciais, na prática, para o
desenvolvimento do trabalho pedagógico (“... acabou o dinheiro e não deu pra comprar
brinquedo pra brinquedoteca. O ano passado a gente comprou bastante, mas eles
gastam, né?”). Isso pode ter contribuído para que Valéria superasse a dificuldade para a
organização de prioridades e possibilitando um desprender-se do contexto imediato,
abrindo a possibilidade para o relacionamento das ações com objetivos mais amplos,
ainda que práticos, como aponta a conclusão “eu não dou esse suporte para as
professoras trabalharem, entendeu?”. Ao avaliar suas ações de maneira
contextualizada, parece que ela pôde, a partir de sua história e de suas experiências,
apropriar-se do significado social e ressignificá-las (LEONTIEV, 1978).
Como já discutido por Vygotsky (1930/2004), o instrumento técnico, como
descrito aqui, orienta o agente no sentido de provocar mudanças no próprio objeto,
111
enquanto o instrumento psicológico tem uma orientação para a psique e para o
comportamento do próprio sujeito. Mas a inclusão do instrumento no processo provoca
a atividade de toda uma série de funções novas relacionadas com a utilização do
instrumento e seu manejo. É importante salientar, como apontam Wertsch e Smolka
(1993/1999), que a incorporação desses recursos à ação humana, incluindo a ação
mental, não torna a ação simplesmente mais eficiente, quantitativamente, mas resulta,
inevitavelmente, em uma transformação qualitativamente criativa.
Dessa forma, entendo que esses artefatos podem ser considerados instrumentos-
e-resultados (NEWMAN e HOLZMAN, 1993/2002), na medida em que, com sua
utilização, ao reorganizar as papeletas e comparar com suas atribuições, na e pela
interação, Valéria e eu estávamos, ambas, reorganizando e reformulando as tarefas do
diretor escolar, refletindo sobre as possíveis ações, compartilhando e produzindo novos
significados.
O excerto abaixo focaliza um momento da mesma reunião, em que peço que a
diretora sintetize as conclusões a que chegou durante as tarefas propostas para aquele
dia.
Recorte 19 (22 de fevereiro de 2008) ELV175: (...) Valéria, a gente meio que retomou todas as áreas em que você trabalha. Você
concorda? E comparamos com o que você tinha que fazer. Que conclusão você tira disso?
VAL197: Eu faço quase tudo. Tudo que é da minha competência eu faço e tem que melhorar algumas coisas. Tem algumas coisas que são mais importantes (...) mas eu acabo direcionando mais tempo com aquilo que é mais cotidiano (...)
ELV176: (...) Tá. Dos três exercícios que a gente fez, só pra sintetizar, quais são as áreas onde, agora, você quer investir?(...), pegando os três ((exercícios)) Nós fizemos três exercícios, certo? Quais as áreas agora onde você vai (#...)
VAL198: Elvira, se eu conseguir me planejar melhor talvez eu consiga diminuir o tempo que eu gasto com essas coisas aqui (administrativo cotidiano). Não é... isso aqui faz parte das minhas atribuições, e é também porque isso aqui a gente tem um pressão em cima, direto pra estar fazendo, não é? (...) Então, eu preciso me organizar mais, melhor.
ELV177: Essa organização envolve o que que prioridades que já tinham sido discutidas? Quais? Tem aqui (monte de excertos) e os que você mesma fez (lista de ações da semana)). (01:30:00)
VAL199: É isso mesmo. Eu preciso me planejar, dividir melhor o trabalho pra eu conseguir dar conta de acompanhar melhor essa parte pedagógica. Eu acho que é uma coisa que falta. A parte pedagógica. Melhorar a comunicação da escola e, eu acho que inclusive através dessa comunicação eu vou conseguir chegar mais próximo da minha comunidade, que eu não estou conseguindo chegar.
112
No excerto acima, no turno VAL197, ao refletir sobre as conclusões extraídas da
tarefa proposta, a diretora constata que “faz quase tudo”, o que, como aponta, é da
competência de um diretor escolar. Sua escolha lexical ainda revela uma ênfase no
“fazer”; porém, reavalia a forma como está desenvolvendo suas atribuições para
melhorar a escola: reconhece que tem coisas mais importantes mas que não consegue
fazer porque enfatiza o cotidiano da escola (“e tem que melhorar algumas coisas. Tem
algumas coisas que são mais importantes. (...) e eu acabo direcionando mais tempo
com o que é cotidiano”). No turno seguinte (198), Val levanta a hipótese de que
“planejar” pode ajudá-la a se “organizar”, dando indícios de que o sentido que eu
trazia sobre o trabalho do diretor estava sendo compartilhado naquele momento.
Na sequência (ELV177), reformulo a pergunta, pedindo mais esclarecimentos
sobre suas prioridades. A sua resposta no turno 199 sugere que, ao olhar para as tarefas,
pôde concluir e tomar uma nova decisão: “É isso mesmo”. “Eu preciso me planejar,
dividir melhor (...) melhorar a comunicação da escola e, eu acho que inclusive através
dessa comunicação eu vou conseguir chegar mais próximo da minha comunidade, que
eu não estou conseguindo chegar”. Observa-se que o verbo planejar marca uma nova
perspectiva e sugere que, nesse momento, Valéria repensa os objetivos de suas ações,
enfocando os conflitos que eu trouxera ao apontar as contradições na discussão. Assim,
recontextualiza suas prioridades, o que abre a possibilidade de uma redefinição e
consequente operacionalização das ações futuras. Também sugere que todo esse
movimento pode ter sido resultado da criação de uma ZPD mútua (JOHN-STEINER,
2000: 199), que possibilitou a criação de um espaço de colaboração, compreendido
como práxis, isto é, como “atividade prático-crítica” (NEWMAN e HOLZMAN,
1993/2002), cuja atividade de significar é uma expressão fundamental da atividade
revolucionária.
Esses exemplos parecem confirmar a importância de se acentuar os dois tipos de
instrumentos (psicológicos e materiais) como uma unidade que medeia a relação entre o
homem e o mundo, mostrando que ambos são fundamentais na forma como os
indivíduos aprendem e se desenvolvem (HEDEGAARD, 2001).
Essa referência aos “instrumentos materiais” também pode ser identificada no
excerto abaixo, em que a diretora se apoia na “Tabela de Ações” para avaliar a sua
responsabilidade em organizar a participação dos professores:
113
Recorte 20 (22 de fevereiro de 2008) VAL28: ((lendo a tabela de ações)) Olha, que tipo de ações são organizadas
sistematicamente dentro da escola para que a equipe possa participar efetivamente? Puxa, de professores isso me deu um tilte porque é assim: A gente conversa em reunião pedagógica. No dia a dia assim, nos projetos eu não consegui o ano passado estar conversando com elas. E aí eu percebi que as situações que a gente tinha para conversar eram muito poucas, né. E aí eu comecei a pensar em quais situações eu poderia cavar esse ano pra estar tendo esse canal com os professores. Porque assim, olha, com os funcionários, por exemplo, quando eu preciso...
Observe-se, no excerto acima, as escolhas lexicais: “olha” “Puxa” “tilte”: “olha”
faz uma dupla referência: ao próprio instrumento e à pergunta materializada no
instrumento (“Olha, que tipo de ações são organizadas sistematicamente dentro da
escola para que a equipe possa participar efetivamente?”); “Puxa” e “tilte” parecem
sugerir que a questão formulada para o preenchimento do instrumento possibilitou que a
diretora constatasse uma situação da realidade e reorganizasse seu pensamento (“E aí eu
percebi que as situações que a gente tinha para conversar eram muito poucas, né? E
aí eu comecei a pensar em quais situações eu poderia cavar esse ano pra estar tendo
esse canal com os professores”), o que sugere a emergência de uma intencionalidade.
Como já apontado neste trabalho, a internalização não é uma mera cópia, mas a
transformação e a reorganização das estruturas mentais a partir das (novas) informações
recebidas e da relação com os conhecimentos já existentes. Apontei acima, com
exemplos da reunião, como o uso de artefatos procurou organizar um contexto que
criasse a possibilidade da diretora se ver como um outro (BAKHTIN, 1929-1930/2006;
VYGOTSKY, 1925/2004: 82), de modo a reavaliar as suas intenções a as suas ações.
Essa reunião marcou um salto qualitativo na atividade de Formação de Diretor.
Como já discutido, o significado desenvolve-se na relação mediada por
instrumentos entre os indivíduos e o meio, sendo que a linguagem é o principal
instrumento mediador. Os dados sugerem que a relação que se estabeleceu possibilitou
que cada uma de nós trouxesse para a atividade nossos sentidos iniciais formados por
nossas experiências – únicas e individuais. Na interação, esses sentidos se relacionaram
e foram compartilhados: novos significados foram negociados e modificados. A análise
sugere, também, que a reflexão desencadeada possibilitou o movimento dialético entre
intenções e ações (tanto as da diretora, como as minha como pesquisadora) efetivamente
realizadas, o que parece ter contribuído para que nós fizéssemos uma “síntese”, em que
emergiu um comportamento novo, que não estava presente nos elementos iniciais, mas
114
tornou-se possível pela mediação desses elementos, isto é, pela internalização ou
apropriação dos instrumentos culturais e da interação social.
Passo, em seguida, a discutir a repercussão destas reuniões, retomando os
sentidos em cada um dos temas já discutidos. Isto talvez tenha sido importante para que
ambas reavaliássemos nossas ações: que a diretora iniciasse um planejamento mais
consistente; e eu, efetivamente, procurasse desenvolver ações para que a diretora
aprofundasse as reflexões que já fazia.
3.3 Retomando sentidos e compartilhando significados das ações na escola
Nesta seção, retomo os temas considerados importantes desde o início da
pesquisa, com o objetivo de mostrar as transformações ocorridas na condução da
pesquisa e no entendimento do que constitui o papel do diretor. A análise desta seção
está apoiada na estudo das escolhas lexicais (operadores, substantivos e verbos, bem
como os complementos sintáticos desses verbos e substantivos). Também farei a análise
das minhas perguntas relacionando-as ao tipo de resposta da diretora. Faço estas
escolhas para verificar em que medida o compartilhamento de significados permitiu um
maior conhecimento do contexto em foco e possibilitou a criação de perguntas de minha
parte que colaborassem para aprofundar a nossa reflexão em relação aos temas
discutidos.
3.3.1 Sentidos/ significados sobre o papel do diretor na organização da participação da comunidade e no fortalecimento do conselho de escola
O excerto abaixo é extraído da reunião de 16 de junho de 2008 e refere-se ao
momento da reunião em que introduzo o tema participação da comunidade. O objetivo
deste exemplo é mostrar como, durante a atividade, novas compreensões foram
alcançadas, o que se traduz em nossos discursos.
Recorte 21 (16 de junho de 2008) ELV17: Então, eu queria também entender o que é pra você participação da comunidade.
VAL17: É assim, eu acho que a gente participa quando a gente assume aquilo pra gente. Quando a gente se sente responsável por aquilo que se faz. Então eu gostaria, por exemplo, em termos de participação da comunidade que eles... Nós observamos em um questionário que nós fizemos, assim, não são todos os pais que conhecem nossa proposta de trabalho. Isso por quê? Talvez porque eles não participaram da elaboração do projeto pedagógico. Não é? E nem seria possível esse ano(...)Estávamos montando a escola na realidade, crianças novas entrando, pais
115
que a gente não conhecia ainda e tal. Mas assim, eu acho que a comunidade precisa conhecer exatamente qual é a nossa proposta. E nós passamos pra eles na reunião de pais.(..). Talvez isso não tenha sido suficiente.
Em resposta à minha pergunta, Valéria utiliza uma sequência argumentativa, em
que apresenta um ponto de vista “eu acho que a gente participa quando a gente
assume aquilo pra gente” (tese) e expande o pensamento, incluindo outros suportes:
“Quando a gente se sente responsável por aquilo que se faz” e “Nós observamos em um
questionário que nós fizemos, assim, não são todos os pais que conhecem nossa
proposta de trabalho.” Em meio à sua explanação, ela se pergunta: “Isso por quê?”, a
que ela mesma responde (“Talvez porque eles não participaram da elaboração do
projeto pedagógico”). Podemos considerar sua pergunta como retórica, ou como uma
previsão de uma contrapalavra à sua argumentação. De qualquer forma, todas essas
escolhas corroboram para a interpretação de que está pensando consigo mesma, o que
indica uma reflexão, a partir de um dado concreto da realidade (“Nós observamos em
um questionário”), mas também considerando a meta que tenciona alcançar (“os pais
precisavam também participar da elaboração do nosso planejamento para o ano”),
para em seguida avaliar a ação passada (E nós passamos pra eles na reunião de pais
(...) Talvez isso não tenha sido suficiente).
Observa-se, nas respostas de Valéria, que ela levanta uma hipótese para o
desconhecimento dos pais, sugerindo que o fato possa ter origem na ausência deles no
momento da elaboração do projeto pedagógico da escola (“Talvez porque eles não
participaram da elaboração do projeto pedagógico”). Isso sugere que a reflexão
desencadeada oportunizou que ela analisasse a participação dos pais sob um outro
ângulo, não aceitando mais uma prática consagrada (ENGESTRÖM, 1999), ou seja,
reuniões que “passam” o conteúdo para os pais, e apenas “convidam para eles
participarem” (cf. Recorte 2, 22 de maio de 2007), como ficou evidenciado nos
registros das primeiras reuniões.
No discurso de Valéria estão ecoando, portanto, diferentes vozes que se fazem presentes nas instituições escolares, vozes que se confrontam e disputam espaço nos textos prescritivos institucionais, bem como nas pesquisas acadêmicas sobre as questões pedagógicas. Assim, nesse confronto de sentidos, nessa “arena” bakhtiniana, as referências sobre a proposta da escola e a elaboração do projeto de forma compartilhada com os pais sugerem uma reflexão sobre um tema que eu – pesquisadora – insistia em tratar: o Projeto Político Pedagógico e pode-se afirmar que seu nível de reflexão foi
116
intensificado a partir do meio da pesquisa. Porém, deve-se destacar que as declarações da diretora nesse momento da investigação revelam, também, uma avaliação articulada, considerando tanto o PPP como a realidade da escola, o que não seria possível no início do trabalho.
Na mesma direção, minhas perguntas também estão mais focalizadas, resultado do conhecimento da realidade e das experiências vividas. Desta maneira, colaboram para aprofundar os conceitos discutidos e favorecem um raciocínio argumentativo que, por sua vez, possibilita o aprofundamento da discussão, como acontece no trecho a seguir:
Recorte 22 (16 de junho de 2008) ELV18: Como você acha que eles poderiam conhecer?
VAL18: Eu acho que se eles participassem do processo. Olha, primeiro, eu acho que eles tinham que saber qual é a proposta da secretaria municipal de educação para a educação infantil. O que se espera dessa escola? Porque a prefeitura monta um equipamento desse e matricula as crianças e contrata os professores? Não é pra ficar cuidando dessas crianças enquanto os pais vão trabalhar. Nós temos uma proposta de trabalho voltado para um desenvolvimento dessas crianças, né? Um desenvolvimento mais saudável pra que as crianças tenham não só o desenvolvimento da parte cognitiva, mas da parte pessoal, da parte humana. Então, eu acho que os pais precisavam saber quais são as expectativas da secretaria em relação a esse equipamento que é a escola. Um é isso. Outro, eu acho que os pais precisavam também participar da elaboração do nosso planejamento para o ano. Então, eu acho que os pais não deveriam ser um depositário, olha nossa escola tem esse e esse objetivo. Eu queria que os pais colocassem as suas expectativas com relação ao nosso trabalho dentro do nosso projeto. E isso a gente tá longe de conseguir. Porque eles vêm nas reuniões que são convocadas, mas fica difícil.
No excerto acima que, em reposta ao meu pedido de explicação sobre como os
pais poderiam participar, VAL18 faz referência à proposta da Secretaria Municipal de
Educação (“(..) Olha, primeiro, eu acho que eles tinham que saber qual é a proposta da
secretaria municipal de educação para a educação infantil. O que se espera dessa
escola? Porque a prefeitura monta um equipamento desse e matricula as crianças e
contrata os professores?(...) Nós temos uma proposta de trabalho voltado para um
desenvolvimento dessas crianças, né?”). Pode-se considerar, pelo jogo discursivo que se
estabelece entre “prefeitura” e “Nós”, que o discurso oficial é assumido por ela, o que
indica, mais uma vez, a presença de uma “mistura de vozes”, parecendo indicar a
apropriação de um discurso internamente persuasivo (BAKHTIN, 1934/35 – 1975/1998),
o que também sugere uma elaboração pessoal.
117
No excerto abaixo, em que a diretora reavalia os espaços e as expectativas sobre
a participação, é significativo que ela assuma a formação como uma dimensão
necessária (turno VAL19).
Recorte 23 (16 de junho de 2008) ELV19: Então, Valéria, eu queria que você pensasse quais ações vocês poderiam ter feito
pra que vários tipos de participação fossem feitas. Será que todo mundo participa do mesmo jeito?(...)
VAL19: Eu acho que isso é uma coisa que a gente tem que pensar ainda. Eu acho que é uma conquista que a gente tem conseguir. Talvez não vá conseguir esse ano, porque eu acho que é bem a longo prazo mesmo. É uma interferência inclusive na formação da própria comunidade. E não é fácil esse trabalho. Mas eu acho que(#) (20:00)
ELV20: Mas (...) a participação ano passado? Vamos pensar um pouco. Que tipo de participação você esperava no primeiro momento? E, portanto, você facilitou? Você lembra que a gente... Talvez você não tivesse toda essa, nós estamos agora refletindo sobre algo que já aconteceu. Mas qual era sua preocupação?
VAL20: Então, eu queria fortalecer esses instrumentos de representatividade por parte dos pais pra que eles assumissem a escola como um equipamento a serviço deles, pra eles.
ELV21: Então, mas o que é assumir a escola como um equipamento deles?
VAL21: É se sentir sujeito dentro da escola. Entendeu? Olha só, é eles perceberem que aqui eles também podem decidir as coisas. Não fui clara?
ELV22: Foi...
VAL22: É assim, olha, eles são sujeitos, não são receptores, a escola faz, a escola dá e eles recebem apenas (...). Além disso, eu queria que eles sentissem a escola um equipamento da comunidade a serviço da comunidade. E que eles estivessem mais preocupados com o andamento da escola e que eles estivessem aqui presentes seja pra questionar, pra criticar, pra sugerir. Era isso que eu gostaria que eles vissem.
Neste excerto acima, minhas intervenções insistem na ação de “pensar” (ELV19
“eu queria que você pensasse...”; ELV20 “Vamos pensar um pouco (...) nós estamos
agora refletindo sobre algo que já Aconteceu.”). E, efetivamente, conduzo a discussão
para uma expansão das idéias que a própria Valéria enuncia, buscando a relação entre
teoria e prática.
No final desse trecho (turno VAL22), Valéria conceitua melhor a “participação
dos pais”: “E que eles tivessem mais preocupados com o andamento da escola e que
eles tivessem aqui presentes seja pra questionar, pra criticar, pra sugerir.”
Nota-se, aqui, que as ações atribuídas aos pais nesta síntese (questionar, criticar,
sugerir) indicam finalidades que vão além da organização da escola, da resolução de
problemas práticos e incluem um compromisso com a aprendizagem dos alunos. Além
118
disso, as escolhas lexicais para se referir aos pais sugerem que a diretora agora lhes
atribui, efetivamente, um papel ativo na construção da escola: eles passam a ser
“sujeitos”, não “receptores”. Assim, a divisão de papéis em sua relação com os pais, ao
menos no discurso, se transformou, na medida em que o papel deles, agora, não é mais
o de fiscalizar, nem são “convidados”, como discutido anteriormente (cf. Recorte 2, 22
de maio de 2007). Dessa forma aparece, no discurso da diretora, uma transformação no
que diz respeito à divisão de papéis dos pais na comunidade escolar e aos sentidos que
atribui ao seu próprio papel em encaminhar as necessidades constatadas.
Fazendo uma análise com base nos pressupostos da teoria da atividade e
considerando a Formação de Diretor, pode-se entender que durante a atividade
conseguimos, juntas, organizar contextos de reflexão que possibilitaram que a diretora
tomasse consciência, no decorrer do processo, de que novas operações seriam
necessárias para que a ação de envolver os pais se concretizasse, no sentido de atingir o
objetivo proposto. Assim, podemos considerar que as ações para envolver os pais
indicam objetivos mais definidos e se complexificam (LEONTIEV, 1978). Como
consequência dessa reflexão, aparece, marcada no discurso de Valéria uma
intencionalidade, que se materializa no planejamento de suas intervenções para
modificar a situação constatada, o que indica uma tentativa de articulação entre
intenções e ações. Este mesmo movimento pode ser verificado com relação ao
planejamento do trabalho com os funcionários da escola, cujos sentidos discuto a seguir.
3.3.2 Sentidos/significados sobre o papel do diretor na formação dos profissionais da escola
No excerto abaixo, extraído da reunião de 11 de abril de 2008, Valéria declara
que seu objetivo é inserir os agentes (funcionários) no projeto da escola, incentivando a
participação deles, condição que considera fundamental para que o trabalho como um
todo se torne efetivo.
Recorte 24 (11 de abril de 2008) VAL29: Porque ô Elvira. Você viu que eu coloquei ((na tabela)) que eu quero estar
introduzindo esses agentes, eu chamo de agentes escolares(...)
(...)
ELV31 Então, o seu objetivo é...?
VAL31: O meu objetivo maior é inseri-los na questão dos projetos da escola, o que são os valores. E a agenda 21. Falar pra eles um pouquinho o que é a agenda 21, o projeto do meio ambiente, tal. Porque esse projeto foi bastante enfocado agora nas
119
reuniões de planejamento dos professores. Eles enfocaram bastante, inclusive com ações diferenciadas das do ano passado (...): separação de lixo, por exemplo. Compramos os baldes pra separação de lixo, que já tinha o ano passado, mas tentar focar mais isso, fazer com que isso na prática se torne efetivo. E pra isso a gente precisa da participação deles também. E pra eles participarem eles precisam saber o que é. Então, essas coisas e a questão dos valores, valores positivos, valores negativos.
ELV32 (...)
VAL32: Então, aí eu queria tirar deles o que são valores, entendeu? São valores morais? Daqui eu queria tirar inclusive a questão da postura profissional.
ELV33: Mas você está trabalhando esses valores ligados ao PPP? ou não?
VAL33: Ligados ao PPP. Porque é assim, isso aqui está dentro do nosso projeto (...)
Observe-se, no excerto acima (turno VAL31), suas declarações : “meu objetivo é
inseri-los na questão dos projetos da escola... Falar pra eles um pouquinho o que é a
agenda 21, o projeto do meio ambiente, tal” e “pra eles participarem eles precisam
saber o que é”. O discurso da diretora revela, aqui, que pretende que suas interações
com os agentes vá além da divisão de tarefas, para a reorganização da qualidade de suas
ações, o que difere do fato constatado nos encontros iniciais (cf. 22 de maio de 2007).
Além disso, Valéria destaca que os funcionários (agentes) precisam conhecer a proposta
da escola. As escolhas lexicais (em negrito) revelam que pretende tratar, com os
agentes, de assuntos que vão além de resolver problemas cotidianos. Tal fato sugere
finalidades mais claras para o projeto de formação que pretende desenvolver com os
funcionários. Isso parece indicar, também, que a reflexão da diretora atinge, no
planejamento de suas ações, um outro nível de reflexão, o que pode ser corroborado
pela focalização na linguagem dos objetivos das ações.... eu queria tirar deles o que são
valores... eu queria tirar inclusive a questão da postura profissional”), clareza que
também pode ser observada em relação ao próprio projeto pedagógico da escola. Como
mostra o excerto a seguir:
Recorte 25 (11 de abril de 2008) ELV40: (...) Por que a gente falou que seria importante trabalhar com os valores pra eles?
VAL40: Então, porque o nosso projeto, ele tem a questão dos valores. A gente tem como foco sempre trabalhar os mais positivos, por exemplo, o respeito. O respeito, cooperação, colaboração, inclusive o respeito ao meio ambiente, por isso que entra a questão da agenda 21.
ELV41: E quando você fala de valores negativos, quais são? O que é isso?
VAL41: Então, eu acho que é exatamente o contrário, quando você só enxerga o seu lado, quando você não vê o outro (...) Quando você só pensa em si mesmo, a questão do egoísmo. Inveja, ciúmes um do outro.
120
ELV42: Tá. Mas, os valores que estão no PPP os quais você gostaria que eles se pautassem, só estão escritos os positivos. E por que você falou dos negativos?
VAL42: Então, por quê? Porque é justamente isso que a gente vê no dia-a-dia. Falta de respeito um com o outro, um não quer colaborar com o outro. Ah, não vou fazer isso porque não me mandaram. Só faço se me mandarem...
Ao responder minha pergunta, no turno 40, Valéria demonstra ter conhecimento dos valores que norteiam o Projeto Político Pedagógico da escola, como mostram suas escolhas lexicais (substantivos: “respeito” “colaboração” “cooperação” e a declaração: “inclusive o respeito ao meio ambiente”). Ela também chama a atenção para a necessidade de esclarecer os sentidos considerados para “valores” e relacioná-los com as vivências pessoais e profissionais, uma vez que constatou que eles nem sempre são observados na prática. Isso sugere que ela está perseguindo o objetivo de articular teoria e prática, como mostra o turno VAL42: “Porque é justamente isso que a gente vê no dia-a-dia. Falta de respeito um com o outro, um não quer colaborar com o outro”.
Esse movimento pode ser observado, também, em relação ao acompanhamento do trabalho com os professores. Tal como já discutido, professores e funcionários fazem parte da “comunidade” escolar. Na literatura educacional, enfatiza-se que cabe ao diretor escolar acompanhar os projetos da escola e fazer a supervisão e a coordenação do funcionamento geral da escola, de acordo com deliberações e decisões do Conselho de Escola (cf. Regimento).
Com base nessas considerações, passarei a discutir brevemente a transformação dos sentidos da diretora em relação ao trabalho com os professores, a partir de seu relato sobre um acontecimento na escola, em que ela procura repetir as palavras usadas na interação.
Recorte 26 (13 de maio de 2008) VAL9: (...) Aí eu falei: “Professora a gente vê as suas crianças chorando e não vê o que
você está fazendo pra tirar essa ansiedade das crianças. Elas nunca foram para a escola. São crianças que precisam de uma atenção especial. No segundo dia de aula você falta e deixa essas crianças aqui assim. Você sabia que não tinha outro professor pra ficar no seu lugar. Você é a referência...”.
ELV10: (...)
VAL10: ... a primeira referência deles de escola. “Não, mas eu sou muito boa. (...) Eu sou muito boa, eu tenho um trabalho muito bom com as crianças”. (...) E aí nós falamos: “Olha a gente vai sentar pra conversar junto com a Áurea, eu, você e a Áurea, mas eu vou te dizer o seguinte, a Áurea é nossa coordenadora, ela é muito competente, a gente confia muito no trabalho dela e eu tenho certeza que se você estiver precisando de ajuda pedagógica ela pode sentar, ela pode te ajudar. Talvez seja o momento...”(...)
VAL12: A gente faz tudo cronometrado por quê? Para não prejudicar um e favorecer o outro. (...)
121
Observe-se no turno VAL9, que ela parece estar descrevendo (SMYTH, 1992) sua ação em um movimento reflexivo: utiliza o discurso citado (turnos 9, 10, 12), o que parece sugerir que ela pretende que eu acompanhe detalhadamente a situação em foco, ao mesmo tempo em que procura olhar o fato com certo distanciamento. Para isso, recupera a voz da professora e a dela própria no evento que está sendo descrito. Além disso, encontra-se, também, no turno, uma referência à coordenadora pedagógica (“Áurea”), o que sugere uma ação conjunta. Ou seja, a equipe diretiva está se constituindo enquanto grupo colaborativo. O excerto abaixo mostra uma outra mudança importante.
Recorte 27 (13 de maio de 2008) ELV13: Sabe o que eu estou observando Valéria? É a primeira vez que você fala assim... dá
uma importância nas nossas entrevistas e ocupa o tempo pra falar de um acompanhamento que você fez com professor.
VAL13: Pois é, né.
ELV14: O que mudou?
VAL14: Pois é, o que mudou? Eu acho que assim, eu tenho conversado mais com eles, subido mais, eu acho que o que mudou já foi o início que foi o acompanhamento com o planejamento. Então, pra mim está mais fácil acompanhar o trabalho na sala porque agora eu sei qual é a proposta de trabalho deles, então isso pra mim já mudou bastante.(...) Então, agora eu acho que está mais claro. Também tem Elvira, eu acho que a questão da gente se sentir um pouco mais segura com relação ao relacionamento com os próprios professores. A gente recebe críticas, a gente recebeu críticas no geral, no final do ano nas avaliações nós tivemos críticas, uma delas era a falta do meu acompanhamento pedagógico. Mas, a gente observa que tem um apoio dos professores. No geral, eu entendo que é assim, a gente tem o reconhecimento dos professores ao nosso trabalho. Não só dos professores, mas da comunidade também. Até mesmo da diretoria.
Depois de pontuar a mudança de tópico em seu discurso durante nossas reuniões,
focalizo a transformação na ação, com a pergunta “o que mudou?” (ELV14). Para
responder a minha pergunta, no turno VAL14 (“pra mim está mais fácil acompanhar o
trabalho na sala porque agora eu sei qual é a proposta de trabalho deles”). Essa
mudança parece revelar que sua ação está mais direcionada, com foco no trabalho
pedagógico da professora e demonstra uma mudança em relação ao tipo de interação
que desenvolvia com os professores, conforme Recorte 9, que recupero a seguir.
122
Recorte 9 (22 de maio de 2007) VAL19: (...) a questão do trabalho, mais... do diálogo mais próximo com os professores eu
ainda não estou conseguindo fazer, eu vou lá, converso com elas, mas eu sei que isso é esporádico, não tem nenhum efeito mais...
ELV18: Mas como você conversa?
VAL 20: É, eu vou lá em cima, dou uma palavrinha. (...) mas eu sei que tá precário, assim como os funcionários também né, porque eu não dou conta de tudo o que tem pra fazer(.)
Observa-se também que minha pergunta, no turno ELV13 (recorte 27, acima),
sugere mudança no meu modo de agir formativamente com a diretora: reconheço uma
transformação no desenvolvimento dela e trago o fato para discutir em nossa reunião.
Ou seja, faço uma intervenção no sentido de marcar essa ocorrência.
3.3.3. Sentidos/significados sobre o papel do diretor na organização administrativa
Na mesma reunião, um pouco mais adiante, Valéria levanta outro ponto
essencial para marcar sua transformação, fazendo referência à importância que ela
atribuía às tarefas administrativas. Observe-se que o meu questionamento era para que
ela ampliasse a discussão sobre a “questão pedagógica” e a sua resposta vai remeter à
“parte administrativa”:
Recorte 28 (13 de maio de 2008) ELV26: E Valéria, volta um pouquinho na questão pedagógica, então você tem
acompanhado mais o trabalho? Porque você conhece mais a proposta. Explica isso para mim um pouquinho.
VAL26: É. Eu conheço mais a proposta, e eu tenho abandonado um pouquinho a parte administrativa, não é que eu tenho abandonado, mas assim, acho que eu estou menos neurótica com essa parte de acompanhamento de prazo, porque isso deixa a gente neurótica mesmo. Porque dia-a-dia tem que entregar isso, tem que entregar aquilo, etc. E você não tem ninguém aqui na secretaria a gente tem que fazer, não tem jeito. Então, eu tenho ficado um pouco mais lá em cima, tenho entrado nas salas conversado com as professoras, conversado com as crianças, então, assim, eu acho que está um pouquinho melhor. Não tá o que eu acho ideal, não é, mas acho que melhorou um pouquinho.
O excerto acima parece sugerir que Valéria redimensionou suas prioridades e
que esse redimensionamento permitiu, também, que ela se desprendesse do contexto
imediato, das tarefas cotidianas. Como ela ainda acentua, “não ’tá o... ideal”, mas ela
relata ter conseguido uma maior aproximação das professoras e dos alunos (“Então, eu
tenho ficado um pouco mais lá em cima, tenho entrado nas salas conversado com as
professoras, conversado com as crianças, então, assim, eu acho que está um
123
pouquinho melhor”), fato que lhe proporciona uma posição mais confortável, porque
mais próxima de uma atuação pedagógica. Essa maior adequação às suas funções é
confirmada quando Valéria trata mais especificamente das questões de ordem
administrativa. Ao mesmo tempo em que assume que algumas tarefas administrativas
precisam ser executadas mesmo que, oficialmente, não sejam de sua competência (“E
você não tem ninguém aqui na secretaria a gente tem que fazer, não tem jeito”),
refere-se à sua preocupação com o cumprimento de prazos, impostos pelo sistema
institucional, utilizando a expressão “menos neurótica”. Tais escolhas lexicais permitem
considerar que houve um redimensionamento das suas diferentes tarefas dentro do papel
de diretora de escola.
3.3.4 Sentidos/significados sobre o papel do diretor no planejamento das ações na escola
Como já exposto, nas considerações sobre o 1º momento desta pesquisa
trazíamos – pesquisadora e diretora de escola – sentidos diferentes sobre o papel do
diretor (planejar versus fazer). Também como já apontei, o segundo momento já
representa o compartilhamento de significados. Retomando o processo de negociação e
construção de sentidos/significados exposto nas seções anteriores, observa-se que a
interação que se desenvolveu bem como a utilização dos artefatos (“Tabela de Ações” e
“Jogo de Papéis”) possibilitaram a oportunidade de mais uma vez negociar nossos
sentidos e compartilhar o significado de “planejar” como uma ação essencial para o
desenvolvimento do papel do diretor.
Essa constatação é confirmada pela diretora em uma de nossas últimas reuniões,
em que estamos avaliando o desenvolvimento da pesquisa e peço que ela descreva as
ações que desenvolveu na escola, durante o exercício de 2007.
Recorte 30 (16 de junho de 2008) ELV1: Bom Valéria, você escreveu aqui que em 2007 você estava conhecendo essa
unidade (...). Eu queria que você falasse um pouco de cada uma dessas ações.
VAL1: Cada uma dessas?
ELV2: É.
VAL2: Então, o ano passado quando eu cheguei aqui era complicado eu me planejar porque eu ainda não conhecia a escola direito, né.(...) Então, inicialmente o que eu tinha como objetivo era a questão da reorganização da escola (...) Então, eu tinha que primeiro conhecer a realidade, foi mais ou menos isso que a gente foi fazendo o ano passado. Planejamento mesmo eu não fiz. E isso, é claro, deixa a gente muito solto, e acaba a gente vivendo só de improvisação. Algumas coisas esse
124
ano, são inclusive, estão ainda no que eu pretendia o ano passado. A maior participação da comunidade, (...) O fortalecimento da equipe técnica, (...) A participação efetiva das crianças, dos representantes de sala,(...). A participação da comunidade. Um maior comprometimento por parte dos funcionários da equipe de apoio (...) inclusive a formação deles. Então, tudo isso são coisas que eu tinha intenção de fazer, mas ainda não estava claro pra mim o que era necessário. Algumas coisas que a gente tem como prioridade, até mesmo pessoal que é a questão de estabelecer relações democráticas dentro da escola. Mas, isso é uma coisa assim... Agora, esse ano mudou, por quê? Porque eu consegui saber qual era a realidade onde eu estava e planejar. Então, eu acho que, por exemplo, nesse sentido a pesquisa me ajudou bastante.
Observa-se no excerto acima (turno Val 2) que Valéria retoma cada um dos
temas que foram discutidos em nossas reuniões: “A maior participação da
comunidade, (...) O fortalecimento da equipe técnica, (...) A participação efetiva das
crianças, dos representantes de sala,(...). A participação da comunidade. Um maior
comprometimento por parte dos funcionários da equipe de apoio (...) inclusive a
formação deles”. Isto confirma a interpretação de que estes eram realmente os temas
importantes para ela no papel que estava desenvolvendo. Observa-se também, no
mesmo turno, a declaração “Agora, esse ano mudou, por quê? Porque eu consegui
saber qual era a realidade onde eu estava e planejar”(...), que sugere que tanto a
mudança como as conquistas nesse período são situações constatadas, como sugere o
uso do tempo verbal (pretérito) usado em relação ao planejamento. No excerto abaixo
focalizo, nas declarações da diretora, as referências a esse processo.
Recorte 31 (16 de junho de 2008) ELV3: Por quê? Como te ajudou?
VAL3: Então, é assim, a gente sabe o que tem que fazer, sempre.(..)
ELV4: E nesse sentido, nessa diferença que você está apontando, como que a pesquisa te ajudou?
VAL4: Então, por exemplo, no começo desse ano você chegou e me deu lá umas questões, e a gente... Foi um momento que mesmo dentro da correria, foi um momento de eu pensar no que eu já tinha feito e o que eu achava que era necessário eu fazer ainda. Você me ajudou com algumas perguntas e até mesmo aquela tabelinha que você me deu pra fazer. Me ajudou bastante.
ELV5: Ajudou no quê? (05’06)
VAL5: Pra eu organizar minha reflexão sobre o planejamento. Veja bem, é diferente você pegar segmentos, vários segmentos da escola e pensar em quais ações eu teria que ter em cima desses segmentos pra dar uma cara diferenciada pra escola. Então, a própria formatação das sugestões que você me deu e daquelas atividades que você me deu me ajudou bastante, eu acho, na elaboração do planejamento. Não é assim também, que eu não pensava em nada, eu pensava. Mas, às vezes, a gente tem uma certa dificuldade pra colocar no papel. Eu nem tentei, antes que você me passasse a tabela. Mas, me ajudou bastante. E aquelas reflexões que a gente fez também. Eu
125
lembro dos papeizinhos, as ações, tal, pra gente pensar no que foi feito no ano anterior e o que estava faltando. E nós observamos que o ano de 2007 foi um ano basicamente voltado para essa questão mais administrativa. E eu estava falhando muito no acompanhamento pedagógico. Então, esse ano eu tenho esse foco maior no pedagógico(...).
Observa-se, no turno Val 5, o uso de verbos, classificados nessa pesquisa como verbos de ação mental reflexiva, acompanhados de seus respectivos complementos: “organizar (reflexão sobre o planejamento); pensar (em ações); lembro (dos papeizinhos, ações); pensar (no que foi feito e o que estava faltando); observamos (ano de 2007) ...
Por último, podemos apontar também que Valéria faz referência explícitas às “perguntas” e à “tabela” “Veja bem, é diferente você pegar segmentos, vários segmentos da escola e pensar em quais ações eu teria que ter em cima desses segmentos pra dar uma cara diferenciada pra escola. Então, a própria formatação das sugestões que você me deu e daquelas atividades que você me deu me ajudou bastante, eu acho, na elaboração do planejamento”.
Resumindo a resposta à pergunta 1, sobre os sentidos declarados e significados compartilhados sobre gestão escolar que os resultados revelaram como durante a atividade de formação houve a oportunidade para que ambas – Valéria e eu – aprendêssemos um pouco sobre o papel do diretor escolar e, especialmente, sobre como desenvolver este papel, numa realidade específica, num determinado momento histórico. Sugerem, também, que as trocas discursivas possibilitaram a criação de uma ZPD mútua, em que novos significados foram construídos e compartilhados. Os significados compartilhados no primeiro momento possibilitaram a reorganização das ações da pesquisa. Assim, no segundo momento da pesquisa, introduzi instrumentos/ artefatos, que já eram resultado de um compartilhamento de significados e tais artefatos colaboraram para focalizar as diversas necessidades levantadas pela diretora e por mim. Nessa direção, esses artefatos, como já dito, se constituíram como instrumento-e-resultado, pois já revelavam transformações na maneira como eu via o meu papel na atividade e como eu também fui me apropriando dos desafios revelados nas várias tarefas do diretor escolar. Também, a partir de sua utilização, Valéria reconheceu que “planejar” era preciso: estabeleceu algumas prioridades e iniciou um planejamento de suas ações para que os compromissos de ação se efetivassem.
As transformações dos sentidos sobre necessidades e papéis são refletidas na linguagem de diferentes maneiras: podem se expressar na inclusão de complementos verbais ou nominais, ligados à função social da escola para complementar verbos e nomes empregados, o que sugere que na linguagem ela expressa ações mais complexas
126
no planejamento de suas ações. Observa-se também um aumento de verbos ligados à reflexão (refletir, planejar, entre outros) e uma diminuição de verbos que remetem a uma ação física representados pelo fazer, frequentes no início da pesquisa. Transformações no modo como a diretora se relaciona com suas atribuições institucionais também podem se revelar quando, no discurso, ela deixa de usar modalizações deônticas referentes a prescrições oficiais ou socialmente compartilhadas e passa a chamar para si a responsabilidade das ações desenvolvidas na escola.
Com relação à minha constituição como pesquisadora, notou-se que o compartilhamento de significados me possibilitou conhecer mais a realidade e formular questões que favorecessem a reflexão. Apresento a seguir o quadro geral que mostra exemplos dos mesmos temas que perpassaram as nossas discussões desde o primeiro momento e exemplifica, no discurso da diretora, as transformações acima discutidas.
127
Quadro 3.3 - Visão geral das preocupações da diretora no final deste segundo momento da pesquisa
Pais e alunos Comunidade
Funcionários Professores Organização administrativa
Planejamento e Organização da equipe
(1)Val 17: É assim, eu acho que a gente participa quando a gente assume aquilo pra gente. Quando a gente se sente responsável por aquilo que se faz. (...) Nós observamos em um questionário que nós fizemos, assim, não são todos os pais que conhecem nossa proposta de trabalho. Isso por quê? Talvez porque eles não participaram da elaboração do projeto pedagógico. (16 de junho de 2008)
(2)Val 29 que eu quero estar introduzindo esses agentes, eu chamo de agentes escolares (..) O meu objetivo maior é inseri-los na questão dos projetos da escola, o que são os valores. (...) mas tentar focar mais isso, fazer com que isso na prática se torne efetivo. E pra isso a gente precisa da participação deles também. E pra eles participarem eles precisam saber o que é. (11 de abril de 2008)
(3)Val 9: (..) Aí eu falei: “Professora a gente vê as suas crianças chorando e não vê o que você está fazendo pra tirar essa ansiedade das crianças. Elas nunca foram para a escola.(..) E aí nós falamos: “ Olha a gente vai sentar pra conversar junto com a Áurea, eu, você e a Áurea, mas eu vou te dizer o seguinte, a Áurea é nossa coordenadora, ela é muito competente, a gente confia muito no trabalho dela e eu tenho certeza que se você estiver precisando de ajuda pedagógica ela pode sentar, ela pode te ajudar. Talvez seja o momento”... (13 de maio de 2008)
(4)Elvira 26: E Valéria, volta um pouquinho na questão pedagógica, então você tem acompanhado mais o trabalho? (...) Valéria 26: É. Eu conheço mais a proposta, eu tenho abandonado um pouquinho a parte administrativa (...). Porque dia-a-dia tem que entregar isso, tem que entregar aquilo, etc. E você não tem ninguém aqui na secretaria a gente tem que fazer, não tem jeito. Então, eu tenho ficado um pouco mais lá em cima, tenho entrado nas salas conversado com as professoras, conversado com as crianças(..) (13 de maio de 2008)
(5)VAL 96: Olha, você está me dando uma idéia. (...) Então, aí deixa eu te falar como eu e a Áurea... Eu estava pensando assim, ó, de fazer uma reflexão com os professores sobre a questão dos valores entre nós. Porque daí, olha só o que eu pensei agora. A gente no primeiro encontro, eu te falei que a gente fez uma discussão sobre isso daqui, da qualidade da educação, da qualidade essencial do ensino(..) (11 de abril de 2008).....
Como já discutido anteriormente, a aprendizagem e o desenvolvimento ocorrem
na relação do ser humano com o ambiente e na interação com os outros. Neste trabalho,
para completar o entendimento das transformações ocorridas durante a pesquisa,
passarei a discutir brevemente como se deu a interação entre as participantes.
3.4. Foco na relação diretora e pesquisadora na construção de novos significados sobre direção escolar
Entendendo que a produção de novos significados se dá na e pela interação, as
duas perguntas que orientaram a análise estão intrinsecamente relacionadas. Porém, esta
seção está organizada para apresentar e discutir especificamente como se desenvolveu a
interação entre diretora e pesquisadora no decorrer da pesquisa. Descreve os padrões de
colaboração que se estabeleceram durante o trabalho e a possibilidade de
proporcionarem ZPDs mútuas (JOHN STEINER, 2000). Considerando também a
128
perspectiva da dialogia bakhtiniana, analisa como esta relação se desenvolveu ao longo
do tempo e como, no movimento interacional, os discursos das participantes refratam e
refletem a realidade exterior, se reorganizam, se re-elaboram, possibilitando o
compartilhamento de novos significados. Ou seja, procura entender como “cada voz
tomará os enunciados das outras vozes como estratégias de pensamento, e imersas na
corrente comunicacional estas enunciações serão propiciadoras de um movimento em
forma de negociação e geração de significado” (BAKHTIN, 1929-30/2006;
WERTSCH & SMOLKA, 1993/1999). E como esse movimento faz mover o objeto na
atividade Formação de Diretor (ENGESTRÖM , 1999).
Os resultados obtidos nesta seção foram pautados na análise de:
1. Quantidade de turnos;
2. Tipos de turno (avanço na fala do outro, não avanço na fala do outro);
3. Tipos de perguntas e/ou comentários da pesquisadora (negritados na discussão);
4. Escolhas lexicais (verbos, operadores, modalizadores, marcas de pessoa).
Apresento, inicialmente, a análise quantitativa da distribuição dos turnos e das
palavras empregadas nos encontros.
Quantidade de TURNOS
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
200
9 de março de 2007 27 de abril de 2007 22 de maio de 2007 22 de fevereiro de 2008 11 de abril de 2008 16 de junho de 2008
Diretora Pesquisadora
Quantidade de PALAVRAS
0
1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
8000
9 de março de 2007 27 de abril de 2007 22 de maio de 2007 22 de fevereiro de 2008 11 de abril de 2008 16 de junho de 2008
Diretora Pesquisadora
O número aproximado de turnos em cada entrevista parece indicar que a relação
era simétrica. Porém, na medida em que a maior parte da pesquisa foi conduzida por
entrevistas e reuniões face a face, em que o discurso é inteiramente coproduzido
(KERBRAT-ORECCHIONI, 2006), é importante também considerarmos o número de
palavras em cada turno. Embora os turnos sejam divididos equitativamente, os meus são
menores em número de palavras. Isso sugere que ao responder minhas perguntas, a
diretora utiliza muitas palavras, o que talvez signifique que ela teve oportunidade de
pensar sobre o que estava em discussão. Ao mesmo tempo, as respostas da diretora me
129
possibilitaram aprender mais sobre aquela realidade específica, o que possibilitou a
ambas um aprofundamento dos sentidos levantados.
A discussão do compartilhamento segue uma sequência temporal linear, porque,
pela análise dos dados, observei que cada um dos encontros e a reflexão sobre o que
aconteceu em cada um permitiram o meu questionamento a respeito do meu papel na
atividade Formação de Diretor e do papel da diretora, possibilitando a reorganização
das ações de pesquisa. Como já apontei, no momento inicial, o sentido que eu atribuía
ao meu papel era o de entender as particularidades daquela realidade específica e de
colaborar com a diretora, com os sentidos construídos ao longo da minha vida
profissional. O excerto abaixo é um exemplo desse momento, tendo sido extraído da
primeira reunião formal entre mim e a diretora, reunião que tinha, entre outros
objetivos, o de explicar os procedimentos de pesquisa e aprofundar o conhecimento do
contexto específico de ação.
Recorte 32 (9 de março de 2007) ELV2: Deixa eu te explicar que eu vou aproveitar e fazer uma explicação.... (...) O
trabalho que eu estou fazendo é a parte da Linguística aplicada (...) vocês todas colocam que as vezes o discurso é muito diferente da prática
VAL4: Até o nosso.
ELV3: De todos nós.(..). Então eu tô gravando o seu. O meu, a minha interferência tal, tal. (...)
VAL5: Isto aí é uma metodologia então?
ELV4: Isso é um, vamos dizer é um subsídio teórico para você analisar as suas ações (...) então o que que a pesquisa faz? O que eu quero saber. (...) Como é que um diretor, que é o responsável, que eu acredito nele, que é o responsável por formar uma equipe pedagógica, como é que ele vai construindo isso e ele vai se tornando um diretor mais crítico, reflexivo. Ta? (...) Só que nessa pesquisa(...) tem o papel do pesquisador. Então... nessa abordagem que eu estou, não é que o pesquisador vai na escola ou na realidade e ele extrai todos os dados e não dá nada (... )
VAL6: hum hum
ELV5: entendeu? Aí eu vou para casa, aí eu transcrevo (...)
Nova interrupção: serralheiro
ELV6: então eu tô aprendendo.(...) Entendeu?.(...)
VAL7: Ta!
ELV6: depois quando for reunião coletiva, vocês têm que aprovar, tá certo?(...).
VAL8: Hum hum
ELV7: depois eu ponho. Pesquisando um, pesquisando 2, tal. Isso vai gerar um monte de
130
material, né? Só que cada
Nova interrupção _ toca o telefone e a diretora atende)
ELV11: ... outra coisa também. Os nomes não ficarão expostos (...)
Val12: Claro, claro. Isso aí tudo certo.
ELV12: Então..
VAL13: Então deixa só eu terminar de te contar do caso da Luiza ((secretária})..: (..).
O excerto acima se inicia com a minha explicação sobre a Pesquisa Crítica de
Colaboração, como se observa nas minhas escolhas lexicais, sublinhadas e em negrito
no turno ELV 4. Neste sentido, procuro deixar claro o tipo de pesquisa, os valores e
pressupostos que ela encerra “Só que nessa pesquisa (...) tem o papel do pesquisador.
Então... nessa abordagem que eu estou, não é que o pesquisador vai na escola ou na
realidade e ele extrai todos os dados e não dá nada” (...). Também me posiciono em
relação às minhas próprias idéias e valores: “que eu acredito nele, que é o responsável
por formar uma equipe pedagógica, como é que ele vai construindo isso e ele vai se
tornando um diretor mais crítico, reflexivo. Ta?” e explicito os procedimentos ELV11
“outra coisa também. Os nomes não ficarão expostos”.
Valéria demonstra que acompanha a minha explicação e sugere que este é um
assunto que para ela já estava esclarecido, como mostra sua colocação em VAL 12: –
“Claro, claro. Isso aí tudo certo”, e aproveitando uma pausa na minha explicação
(ELV12 – Então...), toma o turno e recoloca o assunto que de fato a incomodava
(VAL13 Então deixa só eu terminar de te contar do caso da Luiza (..)”. A tomada de
turno da diretora me faz prestar atenção às suas necessidades e, a partir daí, diminuem
minhas intervenções. Se por um lado este é um indício de nós estávamos aprendendo a
desenvolver nossos papéis, de forma igualitária (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006), por
outro lado revela que, naquele momento nossas necessidades ainda eram diferentes e
indicam também que participávamos de contexto sócio-históricos diferentes.
(ENGESTRÖM 1999). Enquanto eu, ligada à universidade tinha um compromisso em
esclarecer os pressupostos da pesquisa, Valéria estava preocupada em resolver os
problemas que se apresentavam na sua prática. A continuidade da discussão possibilitou
um maior entendimento das suas preocupações. O excerto abaixo mostra um momento
em que estávamos discutindo a participação da comunidade, tema introduzido por ela.
131
Recorte 33 (9 de março de 2007) VAL18: ... então eu quero envolver mais os pais, quero que participem mais do conselho.
E.um dos nossos objetivos é que as crianças também participem do Conselho(..)Então esses a gente quer estar pelo menos assim..a a Áurea[C.P] está fazendo um trabalho... Cada sala vai ter um nome.(..)Isso é um passo pra gente começar a trabalhar com eles o representante da sala(..).
ELV15: Hum
VAL19: Entendeu?.,(..) que a gente quer fazer?Que tenha um representante de sala, e que desses... que sejam eleitos, e que desses representantes eles façam parte do Conselho, (..)
ElV16: Então, veja se eu estou entendendo... esse trabalho é para envolver esses pais através das crianças?(..)
VAL20: têm tudo a ver Precisa saber como chamar os pais
ELV17:. Talvez se gerássemos as expectativas neles, das crianças convidarem os pais para lerem os cartazes sobre os Conselhos, os professores contarem o quanto é importante os conselhos, talvez seja uma possibilidade.....
VAL21: É. Sabe o ponto de dificuldade que eu acho que talvez a gente vá sentir é... por conta da formação política dos professores.
ELV18: Hummm, Por que?
VAL22: Por que eu acho que muitos professores também não têm noção da importância que tem conselho na unidade. Então isso é uma coisa que também precisava ser trabalhada.
ELV19:....
Então talvez fosse o caso, né? Você discutir com os professores....a importância disso.
VAL25: É, deixa a Áurea [C.P] chegar porque a gente tenta falar, porque hoje a gente não tem quase horário coletivo com os professores, entendeu? (..)Olha, nós temos que fazer. E fazer de qualquer jeito
Observa-se no excerto acima (turno VAL18), a relação predicativa com valor
pragmático “VAL18:... então eu quero envolver mais os pais”;
Minha intervenção em ELV16, marcada por um comentário de elucidação,
indica que eu procuro um melhor entendimento sobre as ações que a diretora pretende
realizar. No turno ELV17 faço outro comentário dando uma sugestão “Talvez se
gerássemos as expectativas neles (os pais), das crianças convidarem os pais para lerem
os cartazes sobre os Conselhos, os professores contarem o quanto é importante os
conselhos, talvez seja uma possibilidade”. Tal intervenção sugere que procurava
responder a dúvida de Valéria expressa no turno anterior e abre a possibilidade para que
ela também apresente sua sugestão. Sua resposta (turno VAL21), porém, acaba por
identificar novos elementos dificultadores para que a participação se efetive – “É. Sabe
o ponto de dificuldade que eu acho que talvez a gente vá sentir é... por conta da
132
formação política dos professores”. Novamente, minha pergunta que pede explicação
faz avançar o entendimento da situação, gerando um avanço no objeto da discussão em
foco.
O excerto abaixo mostra a continuidade de nossa discussão, mais à frente, e
sugere como estava se desenvolvendo a interação.
Recorte 34 (9 de março de 2007) ELV47: Agora... se esta comunidade é uma comunidade carente e nessa comunidade tem é
carente de... atuação política, não seria uma necessidade desenvolver ações concretamente que atingem esse objetivo? Eu tô falando Valéria professores que não têm essa dimensão (...)
VAL55: Você quer saber, eu acho talvez eles que a gente precisa trabalhar mais, porque eles têm mais contato com a comunidade que a gente, se eles tiverem essa visão, eles podem estar passando para as crianças, trabalhando com eles para chegar nos pais. Então é um caminho importante, mas a gente tem bastante, eu já percebi isso, trabalho mesmo como diretora que tem bastante resistência nesse sentido, mas a gente vai tentar.
ELV48: Resistência ou desconhecimento?
VAL56: é, eu acho eu sabe aquela coisa, isso é política, bobagem, aquelas coisas, né, mas eu acho que num sei (...) Então, então eu acho que talvez isso ajude a gente né? Mas olha como foi bom eu ter conversado com você sobre isso porque eu ainda não tinha pensado sobre tudo isso e não conversei com a Áurea [C.P] sobre nada disso. (...)
Em ELV47, inicio o turno fazendo uma referência a uma questão colocada
anteriormente pela diretora (turno VAL22) sobre a necessidade de envolver os
professores no conselho de Escola. Embora seja uma pergunta indutiva, (não seria uma
necessidade desenvolver ações concretamente que atingem esse objetivo?) a reposta de
Valéria (turno Val 55) sugere que a partir da minha intervenção, ela expande o
pensamento incluindo novas informações “eu acho talvez eles que a gente precisa
trabalhar mais, porque eles têm mais contato com a comunidade que a gente, se eles
tiverem essa visão, eles podem estar passando para as crianças, trabalhando com eles
para chegar nos pais”.
Na sequência, minha pergunta em ELV48 “Resistência ou desconhecimento?”
pede mais esclarecimentos sobre a afirmação da diretora. Na sua resposta, novamente
há uma expansão do pensamento e ela conclui o quanto foi importante conversarmos.
Observa-se tal avaliação no turno VAL56 – “Mas olha como foi bom eu ter conversado
com você sobre isso porque eu ainda não tinha pensado sobre tudo isso e não conversei
com a Áurea sobre nada disso”, – marcada pela avaliação positiva “Olha como foi bom
133
eu ter conversado com você” seguida da constatação de ausência de reflexão nesse
sentido – “eu não tinha pensado”. Tais escolhas lexicais – a modalização apreciativa e o
verbo “pensado” no pretérito – parecem colaborar para a interpretação de que a
interação que se desenvolvia permitia a identificação de necessidades de ambas em
conhecer melhor a realidade e que naquele momento estávamos estabelecendo um lócus
de colaboração (MAGALHÃES E FIDALGO, 2007) e iniciando um percurso
colaborativo em que novos significados poderiam ser construídos. Observa-se também o
jogo que se estabelece entre o eu e o Você. Se, por um lado, isso que indica que naquele
momento não havia ainda um “nós” durante a interação, por outro lado estávamos
“engajadas” (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006): eu pude ouvi-la e ela pôde me ouvir,
o que possibilitou que a diretora se ouvisse de uma outra perspectiva, ou seja, que
pudesse ser também o outro para si mesma. (VYGOTSKY, 1924-1930/2004;
BAKHTIN, 1929-30/2006). Neste sentido uma ZPD mútua estava se formando (JOHN-
STEINER, 2000).
Embora, neste momento inicial, a colaboração tenha proporcionado o
desenvolvimento da interação, é importante salientar que é necessário analisar a
qualidade da interação e o desenvolvimento que proporciona. Embora a colaboração
seja constitutiva da ZPD, apenas participar pode não levar ao desenvolvimento: há
necessidade de que a colaboração se organize como um processo de questionamento
crítico para que as participantes atinjam novas compreensões sobre o que está em
discussão, como apontam John-Steiner e Magalhães, entre outros. Assim, se nos
exemplos mostrados acima, observa-se que eu, pesquisadora, compartilho da
preocupação da diretora sobre a participação dos pais e mostro-me engajada em
entender tais preocupações, também se verifica que ainda assumo uma postura inicial de
colaboração, marcada pela minha experiência profissional: faço mais comentários e dou
sugestões. Nesta direção acabo encaminhando a discussão para questões práticas, sem
aprofundar algumas das colocações da diretora. Como já discutido na fundamentação
teórica, este tipo de reflexão caracteriza-se pela focalização em necessidades funcionais,
marcada por relatos ou narrativa de fatos, muitas vezes entremeados de avaliações
pessoais, uma vez que há uma tentativa de compreender as ações a partir da própria
experiência e do conhecimento de mundo.
Embora importante para entender o contexto, em atividades de formação como é
o caso da atividade em foco, não é suficiente para que todos possam aprender e se
134
desenvolver. Numa perspectiva materialista histórica (MARX e ENGELS, 1845-
46/2007; VYGOTSKY, 1927/2004) e com base em pesquisas que estão embasadas
nesse quadro teórico (e.g., ENGESTRÖM, 1999; MAGALHÃES, 2009p), é
fundamental que se estabeleça o conflito para que, ao tentar resolvê-lo, os participantes
possam alcançar novas compreensões. Como bem salienta Pontecorvo (2005), um dos
meios de estabelecer o conflito produtivo é fazer perguntas ou contrapor-se
argumentando.
No entanto, como apontado por Magalhães (2009p), se colaboração sem o
processo de questionamento crítico traz o foco para a interação apenas, o foco no
questionamento, sem o processo colaborativo, propicia imposição de poder,
autoritarismo, o que dificulta a possibilidade de compartilhamento e de transformação e
desenvolvimento.
O excerto abaixo, extraído da reunião de 27 de abril de 2007, mostra um
momento da reunião em que eu procuro introduzir uma reflexão sobre o Projeto Político
Pedagógico da escola, mas revela que a colaboração não acontece. No exemplo, é a
diretora quem inicia o tema quando, retornando à sala após uma interrupção externa,
passa a relatar as ações que desenvolveu com a volta da secretária, anteriormente
afastada por licença médica. O excerto será dividido em três segmentos para que a
análise fique clara.
Recorte 35 (27 de abril de 2007) VAL9: ((a secretária voltou de licença )) Voltou, voltou e aí, éeee e, aí assim, já fiquei um
pouco mais tranquila. Então essa semana já consigo sentar lá com as professoras, conversar um pouquinho com elas em horário de jornada, consegui subir, conversar lá em cima, ter um contato mais direto com as professoras. Acompanhar a reforma no parque que o seu Julimar ta fazendo(...). Então eu consegui fazer algumas coisas, mais para lado da direção mesmo em vez de ser secretária, né? Aí fiquei mais assim tranquila. Mas ainda tem umas coisas que eu quero e não consigo fazer.
ELV8: Agora, você já esquematizou essas suas intenções num plano como é que elas se relacionam com o projeto pedagógico
VAL10: Ah, tá!!
ELV9: Eu vi duas, duas... duas interações, né, que foi a... Conselho e a reunião de professores,... além das nossas conversas... Você tem uma concepção...
VAL11: Então Elvira, você sabe que eu estou assim preocupada, eu to lendo aquele livro lá do Libâneo, né?
ELV10: É
VAL12: EU tenho assim, ando um pouco preocupada de estar fazendo dos meus meios os
135
objetivos, entendeu? De estar confundindo as coisas. Na realidade eu estou tentando é.... é... facilitar o trabalho dos professores, tal, mas ainda... os objetivos... que a gente precisa estar relacionando com os objetivos da unidade que o caso no.. no caso do.PPP.. isso é uma coisa que eu não consegui sentar para sabe, para delinear, porque era inclusive o objetivo daquela minha.... daquele meu projetinho inicial. Entendeu. Então não consegui fazer isso ainda. To preocupada com isso.
Ao relatar as ações que desenvolveu com a volta da secretária (VAL8) destaca
ações desenvolvidas junto aos professores e aos pais, ou pela manutenção do
patrimônio, como sugerem as escolhas lexicais negritadas no turno VAL 9, o que parece
revelar um sentido que Valéria atribui ao seu papel – articular ações em relação a todos
os temas. Por exemplo “Então eu consegui fazer algumas coisas, mais para lado da
direção mesmo em vez de ser secretária, né. Mas ainda tem umas coisas que eu quero
e não consigo fazer.”
O turno ELV8 introduz uma pergunta indutiva: Agora, você já esquematizou
essas suas intenções num plano?, seguida por uma que pede mais evidências: como é
que elas se relacionam com o projeto pedagógico”. Isso sugere que tomo a última
declaração da diretora no fim do turno VAL9 “Mas ainda tem umas coisas que eu
quero e não consigo fazer” e atribuo meus próprios sentidos para aquela afirmação. O
advérbio “Agora” que inicia a minha pergunta, funciona como um operador
argumentativo, introduzindo uma mudança na orientação discursiva e causando uma
quebra no relato da diretora. Pode-se observar que tal intervenção não propicia o
desenvolvimento na nossa interação e a exclamação da diretora em VAL10 (Ah, tá!!)
sugere que não era o que minha interlocutora esperava.
No turno ELV9 faço um comentário de retomada, recuperando experiências já
vividas “Eu vi duas, duas... duas interações, né, que foi a... Conselho e a reunião de
professores,... além das nossas conversas...”, o que pode indicar que percebi minha
inadequação e que procuro voltar a um ponto anterior para estabelecer uma situação
mais confortável. Mas sou interrompida por Valéria, que, no turno VAL12, faz uma
introdução (“um pouco preocupada de estar fazendo dos... meios os objetivos’ –
sugerindo que ela também tem conhecimento da teoria – para, finalmente, responder a
minha pergunta, com uma negação e com a indicação de que isso a incomoda: “Então
não consegui fazer isso ainda. To preocupada com isso”. Porém, novamente, eu não
investigo e não aprofundo as razões de sua preocupação.
O excerto abaixo mostra como se deu a continuidade da discussão.
136
Recorte 36 (27 de abril de 2007) ELV11: Mas você tem em mente quais são os objetivos do..PPP?
VAL13: Então,.... também tem isso, né? (...) É... eu lendo, o que eu sei..é(..)mas eu ainda acho que a gente vai ter que sentar pra ver, é é definir o PPP direitinho. Isso nós não conseguimos fazer..
ELV12: Vocês na nesta questão..não estão conseguindo sentar?
VAL14: Então, a semana passada nós conseguimos sentar, (..), nós três,eu, ela((a coordenadora pedagógica)) e a Cleonice e acabamos falando inclusive só da questão da demanda(...) Então o que nós sentamos pra fazer, priorizar o que a gente ia gastar mesmo, né? Como que a gente ia fazer isso, aí a semana passada eu e a Cleonice saímos um dia, essa semana a Áurea também saiu e nós compramos muitaaaaas coisas. Você precisa ver nossa brinquedoteca como está. Tá lindona!(resposta é desenvolvimento
No turno ELV11 faço outra pergunta indutiva, que obtém, como resposta,
outra negativa (VAL 13) Isso nós não conseguimos fazer. Contrariamente a todos os
pressupostos da PCCol, insisto na investigação sobre o PPP e na articulação da equipe,
como mostra o excerto abaixo:
Recorte 37 (27 de abril) ELV14: Agora, vocês já tiveram alguma discussão...[.Falam juntas]
VAL17: Nããoo.
ELV15: .em cima... quais são os objetivos dessa escola
VAL18: Pois é, ainda não Elvira, não fizemos, esses.tempos foi..ahhh
ELV16: (#){ então } foi um. período de adaptação, você está entrando nessa unidade agora, vocês estão fazendo uma equipe nova, vocês estão se articulando, tal, tal, tal. Então eu acho que tudo isso tem que ser olhado também
VAL 19: é...
ELV17:... mas assim, essas reformas, que são válidas, importantes... essa atenção que você...está dando para os professores, este seu o seu olhar pedagógico tal, como é que se articula com os objetivos da escola, o que você deseja pra essa escola, quais as necessidades dessa comunidade, como é que esse PPP ta contemplando, como é que essas ações estão articuladas?.
Porque ação Valéria, você está fazendo...
VAL20: É
ELV18:.. O que precisa é talvez mais consciência.... da intencionalidade de cada ação...
VAL21: É. (durante a fala da pesquisadora )
ELV19: e quanto mais...
VAL22: MAS EU TAMBÉM NÃO QUERO FAZER ISSO SOZINHA, ENTENDEU? Eu não quero fazer isso sozinha, então assim, claro que eu fico pensando, nas coisas que eu tenho... mas eu não quero fazer isso sozinha, eu quero fazer junto com elas. Não...quero falar..é chegar pra você e dizer, não, mas eu já defini quais os
137
objetivos, eu tenho alguns objetivos que são pessoais, né? Até profissionais pessoais, entendeu? Mas não é isso que eu quero para unidade. Para unidade eu preciso construir junto com elas.
ELV20: Agora, lembra só qual é que é seu papel.
VAL23: é, eu tenho, eu tenho que estar, assim, eu acho que eu tenho que estar favorecendo os encontros, eu tenho que muitas vezes estar mesmo que intimando algumas coisas, e agora... Durante esse período acho que não foi possível, mas eu tenho que estar articulando essa equipe..
ELV21: Ou talvez você ter um plano pra você. Com as suas ações pra essa articulação. Não sei.....
VAL24: Ta certo. Certíssima. (silêncio)...
ELV22: deixa eu mostrar uma coisa para você
Nota-se, também, um excesso de perguntas em ELV17 “como é que se articula
com os objetivos da escola, o que você deseja pra essa escola, quais as necessidades
dessa comunidade, como é que esse PPP tá contemplando, como é que essas ações
estão articuladas?”. Embora sejam perguntas classificadas nesta pesquisa como
perguntas abertas, e que pedem mais evidências ou justificativas, a forma como as
utilizo sugere que não espero resposta para elas e que estou interessada em veicular um
ponto de vista. Tal ação de minha parte dificulta que a diretora responda. Há também
indícios de que o uso do VOCÊ , no meu discurso, acentua a responsabilidade exclusiva
da diretora na organização da equipe na discussão do projeto, o que acaba provocando
uma situação tensa, expressa pelo conteúdo e pelo tom (volume, indicado em caixa alta
no turno VAL22)
Apesar de tentar modalizar, nos turnos ELV16 e ELV17, a continuidade da
discussão parece indicar que o que eu realmente considerava importante era reintroduzir
o tema planejamento. Como já apontei, minha visão era de que o Projeto Político
Pedagógico constitui-se no documento primordial na escola para organizar as ações.
Minha insistência nesse tópico revela também que um sentido inicial que eu atribuía ao
meu próprio papel era o de apontar as contradições entre intenções e ações e parece que
é esse o sentido que me guia no turno ELV20: Agora, lembra só qual é que é seu papel!
Porém, utilizo uma forma imperativa, sem modalização e deixo de “escutar” o
que a própria diretora estava colocando em relação ao contexto que ela enfrentava.
Nesse sentido, minha ação é contrária às intenções de criar um contexto colaborativo,
não favorecendo a criação de um espaço de discussão capaz de promover um conflito
cognitivo. Se, no turno 23, há indícios de que a diretora admite seu papel como
138
articuladora da equipe (“é, eu tenho, eu tenho que estar, assim, eu acho que eu tenho
que estar favorecendo os encontros, eu tenho que muitas vezes estar mesmo que
intimando algumas coisas, e agora (...)”, no entanto, a modalização deôntica negritada
sugere que isto ainda se configura como um determinante externo. Sugere que, no caso,
isto se deu pela própria condução da entrevista por mim.
Os dados apresentados sugerem que a forma como conduzi esta parte da reunião não possibilitou às participantes, incluindo a mim própria, refletir e “entender as necessidades e sobre os sentidos que atribuem a estas necessidades” (MAGALHÃES, 1998, 2006). Nesta direção, não houve uma negociação de agendas e o que se estabeleceu foi um conflito entre nossas perspectivas para analisar a situação. Este conflito revela contradições mais amplas, ligadas aos contextos sociais de que participávamos, bem como as aprendizagens que estávamos desenvolvendo ao desempenhar nossos papéis. Como já discutido, as contradições e conflitos no desenrolar de uma atividade podem se constituir num fator que levará ao desenvolvimento e às transformações, na medida em que os envolvidos estarão negociando pontos de vista e buscando novas compreensões das discussões em foco. A pesquisa crítica de colaboração é uma pesquisa produzida com as pessoas e, como aponta John-Steiner (2000, p. 82) – envolve “intensidade emocional” e uma “bastante desconfortável zona de ação”, que precisa da atenção dos pesquisadores ao lidar com essas questões (MAGALHÃES, 2009p). Assim. a forma que encontrei para encaminhar o conflito foi com a exposição de uma teoria, como veremos a seguir:
Recorte 38 (27 de abril de 2007) ELV21: Ou talvez você ter um plano pra você. Com as suas ações pra essa articulação. Não
sei...
VAL24: Ta certo. Certíssima. (silêncio)...
ELV22: deixa eu mostrar uma coisa para você
ELV23: (# ) até aqui... Toda vez que a gente está trabalhando com gestão, a gente trabalha com esses 4 pontos, se você tentar fazer a figura (...) ela representa a essência mesmo da sua gestão porque, veja: Você tem que lidar com pessoas, com recursos, o seu serviço que você está desenvolvendo e com a sociedade que demanda esse serviço, precisa disso. Você tem que estar de olho o tempo inteiro nesses 4 pontos. Você concorda? Essa figura é um continuum, se você for fazer... ela é difícil, o equilíbrio é precário...
VAL26: O ái... naquele meinho?.
ELV24: Esse meinho,.....este meinho aqui numa outra tela... estaria, o comando estratégico. Aquilo que vai fazer todos esse cantos ficarem equilibrados. Seria aqui no miolinho o coração da gestão (..).
VAL27: que articula os quatro.
139
O excerto acima sugere minha nova tentativa de introduzir uma teoria em nossa
discussão, mas procurando evitar abordar diretamente o PPP e buscando outro suporte
para a discussão. Pode-se observar, também, a minha insistência na elaboração de um
plano e na tentativa de articular as demandas que a diretora estava relatando com uma
visão mais ampla. O excerto também sugere um sentido que eu tinha construído para a
articulação teoria e prática: trazer “teorias para iluminar as questões em jogo”.
No entanto, com tal atitude eu não possibilitei que o conflito fosse enfocado e
trabalhado, uma vez que para que isso aconteça é necessário que sejam reconhecidas e
questionadas contradições entre o objeto da atividade, instrumentos, ações dos
participantes, regras que embasam as relações e a qualidade da divisão do trabalho, o
que não se deu naquele momento (ENGESTRÖM , 1999, MAGALHÃES, 2009p).
Neste exemplo houve ação e reação, embora não colaborativamente. No entanto,
isto não significa que não houve produção de significados. Na medida em que “sou o
outro para mim mesmo”, ao ouvir a fita e ler a transcrição desta reunião, percebo que o
que a caracterizou foram perguntas fechadas, indutivas ou sugestão de ação, revelando
que eu não negociava mas impunha pontos de vista e nesta direção assumia uma postura
autoritária. Assim, na reflexão sobre esse encontro, observei que não estávamos ainda
trabalhando sobre o mesmo objeto. Para Valéria, a preocupação era organizar a escola
enquanto que para mim, era discutir o PPP.
Também se observa, na seleção apresentada, que a forma como interajo com ela
neste primeiro momento se realiza por meio de perguntas indutivas, sugestão de ação e
comentários. Embora este tipo de intervenção de minha parte possa ter proporcionado
oportunidade de expansão em recolocações em alguns momentos, por outro lado, parece
indicar que naquele momento eu, ainda estava em processo de me apoderar dos
pressupostos da PCCol. Ainda apresento uma visão tradicional da divisão de papéis na
atividade, em que o pesquisador pergunta, ou dá sugestões, e ao participante cabe seguir
ou contestar. Assim, já com base na Teoria da Atividade Sócio-Histórico-Cultural, que
supõe a compreensão das necessidades dos participantes, o entendimento de seus
motivos em agir, a construção coletiva do objeto da atividade em investigação, do
porquê das escolhas feitas, das regras que organizam os contextos específicos em foco,
dos papéis dos participantes na divisão de trabalho, e com base nas diversas vozes
presentes em todos os outros enunciados bem como nas oportunidades que tive de
observar a complexidade da dinâmica da escola, entendo que para intervir è preciso
140
conhecer. Como discutido por Bakhtin (1929-1930/2006: 137), “compreender a
enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela”. Assim faço uma reflexão
sobre o meu papel na atividade, o que possibilitou uma tomada de consciência de minha
parte. É o que sugere o trecho abaixo, extraído da reunião de 22 de maio de 2007, no
intervalo entre uma e outra reunião de pais com professores, para a qual eu havia sido
convidada. Naquele momento a diretora me relata que havia conversado em reunião
com a equipe (CP e Assistente) sobre a minha presença na escola naquela data. E é a
diretora quem introduz o tema “Projeto Pedagógico”
Recorte 39 (22 de maio de 2007) VAL28: (..) Então outra coisa que eu passei na reunião foi sobre a sua presença que
você viria hoje sexta-feira, que era sua previsão, a questão do PPP, que nós vamos ter uma reunião pedagógica agora no dia 28 de junho e que eu queria já tá encaminhando alguma coisa com relação a PPP.
ELV28: Em relação a PPP, Valéria, a gente até já conversou da outra vez, as três declaram que desejam uma escola melhor, uma qualidade de escola, um trabalho em equipe, se... uma possibilidade era que o PPP mediasse o que você está entendendo por uma qualidade(..), talvez o PPP pudesse representar, por isso que eu tenho insistido mas não é uma camisa de força.
Observa-se no excerto acima, no turno VAL28, a declaração “Então outra coisa
que eu passei na reunião foi sobre a sua presença que você viria hoje sexta-feira, que
era sua previsão, a questão do PPP”. Nota-se o jogo que se estabelece entre os
pronomes eu, você e pronome possessivo “sua” presença e “sua” previsão. Se, por um
lado, o relato sugere que a diretora também pensou sobre o que conversamos na reunião
de 27 de abril, e por este motivo introduz o tema PPP, por outro lado é a mim que, nesse
primeiro momento, ela atribui a preocupação com a discussão do PPP.
Na sequência (ELV28), eu começo meu turno fazendo um comentário de
retomada para recuperar o que as participantes já haviam declarado “em relação ao
PPP Valéria, a gente já conversou uma vez”. Tal comentário marcado pelo dêitico “a
gente” sugere uma tentativa minha de incluir todas nós na preocupação. Nota-se,
também, que para isso utilizo uma fala modalizada, marcada pelo talvez, me referindo
ao PPP como uma possibilidade, e justificando minha insistência com outro talvez
“talvez o PPP pudesse representar”. Tal comentário gera um desenvolvimento em
nossa interação, como observamos no recorte abaixo.
141
Recorte 40 (22 de maio de 2007) VAL29: Elvira uma das coisas que a gente está atrás e falhando que é a questão do PPP.(..).
mas não tirando a responsabilidade, é tanta coisa que vem na cabeça da gente pra fazer e a gente acaba meio fazendo conforme é possível mesmo, por isso que a gente fala que não dá conta do que a gente tem que fazer, nós não estamos dando conta mesmo, e a gente sente essa angústia aqui dentro que não tá dando conta de tudo isso que precisa fazer.
ELV30: Vocês têm assim daqui até o final de junho quantos encontros com os pais, quantos com os professores, tem uma noção de todo o trabalho que vai demandar com (..) ... você fez um mapa mesmo de tudo e o que cada um desses eventos vai exigir de preparação?
VAL30: Não, eu tenho quais os exemplos, então por exemplo, que nem hoje eu estou falando na reunião de pais olha no dia 16, dia 16 nós vamos ter um encontro com vocês, que uma coisa que a gente precisa elaborar mais, que ta aí, tá batendo na porta e aí a gente vai ter encontro com esses pais nós temos que ter uma.. temos uma proposta de trabalho. Tenho conversado com os pais do Conselho, pais da APM que a gente quer sugestões de assuntos de interesse deles, mais ainda não tivemos nenhum retorno. Nós temos isso, temos a festa junina, temos reunião, nós temos mesmo, agora o que fazer em cada item ainda eu não elenquei e não me organizei pra isso.
Observa-se, no turno VAL29 (“Uma coisa que a gente está falhando é a questão
do PPP”), marcada pelo verbo “falhando”, a preocupação da diretora em relação ao
PPP. Em seguida, Valéria parece se justificar relatando as dificuldades que vem
enfrentando naquele momento da organização da escola (“mas não tirando a
responsabilidade, é tanta coisa que vem na cabeça da gente pra fazer (...) por isso que
a gente fala que não dá conta do que a gente tem que fazer, nós não estamos dando
conta mesmo, e a gente sente essa angústia aqui dentro que não tá dando conta de
tudo isso que precisa fazer”. Observa-se que o substantivo “angústia” caracteriza uma
situação que parece ser permanente e tem uma força na asserção da diretora, reforçada
pela expressão “aqui dentro”.
Talvez por este motivo, na sequência, utilizo uma pergunta fechada, mas que
já aponta para uma ação concreta, o que sugere que eu tenha percebido que naquele
momento as necessidades de Valéria eram diferentes das minhas e reconheço que ela
estava tendo dificuldade em estabelecer prioridades em relação às várias necessidades
constatadas. Esta mudança em minha postura durante a interação sugere que levo em
conta o princípio da alteridade, discutido por Ninin (2006a) e procuro colocar-me no
lugar da diretora. Ao reconhecer sua “angústia”, procuro uma outra forma de colaborar
com ela, por meio de sugestões. Também não pude deixar de refletir a sobre a
142
responsabilidade que eu possa ter sobre este conflito expresso por ela, o que novamente
me faz rever minha postura e a qualidade de minhas intervenções.
Neste sentido, todas as interações que desenvolvemos, bem como as
oportunidades que tive de observar o cotidiano da escola e a análise de minhas
intervenções me fazem repensar os objetivos da pesquisa e de minhas ações de pesquisa.
Como já discutido no capítulo teórico metodológico, uma pesquisa crítica se preocupa
“não apenas em entender e descrever o mundo da prática, mas em mudá-lo”
(KINCHELOE, 1997: 188).
A discussão dos resultados da seleção apresentada sugere também que durante
as reuniões houve oportunidade para expansões do que estava sendo discutido como
indicam os turnos elaborados e o avanço na fala do outro, expansões essas que
permitiram um maior conhecimento tanto das exigências do papel do diretor quanto das
necessidades específicas do contexto de ação. Indica também que, se nesse primeiro
momento, Valéria sentia-se sobrecarregada com as várias demandas que deveria
encaminhar e que não conseguia se organizar para resolvê-las, o mesmo se dava
comigo. Entrando em contato com uma realidade muito diversa da que eu já havia
enfrentado e ainda me apoderando dos pressupostos que orientam a pesquisa crítica de
colaboração, apresento dificuldades em focalizar e identificar as necessidades da
diretora e em fazer questionamentos que encaminhem a discussão para além da
discussão prática e da constatação de situações repetidamente expostas. Isso se revela
por intervenções ora muito incisivas, oferecendo sugestões, marcadas no meu discurso
pelo uso de muitas modalizações, perguntas indutivas, perguntas que acentuam ‘o
como” e o “o quê”, classificadas nesta pesquisa como perguntas que pedem mais
evidências, em detrimento do “porquê” e do “para quê”. No entanto, todos esses
desacertos geraram aprendizagens que permitiram a reorganização da ação. O excerto
abaixo marca um momento em que iniciamos uma negociação explícita de nossos
papéis na pesquisa, enquanto procuramos encontrar um objeto que satisfaça as
necessidades de ambas.
O excerto abaixo foi retirado da reunião de 21 de setembro de 2007 e revela um
momento em que estávamos avaliando nossas ações, tanto as de pesquisa como as que a
diretora tinha desenvolvido na escola. Como este excerto já foi discutido na outra seção,
o objetivo de trazê-lo aqui é apenas focalizar o momento da negociação de agendas:
143
Recorte 41 (21 de setembro de 2007) ELV58: Por que na verdade eu tava, insistindo, insistindo no projeto político pedagógico aí
você tem apontado as questões da rotina e do cotidiano, que de alguma maneira tem impedido isso. Então, a minha pergunta é assim, desse tempo que você viveu(..),o, o que você sente de necessidade?
VAL58: Eu acho que o projeto pedagógico é muito importante, porque o projeto que está no papel não condiz com o projeto que é realizado na prática aqui, eu acho que a gente precisa regularizar isso, é também o momento de nós sentarmos com os professores pra rever algumas coisas, mas eu sinto que as coisas estão caminhando. O que ta faltando, ta faltando a gente esquematizar isso, por no papel e mandar pra frente
ELV59: Você toparia que eu mandasse algumas perguntas por e-mail pra você me responder e devolver?
VAL59: Pode mandar. Eu quero que você me ajude a organizar um plano
ELV60: ta bom, combinado. Eu queria fazer umas perguntas agora só pra fechar.(..), Quando eu estive ausente esse tempo, você falou, “ah, nós estamos sentindo falta das suas intervenções”. Em que sentido você acha que elas ajudaram ou não ajudaram. (..)
VAL60: Olha, algumas vezes, você perguntou “ você já pos isso no papel”?, Algumas sugestões que às vezes você me dá, as sugestões de leitura, porque eu esse ano foi zero em termos de estudo né, eu sinto muita falta disso, sugestões de formas de encaminhamento, “ olha, e se você fizesse dessa forma tal”, eu acho isso importante, porque é um outro olhar, você não está no meio do furacão, você está aqui dentro quando você vem, mas você não está no meio do furacão, não tem esse envolvimento que a gente tem, é diferente a sua posição, então essas sugestões eu acho que são importantes, esse olhar diferenciado
Observa-se que termino o meu turno (ELV58) com uma pergunta que pede mais
evidências sobre as reais necessidades da diretora “o que você sente ainda de
necessidade?”. Tal colocação faz evoluir nossa interação e a diretora reafirma que o
projeto pedagógico é muito importante, mas que “está faltando é esquematizar e pôr no
papel”. No turno ELV60, utilizo tal declaração para fazer avançar nossa discussão, por
meio de uma pergunta fechada e induzir a uma proposta concreta “Você toparia que eu
mandasse algumas perguntas por e-mail”? Esta pergunta sugere que eu estou fazendo
uma tentativa de “combinar a agenda de forma conjunta”, característica da PCCol. Tal
proposta é aceita pela diretora imediatamente, como sugere o verbo no presente “eu
quero que você me ajude a elaborar um plano”, no turno VAL59.
Na sequência (ELV60), minha pergunta pede mais evidências “em que medida
estas intervenções colaboraram?” e indica que eu também queria mais elementos para
orientar a minha ação futura, ou seja, procurava encontrar caminhos para uma ação
conjunta e uma maneira de compartilhar e expandir nossos próprios entendimentos em
busca de garantir um empreendimento colaborativo (JOHN-STEINER, 2000). Fazia,
144
pois, uma tentativa de agir com responsividade, possibilitando que diferentes visões e
necessidades fossem explicitadas (NININ, 2006a). Valéria, ao respondê-la, me dá
elementos que resumem como ela via minhas intervenções: sugestões e formas de
encaminhamento. Observa-se a declaração no turno “eu acho isso importante, porque
é um outro olhar” completadas com a declaração final “esse olhar diferenciado”,
apontam para o papel do pesquisadora como o outro (BAKHTIN, 1929-30/2006;
VYGOTSKY, 1925/2004).
Nesse momento, parece que negociamos novos papéis na atividade e que há um
compartilhamento do objeto da atividade, na medida em que diferentes necessidades
foram contempladas. A partir daí há uma mudança no padrão de colaboração que se
estabelece. Reconheço também, nessa oportunidade, a necessidade de uma mediação
explícita, já discutida na seção anterior. É o que mostra o excerto abaixo, extraído da
reunião de 9 de janeiro de 2008, em que apresento a “Tabela de Ações” como resposta à
solicitação da diretora para colaborar com ela. Como já explicitado, essa tabela tinha
como objetivo orientar nossas reflexões futuras. O exemplo mostra um momento no
meio de nossa reunião em que discutimos a tabela que já tínhamos em mãos e que,
como se pode verificar, foi bastante bem aceita por Valéria.
Recorte 42 (9 de janeiro de 2008)
ELV16: minha sugestão é que você comece por esta... eu vou mandar esta tabela por e-mail, porque aí você vai escrevendo e vai abrindo
VAL16: Então amanhã talvez eu consiga fazer isto..eu gostei desta planilha
ELV17: Eu fiz esta planilha também com o foco nas quatro áreas pra você avaliar o ano.. a gente pensar, podemos mudar... por exemplo...
VAL17: ta. Nas quatro áreas
ELV18: isto: eu fui pegando o que você falou... que você pediu....Foco na participação dos pais
Val 18 Hum hum
Pais professores e alunos (juntas)
ELV19: “Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que a equipe possa participar efetivamente”Qual é o tipo de participação esperada”.
VAL 23 Eu acho que eu posso pensar assim.. se eu colocar no papel uma ação... uma ação para cada segmento...para mim já é lucro... uma ação e eu mais ou menos vendo.. eu já tenho uma idéia.. eu vou sentar. vou pegar estas planilhas direitinho... vou mudar.
Após minha sugestão explicitada (ELV16), que aponta para uma ação concreta
(“eu vou mandar esta tabela por e-mail, porque aí você vai escrevendo e vai
145
abrindo”), a diretora emite sua avaliação positiva, VAL16:” eu gostei da tabela”,
sinalizando que posso continuar a explicação do artefato. No turno ELV:17 “Eu fiz esta
planilha também com o foco nas quatro áreas pra você avaliar o ano.. a gente pensar,
podemos mudar... por exemplo”, observa-se que o jogo entre “eu fiz” e “para você avaliar
o ano, podemos mudar” sugere uma nova divisão de papéis na atividade. Na
continuidade da discussão (turno ELV18: isto: eu fui pegando o que você falou.. que
você pediu....Foco na participação dos pais), eu procuro explicitar os critérios em que
me pautei para construir a tabela.
Tudo isso parece colaborar para a interpretação de que, naquele momento,
estávamos realmente nos engajando numa atuação conjunta, crucial para alcançar novas
compreensões num empreendimento colaborativo (JOHN-STEINER, 2000). O
engajamento da diretora na proposta está marcado pela sobreposição de fala “pais,
professores e alunos” (KERBRAT–ORECCHIONI, 2006) que, no caso, indica
também, como aponta Pontecorvo (2006), a complementação da asserção, que sugere
um raciocínio compartilhado, em que a atividade “é alcançada pela negociação, pela
orquestração, pela luta constante entre as diferentes metas e perspectivas de seus
participantes” (ENGESTRÖM, 1999).
O exemplo acima sugere um momento de colaboração intencional na nossa
relação (VYGOTSKY, 1926/2001) e é significativo da mudança de padrão interacional.
Sugere que a partir daí é possível outro tipo de aprendizagem, não mais baseada num
modelo tradicional, mas embasado numa perspectiva histórico-dialética, considerando
tanto a história daquela atividade como as nossas diferentes perspectivas, o que
possibilita outra qualidade de aprendizagem e desenvolvimento para ambas. O
conhecimento da realidade e das necessidades do contexto específico também se refletiu
na mudança do padrão de minhas intervenções e minhas perguntas.
O excerto abaixo é extraído do final da reunião de 22 de fevereiro de 2008,
quando, como já apontei, trabalhávamos com o “Jogo de Papéis”. Focalizarei agora
apenas o encadeamento das minhas perguntas e como este encadeamento sugere a
possibilidade da reflexão se aprofundar e novamente indica uma mudança de papéis na
atividade:
146
Recorte 44 (22 de fevereiro de 2008) ELV175: Então, vamos pra frente, nesse caso. Na verdade Valéria a gente meio que
retomou todas as áreas em que você trabalha. Você concorda? E comparamos com o que você tinha que fazer. Que conclusão você tira disso?
VAL197: Eu faço quase tudo. Tudo que é da minha competência eu faço e tem que melhorar algumas coisas. Tem algumas coisas que são mais importantes. E eu acabo dando... Não que eu dou prioridade, mas eu acabo direcionando mais tempo com aquilo que é mais cotidiano e diminuindo o tempo com aquilo que eu acho mais importante.”
ELV176: Tá. Dos três exercícios que a gente fez, só pra sintetizar, quais são as áreas onde, agora, você quer investir, pegando os três(exercícios ) Nós fizemos três exercícios, certo? Quais as áreas agora onde você vai (#...)
VAL198: Elvira, se eu conseguir me planejar melhor talvez eu consiga diminuir o tempo que eu gasto com essas coisas aqui((administrativo cotidiano)). Não é.. isso aqui faz parte das minhas atribuições, e é também porque isso aqui a gente tem um pressão em cima, direto pra estar fazendo, não é? Talvez por isso que eu fique muito tempo nisso. Então, eu preciso me organizar mais, melhor
ELV177: Essa organização envolve o que que prioridades que já tinham sido discutidas? Quais? Tem aqui(pilha de excertos) e os que você mesma fez(lista de ações da semana)).
VAL199: É isso mesmo. Eu preciso me planejar, dividir melhor o trabalho pra eu conseguir dar conta de acompanhar melhor essa parte pedagógica. Eu acho que é uma coisa que falta. A parte pedagógica. Melhorar a comunicação da escola e, eu acho que inclusive através dessa comunicação eu vou conseguir chegar mais próximo da minha comunidade, que eu não estou conseguindo chegar.
No excerto acima (turno 175), inicio fazendo um comentário de retomada das
tarefas realizadas durante o encontro e finalizo com uma pergunta que pede uma síntese
“Que conclusão você tira disso?” Observa-se neste turno, novamente, o jogo que se
estabelece entre o “a gente retomou” e “que conclusão você tira disso?”. Isto sugere
também uma modificação na minha postura, pois não pretendo mais induzir, ou mesmo,
sugerir alguma ação específica.
No turno 197, Valéria inicia uma avaliação da forma como tem conduzido suas
atribuições, mas repetindo uma avaliação já expressa. Em seguida (ELV176), reformulo
a pergunta, pedindo mais evidências sobre em que áreas ela vai investir, o que sugere
que procuro colaborar para o avanço da reflexão e a focalização de uma ação concreta.
Novamente há um desenvolvimento na reflexão: a diretora inclui novos elementos e
pondera sobre a necessidade de planejamento, avaliando a sua realidade concreta “isso
aqui faz parte das minhas atribuições, e é também porque isso aqui a gente tem um
pressão em cima, direto pra estar fazendo, não é?” E conclui: “eu preciso me
organizar, mais e melhor”.
147
Os exemplos acima discutidos foram selecionados para exemplificar momentos
em que há uma mudança no padrão interacional. Apoiada no quadro teórico da TASCH,
entendo que estes momentos não foram estanques. Ao longo da pesquisa, o
compartilhamento de significados me possibilitou conhecer mais a realidade e formular
questões que favorecessem a reflexão, gerando a possibilidade de aprendizagem e
desenvolvimento. Neste sentido, minhas intervenções foram se tornando mais
“exigentes” (PONTECORVO, 2006), o que favoreceu o aprofundamento das
compreensões, dos pensamentos e das avaliações sobre o que estava em discussão; a
emergência de diferentes pontos de vista, além de oportunizar a aprendizagem para
ambas (BROOKFIELD & PRESKILL, 2005). Por outro lado, foram também mais
colaborativas, sugerindo que durante a pesquisa eu fui aprendendo a perguntar, como
mostra o excerto abaixo.
Recorte 45 (16 de junho de 2008) VAL25: É. Então, eu coloquei aí nas suas perguntas, nas suas respostas. Uma das minhas
preocupações de agora é colocar em prática tudo aquilo que eu tinha planejado.
ELV26: E o que você já colocou então em prática?
VAL26: Olha, eu acho que a elaboração do PPP. Eu tenho tentado estar mais próxima aos professores no trabalho diário(...)Não é presente, porque presente eu estou diariamente. (..) O planejamento foi uma coisa legal, eu acho que me deu mais propriedade para estar conversando com eles sobre as ações do dia-a-dia. A gente tem tentado organizar melhor a secretaria, apesar de não ter nenhum funcionário. E eu espero assim, que o conselho e a APM, a gente consiga ainda fazer, esse ano, com que eles se sintam parte da escola, co-responsáveis pelo andamento da escola. E eu vou pensar no que fazer.
ELV27: E por que fazer?
VAL27: O porquê pra mim é bem claro, a gente tem como princípio uma gestão bem democrática.
ELV28: Mas o que é uma gestão democrática?
VAL28: Democracia pra mim tá bem ali a questão da participação mesmo. Não a participação (...), a participação apropriada, aquilo que eu sinto como meu e que eu estou lá dentro. Se eu não estou lá diariamente, aquilo que eu imagino está sendo feito porque eu interferi lá. Isso pra mim é o ideal. Inclusive essa participação em termos de cobrança. Por exemplo, não tem professor hoje, cadê o funcionário da secretaria? A comunidade podia ajudar bastante a gente nesse sentido. Porque essas coisas influenciam o trabalho final lá com as crianças. Mas a gente ainda não chegou nesse ponto.
Assim, no turno ElV25, minha pergunta, que pede mais evidências (“o que você
já colocou em prática?) possibilita o aprofundamento da reflexão da diretora no turno
seguinte. A seguir, faço uma pergunta que pede por explicação ou justificativa
(ELV27). Novamente há um desenvolvimento na interação e Valéria responde trazendo
148
um outro conceito – “gestão democrática” – que merece ser investigado. Em seguida,
peço mais esclarecimentos sobre o que é “gestão democrática”, o que novamente gera
uma expansão.
Embora eu reconheça que muitas questões ainda merecem um aprofundamento,
a análise dos dados sugere que a colaboração de longo tempo (JOHN-STEINER, 2000)
permitiu que eu conhecesse mais a realidade, o que possibilitou que minhas
intervenções fossem se modificando, como mostro a seguir, no excerto que se refere à
reunião de 16 de junho de 2008, em que estávamos fazendo uma avaliação da pesquisa.
Recorte 46 (16 de junho de 2008) ELV1: Bom Valéria, você escreveu aqui que em 2007 você estava conhecendo essa
unidade(..). Começou a planejar as ações, participou do planejamento das unidades, colaborou na elaboração do PP, colaborou no encaminhamento do (...) e na ação do conselho da APM. Eu queria que você falasse um pouco de cada uma dessas ações.
VAL2: Então, o ano passado quando eu cheguei aqui era complicado eu me planejar porque eu ainda não conhecia a escola direito, né. (..)Então, eu tinha que primeiro conhecer a realidade, foi mais ou menos isso que a gente foi fazendo o ano passado(..) Agora, esse ano mudou, por quê? Porque eu consegui saber qual era a realidade onde eu estava e planejar.Então, eu acho que, por exemplo, nesse sentido a pesquisa me ajudou bastante.
O excerto se inicia com o meu pedido para que ela fale sobre as ações que
desenvolveu em 2007. Motivada pela minha pergunta, a resposta de Valéria (turno
VAL2) sugere que, durante a atividade, as interações que desenvolvemos
proporcionaram possibilidades de aprendizagens mútuas, as quais possibilitaram a
construção de um objeto compartilhado. Materializada nos artefatos produzidos, a
mediação possibilitou a articulação entre intenções e ações tanto da pesquisadora,
quanto da diretora, o que provocou um avanço na atividade Formação de Diretor. Esta
interpretação pode ser corroborada, primeiramente, pela declaração “Então, eu tinha
que primeiro conhecer a realidade, foi mais ou menos isso que a gente foi fazendo o
ano passado” em que o dêitico “a gente” sugere que este foi um empreendimento
conjunto (JOHN-STEINER, 2000) e também pela constatação “Agora, esse ano
mudou, por quê? Porque eu consegui saber qual era a realidade onde eu estava e
planejar”(...). nesse sentido a pesquisa me ajudou bastante”.
Esse padrão colaborativo pode ser também observado no excerto a seguir:
149
Recorte 47 (16 de junho de 2008) ELV3: Por quê? Como te ajudou?
VAL3: Então, é assim, a gente sabe o que tem que fazer, sempre. Não é que a gente não sabe, a gente sabe o que tem que fazer. Mas, às vezes, a gente vai se atropelando pelo cotidiano do dia-a-dia, pelo que a gente tem que fazer de mais urgente. O que tem que fazer, tem que ser feito, o que tem que ser entregue e a gente acaba deixando outras coisas de lado.
ELV4: E nesse sentido, nessa diferença que você está apontando, como que a pesquisa ti ajudou?
VAL4: Então, por exemplo, no começo desse ano você chegou e me deu lá umas questões, e a gente... Foi um momento que mesmo dentro da correria, foi um momento de eu pensar no que eu já tinha feito e o que eu achava que era necessário eu fazer ainda. Você me ajudou com algumas perguntas e até mesmo aquela tabelinha que você me deu pra fazer. Me ajudou bastante.
ELV5: Ajudou no quê? (05’06)
VAL5: Pra eu organizar minha reflexão sobre o planejamento.(..). E aquelas reflexões que a gente fez também. Eu lembro dos papeizinhos, as ações, tal, pra gente pensar no que foi feito no ano anterior e o que estava faltando. E nós observamos que o ano de 2007 foi um ano basicamente voltado para essa questão mais administrativa. E eu estava falhando muito no acompanhamento pedagógico. Então, esse ano eu tenho esse foco maior no pedagógico(...)..
No turno ELV3, faço uma pergunta que solicita uma explicação “Por quê?,
Como?”, a que a diretora responde com uma avaliação positiva, mas que não responde
totalmente a questão. Buscando fazer avançar a reflexão, no turno ELV4 reformulo a
pergunta e peço mais esclarecimentos sobre como a pesquisa colaborou. Observe-se, na
resposta de Valéria (turno VAL4), o jogo entre “a gente”, “você” e “eu”, que revela
uma divisão de papéis mais igualitária, como podemos observar pela colocação
pronominal na declaração a seguir “Foi um momento que mesmo dentro da correria, foi
um momento de eu pensar no que eu já tinha feito e o que eu achava que era
necessário eu fazer ainda”. Valéria revela, em seu discurso, o processo de
internalização/externalização, tal como discutido por Vygotsky, na medida em que se
pode observar, no mesmo turno, a referência às “perguntas” e à “tabela”. Sua
avaliação aponta para a linguagem como instrumento de mediação na discussão, bem
como artefato organizador na resolução dos conflitos. Sugere, pois, que a ação mediada
por instrumentos possibilitou a reflexão dos participantes sobre suas ações, criando ZPD
como instrumento-e-resultado no compartilhamento dos significados, o que moveu o
objeto da atividade no sistema e transformou-o em produto, em resultado
(MAGALHÃES, 2009p).
150
Pode-se, inclusive, compreender que todo esse movimento foi resultado da
mediação mútua, que possibilitou que, dialeticamente, relacionássemos nossos sentidos
pessoais (individuais) que trouxéssemos para a interação com o nível coletivo – os
significados compartilhados nas interações. É nesta direção que aponto que as
participantes produzem conhecimento por meio do compartilhamento de sentidos e
significados em mediações sociais, que são “pré-requisito” (instrumento) e “produto”
(desenvolvimento) (MAGALHÃES, 2009p). Defendo, novamente, o uso de artefatos. A
“Tabela de Ações” e o “Jogo de Papéis” foram produtos do compartilhamento, mas
possibilitaram, cada um a seu modo, transformações refletidas, ou seja, reorganização
das estruturas mentais a partir das (novas) informações compartilhadas e das relações
que se estabelecem com os conhecimentos já existentes no indivíduo.
Como discutido por Vygotsky (1930/2004), por meio dos processos de
internalização e externalização o indivíduo transforma e impulsiona novas formas de
ação que produzem outras ações e, assim, sucessivamente. Uma vez interiorizadas,
essas funções superiores se transformam em “ferramentas mentais” que regulam a
atividade do sujeito e possibilitam ao indivíduo atuar sobre o ambiente de forma
controlada, organizada e voluntária (VYGOTSKY, 1930/2004, LEONTIEV, D., 2005).
O movimento discursivo da interação caracterizou como um padrão de colaboração
complementar, que envolve compreensão mútua forjada ao longo de um período de
tempo em que nossos enunciados se misturaram JOHN-STEINER (2000). Caracteriza-
se a pela divisão de trabalho baseada no saber complementar, papéis e temperamento
dos participantes, de modo que eles negociam metas e trabalham para um uma visão
comum. Como aponta John-Steiner (2000: 199) participamos de um “o processo de
tomar alguma coisa que pertence a outro e fazê-lo seu”. Essa apropriação mútua
resultou do nosso engajamento sustentado durante o qual escutamos, discordamos e até
lutamos para alcançar os sentidos uma da outra.
Esta seção procurou descrever e discutir o processo de colaboração desenvolvido
por mim e pela diretora durante a pesquisa. Os dados apresentados sugerem que desde o
início as relações apresentavam possibilidade equilibrada de participação. Notou-se, no
entanto, que houve um desenvolvimento na maneira como interagimos durante a
pesquisa. Embora desde o início tenha havido oportunidade para as colocações e
expansões que geraram aprendizagens mútuas, a qualidade dessas expansões também
aumentou, na medida em que se ampliou o conhecimento do contexto, contribuindo
151
para focalizar as necessidades. Neste sentido, cada reunião se constituiu num elo, numa
cadeia de enunciados, que, interagindo com a consciência individual, a partir do social
(BAKHTIN, 1929-30/2006), foi paulatinamente transformando tanto as relações entre
nós como do objeto em foco.
No início da pesquisa, ainda me apoderando dos pressupostos do PCCol, embora
tenha feito perguntas que puderam esclarecer o que estava em discussão, bem como
contribuir para o desenvolvimento da conversação, faço mais comentários e dou
sugestões, apoiada na minha própria experiência profissional. Nesta direção, o poder
sobre a pesquisa estava nas minhas mãos. Observou-se também que, ao responder
minhas perguntas, Valéria permitiu que eu conhecesse mais sobre as suas necessidades,
o que, ao longo da pesquisa, possibilitou perguntas mais específicas. É importante
destacar que as perguntas fechadas ou indutivas, mais frequentes no início da pesquisa,
produziam menos possibilidade para o desenvolvimento de um raciocínio comum.
Outra mudança observada, também, foi a forma de conduzir a pesquisa, quando
passei a considerar as necessidades reais do contexto investigado. Nessa direção
construí artefatos que materializaram significados já compartilhados na interação. Dessa
maneira, no final da pesquisa éramos, ambas, pesquisadoras de nossa ação, na medida
em que fomos construindo juntas tanto os instrumentos como a própria metodologia
desta pesquisa, como já apontado no capítulo metodológico.
153
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como já explicitei, dois objetivos me motivaram a buscar este caminho:
conhecer o papel do diretor escolar, elemento articulador fundamental para realizar o
potencial de uma escola verdadeiramente aprendente; e me constituir como uma
pesquisadora. Por reconhecer o valor e o alcance da escola pública no desenvolvimento
de uma sociedade mais igualitária e inclusiva, escolhi realizar a pesquisa nesse contexto,
ainda que desconhecido para mim.
Iniciei este percurso entusiasmada com os pressupostos da Pesquisa Crítica de
Colaboração, mas ainda sob uma perspectiva “idealista”, sem compreender que é na
“práxis” que se constrói e se transforma a realidade. Na minha perspectiva inicial, levar
a experiência acumulada na minha prática profissional para um novo contexto poderia
trazer ganhos para a escola onde a pesquisa se desenvolveria.
Ao me deparar com a complexidade do papel do diretor, especialmente no caso
de uma comunidade periférica e com uma diretora que recém assumia suas funções,
conscientizei-me da responsabilidade do empreendimento a que me propus. Percebi que
necessitava de maior embasamento teórico para conduzir com rigor e seriedade a
pesquisa. Essa constatação gerou um misto de angústia, tensão e conflito. Tais
sentimentos foram ingredientes fundamentais para o aprendizado no planejamento e
implementação do projeto. Durante todo o tempo questionava minhas ações e procurava
reorganizá-las.
Logo que cheguei à EMEI, percebi que não era o momento de trabalhar com a
equipe, pois a diretora acabara de assumir seu cargo efetivo e nosso conhecimento
anterior poderia gerar um desequilíbrio numa equipe que ainda não se conhecia. Além, é
claro, das várias necessidades que a reorganização da escola demandava. Hoje, pelos
mesmos motivos, também me questiono sobre a adequação do momento em que iniciei
a pesquisa, tanto em relação à minha constituição e preparação enquanto pesquisadora
crítica colaborativa, como em relação ao momento da diretora, que havia recém
assumido a escola. Percebo, cada vez mais claramente, a enorme responsabilidade de
desenvolver uma pesquisa que se pauta na intervenção: o quanto é necessário cuidar da
relação com os participantes, bem como aprofundar o entendimento do contexto
específico, para evitar interpretações equivocadas ou superficiais. Além disso, a
154
transparência nos erros e acertos da pesquisa é fundamental. Neste sentido, procurei
dividir com a diretora algumas das minhas dúvidas durante o percurso e, durante o
trajeto, fui abandonando concepções pré-estabelecidas a respeito de pesquisa,
aprendizagem e desenvolvimento.
A atividade de Formação de Diretor, foco da minha investigação, me
possibilitou começar aprender com o outro e em um outro meio com características e
necessidades próprias. Colaborou para que eu própria tomasse consciência das minhas
ações, revisse minhas próprias crenças e valores e o modo de estar no mundo. Assim,
saio desta experiência talvez com uma outra identidade, ainda em construção. E é com
este olhar que analiso agora a própria condução da investigação. A relação colaborativa
que se estabeleceu deste o início, possibilitou a aprendizagem e desenvolvimento.
Porém, agora questiono a concepção de aprendizagem e desenvolvimento que tinha
naquele começo da pesquisa. Constato que, então, as minhas perguntas e intervenções
tinham como objetivo saber mais sobre a realidade, mas também veicular minhas
próprias concepções e interpretações. E vejo também como, em muitos momentos,
procurei impô-las, o que é absolutamente contrário ao que acredito hoje. Esta
constatação tem repercussões na minha prática como formadora.
Minha participante focal, Valéria, era (e é) uma pessoa que constantemente
reflete e procura superar as limitações que o contexto impõe. Aprendi muito com ela,
que abriu a escola para mim, mostrou desconfortos e incertezas, mostrou uma outra e
dura realidade, sem funcionários, com dificuldades de toda ordem, mas com o
compromisso de ir sempre além. Entendo que ela representa muitas diretoras que lutam
diariamente para a melhora contínua da educação neste país.
Acredito que a relação que se estabeleceu entre nós foi uma relação construída,
forjada no respeito mútuo, na negociação dos acertos e desacertos da pesquisa. Esta
relação nos permitiu aprender juntas sobre as tarefas do diretor escolar, em como
articular teoria e prática, bem como a compartilhar as necessidades daquele contexto e a
buscar, conjuntamente, as maneiras de atuar perante as demandas que se apresentavam.
Isto é, fomos ressignificando tanto o papel do diretor como nossos próprios papéis na
Atividade. Construímos, juntas, artefatos que foram significativos para o
desenvolvimento da Atividade Formação de Diretor em serviço, artefatos estes que
foram produto da mediação mútua, resultados de uma produção conjunta. A introdução
desses artefatos, por um lado, sugere como já apontei, que eu havia reorganizado alguns
155
dos sentidos que atribuía ao meu papel. Mas me surpreendi – e muito – com a
repercussão que eles tiveram no desenvolvimento da pesquisa. Quando os estava
elaborando, tinha plena consciência de que eles poderiam me auxiliar na investigação
que desenvolvia, mas somente no processo de utilização é que confirmei a função da
linguagem para a organização do pensamento (Vygotsky) – meu e da diretora.
Interessante foi verificar o quanto eles colaboraram para que Valéria organizasse
a sua própria reflexão em relação às ações que pretendia desenvolver na escola. Sua
reflexão sistematizada ofereceu a possibilidade de uma reorganização das prioridades e
das ações que pretendia encaminhar. Estas transformações se traduzem em seu discurso
no planejamento de suas ações na escola, modificando, em parte, o sentido que atribuía
ao papel do outro (pai, professor, funcionário, etc.), o que sugere que, durante o
percurso, a diretora ressignificou, também, o sentido que atribuía a seu próprio papel na
condução da escola. Quanto a mim, pude verificar a importância dos vários tipos de
mediação e também pude reorganizar os meus próprios sentidos sobre direção escolar e
aprofundar as necessidades e características particulares sobre o processo de formação
de educadores em serviço.
Acredito também que esta pesquisa contribuiu para a compreensão da
complexidade do papel do diretor escolar e da necessidade de aprofundar o
conhecimento do contexto específico de ação sempre que se pretende desenvolver um
trabalho de formação. Aliás, este é um dos pressupostos que orienta este trabalho uma
vez que a PCCol está comprometida com indivíduos específicos em contextos
específicos de atuação.
Assim, acredito que esta pesquisa trouxe contribuições também por se tratar de
uma colaboração de longo prazo. Quanto a mim, esta experiência proporcionou a
oportunidade de aprender a como conduzir uma pesquisa colaborativa e a como
organizar perguntas e intervenções de maneira que esta “organização linguística”
favoreça a reflexão dos envolvidos e abandone um discurso cristalizado assumindo o
compromisso real de transformação na ação. Nesta direção, embora esta pesquisa tenha
me proporcionado desenvolvimento e aprendizagem em trabalhar com o outro,
reconheço que há ainda muito que aprender. Há muito que aprimorar em relação ao meu
aprendizado como pesquisadora. Este é um caminho que apenas se inicia para mim.
Saio desta experiência enriquecida, despida de certezas que trazia, mas
156
acreditando cada vez mais na importância da linguagem para a constituição e mudança
das práticas humanas. Percebo, ao encerrar esta pesquisa que muito ainda precisa ser
estudado e investigado tanto em relação ao papel do diretor como articulador da equipe,
quanto em relação os cursos de formação para esses profissionais. Também tenho
convicção de que estas páginas revelam apenas momentos e alguns aspectos das tarefas
do diretor. Fiz questão de acentuar as várias áreas de atuação desse profissional e
mostrar como cada uma delas exige aprendizagens específicas, seja na relação
interpessoal para atingir a liderança com sua equipe, seja nos aspectos específicos
administrativos burocráticos que se descuidados geram prejuízos a escola, seja em
relação ao conhecimento pedagógico, necessário para uma coordenação adequada da
escola. Isso aponta também para a importância da constituição de uma equipe diretiva
coesa, que se forja no compartilhamento de responsabilidades e reflexões.
Formar uma equipe é um empreendimento não se esgota em um ano. Exige
tempo, intencionalidade e esforço de todos. Por isso reafirmo minha convicção da
importância de trabalhar com a direção e com equipes diretivas escolares em projetos de
longo prazo.
No futuro, gostaria de desenvolver outros trabalhos que agreguem pesquisa e
formação. Acredito que seja importante trabalhar com grupo de diretores e suas equipes,
como já vem acontecendo em algumas iniciativas oferecidas pelo LAEL na COGEAE
da PUC/SP (Cursos para Diretores e Coordenadores) e nos programas de pesquisa
desenvolvidos pelo LAEL, particularmente pelo grupo de pesquisa LACE (Linguagem e
Atividade em Contextos Escolares) e nos projetos vinculados ao PAC: Programa Ação
Cidadã, e que têm mostrado resultados positivos na formação em conjunto. Considero
fundamental esta parceria Universidade – Escola e acredito que ela proporcione
benefícios tanto para os participantes diretos como para os pesquisadores que têm suas
práticas frequentemente analisadas, o que colabora para um aperfeiçoamento contínuo.
Gostaria, assim, de aprofundar a compreensão de como estas parecerias têm repercutido
na prática concreta dos diretores e como se refletem no contexto imediato.
Outro aspecto que eu gostaria de aprofundar tem relação com uma descoberta
revelada durante a análise dos dados mas não foi enfocado nesta pesquisa. Ao estudar
linguisticamente o discurso da diretora em busca de mudanças, percebi que as operações
expressas na linguagem se complexificavam, à medida que nossa interação avançava,
revelando que novas ações seriam necessárias para atingir os objetivos idealmente
157
propostos. Por este motivo, fui procurar entender tanto os verbos como os
complementos que os acompanhavam, que sugerem uma relação entre a reflexão e a
focalização dos objetivos das ações declarados no discurso, ou seja, sugerem que, à
medida que a reflexão se aprofunda, o alvo do verbo torna-se mais específico.
Interessei-me por esta descoberta, que considerei importante especialmente em
contextos de formação. Da mesma maneira percebi uma relação entre os tipos de
perguntas e a possibilidade de expansão e desenvolvimento de um discurso comum.
Nesta direção, em discussões futuras, também gostaria de aprofundar a relação entre
perguntas que veiculam um determinado argumento e a co-construção conjunta.
Outra descoberta importante neste trabalho foi a importância dos instrumentos e
artefatos de mediação. Apesar de ter discutido a matéria neste estudo, também gostaria
de investigar mais profundamente o papel dos artefatos mediacionais, especialmente
aqueles que são co-construídos, de modo a entender e, talvez, sistematizar como eles
contribuem para a mudança do padrão mediacional e para a produção de novos
significados. Todas essas questões trazem contribuições às pesquisas com formação de
educadores desenvolvidas no Grupo de Pesquisa LACE.
Enfim, abrem-se muitos campos. Este é apenas um começo.
159
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ANEXO 1 - ROTEIRO DA ENTREVISTA INICIAL (enviado por e-mail em 06/02/07)
Valéria, Cleonice e Áurea (nomes fictícios).
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a recepção de vocês.
Nossos primeiros encontros têm o objetivo principal de nós nos conhecermos melhor.
Conforme combinamos estou enviando o questionário abaixo para nos ajudar nesta primeira conversa. Eu também o responderei. Fiquem a vontade para acrescentar outras perguntas.
1. Há quanto tempo você assumiu a função que exerce agora?
2. Há quanto tempo você está nesta escola?
3. Qual a sua experiência anterior com este tipo de trabalho?
4. Relembre brevemente sua experiência profissional anterior. Quais foram os aspectos marcantes? Quais as pessoas que a ajudaram e por quê?
5. Como você descreveria sua função?
6. Descreva brevemente a comunidade escolar na qual você trabalha: há quanto tempo existe, como foi criada e por que, quem são os alunos, quem são os professores, etc
7. Na sua opinião, quais são as principais necessidades destes alunos?
8. Que outras necessidades você identifica?
9. Quais são os objetivos desta escola?
10. Onde eles estão expressos?
11. Todos têm conhecimento destes objetivos?
12. Quais objetivos desta escola estão em consonância com as necessidades da comunidade?
13. Qual importância você atribui ao seu trabalho para alcançar tais objetivos?
14. Como você imagina que os professores descreveriam sua função?
15. O que você imagina que os professores esperam de você?
16. O que você imagina que os pais esperam de você?
17. O que você imagina que os funcionários esperam de você?
18. Quais são as suas expectativas em relação ao trabalho dos professores?
19. Quais os principais desafios que você encontra no seu trabalho cotidiano? Quais as principais dificuldades?
20. Quais são as suas expectativas em relação ao trabalho da equipe que está se formando agora?
21. Quais são as suas expectativas em relação a esta pesquisa?
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ANEXO 2 -TABELA DE AÇÕES FOCO Foco na criação de oportunidades de participação:da equipe diretiva, dos pais :professores e alunos e funcionários Ação 1 Ação 2 Ação 3
Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que a equipe possa participar efetivamente? Qual é o tipo de participação esperada? Que tipo de atividades são enfatizadas? Todos tem iguais possibilidades de participação? De que maneira a direção deixa claro para a equipe diretiva que tipo de participação se espera? Que tipos de instrumentos são usados: recursos , materiais, etc?
Equ
ipe
dire
tiva
Que tipo de material é utilizado para a reflexão? Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que os professores possam participar efetivamente Qual é o tipo de participação esperada? Que tipo de atividades são enfatizadas? Todos tem iguais possibilidades de participação? De que maneira a direção( equipe diretiva )deixa claro para os professores que tipo de participação se espera deles? Que tipos de instrumentos são usados: recursos , materiais, etc?
Prof
esso
res
Que tipo de material é utilizado para a reflexão? Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que os pais possam participar efetivamente Qual é o tipo de participação esperada? Que tipo de atividades são enfatizadas? Todos as pais tem iguais possibilidades de participação?
Pais
De que maneira a direção deixa claro para os pais que tipo de participação se espera deles? Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que os alunos possam participar efetivamente Qual é o tipo de participação esperada? Que tipo de atividades são enfatizadas? Todos as pais tem iguais possibilidades de participação? De que maneira a direção deixa claro para os pais que tipo de participação se espera deles?
Alu
nos
Que tipos de instrumentos são usados: recursos , materiais, etc? Que tipos de situações são organizadas sistematicamente na escola para que os professores possam participar efetivamente Qual é o tipo de participação esperada? Que tipo de atividades sistematicamente organizadas são enfatizadas? Todos os professores tem iguais possibilidades de participação? De que maneira a direção deixa claro para os professores que tipo de participação se espera deles? Que tipos de instrumentos são usados: recursos , materiais, etc? Que tipo de situações são organizadas sistematicamente na escola para que os pais possam participar efetivamente
Age
ntes
esc
olar
es
Qual é o tipo de participação esperada? Tabela original apresentada no dia 9 de janeiro de 2008. . Na apresentação original, cada um dos focos estava em uma folha e os espaços para preenchimento eram significativamente maiores. Disponibilizada pra a diretora também por e-mail. Outro quadro de perguntas acompanhava essa tabela. A tabela foi organizada com base no exemplo oferecido por Magalhães (1990-2006), no texto: First Steps: Ethnographic Studies extraído da tese de doutorado da autora, especialmente na tabela “Particpant Observation Guidlines”(2006:31).
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ANEXO 3 - JOGO DOS PAPÉIS Este artefato foi usado na reunião de 22 de fevereiro de 2008 e a tarefa foi realizada em três etapas descritas a seguir. 1ª ETAPA A partir dos excertos das entrevistas realizadas durante 2007, selecionadas por mim e que estavam, recortadas em tiras de papel e embaralhadas, diretora precisaria lê-las e separá-las segundo um critério que ela própria estabelecesse. Depois a diretora deveria encontrar uma categoria para essas “papeletas.e nomeá-las”. O destaque no fim da papeleta foi a categoria que a diretora deu para as mesmas. Mostro abaixo exemplos de papeletas organizadas por mim. Na página 5 deste anexo estão as papeletas escritas pela diretora a Como já apontado na metodologia, para selecioná-las privilegiei ações da diretora em vários temas e tarefas realizadas por ela. VAL9: Então deixa só eu terminar de te contar do caso da Angélica. Aí na sexta feira eu falei pra ela, olha você faz isso pra mim. Aí não, não dá, é muita coisa pra eu fazer. Eu tô aqui organizando essas fichas. E mexe com essas fichas e mexe ... fichas, e mexe com essas fichas. Eu falei pra ela:” Olha, não dá pra você só atender balcão”, porque antes ela atendia todo dia, e eu tirei, 2ª, 4ª e 6ª. E os pais até que estão colaborando. Não pode. Não pode, né? Oficialmente tem que ficar atendendo o tempo todo, mas acontece que eu achei que ela estava muito enrolada, que ela precisava de um tempo pra estar organizando coisas aqui. Por que eu achei aí dentro do armário, documentos para serem arquivados que pra mim é uma coisa... né? É um pecado. Desde o ano passado. Entendeu? Tem 2 pastas de documentos para serem arquivados e é uma coisa que a menina da secretaria tinha que dar .conta .(Organização administrativa) 1/06 Diretora - (com relação a secretária)hoje eu até deixei um bilhetinho lá: porque as fichas não estão atualizadas? (Organização administrativa) 27 de abril VAL23: é, eu tenho, eu tenho que estar, assim, eu acho que eu tenho que estar favorecendo os encontros, eu tenho que muitas vezes estar mesmo que intimando algumas coisas, e agora ... Durante esse período acho que não foi possível, mas eu tenho que estar articulando essa ...(relação da equipe técnica) VAL22: Mas eu também não quero fazer isso sozinha, entendeu? Eu não quero fazer isso sozinha, então assim, claro que eu fico pensando, nas coisas que eu tenho ... mas eu não quero fazer isso sozinha, eu quero fazer junto com elas. Não ...quero falar..é chegar pra você e dizer, não, mas eu já defini quais os objetivos, eu tenho alguns objetivos que são pessoais, né? Até profissionais pessoais, entendeu? Mas não é isso que eu quero para unidade. Para unidade eu preciso construir junto com elas. (relação da equipe técnica) 1/07 Val1 - Na sexta feira eu adverti o seu Fernando por conta daquela ocorrência lá do pai lá, do pai, eu fiz aquela advertência pra ele e na hora em que eu estava conversando com ele, ele citou a questão da Elaine. (Organização administrativa). 1/07 Val4 – Assim como também é mais fácil você fazer de conta que não vê e ficar e quieto, assim é mais fácil com os agentes, é mais fácil com o professor, como a questão da abonada, né, professor também faz isso, que é a questão da falta deles, que eles tão resistindo porque não quer, não quer, no dia da paralisação eles querem ter abono, e assim, seria irresponsabilidade funcional minha, só pra começar e eu quero esclarecer isso com vocês, eu dispensar 600 alunos da escola um dia, pra todo mundo abonar, seria irresponsabilidade funcional, sem dizer nas outras irresponsabilidades que seriam, por isso que eu não concordo com o abono, e por isso que eu não vou abonar, entendeu? Então, assim, como que eu vou falar depois, olha, a gente tem dispensado criança, eu tenho sentido muito isso, isso ta me incomodando também
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que é a gente dispensar por causa de professor que sai, por causa disso, por causa que vai no médico, por causa de Apropen, tudo isso me incomoda, a gente está dispensando muito as crianças. A Márcia que é uma professora frequente, já recebi ligações de que, Ah, mas ela falta muito essa professora, ela falta muito porque ela ta doente, não tem... aí eu explico, explico, explico, mas assim, isso por que essa comunidade, eu vou falar pra vocês, é boa, porque se fosse lá na José da SILVA, todos esses casos já tinham batido lá na supervisão(..). Por que que que você está dispensando essas crianças, agora, eu dispensar 600 alunos pros professores irem pra uma paralisação? (Formação) 1/07 Val – Então eu quero estar justificando pra vocês isso eu vou falar pra elas novamente na reunião pedagógica que eu acho que precisa estar colocando isso, porque ...(..)– É, que é aquela questão da formação política que a gente tinha também pensado com as professoras, não é? Que entra a questão ética, que entra. (Formação) Val agora os agente escolares acho que é urgente a gente começar a pensar no que que vai fazer com eles. Bom!! E a LUISA!? O que que a gente faz com essa moça? Ela vai entrar de férias a semana eu vem. Hoje eu peguei um prontuário de uma criança, nem... as professoras entregaram todas aquelas fichinhas de atualização de cadastro? Acho que não né Áurea, depois a gente precisa cobrar das professoras e pensar. (Formação/organização administrativa) Val – Você está conseguindo acompanhar o serviço dela Cleonice. (Relação da equipe Técnica) VAL1 : os pais não deram retorno sabe o que eu fiz ? ELV: Hum VAL2: ...passei o telefone deles, chamei a menina ... essa semana, a mãe, ela não apareceu na última reunião \(..) ai eu falei para ela(..) (...) “olha, a gente precisa de vocês estarem aqui dentro, ... aquela semana, pra gente conversar com eles, ver quais as necessidades, o que que eles acham da escola” ... aí, “não mas, eu tenho conversado com os pais ... nenhuma queixa, é uma das melhores escolas daqui,” ta, tal, tal ... “mas tem, deve ter coisas , devem ter coisas que vocês queiram estar opinando, tal, vamos marcar essa reunião no sábado, eu venho, você vem”... Aí ela falou assim: “Mas se a gente falar que é reunião, eles não vêm,” né?. Então vamos vamos pensar em uma outra coisa, falei pra ela, ela falou, então e se fosse uma palestra de como lidar com as crianças ... né. Ela falou, porque daí a gente pega isso pra ta falando um pouco de tudo que você ta falando comigo, aí falei pra ela. Ta bom. Então falei pra ela, vamos combinar assim, a semana que vem é 4ª, 5ª e 6ª, só, muito pouco. (Participação da comunidade) VAL11: Então Elvira, você sabe que eu estou assim preocupada, eu to lendo aquele livro lá do Libâneo, né? Val12 Eu tenho assim, ando um pouco preocupada de estar fazendo dos meus meios os objetivos, entendeu? De estar confundindo as coisas. Na realidade eu estou tentando é.... é... facilitar o trabalho dos professores, tal, mas ainda... os objetivos... que a gente precisa estar relacionando com os objetivos da unidade que.o caso no .. no caso do .PPP.. isso é uma coisa que eu não consegui sentar para sabe, para delinear, porque era inclusive o objetivo daquela minha.... daquele meu projetinho inicial. Entendeu. Então não consegui fazer isso ainda. To preocupada com isso. ELV6: Mas você tem em mente quais são os objetivos do ..PPP?. VAL13: Então,.... também tem isso, né? (...) É... eu lendo, o que eu sei..é ... do PPP do ano passado, que a Áurea estava trabalhando, era a questão dos valores.. ...Né? com as crianças, mas eu acho que precisa ir um pouquinho além disso, aí eu tenho conversado um pouco ... assim, eu converso bastante com a Áurea, dá pra gente...., mesmo que seja na loucura, assim, de não sentar pra... mas é assim.. . é. Outro dia tava falando pra ela. – Áurea! Os professores já fizeram um planejamento? Mas a Áurea ta fazendo um. Um... ela ta fazendo um caminho inverso. Ela ta tentando desconstruir aqueles aqueles ..hábitos que as professoras tinham antes. Que é o de fazer um planejamento . proforma.., só pra por no papel e entregar pra gente e construir com elas uma proposta de trabalho pra depois fazer esse tal desse planejamento. (Formação) Val40 Aí oooOOO Elvira só pra terminar o assunto do escritório de contabilidade. Aí que eu fiz, eu chamei, eu liguei pra uma diretora , ´´é que ..de é de uma EMEF uma ... ela me deu esse telefone desse escritório porque eu estava quase louca de impostos e declarações que tinha que fazer para Receita Federal e eu não tinha feito porque eu não sabia que era pra fazer. Porque quem tinha que estar falando isso pra gente era a
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coordenadoria, eu nunca fiz isso sozinha, e deixei de entregar RAIS DIC ... vou ter que pagar multa por causa disso. Aí as minhas companheiras de estrada. (Organização administrativa) Val(..)Que a gente conseguiu comprar o data show né? Um suor, mas nós conseguimos comprar o data show. Data show, telão e uma caixinha de som. VAL50: Qual a finalidade para gente estar usando esse data show? Né? . Então a princípio nós vamos estar colocando na sala de vídeo, né? Para estar exibindo filmes, mas não é só esse objetivo, aliás, uma das coisas que ...tanto eu quanto a Áurea, ela concorda comigo. Esse acesso de utilização dos vídeos dos DVDs é por as crianças sentadas pra só ficar vendo, não é? Nós não queremos isso, porque nós estamos criando cidadãos passivos como ... como a televisão quer mesmo, né? Então isso a gente não quer mesmo. Nós queremos estar colocando data show inclusive para eles estarem utilizando na sala de informática e estarem criando e ...vendo aquilo que eles estão criando. Então, assim, a gente tem uma proposta pedagógica com esse equipamento, não é? Não é assim sem nada. (Conquistas) ELV48: Pra o PPP des.. deste ano vocês nunca sentaram? VAL79 Não. (Formação) VAL112:– Como se ..como se e eu mordesse, porque acho que, por conta talvez da minha postura ser um pouco diferente da Maria que era a outra diretora que era mais assim, mais tranquila, né? Que nem, ontem, a hora que eu saí, eu falei, Ò amanhã não tem horário de banco. Nutricionista: eu tenho um problema. CLIV: sério Nutricionista: serio A gelatina A gelatina não endureceu.. a geladeira está com problema VAL(...) E se não congelar , qual a sua alternativa ?(Rotina) Nutricionista: Muita escola tem self service mas não tem projeto. Tem que tem a colaboração dos professores conversando sobre o que vai ser servido. Vocês tem projeto. A única coisa que falta aqui é o quadro. Val: então eu também estava conversando com as professoras esta semana sobre a questão do intervalo e das refeições da gente estar trabalhando um pouco mais com eles éé a forma a forma de usar o talheres é.. e o que comer, né então eu estava conversando com elas hoje PEA e saiu até umas sugestão da gente alternar os intervalos e ter mais a presença do professore ali. Né? (Conquistas) VAL: que é adequado ao self service, então nós conseguimos as talheres ... a semana passada, que nós íamos, nós tínhamos pedido as talheres, as crianças ... com a colher, ... então, por que é assim, oh, eu tinha pedido, eu pedi pra eles substituírem os garfos que já estavam mais usados, porque estavam desagradáveis aqueles pratos, ... pratos plásticos, pedi pra eles .trazerem .. as cumbuquinhas, pra sobremesa, porque as crianças comiam as sobremesas na mão né?(...) E as crianças já estão comendo com garfo e faca, ai assim ..sem nenhuma dificuldade porque na casa deles devem comer com garfo.Algumas crianças é que falam, ah, na minha casa não usa isso. Porque ninguém come com garfo e faca na casa, todo mundo come de colher, e aí também é uma forma da criança estar levando isso pra casa, quem sabe mudar os hábitos da família. Mas as mães estão gostando viu.... ( Conquistas/Participação da comunidade) VAL: Andamos o dia inteiro, depois chegamos aqui às 6 horas da tarde pra descarregar os dois carros lotados. Você não tem noção como veio aquela caçamba. A caçamba dela lotada, a frente lotada, o meu porta mala lotado e a traseira do meu carro, a parte de passageiro lotado. Nossa!!! Brinquedo de coisa pra escola, tudo. Compramos papelaria, mas era mais brinquedo, né? (Conquistas) VAL13:... um dos nossos objetivos é que as crianças participem do Conselho. Provavelmente serão as crianças do 3º estágio que são os maiorzinhos né? Que já têm um pouquinho mais de maturidade, de 5 a 6, né. Tem uns de 6 anos já completos de 6 a 7. Então esses a gente quer estar pelo menos assim..a Áurea está fazendo um trabalho. (Participação da comunidade)
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Val30 – É, é isso que eu quero. Que pelo menos tivéssemos uma maior participação da comunidade. Pelo menos, né. E eu queria que isso viesse não de minha pessoa. Uma postura minha, ou então da Áurea que eu acho que quem mais está próxima assim, mas assim de toda a escola. Então nós fizemos uma coisa. Nós temos, 2 no calendário, dois dias que nós temos que repor, que nós fizemos ponte. Agora em abril, que é a semana santa e a outra ponte que tem..., ah, não me lembro de cabeça, essas coisas. (Participação da comunidade) Val37 – Então eu acho que dava pra gente estar fazendo disso, mas eu preciso, veja bem os projetos em horários coletivos dos professores que é o espaço maior que a gente tem para formação deles, dentro da unidade é uma coisa que é direcionada pela coordenação pedagógica e eu não posso passar por cima dela. Entendeu? E eu não quero passar. Porque é uma atribuição dela, então a gente tem que sentar junto. Val 38 – É, é e a gente nem sentou pra fazer isso, você sabe. (Formação) Interrupção: Funcionária entra com alunos machucado. Caiu no pátio, cortou a boca. É necessário levar para o Pronto Socorro. A diretora é quem levará. Série de providencias práticas tem inicio: ligar para os pais, localizar a ficha etc. (Rotina ) Val - Então, agora nós temos, nós estamos com ... ontem eles liberaram 60 vagas, nós temos 80 vagas . Nos limpamos as listas de espera , a s professoras..que elas estão reclamando que as salas estão muito cheias e eu to chamando, liberam 60 vagas, mas elas estão reclamando por que? Porque na realidade a coordenadoria impôs para gente que tinha que ser salas de 40. Por isso que ... dá é puxado 40 alunos,... eu também concordo. Agora tem ausências, tem ausências. Então a gente conta com isso. E elas estavam falando... então na realidade nós temos 780 vagas. Nós temos agora matriculados.700. (Organização administrativa) E – Esse tipo de conversa com o pedagógico com a Áurea você tem? V – Tenho, o que eu não estou fazendo é ainda o acompanhamento de sentar com elas diariamente no horário de formação. Isso eu não consigo fazer E você não consegue fazer isso porque? V Por que eu ando enrolada com essa papelada aqui. Essa encrenca dessa papelada. E agora mais ainda, agora eu assumi a outra parte. Você está sem uma funcionária? V – Estou fazendo pagamento, eu estou fazendo tudo o que ela fazia, e mais as coisas que ela deixou pendente, eu estou tentando deixar em ordem... (Organização administrativa) V - Eu acho que o projeto pedagógico é muito importante, porque o projeto que está no papel não condiz com o projeto que é realizado na prática aqui, eu acho que a gente precisa regularizar isso, é também o momento de nós sentarmos com os professores pra rever algumas coisas, mas eu sinto que as coisas estão caminhando. O que ta faltando, ta faltando a gente esquematizar isso, por no papel e mandar pra frente. (Formação) Mostrando o painel onde fez a prestção de contas. Este painel está no mural, na entrada principal da escola, passagem obrigatória de todos os responsáveis pelas crianças, diariamente. Val: A prestação de contas aqui da APM, da caixinha, que entra dos pais deu, eu já pedi pra tirar esse vaso daqui, senão não dá pra por .... fiz a prestação de contas também dessa verba do PTRF, fiz as prioridades .... em reunião, as notas, cópias das notas. (Participação da comunidade) VAL: Então, essa reunião agora é de pais com os professores, mas dentre esses informes, a gente ainda dentro da nossa proposta de trabalho, a questão da participação deles, né? Então, porque que eu falei também dessas contas? Pra eles perceberem que é o Conselho de Escola e a APM que tomam as decisões pra escola, pra eles se tocarem disso, e nessa sexta-feira, por exemplo, nós vamos ter reunião de APM e de Conselho pra organizar a festa junina, não é só isso que nós vamos ter, mas é uma das pautas mais importantes. E pra eles perceberem que depois reclamam:” ah, não gostei disso, não gostei daquilo”, mas então a gente convidou também agora vamos fazer os cartazes pra divulgar as reuniões, pra ver se a gente tem uma participação maior dos pais, mas eu acho que eles têm vindo, tá devagarzinho mas . (Participação da comunidade)
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2ª ETAPA A partir da lista de ações que a diretora escreveu e foram realizadas naquela semana (18 a 22 de fevereiro de 2008), Valéria deveria reorganizar as categorias iniciais, acrescentando o que ela havia realizado e estava expresso na sua lista. Lista de tarefas organizada pela diretora: Participei dois dias em reuniões de formação da Coordenadoria da Educação. (Minha formação) Participei do curso “ carta da Terra”. (Minha formação) Participaie de reuniões de organização da unidade (dias 1 e 7 de 08). (Minha formação) Encaminhei papelada da atribuição. (Parte administrativa cotidiana) Li DOCs (( diário oficial e documentos)). Li e destaquei pontos importantes. (Parte administrativa cotidiana) Fechei apontamento da folha de pagamento. (Parte administrativa cotidiana) Atendi balcão diariamente. (Parte administrativa cotidiana) Consegui a detetização. (Parte administrativa cotidiana) Fiz atribuição dos professores que chegaram. (Parte administrativa cotidiana) Instalei novo computador. (Parte administrativa cotidiana) Entreguei acúmulo a todos os professores. (Parte administrativa cotidiana) Fiz horário anual da equipe técnica. (Parte administrativa cotidiana) Encaminhei férias do vigia. (Parte administrativa cotidiana) Fiz Termos de Doação de processos de incorporação. (Parte administrativa cotidiana) Montei e prestei conta do processo de verba e aditamento bancário. (Questões financeiras) Esclareci pontos importantes do nosso trabalho com os funcionários. (Organização para o início do ano) Estou fazendo o meu planejamento. (Organização para o inicio do ano) Fiz acerto do processo de verba do PTRF. (Questões financeiras) Iniciei o acerto de conta do caixa. (Questões financeiras) Peguei (( no banco)) extratos das 3 contas bancárias da escola. (Questões financeiras) Passamos informes da 1ª semana para os agentes escolares. (Organização para o início do ano) Combinamos os horários com os agentes escolares. (Organização para o início do ano) Fiz combinados com os agentes escolares. (Organização para o início do ano)
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3ª. ETAPA A terceira etapa da tarefa foi comparar os papéis dos exercícios anteriores com as atribuições do diretor escolar, extraídas do Regimento Escolar da Secretária da Educação Municipal. O objetivo dessa terceira etapa não era detalhar o texto legal, nem discuti-lo exaustivamente, mas utilizá-lo nesse momento como mais um instrumento que pudesse possibilitar que a diretora tivesse uma visão geral do que é esperado de sua função.20
REGIMENTO ESCOLAR CONSOLIDADO
* Considerando atual Regimento, LDB e orientações normativas
CONSOLIDADO ENVOLVENDO REGIMENTO COMUM EXISTENTE
Deliberação CME 03/97 e indicação CME 04/97, LEI DE DIRETRIZES E BASES 9394/96 CNE/CB 05/97, Lei Complementar 60/72 (estadual) Deliberações das Instâncias do SINPEEM.
REGIMENTO COMUM DAS ESCOLAS MUNICIPAIS
DECRETO N° 33.991, DE 24 DE FEVEREIRO DE 1994, COM AS ALTERAÇÕES CONTIDAS NO DECRETO N° 35.216, DE 22 DE JUNHODE 1995 -DOM 23/06/95
Dispõe sobre o Regimento Comum das Escolas Municipais, e dá outras providências.
(.......)
Capítulo II Da Equipe Escolar
Art. 28- A Equipe Escolar das Escolas Públicas Municipais é constituída por:
I - Equipe Técnica - da qual fazem parte o Diretor de Escola, o Assistente do Diretor de Escola e os Coordenadores Pedagógicos;
II - Equipe Docente - da qual fazem parte os Professores em regência de classe, os Professores Substitutos, os Professores Readaptados, os Monitores de Educação de Adultos e os Professores Orientadores de Sala de Leitura;
III - Equipe Auxiliar da Ação Educativa - da qual fazem parte o Auxiliar de Direção, Auxiliar Técnico de Educação, o Secretário de Escola (Encarregado de Secretaria), Auxiliar Administrativo de Ensino, Oficial de Administração Geral, Auxiliar de Secretaria, Inspetores de Alunos, Agentes Escolares e Vigias.
20 O excerto do texto foi retirado da Internet do site : http://paisonline.homestead.com/files/SMEREGESCOLAR.doc; em 18 de fevereiro de 2008. Posteriormente foi comparado com outras fontes, revelando pequenas alterações, não pertinentes para essa pesquisa .
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Art. 29- Os direitos e deveres de todos os que fazem parte da equipe escolar estão estabelecidos nos princípios gerais deste Regimento e demais dispositivos legais vigentes, assegurada a equidade para todos.
Parágrafo Único- Todos terão direito de requerer ou representar, pedir reconsideração e recorrer nas formas previstas pela legislação em vigor.
Seção I Da Equipe Técnica
Subseção I Do Diretor de Escola
Art. 30 - A função do Diretor de Escola deve ser entendida como a coordenação do funcionamento geral da escola e da execução das deliberações coletivas do Conselho de Escola, de acordo com as diretrizes da Política Educacional da Secretaria Municipal de Educação e respeitada a legislação em vigor.
Parágrafo Único - O cargo de Diretor de Escola é exercido por titular de cargo, de provimento efetivo, na forma da legislação em vigor.
Art. 31 - São competências do Diretor de Escola, além de outras que lhe forem delegadas, respeitada a legislação pertinente:
I - Cumprir e/ou assegurar o cumprimento das disposições legais e das diretrizes da Política Educacional da Secretaria Municipal de Educação;
II - Coordenar a utilização do espaço fisico da Unidade Escolar no que diz respeito a:
a) ao atendimento e acomodação da demanda, inclusive à criação e supressão de classes;
b) aos turnos de funcionamento;
c) à distribuição de classe por turno.
III - Encaminhar, na sua área de competência, os recursos e processos, bem como petições, representações ou ofícios dirigidos a qualquer autoridade e/ou remetê-los devidamente informados a quem de direito, nos prazos legais, quando for o caso;
IV - Autorizar a matrícula e transferência dos alunos;
V - Aplicar as penalidades de acordo com as normas estatuárias, bem como as previstas nas normas disciplinares da escola, elaboradas pelo Conselho de Escola e descritas no Plano Escolar, assegurada ampla defesa aos acusados;
VI- Encaminhar mensalmente ao Conselho de Escola prestação de contas sobre aplicação dos recursos financeiros;
VII - Apurar ou fazer apurar irregularidades de que venha a tomar conhecimento no âmbito da escola, comunicando e prestando informações sobre as mesmas ao Conselho de Escola;
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VIII - Assinar, juntamente com o Secretário de Escola, todos os documentos relativos à vida escolar dos alunos expedidos pela unidade;
IX - Conferir diplomas e certificados de conclusão de curso;
X - Dar exercício a servidores nomeados ou designados para prestar serviços na escola;
XI- Decidir, nos casos de absoluta necessidade de serviço, sobre a impossibilidade de gozo de férias regulamentares não usufruí das no exercício correspondente, por servidores com férias não previstas no calendário escolar;
XII- Controlar a frequência diária dos servidores, atestar a frequência mensal, bem como responder pelas folhas de frequência e pagamento do pessoal;
XIII - Autorizar a retirada do servidor durante o expediente;
XIV-Delegar atribuições, quando se fizer necessário;
Art. 32 –São atribuições do Diretor de Escola:
I - Participar da elaboração do Plano Escolar e acompanhar a sua execução, em conjunto com a Equipe Escolar e o Conselho de Escola;
II - Participar da elaboração e acompanhar a execução de todos os projetos da escola;
III - Organizar com o Coordenador Pedagógico e a Equipe Escolar as reuniões pedagógicas da unidade;
IV - Organizar com a Equipe Técnica a divisão de trabalho desta e sua execução;
V – Garantir a organização e atualização do acervo, recortes de leis, decretos, portarias, comunicados e outros, bem como a sua ampla divulgação à Equipe Escolar e ao Conselho de Escola;
VI - Diligenciar para que o prédio escolar e os bens patrimoniais da escola sejam mantidos e preservados:
a) coordenando e orientando todos os servidores da escola sobre o uso dos equipamentos e materiais de consumo;
b) coordenando e orientando a equipe escolar quanto à manutenção e conservação dos bens patrimoniais da escola, realizando o seu inventário, anualmente ou quando solicitado pela administração superior;
c)adotando com o Conselho de Escola medidas que estimulem a comunidade a se co-responsabilizar pela preservação do prédio e dos equipamentos escolares, informando aos órgãos competentes as necessidades de reparos, reformas e ampliações.
VII - Coordenar e acompanhar as atividades administrativas,relativas a:
a) folhas de frequência;
b) fluxo de documentos da vida escolar;
c) fluxo de documentos da vida funcional;
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d) fornecimento de dados, informações e outros indicadores aos órgãos centrais, respondendo por sua fidedignidade e atualização;
e) comunicação às autoridades competentes e ao Conselho de Escola dos casos de doença contagiosa e irregularidades graves ocorridas na escola;
f) adoção de medidas de emergência em situações não previstas neste Regimento, comunicando-as, de imediato, à Delegacia Regional de Educação, ouvindo o Conselho de Escola, quando possível, ou ao seu “ad referendum”;
VIII - Garantir a circulação e o acesso de toda a informação de interesse à comunidade e ao conjunto de servidores e educandos da escola;
IX - Coordenar o processo de escolha e atribuição de classes, aulas e turnos;
X - Organizar o horário de trabalho da Equipe Escolar, de acordo com as normas previstas neste Regimento e legislação pertinente, ouvidos os interessados;
IX - Decidir, junto à Equipe Técnica, sobre recursos interpostos pelos alunos ou seus responsáveis, relativos à verificação do rendimento escolar, ouvido(s) o(s) professor(es) envolvido(s).
Art. 33 - A substituição do Diretor de Escola, nos seus eventuais impedimentos legais por período igual ou inferior a 30 (trinta) dias, será feita automaticamente pelo Assistente de Diretor e, na ausência e impedimento legal deste, por qualquer educador da unidade, indicado pelo Diretor, desde que devidamente habilitado, na forma da legislação em vigor.
Parágrafo Único - Nos impedimentos legais por período superior a 30(trinta) dias, o Conselho de Escola elegerá o Diretor Substituto, obedecidas as exigências legais, de acordo com o Artigo 14 deste Regimento.