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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Manuela da Silva Muniz Em busca da experiência: paternalismo, lutas e autonomia dos trabalhadores feirenses (1977-1991) Feira de Santana 2011

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Manuela da Silva Muniz

Em busca da experiência: paternalismo, lutas e autonomia dos

trabalhadores feirenses (1977-1991)

Feira de Santana

2011

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Manuela da Silva Muniz

Em busca da experiência: paternalismo, lutas e autonomia dos

trabalhadores feirenses (1977-1991)

Feira de Santana

2011

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, da Universidade Estadual de Feira de Santana, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto

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TERMO DE APROVAÇÃO

Manuela da Silva Muniz

Em busca da experiência: paternalismo, lutas e autonomia dos

trabalhadores feirenses (1977-1991)

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do título

de Mestre em História Social do Programa de Pós-Graduação em História da UEFS, pela seguinte banca examinadora:

_____________________________________

Prof. Dr. Eurelino Teixeira Coelho Neto – UEFS (orientador)

_____________________________________

Prof. Dr. Aldrin Armstrong Silva Castellucci – UNEB

_____________________________________

Prof. Dr. Marcelo Badaró Mattos – UFF

Feira de Santana, 13 de junho de 2011

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Dedicatória

A Etiê, mãe, e outras tantas mulheres que têm feito da vida de filhos e maridos a sua própria, deixando na

mesa seu sobrenome, na cama as noites de sono, nas ruas as horas vagas, no corpo as marcas dos seus e,

muitas vezes, sua beleza e criatividade em lugar ignorado. Na defesa cotidiana de ser mulher, aprendo

com elas sobre o que aceitar e o que negar.

Essas mulheres não aparecem nas páginas à frente, muitas parecem nem ter existido. Mas estiveram em

constante atividade enquanto seus maridos, filhos, pais – e umas poucas gauche – eram registrados para a

história.

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Agradecimentos

E aprendi que se depende sempre De tanta, muita, diferente gente Toda pessoa sempre é a marca

Das lições diárias de outras tantas pessoas Caminhos do coração (pessoa=pessoas)

Gonzaguinha

Eu cantarolava essa música quando era criança, mas ela ainda não tinha o sentido que

ganhou depois que eu a redescobri, na adolescência. Gonzaguinha dá o tom aos meus longos

agradecimentos.

Minha família merece destaque não apenas pelas relações de sangue. Meus pais e

minhas irmãs souberam respeitar minha decisão em não mais compartilhar o caminho

religioso deles. As nossas diferenças de pensamento são guardadas no lugar necessário

quando se habita o mesmo teto. A minha mãe, Etiê, agradeço o imenso esforço em ter me

criado, após quatro filhos e sete anos de distância entre o penúltimo e eu. Fico orgulhosa

quando ela fala “essa ponta de rama tinha que nascer!” e quando reconheço a influência dela

no meu lado artístico. A meu pai, José, agradeço a preocupação constante com a formação

enquanto ser humano e por ter me escolhido um nome de uma poesia de Castro Alves.

Minha irmã primogênita Marília (ela odeia ser chamada de “mais velha”) me ensinou

a ler livros e relógios e também a brigar na escola. A participação especial dela nessa

dissertação, com as siglas, a bibliografia e algumas fotos, me poupou de boa parte do

desespero final em montar esta bendita. Em Marilda, mulé arretada, admiro a força e o bom

humor em enfrentar os desafios de ser trabalhadora, mãe e esposa. A meiguice de Mariza

esconde uma determinação que me faz confiar no que ela diz e faz. A Gorgônio, de quem

roubei o título de caçula, agradeço a preocupação com os rumos de minha vida, apesar da

distância que se interpõe entre nós.

Para que minha pesquisa ganhasse a dimensão que tem hoje, ser membro do LABELU

foi essencial. Não sei dizer onde começa nem termina a contribuição desse grupo de pesquisa,

talvez porque não seja possível estabelecer metáforas espaciais para traduzir os anos de

participação ali. Acho melhor dizer que provamos de um processo de coletivização da

pesquisa. Por isso, o uso corrente da terceira pessoa do plural nesta dissertação é mais

imperativo por conta do compartilhar de idéias do que de formalidades acadêmicas. De todo

modo, cabe a mim a responsabilidade do que for afirmado ou negado.

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Alguns dos historiadores por quem tenho respeito e amizade também são do

LABELU. Devo muito da minha formação a Rogério Fátima, professor-artesão, de mira

certeira e língua ferina, que ouvia Clube da Esquina e lia Maurice Dobb. Concluo essa

dissertação com pouco mais de três anos que ele se despediu, mas posso reconhecê-lo como

um dos colaboradores do texto.

Igor Gomes aparece em muitas partes do texto, mas nosso diálogo sobre a história de

Feira de Santana é parte de uma trajetória no curso de história e no movimento estudantil que

me orgulho de ter dividido com ele. O carinho que tenho por ele é daqueles que a gente sabe

que vai durar, mesmo que os desencontros não deixem a gente papear sobre a vida. Coelho eu

conheci por uma carta que ele mandou pros estudantes na greve de 2003, depois que fomos

expulsos da reitoria pela polícia. Naquele momento, achei que ele era um historiador com

alma de artista. Quando voltou pra Feira, vi que sua alma de artista compunha o historiador

que ele é. Essa dissertação e outras tantas coisas que pensei sobre história tem seu traço (ele ia

preferir “o tom”).

Larissa Pacheco tem muito a ensinar com seus conflitos. Eles dizem muito sobre seu

empenho de historiadora em tudo que faz, desde os tempos de militância no História Para

Todos (HPT). A austeridade dos conselhos de Aruã Lima nos meus momentos mais

dramáticos foi importante pra que eu botasse os pés no chão, apesar da vontade de esganar ele

por achar que não estava sendo compreendida.

Durante a graduação e o mestrado, muitos professores foram importantes. André

Uzêda pelo companheirismo, Lucilene Reginaldo pelas belas aulas, Elói Barreto por ter

ensinado sobre os caminhos da metodologia e da vida. A insistência de Clovis Ramaiana em

me chamar de “fresca” fez com que eu tentasse lidar melhor com os problemas da pesquisa.

As conversas com Valter Guimarães foram importantes para repensar minha relação com a

vida acadêmica e, de resto, comigo mesma. Emilia Silva, com quem também fiz o tirocínio

docente, foi uma grande companheira ao longo do semestre, me mostrando que as angústias

não se acabam e, por isso mesmo, repensamos todo o tempo a prática docente. Ela foi muito

importante na minha busca pelo equilíbrio entre ensino e pesquisa.

Agradeço a pessoas que me auxiliaram no processo de coleta das fontes. Julival,

Arlene, Jucelho, Uzêda e Maslowa viabilizaram meu acesso à documentação da ADUFS.

Elizete abriu as portas de sua casa para que eu fotografasse a documentação pessoal sobre o

movimento docente. Anna Kaufmann se disponibilizou a ceder informações e documentos do

seu acervo pessoal sobre os comerciários. Antonio Balbino e Pery Falcon oportunizaram meu

acesso ao Sindicato dos Metalúrgicos de Salvador. Nei Rios, além de ter sido um dos

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depoentes, me indicou pessoas para que eu pudesse seguir com a pesquisa documental. A

Carlos Melo, Gerinaldo Costa, Marialvo Barreto e Maslowa Freitas, agradeço por aceitarem

contar parte de suas vidas. Ainda, agradeço a Rose, da Secretaria de Planejamento da

Prefeitura de Feira, pelas informações oficiais sobre os bairros da cidade. A bolsa de estudos

da FAPESB foi importante tanto para a busca das fontes, como para dar tranqüilidade

financeira durante os anos do mestrado.

Aos amigos que me acompanham desde há pouco, ou desde tempos imemoriais, devo

minha formação para a vida adulta. Lorena Aguiar, por compartilhar comigo as idéias que ela

emaranha nos cabelos. Edson Mascarenhas, por ter sido companheiro de luta e pela

preocupação comigo. Luana Oliveira, pela alegria de menina e fidelidade nos sentimentos.

Alécio Gama, que leva a vida no seu ritmo mais tranqüilo, foi um grande companheiro na

época em que ensinamos em Terra Nova e se tornou um amigo do peito. A Milena Assis, pela

força que tem como mulher, pelo dengo de menina e pelo apoio constante durantes os meses

de escrita. Jamile Amaral, com seu espírito calmo, me ajudou muito nos meses de escrita, me

confortando com sua experiência recente de fim de mestrado, com seu otimismo e sensatez

nos momentos de dificuldade. Davi Lara, pelas músicas, filmes, livros e bate-papos

madrugadores. A Enia Ramos, pela serenidade nas conversas e pela amplitude dos seus

sonhos. Deise Souza, mulher de força que, nas idas e vindas da vida, não desistiu de buscar

sua liberdade. Brisa Morena, moça de gestos leves e afagos confortadores é daquelas pessoas

iluminadas que a gente quer ter como amiga sempre.

Os meninos do Fundo do Mar, com quem convivi por anos, foram parte importante do

meu aprendizado com os homens: Ginaldo Farias Kiko, Otton Santana Tucano, Paulo Moraes

Paulão e os que passavam por lá pra dizer “oi”, tomar café, ouvir música ou assistir a novela

da tarde. A Jhonatas Monteiro Jon, meu muito obrigado por momentos bons que passamos

juntos, além da sobriedade com que analisava minha pesquisa.

Outros amigos, que descobri e me descobriram ao longo do mestrado, me fizeram

viver levemente por muitas vezes. David Rehem, que me conquistou com seu peito aberto

para o mundo e sua coragem em defender suas idéias e seus amigos. Já não consigo ser feliz

sem ele. Rodrigo Borges, magricela, com quem dividi boa parte de minhas angústias de

mestrado, enquanto ele mesmo passava pelas angústias dos primeiros semestres da graduação

em História. Rirmos juntos disso certamente nos ajudou a levar o cotidiano com mais alegria.

Diego Correa sempre me ajudou nos momentos de aperto e compartilhou comigo felicidades e

brigas nas mesas de bar. Yuri Atanazio, meu parceiro de arrocha, me conquistou com seu

sorriso de jacaré e aprendi a chamá-lo de amigo assim, facinho, facinho. Eduardo Quintela,

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retratista da beleza e amigo de todas as horas. Thiago Dórea pelo bom humor constante.

Diêgo “Galo” pela troca de idéias malucas. Matheuzão Barros, pela amizade do tamanho do

mundo. Ludimila Barros pelo apoio e preocupação constantes e pelo carinho. Bernardo Lima,

o sete cordas mais rápido do velho oeste, reconheço em muitas partes desta dissertação,

mesmo sem ele ter lido sequer uma linha. Seu sorriso encantador, sua bela música e a

paciência diante de minha interminável chatice durante a escrita já fazem parte do que levo na

bagagem de minha vida.

Aos amigos de sempre, todo o amor que houver nessa vida. Luciane Almeida

Ludstock já e tão parte de mim que poderíamos ser xifópagas de coração. Sua presença se fez

mais forte durante o mestrado, quando compartilhamos todas as angústias de pensar, escrever

e terminar a dissertação. Elaboramos muitos planos de fuga e de mudança radical de vida, mas

terminamos as benditas. Sua agilidade de hiperativa e o bom humor, mesmo nos momentos

mais terríveis, fazem eu admirá-la cada vez mais.

Marco Aurélio Marcola é companheiro de todas as horas. Em todos os momentos,

sempre disposto a ouvir e ser ouvido. Com ele aprendi que as pessoas têm mais coisas em

comum do que imaginamos. Confio na amizade de Jamile Amaral Jamilona de olhos fechados

e devo muito a seu apoio, ora incondicional, ora crítico, nas minhas decisões. Ela me fez rever

os lugares destinados a homens e a mulheres e me mostrou a importância do lado pragmático

da vida.

Verena Paim Grandona sempre me confortou com sua frase clássica “todo mundo

sofre” e outras tantas formulações sobre o viver no mundo. Esta filósofa-historiadora-

psicanalista se refaz a cada passo dado, pra frente ou pra trás. Sua coragem em encarar a si e

aos outros com todo bom humor que lhe cabe me faz pensar que ela é mais incomum do que

pensamos. A Livia Rodrigues, pela amizade que começou na infância, foi imprescindível

durante as “turbulências adolescentais”, e ainda hoje se mantém com uma confiança mútua

que espero atingir o tempo das bengalas e anáguas.

Como o que é sabido e desconhecido, acolhido e negado, nos forma, deixo para os

senões, que se apresentam desde a escrita desta bendita, a relação que estabelecerei com o

mundo.

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Epígrafe

Hoje, a cidade cresce tão rapidamente que deixa para trás, sem remédio, as infâncias. Quando a

criança se prepara para descobrir as terras, elas já estão longe, e é uma cidade inteira que se interpõe, áspera, ameaçadora. Os paraísos vão-se afastando

cada vez mais. Adeus, fraternidade. Cada um por si.

Mas é sina dos homens, ao que parece, contrariar as forças dispersivas que eles próprios põem em

movimento ou dentro deles se insurgem. A cidade torna-se oca onde antes era o núcleo, na semente do

que seria a sua continuidade. E então descobre-se que as terras estão no interior da cidade e que todas

as descobertas e invenções são outra vez possíveis. E que a fraternidade renasce. E que os homens, filhos

das crianças que foram, recomeçam a aprendizagem dos nomes das pessoas e lugares e outra vez se

sentam em redor da fogueira, falando do futuro e do que a todos importa.

José Saramago

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Resumo

Esta dissertação apresenta os resultados de uma pesquisa sobre mobilizações coletivas dos

trabalhadores rurais e urbanos de Feira de Santana. Entre 1977 e 1991 a classe trabalhadora

dessa cidade realizou diversas manifestações que englobaram reivindicações sobre suas lutas

específicas e também sobre lutas travadas nacionalmente. Dentre essas lutas, analisamos a

atuação de dois grupos de trabalhadores: os petistas-cutistas, identificados por suas constantes

tentativas de realizar os objetivos do novo sindicalismo, e os tradicionais, reconhecidos por

uma prática política que primava pela manutenção dos laços com setores da classe dominante

da cidade. (Esta investigação tem como objetivo central as maneiras...) O objetivo central da

investigação é: as maneiras pelas quais as disputas entre petistas-cutistas e tradicionais ao

longo do período estudado deixam ver os contornos da experiência da classe trabalhadora

feirense. Para isso, tratamos: do terreno onde as lutas aconteceram e em quais condições, bem

como da nossa abordagem sobre o objeto; dos sujeitos e as lutas implementadas por eles; das

disputas pela direção política da classe. Essa três dimensões das lutas da classe trabalhadora

feirense compõem aspectos relevantes dessa classe no contexto pesquisado.

Palavras-chave: classe trabalhadora – experiência – luta de classes – novo sindicalismo –

Feira de Santana (1977-1991)

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Abstract

This thesis presents the results of a survey of collective mobilizations of urban and rural

workers of Feira de Santana. Between 1977 and 1991 the working class held several

demonstrations have included claims about their struggles and also about specific struggles

nationally. Among these struggles, we analyze the performance of two groups of workers: the

PT-CUT, identified by their constant attempts to achieve the goals of the new unionism, and

the traditional, recognized by a political practice that excel in maintaining links with sectors

of the class dominant city. The central objective of research is: the ways in which disputes

between the PT and CUT-traditional throughout the study period no longer see the contours of

the experience of the working class feirense. For this, we treat: the terrain where the fighting

took place and under what conditions, as well as our approach to the object, the subjects and

the struggles they implement, the competition for political leadership class. This three

dimensions of working class struggles feirense constitute important aspects of this class in the

context studied.

Keywords: working class - experience - class struggle - the new unionism - Feira de Santana (1977-1991)

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Lista de siglas e abreviaturas

35º BI Trigésimo-quinto Batalhão de Infantaria

ABC Designação dada à região formada pelos municípios de Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, região metropolitana de São Paulo

ACFS Associação Comercial de Feira de Santana

ACM Antonio Carlos Magalhães

ACOMAQ Associação Comunitária de Maria Quitéria

ADEFS Associação das Entidades de Feira de Santana

ADs Associações dos Docentes

ADUERJ Associação dos Diplomados da UERJ

ADUFEPE Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco

ADUFF Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense

ADUFG Associação dos Docentes da Universidade Federal de Goiás

ADUFOP Associação dos Docentes da Universidade Federal de Ouro Preto

ADUFRJ Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro

ADUFFRJ Associação dos Docentes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

ADUFEMS Associação dos Docentes da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul

ADUFS Associação dos Docentes da Universidade Estadual de Feira de Santana

ADUFSC Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Carlos

ADURN Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

AEABA Associação dos Engenheiros Agrônomos da Bahia

AFAS Associação Feirense de Assistência Social

AMBACLA Associação de Moradores do Bairro Campo Limpo e Adjacências

AMONHO Associação de Moradores do Novo Horizonte

AMORUN Associação de Moradores da Rua Nova

AMOSAP Associação de Moradores de Santo Antonio dos Prazeres

AMPB Associação de Moradores do Parque Brasil

ANDES Associação Nacional dos Docentes de Ensino Superior

APAEB Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira

APROFS Associação dos Professores de Feira de Santana

APROPUC Associação dos Professores da PUC de Campinas

ARENA Aliança Renovadora Nacional

ASPA Assessoria, Pesquisa e Avaliação

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ASSOFS Associação dos Oleiros de Feira de Santana

ASSUEFS Associação dos Servidores da UEFS

ASTA Associação dos Técnicos Agrícolas

BNH Banco Nacional da Habitação

CAF Centro de Abastecimento de Feira de Santana

CDDH-FS Comitê de Defesa dos Direitos Humanos em Feira de Santana

CEB Comunidade Eclesial de Base

CEDITER Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra

CSU Centro Social Urbano

CGC Cadastro Geral de Contribuinte

CGT Central Geral dos Trabalhadores

CIFS Centro das Indústrias de Feira de Santana

CIS Centro Industrial do Subaé

CLT Consolidaçãodas Leis do Trabalho

CNSS Conselho Nacional de Serviço Social

COHAB Companhia de Habitação Popular

COHABAFE Cooperativa Habitacional dos Bancários Feirenses

COHATAFE Cooperativa Habitacional do Trabalhador Feirense

CONCLAT Conferência Nacional da Classe Trabalhadora

CPT Comissão Pastoral da Terra

CPT-NE-III Comissão Pastoral da Terra – Regional Nordeste III

CRA Centro de Recursos Ambientais

CUT Central Única dos Trabalhadores

DCE Comissão Pró-Diretório Central dos Estudantes

DIEESE Departamento Intersindical de Estatística e Estudos

DLP Departamento de Limpeza Pública (Prefeitura Municipal de Feira de Santana)

DNTE-CUT Departamento Nacional dos Trabalhadores da Educação – CUT

DRT Delegacia Regional do Trabalho

EMATER-BA Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola S/A

ENCLAT-FSA Encontro das Classes Trabalhadoras de Feira de Santana

EPI Escritório de Planejamento Integrado (Prefeitura Municipal de Feira de Santana)

FAMFS Federação das Associações de Moradores de Feira de Santana

FASE Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional

FETAG Federação dos Trabalhadores na Agricultura

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FITEE Federação Interestadual dos Trabalhadores em Estabelecimento de Ensino

FMI Fundo Monetário Internacional

FNT Frente Nacional dos Trabalhadores

FRENEFE Frente Negra Feirense

FTC Feira Tênis Clube

FUFS Fundação da Universidade de Feira de Santana

FUNRURAL Assistência e Previdência do Trabalhador Rural

ICM Imposto sobre Circulação de Mercadorias

IES-BA Instituições de Ensino Superior da Bahia

IHGFS Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

INOCOOP Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais

INTERBA Instituto de Terras da Bahia

JAC Juventude Agrária Católica

JOMAFA João Marinho Falcão (abreviação utilizada para nomear um dos bairros de Feira de Santana)

LABELU Laboratório de História e Memória da Esquerda e das Lutas Sociais

MAP Mercado de Arte Popular

MDB Movimento Democrático Brasileiro

MEC Ministério da Educação

MOC Movimento de Organização Comunitária

PAE Plano de Ajuste Estrutural

PCB Partido Comunista Brasileiro

PCdoB Partido Comunista do Brasil

PDLI Plano de Desenvolvimento Local e Integrado

PDS Partido Democrático Social

PDT Partido Democrático Trabalhista

PFL Partido da Frente Liberal

PL Partido Liberal

PLANOLAR Plano Municipal de Habitação Popular

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PPS Partido Popular Socialista

Pró-CUT Comissão Pró-CUT Regional de Feira de Santana

PROSINDI Programa Nacional de Habitação para o Trabalhador Sindicalizado

PSB Partido Socialista Brasileiro

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PSD Partido Social Democrático

PT Partido dos Trabalhadores

PTB Partido Trabalhista Brasileiro

RBC Rede Baiana de Comunicação

SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial

SESI Serviço Social da Indústria

SIM Serviço de Integração do Migrante

SINCAVER Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários

SINDIPETRO Sindicato dos Químicos e Petroleiros da Bahia

SINJOR-BA Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado da Bahia

SINPRO Sindicato dos Professores no Estado da Bahia – Seção Feira de Santana

STR-FSA Sindicato de Trabalhadores Rurais de Feira de Santana

SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

SURFEIRA Superintendência de Urbanização de Feira de Santana

TRT Tribunal Regional do Trabalho

UDN União Democrática Nacional

UDR União Democrática Ruralista

UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana

UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

UESC Universidade Estadual de Santa Cruz

UFBA Universidade Federal da Bahia

UNEB Universidade do Estado da Bahia

URBIS Habitação e Urbanização da Bahia S.A.

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Sumário

Introdução 18

Capítulo 1 – Feira de Santana: terra de lutas, lugares de experiência 27

1.1 – A historiografia e o distante reino do “nacional” 28

1.2 – “Novo sindicalismo”: trabalhadores entre aspas 35

1.3 – Experiência da classe trabalhadora 42

1.4 – Bibliografia sobre grupos subalternos 44

1.5 – Migrações e conflitos urbanos (projetos, sujeitos, resistências) 49

1.5.1 – O PLANOLAR e as disputas em torno dos bairros 56

1.5.2 – Ocupações 65

Capítulo 2 – Os lutadores e as formas de lutar 76

2.1 – O Feira Hoje e as lutas na cidade 73

2.2 – Tradicionais 83

2.3 – Paternalismo na Feira 88

2.3.1 – MOC 95

2.4 – STR-FSA 100

2.5 – Passado de/sem lutas 105

2.6 – O Dia do Trabalho pertence ao trabalhador? 113

2.7 – Greves setoriais 119

2.7.1 – Os tradicionais e as greves 120

2.7.2 – Primeiras manifestações no fim da ditadura 123

2.7.3 – ADUFS 128

2.7.4 – Metalúrgicos 134

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Capítulo 3 – Lutas pela classe 137

3.1 – Oposições sindicais 137

3.2 – Pró-CUT 144

3.2.1 – A Pró-CUT nas greves gerais 146

3.2.2 – Caminhos da Pró-CUT 154

3.3 – O Grito da Terra 157

3.3.1 – ADEFS 160

3.3.2 – Jornal popular? 162

3.3.3 – Dois gritos 165

Conclusão 171

Referências Bibliográficas 177

Anexos 183

Lista de Fontes 190

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19

Introdução

Durante mais de dois anos persegui sujeitos, atores, processos, autores, fontes,

depoentes, contexto, coerência e outras tantas coisas que parecem, aí sim, nos perseguir. Fugi

delas muitas vezes também. Agora é hora da despedida, pois deixei por último a escrita da

parte do texto reservada a evitar que o leitor caminhe às cegas.

Entretanto, a escolha do tema, do período e da forma de investigá-lo e mesmo da

forma de apresentá-lo vem de muitos anos antes. Em primeiro lugar, a sensação de

turbulência na infância, por ter morado em três cidades diferentes em cinco anos, na corda-

bamba da pobreza e dos sonhos dos pais em acharem um lugar para se assentar, marcaram os

anos 1980 em minha vida. A década seguinte foi de início da estabilidade da família, mas da

minha saudade de brincar em ruas sem carros, de estudar em uma escola pequena, de não

saber o que era transporte coletivo. Em segundo lugar, na universidade, a década de 1980 me

chamou à atenção pelas muitas proposições sobre o Brasil pós-ditadura. Opiniões, de políticos

a artistas, que variaram ao longo da década, experimentações na música, na moda, nas

novelas. Todos se dizendo democráticos – de parlamentaristas a comunistas. Essa década,

considerada “perdida” para os ministros da fazenda, foi também a década do aprendizado

político para os que queriam ter o poder de decidir. Em terceiro lugar, no movimento

estudantil, a vontade de saber onde estiveram os trabalhadores feirenses, quando os de São

Paulo eram o centro das atenções para qualquer leitura sobre trabalhadores brasileiros na

década de 1980. Ainda, manifestações contra o aumento da passagem apenas com estudantes,

tendo muitos trabalhadores contra nós.

Esses três aspectos se uniram confusamente no desejo de saber onde e quando

trabalhadores feirenses foram às ruas. Ao longo do processo de construção do projeto de

pesquisa deixei de ser estudante e militante do movimento estudantil, mais estudos sobre

trabalhadores foram lidos e muito do “como foi isso?” foi deixando de ser uma curiosidade

para se tornar constatações. Parte disso descobri ao longo do mestrado. Por isso, as

motivações foram se diferenciando, para o que hoje se revela como um texto enviesado pelas

mudanças vividas e desejadas, pelas suposições que aqui estão postas e por dúvidas que

ficaram no caminho.

Sendo conflituoso o próprio processo de pesquisa e escrita, faz-se necessário

esclarecer o que está posto, o que não está posto e o porquê das escolhas. A questão central da

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pesquisa parte do pressuposto de que as lutas da classe trabalhadora feirense na década de

1980 não foram exceção, ainda que, diante da história dessa mesma classe, possam ser

consideradas extraordinárias. As lutas dos trabalhadores foram o que sua experiência

determinou que fosse, entre limites e possibilidades. Ainda que parte dos trabalhadores

feirenses, identificados inicialmente como “novos” sindicalistas, negasse o que eles

caracterizavam como o “velho” sindicalismo, este compunha as formas de lutar da classe

trabalhadora. Procuramos saber de que maneira o embate entre “velhos” e “novos” deixa ver

os contornos da experiência da classe trabalhadora feirense.

A nossa referência para pensar a classe trabalhadora no seu processo histórico e em

relação à classe dominante é o historiador inglês Edward Palmer Thompson. A leitura de

Thompson acabou por servir de referência também para pensar a própria História e sua

construção, enquanto processo e enquanto ciência. Sobre essa última, a teoria se refere a um

conjunto de procedimentos historiográficos em aberto – os conceitos, problematizações,

argumentos e teses são, eles próprios, históricos.1

Essa interpretação relacional da história, da qual Thompson não é a única referência, é

a base do argumento de que o “novo sindicalismo” não era necessariamente antagônico ao

denominado “velho sindicalismo”. Servia mais como uma caracterização para distinguir do

que para explicar a oposição de um a outro. Em Feira de Santana, escolhemos seis sindicatos

para focarmos nosso olhar sobre as disputas entre os chamados “velhos” e “novos”

sindicalistas: Sindicato dos Bancários, Sindicato dos Comerciários, Sindicato dos Condutores

Autônomos de Veículos Rodoviários (SINCAVER), Associação dos Docentes da

Universidade Estadual de Feira de Santana (ADUFS), Sindicato dos Metalúrgicos e Sindicato

dos Trabalhadores Rurais de Feira de Santana (STR-FSA).

A quantidade de sindicatos não implicou em um número ostensivo de fontes, por dois

motivos. Os três primeiros sindicatos, existentes na cidade desde, pelo menos, a década de

1960, tinham por prática conduzir os assuntos dos trabalhadores sob a observação de setores

da classe dominante da cidade. A ADUFS tinha uma prática organizativa fortemente

influenciada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pela Central Única dos Trabalhadores

(CUT): decisões mais importantes votadas em assembléias, diretorias com poderes limitados

pela base, combatividade e desligamento de governos e das forças políticas da Nova

República. O Sindicato dos Metalúrgicos foi escolhido para que se pudesse traçar um paralelo

com o modelo de trabalhador combativo do “novo sindicalismo”, onde figurava o trabalhador

1 Não podemos deixar de reconhecer que a obra de E. P. Thompson é tributária do pensamento marxista e, no caso da interpretação científica sobre o mundo, da Introdução à Crítica da Economia Política, de Karl Marx.

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metalúrgico. Os trabalhadores rurais destoam do referido modelo e foram escolhidos por isso

e porque foram disputados por “novos” e “velhos” ao longo da década de 1980.

Apesar de esses seis sindicatos terem destaque em nosso texto, outros sindicatos

também figuram aqui, pelo caráter de lutas de trabalhadores que escolhemos: as que

envolviam mais de uma categoria, através das quais era tentada a unidade de classe, e aquelas

em que se tentava a solidariedade de classe. Essa escolha também se deu por dois motivos. O

primeiro é que nossa intenção não foi traçar a trajetória de cada sindicato e seu processo

organizativo, mas sim como cada um deles se posicionou diante da intensificação das lutas em

Feira de Santana. Segundo, o número de fontes nos sindicatos buscados foi mesmo muito

pequeno. A justificativa comum para isso foi o medo da invasão dos sindicatos pela repressão

ditatorial, o que levou membros da diretoria a dispersar os documentos entre os militantes,

causando a perda de boa parte deles.

Estabelecemos outra nomenclatura para “velhos” e “novos”, por pensarmos que essa

distinção estabelece uma dicotomia atrasados/avançados que nasce, aliás, da própria luta dos

“novos” contra os “velhos”.2 Mesmo deixando claro que não concordamos com a referida

caracterização, optamos por dois termos que sintetizam as opções políticas de ambos. Os

“velhos” são chamados aqui de tradicionais porque mantinham e defendiam, na época

estudada, uma prática organizativa que havia se estabelecido nos períodos anteriores. Ainda

que tivessem filiação partidária, não se auto-declaravam como representantes partidários. Essa

era uma posição típica da política feita anteriormente na cidade, estando entre a prática

organizativa desse grupo. Portanto, decidimos não nomeá-los a partir de sua filiação

partidária.

Ao contrário disso, chamamos os “novos” de petistas-cutistas, pois faziam questão de

destacar sua filiação partidária, encarando o PT e a CUT como integrantes de um único

projeto, cujo objetivo principal era a autonomia política da classe trabalhadora. A dificuldade

desse termo é homogeneização, desconsiderando os embates dentro do PT e da CUT, que

também estavam presentes em Feira de Santana. Ainda assim, as duas instituições se

permutaram na luta dos trabalhadores feirenses: a representação da CUT era mais forte que o

PT, ao mesmo tempo em que aquela é formada por militantes desse partido.

Para estudar esses grupos e saber sobre quais bases se assentava a experiência da

classe trabalhadora feirense, utilizamos fontes que nos deram a dimensão dos limites nos

2 MATTOS, Marcelo Badaró. Novos e velhos sindicalismos. Rio de Janeiro (1955-1988). Rio de Janeiro: Vício de Leitura, 1998. Esta obra investiga as práticas dos grupos estabelecidos por essas nomenclaturas, construídas pelo novo sindicalismo, no Rio de Janeiro. Ela será retomada no primeiro capítulo.

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quais os trabalhadores agiam, em relação com seus pares e com seus oponentes. Os jornais

locais, os documentos produzidos por algumas entidades de trabalhadores e os depoimentos

constituem nossa base documental. Ao mesmo tempo em que ela é volumosa, é também

esparsa e lacunar, respondendo apenas por parte da questão estudada, trazendo à baila mais a

fala dos petistas-cutistas do que a dos tradicionais. Devido a isso, decidimos contrastar as

fontes entre si, estudando quem as produzia e suas relações com grupos políticos. Duas dessas

fontes mereceram uma discussão própria, que está posta no texto: os jornais Feira Hoje e O

Grito da Terra.

Utilizamo-nos também da bibliografia existente sobre a classe trabalhadora de Feira de

Santana no século XX, tanto para conhecer as interpretações existentes sobre ela, quanto para

acompanhar outras tentativas de conhecer a experiência da referida classe. Isso se deu por

conta dos marcos temporais escolhidos por nós – 1977-1991 – que dão conta apenas das

transformações e embates, de onde se pode ver os contornos da experiência. Para o período

anterior a esse, apenas pudemos interpretar indícios encontrados na bibliografia e também no

contraste entre as fontes.

O período da história de Feira de Santana estudado por nós se inicia na crise da

ditadura, quando as classe se reorganizavam em tornos de seus projetos para os rumos do país.

Na cidade, estudamos como toda essa turbulência testou os limites da experiência da classe

trabalhadora, pelos conflitos dos trabalhadores entre si e com os dominantes, recorrendo, para

isso, a tradições de luta distintas. Para tanto, começamos com a assunção à prefeitura por

Colbert Martins (MDB), em 1977, por ter sido uma tentativa de retomar as relações com a

classe trabalhadora nos termos da gestão de Francisco Pinto (PSD), interrompida pelo golpe

de 1964. Acompanhamos a reaproximação institucional entre Colbert, como era conhecido, e

os sindicalistas tradicionais, assim como a formação do PT e da CUT em oposição a esses.

Esse embate se estendeu ao longo de toda a década de 1980, se arrefecendo no final da

mesma. Concluímos em 1991, quando as mobilizações coletivas tinham assumido um caráter

muito mais defensivo, frente à recomposição do poder hegemônico da classe dominante no

país e na Bahia, com Antonio Carlos Magalhães como governador da Bahia e Fernando

Collor de Melo como presidente do país. Também, esse foi o ano do último grande embate

entre tradicionais e petistas-cutistas: as eleições para o Sindicato dos Comerciários, o maior

da cidade.

Para que fosse possível falar da experiência da classe trabalhadora feirense com os

obstáculos da pesquisa aqui postos, decidimos pela ordem temática, em vez da ordem

cronológica. As dimensões da experiência buscada se fazem mais evidentes quando

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mostramos os conflitos de classes e os rumos da classe trabalhadora, na trajetória de cada

mobilização coletiva aqui tratada. A ordem cronológica está presente apenas na Conclusão,

para o arremate das constatações e suposições apontadas ao longo do texto.

Dessa maneira, no capítulo 1, tratamos do território da pesquisa, ao apresentarmos a

luta de classes no período estudado e as premissas que sustentam esse estudo. As disputas

pelo solo urbano se intensificaram após um fluxo migratório para a cidade, iniciado na década

de 1970. Essa dimensão da luta de classes na cidade atravessa todo o período estudado e nos

ajuda a ver por onde se movimentavam dominantes e dominados na reorganização da

dominação de classe pós-ditadura.

Antes, porém, iniciamos o capítulo com uma discussão sobre a história e a

historiografia nacionais, do ponto de vista dos modelos que induzem interpretações sem que

antes se recorra às fontes, ou mesmo à formulação de questões sobre o objeto de pesquisa.

Para continuar, a segunda seção mostra esses modelos em nosso tema de pesquisa, através da

crítica à sociologia do trabalho, que defende o novo sindicalismo como modelo de trabalhador

“com consciência de classe”. A terceira seção explicita a referência teórico-metodológica para

pensar as mobilizações da classe trabalhadora feirense à luz de sua experiência. Divide-se em

experiência (conceito central) e tradição (através da qual falaremos da experiência). A quarta

seção mostra os vestígios, através da bibliografia, da experiência, já que não trabalhamos com

fontes suficientes para compor a experiência da classe trabalhadora antes de fins da ditadura.

A quinta e última seção do capítulo inicia a discussão do objeto mostrando como as lutas dos

migrantes em Feira de Santana foram importantes para o impulso do novo sindicalismo na

cidade. Ou seja, o novo sindicalismo na cidade nada tem de avançado para os padrões da

referida sociologia do trabalho, mas, ainda assim, se reivindicou como novo e orientou suas

ações a partir do mesmo modelo de trabalhador criado no ABC paulista (trabalhador

metalúrgico, integrado à avançada indústria capitalista, combativo, grevista, autônomo frente

ao patrão e ao Estado e, por tudo isso, dotado de consciência de classe).

O segundo capítulo discute as mobilizações coletivas da classe trabalhadora feirense

através das disputas dentro da própria classe e de parte desta com os dominantes.

Demarcamos a tradição no padrão organizativo da classe para perceber as tensões na sua

experiência. Iniciamos com uma visão geral das lutas no período estudado, através do jornal

Feira Hoje, que também é alvo de análise como um dos conjuntos de fontes mais importantes

da pesquisa. Em seguida, apresentamos os três sindicatos tradicionais, a partir de suas

relações com o executivo municipal e alguns partidos. A terceira seção discute o paternalismo

a partir das relações construídas entre dominantes e dominados durante a gestão de Chico

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Pinto no pré-ditadura. Essas relações permaneceram de alguma maneira, atravessando a época

da ditadura, e tentaram ser retomadas na gestão de Colbert Martins (1977-1982). Ainda nesta

seção, apresentamos o Movimento de Organização Comunitária (MOC), por ter cumprido um

importante papel na permanência das relações paternalistas na cidade a partir do início da

década de 1970.

Na quarta seção, apresentamos o STR-FSA a partir de sua tomada pelos trabalhadores

rurais das mãos de fazendeiros (ligados ao PDS), com a ajuda do MOC, e indicamos que isso

teve relação com as disputas, dentro da classe dominante, sobre o lugar determinado para a

disputa de classe na cidade e no campo. A quinta seção mostra os embates entre tradicionais e

petistas-cutistas a partir da memória: para os primeiros, os outros eram “elementos estranhos”

à classe e, por isso, não tinham legitimidade para dirigi-la. Para os petistas-cutistas – que se

reconheciam nas lutas de oposição à ditadura e recentemente também nas lutas do ABC

paulista – os tradicionais se subordinavam a forças políticas que tutelavam os trabalhadores.

A penúltima seção fala da retomada do Dia do Trabalhador (1º de maio) como data de “luto e

luta”, tentando substituir seu caráter cívico pelo caráter de classe, bem como as lutas contra a

prefeitura, pela coincidência da data com a Micareta. Por último, falamos das greves setoriais,

apresentando a ADUFS, o Sindicato dos Metalúrgicos e falando da intensificação das greves

na cidade. Primeiro, a recusa dos tradicionais em participar. Depois, seu envolvimento

moderado. Os petistas-cutistas, que viam na greve um dos pilares da independência de classe,

tiveram de lidar com a resistência dos trabalhadores, cuja experiência não tinha na greve um

instrumento de luta.

O terceiro e último capítulo fala sobre as disputas pela direção da classe trabalhadora

feirense entre tradicionais, petistas-cutistas e MOC. Vemos como a experiência de classe se

interpunha nessas disputas através das Oposições Sindicais, da Comissão Pró-CUT Regional

de Feira de Santana (Pró-CUT) e do jornal O Grito da Terra. Na primeira seção, falamos das

tentativas de formação de oposições em alguns sindicatos e das oposições bancária e

comerciária, as duas mais fortes à época. Podemos ver como as propostas do “novo

sindicalismo” eram apresentadas pelas oposições e como estas dialogavam com o

assistencialismo, presente enquanto prática sindical. Na segunda seção, mostramos a Pró-CUT

no apoio e organização da luta dos trabalhadores, através do projeto de autonomia de classe

defendido pela Central. Sua atuação mais organizada em Feira de Santana, nas greves gerais e

na disputa pelo STR-FSA, será tratada nessa seção. Ainda, daremos destaque a um aspecto

curioso da Pró-CUT: em que pese sua atuação durante anos, ela nunca saiu do estado de

Comissão e a CUT Regional jamais chegou a ser criada. Por último, mostramos como o jornal

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O Grito da Terra foi, concomitantemente, campo de consenso e disputa entre o MOC e os

petistas-cutistas. Ambos pareciam estar de acordo que os trabalhadores deveriam ter

autonomia para trilhar seu próprio caminho, mas divergiam nas formas de atuação para que

isso fosse possível. A prioridade de cada um desses grupos é percebida através das notícias

que, mesmo não assinadas, deixam ver, muitas vezes, quem as escrevia.

Estudamos a experiência da classe trabalhadora feirense não no período de formação

da mesma, mas em um período em que a crise de hegemonia abriu espaço para a disputa de

projetos. Nesse momento, também a classe trabalhadora foi disputada por projetos

protagonizados por grupos que buscavam hegemonizá-la. Esta última precisou negociar

soluções para a saída da ditadura. A referida crise tinha que ver não apenas com o

esgotamento do planejamento autoritário, onde o Estado era, ao mesmo tempo, investidor

produtivo direto e viabilizador do financiamento da expansão privada. Foi provocada também

pelo cerceamento de participação política formal e manifestações contra as condições de vida

e trabalho. Os trabalhadores organizaram lutas – dentro e fora dos espaços de trabalho –

reivindicando o que a superexploração causada pelo modelo econômico autoritário, travestido

de “milagre econômico”, havia sufocado através do aparato repressivo. A transição não seria

tão lenta quanto declarou Ernesto Geisel.3

Assim, pensamos que o confronto de classes na década de 1980 pode ser visto como

provocador de uma tensão na experiência da classe trabalhadora. E é também pela

generalidade que uma crise de hegemonia pode causar que tratamos de diferentes categorias

de trabalhadores. Tentando não desconsiderar as especificidades de cada grupo de

trabalhadores, analisamos as inúmeras tentativas de unificação da classe em tornos de projetos

que entravam em choque.

Muitas das lutas específicas de cada categoria são faces de uma mesma moeda,

referindo-se à classe trabalhadora e não classes trabalhadoras. Os professores da UEFS

lutaram para serem reconhecidos como trabalhadores em educação e, simultaneamente, para

evitar sua pauperização. Os trabalhadores rurais lutavam pelo direito à previdência e pela

isenção de impostos nos alimentos produzidos por eles. Essas pautas atravessaram a crise de

direção política do Estado e constituíam os problemas em comum, identificados nas bandeiras

nacionais de luta enquanto combates à dívida externa, à política econômica, ao arrocho

salarial. As reivindicações mais corporativas não fugiam à condição de subalternização,

3 Eurelino Coelho problematiza o termo transição para designar os conflitos de classes da década de 1980. Cf. COELHO NETO, Eurelino Teixeira. Uma esquerda para o capital. Crise do marxismo e mudanças nos projetos políticos dos grupos dirigentes do PT (1979-1998). Niterói: (Tese de Doutorado em História), 2005, p.35 et seq.

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mesmo entre os não assalariados. Considerando a dominação de classe na clivagem entre

proprietários e não proprietários, entendemos o que tornou viável a proposta de organização

da classe trabalhadora em sua unidade.

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CAPÍTULO 1

Feira de Santana: terra de lutas, lugares de experiência

A história de Feira de Santana, na interpretação da maioria dos depoentes que serão

apresentados neste texto, varia entre a ausência de conflitos como característica formativa das

classes na cidade e a exaltação de alguns personagens que são emblema da refutação desse

argumento. Um deles é Lucas da Feira. Escravo rebelado, Lucas Evangelista dos Santos fugiu

da fazenda Saco de Limão, situada na Vila de Sant’anna da Feira, no início do século XIX, e

formou um bando de salteadores acusado de homicídios e violência sexual. Em 1849, Lucas

da Feira foi preso e enforcado. Seu nome é pouco encontrado nos homens da cidade,

sugerindo o “sinal de Caim” posto em sua imagem. Volta e meia é posto à baila, em

divergências sobre seu reconhecimento enquanto bandido ou herói. Uma revista em

quadrinhos lançada recentemente mostra um Lucas da Feira alto e musculoso, como os heróis

dos quadrinhos norte-americanos, recupera sua infância enquanto escravo e também o apoio

de alguns fazendeiros da região nos roubos que praticava.4

Do lado oposto, temos uma caracterização feita por Oscar Damião Almeida, membro

fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana (IHGFS): “era um jovem

muito irrequieto, agitado, canhoto, zarolho, cabelos desgrenhados, olhos avermelhados,

estatura média, peito cabeludo, revoltado com os maus tratos aplicados aos negros, nas

senzalas.”5 Entre as caracterizações que polarizam Lucas da Feira entre o bem e o mal, o setor

dominante da cidade o vê como um detrator da ordem, enquanto pessoas que, nos anos 1980,

participavam das lutas dos trabalhadores o defendem enquanto lutador contra a opressão.

Durante décadas Feira de Santana foi chamada “terra de Lucas”, embora a história do escravo

fugido fosse (como ainda é hoje) cercada de mistério e silêncio. O silêncio também cerca a

história das lutas nessa mesma terra, especialmente das lutas dos trabalhadores escravizados e

livres.

A memória sobre Feira de Santana que pessoas e instituições querem preservar, como

Instituto Histórico e Geográfico de Feira de Santana (IHGFS), choca-se com as lutas de classe

nessa mesma cidade durante a década de 1980. O conteúdo deste texto é conhecido de muitos,

4 FRANCO, Marcos, LIMA, Marcelo, e ROGÉRIO, Hélcio. Lucas da Vila de Sant’anna da Feira. Feira de Santana. Independente. 2010. 5 ALMEIDA, Oscar D. Dicionário de Feira de Santana. Feira de Santana: Santa Rita, 2006, p.233.

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é parte importante da trajetória de vida de outros tantos, mas ainda não figura na história

oficial da cidade, assim como todos os outros períodos de conflito na cidade.

Este capítulo fala dos terrenos em que foi construído o projeto e a pesquisa sobre as

lutas sociais recentes em Feira de Santana, a começar por relacioná-las aos territórios

historiográficos e ao terreno conceitual que referencia o estuda da experiência da classe

trabalhadora da cidade. Continuaremos a caminhar pelo terreno da historiografia sobre

trabalhadores feirenses, buscando elementos para o estudo da experiência desse grupo. Por

fim, vamos ao solo urbano da cidade, analisando as disputas sobre ele, que também foram

lugares onde as tradições vigentes para os sujeitos nos falam da experiência dos mesmos.

1.1 – A historiografia e o distante reino do “nacional”

A historiografia nacional ressalta as semelhanças, a regional lida com as diferenças, a multiplicidade. A historiografia regional tem ainda a capacidade de apresentar o concreto e o cotidiano, o ser humano historicamente determinado, de fazer a ponte entre o individual e o social.6

Está-se, então, a reafirmar que existe uma histografia nacional e outra local? E que

cada uma delas contribui com sua parte? Ora, o que chamamos de história nacional é uma

história local que se nacionalizou por motivos políticos que, inclusive, podem ser objeto de

análise histórica. Perguntamos-nos se a história nacional comumente conhecida anula

qualquer possibilidade de se produzir uma história nacional. Nas linhas que se seguem,

recolocaremos a história nacional em outro termo que não o da segmentação entre

generalidade e particularidade.

Para os objetivos deste estudo, podemos nos perguntar por quais razões sabemos tanto

sobre as greves em certa parte do país e tão pouco sobre outros processos grevistas durante o

mesmo período: fins da década de 1970 e década de 1980. Certamente isto se deve ao fato de

que, à época, São Paulo já havia se constituído como centro sócio-econômico do país, antes

mesmo de acontecerem os eventos que influenciaram trabalhadores de outros estados. Dito de

outra forma, deve-se prestar atenção para o que precede os fenômenos e não somente para o

6 AMADO, Janaína. Historia e Região: reconhecendo e construindo espaços. In: SILVA, Marco (coord.). República em migalhas. História regional e local. São Paulo: Marco Zero / CNPq, 1990, p. 13.

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seu impacto – ou mesmo para o momento, que tende a se tornar modelo de análise dos

diversos processos históricos em outros lugares.

A própria constatação de que as lutas do “novo sindicalismo” paulista tiveram

destaque dentro e fora da academia nos leva a pensar sobre qual é o lugar reservado para

outras lutas na historiografia. Lygia Sigaud, ao falar da greve dos trabalhadores das plantações

de cana-de-açúcar na Zona da Mata de Pernambuco em 1979, destaca sua importância como a

primeira greve depois da desarticulação das Ligas Camponesas pós-1964 e fala sobre seu

status de ignorada

[...] por ter sido uma dentre as 68 greves ocorridas no país de janeiro a outubro de 1979 e por ter coincidido com a volta ao país de um número expressivo de militantes que puderam abandonar o exílio graças às pressões populares que culminaram na anistia, a greve vitoriosa dos trabalhadores de Pernambuco não teve um destaque privilegiado na imprensa. Por outro lado, incompreensões decorrentes em parte do desconhecimento do movimento camponês no Brasil e preconceitos políticos de setores que se surpreenderam com a greve e não conseguiram enquadrá-la de imediato nos seus quadros de referência impediram também que o movimento tivesse uma repercussão maior.7

Não à toa o livro é dedicado a fazer saber sobre a referida greve. A intenção de Sigaud

foi de que o livro servisse também de documento, já que o leitor estaria desinformado sobre a

greve em Pernambuco, apesar de ter informações de diversas fontes sobre as greves ocorridas

no mesmo período em São Paulo. Também, ao longo do livro, a autora contrapõe os que “se

surpreenderam”, mostrando como a organização dos trabalhadores rurais para a greve e a

própria greve contestam o modelo paulistocêntrico, fazendo ver: relações estreitas de

solidariedade entre sindicatos; comunicação entre os grevistas baseada na cultura iletrada;

literatura de cordel no auxílio à memória sobre lutas anteriores; articulação grevista com

sindicatos rurais de outros estados do Nordeste.8

Para continuarmos puxando o fio que nos leva à constituição da preponderância da

história nacional do modo como a conhecemos, destacamos em Elegia para uma re(li)gião,

de Francisco de Oliveira. O autor discute como a intervenção estatal planejada, através da

SUDENE (1959), abriu espaço para que o capital monopolista do Centro-Sul se reproduzisse

7 SIGAUD, Lygia. Greve nos engenhos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 10. 8 Idem, passim.

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e se tornasse hegemônico no Nordeste. Oliveira defende que houve uma reorganização do

espaço brasileiro e tentativas de atenuar os conflitos de classe – nas palavras da SUDENE,

“desigualdades entre regiões ricas e pobres” – implicando na derrubada das barreiras para a

expansão do capital no país. Assim, região se fundamenta na especificidade da reprodução do

capital, como uma formação dialética, porque esta existe em relação a outras regiões, todas

atravessadas pelas formas de dominação de classe.9

Embora seja possível questionar sua previsão de que se homogeneizariam as regiões,

pois o autor faz um recorte metodológico que privilegia a esfera de reprodução do capital, o

texto põe esta em relação a outras esferas da vida humana. Vejamos sua advertência sobre

análises a respeito da economia capitalista brasileira:

Não implica em se dizer que, se na “região” industrial que tenta impor sua hegemonia [...] começa a aparecer de um lado uma burguesia industrial e de outro um proletariado urbano, nas outras “regiões”, e especificamente no Nordeste, o conflito de classes tomará a mesma forma [...] A história política e social do Brasil foi exageradamente “homogeneizada”, uniformizada, do ponto de vista teórico, da chamada “interpretação” do Brasil, para além do que a própria tendência de homogeneização da reprodução do capital em escala nacional conduzia.10

A nacionalização da história no Brasil se deu pela escolha de um processo histórico

específico como modelo para os diversos lugares do país, reduzidos a ser parte da regra ou da

exceção deste mesmo modelo. Isso pode ser percebido no que chamamos aqui de “metáfora

do espelho” quando, em nossos próprios textos (mas não só nós, historiadores) falamos que

um determinado processo é reflexo de outro. Não apenas a palavra é característica de tal modo

de pensar, mas também o uso da historiografia nacional para confirmar hipóteses que

levantamos sobre nossas pesquisas. Em muitos de nossos produtos finais é possível ler trechos

em que, para confirmar alguma hipótese sobre nosso objeto, nos valemos das conclusões de

pesquisadores que estudaram processos correlatos aos nossos, mas não equivalentes.

Compreendemos que a historiografia nacional e seu produto, a história nacional, são

parte de um processo histórico de dominação e determinação de saberes, não só entre os

acadêmicos, mas no ensino de história nas escolas. A própria historiografia se revela através

9 OLIVEIRA, Francisco. Elegia para uma re(li)gião. Sudene, Nordeste. Planejamento e conflito de classes. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981, passim. 10 Idem, p. 81-82.

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da sua história. Tendo se formado concentradamente no Sudeste, os estudos de lá foram lidos

nos cursos que posteriormente surgiram aqui na Bahia. O uso recorrente desses estudos em

diversos estados aguardaria até que novos estudos fossem produzidos sobre a realidade daqui

– sem esquecer que pesquisadores baianos tenham feito suas pós-graduações nos cursos do

Sudeste. Mas o processo histórico sedimenta modos de ver e agir no mundo, e essa história

por tanto tempo estudada ficou mesmo sendo a história nacional. Para que se possa saber do

que estamos falando, somente em 2007 entraram em funcionamento dois outros mestrados na

Bahia, pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Universidade do Estado da

Bahia (UNEB), pois até então existia somente o da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Ainda hoje, a UFBA é a única pós-graduação em história que oferece doutorado. Assim como

somente em 2008 foram defendidos os primeiros trabalhos monográficos da graduação em

Licenciatura em História da UEFS, já que o currículo anterior não exigia trabalho de

conclusão de curso.

Por outro lado, reações em contrário a essa nacionalização de estudos locais se

mostram em diversos programas de pós-graduação no Nordeste, que contém “História

Regional”, “História Local”, ou “História Regional e Local” nos seus nomes e nas suas linhas

de pesquisa. Entretanto, as discussões nesses programas ou mesmo fora deles permitem se

perguntar acerca dos usos dessas adjetivações, qual a função política de se fazer uma história

do local, quais os desdobramentos desta ou daquela tomada de posição frente à historiografia

ainda chamada de nacional.11

Contra a já referida homogeneização, parece ter sido criado um pólo oposto. A

valorização que se faz da história regional/local em alguns estudos é muito focada no papel de

contestar os modelos generalizantes, negando também a possibilidade de estudos que possam

ser reconhecidos como história nacional. Novamente, Amado nos fala a respeito do tema.

Desta vez, sobre as razões do crescimento das pesquisas nesse tipo de história

particularizante, entre os quais o “esgotamento das ‘macro-abordagens’, das grandes sínteses

até então predominantes, as quais, embora necessárias e capazes de apontar parâmetros,

11 Cf. OLIVEIRA, Ana Maria Carvalho dos Santos e REIS, Isabel Cristina Ferreira dos (orgs.). História Regional e Local. Discussões e práticas. Salvador: Quarteto, 2010. Neste livro foram publicados artigos produzidos para o I Simpósio de História Regional e Local, organizado pelo Programa de Pós-Graduação em História Regional de Local da UNEB, Campus V – Santo Antonio de Jesus. Para uma defesa da História Regional como campo historiográfico, com fontes e métodos próprios, ver NEVES, Erivaldo Fagundes. História Regional e Local. Fragmentação e recomposição da história na crise da modernidade. Feira de Santana: UEFS; Salvador: Arcádia, 2002.

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mostravam-se claramente insuficientes quando cotejadas com estudos mais

particularizados.”12

A análise de Janaína Amado, comentada aqui duas vezes, está no livro República em

migalhas, um dos primeiros a discutir a questão. Ele data de 1990. Por toda década anterior

historiadores brasileiros discutiram o papel da história no que diz respeito às fontes utilizadas

até então, mas também questionaram o alcance das sínteses que abarcavam todo o país. Já a

partir dos anos 1970, o repensar as fontes fez com que se revissem as dimensões da história.

Exemplo disso é o livro Domínios da História, onde quase todos os artigos apontam a década

de 1970, especificamente no Brasil, como marco para que todo o processo de produção em

história fosse repensado, da escolha das fontes à forma de narrativa adotada para os textos

finais.13 Isso está ligado a processos que ocorreram concomitantemente: crescimento das pós-

graduações em história; criação de graduações em história, substituindo licenciaturas que

abarcavam história, sociologia, geografia; ensino de história e geografia, separadamente, nas

escolas de primeiro e segundo graus.

Para a história do movimento operário, Claudio Batalha aponta o mesmo período, e

mais fortemente os anos 1980, como retomada da interpretação das lutas dos trabalhadores

sob outros enfoques que não o da estrutura, a exemplo das “sínteses sociológicas.”14 Hebe

Castro também fala sobre questionamentos dos historiadores, no campo da história social,

sobre o uso excessivo de dados quantitativos, que punham as ações humanas amarradas em

modelos genéricos e estruturantes.15

A forte influência do estruturalismo no país é comumente apontada como uma das

causas para que a historiografia brasileira estivesse presa, durante anos, a explicações que

previam como deveriam se dar as relações humanas, definindo inclusive que tipos de fontes

deveriam ser utilizadas para isso. As fontes estavam subordinadas, assim como o processo

histórico a determinações já conhecidas, pois que se reproduziam. Essa relação entre modelo e

fontes dificultou que fossem pensados o movimento e transformação históricos.

Diante disso, operou-se uma inversão a partir do período citado. Os sujeitos, que antes

praticavam ações subordinadas à estrutura, passaram a ter sua subjetividade destacada, para

mostrar não só que suas ações não estavam pré-determinadas, como também para que sua

subjetividade se tornasse o objeto de estudo. Essa primazia do campo da cultura fez produzir

12 AMADO, op. cit, p. 11. 13 CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: CAMPUS, 1997. 14 BATALHA, Claudio. A historiografia da classe operária no Brasil: trajetórias e tendências. In: FREITAS, Marcos Cezar. Historiografia brasileira em perspectiva. 5ª ed. São Paulo: Contexto, 2003, p. 145-158. 15 CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO e VAINFAS, op cit.

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estudos históricos que enfocam, também nos estudos sobre trabalhadores, o cotidiano, a vida e

as lutas fora das fábricas, a mulher trabalhadora, a dona-de-casa, discussões sobre a cultura

entre os trabalhadores.

Nesse sentido, as fontes e o espaço geográfico tiveram destaque, como parte

importante das modificações na produção historiográfica. A negação das “grandes sínteses”

partiu do reforço da afirmação de que os sujeitos são localizados e se fazem presentes por

outros meios através de documentos das mais diversas naturezas, importando menos julgar

sua origem do que entendê-los metodologicamente. Essa movimentação entre os historiadores

em torno da valorização das fontes para a pesquisa fez com que se construísse uma

metodologia específica, por exemplo, em história oral, para casos abundantes de comunidades

sem registro escrito e também para questionar verdades construídas nos discursos oficiais,

predominantemente encontrados nos documentos escritos.16

Ao se negar os estudos de tipo generalizante, as “particularidades” e o “concreto”

parecem ter assumido a história regional/local como abrigo para se diferenciarem como

estudos que privilegiam as fontes. Desse modo, a história nacional ficou conhecida como

aquele conjunto de compêndios ensaísticos, ao qual se recorre, quando em vez, para se falar

da historiografia brasileira. Parece mesmo ter se tornado extremamente difícil dissertar sobre

lugares dos quais não dispomos de fontes. As fontes passaram a determinar não só os limites

territoriais, mas metodológicos e, vez ou outra, temos a impressão que nos dividimos entre os

historiadores de antigamente, os ensaístas, “os sem fonte”, e os de hoje, que têm através das

fontes uma história com sujeitos, os fontistas.

A intenção, assim, não é desconsiderar o que já foi produzido – porque é produto da

dominação ou porque diz respeito a um processo histórico diferente do nosso. Tentamos

entender porque foi produzido daquela maneira e dar um salto qualitativo a partir da crítica

que se faz a esse tipo de produção. De que maneira? Nas tentativas de equilibrar, de um lado,

a compreensão de que, se há dominação de uma região sobre outra, há também uma relação

entre essas partes, o que faz de ambas objeto de estudo inseparável entre si. De outro lado,

entender que os processos históricos são feitos por sujeitos que vivem neste local aqui e não

lá, no “nacional”; o que faz com que não seja possível saber, de antemão, como se

comportarão, por exemplo, trabalhadores que montam carros para a mesma empresa, no

16 Este parágrafo e os dois anteriores estão referenciados em BATALHA, op cit; CASTRO; op cit, inclusive com visão mais matizada sobra a negação do estruturalismo e a primazia da cultura nos estudos históricos. Para uma discussão sobre o estruturalismo e sua negação na proposição de um método para a história, cf. COELHO NETO, Eurelino Teixeira. A dialética na oficina do historiador: idéias arriscadas sobre algumas questões de método. Revista História e Luta de Classes, ano 6, nº 9, jun. 2010, p. 7-16.

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mesmo mês, em cidades diferentes. Dito de outro modo, não se fala de sujeitos históricos sem

enraizamento, sem códigos culturais, sem postura política. Nesse sentido, a onipresença do

nacional, nos termos aqui criticados, em sua generalidade determinante, não só esfumaça

hierarquizações e conflitos, como boicota o próprio processo de produção histórica.

Pensamos que a construção de uma história que dê conta do “todo” e do “específico”

não passa, necessariamente, pelo nacional/local, ou seja, uma transposição da metodologia

para a cartografia. Se, por exemplo, a configuração do Estado nacional, bem como a

articulação das classes dominantes, aconteceu em diferentes lugares do país, os estudos sobre

elas devem ser parte do tipo de análise onde as lutas sociais ocorrem simultaneamente, mas

são parte de processos históricos diferenciados entre si.17

A história nacional pode deixar de ser encarada como soma de pedaços de terra para

ser possível através das relações. Nelas é possível entender como sujeitos se identificam com

outros, com os quais nunca tiveram contato; é possível entender também que a própria fonte é

fruto de relações, que revela e também esconde processos que são explicáveis, muitas vezes,

ao se entender como se produziu a própria fonte. Nesse sentido, há que se reconhecer as

determinações sem, contudo, fazer delas a camisa de força das “certezas nacionais”. Nosso

objeto de estudo não se explica por si só, está em relações com o que o determina, assim

como o próprio processo histórico não permite que as determinações apareçam em forma de

teleologia – a história natimorta.18

Tal constatação nos remete ao célebre ensaio de E. P. Thompson, As peculiaridades

dos ingleses, onde ele analisa as interpretações de Perry Anderson de Tom Nairn sobre a

história britânica. Durante todo o texto Thompson argumenta contra modelos previamente

estabelecidos e suas implicações para o estudo da história, partindo da análise da Revolução

Inglesa que tinha a Revolução Francesa como modelo: “Quase se pode ouvir o estiramento

das texturas históricas quando a vestimenta dos eventos ingleses [...] é forçada a cobrir o

peitudo modelo de La Révolution Française.”19

17 Ao longo dessa dissertação será encontrada a palavra nacional quando nos referirmos à divisão político-administrativa do país, a políticas executadas e/ou propostas por governos federais, a articulações políticas que envolvam grupos sociais de expressão em diferentes lugares do país. 18 Para o desenvolvimento desta seção, as discussões realizadas no LABELU foram de fundamental importância, bem como a apreciação, nesse mesmo grupo de pesquisa, do texto de COELHO NETO, op cit. 19 THOMPSON, E. P. As peculiaridades dos ingleses. In: NEGRO, Antonio Luigi e SILVA, Sergio (orgs.). As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: EDUNICAMP, 2001, p. 155-156.

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1.2 – “Novo sindicalismo”: trabalhadores entre aspas

Há um considerável número de livros dedicados a estudar o “novo sindicalismo”.

Antes de tudo, é importante notar que tal nomenclatura aparece com força naqueles que se

propuseram a avaliar esse movimento anos depois. Nos livros escritos durante a ascensão

desse movimento de trabalhadores, a preocupação gira em torno de, simultaneamente,

explicá-lo e reconhecê-lo como legítimo. Portanto, o “novo sindicalismo” e suas aspas foram

se constituindo à medida que esse movimento foi se expandindo, expondo sua força e suas

contradições. Aqui, falaremos das interpretações acadêmicas sobre o “novo sindicalismo” no

que diz respeito à construção de um modelo de trabalhador, bem como de suas lutas.

A busca de uma nomenclatura para se distinguir dos demais diz muito sobre a força

que esse movimento buscava ter. Diz também sobre como esses trabalhadores definiam sua

luta. Expliquemo-nos através das palavras de Badaró Mattos:

Dizer “novo sindicalismo” é opor as atitudes dos dirigentes sindicais considerados mais combativos às atitudes de seus contemporâneos ditos pelegos. Mas é opor também novas práticas às consideradas tradicionais no sindicalismo brasileiro de antes do golpe militar. E como a categoria constrói-se em meio à erupção do fenômeno, os analistas acadêmicos precisam atualizar, ou rejeitar, teses e interpretações tradicionais, que não comportavam este fato novo.20

O “novo sindicalismo” se construiu (como movimento e como nomenclatura) em sua

negação a outros grupos de trabalhadores. Destacando-se a construção de uma auto-imagem

combativa que agregou muitos trabalhadores da geração dos anos 1970 e 1980, a proposta do

“novo sindicalismo” tinha como núcleo a defesa da autonomia frente ao Estado (negociar

direto com o patrão), orientação classista (trabalhador confia em trabalhador) e ênfase na

organização por locais de trabalho (sindicatos com organização de base). Aquela nova

geração de trabalhadores e também acadêmicos contrapunham este “novo” ao “velho”

sindicalismo, pós-Vargas e pré-64, que representaria, na conjuntura de fins da ditadura: falta

de autonomia frente ao Estado, prática sindical “cupulista” (não participação das bases) e

atrelamento político a partidos e chefes de Estado, dentre outras caracterizações que levaram

este “velho” sindicalismo a ser definido também como “sindicalismo populista”.

20 MATTOS, 1998, op cit, p.55. Este estudo é guia para a compreensão do novo sindicalismo, pois retoma o processo de construção do conceito pelos acadêmicos, bem como o compara à realidade carioca.

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Sendo assim, o “novo sindicalismo” se auto-proclamou, e foi proclamado, como uma

ruptura com um passado de colaboração de classes. Porém, para muitos analistas e alguns

militantes, aqueles trabalhadores poderiam ser o proletariado revolucionário, cuja consciência

de classe permitia dizer isso. Se não, vejamos.

Celso Frederico, ao estudar a consciência de classe dos operários de uma indústria

automobilística de São Bernardo do Campo, diz não trabalhar com definições a priori e se

pergunta sobre quais trabalhadores poderiam ser acompanhados de perto para se chegar ao

objetivo da pesquisa:

- o migrante recém-chegado do campo, que trabalha há poucos dias na fábrica? - a mocinha que vai casar e arrumou um emprego durante alguns meses, a fim de conseguir dinheiro para o enxoval, e que, em seguida, irá apenas cuidar do lar? - os participantes de seitas religiosas do tipo Testemunhas de Jeová que, embora trabalhem na fábrica, têm todas as atenções voltadas para fora dela?21

Ao tentar aplicar um questionário para entrevista de 100 trabalhadores, o autor notou

que não havia relação de confiança entre os entrevistados e o pesquisador. Após convivência

com o cotidiano operário, Frederico fez sua escolha:

Os operários avançados exprimem, de modo mais desenvolvido e mais rico, as possibilidades da consciência operária. Eles não são operários comuns, detectados através de regularidades apreendidas estatisticamente pelos sociólogos que se limitam a privilegiar o que há de mais freqüente, os elementos que mais assiduamente se repetem na consciência empírica da maioria dos operários. Eles não são também operários médios, construídos arbitrariamente por um processo de abstração que nivela, num hipotético ponto intermediário, as tendências mais avançadas e mais atrasadas da consciência dos trabalhadores. Os operários avançados são – para o estudo da consciência de classe – operários típicos.22

21 FREDERICO, Celso. A vanguarda operária. São Paulo: Símbolo, 1979. p.17. 22 Idem, p.20.

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E segue diferenciando “a ponta de lança” dos “setores mais atrasados da classe”, dos

que “estão fora de sua história” e outros adjetivos que hierarquizam setores da classe

trabalhadora a partir do seu envolvimento com organizações de classe.

Diferente de outros sociólogos, Frederico foi a campo para realizar entrevistas e

acompanhar o cotidiano dos operários dentro das fábricas, construindo seu texto com as falas

dos trabalhadores. Ainda assim, o vemos dividir os trabalhadores em grupos, tendo como

parâmetro a consciência de classe (horizonte de luta, fala sistematizada, visão não-linear de

história) e elegendo os possuidores dessa como os já comentados “operários avançados”.23

Ricardo Antunes, que tem diversos livros publicados sobre manifestações de

trabalhadores, usou tipologias para caracterizar internamente as greves de 1978/1980 em A

rebeldia do trabalho. Com o objetivo de compreender o significado das greves e seus

desdobramentos no plano da consciência operária, cria esquemas explicativos que chama de

“dialética das formas de greve”: espontâneas/não-espontâneas, estritamente

econômicas/políticas, ofensivas/defensivas, parciais/gerais. Defende que um processo grevista

pode fazer avançar ou retroceder a consciência de classe

Numa greve, é evidência elementar que sua positividade se efetiva quando ocorrem avanços qualitativos no plano da consciência operária. Isto, porém, se realiza de maneira tanto mais sólida quanto mais as reivindicações fundantes, motivadoras, são conquistadas como resultado da ação e, o que é decisivo, quanto mais os objetivos imediatos são inseridos numa luta mais global contra os fundamentos da ordem do capital, quanto mais se consegue transcender os limites dados pela imediatidade.24

Antunes reproduz uma análise sociológica do tipo que “mede o grau” de

combatividade nos movimentos de trabalhadores a partir de uma série de parâmetros

previamente escolhidos para estudar a consciência de classe dos trabalhadores.

Um modo de pensar que, previamente, estabelece comparativos em níveis de

consciência operária é indicativo de uma interpretação onde, certamente, será colocado em

“nível mais baixo” ações que se destacam pela negociação (aqui temos outro binômio

combatividade/conciliação), criando um modelo de trabalhador combativo.

23 Para mais detalhes, cf. FREDERICO, Celso. Consciência operária no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Ática, 1979. Este livro foi resultado de pesquisa de campo realizada nos primeiros anos da década de 1970. 24 ANTUNES, Ricardo. A rebeldia do trabalho. O confronto operário no ABC paulista: as greves de 1978/80. 2ª ed. Campinas: Ed. Unicamp, 1992. p.176.

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Esse modelo não foi construído somente nas discussões e produções acadêmicas.

Houve mútua influência entre os autores que escreviam sobre aquele movimento e os que

militavam nele – que eram não só operários, mas também estudantes e mesmo alguns desses

autores. Como poderá ser visto nos capítulos que se seguem, havia a defesa de que o

“fortalecimento” da classe e sua consciência dependiam de instituições controladas por

trabalhadores e de confrontos abertos com o patronato.

Tendo em vista a grande expectativa política gerada pelo “novo sindicalismo”, não é

de causar espanto que tenham sido escritos muitos textos que fazem um balanço acerca de sua

eficácia. Escolhemos dois tipos de avaliação sobre o “novo sindicalismo”. A primeira é

sintetizada por Badaró Mattos, quando ele analisa obras de Leôncio Martins Rodrigues,

Ricardo Antunes, Armando Boito Jr e observa que estes, apesar de muitas diferenças

interpretativas, continuam caracterizando negativamente o movimento sindical pré-64, bem

como a questão de fundo continua sendo o “destino de classe”.25 A segunda avaliação parte da

crítica à dicotomia velhos/novos sindicalistas, na qual o estudo de Badaró Mattos está incluso.

Em coletânea de fins da década de 1990, sociólogos e historiadores discutiram o novo

sindicalismo sob diferentes enfoques. Destacamos aqui três artigos. O de Leila Blass se baseia

nas continuidades da tão criticada estrutura sindical, mesmo com sua apropriação pelo novo

sindicalismo. Subjaz nos argumentos da autora a idéia de que os sindicatos não seriam mais

espaços legítimos de luta dos trabalhadores, pois se afastam do seu cotidiano. A tensão que

ela vê entres “velhos” e “novos” assume a forma de institucionalidade versus cotidiano. Este

último grupo de trabalhadores não conseguiu destruir a supremacia institucional que o

antecedeu.26

Antonio Negro defende que as greves de 1978 não “explodiram”, tampouco foram

frutos apenas das greves de Contagem e Osasco, dez anos antes. Negro retorna aos anos 1950

para mostrar como os operários da Willys (posteriormente comprada pela Ford e situada no

ABC paulista) faziam confronto aberto com os patrões e, décadas depois, os operários da Ford

eram vistos como os mais “combativos”. Dessa maneira, o “novo sindicalismo” não poderia

negar o “velho”, pois seria herança deste último.27

Por último, Marco Aurélio Santana fala da idéia de ruptura com o passado, tentada

pelo “novo sindicalismo”, e dos apoiadores dentro da academia que trataram de reduzir esse

25 MATTOS, op cit, p.68-81. Cf. capítulo 2 para esse tipo de interpretação em autores que produziram nas décadas de 1960 e 1970. 26 BLASS, Leila Maria da Silva. Novo sindicalismo: persistência e descontinuidade. In: RODRIGUES, Iram Jácome (org.). O novo sindicalismo. Vinte anos depois. Petrópolis: Vozes, 1999. P. 33-49. 27 NEGRO, Antonio Luigi. Nas origens do “novo sindicalismo”: o maio de 59, 68 e 78 na indústria automobilística. In: idem. p. 9-31.

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passado a poucos artigos que caracterizavam os trabalhadores de então como “velhos”, no

sentido dito anteriormente. Santana diz que o “novo sindicalismo” apenas atualizou práticas

existentes anteriormente e que a não derrubada da estrutura sindical se deu porque os novos

sindicalistas se tornaram status quo e, com isso, enfraqueceram o movimento. Essa

incorporação do movimento sindical ao aparato estatal teria sido uma escolha dos dirigentes

sindicais.28

A escolha destes artigos, dentre um número considerável de obras que avaliam o

“novo sindicalismo”, se deu para representar as linhas interpretativas mais comuns. Na

concepção defendida por Blass, o problema estava em persistir na idéia de que os sindicatos –

e a representação política institucional – não se sustentavam em uma sociedade que

caminhava para a construção de identidades em grupos cada vez mais específicos. O sindicato

homogeneizaria as identidades plurais sob uma única, genérica e insuficiente a partir de então:

a de trabalhador. A avaliação de Santana põe nas mãos dos dirigentes sindicais os rumos da

classe trabalhadora. O enfraquecimento do “novo sindicalismo” se deu por opção destes

sujeitos, pondo suas avaliações individuais à frente de outros motivos e, por isso mesmo, do

próprio processo histórico. A análise de Negro considera a história da própria classe como

fundamento para explicar os limites do “novo sindicalismo”. Baseia-se comumente na

avaliação de que as lutas do pré-64 não só existiram, como não se perderam ao longo dos

anos, contestando a fratura que existiria entre “velhos” e “novos”.

A linha de interpretação desse último nos interessa por permitir pôr em questão o

“novo sindicalismo” como modelo. Badaró Mattos, já citado aqui, é nossa referência principal

entre os que discutem novo sindicalismo, por ser um dos poucos historiadores a tratar da

comparação entre “velhos” e “novos” e por ter feito essa escolha ancorado no conceito de

experiência. Relativiza as análises extremadas sobre o pré-64 e fala do que o novo

sindicalismo não levou em conta ao avaliar esse período. Ainda, não culpa os novos

sindicalistas pelas acusações desmedidas ao “velho”, chamando à atenção para o processo

histórico, onde se pode ver o fosso cavado pelo período ditatorial. Deslocando a discussão

para as condições históricas – que permitiram a explosão do novo sindicalismo e, anos depois,

sua retração – Mattos faz uma análise que critica o propalado modelo de trabalhador do ABC

paulista ao estudar os trabalhadores cariocas. Para o Rio de Janeiro da década de 1970, analisa

28 SANTANA, Marco Aurélio. Política e história em disputa: o “novo sindicalismo” e a idéia da ruptura com o passado. In: op cit, p. 73-94.

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o movimento da classe trabalhadora em relação com a prefeitura, o governo estadual e com

outros movimentos onde estavam também trabalhadores.29

Tomar o “novo sindicalismo” enquanto modelo impede tanto que outras histórias

sobre esse mesmo movimento, em outras partes do país, sejam contadas, quanto que se leve

em conta a experiência da classe trabalhadora. Sobre o primeiro empecilho, já pudemos

observar seus desdobramentos na seção anterior. Acerca do segundo destacamos, novamente,

o livro A rebeldia do trabalho, de Ricardo Antunes, por termos visto nele um tipo de

interpretação que nega a experiência de classe.

Ao discutir as particularidades do operariado daquele local – “pólo avançado da

classe” e também onde se agudizou o arrocho da política econômica da ditadura – Antunes

diz:

O florescimento desse novo segmento dá, também, qualidade nova àquele que o originou: o migrante, egresso das regiões mais atrasadas e que, ao inserir-se nos marcos da fábrica monopolizada, assume sua face

autenticamente proletária, de ser socialmente moldado pelo mundo industrial. Por isso torna-se inútil – porque insuficiente – querer diagnosticar a ação do operariado da indústria automobilística pela sua dimensão individual, de migrante que visualiza e vislumbra sua trajetória rural-urbana como realização de sua ascensão social.30

O próprio autor diz serem essas afirmações uma crítica ao argumento que relaciona a

origem rural a uma perspectiva de ascensão individual do operário e, por isso, impedimento

para a formação da consciência de classe.31 Ainda assim, vemos problemas de duas ordens no

pensamento de Antunes. A primeira é a “dimensão individual”. Ao negá-la in totum, como

conseqüência da negação do argumento de que ela estaria implicada no processo de migração

dos camponeses, ou mesmo seria objetivo incontornável destes, ao partirem para as cidades

(centros industriais), Antunes faz uma caracterização preconceituosa onde o camponês é

individualista e, por isso mesmo, não tem consciência de classe. Aqui, as formas de

29 MATTOS, op cit, passim. Antes desta obra, podemos destacar o trabalho de duas autoras em apontar para a continuidade entre “velhos” e “novos” sindicalistas, ao discutirem nos termos de geração e identidade coletiva: PESSANHA, Elina e MOREL, Regina. Gerações operárias: rupturas e continuidades na experiência de metalúrgicos do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, nº 17, ano 6, out. 1991. 30 ANTUNES, Ricardo. A rebeldia do trabalho. O confronto operário no ABC paulista: as greves de 1978/80. 2ª ed. Campinas: Ed. Unicamp, 1992.p. 161. Grifos nossos. 31 ANTUNES, Ricardo. Classe operária, sindicatos e partido no Brasil. Da Revolução de 30 até a Aliança Nacional Libertadora. 2ª Ed. São Paulo: Cortez, 1988. p. 57-61.

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sociabilidade, solidariedade e coletivismo são ofuscadas em nome de um padrão de

comportamento que, sendo urbano, é considerado o mais avançado. Também, ao dizer

“inútil” e “insuficiente”, joga fora a oportunidade de se perguntar de que maneira a trajetória

dos migrantes – mesmo com a expectativa de ascensão social – influenciou na formação do

operariado do ABC. O que o autor desconsidera não é a dimensão individual, como ele

mesmo diz. E sim uma experiência coletiva de desenraizamento e deslocamento frente a uma

nova realidade32 – até porque a ascensão individual é um fenômeno coletivo.

A segunda ordem do problema é a dicotomia atrasado/moderno, que faz com que

Antunes hierarquize os trabalhadores pelo nível da sua consciência de classe. O migrante,

“egresso das regiões mais atrasadas”, ganha “qualidade nova” quando se torna operário: se

torna “autenticamente” proletário e é “socialmente moldado” pelo moderno. Ora, o que vemos

aqui nos parece ser a interdição do que há de rural, camponês, e dito “atrasado” no migrante-

operário.33

Ao dizer que o migrante assume uma face autêntica distinta da sua face migrante, o

autor esvazia o sentido do processo de tornar-se operário sem deixar de ser migrante e cria um

hiato por caracterizar, de um lado um trabalhador rural, atrasado, sem consciência e, de outro

um trabalhador urbano, moderno, que constrói sua consciência de classe no ato de fazer

greves contra o capital monopolista “autenticamente urbano”.

Diante disso, o “novo sindicalismo” nos interessa como movimento, que impulsionou

as lutas de trabalhadores em todo o país. Ainda que esse movimento tenha se espraiado como

um modelo, foi ele quem deu sustentação para parte da classe trabalhadora feirense que se

reivindicava combativa, usando os preceitos desse mesmo modelo.

Não se pode negar a importância da criação da CUT e sua expansão pelo país, nem da

fundação do PT e suas disputas com a então fragmentada classe dominante. Tampouco se

pode fechar os olhos para a expansão das greves – forte marca do “novo sindicalismo”. A

agitação que se seguiu às greves de 1978-1980 está na memória de militantes feirenses,

também como um modelo, a exemplo de José Rocha: “como é que lá o povo luta e aqui, que

32 No documentário Peões Zacarias, que trabalhou décadas nas fábricas de Diadema, relembra do frio que passava em São Paulo: como tinha vindo do Ceará, não tinha nenhum casaco e passou um bom tempo sem tal vestimenta porque não tinha dinheiro pra comprar e porque tinha vergonha de admitir que sentia frio. Isso demonstra a dificuldade do migrante se identificar com o lugar e as pessoas com as quais convive: quer manter a imagem de nordestino (forte) e não quer ser inferiorizado frente aos colegas de trabalho paulistas, acostumados com o frio. 33 Em artigo, Luigi Negro discute a origem rural de trabalhadores do ABC paulista e a construção da identidade operária, em meio ao discurso de progresso nacional, que tinha como um de seus pilares a constituição de uma indústria automobilística brasileira. Cf. NEGRO, Antonio Luigi. Zé Brasil foi ser peão. Sobre a dignidade do trabalhador não qualificado na fábrica automobilística. In: BATALHA, SILVA e FORTES. Culturas de classe. Identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas: EdUnicamp, 2004, p.403-435.

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tem a mesma exploração, tá tudo parado?”.34 Aqui em Feira, o novo sindicalismo marcou as

disputas de trabalhadores a ponto de os chamados “pelegos” terem que assumir aqueles como

sujeitos que disputavam um projeto de organização da classe trabalhadora.

Diante disso, pretendemos contribuir com uma análise que se preocupe em entender de

quais maneiras o novo sindicalismo – agora sem aspas – atravessou a experiência dos

trabalhadores feirenses, e não se ele levou a cabo suas propostas.

1.3 – Experiência da classe trabalhadora

As experiências de trabalhadores de diferentes locais, em uma mesma época, podem

ser comunicadas, partilhadas, mas não se confundem entre si e tampouco se pode deduzir uma

pela outra. Esse pressuposto, que orientou nossa pesquisa, tem como base o conceito de

experiência, desenvolvido por E. P. Thompson. A experiência é singular, porque histórica – o

que não impede de haver padrões, já que estamos falando de ações humanas e relacionadas a

processos que, muitas vezes, ultrapassam barreiras locais e regionais.

Não se pode falar em experiência sem deixar claro sua dupla dimensão para a análise

histórica: totalidade e processualidade. Na primeira, considera-se que nenhuma ação humana

é só econômica, ou cultural, ou política; assim como não há determinação unilateral de um

desses níveis sobre outros. A experiência não pode ser encontrada somente em dados

estatísticos sobre trabalho em moradia, mas somente se for considerado também como a

classe trabalhadora interpretava sua própria condição de trabalhar e morar. O estudo da

experiência indica os nichos que relacionam luta de classes, classe e sua consciência. Essa

mesma experiência tem, na sua dimensão processual, as ligações da classe com seu passado.

Importa saber em quais condições se constituiu a classe tal como a vemos no período

estudado, para que seja possível ver o que suas ações dizem não somente sobre o tempo em

que atuam, mas também sobre o porquê escolhem atuar daquela maneira. Aqui temos uma

determinação, mas de outro tipo. A história do grupo estudado nos diz sobre quais são seus

limites e possibilidades, e não o contexto, de onde geralmente se extrai as conclusões sobre o

que determina as opções da classe.35

34 Depoimento de José Rocha. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS. 35 Para essa formulação, nos baseamos em “Exploração” e “Padrões e experiências”, capítulos de THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. Vol. II. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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Dessa maneira, tentamos explicar o movimento de trabalhadores nos anos 1980 em

Feira de Santana menos como derivação linear da conjuntura do que como um processo que

pode dizer sobre como eles lidaram com transformações que se iniciaram (ou se

aprofundaram) no período da ditadura, tendo como base as determinações de sua própria

experiência, também ela alvo de mudanças. Nesse sentido a noção de experiência traz à luz

uma trajetória coletiva que não pode ser desprezada, nem tomada como obstáculo, já que das

condições estão dadas e, por isso mesmo, influenciam nas opções políticas da classe.

É no momento de crise da ditadura – frente às determinações locais que balizam esse

marco nacional – que podemos perceber, pela própria fala dos trabalhadores, com qual

experiência tinham de lidar os que defendiam diferentes propostas para a participação da

classe na “volta da democracia” ao país. Isso pode indicar que há uma continuidade entre os

períodos destacados pela historiografia (populismo, intervalo democrático, ditadura, nova

república/redemocratização) quando se trata de investigar com quais argumentos e contra

quem parte dos trabalhadores em mobilização nos anos 1980 justificavam sua luta. Os

trabalhadores que tiveram de lidar com a CLT não o fizeram sem que antes houvesse outros

trabalhadores em luta; assim como suas ações não se perderam para as gerações posteriores.

As continuidades e rupturas nas práticas formam, conjuntamente, a experiência dos

trabalhadores.

Na dinâmica histórica que estudamos neste trabalho, a própria experiência da classe

trabalhadora feirense foi tensionada pelos confrontos da tomada de rédeas dos rumos do país.

A crise de direção do país tem momentos em que se revelam a força de tradições. É através

das disputas políticas na própria classe que percebemos, articuladamente, as lutas por

melhores condições de vida perpassadas por defesas de como estas deveriam se dar.

Para uma síntese disso, usamos uma afirmação de Thompson sobre sua investigação

acerca das influências na mudança da noção de tempo, durante o século XVIII, entre os

trabalhadores ingleses. O cotidiano modificou-se em função de um “novo tempo”, onde

predominava, por exemplo, a defesa do trabalho incessante, em oposição à ociosidade, ligada

aos prazeres mundanos – impulsionado pela ética puritana. Thompson mostra como tais

modificações não se deram somente na técnica da manufatura, mas também em instituições

não industriais, como a família e a escola, e inclusive forjou a significação do relógio como

sinônimo de prestígio.

A primeira geração de trabalhadores nas fábricas aprendeu com seus mestres a importância do tempo; a

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segunda geração formou os seus comitês em prol de menos tempo de trabalho no movimento pela jornada de dez horas; a terceira geração fez greves pelas horas extras ou pelo pagamento de um percentual adicional pelas horas trabalhadas fora do expediente. Eles tinham aceito as categorias de seus empregadores e aprendido a revidar os golpes dentro desses preceitos.36

Nas práticas organizativas da classe trabalhadora feirense ao longo do período

estudado podemos perceber, através da tradição, as modificações na experiência dessa mesma

classe.

As duas últimas seções deste capítulo se complementam com esta, nos seguintes

termos: a próxima aponta para elementos reveladores da experiência dos trabalhadores

feirenses até a ditadura, através da leitura da bibliografia sobre trabalhadores em Feira de

Santana; a última seção inaugura a análise do objeto, tentando responder quando (não

necessariamente a data, mas as condições) e através de quais sujeitos começaram as tentativas

de enfrentamento da tradição de luta dos trabalhadores feirenses, bem como as modificações

na sua experiência.

1.4 – Bibliografia sobre grupos subalternos

Existem, ainda hoje, poucos estudos sobre a classe trabalhadora feirense. Dos que

existem, serão aqui destacados os que têm objeto próximo à data onde começa nossa pesquisa.

Serão também comentados alguns estudos que tratam, tangencialmente, da classe

trabalhadora.

Partimos da primeira metade do século XX, quando Feira de Santana era

predominantemente rural, não apenas nos costumes, mas também no próprio traçado

urbanístico. Reginilde Santa Bárbara refaz o caminho das lavadeiras do Tanque da Nação em

direção ao trabalho nas fontes de água, bem como nos muitos contatos sociais que a profissão

propiciava.37 Tentando entender o processo de construção da autonomia e dignidade destas

mulheres, entre as décadas de 1930 e 1960, Santa Bárbara descobre redes de solidariedade –

36 THOMPSON, Tempo, disciplina de trabalho e o capitalismo industrial. In: Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 294. 37 SANTA BÁRBARA, Reginilde. O caminho da autonomia na conquista da dignidade: sociabilidades e conflitos entre lavadeiras de Feira de Santana, Bahia (1929-1964). Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 2002. Este e os próximos três parágrafos são um resumo dos elementos que interessam a esta seção. Manteremos esse padrão de notas até o fim da mesma.

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que não dispensavam conflitos – tanto no cotidiano das lavadeiras, quanto no bloco

carnavalesco “Melindrosas”. Reunindo também outros subalternos, o bloco era animado por

suas marchinhas, com letras que faziam afirmação da identidade negra.

As lavadeiras tinham de lidar ainda com o preconceito de serem, elas também,

provedoras do lar. Mulheres que saíam de casa para trabalhar e circulavam a cidade, passando

pelas casas dos ricos, pelos bordéis, pelos hotéis e pequenas pousadas espalhadas pela cidade

– que aumentavam de acordo com o fluxo migratório. Essas mulheres se movimentavam em

busca de meios de sobrevivência e tinham com os dominantes um tipo de relação em que o

apadrinhamento de seus filhos por parte destes não era incomum.

A leitura deste trabalho nos indica, naquele período, posições sociais bastante

marcadas pela cor: brancos ricos no espaço urbano feirense, negros pobres no espaço que

circundava o que então era a cidade – ainda que o cotidiano fosse, como dissemos no início,

predominantemente rural. Os jornais deixam claro o temor da classe dominante com os pretos

que se misturavam na feira livre que invadia a cidade, trazendo desordem e a percepção, por

parte destes, da origem rural e, por isto mesmo, “incivilizada” desta parcela majoritária da

população feirense. Exemplo disso é a visão do jornal Folha do Norte a respeito das

“Melindrosas”, usando em suas matérias sobre o bloco adjetivos como “ignorância” e

“desordem”.

A criação, na gestão de Francisco Pinto (PSD, 1963-1964), de um tanque público para

as lavadeiras, deixou ver as tentativas de “modernização” da cidade: a roupa que antes se

lavava na água que brotava da terra em vários pontos da cidade, passou para poucos tanques

de cimento com “inspetores” para cuidar do patrimônio público. As melhorias estruturais

trouxeram consigo uma disciplina do trabalho não acordada com aquelas mulheres e que

ordenava espaços marcadamente negros e populares, impondo uma modificação na

organização do trabalho construída pelas próprias lavadeiras.

Esses conflitos estão postos na pesquisa de Santa Bárbara, seja através da imposição,

pela classe dominante, de uma “civilidade”, seja das próprias modificações nos costumes dos

dominantes e dominados, pois estavam em conflito cotidianamente. Este estudo nos mostra a

complexidade de uma parte classe trabalhadora feirense, através das estratégias de resistência

de um grupo de trabalhadoras que não batiam cartão nem tinham quem as vigiasse de perto e,

nem por isso, estavam livres da relação de dominação, de classe, raça e de gênero.

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Ainda sobre clivagens de gênero, classe e raça, temos o estudo de Kleber Simões.38 Ao

analisar as mudanças no padrão de comportamento do homem feirense entre 1918 e 1938, o

autor mostra como o Código de Posturas do Município de 1937, cerceia os espaços onde antes

era permitida a circulação de animais e carroças. Isso foi emblema de um processo mais

amplo de modificar o comportamento da população feirense, atravessada pela dicotomia entre

espaço público e privado: práticas populares como os festejos ou mesmo o passeio de animais

pelas ruas vieram junto com o aumento das críticas aos “moleques” que circulavam nas ruas

sem a atenção dos pais.

Esse controle da sociabilidade mais espontânea, transformando-a em “perigo” e

“violência”, foi parte da tentativa de cercear as práticas dos subalternos no espaço urbano de

Feira de Santana. Simões também destaca o aumento das notícias que criticavam o candomblé

ou quaisquer manifestações religiosas de matriz africana. Ao tentar cercear a masculinidade

costumeira dos que estava cotidianamente nas ruas – através também do elogio aos homens

elegantes, que circulavam de automóveis e eram gentis com as damas – a “elite feirense”

atingiu não só o modo como se relacionavam os gêneros, mas também a participação popular

na construção do espaço urbano.

Essa circunscrição dos espaços populares e de gênero ganha outros contornos na

dissertação de Eronize Souza. Ela estudou o discurso da “modernidade”, entre 1930 e 1950,

que tinha forte sustentáculo na condenação da violência, vista como obstáculo à ordem

pública.39 Ainda que a autora não tenha estudado subalternos, concentrando-se na constituição

do poder policial e judiciário nesse período, interessa-nos suas observações sobre brigas

envolvendo trabalhadores.

A autora identifica, durante a década de 1940, um aumento no fluxo migratório para

Feira de Santana e a relação que a imprensa local fazia deste movimento migratório com o

aumento da violência. Ao investigar essa relação, Souza descobriu que as brigas envolvendo

migrantes não superavam as que envolviam os “feirenses natos”, mostrando como parte dos

dominantes tentava caracterizar os que chegavam na cidade.

Interessa-nos também neste trabalho os lugares onde estavam a maioria desses

migrantes: nos bairros periféricos e, alguns deles, proprietários de pequenos comércios no

centro da cidade. Eles são encontrados pela autora através das páginas policiais dos jornais e

dos processos criminais, indicando qual lugar lhes coube nos conflitos pela Feira de Santana

38 SIMÕES, Kleber José Fonseca. Os homens da Princesa do Sertão: modernidade e identidade masculina em Feira de Santana (1918-1938). Salvador: UFBA (Dissertação de Mestrado em História), 2007. 39 SOUZA, Eronize Lima. Prosas da valentia: violência e modernidade na Princesa do Sertão (1930-1950). Salvador: UFBA (Dissertação de Mestrado em História), 2008.

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almejada como “moderna” por grupos que nela também moravam. Ao dizer que a valentia, e

as brigas como sua expressão mais comum, era um dos componentes do “macho nordestino”,

a autora aponta para os conflitos entre os trabalhadores recém-chegados na cidade e a ordem

que parte dos dominantes tentava estabelecer.

Os trabalhadores do campo, também parte da classe trabalhadora feirense, foram

objeto de estudo de duas outras autoras. Uma delas, Larissa Pacheco, trata das práticas,

comportamentos e costumes dos pequenos comerciantes de alimentos que trabalhavam nas

feiras livres da cidade entre 1960 e 1990. Esses sujeitos transitavam entre o espaço rural e o

urbano e isso era determinado pela própria condição de feirante. Nesse trabalho, as relações

entre rural e urbano estão presentes todo o tempo. A própria feira livre nas ruas da cidade era

uma junção entre práticas rurais e urbanas. Enquanto ponto de controvérsia entre os

dominantes, a feira livre passou por processos de modificação, tanto no que diz respeito a

políticas públicas, quanto nas formas de resistência dos feirantes.

Destacamos aqui as transformações ocorridas entre as décadas de 1960 e 1970.

Mesmo antes da ditadura militar, os dominantes reagiram às práticas populares – vide as

feiras livres como forma de popular de mercar – tentando impor disciplina. A transferência da

Feira, em 1977, para as instalações do atual Centro de Abastecimento de Feira de Santana

(CAF), vinha em um ambiente de pressão para as modificações necessárias nas formas de

gerar lucro, do qual faziam parte a crescente industrialização e a instalação do Centro de

Industrial do Subaé (CIS).

A reorganização urbana de Feira de Santana interferiu na circulação de produtos

oriundos do campo, como é o caso da transferência da feira livre, que ocupava as principais

ruas do centro da cidade. Em seu lugar, foi construído o CAF, numa tentativa de “agrupar” os

feirantes “espalhados” pelas ruas da agora “moderna” cidade. Aquele local de trabalho, e

também de identidade e sociabilidade de uma parte significativa da classe trabalhadora

feirense, foi transferido para outro local, construído sob os brados de “modernidade” e

“progresso” desejados pelos grupos sociais dominantes de Feira de Santana. Ainda assim,

muitos feirantes voltaram para as ruas da cidade e outros nem mesmo saíram delas. Foram

constantes as negociações destes com os comerciantes, com quem dividiam parte do espaço

público, e com a própria prefeitura, nas tentativas de convivência do mercado formal e

informal.

Essa acusação da feira ser desorganizadora do espaço urbano era antiga, mas ganhou

força em uma época de propalado discurso do progresso do país – “Pra frente, Brasil!” – que,

em Feira de Santana, já tinha modificado o comércio de gado. As práticas tradicionais dos

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populares se chocaram também, a certa altura, com novas maneiras de lucrar, através da vinda

de grandes redes de supermercado para a cidade. Tal processo pode ser interpretado como

uma tentativa de remover as características rurais do centro urbano e deslocá-las para lugares

periféricos da cidade. O CAF, destinado às vendas em atacado, foi construído com estrutura

que não permitia mais a antiga “algazarra” da feira livre.40

A segunda autora, Andréa Silva, estudou as modificações nas relações familiares e de

trabalho entre os camponeses de Humildes, entre 1948 e 1960, a partir da reconstrução da

estrada Bahia-Feira. Esse distrito de Feira de Santana, cortado pelo que se chama hoje de BR-

324, era um dos produtores de farinha da região. Na época estudada, a posse da terra

determinava se a vida dos camponeses seria mais ou menos estável.

Ainda se produzia farinha no forno a lenha, com água da fonte e sem energia elétrica.

A chegada da estrada modificou o cenário rural: fazendas e roças foram substituídas por

indústrias e postos de combustível. Também, houve demanda por mão-de-obra, suprida, em

sua maioria, pelos camponeses de Humildes que não tinham posse da terra nem da casa de

farinha. Porém, esses empregos, além de não registrados e mal remunerados, tinham

pagamento incerto. Isso significou o distanciamento de alguns membros do núcleo familiar

das atividades tradicionais de subsistência, basicamente a produção da farinha e atividade

agropecuária.

Com isso, a quantidade de famílias no trabalho rural diminuiu, pois boa parte dos

empregados nos postos de combustível permaneceu lá depois do término da construção da

estrada. As relações de trabalho no processo de produção da farinha estavam ligadas à

manutenção dos laços familiares. E os empregos disponíveis, tanto durante a construção da

estrada quanto depois desta, estavam nos moldes de compra e venda da força de trabalho

individual. Além do que, tais ocupações eram predominantemente masculinas: motorista,

pedreiro e frentista, dentre outros. Assim, a resistência de muitas famílias contra a

desapropriação das terras (suas ou de outrem) foi também uma resistência contra as

modificações drásticas de todo um modo de vida e trabalho.41

Todos os trabalhos comentados aqui deixam ver uma Feira de Santana perpassada

pelos binômios urbano/rural-atrasado/moderno que, no discurso dominante, eram sinônimos.

Os autores mostram que a constituição do espaço urbano da cidade não se deu por sobre o

40 PACHECO, Larissa P. B. Trabalho e costume de feirantes de alimentos: pequenos comerciantes e regulamentações do mercado em Feira de Santana (1960/1990). Dissertação de Mestrado. Feira de Santana: UEFS, 2009. 41 SILVA, Andréa Santos Teixeira. Entre a casa de farinha e a estrada Bahia-Feira: experiências camponesas de conflito e sociabilidade na garantia da sobrevivência, Feira de Santana (1948-1960). Dissertação de Mestrado. Salvador: UFBA, 2008.

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campo, mas em relação com ele. Na tentativa de pôr Feira de Santana como cidade do

progresso, a divisão entre atrasado e moderno foi mais um recurso discursivo do que uma

clivagem que se impunha nas relações sociais – como, de resto, são as visões que estabelecem

etapas de desenvolvimento nos processos históricos.

À exceção dos trabalhos de Kleber Simões e Eronize Souza – certamente porque não

versam sobre trabalhadores – os outros autores deixam ver conflitos de classe que, em certos

momentos, não se ampliaram a ponto de ocuparem o espaço público, e, em outros momentos,

eram levados a instâncias formais, quando é possível perceber relações de confiança entre

dominantes e dominados. Isso indica um padrão nas práticas organizativas da classe

trabalhadora feirense, que persiste no período estudado por nós. Veremos como esse padrão é

posto à prova com as lutas pelo solo urbano de Feira de Santana.

1.5 – Migrações e conflitos urbanos (projetos, sujeitos, resistências)

Feira de Santana é conhecida como “cidade-entroncamento”. Na linguagem cotidiana,

pode-se ouvir falar em “terra de Exu”, “lugar de passagem”, “chega-e-sai” e outras definições

que remetem a uma cidade com grande população pendular, além de ser composta por muitas

pessoas nascidas em outros locais. Essa forte característica da cidade pode ser percebida tanto

nos dias de segunda-feira, quando a cidade se enche de compradores, quanto nos muitos

moradores nascidos aqui, cujos pais são naturais de outros lugares.

Na política feirense também estão os migrantes. Segundo uma edição do jornal Feira

Hoje de 1987, desde 1973 não havia um prefeito nascido na cidade, bem como 12 dos 19

vereadores eram de outras cidades, em sua maioria do Nordeste.42 De lá para cá, apenas

Tarcisio Pimenta, o atual prefeito, e João Durval Carneiro são feirenses.

O fluxo migratório em terras feirenses é constante desde sua formação enquanto local

que abrigava vaqueiros e tropeiros que vinham para a feira de gado. Posteriormente, o

desenvolvimento de atividades comerciais e clima tido como favorável à cura de doenças

respiratórias, foram fortes motivos da vinda de outras pessoas.43 Porém, a intensificação da

migração nas décadas de 1960 e 1970 inaugurou a vinda de famílias que haviam sido expulsas

42 “Constelação de migrantes”. Jornal Feira Hoje, 05 de setembro de 1987, Caderno Especial 17 anos do Feira Hoje, p.5 43 MORAIS, ALDO José. Natureza sã, civilidade e comércio em Feira de Santana. Elementos para o estudo da construção de identidade social no interior da Bahia (1833-1927). Salvador: UFBA (Dissertação de Mestrado em História), 2000. O autor estuda a construção do discurso de Feira de Santana como “cidade saudável”.

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do campo por diversos motivos articulados entre si: as secas nas regiões próximas a Feira de

Santana, o aumento da concentração de terras para atividades agropecuárias, a conseqüente

tomada de pequenas propriedades familiares, a falta de emprego pela mecanização das

atividades no campo. Larissa Pacheco nos fala sobre avaliação de técnicos da SUDENE, em

1985, acerca das transformações no campo na região de Feira de Santana devido ao projeto de

industrialização articulado nacionalmente:

As áreas de pastagens na chamada micro-região (subsistema urbano regional de Feira de Santana), na qual Feira de Santana ocupava lugar de núcleo, tenderam a crescer a partir da década de 1960 e a população rural decresceu. Vários são os fatores apontados como causadores destas mudanças, mas o principal deles, segundo a avaliação da SUDENE, é a extensão de práticas mais modernas nas atividades rurais de toda a região, indo desde a mineração, cultura de café, agricultura de cereais à pecuária melhorada. 44

Feira de Santana, também chamada de “Princesa do Sertão”45, é passagem obrigatória

de quem vem de outros estados do Nordeste e de cidades do norte da Bahia para o Sudeste.

Muitas famílias que tinham como destino capitais de outros estados, ficaram em Feira de

Santana pela dificuldade financeira de continuar a viagem.46

No processo de industrialização planejada da cidade a partir dos anos 1960, com os

investimentos estatais de “desconcentração industrial” a que se integrou, sua característica de

entroncamento de importância nacional foi incrementada com as rodovias asfaltadas que

cruzaram a cidade, inclusive a BR-324, que a liga à capital do estado, Salvador. O

crescimento de Feira de Santana acompanhou o curso das estradas, nas direções norte, sul,

oeste e sudoeste. A localização da cidade propiciou, por exemplo, a distribuição da energia

elétrica vinda de Paulo Afonso em direção a Salvador, permitindo a instalação de fábricas de

maior porte.47

44 PACHECO, op. Cit. P.32, sobre: MELO E SILVA, Sylvio C. Bandeira. SILVA, Bárbara. LEÂO, Sônia de Oliveira. O subsistema Urbano-regional de Feira de Santana. SUDENE, 1985.p. 84. 45 Nome que foi destacado de um discurso de Ruy Barbosa em visita à cidade, em 1919. 46 Muitos dos migrantes entrevistados pelo Jornal Feira Hoje diziam ter ficado na cidade por não terem conseguido chegar a seu destino, São Paulo, ou mesmo voltar ao seu local de origem. Indicativo disso era a concentração de migrantes próximo à Rodoviária, abrigando-se debaixo de árvores. 47 Todo o parágrafo foi baseado em FREITAS, Nacelice Barbosa. Urbanização em Feira de Santana: influência da industrialização, 1970 - 1996. Salvador: UFBA (Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), 1998 e CRUZ, Rossine Cerqueira da. A inserção de Feira de Santana (BA) nos processos de integração produtiva e de desconcentração econômica nacional. Campinas: Unicamp (Tese de Doutorado em Economia), 1999.

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Apesar de intensificado nos anos 1970, esse processo não começou nessa década. A

partir de fins dos anos 1950, a média de crescimento populacional em Feira de Santana é de

aproximadamente 21% por década (1960, 1970, 1980) – número que indica a acorrida de

moradores que vieram de outros lugares. Simultaneamente, a população rural dos estados

brasileiros com crescimento industrial significativo caiu progressivamente. Feira de Santana

superou as médias estadual e nacional de taxa de urbanização, de crescimento populacional e

também de densidade demográfica, chegando ao início da década de 1980 com a média de 89

habitantes por km2 e, dez anos depois, com 301,97 hab/km2. 48

Tais transformações extrapolaram os limites estruturais da cidade. A área circunscrita

pelo “anel de contorno” – prevista pelo Plano de Desenvolvimento Local e Integrado (PDLI)

para ser o núcleo urbano da cidade – não foi suficiente para o número de ocupações feitas

pelos desabrigados e para os planos habitacionais promovidos pelo Estado. Além das

dificuldades em encontrar moradia em Feira de Santana, era também difícil conseguir

emprego. Vemos como isso se estende até a década seguinte em uma curta frase que Oyama

Figueiredo, dono de uma construtora e hoje nome de um dos conjuntos habitacionais da

cidade, disse em 1985, ao ser questionado sobre investimentos em construções de imóveis na

cidade: “O mercado de Feira [...] é barato devido à mão-de-obra disponível”.49

Nos anos de 1970 e 1980, cresceu o número de empregados na indústria, comércio,

serviços e transporte, sendo que, na agricultura, o número caiu para menos da metade. Essa

condição indica tanto a diversificação da classe trabalhadora, como uma maior

complexificação das tensões sociais na história recente da cidade. O espaço urbano se

modificou intensamente: com recursos públicos, abriu-se espaço para o tráfego de carros, com

novas avenidas e conjuntos habitacionais “populares”, bem como se ampliaram os problemas

com esgoto e lixo nas ruas. Percebe-se inclusive uma concentração de trabalhadores do

Centro Industrial do Subaé (CIS) e do serviço público, desde fins da década de 1960 até fins

dos anos 1980, nesses bairros planejados de norte a sul da cidade, cujas casas eram

financiadas tanto pelo Estado quanto por iniciativa privada com o apoio daquele. Na década

de 1980, já era consolidada a posição de Feira de Santana como segundo pólo urbano do

estado da Bahia.50

Se essa apresentação genérica das modificações na cidade a partir da década de 1960

diz algo sobre a vinda de migrantes, não nos permite saber em quais condições estes sobre-

48 Todo o parágrafo foi baseado em FREITAS, 1998, p.120 et seq. 49 “Mais de 600 casas para os trabalhadores do CIS”. Jornal Feira Hoje, 13 de dezembro de 1985, p. 2. 50 CRUZ, 1999 e FREITAS 1998, passim.

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viveram em Feira de Santana. O planejamento da industrialização não pretendeu lidar com o

número de pessoas que chegavam, nem com seu assentamento aqui. A luta pelo solo urbano

opôs a institucionalidade privada e pública àqueles genericamente chamados “forasteiros”.

Em balanço sobre a década de 1970, o Feira Hoje diz: “Dos moradores da cidade de

Feira, 42,06 por cento são feirenses natos, 49,3 por cento nasceram em outras cidades da

Bahia e 8,63 por cento vieram de outros Estados.”51 Esta curta matéria, ao tratar de três

pesquisas diferentes sobre o crescimento populacional da cidade, indica as tentativas de

interesses distintos em entender tal fenômeno e o resultado dele, este sim consensual: o fluxo

migratório modificara drasticamente a cidade.52 Entretanto, a migração não modificou, por si

só, a história de Feira de Santana. Diferente disso, ela fez parte de um processo articulado

nacionalmente, viabilizado aqui por empresários locais e pelo executivo municipal, e posto no

rol do projeto de reordenamento da cidade para o genérico “progresso”.

Vejamos, em linhas gerais, como a migração guarda relações com as modificações

projetadas para Feira de Santana. Em primeiro lugar, a classe dominante (ou parte dela) se

articulou, dentre outras maneiras, em associações, para garantir que houvesse um pólo

industrial na cidade. De início havia reivindicação de um “bairro industrial” e, posteriormente,

tomou corpo o CIS, que foi autarquia municipal até início da década de 1980, bem como as

tentativas dos industriais de estabilizar a política de industrialização e fortalecer o CIS se

davam diretamente com a prefeitura.53

Para tanto, as mudanças estruturais se estenderam não somente à área do CIS. Medidas

de racionalização para a cidade criaram o PDLI, o Plano Diretor, o Código de Posturas e o

Projeto Cabana, a fim de reordenar o espaço urbano e controlar as manifestações populares,

que tinham a feira como espaço privilegiado.54 A extinção desse espaço cumpria a dupla

tarefa de reordenar o mercado de alimentos e “limpar” a cidade. O projeto urbanístico para

Feira de Santana se chocava com o modo organizativo da feira livre.

51 “Três versões para a população”. Jornal Feira Hoje, 30 de dezembro de 1979, Edição Especial Anos 70, p.2. 52 As três fontes são: o BNH, “pesquisadores independentes” e Paulo Brandão, “especialista em mercados baianos”. Este último dividiu a população feirense em classes A, B1, B2, C1, C2 e D, que abarca 57,8% da população e vivia com, no máximo, 3 salários mínimos. “Três versões”... idem. 53 MONTEIRO, Jhonatas Lima. Interesses hegemônicos na margem da periferia. Ação política de dirigentes industriais em Feira de Santana (1963-1983). Feira de Santana: UEFS, (Dissertação de Mestrado em História), 2009, passim. 54 A intensificação de ações para racionalizar o espaço urbano se deu na gestão de João Durval (ARENA, 1967-1971), – precedida e sucedida por gestões da ARENA – cujo prestígio político aumentou com o CIS enquanto autarquia municipal. Sobre as disputas dentro da classe dominante acerca dos rumos do planejamento estatal da cidade, cf. LOPES, Guilherme A. S. Pequenas disputas, grandes desdobramentos: um debate sobre as particularidades da hegemonia. In: I SEMINÁRIO DE PESQUISA DO LABELU. Feira de Santana: UEFS, 2006 (Sem publicação); VALENTE, Andrei B. Estado e direção de classe: algumas reflexões sobre o período de industrialização em Feira de Santana. In: I SEMINÁRIO DE PESQUISA DO LABELU. Feira de Santana: UEFS, 2006 (Sem publicação); MONTEIRO, Jhonatas, op cit.

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53

À medida que ocorrem mudanças na legislação, as relações sociais dos feirantes com a classe dominante vão se alterando e o comportamento frente à organização da feira livre também. Muitas destas pessoas sentiram-se cada vez mais lesadas, pois obviamente recai sobre os pequenos comerciantes a maior parte das posturas municipais. Ainda, o estreitamento das oportunidades no mercado de trabalho e o crescimento do dito trabalho informal construíram novas experimentações de disposição da feira nas ruas entre os comerciantes tradicionais e os chamados forasteiros. Como os próprios feirantes disseram nas entrevistas, a facilidade em comprar os produtos com atacadistas para vender nas ruas trouxe cada vez mais migrantes para o trabalho na feira, oportunidade que parecia mais possível no mercado de trabalho. Por entre estas contradições, os governos locais foram construindo lentamente a mudança mais radical na feira.55

Era lugar-comum a imprensa local, e alguns políticos através dela, porem a culpa da

sujeira, “ladroagem” e “mau comportamento” na feira livre, que se espalhava entre as duas

mais importantes ruas da cidade, e seguia seu curso anti-civilizatório debaixo dos olhos da

sede da prefeitura e da Igreja Senhor dos Passos. Importante lembrar o viés racista dos

defensores do progresso, já que os que o “obstaculizaram” foram negros/mestiços/migrantes

com suas práticas populares de relacionar o público, o privado e, entre eles, a política.

Ainda hoje, em Feira de Santana, a “urbanização” é o carro-chefe dos governos

municipais. As duas gestões de José Ronaldo de Carvalho (PFL/DEM, 2000 - 2008) ficaram

marcadas pelo asfaltamento de ruas, prolongamento de duas das principais avenidas e, por

fim, a construção de viadutos. O prefeito atual, Tarcísio Pimenta (DEM), continua a linha

sucessória do anterior, tendo como assunto único nas entrevistas em rádios a construção de

um Centro Administrativo56, abertura de novas ruas/artérias, construção de condomínios e

casas, deixando de fora as necessidades básicas pelas quais os subalternos não podem pagar.

Os jornais locais, Folha do Norte e Feira Hoje, compartilhavam o incômodo com a

população, a fim de haver base social para realizar a urbanização de tipo brasiliense em Feira

55 PACHECO, 2009, op. cit., p. 116. 56 Interessante notar que em 1987 essa proposta já havia sido feita pelo prefeito José Falcão que, além disso, intencionava transformar a sede da prefeitura em Museu Histórico de Feira de Santana. “O antigo pouso dos tropeiros e vaqueiros é hoje um importante centro urbano com grandes problemas”. Jornal Feira Hoje, 16 de junho de 1987, Caderno Especial 114 anos, p. 6 e 7.

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54

de Santana. Impressões gerais na análise do Folha do Norte57 mostram: queixas de crimes,

transporte coletivo e esgoto sempre nos bairros periféricos, a exemplo da Queimadinha,

Brasília, Rua Nova, Tanque da Nação, Mangabeira. Entre as muitas notícias acerca dos

malefícios trazidos pelo “surto” de migração, destacamos uma que reclama das autoridades

um lugar para abrigar a grande quantidade de “loucos” nas ruas do centro da cidade. No fim

da notícia, “constata-se que maioria vem de cidades vizinhas”.58

Pode-se acompanhar a defesa da industrialização por parte dos setores dominantes e

intelectuais de Feira de Santana também através do jornal Feira Hoje:

os que lutam pela industrialização, os que querem a universidade feirense e os que desejam o progresso social podem contar com o nosso apoio entusiástico e integral. [...] Temos a quase certeza de que surgirão uns poucos “inimigos”. Os mesmos inimigos da tranqüilidade, do desenvolvimento, da ordem e da justiça. Com êsses não transigiremos.59

Tanto no Feira Hoje quanto no Folha do Norte, é comum encontrarmos à exaustão

termos técnicos tais como “planejamento” e “integração”, que denunciam a incorporação do

projeto de racionalização da vida humana de maneira conservadora, tendo o centro urbano

como altar. Assim, tanto os que saíam do campo para comerciar, quanto os que vinham à

cidade por não ter alternativa, eram tratados como uma sujeira que persistia.

Entrementes, se os jornais tratavam de “situar” os migrantes e suas atividades na Feira

de Santana, outro órgão foi criado com a tarefa de educá-los para a vida na cidade: o Serviço

de Integração do Migrante (SIM).60 Seu diretor, Josué Mello, foi pró-reitor acadêmico da

57 Jornal udenista e, posteriormente, defensor da ditadura, cujo diretor, Hugo Navarro, foi vereador pela ARENA entre 1967 e 1971. Fundado em 1909, o jornal pertenceu à família Navarro Silva por muito tempo. Esse periódico é analisado por SANTOS, Grazyelle Reis dos. Literatura e cultura em Feira de Santana: práticas, usos e tendências em impressos da Folha do Norte (1951-1969). Feira de Santana: UEFS (Dissertação de Mestrado em Literatura), 2008. Esse jornal teve menos peso no nosso estudo porque, pelo seu caráter mais conservador que o Feira Hoje não quase não noticiou as muitas mobilizações de trabalhadores no período pesquisado. O Feira Hoje, ao contrário, permitiu traçar um panorama das lutas em Feira de Santana e será tratado em seção específica do próximo capítulo. 58 “Feira paraíso dos loucos”. Jornal Folha do Norte, 11 de março de 1977, p.3. 59 “Chegamos” (Editorial da edição inaugural). Jornal Feira Hoje, 05 de setembro de 1970, p.2. Durante a década de 1970 o jornal defende entusiasticamente a industrialização e a modernização, em que pese discordâncias acerca de como se deu o processo. Cf. PACHECO, op. cit., capítulo 3; MONTEIRO, op. cit. capítulo 3. 60 Charlene Brito estudou o SIM e outra entidade criada antes dele, a AFAS. Ambas tiveram apoio do poder público e de empresas privadas. A primeira realizou trabalhos com migrantes por mais de duas décadas. Ela estuda a influência da ética protestante na prática de capacitação do migrante enquanto profissional, ao oferecer ensino secular, profissional e religioso, defendendo o trabalho como vocação humana e transformador da vida. Brito vê as duas entidades como aparelhos de conformação dos trabalhadores na disciplina capitalista do trabalho. Cf. BRITO, Charlene José. Presença Protestante Progressista em Feira de Santana: um Trabalho

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UEFS na década de 1980 e reitor da mesma na década seguinte. No aniversário da cidade em

1984 proferiu um discurso na Câmara dos Vereadores intitulado “Cidade do futuro”.

Presbiteriano e ecumenista, Josué Mello era articulado também com outras denominações

religiosas, com o Movimento de Organização Comunitária (MOC)61 e com organizações

estrangeiras, que apoiaram o SIM. Das últimas, tinha apoio financeiro, com as primeiras

reforçava seu empreendimento cristão a favor dos pobres. Além do que, este órgão tirava

esses sujeitos das ruas, ajudando o executivo municipal e os comerciantes, cujas portas de

lojas eram ponto de mendicância.

É possível que a “ética protestante” do SIM, ao justificar os cursos profissionalizantes

para migrantes sob o ditado bíblico “o trabalho dignifica o homem” (até os forasteiros tinham

vez na Princesa que a todos abrigava e dava oportunidades de crescer), tenha ajudado a

individualizar o problema da mendicância e da falta de habitação, reforçada pelos jornais

locais. Grosso modo: o governo ofereceu habitações populares, fez sua parte; os que se

esforçaram através do trabalho conseguiram comprar uma. Tal individualização do problema

pode ter sido resultado (ou justificativa) para os conjuntos habitacionais “populares” terem

como moradores quem possuía renda fixa. As casas foram construídas para garantir moradia à

classe média que, potencialmente, poderia se insurgir através de manifestações públicas em

defesa de habitações.

Das casas construídas pela empresa Habitação e Urbanização da Bahia S.A. (URBIS),

apenas as do Feira III (hoje JOMAFA) e Feira V não tinham reboco e as demais tinham

acabamento grosseiro. As primeiras casas financiadas por esse agente estadual foram as dos

conjuntos Feira I e Feira II62 (posteriormente fundidas sob o nome Cidade Nova), cujas

construções foram iniciadas na gestão de Joselito Amorim (ARENA, 1964-1967), que havia

sido Diretor Presidente da URBIS e da Companhia de Habitação Popular (COHAB) em

Salvador.63 Com critérios de localização que não obedeceram ao Plano Diretor da cidade e

sim o mercado imobiliário, a URBIS exigia renda fixa de dois a dez salários mínimos, a

depender da área do imóvel. Sobre essa exigência, Roberto Lima diz:

Ecumênico de Ação Social (1970 -1990). Feira de Santana: UEFS (Monografia de Graduação em História), 2008. 61 Ao longo da pesquisa documental encontramos o SIM como local de diversas reuniões do STR-FSA – sindicato tomado das mãos dos fazendeiros pelos trabalhadores rurais com forte apoio do MOC. 62 Inaugurados em 1968 e 1970, respectivamente, na gestão de João Durval são denominados em alguns textos como Trabalhador I e Trabalhador II. 63 ALMEIDA, 2006, op. cit., p. 165. Joselito Amorim, presidente da Câmara de Vereadores em 1964, assumiu a prefeitura no lugar de Chico Pinto, prefeito deposto pela ditadura militar no mês de maio.

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Em 1989 havia 5.063 unidades de conjuntos habitacionais, financiados com recursos da Caixa Econômica Federal, que não estavam sendo ocupadas por falta de candidatos com renda compatível com o empreendimento64

O INOCOOP, também empresa estatal, exigia renda fixa a partir de dez salários

mínimos. Não à toa, a maioria dos conjuntos construídos por ele estão situados próximos ao

centro da cidade.65 Além de também ter construído apartamentos, as unidades do INOCOOP

eram mais bem acabadas que as da URBIS.

Até aqui havia intervenção do Estado na estrutura habitacional de Feira de Santana,

que privilegiava em sua maioria, funcionários públicos do estado da Bahia e suas famílias. Foi

a inclusão de parte da sociedade que podia pagar, através do parcelamento mensal, habitações.

Simultaneamente, dos espaços urbanos foram excluídos os que não poderiam pagar as

habitações, nem mesmo através do crédito. Mike Davis, que traça um quadro global do

processo de favelização a partir da segunda metade do século XX, nos fala: “A ‘usurpação’

pela classe média de moradias públicas ou subsidiadas pelo Estado, como dizem os

especialistas em habitação, tornou-se um fenômeno quase universal.”66

Ao fim e ao cabo, as habitações chamadas “populares” parecem ter sido uma ofensiva

contra os pobres. Aos que não tinham renda fixa mínima, ficou a pecha de invasores, culpados

pelo crescimento da periferia e da fealdade de Feira de Santana. Assim como a culpa do lixo

espalhado em todos os bairros era dos mal-educados e não do conjunto de ações do Estado

que pretendia fazer crescer a economia e seus lucros, sem pensar nas habitações para os que a

sustentariam. Estes últimos fizeram crescer o mercado informal (primo pobre do mercado

formal) e ocuparam as faixas de terras que julgaram habitáveis.

1.5.1 – O PLANOLAR e as disputas em torno dos bairros

Quase dez anos depois da primeira intervenção estatal no espaço habitacional feirense,

em 1977 foi criado o PLANOLAR, órgão municipal com o objetivo de suprir a demanda de

habitação dos que não possuíam renda fixa através da doação de lotes e, em alguns casos,

64 LIMA, Roberto Luiz de Cerqueira. A ocupação da periferia em Feira de Santana. O perfil sócio-econômico do bairro George Américo. Monografia de conclusão de graduação em Bacharelado em Ciências Econômicas. Feira de Santana: UEFS, 1994, p.58. 65 Dois desses conjuntos – Centenário e Milton Gomes – mais o Condomínio José Falcão foram construídos sobre o aterramento da Lagoa do Prato raso, uma das maiores existentes na cidade. 66 DAVIS, Mike. Planeta Favela. São Paulo: Boitempo, 2006, p.73.

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empréstimo de material básico para a construção das casas.67 Mesmo sendo o PLANOLAR

quem avaliava e propunha quais áreas da cidade seriam destinadas a conjuntos habitacionais

para os de baixa renda, em alguns casos órgão agia de acordo com a demanda da população.68

Fundado no primeiro ano da primeira gestão de Colbert Martins (MDB, 1977-1982), o

PLANOLAR fazia parte do tipo de gestão pela qual Colbert Martins ainda hoje é lembrado.

Colbert Martins tinha conhecimento técnico sobre urbanização, bem como já conhecia

as áreas de Feira de Santana: no governo de Francisco Pinto – comumente conhecido como

Chico Pinto, que governou entre 1963 e 1964 –, do qual era herdeiro político, dirigiu a

Secretaria de Viação e Obras Públicas; no primeiro governo de José Falcão (MDB, 1973-

1977), outro herdeiro político de Chico Pinto, dirigiu a Superintendência de Urbanização de

Feira de Santana (SURFEIRA).69 Podemos perceber que a criação do PLANOLAR pertence a

um certo modo de pensar o planejamento urbano da cidade, aliado à relação com a classe

trabalhadora, que certamente foi iniciado ainda na gestão de Chico Pinto.

Logo após assumir o cargo de prefeito, Colbert Martins: estabeleceu as terças-feiras

como dias de atendimento ao público, desde trabalhadores com problemas nos locais de

moradia ou no trabalho, até empresários;70 anunciou que, sem “obstaculizar” a

industrialização, ia criar “melhorias” para os trabalhadores: ciclovias que ligassem o Centro

ao CIS e conjuntos habitacionais próximos a este último.71

A relação dos industriais com o então prefeito era atravessada pela oposição entre

ARENA e MDB, visto que aquela foi mediadora do processo de industrialização e

reordenamento urbano de Feira de Santana. Indicativo disso foram as tentativas de

estadualização do CIS após Colbert Martins ter assumido o cargo. Sobre a gestão do território

municipal, houve uma contenda entre Centro das Indústrias de Feira de Santana (CIFS) e

prefeitura acerca da construção de um conjunto do PLANOLAR entre duas indústrias, às

67 Temos informações acerca dos critérios de recebimento de terreno e material apenas na segunda gestão de Colbert Martins (1989-1992): para material, era necessário ter renda de um salário mínimo; para terreno, era necessário não possuir imóvel em Feira de Santana. Para ambos, quem tivesse mais filhos, tinha prioridade. Cf. “Eu tento corrigir um pouco o mar de lama”. Entrevista de Ildes Ferreira. Jornal Feira Hoje, 26 de agosto de 1990, p.2. 68 A exemplo do transbordamento da Lagoa da Pindoba, causado por fortes chuvas de verão, cuja consequência foi o alagamento de parte das casas do Novo Horizonte. O PLANOLAR doou uma área no mesmo bairro, mais afastada da lagoa, onde os moradores construíram barracos de lona por não terem condições de construir. Colbert Martins alegou que a prefeitura não tinha condições de doar material de construção. “Desabrigados recebem lotes da prefeitura”. Jornal Feira Hoje, 12 de março de 1980, p.3. 69 “‘Acabou a eleição, vamos administrar!’”. Entrevista com Colbert Martins. Revista Panorama, ano 6, nº 113, 30 de nov. 1988, p.3. 70 “Audiências”. Jornal Folha do Norte, 02 de março de 1977, p.1. No início da década de 80 ainda encontramos esse tipo de “encontro público”, assim como na sua segunda gestão, como veremos ainda nesta seção, cf. “Audiências”, Jornal Feira Hoje, 15 de janeiro de 1980, p.2. 71 “Colbert planeja ciclovias”. Jornal Folha do Norte, 11 de março de 1977, p.1.

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margens da BR-324. Os lotes já haviam sido distribuídos e muitos moradores já construíam

casas de madeira, enquanto não chegavam os materiais prometidos pela prefeitura. O CIFS

alegava que um núcleo residencial próximo às empresas e às margens da BR traria problemas

sociais relacionados a saúde e segurança. A prefeitura dizia que moradores do conjunto

poderiam trabalhar nas indústrias e não precisariam pagar transporte para chegarem até lá.72

O conflito de interesses se deu: pelos industriais, no medo do possível pagamento de

indenizações por conseqüência da poluição das indústrias, além, certamente, da recusa em ter

“invasores” como vizinhos; pela prefeitura, tentando política de conciliação entre capital e

trabalhadores habitantes da cidade, além de tentar contornar o problema do já caótico sistema

de transporte coletivo da cidade. Tudo isso fazia parte do conjunto de medidas de

conformação dos trabalhadores à exploração, nos moldes como se deram outros conflitos

durante as duas gestões de Colbert Martins: patrão “morde”, prefeito “assopra”. Um dos

moradores do local, Mário Santos disse que “se houvesse algum perigo, o prefeito não iria

colocar tanta gente aqui.”73

A gestão de Colbert Martins se deu em um contexto de mudanças importante no país –

recuo da ditadura com anistia e greves operárias no ABC paulista, fundação do PT – e ela

mesma se apresentava como novidade, por querer fazer um governo popular. Em 1979 a

Comissão Provisória de Fundação do PT se reuniu com Colbert Martins e declarou apoio a

sua gestão, desde que se mantivessem “seus compromissos com os interesses populares e o

avanço das lutas dos trabalhadores.”74 Reconhecida pelo núcleo do PT como popular e de

oposição, a gestão ganhava mais um aliado. Posteriormente, o PT romperia com o MDB e

denominaria a política de Colbert Martins e seus aliados como “populismo de esquerda”.75

Ainda assim, havia reconhecimento da capacidade de articulação política de Colbert Martins.

José Rocha, então militante do PT, ao contar sobre o compromisso cumprido por Colbert

Martins de não renovar o contrato de uma indústria que funcionava próxima a moradias do

bairro Campo Limpo, diz: “o cara podia ter lá os seus defeitos, mas era retado”.76

Colbert Martins não estava sozinho na sua maneira de lidar com os

trabalhadores/migrantes mais pobres. O primeiro diretor do PLANOLAR foi Albertino

72 “Prefeito diz que construção de residências não será problema”. Jornal Feira Hoje, 16 de abril de 1980, p.3 73 “Prefeito diz”... Idem, ibidem. 74 “Núcleo local do PT firma compromisso com Colbert”. Jornal Feira Hoje, 29 de novembro de 1979, p.2. Ainda, ciclo de debates do PT, em conjunto com eleição da coordenação provisória, tinha entre as propostas de palestrantes o nome de Chico Pinto. Cf “Coordenação”. Jornal Feira Hoje, 15 de janeiro de 1980, p.2. 75 SANTOS, 2007, op. cit., capítulo 3. 76 Depoimento de José Rocha, op cit.

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Carneiro, fundador do MOC e liderança influente em Feira de Santana.77 Em fins da década

de 1980, na segunda gestão de Colbert Martins, Ildes Ferreira, que também era diretor do

MOC, assumiu o a diretoria do PLANOLAR.78

O prestígio de ambos não era só político. Melhor seria dizer que o prestígio político

tinha fundamento também na capacidade de, através dos contatos realizados pelo MOC,

angariar recursos de instituições de fomento, bem como de terem próximos a si movimentos

sociais.79 Sobre a condução do PLANOLAR por Ildes Ferreira, Igor Santos diz que ele

[...] se destacou por ter conseguido baratear os custos de construção de casas populares. Seu plano tinha influência direta da visão de mundo do MOC: o desenvolvimento comunitário. Em “parcerias” com movimentos sociais de luta pela moradia, Ildes Ferreira conseguiu, através de organizações internacionais, com o apoio do MOC, crédito para construção de olarias, com as quais os sem-teto poderiam produzir os tijolos e outros materiais para a construção da casa própria.80

Apesar de todos os esforços para minorar o problema da falta de moradia em Feira de

Santana – que se traduziam em minorar as conseqüências funestas da expansão industrial e

comercial na cidade – os conjuntos habitacionais do PLANOLAR foram construídos na

periferia da cidade: seja conformando antigas ocupações, seja em terrenos próximos ao CIS,

prejudicando a saúde dos moradores. Uma interpretação para esse fato é encontrada na

bibliografia sobre Feira de Santana, que fala da institucionalização das favelas e aponta que

isso ocorreu nas cidades brasileiras cujo núcleo urbano se espraiou rapidamente, processo

77 Albertino Carneiro foi o presidente do SIM e do MOC, tendo atuado constantemente neste último. Durante a ditadura, quando ainda era padre, abrigou alguns militantes que precisavam se esconder da repressão. Em entrevista, ele diz que militância na JAC o marcou. Em 1982, seu nome foi apontado para ser candidato a prefeito de Feira de Santana por moradores do Campo Limpo. A razão para isso, além de sua reconhecida atuação no MOC, provavelmente foi a forte presença de uma Comunidade Eclesial de Base (CEB) no bairro. Cf. Depoimento de Albertino Carneiro concedido a Elizete Silva e Luciane Almeida em 25 de fevereiro de 2007. 78 Ildes Ferreira, que também começou sua trajetória militante na Igreja católica, foi candidato a vice-prefeito em 1992 pelo PPS (com Luciano Ribeiro, PMDB, candidato a prefeito); foi vereador pelo PMDB de 1997 a 2000. No primeiro governo Wagner (2007-2010), foi secretário de ciência e tecnologia, propondo a incorporação pelo Estado da “tecnologia alternativa”, realizada por pequenos produtores rurais. As ações realizadas na secretaria vieram de um longo período de aprendizagem com os trabalhadores rurais e formulações teóricas sobre suas formas de subsistência. 79 O MOC, que desde seus primeiros anos apoiou movimentos de trabalhadores rurais, resolveu se voltar para os movimentos citadinos, como veremos no próximo capítulo. 80 SANTOS, Igor Gomes. Na contramão do sentido: origens e trajetória do PT de Feira de Santana (BA) – 1979-2000. Niterói: UFF (Dissertação de Mestrado em História), 2007, p. 285-286. No próximo capítulo falaremos das influências do MOC em ações de trabalhadores.

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articulado pela expansão do capitalismo para outros estados além do Sudeste.81 Sem

discordarmos desses autores, achamos que a colaboração estatal na expansão da periferia, no

caso do PLANOLAR, guarda relações com a política paternalista, desenvolvida em Feira de

Santana antes do golpe militar.

Entre abril de 1963 e o golpe de 1964, Chico Pinto foi prefeito de Feira de Santana.

Apesar do pouco tempo, sua gestão empreendeu mudanças significativas que envolviam

principalmente os subalternos, mas que não deixava de fora suas relações com os dominantes,

vide projetos que foram encaminhados pelo executivo e vetados pela Câmara Municipal.82

Dentre algumas mudanças durante sua gestão, podemos citar a construção do “tanque de

lavagem” para as lavadeiras que antes usavam lagoas/córregos;83 tentativa de construir um

local fixo de abastecimento de alimentos; tentativa de criação da “Farmácia do Povo” e do

orçamento municipal; regulamentação de oficinas que funcionavam em diferentes pontos da

cidade e/ou no meio da rua, além de criação de um lugar para agrupar todas elas. Entretanto, o

projeto que mais nos interessa aqui diz respeito à regulamentação e reformulação do mercado

de alimentos. Na intenção de diminuir os preços de alimentos e excluir do processo de

compra-e-venda os atravessadores, o executivo municipal criou um “centro de abastecimento

volante”, que levava aos bairros, em caminhões, os produtos básicos para serem vendidos

mais baratos – apenas aos filiados às associações de bairro.84

Note-se que, para esse novo modelo de mercado alimentício funcionar, era preciso

alguma ligação direta entre a prefeitura e os bairros, tanto para organizar o “centro de

abastecimento volante”, quanto para legitimar tal proposta entre os moradores. Quem fazia

esse trabalho era o administrador de bairro, além de viabilizar discussões com os moradores

sobre os projetos que a prefeitura proporia.

Portanto, os filiados à associação – que tinham o direito de comprar os alimentos nos

caminhões85 – tinham contato direto com essa liderança: as associações de bairros e seus

administradores estavam articulados com o projeto de mercado de alimentos. O

81 CALDAS Gessiene Oliveira. Espaços urbanos: uma produção popular. Salvador: UFBA, (Dissertação de Mestrado em Arquitetura) 1998; CRUZ 1999, FREITAS, 1998, LIMA, 1994. Para uma visão mais ampliada do problema, cf. DAVIS, Mike, op cit, p.71: “O papel minimalista dos governos nacionais na oferta de moradias foi reforçado pela atual ortodoxia econômica neoliberal definida pelo FMI e pelo Banco Mundial. Os Planos de Ajuste Estrutural (PAEs) impostos às nações endividadas no final dos anos 1970 e na década de 1980 exigiram a redução dos programas governamentais e, muitas vezes, a privatização do mercado habitacional. Entretanto, o Estado do bem-estar social do Terceiro Mundo já vinha fenecendo mesmo antes que os PAEs fizessem soar o seu dobre fúnebre.” 82 Cf. PACHECO, op cit, capítulo 2. 83 SANTA BARBÁRA, op cit, capítulo 3. 84 Entrevista de Chico Pinto em NADER, Ana Beatriz. Autênticos do MDB: semeadores da democracia. História oral e de vida política. São Paulo: Paz e Terra, 1998. 85 Idem, p.142 et seq.

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estabelecimento desse tipo de relação fazia com que o executivo municipal se “multiplicasse”

na cidade, ao mesmo tempo em que havia uma relação de proximidade sem a presença direta

e constante de Chico Pinto.

Inicialmente, organizamos a população em Associações de Bairro, ainda inexistentes no município e criamos uma Federação das Associações nascentes; nenhuma obra era realizada na cidade sem uma discussão em cada bairro e em praça pública, onde falavam, no início dos trabalhos, o prefeito e alguns secretários, a fim de defender as reformas de Base, programadas pelo governo de João Goulart [...] com os acréscimos por nossa conta. Depois saíamos de cena e era a vez dos moradores apresentarem suas propostas sem nossa interferência e, depois, eram votadas.86

Podemos ver que, além da mediação constante do administrador de bairro, havia

momento em que o executivo municipal se fazia presente nas discussões dos moradores.

Também, devemos notar que, ao contrário do que Chico Pinto afirma, havia sim a

interferência, pois a prerrogativa da pauta era do prefeito e seus secretários. Eles falavam

primeiro, indicando o rumo das discussões.

Ovídio Gonçalves87, publicou em 1982 um texto n’O Grito da Terra, criticando a

permanência dos administradores de bairro e denunciou que a gestão de José Falcão (MDB,

1973-1977) contratou, com pagamento de salário, administradores de bairros, escolhidos nas

manifestações públicas de moradores os que “mais se destacam”. A gestão Colbert Martins,

vigente quando da publicação do texto, não havia extinguido esse “cargo”, perpetuando o

atrelamento das lutas à vontade do poder público. O texto de Ovídio Gonçalves também era

uma crítica à substituição da associação de bairro, enquanto espaço de discussão coletiva, pela

figura do administrador de bairro que, comumente, não dividia problemas e decisões sobre o

bairro com os próprios moradores.88

86 NADER, op cit, p.145. 87 Ovídio Gonçalves era soldador, morador da Mangabeira e candidato a vice-prefeito pelo PT em 1982 (com Antonio Ozzetti como candidato a prefeito, também pelo PT). Ele foi um dos poucos trabalhadores que existiam no PT à época, tendo intermediado o processo de filiação do partido nos bairros. Cf. SANTOS, op cit, capítulo 2. 88 “Associações de moradores ou administradores de bairros”. Jornal O Grito da Terra, abril de 1982, p.5. Esse texto faz parte do combate que os petistas feirenses faziam à forma como se organizavam os moradores de bairro da cidade, especificamente ao MDB/PMDB e ao MOC.

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Mesmo com a ditadura e as posteriores gestões dos seus opositores,89 o MDB feirense,

com a presença e influência de Chico Pinto, conseguiu manter a confiança de parte

significativa da população dos bairros, bem como eleger José Falcão, em 1973, e Colbert

Martins na gestão seguinte.

Ainda que houvesse uma óbvia linha sucessória entre Chico Pinto e seus “filhos

políticos”, não seria possível para Colbert Martins retomar a relação com a classe

trabalhadora exatamente nos mesmos moldes. A ditadura e suas políticas de conformação

capitalista eram visíveis em Feira de Santana – através do CAF, CIS e políticas habitacionais

para a classe média – bem como uma de suas conseqüências, a migração. Ainda assim, a

relação construída com os trabalhadores durante a trajetória política de Chico Pinto,90 além do

trabalho político do MDB na cidade, parece ter sido forte o suficiente para que aqueles não

abrissem mão da confiança nesse grupo de opositores da ditadura.

A fundação de associações, para além da própria constituição do administrador de

bairro, diz algo sobre o trabalho do MDB nos bairros mesmo depois do golpe de 1964. A

Associação de Moradores da Rua Nova (AMORUN) foi fundada em 1968. Seu presidente em

fins da década de 1970 era Edvaldo Rios, do MDB. Ele se filiou ao PT entre início e meados

da década seguinte. A Associação Comunitária de Maria Quitéria (ACOMAQ) data do ano de

1973: começaram no ano seguinte com discussões sobre trabalho comunitário no Círculo

Bíblico, aprenderam a utilizar a “roça comunitária”. Depois, começaram a participar do

Sindicato de Trabalhadores Rurais de Feira de Santana (STR-FSA).91 Essa trajetória da

ACOMAQ se parece com a de outros grupos de trabalhadores rurais que tiveram

acompanhamento do MOC: a aproximação com as lutas e outras ações coletivas através dos

relatos bíblicos, o trabalho comunitário na lavoura, a filiação ao STR-FSA.

Note-se a complexa rede de relações sociais em que os trabalhadores de Feira estavam envolvidos: contingente populacional predominantemente migrado, com efeito, desenraizamento cultural e territorial, dependência política, substituição de suas lideranças sindicais e de

89 Quando Chico Pinto foi deposto, assumiu o cargo o então presidente da Câmara de Vereadores, Joselito Falcão de Amorin (UDN, 1964-1967). Posteriormente foi eleito João Durval Carneiro (1967-1971) e, em seguida, Newton da Costa Falcão (1971-1973). Cabe destacar que José Falcão, nascido em São Gonçalo dos Campos, não pertencia à família Falcão feirense. Tradicionalmente ligado ao comércio e aliada à UDN, esse núcleo familiar investiu, posteriormente, na industrialização feirense. 90 Antes de ser prefeito, Chico Pinto havia sido vereador de 1955 a 1959, também pelo PSD. Além disso, trabalhou como advogado de alguns pequenos sindicatos e associações de moradores, tendo conhecido e mantido relações políticas com a classe trabalhadora mesmo antes de se candidatar ao executivo municipal. Cf. NADER, op cit. 91 “Uma experiência comunitária”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.3.

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bairros no pós-golpe, falta de espaços de sociabilidade, com exceção das feiras livres – que só sobreviveram com a força que tinham até 1976 –, super-exploração da força de trabalho, principalmente comercial, além de um funcionalismo não concursado e dependente de apadrinhamentos. Estes são aspectos que não podem ser desconsiderados ao falarmos da classe trabalhadora urbana de Feira de Santana.92

Ao tentar mapear o que seria o “peleguismo”, apontado pelo PT feirense contra

sindicatos de trabalhadores existentes durante a ditadura, Santos indica relações com as quais

os migrantes tiveram de lidar, na condição de trabalhadores-moradores – trabalhar e morar,

viver onde se mora, são níveis inseparáveis da vida humana. Ainda que, posteriormente,

migrantes tenham se enredado nessas relações sociais, tanto através do espaço de trabalho,

quanto nas barganhas por melhorias nos bairros, o que nos interessa aqui são os momentos

que podem revelar o choque na experiência dos trabalhadores durante o processo migratório

para a cidade, tomando a migração como elemento de desestabilização de práticas

consolidadas.

O PT foi aos bairros feirenses justamente por notar que ali estavam constituídas as

relações mais sólidas com o “populismo de esquerda” de Chico Pinto e Colbert Martins. Em

agosto de 1983 O Grito da Terra, cujos editores disputavam espaço na organização dos

trabalhadores-moradoes, destaca em um canto de página:

Aos amigos da Associação Livre de Moradores da Mangabeira: Recebemos o “Jornal da Mangueira” n. 20 Parabéns, vão em frente. Continuem mandando notícias. A turma do “O Grito da Terra”.93

O bairro Mangabeira era um dos que mantinha, ainda na década de 1980, o

administrador de bairro como mediador. O termo livre, no nome da associação elogiada pela

“turma” d’O Grito da Terra, era forma de marcar distinção entre a “nova” e a “velha” forma

de organizar a luta no bairro. Gerinaldo Costa94, à época no PT, nos fala sobre as disputas

políticas do partido acerca das associações de moradores e, em específico, sobre a associação

92 SANTOS, op. cit. p. 159-160 93 Sem título. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1983, p.3, grifo nosso. O papel deste jornal na organização dos trabalhadores feirenses será tratado no capítulo 3. 94 Um dos fundadores do PT feirense e, ainda hoje, filiado ao partido. Guardou documentos, fotos, fitas cassete e VHS que ajudam a contar da atuação do PT em Feira de Santana, bem como de mobilizações de trabalhadores onde esteve envolvido. Gerinaldo Costa doou sua documentação pessoal ao LABELU. Julgamos importante destacar que, em depoimento, Gerinaldo Costa diz que entrou na luta política influenciado pelo MDB feirense, a partir das eleições para prefeito de 1976, quando foi eleito Colbert Martins.

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da Mangabeira:

As associações de bairro que existiam na época eram ligadas ao MOC e nós criamos uma corrente política de movimento de bairro pra disputar espaço político com o pessoal do MOC [...] Nós achávamos que o MOC fazia um trabalho mais... paternalista. A campanha do filtro, por exemplo. O MOC doava filtro às pessoas. A visão que a gente tinha era que se tirava proveito político de uma ação daquela, sem conscientizar politicamente as pessoas. Essa era a nossa visão. Por isso que a gente, por exemplo, ia no bairro da Mangabeira... Criamos uma associação de bairro. Lá já existia uma associação do MOC. Criamos uma associação, independente da do MOC com esse discurso de que a associação era pros moradores se mobilizar, lutar, ir à rua pra conseguir melhorias. Não era pra ficar esperando a doação de filtro.95

Além do Grito da Terra, encontramos os petistas feirenses em exibições de filmes e

organizações de diversos debates nos bairros, a exemplo de temas polêmicos como o aborto e

a condição feminina na sociedade.

Os petistas disputaram também com a Igreja católica, através das CEBs. No bairro

Campo Limpo existia a CEB São José Operário, que entrou em conflito diversas vezes com o

um dos fundadores e, por alguns anos, presidente da Associação de Moradores do Bairro

Campo Limpo e Adjacências (AMBACLA), José Rocha. Este diz que tinha problemas com a

referida CEB, pois discordava do posicionamento desta de que partidos e seus militantes não

deviam fazer parte de sindicatos e associações. Uma das entrevistadas de Rita Evejania diz

que a CEB do Campo Limpo tinha problemas com José Rocha enquanto direção da

AMBACLA, pois ele era “oportunista”, já que envolvia a AMBACLA em “interesses

políticos”.96

Ainda assim, petistas e católicos estavam presentes em diversas lutas do bairro, a

exemplo das manifestações, uma delas com ocupação da BR-116 Norte, contra o

funcionamento de uma refinaria de óleo no bairro, a Decaoil, em 1991. Tanto José Rocha

95 Depoimento de Gerinaldo Costa. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS. No acervo doado pelo mesmo ao LABELU, há duas listas com nomes e endereços (a lista mais recente tem números de telefones) de dezenas de associações e agremiações, desde grupos de mães, a associações recreativas. Mas a vasta maioria é mesmo de associações de bairros, demonstrando a preocupação dos petistas com a disputa e organização dos trabalhadores nos seus locais de moradia. Ainda, Jamile Silveira fala da participação de estudantes da UEFS, petistas, na fundação de associações de bairro. Cf. SILVEIRA, Jamile Silva. Lutas populares e movimento estudantil: trajetória política dos estudantes da UEFS (1976-1988). Salvador: UFBA (Dissertação de Mestrado em História), 2010, p.124 et seq. 96 Entrevista com José Rocha, op cit; SANTOS, Rita Evejânia dos. Interação, fé e vida: a “caminhada” das Comunidades Eclesiais de Base em Feira de Santana (1980-2000). Feira de Santana: UEFS (Monografia de Graduação em História), 2010, p.74-76.

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quanto as irmãs que compunham a CEB São José Operário se pronunciaram no microfone e

dialogaram com a prefeitura no sentido de embargar a licença de funcionamento da fábrica.97

1.5.2 – Ocupações

A relação dos protestos populares com a reorganização da economia urbano-industrial

em Feira de Santana nos faz ver que os movimentos ditos espontâneos não são atípicos, mas o

contrário: típicos de certas modificações, pois não há transformações sem resistências.

Em se tratando de migração de trabalhadores expulsos do campo, o primeiro grande

problema enfrentado gira em torno da fixação – onde e em quais condições morar, processo

de reconstrução da sociabilidade, relação com a cidade a partir do processo de fixação em

determinado lugar. Em Feira de Santana, o próprio ato de ocupar terras no espaço urbano era

algo com que partidos, sindicatos e poder público não haviam lidado antes. Era um ato

reivindicatório, que não fazia parte do código político da relação entre dominantes e

dominados na cidade. Os “desgarrados” da sua terra não poderiam respeitar acordos políticos

consuetudinários, anteriores à sua chegada forçada na cidade. Nesse sentido, o PLANOLAR

seria uma política da contenção da generalização da revolta, assim como também se

estabeleceria contato direto com os “novos moradores”. Esses dois objetivos se constituiriam

em educação política para os migrantes.

Para além disso, denúncias de muitos cadastrados que nunca receberam seus lotes,

confirmam o uso do PLANOLAR para barganha política, tanto na segunda gestão de José

Falcão quanto nas duas gestões de Colbert Martins. Em uma das edições d’O Grito da Terra

há um texto que faz avaliação positiva da primeira gestão deste último, pelos gastos públicos

voltados para os pobres e diz ser marca dessa gestão o PLANOLAR. Porém, critica por não

ter “contribuído de fato para a organização popular e diminuído o ‘clientelismo’.”98 Em outra

edição, temos a notícia de que Colbert Martins usava isenção do “imposto predial” para

habitações simples com o fim de conseguir votos para o candidato a prefeito apoiado por ele.

A população só ficou sabendo da isenção pelas cartas entregues por funcionários da

prefeitura, pessoalmente, mediante conversa sobre a eleição com cada um dos que recebeu a

carta.99

97 SANTOS, idem. 98 “Governo para o povo”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.2. 99 “Isto você deve saber”. Jornal O Grito da Terra, novembro de 1982, p.3.

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Entretanto, projetos políticos lidam com sujeitos; neste caso, sujeitos com

necessidades que extrapolavam a garantia do local de moradia. O próprio caráter/pauta das

lutas dos migrantes denunciava sua exclusão: coleta de lixo periódica, novas linhas de ônibus

e horários fixos para estes, construção de escolas, fornecimento de água encanada, calçamento

de ruas, sistema de esgoto.

As áreas de Feira de Santana que se expandiram foram constituídas por conflitos,

oriundos da ocupação de terrenos por pessoas “invisíveis” até então. Era comum que as

ocupações começassem com poucas pessoas e, logo em seguida, chegassem muitas outras que

tinham aluguéis atrasados ou moravam na rua. Sendo assim, as ocupações antecediam a

constituição da sociabilidade; esta se dava ao longo das reivindicações acerca das

necessidades básicas de moradia. Tais reivindicações se relacionavam também às

manifestações de moradores aparentemente já acomodados em seus bairros. Nesses, eram

constantes as reclamações relacionadas à falta de esgotamento, transporte coletivo, coleta de

lixo e calçamento de ruas. Para se ter um exemplo, no ano de 1980 a principal avenida da

cidade, a Getúlio Vargas, ainda estava sendo calçada no trecho leste, mais afastado do centro

comercial.

No entanto, para os recém-chegados, os conflitos diziam respeito não somente às

condições de sobrevivência, mas também de vivência. Os incômodos com a complexidade da

“cidade grande” envolviam o tráfego, a necessidade de transporte motorizado para se chegar

ao trabalho e à escola, a falta de auxílio institucionalizado à saúde em vez (ou mesmo

simultaneamente) do tratamento popular às doenças, com plantas. Tudo isso gerou um

“estranhamento” não só por parte dos trabalhadores, mas também do poder público, que

planejava bairros de casas padronizadas, conhecidas como “casas de pombo” e ruas que eram

estreitas o suficiente para não caberem dois carros lado a lado. Podemos notar como a

constituição dos bairros planejados foi pensada para moradores sem carros, visto que os

caminhos eram muito estreitos e havia apenas pequenos espaços a céu aberto, reservados a

quem possuísse automóvel.

As lutas em torno da moradia geraram conflitos entre os próprios trabalhadores e

destes com os dominantes. O processo de adaptação à vida na cidade se deu desde a ocupação

e à resistência para permanecer no local, passando pela construção das casas e os meios de se

conseguir dinheiro, até a luta para que seu bairro fosse reconhecido pelo poder público.

Portanto, a luta para que se coletasse lixo fazia parte do processo de reivindicar a cidade para

si, reconhecê-la como sua e se reconhecer nela. Esse processo foi coletivo, tanto porque não

há reconhecimento sem que se esteja em relação com outros, quanto pela partilha dos

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problemas cotidianos que se faziam presentes nas reivindicações, a coletivização de perdas e

ganhos.

Isso se estendeu para as lutas acerca do trabalho, visto que, boa parte das lideranças

“novas” eram migrantes. O novo sindicalismo em Feira de Santana teve as portas abertas

pelos migrantes que lutaram por melhores condições de moradia, fossem eles militantes ou

não. As trajetórias individuais de alguns deles nos fazem ver como a exploração impregnada

na experiência do trabalhador pode ser alavancada em direção ao rompimento dela própria.

A trajetória de José Rocha100 traduz a ambivalência na trajetória de quem migra:

aprender o hoje com o que se tem do ontem. Também, ele foi um dos sujeitos que transitaram

entre os múltiplos espaços de vivência dos trabalhadores de Feira de Santana.

Nascido em Tucano (cidade a 163 km ao norte de Feira de Santana), em 1953, filho de

trabalhadores rurais, seguiu com a família para Candeias em fins da década de 1960 e, logo

depois, após a separação dos pais, mudou-se com a mãe e os irmãos para Feira de Santana.

Rocha trabalhou como lavador de carros, vendedor de picolé, de temperos, repositor de

mercadorias em supermercado, motorista de padaria, borracheiro, taxista, comerciário,

proprietário de bar, de locadora de vídeo-games e, por fim, de uma pequena fábrica de bonés.

Entre um emprego e outro, foi um dos fundadores da AMBACLA e do Sindicato dos

Borracheiros; participou das oposições sindicais dos comerciários e condutores autônomos;

ainda hoje é membro do PT.

Ele foi, por cerca de duas décadas, morador do Campo Limpo. Bairro “cheio de mato”

e muito violento; tinha fábricas cuja poluição causava doenças; faltava transporte público e

saneamento básico precário; havia alto número de atropelamentos, já que o Campo Limpo

tem como um dos seus limites territoriais a BR-116 Norte.

O Campo Limpo se tornou um bairro grande e populoso a partir da década de 1970.

Anos antes, em 1966, o prefeito Joselito Amorim anunciou que havia adquirido terreno neste

bairro, para a construção de novas indústrias.101 Ainda em gestação a idéia de um “Bairro

Industrial”, o Campo Limpo, como o próprio nome sugere, é uma vasta área de terra plana e,

naquele ano, tinha poucos moradores e ficava distante do centro da cidade. A idéia não se

concretizou, mas foram construídas ao menos duas indústrias: uma que fabricava sabão, da

qual quase não temos informações, e a Decaoil, que refinava óleo lubrificante.

A Decaoil vinha provocando problemas respiratórios em pessoas que moravam

próximas a ela, bem como seu forte odor incomodava mesmo os que moravam mais longe.

100 Entrevista de José Rocha, op cit. 101 MONTEIRO, op cit, p.89.

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Depois de longa correspondência com autoridades municipais, em 1993 os moradores fizeram

manifestação que fechou a BR-116 Norte, exigindo postura do prefeito, que revogou a licença

de funcionamento da indústria no Campo Limpo.102 No mesmo ano, houve nova manifestação

pela construção de uma passarela, por conta o alto número de mortes por atropelamento, e que

deveria ter o nome da primeira criança morta por ali. A passarela foi inaugurada com o nome

de Conceição Lobo, contrariando a reivindicação dos moradores.103

A AMBACLA participou das duas manifestações acima, mas era uma entidade

recente, tendo sido fundada em fins da década de 1980. Antes disso, outras lutas se fizeram

por repetidas reclamações, pela revolta de alguns moradores, iniciativas individuais ou mesmo

pequenos grupos que, dentro de um bairro grande, sofriam com determinados problemas. A

primeira manifestação coletiva, segundo Rocha, foi na extremidade norte do bairro, região

conhecida pelo nome de Pau de Légua, a respeito do acúmulo de lixo. A prefeitura não fazia a

coleta a fim de instalar o lixão da cidade nos limites do bairro – note-se que o local é próximo

a uma das lagoas da cidade.104

“Eu ali, desempregado, me virando... Aí a gente foi fazendo um trabalhozinho, foi

lutando[...] Eu sei que, depois de muito tempo, a gente fundou a AMBACLA”.105 Assim

Rocha resume sua aproximação com os problemas do bairro e a fundação da associação. Sem

contar grandes feitos em seu nome, fala da importância desta para a união dos moradores e

também para sua conscientização da luta, pois sua atuação no bairro se desdobrou em sua

atuação no PT.106

A chegada de novos moradores, que foram trabalhar em diversos lugares (formais e

informais) fez com que os diretores sindicais tivessem de lidar com essa nova demanda. A

luta travada nos bairros, pouco a pouco, se estendia para as lutas por melhorias nas condições

de trabalho, ou mesmo o inverso. Dessa maneira, a luta dos migrantes possibilitou a defesa da

combatividade do trabalhador e outras características defendidas pelo novo sindicalismo.

Nesse sentido, as associações de moradores foram importantes focos de resistência,

por abrigarem pessoas que compartilhavam de certo cotidiano, assim como os sindicatos

abrigavam insatisfações diretamente ligadas ao cotidiano do trabalho, por sujeitos de

diferentes bairros da cidade. Tanto no local de trabalho quanto no bairro em que se mora, a

“sociabilidade citadina” se dá no processo de relação mais orgânica com a cidade.

102 SANTOS, Rita Evejânia. p. 73. 103 Entrevista de José Rocha, op cit. Segundo o depoente, Conceição Lobo era jornalista e trabalhava em rádios claramente a serviço da direita na cidade. 104 Entrevista de José Rocha, op cit. Depoente não soube especificar o ano nem a gestão municipal. 105 Entrevista de José Rocha, op cit. 106 As disputas em torno da AMBACLA terão vez no próximo capítulo.

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Encontramos em jornais locais a participação das associações de moradores em

questões que dizem respeito à gestão pública do espaço urbano. No ano de 1982,

provavelmente por ser ano eleitoral, encontramos maior participação dos moradores. Algumas

associações de moradores, junto com outras entidades, participaram das negociações com

empresários e prefeitos a respeito do aumento da passagem em junho do mesmo ano. Ainda,

aconteceu um “encontro intercomunitário” na sede do PLANOLAR e, posteriormente, o I

Encontro Estadual de Associações de Bairros para discutir problemas comuns aos bairros e

trocar informações sobre atuação dos políticos nos mesmos.107

Em 1990 encontramos as associações de moradores em uma atividade que dizia

respeito ao planejamento de Feira de Santana, através do debate a respeito da Lei Orgânica do

Município. Discutiram, em reunião que durou um dia inteiro, propostas sobre saúde,

educação, transporte, segurança, bem como a participação das próprias associações no

governo municipal. Desta vez, as associações estavam reunidas sob a Federação das

Associações de Moradores de Feira de Santana (FAMFS). Não encontramos relato sobre

qualquer manifestação dos moradores na criação dessa Federação. Porém, sabemos que o

debate foi promovido pela prefeitura, com a ajuda do MOC, ambos justificando o evento

como reconhecimento da “participação cidadã” nos rumos da cidade.108

Todo esse processo de ocupações e constituição de associações começou nos anos

1970, mas se estendeu até perto do fim do século, integrando-se no cotidiano da cidade

através das tentativas de relação entre um novo e outro novo: os da urbe viam os novos

moradores, os migrantes viam a nova cidade. Ambos encontraram meios de dialogar entre si,

assim como parecia ter se constatado que a “Princesa do Sertão” teria favelas, como qualquer

cidade “moderna”.

Ocupação planejada, grupos sociais dispostos a colaborar. Esse foi o caso da ocupação

do Campo de Aviação, onde hoje é o bairro George Américo. A mais conhecida ocupação de

terras em Feira de Santana ocorreu em 28 de novembro de 1987. A grande faixa de terra

(entre 798.200 e 800.000m2) que fazia limite com o Campo Limpo foi ocupada por cerca de

5.000 pessoas antes do raiar de um sábado – o horário impediu a ação imediata da polícia e o

dia, a ação da prefeitura. Gessiene Caldas diz:

107 “Trabalhador sufocado com aumento de tarifas de ônibus”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1982, p.4; “Encontro intercomunitário”, idem, abril de 1982, p.7; 108 “Associações de moradores debatem a Lei Orgânica”. Jornal Feira Hoje, 28 de janeiro de 1990, p.2; “Exercício da cidadania passa pela participação”. Idem, 30 de janeiro de 1990, p.2.

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O líder do movimento, George Américo, ex-funcionário da prefeitura, demitido por ocasião de uma das vinte e uma invasões por ele organizadas, esteve à frente da coordenação do movimento, num intenso trabalho de organização e mobilização, programada estrategicamente durante cinco meses, na qual, George Américo tinha o controle de tudo: ficha cadastral, fotografia dos inscritos, origem de todas as pessoas, etc.109

A prefeitura reagiu, inicialmente, com o envio de um carro de som solicitando aos

ocupantes que deixassem o terreno e fizessem uma fila para se cadastrarem no PLANOLAR,

a fim de receberem seu lote posteriormente. A fila pequena se deu pela recusa de muitos

ocupantes, que exibiam suas fichas de inscrição na URBIS e no PLANOLAR, datadas de anos

antes e até de 1978 e 1979. George Américo ao afirmar que, em ocupação anterior, houve

acordo com a prefeitura, que derrubou todos os barracos, disse: “não podemos permitir que o

prefeito reboque todo mundo para o Aviário, o grande favelão oficial”. Depois desse

insucesso, a prefeitura pediu reintegração de posse dia 01 de dezembro, alegando que o

terreno pertencia ao município e seria destinado à construção de um conjunto habitacional

popular.110

Os dias que se seguiram até a desapropriação do terreno a favor dos ocupantes, em 17

do mesmo mês, foram de embates não só destes com o poder público, mas entre forças

políticas que disputavam o poder institucionalizado em Feira de Santana. O então prefeito,

José Falcão, que saiu do MDB para o PDS em 1980, venceu as eleições em 1982 contra o

PMDB. No ano da ocupação, fim de sua gestão, Waldir Pires era governador e Colbert

Martins, deputado estadual, ambos pelo PMDB. Em meio às trocas de acusações – quando um

chamava o outro de eleitoreiro, incompetente e autoritário, atribuindo a pecha de apoiador da

ditadura – os ocupantes iam seguindo confiantes na figura de George Américo, e este

confiante no “Governo da Mudança”, denominação de campanha de Waldir Pires, na sua

candidatura a governador da Bahia.111

Enquanto as autoridades disputavam sua relação com os pobres, o movimento foi

ganhando apoiadores. Em princípio, a população vizinha, que dizia ser o Campo de Aviação

local de desova de cadáveres e comércio de drogas ilícitas. Depois, o Feira Hoje publicou

109 CALDAS, op cit, p. 114-115. Não encontramos registro das outras ocupações lideradas por George Américo, exceto duas: uma em Santo Antônio dos Prazeres, declarada por ele mesmo em entrevista para o Jornal Feira Hoje de 01 de dezembro de 1987: “Prefeitura entra na Justiça para retomar área invadida”, p.3; outra no CAF, relatada por PACHECO, op cit, p.64-65. 110 Edições do Jornal Feira Hoje de 29 de novembro a 01 de dezembro de 1987. 111 SANTOS, op cit, p.246, diz que, após a morte de George Américo, seu irmão declarou que ele era do PMDB.

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pequenas entrevistas de pessoas que diziam ser o “movimento justo” e criticando os planos

habitacionais e o prefeito.112 A reintegração de posse tentada só desgastou a figura do prefeito

e aumentou o apoio da população à ocupação.

Muitas entidades apoiaram o movimento de diferentes maneiras: as associações de

moradores na organização política;113 Igreja Universal do Reino de Deus, Igreja do Evangelho

Quadrangular; CEBs – só depois houve reconhecimento oficial da Igreja católica. Entre os

petistas, Marialvo Barreto e Gerinaldo Costa ajudaram, respectivamente, na articulação entre

o movimento e a política institucional e na topografia e planta – o que deu à ocupação, desde

cedo o caráter de “bairro”, bem como ajudou na divisão equânime dos lotes. Outro petista,

Reinaldo Santana, atuou como advogado no referido pedido de reintegração, na prisão de

George Américo e em pequenos conflitos internos. O MOC doou 16.000 tijolos e contratou os

serviços de Gerinaldo Costa.

Depois de uma prisão e dois atentados, George Américo foi assassinado em 05 de

maio de 1988, com dois tiros de escopeta. Até hoje não é sabido quem o matou. No seu

enterro, milhares de pessoas compareceram e os ocupantes prometeram continuar a luta.

Quase um ano depois, na gestão de Colbert Martins, o bairro recebeu o nome de Conjunto

Habitacional George Américo Mascarenhas dos Santos.114 A trajetória do conhecido “rei das

invasões” não está bem clara, mas sua postura autoritária é destaque em alguns depoimentos.

Ilustrativo disso é um ocorrido na segunda semana de invasão, quando uma das ocupantes

quase foi linchada pela população, após George Américo exigir que a população decidisse

entre ela ou ele. A mulher declarou ao Jornal Feira Hoje que George Américo estaria

manipulando o movimento para fins eleitorais.

Passados sete anos da ocupação, uma pesquisa feita no George Américo revelou que a

maioria dos moradores ainda trabalhava como ambulantes e comerciários em pequenas lojas,

recebiam menos de um salário mínimo e tinham jornada de trabalho igual ou superior a 44

horas. O autor da pesquisa aponta como um dos problemas do PLANOLAR a venda dos lotes

doados pela prefeitura, pela incapacidade financeira dos ocupantes de construírem as casas ou

112 “Comunidade apóia as invasões e critica política habitacional”. Jornal Feira Hoje, 06 de dezembro de 1987, p.3. 113 Registramos a presença das seguintes: Associação de Moradores da Rua Nova (AMORUN), Associação de Moradores de Santo Antonio dos Prazeres (AMOSAP), Associação de Moradores do Novo Horizonte (AMONHO) e Associação de Moradores do Parque Brasil (AMPB). 114 “Atos do executivo”, Jornal Feira Hoje, 11 de abril de 1989, p.5. Para reconstituir a história da ocupação do George Américo foram utilizados os estudos de CALDAS, 1998, LIMA, 1994 e SANTOS, 2007.

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mesmo para compra alimentos. 57% dos imóveis do George Américo no ano da pesquisa

eram comprados.115

Deste pequeno relato, é importante observar o aprendizado em realizar ocupações e

também em como lidar com o poder público. A relação confiança/desconfiança – ao longo do

processo de migrações, construção de conjuntos habitacionais, ocupações de terrenos – se deu

em termos para os quais temos alguns indícios.

Sabe-se que a política não se constrói sem alguma relação de lealdade. Mesmo entre

os que se dizem objetivos, há relações que ultrapassam a decisão “racional” de compor um

partido ou outra agremiação. Em Feira de Santana, a retomada de relações políticas entre

dominantes e dominados à moda do grupo político emedebista chefiado por Chico Pinto se

deu, a partir de fins da década de 1970, através de disputas com outros grupos políticos

progressistas, seja dentro do PMDB ou no PT, seu opositor mais à esquerda.

Através de uma tomada de posição extremada de um vereador da cidade, envolvendo

os moradores do bairro Novo Horizonte, podemos perceber quais eram os limites, para estes,

da relação de confiança que estabeleciam com a figura de Colbert Martins. Otaviano

Campos116 era vereador pelo PMDB na primeira gestão de Colbert Martins e gerou

indignação, em 1982, ao tentar tomar para si o controle da Associação de Moradores do Novo

Horizonte (AMONHO), chegando a pintar nos muros de algumas casas o que seria o novo

nome do bairro: Otavianópolis. Alguns moradores afirmaram que a maioria dos que moravam

no Novo Horizonte eram da oposição, se referindo ao PMDB, mesmo tendo à época Colbert

Martins como prefeito. Os mesmos afirmaram também que, depois de terem visto o nome

Otavianópolis espalhado pelo bairro, muitos partiram para a ofensiva, pintando a sigla PDS

(partido ao qual o prefeito anterior, José Falcão, havia se filiado recentemente) nas suas

casas.117

As reclamações sobre Otaviano Campos e a prefeitura continuaram através das

denúncias de corte de luz elétrica em algumas casas após o ocorrido, bem como a invasão da

sede da AMONHO por Zé Corre Dentro118, conhecido por ser o administrador nomeado pela

prefeitura para o bairro, mas rejeitado pela população, que havia reconhecido a AMONHO

115 LIMA, 1994, cap. 3. 116 Era comerciante e depois, tornou-se agropecuarista. Foi vereador da cidade de 1973 a 1994 e presidente da Câmara Municipal de 1975-1977 e de 1989-1991. Cf. ALMEIDA, op cit, passim. 117 “Vamos fazer uma comparação”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.4; “Moradores não são donos de seu bairro”. Idem, março de 1982,p.6. 118 Em uma das notícias, tem seu nome revelado: José Telles. Se for o mesmo José Olegário Telles que encontramos na diretoria do Sindicato dos Condutores Autônomos de Veículos Rodoviários (SINCAVER), ele também era do PMDB.

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como sua representante.119

Vemos como era delicada a relação que se estabelecia entre o bloco dominante em

torno MDB/PMDB e parte dos trabalhadores da cidade. As relações de troca entre

equipamento urbano e também na confiança que as decisões políticas dos moradores seriam

respeitadas, deveria passar pelo reconhecimento por parte do bloco dominante de que os

subalternos tinham uma margem de autonomia e não aceitavam o uso da força política para

abrir espaços não permitidos anteriormente.

Porém, os problemas causados pelo autoritarismo de Otaviano Campos não se

converteram em uma ida dos descontentes do Novo Horizonte para o bloco do PDS,

representado por José Falcão. Na segunda gestão deste, em sequência à de Colbert Martins, os

problemas entre a prefeitura e aqueles moradores persistiram, também nos termos de “quem

dava as cartas”. Registramos outra queixa da AMONHO após uma reunião com José Falcão, a

respeito das condições do bairro em 1984. A associação se queixou uso eleitoreiro da reunião,

tendo o prefeito exigido o controle da gestão da creche, a ser instalada no bairro, bem como o

desdém com que tratou da proposta de continuação de obras feitas na gestão anterior.120

Anos depois, mais precisamente em 1990, houve uma série de medidas do poder

público municipal acerca da vida nos bairros. O PLANOLAR ainda tinha algum destaque, e

as ocupações continuavam a acontecer, mas já o foco já não era a criação de conjuntos

habitacionais. As relações sociais na cidade haviam se complexificado o suficiente para exigir

planejamento estatal sobre as demandas postas por toda década anterior, a exemplo do “déficit

habitacional” comentado pelo executivo municipal quase sempre que se falava dos problemas

nos bairros.

Naquele ano, um decreto expandiu a sede de Feira de Santana foi ampliada nos

sentidos Norte e Oeste, incluindo a UEFS, o bairro Novo Horizonte, Pau de Légua,

Pitombeiras, Santa Luzia e parte da Asa Branca, que só então foram consideradas zona

urbana.121 Meses depois dessa decisão, o bairro Cidade Nova, próximo à UEFS, foi sede do

governo municipal por um dia, com todas as secretarias e apresentação da banda da Polícia

Militar para iniciar os trabalhos pela manhã. Colbert Martins e os secretários receberam

pedidos diversos, de calçamentos de ruas, regularização de quebra-molas, empregos, e até

pessoas que apenas queriam conhecer o prefeito. À noite, Colbert Martins e sua equipe

voltaram ao bairro para anunciar as obras prioritárias, dentre as demandas apresentadas pelos

119 “Confusão em Novo Horizonte”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1982, p.3; “Bairro tem sede comunitária invadida”. Idem, junho de 1982, p.5. 120 “A AMONHO e o prefeito”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.4. 121 “Decreto vai redefinir zona urbana de Feira”. Jornal Feira Hoje, 17 de janeiro de 1990, p.5.

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moradores durante todo o dia. Aquela havia sido a oitava transferência do governo para os

bairros desde o início da gestão, no ano anterior.122

Houve ainda duas tentativas, nesse mesmo ano, de institucionalizar a participação dos

moradores de bairros e suas associações na política local. Foi criado o Centro de Recursos

Ambientais (CRA), para encaminhar as demandas referentes à poluição nos bairros. Durante a

década de 1980, foram construídos muitos conjuntos habitacionais pelo PLANOLAR em

áreas próximas ao CIS, que resultou em diversos problemas, tanto na estrutura sanitária dos

bairros, quanto no ar, causando diversas doenças. O CRA, então, inspecionaria o local

denunciado como causador de problemas e, posteriormente, comunicaria o resultado ao

“cidadão” que havia feito a denúncia. A Secretaria de Serviços Urbanos estava estudando a

possibilidade de também criar um ramal específico em sua linha telefônica para receber

informações referentes ao transporte e limpeza públicos.123

A intenção do bloco dominante reunido no executivo municipal fica mais clara durante

a solenidade de criação da Cooperativa Habitacional de Feira de Santana, ocorrida na Câmara

de Vereadores. Formada por diversas associações de moradores – notadamente aquelas em

que o MDB/PMDB tinha maior inserção – a Cooperativa tinha como principal objetivo

reduzir o “déficit habitacional”. Nesse mesmo evento, Colbert Martins defendeu o

cooperativismo como forma de organização “das pessoas de menos posses”. Ildes Ferreira

destacou uma das principais propostas dessa Cooperativa, que era a implantação de um

depósito de materiais para que os associados comprassem a preço menor o equipamento

necessário para a construção das suas casas.124

Essas medidas lembram, em muito, o conjunto de ações propostas por Chico Pinto em

1963 e 1964 – a maioria delas vetada pela Câmara dos Vereadores, como já dissemos. Porém,

se sabia que os tempos eram outros. A tutela sobre os movimentos de trabalhadores ainda

tinha como foco os bairros, mas boa parte destes passou a existir pelas mãos dos que

ocuparam terrenos e forçaram os limites da cidade, bem como seu reconhecimento perante o

poder de Estado. Assim como a racionalização capitalista também havia modificado as

relações de trabalho e, certamente, diminuído o espaço para relações paternalistas nos locais

de trabalho.

122 “Transferência de governo muda rotina na Cidade Nova”. Jornal Feira Hoje, 16 de junho de 1990, p.3. Colbert Martins também manteve o hábito de despachar nas secretarias, em vez do seu gabinete. Segundo ele, isso tornaria a administração “mais dinâmica”, além de conhecer em detalhes o funcionamento e os problemas de cada seção do seu governo. Cf. “Colbert atende numa Secretaria”. Jornal Feira Hoje, 09 de fevereiro de 1990, p.3. 123 “Exercício da cidadania passa pela participação”. Jornal Feira Hoje, 30 de janeiro de 1990, p.2. 124 “Instalada Cooperativa Habitacional de Feira”. Jornal Feira Hoje, 18 de setembro de 1990, p.4.

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O processo migratório e as ocupações das décadas de 1970 e 1980 nos fazem ver o que

há de não-institucional na formação dos movimentos institucionais: sindicatos, oposições

sindicais, partidos. É importante dizer que um não se fundiu a outro. Os movimentos de

bairros foram criando suas associações e dialogando politicamente com quem julgassem

melhor aliado. O novo sindicalismo, por sua vez, pleiteou se esse aliado. A passagem de um a

outro, ou sua intersecção, está no nível da experiência e não dos acordos políticos – ainda que

estes façam parte dela.

Os “levantados do chão” também nos fazem ver o quanto a historiografia deve àqueles

que lutaram sem sindicato ou outra organização formal, ou mesmo para que esta última se

constituísse. Ao lutar por moradia, transporte público, e outras tantas necessidades básicas,

estavam indo de encontro a um modelo de reprodução da vida social que os expulsou do

campo, mas não os queria na cidade. Lutaram contra a invisibilidade.

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CAPÍTULO 2

Os lutadores e as formas de lutar

2.1 – O Feira Hoje e as lutas na cidade

Em abril de 1980, o jornal Feira Hoje entrevistou cinco pessoas, de diferentes

profissões, sobre os sucessivos aumentos de preços dos derivados de petróleo e o impacto

disso no bolso do trabalhador. Nenhuma delas estava satisfeita, mas também nenhuma tinha

qualquer esperança de que, por quaisquer meios, a vida dos assalariados mudasse, frente às

constatações de que “é natural” e “será sempre assim”.125 Nove anos depois, o mesmo jornal

pergunta a outras pessoas o que elas acham do grande número de greves que estavam

acontecendo nos últimos meses e, especialmente, naquela semana, devido a quase uma dezena

de greves em categorias do funcionalismo público. Todas elas responderam que concordavam

com a greve como instrumento de conquista de direitos por parte dos trabalhadores.126

O mesmo jornal permite o acompanhamento das modificações na cidade e seus

conflitos no referido espaço de tempo, ainda que não seja suficiente para explicá-las. De

qualquer maneira, comecemos com essa fonte de pesquisa para fazer uma rápida viagem ao

longo da década de 1980, ao mesmo tempo em que situamos o Feira Hoje como interlocutor

na pesquisa.

De circulação diária, o jornal Feira Hoje pertencia à família Falcão até fevereiro de

1983, quando foi vendido a Modezil Cerqueira que, junto com seu pai, Modesto, e seu irmão,

Felisberto Cerqueira, possuíam revendedoras de carros. Os Cerqueira se integraram nas

comunicações não só com a propriedade do Feira Hoje, mas também com a TV Subaé e com

a Rádio Subaé, que integravam a Rede Baiana de Comunicação (RBC). Esse grupo

empresarial tinha laços estreitos com grupos políticos locais, a exemplo de uma denúncia

sobre a falta de caráter público das transações financeiras da prefeitura, quando o jornal O

Grito da Terra fala que “um grupo nada modesto” estava fiscalizado as contas da mesma, na

segunda gestão de José Falcão.127

125 “Custo de vida já não causa surpresa aos consumidores”. Jornal Feira Hoje, 27 de abril de 1980, p.5. 126 “Feirenses apóiam greve como medida para enfrentar crise”. Seção Na boca do povo. Jornal Feira Hoje, 26 de novembro de 1989, p.5. 127 ALMEIDA, 2006, op. cit., p.240. “Administração das contas”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.9.

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Note-se que, apesar de José Falcão ter sido prefeito pelo PDS nessa época, as relações

entre as atividades financeiras e políticas da família Cerqueira com o MDB/PMDB, não se

dissolveram. O terceiro filho de Modesto Cerqueira, Nóide Cerqueira, assumiu cargos no

executivo municipal nas duas gestões de José Falcão, tendo se filiado ao PFL a partir de

meados da década de 1980. Anteriormente, foi vereador em Feira de Santana pelo MDB de

1967 a 1974, quando foi eleito deputado federal com o apoio de Chico Pinto. Em 1990, o

encontramos enquanto coordenador do Escritório de Planejamento Integrado (EPI), na gestão

de Colbert Martins.128

Em novembro de 1989, o Feira Hoje foi vendido a Pedro Irujo, empresário de origem

basca que já controlava a Rádio e a TV Itapoan em Salvador. Esse controle da mídia feirense

por parte de empresários e políticos nos ajuda a recompor qual o tratamento dispensado aos

trabalhadores mobilizados da cidade. Como veremos, a posição do Feira Hoje sobre as

mobilizações de trabalhadores no período aqui tratado não é estática. Os trabalhadores

feirenses ocupam boa parte do espaço público na década de 1980, envolvidos na dinâmica

nacional de ascenso da luta sindical e popular. Uma das maneiras de identificar essa

afirmativa e a intensidade com que essas lutas se davam em solo feirense é a quantidade de

notícias sobre diferentes lutas dos trabalhadores feirenses nas páginas do jornal.

São recorrentes as notícias sobre mobilizações de trabalhadores que reivindicavam

principalmente melhores condições de trabalho, salários maiores, estabelecimento de outras

regras na relação patrão-empregado que não as de humilhação. Em tais notícias são

apresentados os argumentos dos “dois lados”, ou seja, patrões e empregados e é “dada” a voz

a ambos. Porém, isso não acontece de modo “imparcial”, como tanto dizia (e ainda diz) a

imprensa. Qualquer documento é uma interpretação sobre o tema que este trata. Portanto, são

falas mediadas por um viver/estar no mundo, constituídas de juízos sobre pessoas e seus atos.

No caso aqui discutido, os jornais são a fala oficial de uma organização que cumpre

determinado papel nas relações sociais.

Ao longo da década de 1980 as movimentações dos trabalhadores em diversos

aspectos são mostradas pelo Feira Hoje. No início dessa década, são comuns referências às

greves do ABC paulista e como estas impactaram no cotidiano feirense.129 O Dia do Trabalho

é noticiado a partir dos protestos de trabalhadores porque a Micareta coincidiu, em alguns

128 ALMEIDA, 2006, op cit, p.166 e 242; “Seminário discute nova visão de planejamento para Feira”. Jornal Feira Hoje, 06 de janeiro de 1990, p.2. 129 Vide a criação de um comitê em Feira de Santana, com o objetivo de arrecadar dinheiro para a greve em São Paulo: “Metalúrgicos grevistas de SP vão receber ajuda de comitê”. Jornal Feira Hoje, 15 de abril de 1980, p.3. Ver também: “Revendedoras sem carros devido à greve paulista”. Jornal Feira Hoje, 27 de abril de 1980, p.3 e “Greve dos metalúrgicos em São Paulo atinge comércio”. Jornal Feira Hoje, 03 de maio de 1980, p.3.

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anos, com a data. Quando não havia coincidência entre as datas, as notícias analisam o

primeiro de maio pela quantidade de entidades envolvidas na organização deste e quantas

pessoas participaram, além de outras questões relativas ao envolvimento do poder público

municipal e locais onde aconteceu o evento. As reivindicações de bancários, metalúrgicos,

motoristas, professores, servidores de saúde, garis e outros por melhores salários e/ou

condições de trabalho também são noticiadas.

As greves ganharam destaque no Feira Hoje na década de 1980. Há cobertura

recorrente destas e, quando duram muitos dias, quase diariamente é mostrado algo sobre o

processo de negociação, ou a falta deste, bem como sobre o comportamento dos trabalhadores

durante tais greves. No caso específico dessas manifestações de paralisação do trabalho, há

uma espécie de regra geral do Feira Hoje. Quando a preparação de uma greve é noticiada, há

entrevistas de diretores das entidades e, no caso de greves gerais, quais entidades estão

dirigindo a greve, local onde acontecem as reuniões, além de sempre mostrar as

reivindicações que motivaram a greve.

No caso das greves gerais, nos dias que antecedem, raramente o Feira Hoje explicita

algum juízo de valor sobre a condução para a deflagração das greves e as fotos que aparecem

são apenas as dos envolvidos no processo. Porém, quando as greves finalmente acontecem,

aparecem os patrões, a polícia e, explicitamente, a opinião do jornal. Exemplo forte disso é a

greve geral de 1987. Na primeira página do Feira Hoje de 21 de agosto de 1987, toda

dedicada à greve de 48 horas, estampa-se o “infortúnio” de tal manifestação: “só o centro da

cidade parou”; “fracassou em todo o país”; “bancos e indústrias funcionaram”; “empresários

criticaram”. Nas páginas do Feira Hoje de 21 e 22 do mesmo mês as falas dos trabalhadores

são mais raras. O jornal caracteriza a greve como “carnaval”, “baderna”, “ineficaz”, “sem

objetivos”. Tais julgamentos, muitas vezes, são mediados pela fala dos empresários e, tanto

estes quanto o próprio Feira Hoje, criticam a “precariedade do funcionamento” da Polícia

Militar, que, segundo aqueles, estavam em pouco número para conter a fúria dos grevistas. As

fotos das greves mostram a PM fazendo cordão para impedir suposto quebra-quebra das lojas

e pessoas aglomeradas, direcionando o olhar do leitor para um movimento confuso e violento.

Apesar de haver muitas notícias relacionadas a greves e outras formas de manifestação

dos trabalhadores, não deixa de haver omissão por parte do Feira Hoje. Uma delas é a

localização das notícias nas folhas dos jornais. Quase sempre noticiadas na página 3, elas

podem ganhar a primeira página do jornal, outras páginas além da terceira, ou serem apenas

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citadas numa nota no canto desta mesma página.130 Isso indica a avaliação do jornal sobre o

“impacto social” que as greves tinham e/ou a intenção do próprio Feira Hoje em explicitar ou

esconder as contradições postas na cidade de Feira de Santana.

Outro exemplo diz respeito às pautas de reivindicações das greves gerais. O jornal

discute pouco os problemas relacionados à pauta de reivindicações dos trabalhadores. Houve

mobilização em cinco greves gerais em Feira de Santana – dezembro de 1986, agosto de

1987, março de 1989, junho de 1990 e maio de 1991 – que tiveram em comum, além de

outras coisas, serem contra os pacotes econômicos dos governos Sarney e Collor. O Feira

Hoje apenas pontua, vez ou outra, o impacto que isso tinha na vida dos trabalhadores

feirenses. Então, quando acontece uma greve com essa reivindicação, temos a impressão que

a pauta foi inventada para justificar a greve, deixando entrever a acusação, recorrente, de que

as greves eram “políticas”, porque “comandadas” por partidos políticos, como veremos logo

mais.

A articulação nacional-local, feita pelos trabalhadores feirenses dos anos 1980,

também era feita pelo Feira Hoje, que estava integrado ao discurso dos jornais de expressão

nacional. O próprio editorial do jornal mostra que sua principal fonte de notícia era o Jornal

do Brasil.131 Bethania Mariani mostra como alguns jornais (O Globo, Jornal do Brasil, O Dia,

entre outros), ao longo da década de 1980 vão amenizando o discurso a respeito do

comunismo – “perigo da esquerda” – e também como criticam o PT, dizendo ser este

“inimigo da democracia”.132 Podemos citar dois exemplos, respectivamente, desse

alinhamento do Feira Hoje com os jornais de circulação nacional.

O primeiro é uma matéria intitulada “A igreja marxista”, de 1980, onde o jornal:

critica um processo de redemocratização que não inclua os setores da população; apóia a

participação da Igreja nos conflitos do ABC paulista; opina que o governo negocie com os

operários, “nunca fechando-lhes as portas e prendendo seus líderes”. Outro exemplo, a

respeito do olhar sobre o PT, é uma nota de 1985 que diz ser esse partido “contra as

130 A única exceção vista foi uma greve da Polícia Civil, noticiada na última página, reservada a “casos policiais” como assaltos, assassinatos e outros: “Situação na Polícia Civil está ficando insustentável”. Jornal Feira Hoje, 28 de agosto de 1987, p.8. 131 Francisco Fonseca faz uma avaliação deste e de outros jornais no seu O conservadorismo patronal da grande imprensa brasileira. Opinião Pública, Campinas, vol. 9, nº 2, out. 2003. O artigo analisa os editoriais dos jornais O Globo, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo, mostrando os posicionamentos conservadores destes em relação à Constituinte de 1987/88, inclusive direito à greve e direitos sociais como a redução da carga horária semanal de trabalho. 132 MARIANI, Bethania. O PCB e a imprensa. Os comunistas no imaginário dos jornais (1922-1989). Rio de Janeiro: Revan; Campinas: Unicamp, 1998, p.218 et seq.

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aspirações de mudança do povo do Brasil”.133 O Feira Hoje criticou a não participação do PT

no colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves, mais um motivo para o jornal mostrar como

o PT era “anti-democrático”, já que não concordava com a maioria dos brasileiros, que

acreditavam ser a eleição do novo presidente o caminho para a redemocratização no país.134 A

crítica do jornal era compartilhada pelo PMDB, PCdoB e PCB que, também em Feira de

Santana, estavam unidos em muitas opiniões.135

Essa visão sobre o PT nacional e também sobre o PT feirense tendeu a se intensificar.

Vemos isso principalmente nas eleições para presidente em 1989. As matérias de primeira

página – “Collor promete lutar por um Brasil novo (oitenta mil pessoas aplaudem o

candidato)” e “Lula se considera o melhor candidato” – são expressivas do trato que o Feira

Hoje tem com cada um dos candidatos.136

Citamos outro aspecto do jornal estudado que julgamos interessante: as falas dos

trabalhadores aparecem sempre aspeadas, são transcritas, e as dos setores dominantes, maior

parte, são postas como uma fala do jornal, com poucas transcrições. O Feira Hoje parece se

sentir mais à vontade em incorporar nas suas linhas as falas dos patrões, ao mesmo tempo em

que o que os trabalhadores pensam não se aproxima do que o jornal defende.

A análise do Feira Hoje não permite uniformizar o trato deste com as mobilizações de

trabalhadores. O que pode ser dito é que o trato, de fato, mudou ao longo da década de 1980,

tornando-se mais agressivo e que tal agressividade também varia de acordo com as mudanças

de proprietário e com a intensificação dos processos grevistas. No caso das greves gerais

(1986, 1987, 1989, 1990, 1991), apenas a primeira é noticiada com amenidade e é citada

como parâmetro na greve geral de 1987 para dizer que esta última não teve efetividade.

Porém, as greves que se seguem ocupam mais espaço no jornal – seja porque duraram mais de

um dia, seja por conta do aumento da repressão policial – sendo retratadas como

“fracassadas”. De modo geral, a tolerância com respeito às greves diminui ao longo da

referida década.137 A hipótese que traçamos sobre isso é que a rearticulação dos setores

133 “A igreja marxista”. Jornal Feira Hoje, 13 de maio de 1980, p.2 e “PT”. Jornal Feira Hoje, 22 de janeiro 1985, p.2. 134 “PT não acredita em Tancredo”. Jornal Feira Hoje, 20 de janeiro de 1985, p.2. 135 O MDB/PMDB feirense teve ampla inserção nas organizações de trabalhadores de Feira de Santana com o apoio do PCB, desde a aliança para a eleição de Chico Pinto em 1963, e do PCdoB, destacado neste estudo pela presença do Sindicato dos Bancários entre os sindicalistas tradicionais. 136 “Collor promete lutar por um Brasil novo (oitenta mil pessoas aplaudem o candidato)”. Jornal Feira Hoje, 10 de outubro de1989, p.1; “Lula se considera o melhor candidato”. Jornal Feira Hoje, 13 de outubro de 1989, p.1. 137 Essa constatação também está posta também num artigo do Nadya Castro, que trata do registro de greves e mobilizações de trabalhadores na década de 1980 na Bahia, através do jornal soteropolitano A Tarde. Cf. CASTRO, Nadya A. Imagens do sindicalismo baiano nos anos 80. In: GUIMARÃES, Antonio Sergio et. al.

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dominantes, ao longo da década de 1980, em torno de um projeto conservador, implica em

estreitar o reconhecimento das greves, pois elas eram forte expressão do crescimento

organizativo dos trabalhadores. Assim, a mídia, aliada a esses setores, cumpria o papel de

desmoralizar as greves.

Com relação a quem faz a greve, algumas categorias sofrem certa intolerância por

parte do jornal, que são os trabalhadores da saúde, metalurgia e professores. O jornal diz ser

estes “setores essenciais da sociedade”, mesmo quando se dizem a favor das reivindicações

dessas categorias. Deve-se atentar que esse aspecto da tolerância com respeito a quem faz a

greve está ligado à questão da posição do jornal em relação ao recrudescimento do

conservadorismo da ainda fragmentada classe dominante do país. Por exemplo, as três

categorias acima citadas já eram tratadas pelo Feira Hoje com certa intolerância desde o

início da década, mas essa posição vai se intensificando ao longo dos 1980.

Ainda, há outro fator a se levar em conta: o apoio da população, a exemplo das

pequenas entrevistas de apoiadores das greves de 1989, citada no início. Isso demonstra que

há mais um aspecto a ser observado quando se pergunta qual posição o jornal Feira Hoje tem

em relação às greves. A opinião da população é um dos fatores de influência de um jornal, já

que este atua em sistematizar o senso comum, reforçando também preconceitos, e abre espaço

para outras manifestações daquele. Como vimos, ainda que o jornal tenha endurecido sua

opinião acerca das greves e outras mobilizações de trabalhadores, esta precisava ser mediada

na correlação de forças políticas, sempre que a população – ela própria composta, em sua

maioria, por trabalhadores – tendia a ser favorável às mobilizações.

Feitas essas considerações sobre a posição do referido jornal ao longo da década de

1980, dissemos que o trato com as greves oscila, influenciado por alguns fatores. Mas, em

linhas gerais, constatamos que há afirmações sempre presentes nas notícias em torno dessas

manifestações. Um delas é a ligação que o jornal faz entre as greves gerais e os partidos

políticos. Em alguns casos, o Feira Hoje até entrevista o representante de algum partido, em

vez de um sindicalista. De qualquer forma, os partidos estão sempre presentes nas notícias,

apoiando as greves, como era costume dos mais apresentados pelo jornal: PT, PMDB, PCB,

PCdoB.

A interpretação que temos a respeito disso é que, com sutileza, o jornal dá a perceber,

nas notícias ao longo da década, que os partidos estão sempre no “comando” da greve. Têm

destaque as fotos em que as siglas de partido aparecem em faixas e cartazes, tentando

Repensando uma década: a construção da CUT na Bahia dos anos oitenta. Salvador: CEPAS; CEAS; UFBA, 1994.

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convencer o leitor de um argumento que tentava deslegitimar as greves gerais àquela época:

elas eram organizadas pelos partidos políticos e não pelos trabalhadores. Essa tentativa de

desvinculação entre trabalhadores organizados em sindicatos e trabalhadores organizados

em partidos certamente tinha a ver com a crescente representação política do PT enquanto o

partido que se propunha a levar a classe trabalhadora ao poder de Estado.

Também, esse argumento marca uma distinção das greves gerais com as greves

setoriais, pois estas últimas são sempre tomadas como uma greve dos trabalhadores,

geralmente porque o jornal reconhece a pauta como legítima. De todo modo, ainda que o

jornal se posicione explicitamente contrário a algumas greves setoriais, ele se posiciona contra

uma greve reconhecidamente dos trabalhadores, o que não acontece no caso das greves gerais,

como vimos.

O Feira Hoje se concentra em produzir a notícia não em torno da pauta da greve, mas

sim da condução desta, ou seja, como os grevistas se comportaram, se esta fugiu do controle,

se foi “vitoriosa”, omitindo as motivações para a realização da greve e exibindo “erros” nos

momentos imediatos desta. A preocupação é com o momento e não com as condições o

fizeram possível.

Tendo dito isso, é possível afirmar que o jornal tem uma espécie de duplo registro:

produz um discurso sobre o momento e, simultaneamente, é parte desse momento, enquanto

sujeito coletivo. É expectador privilegiado do momento em que estudamos, temos acesso à

informação através dele, mas ele não é isento do que acontece; tem posições que muitas vezes

não são explicitadas, pelo próprio caráter de um jornal, e que exigem certa acuidade nas

interpretações. Por exemplo, o Feira Hoje fornece uma série de informações de quem são os

sujeitos e os localiza socialmente, naquele momento. Por isso mesmo é preciso ter cuidado

com a caracterização que o jornal faz deles, muitas vezes de forma velada.

As ações relatadas nas páginas do jornal são perpassadas também pela interpretação

dos entrevistados. Isso faz com que nos perguntemos do porque certos sujeitos são escolhidos

para emitir suas opiniões acerca de assuntos que dizem respeito à classe trabalhadora. Em tais

notícias – assim como nas situações em que as entidades representativas dos trabalhadores se

posicionavam a respeito de mobilizações e deliberações articuladas nacionalmente pelas

centrais sindicais – vemos a presença constante e privilegiada das opiniões dos presidentes de

três sindicatos: Bancários, Comerciários e, em algumas delas, Condutores Autônomos. O

Grito da Terra faz uma reclamação sobre isso e fala do pouco espaço que outros sindicalistas

tinham para emitir suas opiniões sobre manifestações de trabalhadores e pacotes do governo.

Segundo esse mesmo jornal, na leitura das opiniões dos referidos sindicalistas, “não se

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identifica se os autores são respectivamente bancários e comerciários ou banqueiros e

comerciantes.”138

Os três sindicatos e seus presidentes terão atenção especial na seção que se segue, para

esclarecimentos sobre suas posições políticas nas lutas da classe trabalhadora no período

estudado.

2.2 – Tradicionais

A apresentação dos sindicatos tradicionais envolve seus respectivos diretores e

situações que digam tanto sobre suas consolidações enquanto tais, quanto sobre suas relações

com poder público e privado na cidade. Os três presidentes de então, ainda hoje, continuam na

presidência dos sindicatos.139

Délcio Mendes, presidente do Sindicato dos Comerciários, e Liomar Ferreira,

presidente do SINCAVER, eram do MDB/PMDB e a posição de cada um dentro do partido

pode se referenciar na eleição de ambos para vereador: o primeiro, de 1983 a 1988 na segunda

gestão de José Falcão (já PDS), e o segundo, de 1989 a 1992, na segunda gestão de Colbert

Martins. Igor Santos diz que Délcio Mendes era vinculado à “facção mais conservadora do

partido”, enquanto Liomar Ferreira compunha a “ala de centro-esquerda” com Chico Pinto e

Colbert.140 Eliezer Ferreira, presidente do Sindicato dos Bancários, nunca assumiu cargos no

poder público de Feira de Santana, assim como não parece não ter se envolvido publicamente

na política institucional da cidade.

Uma ação que envolveu os três sindicatos durante anos foi a construção de um

conjunto habitacional que contemplasse certo número de trabalhadores de cada categoria,

tendo começado as discussões em 1977. A prefeitura de Feira de Santana doaria o terreno e o

INOCOOP mediaria o processo de financiamento, através do BNH. Os sindicatos criaram

instâncias específicas para a construção das casas: dos comerciários, a COHATAFE –

Cooperativa Habitacional do Trabalhador Feirense, que teria 400 casas próprias

138 “Pelegadas”. Seção “Pinga Fogo”. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1983, p.7. 139 Délcio Mendes foi o primeiro e único presidente, tendo assumido o cargo em 1972, quando a categoria se desvinculou da Associação dos Empregados no Comércio, que abrigava também os bancários. Liomar Ferreira assumiu em 1979 e também nunca deixou o cargo. Eliezer Ferreira assumiu em 1974 e deixou de ser presidente entre os anos de 1989-1992, 1995-1998 e 2004-2007. Entretanto, nunca deixou de assumir algum cargo na diretoria. 140 SANTOS, 2007, op cit, p.164.

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provavelmente onde hoje é o Parque Ipê; dos bancários, COHABAFE – Cooperativa

Habitacional dos Bancários Feirenses, 150 apartamentos no conjunto Centenário. Sobre os

taxistas, não temos informações, sobre a construção dos conjuntos, apenas a presença do

SINCAVER nas notícias referentes às negociações com o INOCOOP.

Em 1980, o Ministério do Trabalho criou o Programa Nacional de Habitação para o

Trabalhador Sindicalizado (PROSINDI) que, através do apoio financeiro do BNH e da

administração dos sindicatos, construiria casas para trabalhadores com renda familiar de até

seis salários mínimos. Os três sindicatos feirenses se integraram ao PROSINDI, mas este foi

suspenso pelo BNH no mesmo ano, sob o argumento de que não haveria dinheiro suficiente

para o financiamento previsto.141

Toda essa movimentação acerca de da construção de conjuntos habitacionais para os

trabalhadores representados nesses três sindicatos começou logo após a assunção de Colbert

Martins à prefeitura, pari passu com a criação do PLANOLAR. A estreiteza dessas relações

sugere que os sindicatos tratados aqui participavam da tentativa de reorganização da classe

trabalhadora feirense por parte do MDB.

Vamos acompanhar agora parte da movimentação de cada um dos três sindicatos antes

de se acirrar a disputa entre estes e os petistas-cutistas. Eles voltarão a ter destaque no

próximo capítulo, quando trataremos das oposições sindicais.

O Sindicato dos Bancários foi fundado em Feira de Santana pouco antes do golpe de

1964. O estreitamento nas relações com o MDB, porém, se deu a partir de 1974, quando

venceu as eleições para presidente o funcionário do Baneb Eliezer Ferreira, do PCdoB. Essa

eleição foi viabilizada com o apoio do interventor nomeado pela DRT, José Edson de Lima

Coelho. As ações dessa direção apontam para o forte caráter assistencialista na prática

organizativa do sindicato: instalação de barbearia, consultório dentário e médico, clube

recreativo dos bancários.142

A atuação da diretoria em relação a outras organizações da cidade reforçam o referido

caráter. O Sindicato dos Bancários participou, junto com o Sindicato dos Comerciários, CIFS,

radialistas e outras categorias, do “torneio futebolístico” da Semana da Pátria, realizada pelo

35º BI.143 O jornal Feira Hoje noticia algumas movimentações comuns dos membros da

diretoria, a exemplo da que se segue. Luiz Gonzaga Ferreira foi a Salvador para “participar da

141 “Sindicato discute dissídio coletivo”. Jornal Feira Hoje, 06 de março de 1977, p.1; “Bancários vão criar uma nova cooperativa”. Jornal Feira Hoje, 18 de agosto de 1978, p.3. “Criado um programa habitacional para o trabalhador sindicalizado de baixa renda”. Jornal Feira Hoje, 13 de janeiro de 1980, p.3. “Inocoop explica paralisação do Prosindi e líderes não aceitam”. Jornal Feira Hoje, 28 de outubro de 1980, p.4. 142 40 Anos de Luta. Produção do Sindicato dos Bancários de Feira de Santana. 2003. DVD. 143 “Bancários vão criar uma nova cooperativa”. Jornal Feira Hoje, 18 de agosto de 1978, p.3.

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reunião do conselho fiscal da Federação dos Empregados em Estabelecimentos Bancários dos

Estados da Bahia e Sergipe”, da qual era membro.144 Essa veiculação de notícias demonstra

uma relação próxima entre o sindicato e setores da classe dominante. O mesmo membro da

diretoria, Luiz Gonzaga Ferreira, em fins da década de 1970, assinava a Coluna Sindical do

jornal conservador de maior expressão na cidade, o Folha do Norte.

Nas eleições de 1980, Luiz Gonzaga Ferreira montou uma chapa pra disputar com o

candidato à reeleição, Eliezer Ferreira. Nas acusações entre as chapas, podemos perceber uma

possível divisão dentro do PMDB feirense no apoio às chapas, quando encontramos relações

entre a chapa de oposição e José Falcão que, naquele ano, já negociava sua ida para o PDS.145

Alguns meses após ter vencido as eleições, Eliezer Ferreira disse que o aumento

anunciado pelo governo federal no Dia do Trabalho havia amenizado a situação dos

trabalhadores do país, apesar do aumento no custo de vida.146

Sobre o SINCAVER, temos a publicação do orçamento previsto para o ano de 1978:

pouco mais de 60% da receita vinha do imposto sindical. Em seguida, as mensalidades dos

sindicalizados. Parte ínfima da receita advinha das multas por atraso na contribuição sindical

e “reembolso de despesas da oficina com taxímetros”. As despesas do sindicato são com:

administração, contribuição com o “Governo Federal, c/ emprego e salário”, federação e

salários, assistência social (médica, dentária, jurídica), serviços sociais (esporte, auxílio

viagem), assistência técnica, aplicação de capitais (mobiliário, biblioteca), “despesa com

distribuição de fiscalização de guias da contribuição sindical.” Assinam esse orçamento: José

Olegário Teles da Silva (presidente), Albérico ilegível Souza (tesoureiro), Walter Rodrigues

ilegível (contador).147

Em novembro de 1979, Liomar Ferreira ganhou as eleições para Edson Perrone,

candidato apoiado pelo então presidente, José Olegário Telles da Silva. Porém, o início da

gestão não foi tranqüilo por conta da proposta de extinguir os pontos fixos – rechaçada pelos

motoristas do ponto da Estação Rodoviária, que apoiaram Edson Perrone – e regularizar os

táxis-lotação. Esta última foi mais polêmica porque a maioria dos motoristas apoiavam a

proposta, mas concretizá-la seria entrar em disputa com os motoristas de ônibus.148 Duas

144 “Líder sindical vai participar de reunião”. Jornal Feira Hoje, 15 de março de 1978 p.3. 145 “Sindicato dos Bancários tem primeiro candidato às eleições”. Jornal Feira Hoje, 17 de fevereiro de 1980, p.5. “Bancário faz denúncias contra o atual presidente do sindicato”. Jornal Feira Hoje, 09 de maio de 1980, p.5. 146 “Líderes sindicais dizem que aumento salarial do governo não satisfaz as necessidades”. Jornal Feira Hoje, 03 de maio de 1980, p.3. 147 “Sindicato dos condutores autônomos”. Jornal Feira Hoje, 29 de dezembro de 1977. p.11. Olegário era do MDB, provavelmente aliado a José Falcão, pois apoiou o candidato deste para a chapa do SINCAVER na eleição de 1979, contra Liomar Ferreira, candidato apoiado por Colbert Martins. 148 “Modificações geram polêmica”. Jornal Feira Hoje, 05 de dezembro de 1979, p.3.

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semanas depois, prefeito assinou decreto que extinguiu pontos fixos e garantiu que os órgãos

de trânsito cuidariam para que não houvesse problemas com a liberdade de qualquer taxista

parar em qualquer ponto de taxi.149 No início de janeiro, Colbert Martins declarou que

implantação dos táxis-lotação só dependia da mudança no regulamento municipal que versava

sobre táxis servirem ao transporte individual. Liomar Ferreira garantiu que muitos motoristas

procuraram o sindicato para saber quando a medida entraria em vigor e defendeu que Kombis

não fizessem tal serviço, para não prejudicar os taxistas.150

O Sindicato dos Comerciários, não à toa, é o que mais aparece nas notícias do Feira

Hoje. Essa categoria era a maior da cidade numericamente e o sindicato que a representava

era cuidadosamente preservado pela classe dominante, inclusive os industriais, da cidade, que

já se chamou Cidade Comercial de Feira de Santana entre fins do século XIX e início do

século XX. O caráter comercial como definição da atividade econômica prioritária da cidade

já foi alvo de disputas dentro da própria classe dominante, notadamente quando das

articulações para se construir o CIS, em fins da década de 1960. A fundação do Sindicato dos

Comerciários no ano de 1972 e indicação de um nome da ala do MDB que mantinha relações

com a ARENA para o cargo de presidente diz muito sobre essas disputas.

Nas páginas do Feira Hoje, vemos Délcio Mendes falando sobre dissídios coletivos,

relações entre comerciários e comerciantes, opinando sobre a política nacional e escrevendo

numa seção chamada Coluna Sindical. Em agosto de 1980, nessa mesma Coluna, ele denuncia

o desrespeito aos sindicatos da cidade e reivindica criação de uma lei de estabilidade e outra

“que justifique sua participação no progresso da empresa”, referindo-se ao respeito para com

o trabalhador.151

Um ano antes, ele se põe a favor da proposta do governo federal de unificação dos

salários mínimos, desde que “seja obtida pelos trabalhadores através do diálogo, sem que se

dêem movimentos não permitidos por lei”.152 Nessas duas falas, podemos notar o

posicionamento de Délcio Mendes frente à ditadura, pondo suas leis acima da vontade política

dos trabalhadores, ao mesmo tempo em que concorda com a permanência da estrutura

sindical.

Anos antes, o diretor do referido sindicato prestou contas das despesas com os serviços

para os associados: “Gastamos mensalmente quase Cr$ 20 mil com os serviços médico,

149 “Táxis podem parar em todos os pontos”, Jornal Feira Hoje, 21 de dezembro de1979, p.3. 150 “Prefeito diz que táxi-lotação só depende de novo regulamento”. Jornal Feira Hoje, 08 de janeiro de1980, p.3. 151 “Coluna Sindical”. Jornal Feira Hoje, 08 de agosto 1980, p.10 152 “Délcio cauteloso: unificação salarial”. Jornal Feira Hoje, 02 de fevereiro de 1979, p.5.

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odontológico, pediátrico e jurídico”.153 Posteriormente, Délcio Mendes reclamou de empresas

locais que exerciam dupla atividade e destinavam imposto sindical apenas à indústria,

deixando o Sindicato dos Comerciários sem condições de ampliar os benefícios aos seus

associados além de perder estes, já que trabalhadores desse tipo de empresa se associavam a

outros sindicatos.154 Vemos aqui a mútua dependência entre imposto sindical e

assistencialismo, cuja justificativa é o bem-estar do associado (designação mais recorrente

que trabalhador). Essa dependência sofreu forte crítica por parte dos petistas-cutistas, tanto

por estreitar a capacidade de mobilização dos trabalhadores, quanto por dividir com o Estado

o peso da assistência social.

Ainda, não devemos perder de vista os laços deste sindicato com o patronato. Em fins

de 1977, firmas do comércio procuraram o sindicato, a fim de pegarem formulários para o

Acordo Coletivo de Prorrogação de Horário de Trabalho no período de vendas para o natal,

devido ao grande número de atestados médicos. Délcio Mendes disse que o ocorrido era bom,

pois, de um lado, os comerciários desempenhariam um bom trabalho e, de outro, a saúde deles

não seria prejudicada, satisfazendo “aos empregadores e ao mesmo tempo aos

empregados.”155 O acordo só foi posto em prática depois de boa quantidade de atestados

emitidos. A resistência à exaustiva jornada de trabalho se dava individualmente, pela

recorrente estratégia de entregar atestados médicos para faltar e não ter seu salário diminuído.

Délcio Mendes escolheu, em nome da satisfação geral, se manter do lado dos comerciantes.

Mas essas relações de colaboração do Sindicato dos Comerciários também se deram

diretamente com o governo ditatorial. Foi anunciada a abertura da escola de datilografia, que

iria funcionar nos três turnos, na própria sede, situada à Av. Senhor dos Passos, inicialmente

com dez máquinas, “adquiridas através de uma substancial ajuda dada pelo Ministério do

Trabalho”. Este liberou 40.000 cruzeiros e o sindicato desembolsou 5.200. Em parceria com o

SENAC, o sindicato oferecia ainda cursos de Datilografia, Auxiliar de Escritório, Relações

Humanas e Cálculos Comerciais.156

Meses depois desse anúncio, houve eleição com chapa única, cujo slogan de campanha

foi “Sindicato é Civilização. Participe do mesmo.” Na posse estiveram presentes o delegado

regional do trabalho, Ivanilson Trindade, presidente da Federação dos Empregados no

153 “Sindicato discute dissídio coletivo”. Jornal Feira Hoje, 06 de março de 1977, p.1. 154 “Imposto sindical só vai para a indústria”. Jornal Feira Hoje, 24 de setembro de1978, p.1. 155 “Comerciários mais conscientes procuram informação no sindicato”. Jornal Feira Hoje, 15 de dezembro de 1977, p.3. 156 “Sindicato vai ensinar comerciários a escrever”. Jornal Feira Hoje, 08 de janeiro de 1978, p.3.

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Comércio dos Estados da Bahia e Sergipe, Osvaldo Gonçalves Ferreira e presidentes de

outros sindicatos dos comerciários, a exemplo de Vitória da Conquista e Jequié.157

O presidente candidato à reeleição não explicou a razão do slogan, mas não é difícil

notar, pelo que já foi mostrado dos seus esforços em ampliar os serviços assistenciais para os

comerciários, que foi uma tentativa de convencimento do tipo de prática sindical que Délcio

Mendes e os outros tradicionais tinham. As relações dominantes e dominados já estavam

postas, cabia aos associados se integrarem à civilidade, própria do aparente consenso de

classe, que se travestia de uma relação entre colaboradores.

A presença de sindicalistas e lideranças populares em colaboração nos espaços das

sociedades civil e política, como acabamos de ver, e até em cargos da prefeitura, a exemplo

dos administradores de bairro, caracteriza a presença orgânica do bloco MDB/aliados no

movimento sindical e popular.158 O apoio e a presença do Estado nos sindicatos e associações,

bem como a ligação orgânica com lideranças populares, se consolidaram enquanto prática

política das organizações de trabalhadores mais antigas da cidade. Indícios de como isso se

deu serão encadeados na seção que se segue.

2.3 – Paternalismo na Feira

Durante todo o período estudado por nós, Feira de Santana teve apenas dois prefeitos.

Entre 1973 e 1992, se revezaram no poder Colbert Martins e José Falcão, com duas gestões

cada um.159 Ainda que este último tenha sido eleito na segunda vez pelo PDS, partido aliado

ao carlismo160, ambos foram frutos da aliança política vitoriosa com Chico Pinto, mantida em

pleno vigor nos anos 1970 e 1980. Essa aliança política envolvia setores organizados dos

trabalhadores. A luta pela organização e direção política dos trabalhadores na cidade a partir

157 “Délcio toma posse de novo no sindicato”. Jornal Feira Hoje, 29 de junho de 1978, p.3. “Sindicato tem eleição dia 29”. Jornal Feira Hoje, 28 de março de 1978, p.1. 158 Outro exemplo é a diretoria do Centro Social Urbano (CSU) ter sido ocupada por Délcio Mendes a partir de 1989. 159 José Falcão (MDB, 1973-1977); Colbert Martins (MDB, 1977-1982); José Falcão (PDS, 1983-1988); Colbert Martins (PMDB, 1989-1992). José Falcão voltou a ser prefeito pela terceira vez em 1997, pelo PFL, mas faleceu seis meses depois de assumir o cargo. 160 Carlismo foi o movimento político em torno de Antonio Carlos Magalhães, comumente chamado de ACM e, ironicamente, de cacique e coronel. ACM era da UDN e, após o golpe de 1964, foi para a ARENA. Foi prefeito de Salvador ainda na década de 1960 e, na década posterior, foi governador da Bahia. Foi eleito governador desse mesmo estado em 1991, sendo sucedido por outros governadores da sua área de influência até 2007, quando Jaques Wagner, do PT, assumiu o cargo. Importante lembrar que, na eleição em que José Falcão ganhou pelo PDS, o PMDB se dividiu, concorrendo com dois candidatos.

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de meados do século XX teve de se deparar com a presença robusta da política do

PSD/MDB/PMDB e seus aliados no meio dos trabalhadores.

Assim, voltamos o nosso olhar para como se constituiu essa aliança com os

trabalhadores feirenses. Larissa Pacheco, ao discutir as relações entre a prefeitura e a feira

livre, durante a gestão de Chico Pinto, recolheu depoimentos que registram a memória de uma

relação bastante característica: “Ele [Chico Pinto] fazia muita coisa pela feira [...] Ele fazia

muita coisa pelo pessoal pequeno. Ele ajudava em qualquer setor, se fosse um emprego, ele

conseguia, fazia muita coisa pelo povo. Era um cara que deixava o povo trabalhar, não

perseguia ninguém, sempre ajudava.”161

O contato pessoal era muito importante, pois marcava uma figura política importante

como o prefeito enquanto “amigo”, “chegado”. A necessidade da presença para se estabelecer

a confiança, de encontro à idéia do prefeito que faz seu trabalho para todos, indistintamente,

para uma população sem rosto, sem necessidade de contato direto. O bate-papo, o “como é

que vai a vida?”, eram importantes na relação de lealdade, que parecia se dar pela não

interrupção das formas tradicionais de trabalho e, com ele, também a sociabilidade. Isso em

relação aos feirantes, para os quais os laços de solidariedade eram imprescindíveis à

realização do seu trabalho, a exemplo das caminhadas desde os distritos para se chegar ao

centro da cidade, que eram feitas conjuntamente, pois eram longas e iniciadas na madrugada.

A tentativa de Chico Pinto fazer da classe trabalhadora aliada da sua gestão ficou

explícita em seu título de campanha para prefeito em 1963: “Chico Pinto no poder é o povo

governando”. Porém, durante o processo eleitoral, o candidato já contava com boa parte dos

trabalhadores, pois havia se tornado advogado de alguns sindicatos desde 1955, mesmo ano

em que começou seu mandato de vereador pelo PSD.162

Os caminhos que o levaram a escolher opor-se ao bloco dominante à época,

representado pela UDN, pode ser sintetizada em suas próprias palavras: “[...] sou um produto

do populismo (sem aspas) do Getulismo, da rígida ética que a UDN pelo menos externava e,

mais tarde, dos ideais socialistas absorvidos na universidade”. Esse ethos político de Chico

Pinto pode ser percebido nos critérios para o estabelecimento de relações pessoais, a exemplo

do cumprimento da palavra, bem como na austeridade com que conduzia os projetos de sua

161 Entrevista com o feirante José Carlos em PACHECO, op. cit, 2009, p.104. Ele foi um dos que não ficou no CAF e contou à autora sobre como era a feira antes da inauguração do mesmo. 162 Os sindicatos eram: Construção Civil, Fumageiros, Feirantes, Metalúrgicos e Comerciários. Cf. NADER, 1998, op cit, p.144.

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gestão, na tentativa de fazer uma reforma administrativa.163 Fazem parte disso a condenação

da figura do atravessador no mercado de alimentos e também proposta de elaboração de um

Código Tributário, inexistente à época, para barrar a sonegação de impostos e regularizar as

contribuições com a prefeitura.

A popularidade de Chico Pinto ainda enquanto vereador ajudou a esvaziar a aliança

local UDN-PTB durante as eleições para prefeito, tendo também o apoio extra oficial do PCB.

Ainda assim, ele ganhou com pouco mais de 60 votos para João Durval, que pretendia ser o

terceiro prefeito consecutivo pela UDN. Isso implicou em uma difícil correlação de forças

entre executivo e legislativo. Larissa Pacheco encontrou alguns dos projetos encaminhados à

Câmara marcados com a inscrição “cemitério”, certamente pela não aprovação deles.164

É possível que isso tenha impelido Chico Pinto a assumir uma postura política típica

de quem é oposição, ao partir para o embate – com o apoio dos trabalhadores – para que os

projetos do executivo fossem aprovados. Temos dois episódios que marcaram a sua gestão.

Um foi o ato que ficou conhecido como “Quebra-quebra da Câmara”. Tendo a discussão

sobre as prioridades para o Orçamento Municipal de 1964 corrido a cidade nos debates em

que estavam sempre presentes o prefeito e os secretários municipais, o projeto foi submetido à

aprovação da Câmara de Vereadores nos últimos meses de 1963. Sua discussão foi adiada por

várias seções e, na última do ano, as associações de moradores e a Associação dos Estudantes

Secundaristas de Feira de Santana (AFES) compareceram para garantir a aprovação. Os

vereadores usaram essa presença para suspender a seção, sob a justificativa de “algazarra” e

as insatisfações causaram a destruição do espaço físico da Câmara dos Vereadores. Após o

golpe, Chico Pinto foi indiciado como responsável pelo ocorrido.165

O outro episódio, no mesmo ano, foi “A guerra dos currais”. À época as prefeituras

ainda dependiam dos governos estaduais para a cobrança de alguns impostos, bem como a

disponibilização por partes dos últimos de um secretário de finanças. O governador Lomanto

Júnior, eleito pela coligação PL/PTB/UDN, havia retirado João Torres do cargo de secretário

de finanças, não tendo posto outro no lugar. Em reação, quase todo executivo municipal e os

trabalhadores dos currais ocuparam o Campo do Gado, pertencente ao município, no dia em

163 Há ainda um forte tom personalista no trato com a gestão de Chico Pinto, mesmo por parte dos historiadores da cidade. Ele próprio reforça a identificação entre governante e Estado no depoimento que concedeu a Ana Beatriz Nader. Ainda não temos um estudo que analise, por exemplo, o papel dos secretários municipais e também dos administradores de bairros na construção dessa gestão. 164 PACHECO, 2009, op cit, p.100. 165 CAMPOS, Ricardo. O putsh na Feira: sujeitos sociais, partidos políticos e política em Feira de Santana, 1959-1967. Feira de Santana: UEFS (Monografia de Graduação em História), 2010, p.38 et seq. NADER, 1998, op cit, p.145-146.

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que a fiscalização estadual foi realizar a cobrança de impostos. O próprio Chico Pinto

elaborou um habeas corpus preventivo, mas não houve conflito armado. Depois disso, João

Torres voltou ao cargo.166

Ainda que Chico Pinto se auto-proclamasse “produto do populismo”, essa forte

influência não implica, de antemão, em um tipo de relação com os trabalhadores que possa ser

definida como populismo. Igor Santos fala em populismo quando se refere à gestão de Chico

Pinto, mas diz que o conceito não dá conta e aponta para paternalismo, pelas “efetivas

conquistas organizativas populares”.167 Larissa Pacheco diz que o “legado populista getulista”

faz parte do processo de formação política dos trabalhadores feirenses nessa mesma época.168

A nós interessa saber de onde vem a recusa dos tradicionais em participar das

mobilizações coletivas, onde os conflitos de classe eram exacerbados. Sua justificativa de que

tais mobilizações eram organizadas por pessoas “alheias à classe” diz sobre o lugar em que

eles mesmos se colocavam para falar em nome dos trabalhadores, como veremos na próxima

seção. Porém, o discurso de autoridade dos tradicionais estava balizado por práticas que,

segundo os poucos estudos ainda existentes sobre trabalhadores feirenses, parecem ter

começado a se constituir na gestão de Chico Pinto, com a institucionalização de uma certa

relação entre dominantes e subalternos.

A gestão de Chico Pinto, mesmo interrompida, agregou grupos que, posteriormente,

convergiram para o bloco do MDB feirense chamado “progressista” ou “populista de

esquerda”, segundo os petistas-cutistas. Diante da investigação acerca experiência dos

trabalhadores feirenses nas mobilizações coletivas da década de 1980, achamos importante

arriscarmos uma interpretação sobre a relação entre classes em Feira de Santana que se deu

nos seguintes termos: a constituição de um bloco dominante na cidade – em oposição a outro

bloco dominante, constituído por fazendeiros-comerciantes em geral representados pela UDN

– que exerceu sua hegemonia a partir do fortalecimento da oposição à ditadura, em meados da

década de 1970, até início da década de 1990, incluiu a construção de outra relação com a

classe trabalhadora feirense.

Essa relação de dominação de tipo novo na cidade é vista por nós como paternalismo,

tendo como base a avaliação de E. P. Thompson sobre o conceito.169 Não podemos afirmar se

166 Idem, p.34 et seq. Idem, p.147. 167 SANTOS, 2007, op cit, p.312. 168 PACHECO, 2009, op cit. p.97-98. 169 THOMPSON, E.P. Patrícios e plebeus. In: ________ Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. Neste artigo, o autor lança críticas ao conceito, mas o aceita pra tratar das relações entre dominantes e dominados na Inglaterra do século XVIII. Ainda que estejamos tratando de um processo histórico distinto, algumas premissas compõem nossa defesa do conceito para Feira de

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antes da década de 1960 havia relações paternalistas na cidade, nem defendemos que houve,

em algum período uma “sociedade paternalista”. Apenas indicamos a institucionalização de

relações paternalistas ou, de outra maneira, a constituição de relações paternalistas através do

Estado. Sem nos importarmos, neste estudo, com a precedência de uma das duas, achamos

que as relações paternalistas hegemonizaram a classe trabalhadora, inclusive na constituição

de suas entidades.

Pelo que já foi dito até aqui sobre a gestão de Chico Pinto, as duas gestões de Colbert

Martins e as lutas nos bairros, o aprendizado político da classe trabalhadora foi tutelado, em

uma relação de confiança que, ainda assim, não deixava de ser conflituosa. Vimos como a

figura do administrador de bairro, criada na gestão daquele primeiro, que durou décadas, foi

rejeitada quando a relação de confiança era quebrada.

Os projetos feitos, e alguns implementados, na gestão de Chico Pinto, levaram à baila

do espaço público demandas dos trabalhadores acrescidas de mecanismos de controle sobre os

mesmos. Relembramos a construção do tanque público de lavagem e o “centro de

abastecimento volante”. Em ambos, havia o reconhecimento por parte dos subalternos de que

a figura política agia em seu favor, mas isso não se dava em uma observação da mudança em

sua rotina, no cerceamento de regras no ritmo e tempo, de regras na compra-e-venda de

alimentos que haviam sido estabelecidas pelos eles mesmos.

Se, por um lado, havia o incentivo do referido bloco dominante à organização dos

trabalhadores, havia também a necessidade de que as figuras proeminentes desse bloco

estivessem presentes (inclusive fisicamente) nesse processo. Isso implicou em uma relação

em que o dominante também era o pater, por acompanhar os passos dos subalternos que, por

sua vez, impunham limites na interferência em seus espaços de convivência. Nesse sentido,

não havia propriamente consenso. Parece que, o que importava não era a ausência de

conflitos, mas a garantia de que eles não se tornassem uma ameaça à sua hegemonia sobre a

classe e de que essa não estabelecesse relações de confiança com outro bloco dominante. De

alguma maneira, dominantes e subalternos “moderavam o comportamento político uns dos

outros”.170 Dessa maneira, nos parece que em Feira de Santana não houve “doação” nem

Santana: trata-se de uma relação de classes que, apesar de atravessar o Estado, não se traduz em uma relação entre Estado e classe trabalhadora; situa uma época onde o racionalismo nas relações capitalistas ainda não se constituiu como um forte componente nas relações entre as classes; pressupõe uma relação onde dominantes e dominados movimentam-se medindo os passos uns dos outros. Contudo, não deixava de ser uma relação de dominação, onde os dominados tinham um horizonte de reivindicações dialogável e recorriam a um repertório de tradições vistas como legítimas e empregadas nas lutas. 170 Idem, p.68.

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“roubo da fala” por parte dos dominantes, tampouco o esfumaçamento das classes sob o

discurso da “nação” ou da “cidadania”.171

Voltemos nossas atenções para a tentativa de continuidade desse tipo de relação por

parte de Colbert Martins, cuja vitória para prefeito nas eleições de 1976 teve forte apoio de

Chico Pinto.172 Sua habilidade para isso é comentada por alguns que conviviam com ele, bem

como é perceptível em uma matéria do Feira Hoje. Funcionários do Departamento de

Limpeza Pública (DLP), comumente conhecidos como garis, foram à sede do jornal denunciar

que ainda não tinham recebido o aumento decretado pelo governo federal desde novembro do

ano anterior e fariam greve caso não recebessem. Estavam ainda mais revoltados porque no

dia anterior foram chamados ao DLP para receber apenas uma percentagem ínfima,

comparada ao que deveriam receber.

Pouco tempo depois, o prefeito chegou à sede do jornal e estabeleceu diálogo com os

garis nos seguintes termos: primeiro, reconheceu que o executivo municipal não havia

repassado o reajuste e disse que nenhum outro órgão público do país havia feito isso ainda;

segundo, perguntou se algum dos garis estava com a Carteira de Trabalho irregular e com

salário ou quaisquer vantagens atrasados, recebendo como resposta uma negativa; por fim,

“autorizou que fossem à prefeitura, hoje, a fim de discutir o problema e lamentou ainda não

ter sido procurado pelos garis para discutir o problema.”173 Colbert Martins, certamente

avisado pelo jornal, foi à procura dos garis e discutiu pessoalmente com eles, além de ter se

utilizado de relação de confiança entre prefeitura e eles, através do pagamento certo e

demonstrando descontentamento porque os garis procuraram outras pessoas e não ele.

Já no início de sua gestão, Colbert Martins foi convocado para arbitrar um conflito

entre patrões e empregados. Em fevereiro de 1977, sindicalistas pediram ajuda àquele para

interceder junto aos patrões para que não houvesse trabalho no feriado de carnaval. Na carta, a

justificativa forte foi que o carnaval “é sem sombra de dúvidas uma tradição Nacional,

171 Este é o núcleo central da tese de Angela de Castro Gomes, que usa o conceito de populismo para estudar as relações entre classe trabalhadora e o Estado Novo: os trabalhadores tiveram suas reivindicações incorporadas pelo Estado e devolvidas a eles em forma de “doação”, na construção da idelologia do “Estado-Providência” e no culto a Getúlio Vargas, o que bloqueou a “emissão de qualquer outro discurso concorrente”. Cf. GOMES, Angela Maria de Castro. A invenção do trabalhismo. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005, p.25. Adalberto Paranhos questiona parte da tese, mostrando que havia “discursos dissonantes”. Porém, mantém a idéia de pacto. Cf. PARANHOS, Adalberto. O roubo da fala. Origens da ideologia do trabalhismo no Brasil. São Paulo: Boitempo, 1999. 172 O documentário Pinto vem aí, de Olney São Paulo, mostra a visita de Chico Pinto à cidade no processo eleitoral para prefeito, onde concorreram Angelo Mário de Carvalho, pela ARENA e Colbert Martins, pelo MDB. 173 “Garis protestam e ameaçam fazer greve”. Jornal Feira Hoje, 31 de janeiro de 1980, p.5.

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reconhecida pelo Govêrno Federal”. 174 Note-se que o CIFS e a ACFS já haviam feito reunião

apenas com o prefeito, onde ficou decretado que não haveria feriado de carnaval na cidade.

Até o CIS foi envolvido na aproximação com os trabalhadores. Em 1982, este órgão

promoveu um curso de Legislação Trabalhista e Sindical, do qual participaram apenas os

diretores das seguintes entidades: Sindicato dos Bancários, dos Comerciários, dos

Trabalhadores Rurais, dos Motoristas, dos Jornalistas, Sindicato Hoteleiro e Turismo,

SINCAVER, Sindicato dos Professores – Seção Feira de Santana (SINPRO), APROFS e

Associação dos Gráficos.175 Nessa oportunidade, o superintentende do CIS era Humberto

Cerqueira Mascarenhas, que havia sido vereador pelo PSD na gestão de Francisco Pinto, e é

um dos militantes mais conhecidos PCB feirense.

A prefeitura esteve envolvida até em um importante momento da tentativa de

unificação nacional dos trabalhadores, quando doou Cr$ 60 mil para que participassem da I

Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT): Délcio Mendes, do Sindicato dos

Comerciários, Acácio, da Associação dos Técnicos Agrícolas (ASTA), representantes do

Sindiquímica, Sindipetro e Associação de Assistentes Sociais.176 A I CONCLAT reuniu

diferentes setores do sindicalismo brasileiro e deliberou a criação da comissão Pró-CUT

Nacional e a convocação da II CONCLAT, para a fundação da CUT Nacional. Dessa I

CONCLAT saiu a caracterização da divisão do movimento sindical em blocos: “autênticos”,

“reformistas” e “pelegos”.

Por fim, gostaríamos de destacar que a recusa do embate não estava restrita ao

movimento sindical feirense, em sua relação com o Estado. No mesmo mês em que a

prefeitura contribuiu financeiramente com a viagem de sindicalistas à I CONCLAT, Luiz

Assis, ao inaugurar sua nova casa, convidou os operários que a construíram para um almoço.

Nessa mesma oportunidade, o Monsenhor Renato Galvão também foi convidado, para

abençoar o espaço. Na época, Luiz Assis era presidente do Banco Econômico e,

anteriormente, havia sido diretor da AFAS, da Sociedade Montepio dos Artistas Feirenses, do

Rotary Club e do Sindicato dos Bancários.177

Em uma projeção de como seria Feira de Santana na virada do milênio, o jornalista e

escritor Juarez Bahia disse:

174 “Coluna Sindical”. Jornal Folha do Norte, 19 de fevereiro de 1977, p.3. Esta coluna era assinada por Luiz Gonzaga Ferreira, diretor do Sindicato dos Bancários. 175 “Curso de Legislação Trabalhista”. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1982, p.4. 176 “Prefeito contribuirá para que sindicatos participem da CONCLAT”. Jornal Feira Hoje, 02 de agosto de 1981, p.4. 177 “Almoço com operários”. Jornal Feira Hoje, 02 de agosto de 1981, p.11. Biografia de Luiz Fernando da Silva Assis em ALMEIDA, 2006, op. cit., p.235.

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Não se esqueça, no debate em torno de Feira para os anos 2000, que sua sociedade exprime uma das maiores epopéias da civilização pastoril brasileira. Basta observar a sua humanidade cordial, a sua pujança de cidade de porte médio, a sua geografia alternada de planícies e planaltos, e a sua arquitetura urbana dominantemente horizontal, distributiva, solidária, interativa.178

Esse texto foi publicado em 1991, o que nos mostra a persistência na interpretação de

Feira de Santana como terra que dispensa conflitos.

2.3.1 - MOC

Igor Santos, ao falar da avaliação petista, no início da década de 1980, que os

trabalhadores feirenses tinham medo, pois não partiam para o confronto aberto, retrata locais

de associação dos trabalhadores criados décadas antes de o partido ser fundado na cidade:

Sociedades mutualistas de espaço de lazer, como algumas sociedades filarmônicas, entidades de socorro e instituições filantrópicas, de caridade e abrigo, voltadas para a “plebe” feirense, construídos, sobretudo, pelos grupos dominantes, geralmente através das iniciativas da Igreja Católica. Além da própria feira livre, espaço pluriclassista, onde a relação de freguesia, que de certa forma é uma relação de confiança, pôde estabelecer vínculos fraternos entre grupos sociais diferenciados. Mais próximo do nosso período de estudo, a AFAS e o SIM, entidades de filantropia, também desenvolveram atividades junto aos trabalhadores de Feira de Santana. [...] MOC e CEDTER realizaram atividades sociais junto aos trabalhadores da cidade, para prestar serviço ou amparo aos trabalhadores, apesar de organizadas por não trabalhadores.179

É importante perceber que entidades de trabalhadores organizadas por local de

trabalho não tinham tanto destaque quanto aquelas voltadas para assistências de diversos

tipos. Uma delas atravessou o turbilhão de transformações na cidade durante as décadas de

1970 e 1980 atuando na formação política de trabalhadores e disputando espaço entre partidos

178 “Pensar os anos 2000”. Jornal Desafio, maio de 1991, p.1 [Documentação ADUFS]. Esse foi o primeiro número do jornal, que pertencia a Humberto Mascarenhas, o mesmo que era do PCB e superintendente do CIS. 179 SANTOS, 2007, op. cit. p.179.

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e sindicatos. Sem querer traçar a trajetória do MOC, apontaremos apenas aspectos que dizem

respeito: i) ao seu poder de articulação, que viabilizou financeiramente atividades de

formação dos trabalhadores rurais; ii) à sua concepção de luta camponesa para que, no

próximo capítulo, possamos explicar a disputa pela influência sobre o STR-FSA.

O MOC foi fundado em 1968 através da Diocese de Feira de Santana, tendo apoio

financeiro da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), com o

objetivo de atuar em comunidades carentes para formar seus integrantes a fim de que

viabilizassem a resolução de seus próprios problemas. O padre escolhido pela Diocese para

dirigir o MOC foi Antonio Albertino Carneiro, um dos que trabalharam para viabilizar sua

fundação. Em 1971 o MOC se desligou formalmente da Igreja Católica, mediante registro

jurídico no Conselho Nacional de Serviço Social, do Ministério da Educação (CNSS/MEC),

registro próprio para entidades não governamentais que prestavam serviços sociais.180 A

concepção cristã permaneceu como guia das práticas, como veremos, mas o MOC ganhou

autonomia perante a instituição religiosa.

Em entrevista recente, o ex-padre Albertino Carneiro diferenciou os trabalhos feitos

pelo MOC e pelo SIM. Este último era adepto da “onda de industrialização” na cidade e

queria formar mão de obra para ver a cidade de Feira de Santana cumprir os objetivos que eles

esperavam alcançar. O MOC queria formar politicamente a população rural, para que eles se

desenvolvessem pelas próprias mãos.181

Ainda que a atuação do MOC estivesse concentrada no campo, figuras proeminentes

do MOC foram diretores do PLANOLAR nas duas gestões de Colbert Martins, como vimos

no capítulo anterior. À primeira vista, pode-se deduzir que o MOC quis acompanhar os

trabalhadores expulsos do campo que iam morar na periferia de Feira de Santana. Isso é

confirmado no seu Relatório Anual de 1984, onde existe um Programa Urbano de Ação.

Porém, em nenhuma parte se fala do envolvimento da entidade na política habitacional do

município. Há apenas referência a trabalhos de formação de associações de bairro e

constituição de pauta de reivindicações relacionadas à moradia, assim como a promoção de

cursos profissionalizantes para jovens.182

Por trás dessa aparente homogeneidade da linha de ação do MOC é possível que

tivesse havido disputas acerca da condução da entidade. Primeiramente, destacamos que

180 PARISSE, Tandja Andréa. A sociedade civil no contexto da ditadura: a experiência do MOC na região de Feira de Santana no período de 1968 a 1979. Feira de Santana: UEFS (Monografia de Especialização em História), 2001. 181 Depoimento de Albertino Carneiro, op cit. 182 Relatório Anual. MOC, 1984. [Acervo ADEFS]

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Albertino Carneiro quase não aparece nas movimentações dos moradores de bairros, ao

contrário de Ildes Ferreira. Também, o PLANOLAR construiu mais conjuntos quando aquele

último era diretor do órgão. No capítulo anterior, vimos a constatação feita por Igor Gomes

que as articulações para financiamentos eram mais viáveis na segunda gestão de Colbert

Martins do que na primeira, quando Albertino Carneiro era diretor do PLANOLAR. Ainda

assim, temos que considerar a vontade política para articular financiamentos a fim de

construir casas populares.

O próprio Igor Santos sugere que havia uma disputa entre Ildes Ferreira e Albertino

Carneiro acerca das prioridades do MOC, quando fala da filiação de Caciano, diretor do STR-

FSA, ao PT em 1988. Santos mostra a defesa de Ildes Ferreira pela priorização da cidade, que

era o lugar das decisões políticas, das disputas sobre o espaço urbano e também o rural. Essa

divergência de opiniões pode ser percebida nas opções partidárias de cada um na década de

1990. Albertino Carneiro se filiou ao PT, após a filiação do STR-FSA à CUT, e junto com a

filiação de muitos trabalhadores rurais no mesmo partido. Ildes Ferreira se filiou ao PPS,

junto com boa parte da ala do PMDB que apoiou as gestões de Colbert Martins.183 Ainda, a

recusa de Albertino Carneiro em deslocar as prioridades do MOC para a cidade talvez fosse

uma resistência à expulsão dos trabalhadores rurais do campo. Buscar o que já haviam sido

expulsos era, em alguma medida, remediar o problema.

Por conta da proeminência de Ildes Ferreira nas disputas pela organização dos

trabalhadores, em colaboração com o MDB/PMDB, seguiremos seus passos para falar sobre a

atuação do MOC no reforço às relações paternalistas em Feira de Santana.

Em entrevista à Revista Panorama da Bahia de maio de 1988, Ildes Ferreira, então

secretário do MOC falou de projetos ligados ao desenvolvimento sustentável entre os

pequenos produtores rurais: sistema de irrigação simplificado, discussões de concepção de

saúde ligada à “saúde da terra” e substituição de agrotóxicos por adubo orgânico, aliando

economia e a proteção do ecossistema. A entrevista nos ajudará a entender sobre quais

premissas se assentava a militância do MOC.

Ainda segundo Ildes, 60% do orçamento do MOC vinha das agências de fomento

(“agências de ajuda ao desenvolvimento”). No balanço patrimonial de 1981, cujo resumo foi

publicado n’O Grito da Terra, dos Cr$ 27.583.278,85 em receitas, apenas Cr$ 2.457.188,72

foi de recursos próprios.

183 SANTOS, 2007, op cit, p.287-288.

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Atuando em 18 municípios entre Feira de Santana de Serrinha, somando 140

núcleos/comunidades, o MOC, apartidário, tinha definição de projeto de sociedade que não é

socialista nem capitalista, tanto que MOC “é queimado pelos partidos de esquerda e de

direita”, por não terem se beneficiado com o trabalho da entidade. Diferença entre programas

do governo e os do MOC era que os primeiros têm “interesse político”: “Nós, pelo contrário,

investimos apenas com o interesse de beneficiarmos as comunidades rurais [...] o respaldo que

o MOC tem na região é por causa desta prática.” A autodenominação enquanto movimento é

indicativa dessa posição política.

Ildes usou como exemplo do “desagrado” que o MOC gerou entre os partidos a pecha

de comunista dada pela prefeitura, tendo, inclusive, negado o auditório da Biblioteca

Municipal para realização de palestra dessa entidade. 184 Porém, não devemos esquecer que,

naquele momento, o prefeito era José Falcão (PDS, ex-MDB), aliado a Antonio Carlos

Magalhães, e inimigo político de Colbert Martins, que ganhou as eleições meses depois e

nomeou o próprio Ildes Ferreira como diretor do PLANOLAR.

Ao ser questionado sobre o avanço da UDR na Bahia, ele disse que o sindicalismo

baiano “é muito frágil” e são poucos os que entendiam a importância da reforma agrária.

Sobre o sindicalismo rural: “a história tem demonstrado que o sindicalismo rural vem se

fortalecendo porque nós estamos lutando para que ele fique cada vez mais forte e possa ter

voz.”185 Com essa fala, Ildes nos deixa saber que, para ele, na Bahia, o movimento de

trabalhadores urbanos não tinha a ver com as conquistas dos trabalhadores rurais, além de

nem ter força suficiente para encampar suas próprias lutas. O papel de articulação entre os

rurais coube ao MOC – entidade apartidária e alternativa à polarização entre socialismo e

capitalismo – através dos seus intelectuais, comprometidos com as lutas dos trabalhadores,

descomprometidos com partidos e governos.

Ironicamente, essa interpretação sobre a condução das lutas sociais teve espaço no PT

anos depois e, em 1995, venceu através de tese da Articulação, encabeçada por Albertino

Carneiro, com elogios às parcerias entre associações e Estado durante a gestão de Ildes

Ferreira no PLANOLAR.186

Na última parte da entrevista Ildes Ferreira foi questionado sobre as “conquistas

palpáveis” do MOC nos seus 20 anos de existência, elenca três, e a primeira foi: “a gente

184 “Entrevista, Ildes Ferreira”, Revista Panorama da Bahia, Ano 5, nº 101, maio de 1988, p. 3-5. 185 Idem, p.5. 186 SANTOS, 2007, op. cit. No último capítulo, o autor se dedica a explicar como o “transformismo” no PT feirense aproximou-o do antes tão criticado “populismo de esquerda” através do MOC, que há muito lutava a favor de “cidadania” e dos “excluídos”, em vez da velha “classe” e dos “trabalhadores”.

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conseguiu formar uma consciência importante no seio dos trabalhadores. Hoje eles já sabem

reivindicar dos governantes Estadual e Municipal os seus direitos.” As outras duas foram a

implantação de serviços de saúde e a defesa da safra pelo seu produtor. O MOC

instrumentalizava tecnicamente e formava politicamente: a capacitação de pessoas da

comunidade para serviços em saúde, bem como a reorganização no modo de plantar e colher,

não era somente o ato de melhorar a vida dos que trabalhavam e moravam no campo. Era a

prática de quem construía relacionamentos políticos através da interferência consentida no

cotidiano desses trabalhadores.

A participação do MOC na retomada do STR-FSA por parte dos trabalhadores está

registrada na dissertação de mestrado do próprio Ildes Ferreira. No capítulo sobre

mobilizações, ele lembra que era recorrente sindicatos de trabalhadores rurais serem fundados

por fazendeiros e comerciantes, utilizando-se do nome de trabalhadores para registrar os

sindicatos. Para Ildes, o processo de conquista do sindicato pelos trabalhadores rurais precisou

da ajuda de “forças externas”. Para entendermos melhor essa interpretação, vamos ao capítulo

intitulado “As mobilizações camponesas e o apoio externo”: partindo do questionamento de

quando os camponeses se rebelam, faz revisão bibliográfica sobre lutas camponesas em outros

países, para achar pontos em comum que podem ter levado a sublevações. Ao analisar o os

camponeses no Brasil, “vistos dentro de um contexto mais amplo”, o autor localiza o capital

como força exterior que, “ao penetrar no campo altera as condições materiais de vida e,

consequentemente, alteram-se também as formas como os homens se organizam, pensam e

agem.”187 Entretanto, as modificações geradas pelo capital, por si só, não são suficientes para

gerar revolta. Ildes Ferreira usa como argumento o processo de organização para soluções

sobre a expulsão de camponeses das terras onde seria construída a Barragem de Pedra do

Cavalo, na altura do rio Paraguaçu onde estão as cidades de Cachoeira e São Félix, entre 1982

e 1984. Para o autor, é certo que os camponeses não seriam capazes de enfrentar a “força

externa” capital sem outra “força externa”:

as entidades e a equipe de técnicos que se colocaram a serviço deles e lhes ajudaram a conquistar o direito de falar, de reivindicar, de ser cidadão, de sobreviver. Esses técnicos, assessores, efetivamente criaram um espaço para que a cidadania dos camponeses fosse de fato conquistada, no caso específico que estamos tratando.188

187 OLIVEIRA, Ildes Ferreira. A luta pela autonomia e a participação política dos camponeses: um estudo nas micro-regiões de Feira de Santana e Serrinha, no Estado da Bahia. Dissertação de Mestrado em Sociologia. Campina Grande: UFPB, 1987. p.180. 188 Idem, p.185, grifos nossos.

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Esse conjunto de pessoas atuava através da Diocese de Feira de Santana, CPT-NE-III,

FETAG e MOC, constituídas na Comissão de Apoio, sob coordenação desta última. Uma

concepção de formação política informada pela relação católica pastor-rebanho nos parece ser

o que conduzia o MOC. Isso não só porque as entidades acima são parte da Igreja Católica ou

têm com ela colaboração mútua, mas também porque Albertino Carneiro, mesmo não sendo

mais padre, continuou se guiando pela referida concepção, bem como o próprio Ildes Ferreira,

que se deixa revelar em trecho da já citada entrevista, quando chamou os camponeses de

“pequeninos”.

Ainda assim, não devemos pensar que a influência cristã-católica no MOC impedia

qualquer defesa de manifestações de insubordinação, como vimos na caracterização do

paternalismo. Se está claro que o MOC não se identificava com qualquer proposta de ruptura

com o capitalismo, não podemos dizer que eles se constituíram em obstáculo para as lutas dos

trabalhadores rurais. Ao contrário, acolhia e apoiava as lutas, até certo ponto, e dava-lhes uma

direção.

A relação que estabelecida com o MDB/PMDB parece ter se dado, grosso modo, nos

seguintes termos: vocês não têm influência no meio rural, nós temos; vocês têm o poder

político, que fica no núcleo urbano, nós não. Vamos dialogar? Ainda sobre as relações com

partidos, há uma questão de viabilidade histórica: o PT surgiu depois que o MOC já tinha

aceitado atuar com o setor mais progressista do MDB na cidade à época. Pensamos que o

MOC esteve mais próximo da atuação das CEBs do que das forças que se opunham

ferrenhamente na década de 1980, na condução das lutas dos trabalhadores: PT e CUT contra

PMDB. Defendemos esse não alinhamento automático do MOC ao MDB/PMDB por dois

motivos. O primeiro diz respeito ao processo eleitoral para prefeito de Feira de Santana em

1982. O nome de Albertino Carneiro, levantado como possível candidato dos moradores de

bairros, inclusive nos que não eram reduto do PMDB, sequer foi considerado pelo partido.

Em segundo lugar, o MOC fez aliança tática com petistas-cutistas na construção do jornal O

Grito da Terra por alguns anos, como veremos no próximo capítulo.

2.4 – STR-FSA

O STR-FSA foi criado em 1971, servindo inicialmente aos interesses de fazendeiros

locais. Esse foi um processo comum na maioria desse tipo de sindicato no Brasil. As lutas dos

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trabalhadores rurais começaram a ser organizadas sem o sindicato, mas através de associações

comunitárias, sob orientação do MOC. Durante toda a década foram registrados conflitos de

terra em Feira de Santana e regiões próximas, envolvendo prisões e torturas de trabalhadores

rurais. Um livro produzido pelo STR-FSA, sob a coordenação de Ildes Ferreira, destaca o

conflito da Fazenda Candeal, a partir de 1975, como “ponto de partida para que os

trabalhadores começassem a entender a função do Sindicato.”189

Situada no distrito de Maria Quitéria, onde também já havia uma associação desde

1973, a ACOMAQ, a fazenda era local de trabalho de muitos camponeses do distrito. Com a

ameaça de expulsão e a presença de grileiros, intensificando a violência, os trabalhadores

exigiram a titulação das terras, com o apoio institucional do MOC e da Federação dos

Trabalhadores na Agricultura (FETAG). O assassinato do lavrador Joaquim Pereira dos

Santos pela milícia dos fazendeiros fez o caso tomar proporções maiores. Em 1978 o Instituto

de Terras da Bahia (INTERBA) passou a expedir os títulos para os lavradores.190

Outra luta travada pelos trabalhadores rurais se deu entre seus próprios pares. Desde a

primeira gestão sob o poder da categoria, as trabalhadoras rurais começaram a se organizar

para terem garantidos os seus direitos, a exemplo do voto e da aposentadoria. Até então havia

se convencionado que o homem, como chefe da família, teria acesso a benefícios, que seriam

estendidos à sua família, desconsiderando assim a mulher como colaboradora na renda

familiar. Além disso, durante toda a década as mulheres travaram uma luta dentro da própria

categoria pelo reconhecimento de sua capacidade enquanto dirigentes políticas. Em 1989

tomou posse Maria das Virgens Almeida, conhecida como Ninha, e foi criado o Departamento

de Mulheres do STR-FSA.

A partir da conquista da direção do STR-FSA pelas mulheres, foi iniciado um trabalho

de institucionalização das questões referentes ao gênero feminino: criação da Secretaria de

Mulheres, discussões sobre as especificidades da trabalhadora rural, além da nova experiência

da inserção feminina na gestão sindical – algo não visto entre os principais sindicatos de Feira

de Santana. As trabalhadoras rurais sabiam que, conquistando os cargos de direção estariam

em outro patamar de discussões acerca da luta feminina entre os rurais. Essa luta foi

articulada nacionalmente, tendo a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura

189 OLIVEIRA, Ildes Ferreira (coord.). Resistir para sobreviver: o trabalhador rural do município de Feira de Santana. Feira de Santana: Sindicato dos Trabalhadores Rurais, 1997, p.16. O livro é resultado de uma pesquisa de campo solicitada pelo próprio sindicato, a fim de conhecer a realidade dos pequenos produtores dos 7 distritos de Feira de Santana: Maria Quiteira, Tiquaruçu, Jaíba, João Durval Carneiro (antiga Ipuaçu), Bonfim, Humildes e Jaguara. Parte do financiamento para a realização do trabalho veio da instituição de fomento alemã MISEREOR, parceira do MOC desde, pelo menos, a década de 1980, quando encontramos registros sobre ela. 190 Idem, loc cit.

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(CONTAG) deliberado a obrigatoriedade de uma porcentagem de mulheres nos órgão de

decisão dos sindicatos.191

Entretanto, esse processo se iniciou a partir da tomada do STR-FSA das mãos dos

fazendeiros pelas mãos dos trabalhadores. O processo foi iniciado em 1978. Demétrio, José

Caciano, José da Mota de Sá, Pedro Pio da Silva, Filinto Moreira da Cruz, Pantaleão, Donato,

Nozinho e Nelson, que formavam a comissão de associados dos STR-FSA foram à Federação

dos Trabalhadores, em Salvador, para serem esclarecidos a respeito: da inoperância do

sindicato frente ao não pagamento de sua cota pelo Incra (através do Funrural), segundo os

diretores do STR; da suspensão das atividades de dois dos três médicos que atendem pelo

sindicato, sendo que continuavam recebendo pelo serviço.192 Devido às constantes cobranças

sobre a condução do sindicato e às irregularidades financeiras, Wilson Moreira foi destituído

do cargo, que foi assumido por Nelson Araújo, vice-presidente.193

No ano seguinte, realizaram-se as eleições para a diretoria do sindicato, que teve

inscrição de duas chapas. A primeira, vencedora, foi composta por José Roberto Ferreira de

Sá, José Barbosa de Sá, Dionísio Pereira Fonseca, José Caciano Pereira da Silva, Pedro Pio da

Silva e Afonso Purificação, tendo sido apoiada pelo então presidente, Nelson Araújo. A

segunda tinha Edésio de Oliveira Silva, que foi presidente de 1973 a 1976, Laurêncio dos

Santos Almeida e Osvaldo de Almeida Santos.194

Em fins de 1982 aconteceu novo processo eleitoral, marcado pelas eleições para o

executivo municipal. Três chapas se inscreveram e tiveram o apoio dos três partidos que

disputavam as eleições. A chapa 2, encabeçada por Edézio de Oliveira, que não era

trabalhador rural, foi apoiada abertamente pelo prefeito eleito um mês antes, José Falcão,

tendo sido denunciada ameaças contra os votantes. As outras chapas não tiveram apoio tão

explícito. A chapa 3 tinha José Roberto Sá como candidato à reeleição, apoiado, pelo que

indica o jornal Feira Hoje, pela ala do PMDB cuja influência era de Colbert Martins e Chico

191 JESUS, Tatiana Farias de. As lutas das trabalhadoras rurais e as relações de gênero no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Feira de Santana (1989-2002). Artigo apresentado no Simpósio Internacional Fazendo Gênero 8: Corpo, Violência e Poder. Florianópolis: UFSC, de 25 a 28 de agosto de 2008. 192 “Trabalhadores não gostam do atendimento do sindicato”. Jornal Feira Hoje, 11 de julho de 1978, p.1. O jornal não informa o sobrenome de Nelson, para que pudéssemos saber se era Nelson Araújo, então vice-presidente do sindicato. 193 OLIVEIRA, 1997, op. cit, p.17. 194 “Trabalhadores rurais: marcaram a data das eleições”. Jornal Feira Hoje, 29 de novembro de 1979, p.3. “Trabalhadores rurais escolhem nova diretoria para o sindicato”. Jornal Feira Hoje, 18 de dezembro de 1979, p.3.

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Pinto. A chapa 1 teve apoio do PT e de outra ala do PMDB.195 O candidato a presidente foi

Dionísio Fonseca, juntamente com Pedro Pio e José Caciano da Silva, todos diretores da

gestão que se encerrava. A chapa 1 foi vencedora com mais da metade dos votos.196

A conquista do STR-FSA e as posteriores lutas encampadas por essa entidade fazem

parte de um feixe de relações que abarca estrutura fundiária, comércio de alimentos e lutas

dentro da classe dominante. Para que tenhamos uma noção disso, utilizaremos uma declaração

da ACFS à prefeitura em 1976, analisada por Guilherme Lopes. Esse documento justificava a

construção do CAF como prioridade para viabilizar o “desenvolvimento econômico regional”.

Dos motivos elencados resumidamente, destacamos os seguintes: “[...] Oferta de trabalho

durante todo o período do ano a uma larga faixa de produtores [...] Elevação do nível de renda

real do trabalhador urbano [...] Estimular a fixação do homem no campo [...] Higiene da

comercialização, estética da cidade”.197 Anos após a implantação do CIS, os comerciantes

exigiam seu quinhão no referido “desenvolvimento” e viam nisso a recolocação dos lugares

de dominação em Feira de Santana, através da reorganização do mercado de alimentos na

cidade.

Dez anos depois dessa reivindicação por parte dos comerciantes, foi a vez dos

latifundiários tentarem abrir seu flanco nas relações de classe. A União Democrática Ruralista

(UDR) anunciou a instalação de uma de suas unidades em Feira de Santana. A cidade foi

escolhida por ser, historicamente, pólo da microrregião agropecuária da Bahia. A notícia

causou reboliço: o presidente do Sindicato Rural, Luiz Alberto Falcão, declarou não ter

participação na vinda da UDR para a cidade; o vereador Messias Gonzaga propôs uma moção

de repúdio ao ato, o que forçou todos os outros vereadores a se posicionarem; o STR-FSA

convocou uma manifestação.198

Cerca de 40 entidades se reuniram dias antes da manifestação, na sede da Associação

dos Trabalhadores em Construção Civil, para decidir sobre o roteiro e a publicização da

manifestação.199 A solenidade de fundação da UDR havia sido marcada para o meio-dia de

195 Nessa eleição o PMDB se dividiu. Chico Pinto e Colbert Martins se negaram a aceitar Luciano Ribeiro que, por sua vez, não aceitou abrir mão da candidatura. Concorreram PMDB I, com Gerson Gomes e PMDB II, com Luciano Ribeiro. 196 “A influência partidária”. Jornal Feira Hoje, 22 de dezembro de 1982, p.3. “Sindicato de trabalhadores rurais faz eleição”. Jornal O Grito da Terra, novembro de 1982, p.5. “Sindicato dos trabalhadores rurais de Feira escolhe nova diretoria”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1983, p.5. 197 Associação Comercial de Feira de Santana, 24 de julho de 1976. Citado por LOPES, 2006, op cit, p.12. 198 “Presidente do Sindicato Rural nega envolvimento”. Jornal Feira Hoje, 04 de julho de 1986, p.3. “UDR polemiza na última sessão da Câmara Municipal”. Jornal Feira Hoje, 03 de julho de 1986, p.2. “Entidades farão passeata de protesto contra a UDR”. Jornal Feira Hoje, 04 de julho de 1986, p.3. 199 Além do STR-FSA e da entidade que sediou a reunião, algumas dessas entidades foram: CUT, CGT, Sindicato dos Bancários, dos Comerciários, Metalúrgicos, Condutores Rodoviários, SINCAVER, ASTA-BA,

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uma segunda-feira, dia em que a população dos distritos e de outras cidades ia ao CAF fazer

compras. Na véspera, o Feira Palace Hotel, lugar reservado para o evento, desistiu de ser sede.

Câmara Municipal e Feira Tênis Clube (FTC) também se recusaram a abrigar os

latifundiários. Por fim, a casa noturna Cabaret aceitou abrigá-los e a solenidade foi transferida

para a noite, driblando a manifestação. No final da manhã de 07 de julho, a manifestação saiu

do CAF com centenas de pessoas, a maioria trabalhadores rurais, em direção à prefeitura,

onde falaram diretores de entidades mais o vereador Messias Gonzaga. Todos se colocaram

contra a instalação da UDR na cidade, tendo como justificativa principal seu caráter de

entidade para-militar.200

À noite, instalou-se a comissão provisória da UDR na cidade, com a presença do

presidente nacional, Ronaldo Caiado, e líderes de outros estados. Os fazendeiros presentes

doaram, ao todo, 382 animais para o fundo de manutenção da entidade.201 Em entrevista ao

Feira Hoje, Ronaldo Caiado disse que, enquanto cristão, repudiava o “casamento do

cristianismo com o marxismo”, tentado pela fração da Igreja católica que punha os

trabalhadores rurais contra os fazendeiros.202

O STR-FSA foi um dos tantos sindicatos de trabalhadores rurais que guardaram

estreitas relações com os católicos progressistas, presentes em entidades diversas, como o

MOC. Porém, como a formação não determina a trajetória, os trabalhadores rurais, ao longo

da década de 1980, foram se posicionando frente às disputas pela direção da classe

trabalhadora feirense.

A participação dos trabalhadores rurais nas mobilizações coletivas, principamente no

dia do trabalho, se intensificou ao longo da década de 1980, pelos seguintes motivos: i) eles

buscavam outras formas de se manifestar, fora as greves, já que nas suas relações de trabalho

(muitos eram pequenos proprietários) não estavam diretamente subordinados a patrões ou

Estado através dos salários; ii) as comemorações do Dia do Trabalho aconteciam no distrito

de Maria Quitéria, aproximando essa categoria do processo de organização para a data; iii) a

luta dos trabalhadores rurais estava em ascenso no país, vide a criação do MST; iv) o PT

feirense os tentava conquistar desde antes da criação da CUT. Veremos como esses fatores

ADUFS, DA de Estudos Sociais, DCE, Associação dos Professores, Unimed, Associação dos Arquitetos, Delegacia dos Engenheiros de Feira, STR de Anguera e Santa Bárbara, PT, PCB, PCdoB e PMDB. Cf. “Trabalhadores contra a instalação da UDR aqui”. Jornal Feira Hoje, 07 de julho de 1986, p.3. 200 “Protesto nas ruas contra a presença da UDR em Feira”. Jornal Feira Hoje, 08 de julho de 1986, p.3. 201 “Fazendeiros doam animais para a organização da UDR”. Jornal Feira Hoje, 09 de julho de 1986, p.3. O PT reagiu, enviando ao Ministério da Justiça uma solicitação de confisco dos animais. “Partido pede à Justiça que confisque doações à UDR”. Jornal Feira Hoje, 09 de julho de 1986, p.3. 202 “Ronaldo Caiado. A UDR não tem medo da esquerda”. Jornal Feira Hoje, 10 de julho de 1986, p.4 e 5.

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estão implicados quando examinarmos o Dia do Trabalho, a Pró-CUT e o jornal O Grito da

Terra.

2.5 – Passado de/sem lutas

Sabemos que o discurso do novo sindicalismo se constituiu em oposição a um passado

em que, na sua interpretação, as lutas de trabalhadores eram feitas apenas pelos que se diziam

seus líderes, com pouco ou nenhum contato com as demandas da classe. Esse “cupulismo”,

que teria levado ao “imobilismo” dos trabalhadores no pré-64, deveria ser superado.

Deveriam ser combatidos os “pelegos” – que então se faziam presentes nas diretorias dos

sindicatos, mas que se utilizavam do espaço para servir a interesses opostos aos dos

trabalhadores – até que o sindicato fosse conquistado para servir à classe trabalhadora.

Em Feira de Santana, os que defendiam a retomada dos sindicatos como etapa

necessária para a autonomia de classe, identificaram nos sindicatos dos comerciários,

bancários e condutores autônomos aqueles contra os quais se deveria travar uma luta ferrenha.

Na luta contra os “pelegos” estavam, em sua maioria, os petistas-cutistas, dispostos a

organizar um movimento de trabalhadores sem, e mesmo contra, a participação dessas antigas

lideranças.

Entretanto, os sindicalistas tradicionais não estavam dispostos a aderir a essa nova

força política, tampouco aceitavam os adjetivos que depreciavam suas relações com os

trabalhadores feirenses. Em uma polêmica criada pela recusa do PT em participar de um

seminário organizado pelo PMDB, em apoio ao governador eleito Waldir Pires, Liomar

Ferreira disparou:

Esse PT que toma posições como essa não é aquele que se conhece em São Paulo, atuando junto do trabalhador. [...] Eles se dizem representantes dos trabalhadores, como se apenas o PT tivesse compromisso com a classe trabalhadora.203

Essa disputa pela representação política dos trabalhadores, que na fala de Liomar

Ferreira se expressou político-institucionalmente, foi além das disputas entre os partidos de

oposição e entre as diretorias de sindicatos e suas oposições. O que esteve em jogo foi

203 “Críticas do PT aos seminários do PMDB aborrecem membro da executiva.” Jornal Feira Hoje, 08 de fevereiro de 1987, p.2. Naquela oportunidade, além de presidente do SINCAVER, Liomar Ferreira, era também suplente de vereador e membro da executiva do PMDB.

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também um “passado quer se quer salvaguardar” e “sentimentos de pertencimento”, nas

palavras de Michael Pollak.204 Nesses momentos de disputa, impasse, ou mesmo de crise, o

recurso a um certo passado se fez necessário aos sindicalistas tradicionais, para que a

evocação servisse como prova de que não é necessária qualquer modificação nas relações

entre os trabalhadores e seus representantes.

Isso é flagrante nos processos eleitorais para diretoria do sindicato dos comerciários, o

maior e mais disputado durante a década de 1980. No ano de 1984, após brigas na justiça

porque a inscrição da chapa de oposição foi rejeitada pela diretoria vigente, a DRT suspendeu

as eleições. Diante disso, Délcio Mendes disse: “podem inscrever até 10 chapas que eu não

tenho medo. Não sou invencível, mas a classe comerciária sabe do meu trabalho e conhece o

serviço que tenho prestado ao sindicato.”205

Nas eleições de 1987, as especulações para saber quem se candidataria começaram

desde o mês de janeiro, no jornal Feira Hoje. Em fevereiro, Délcio Mendes achava que ia

vencer, pois as metas de trabalho para o sindicato que dirigia por 15 anos permaneciam

“inalteradas”, assim como seu objetivo, desde a primeira gestão, havia sido “estimular o

sindicalismo dentro da categoria [...] tendo sempre em mente a necessidade de se lutar

constantemente pela valorização do comerciário.”206

Meses depois, já tendo sido articulada uma chapa de oposição, de maioria cutista,

declara: “Eu confio na classe comerciária, sobretudo nos mais conscientes do trabalho que

realizo à frente da categoria, onde trato a todos num clima de diálogo, respeito, sem procurar

atingir nem mesmo aqueles que me atiram pedras.” Ao ser perguntado sobre as críticas que

lhe fazem, diz que aquela oposição não poderia conduzir o sindicato, pois “falta-lhes

conhecimento de causa.”207

Sempre que perguntado sobre diferentes tipos de acusação que diziam respeito a sua

função no sindicato, Délcio Mendes negava sem mais explicações, apenas dizendo que eram

tentativas dos opositores – às vezes nomeados como PT e CUT – de desestabilizarem o

sindicato. As falas transcritas acima demonstram como o presidente do sindicato dos

comerciários sempre usava argumentos relacionados ao tempo que permanecia no sindicato e

de como sua trajetória enquanto sindicalista lhe autorizava permanecer lá. 204 POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Revista Estudos Históricos, vol.2, nº3, 1989, p.3-15. 205 “Délcio diz que não tem medo da oposição sindical”. Jornal Feira Hoje, 11 de março de 1984, p.3. 206 “Délcio Mendes quer ser reeleito mais uma vez”. Jornal Feira Hoje, 28 de fevereiro de 1987, p.3. Grifo nosso. 207 “Délcio pretende renovar mandato no Sindicato dos Comerciários”. Jornal Feira Hoje, 17 de maio de 1987, p.5. Grifo nosso. Em 1981, Liomar volta a rebater o PT depois de este ter acusado os dirigentes sindicais de estarem a serviço dos patrões: “nunca tiveram experiência prática no setor”. Cf. “Liomar Ferreira: ‘O PT é um fiasco em termos de oposição”. Jornal Feira Hoje, 05 de agosto de 1981, p.2.

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Exceto em momentos mais tensos, os sindicalistas tradicionais não se pronunciavam

quando acusados de estarem impedindo o avanço da luta dos trabalhadores em Feira de

Santana. Ainda assim, é possível sabermos como eles pensavam sua função e a do sindicato

nos movimentos das categorias que representavam. Uma nota no jornal do sindicato dos

bancários, O Bancário, denuncia o banco América do Sul por não ter homologado demissões

de bancários junto ao sindicato, como mandava a lei, e com isso o banco ganharia tempo até

que o demitido fosse à justiça para então pagar os direitos rescisórios. Finaliza defendendo

que a Justiça do Trabalho forçaria o América do Sul a pagar a correção monetária dos

demitidos e a frase final é: “não acreditamos que a direção do banco esteja conivente com tal

situação.”208

Em fevereiro de 1980, SINCAVER e prefeitura promoveram curso de relações

humanas para os taxistas, com aulas de turismo, legislação de trânsito, conhecimentos gerais e

relações humanas. Com poucos inscritos na antevéspera do início do curso, Liomar Ferreira

falou da importância do curso para o relacionamento entre motoristas e passageiros e

arrematou: “a maioria dos meus colegas não tem conhecimento sobre os seus direitos e os do

passageiro.”209

Críticas às relações que os sindicalistas estabeleciam com seus pares, com patrões e

governo foram constantes por parte dos novos sindicalistas, principalmente no jornal O Grito

da Terra, onde tinham espaço para escrever. Dois artigos merecem nossa atenção aqui. O

primeiro é uma avaliação sobre o movimento sindical em Feira de Santana, onde “a falta de

uma tradição de luta” e “o atraso político gritante das chamadas ‘lideranças sindicais’”

contribuíam para o desprezo pelo assunto na cidade. Para que se pudesse retomar o tema, era

necessário atentar para as greves de trabalhadores que estavam acontecendo em todo o país,

além da criação do PT e realização do CONCLAT. Esses movimentos teriam “um papel

importantíssimo na avaliação do movimento sindical de Feira.”210

O segundo artigo, assinado por Antonio Ozzetti,211 é uma explicação de porque o PT

não se aliou ao PMDB para derrotar a situação nas eleições para prefeito de Feira de Santana,

sabendo que dificilmente ganharia as eleições. Em linhas gerais, disse que o PT era composto

208 “Vingança”. Jornal O Bancário, março de 1982, nº 39, p.2. 209 “Poucos motoristas inscritos no curso de Relações Humanas”. Jornal Feira Hoje, 22 de fevereiro de 1980, p.5. 210 “O movimento sindical em Feira de Santana”. Jornal O Grito da Terra, março de 1982, p.7. Os textos não assinados eram de responsabilidade do Corpo de Opinião do jornal. 211 Um dos fundadores do PT feirense, médico e candidato a prefeito no mesmo ano em que teve o texto, cujo trecho vem a seguir, publicado.

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por trabalhadores que não aceitam se aliar com patrões, que estavam em outros partidos.212

Vejamos seu argumento para defender o PT como um partido de trabalhadores:

O Partido dos Trabalhadores tem hoje a tarefa de educar politicamente os trabalhadores, relembrar as lições da história, mostrar como as lutas que seus companheiros travaram no início do século e que teve seu auge, seu ponto forte em 1917 em São Paulo, começou a ser traída e destruída quando em 1929 suas lideranças passaram a colocar o movimento operário a reboque da burguesia nacional, fazendo com essas uma grande frente, e qual foi a resposta que esses aliados deram em 1937? Se juntaram ao Estado Novo contra os trabalhadores. Em 1945 repetiu-se a mesma história, novamente lá ia a classe operária se aliar a burguesia, achando que dessa vez não seria traída. E novamente conheceu a traição no governo Dutra quando a burguesia se colocou ao lado dos imperialistas e contra os trabalhadores. A partir de 1954 imaginem que vem a procura dos trabalhadores, para fazer uma nova frente, um novo acordo, nada mais nada menos que a mesma burguesia nacional. Em 1964 quando os trabalhadores que apoiavam o governo burguês de Jango (João Goulart), e suas exigências começaram a ameaçar os interesses dos patrões o que os seus “amigos” burgueses fizeram? Se uniram novamente contra os trabalhadores e deram o golpe que persiste até hoje. Isso não é lição demais para aprender, quantas vezes precisaremos levar na cabeça? 213

Em ambos os artigos podemos perceber a preocupação em organizar em Feira de

Santana um movimento de trabalhadores que resgatasse a importância da luta e, sobretudo, da

independência política perante a classe dominante e seus representantes. O primeiro chama à

atenção para lutas que estavam acontecendo há anos, contrastando com a realidade feirense. O

segundo se utiliza de um resumo histórico das vezes em que os trabalhadores foram

enganados por não optarem pelo confronto.214 Porém, essas avaliações desconsideram a

história dos trabalhadores feirenses e passam ao largo da experiência desses mesmos

trabalhadores. O exemplo de luta está fora de Feira de Santana, o passado que não se deve

repetir não é o passado de Feira de Santana.

Na apropriação do passado para justificarem suas opções de luta, novos e tradicionais

argumentavam de lugares distintos não apenas porque fizeram opções políticas distintas.

Achamos que os sindicalistas tradicionais se referenciavam em um tempo quando, segundo 212 Discurso compartilhado pelos petistas, desde a fundação do seu partido e se estendeu durante toda a década de 1980. A influência do “mito fundador” do PT entre os petistas feirenses é debatida por SANTOS, 2007, op cit. 213 “O PT e as oposições”. Jornal O Grito da Terra, setembro de 1982, p.4. 214 Essa avaliação de Ozzetti faz parte do tipo de interpretação sobre as lutas pré-64, discutida no capítulo anterior.

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eles, não seriam necessários confrontos para se conseguir os direitos dos trabalhadores – isso

pode ser exemplificado com a gestão de Francisco Pinto, nos anos 1960 e sua influência

política nas décadas posteriores, bem como as gestões de Colbert Martins, o que ajudou

bastante o PMDB da década de 1980. Também, apelavam para a manutenção da convivência

pacífica, que essa nova geração veio tentar “estragar”. Justificavam suas ações com base no

“sempre foi desse jeito”, ou a “memória costumeira”, parafraseando Thompson.

Já os novos defendiam a superação de um passado, um tempo em que os trabalhadores

eram submetidos a vontades alheias às suas. Traziam os relatos das lutas dos operários no

ABC paulista enquanto referência de como a classe lutava pela sua independência e de que

era possível, em Feira de Santana, uma luta de trabalhadores que superasse as amarras que

persistiam.

Supomos que a memória dos sindicalistas tradicionais sobre o passado era bem mais

calcada no cotidiano feirense – sem que, com isso, se queira dizer que sua legitimidade

autorizasse a maneira como lidavam com as demandas dos trabalhadores – , enquanto que a

dos novos sindicalistas tinha como referência as lutas dos metalúrgicos do ABC. Isso parece

ter a ver, primeiro, com o fato de que a maioria dos novos, além de serem novos em idade,

eram migrantes e, por conta disso, não vivenciaram tal cotidiano, tampouco seus pais, que

poderiam ter lhes dito algo sobre (uma das maneiras de perpetuação da memória). Isso – e não

a “falta de uma tradição de luta” – explica, em parte, a referência de lutas fora de Feira de

Santana: os novos sindicalistas daqui não possuíam uma referência local das lutas. Quando

crianças/adolescentes, parte deles estava na roça, espalhados entre si e, quando adultos, em

Feira de Santana, sem a referência concreta das lutas que agitaram essa terra de Feira desde os

tempos de Lucas.215 Eles próprios as construíram acreditando que a inexistência de lutas no

passado feirense e a existência de lutas no presente, fora daqui, eram, respectivamente, razão

de revolta e criação de uma referência nova para lutar.

Para exemplificar como tal referência era construída pelos novos, incorporada na sua

militância, temos duas tarefas de petistas em datas próximas. A primeira foi a organização,

através do Comitê de Apoio à Greve dos Metalúrgicos, de pedágios para o fundo de greve dos

operários do ABC.216 No mês seguinte, o partido e outras entidades, como as associações de

moradores da Rua Nova e Jardim Cruzeiro, lançaram nota sobre o 13 de maio: relacionaram

escravidão com os dias de hoje, dizendo que esta persistia, mas através do assalariamento.

215 Aqui não dá pra desconsiderar as relações de conflito dos trabalhadores rurais e/ou pequenos proprietários rurais no seu próprio espaço de convivência, ainda que isso difira dos conflitos em solo urbano. 216 “Metalúrgicos grevistas de SP vão receber ajuda de Comitê”. Jornal Feira Hoje, 15 de abril de 1980, p.3.

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Finalizaram convidando os trabalhadores a “aprender com o exemplo de São Paulo” e

engrossar fileira com os trabalhadores de lá.217

Em que pese o choque de gerações e concepções de luta, que dividimos entre

tradicionais e petistas-cutistas, há que se considerar a trajetória de outros militantes que não

aderiram a nenhum dos dois grupos, para matizar essa rápida incursão pela memória coletiva

de trabalhadores na década de 1980. A crise da ditadura não propiciou apenas a formação do

novo sindicalismo, assim como os que o compunham não eram os únicos contra a ditadura.

Para tanto, usamos o depoimento de Carlos Mello.218

Nascido na década de 1940, disse que a forma de iniciação dos jovens pobres ao

trabalho era através dos pais, que escolhiam a profissão do filho e o apresentavam nas

empresas que tinham o ofício escolhido. Por falta de uma escola técnica em Feira de Santana,

os jovens que tinham condições financeiras iam estudar em Salvador.

Carlos Mello começou a trabalhar em uma gráfica na rua Marechal Deodoro, em 1962

ou 1963, cuja estrutura havia sido modificada por um financiamento e o cotidiano de trabalho

passou a seguir o padrão de algumas empresas multinacionais, o que mudou o

“comportamento da classe patronal, à qual estávamos vinculados”: qualquer um que quisesse

conversar com o diretor da empresa teria que agendar com antecedência; o empregado tinha

que chegar antes das 8:00h da manhã para pôr a farda e estar a postos no horário exato e o

atraso acarretaria no desconto do dia inteiro de trabalho.

Insatisfeitos, os trabalhadores se reuniram e resolveram não ir trabalhar em uma

segunda-feira, optando por fazer um “baba” no horário do expediente. Fizeram isso três vezes

em uma mesma semana. A partir disso, o patrão resolveu suspender a punição, solicitando que

ninguém se atrasasse ou faltasse, apenas em caso que se pudesse comprovar. Esse foi o

pontapé para o movimento dentro da empresa. A primeira ação foi fazer um caixa de

contribuição mensal para que, no final do ano, fizessem uma festa dos trabalhadores. “Com

essa união, nós resolvemos discutir com o patrão que ele deveria dividir um pouco do lucro

com a gente, recebendo por produção.”

Os gráficos daquela empresa começaram a receber comissão e não foi mais necessário

marcar horário para conversar com o diretor da empresa. Mello atribui essa cessão ao fato de

que não havia na cidade outros trabalhadores que soubessem o ofício – já que, como vimos

acima, o aprendizado para a profissão ocorria dentro das fábricas e não em escolas, de onde

sairia a mão de obra que disputaria vagas nas empresas.

217 “Oprimidos”. Jornal Feira Hoje, 13 de maio de 1980, p.2. 218 Depoimento de Carlos Mello. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.

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Com a ditadura, eles passaram a ser monitorados por conta das atividades políticas e

se viram “sozinhos contra três: o patrão, o governo e os sindicatos pelegos.” Porém, Mello

nunca ficou sem trabalhar e jamais foi demitido, segundo ele porque se empenhava em estar

entre os melhores trabalhadores. Diante disso, conseguiu emprego em outra gráfica, em

Salvador. Quando voltou a Feira de Santana, ele integrava a executiva nacional da Federação

Nacional dos Trabalhadores (FNT) que, segundo ele, se parecia com as Centrais Sindicais

criadas na década de 1980.

Entre as décadas de 1960 e 1970 a Gráfica Subaé, de propriedade de José Raimundo

Aras, abriu um concurso para “chefe”, onde Mello concorreu com mais quatro e conseguiu a

vaga. A militância não foi problema na relação com Aras, que também era contra a ditadura e

o incentivou a montar uma associação dos trabalhadores gráficos enquanto ele, como patrão,

criaria para Feira de Santana uma delegacia do SINJOR-BA, para “organizar a classe

patronal”. Através do SESI de São Paulo, Aras trouxe para sua gráfica maquinário e técnicas,

“tudo que existia de avançado no Sul para nos orientar, dar uma qualificação melhor para

todos nós” – não somente os trabalhadores, mas também para os patrões, que ainda não

aceitavam a organização de trabalhadores.

Mello se emocionou ao falar de Raimundo Aras, citando diálogos entre os dois, para

explicar porque ele foi importante.

“Na medida que você vai forçar, vai cobrar seu direito, vai fazer com que a classe patronal também se organize e procure evitar o confronto que existe entre a classe patronal”, como existe ainda hoje, aquela competitividade de preços [...] “Então nós vamos fazer o seguinte: funde sua associação, você vai ter todas as condições de fundar... Você foi concursado, eu reconheço a sua atividade, assim como eu também penso nesses termos de lutas.” Isso ele me orientando como patrão, pra você ver que ele já tinha uma visão de que era necessária a união patrão-empregado no sentido de crescerem juntos. Ele era uma pessoa socialista. Tanto é que o lucro da empresa dele, ele dividia com todos nós, trabalhadores. O lazer dele também dividia conosco: ele tinha um jipe, botava a gente em cima do jipe nos domingos e levava a gente pra algum lugar pra pegar um baba, fazer uma confraternização... ele sempre fazia isso. Ele foi um tipo de patrão que era como se fosse um companheiro, junto daquela empresa, pra que crescesse junto. Ele disse: “a minha empresa crescendo, vocês também vão crescer.”

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Essa formação “associativa” marcou Mello, como podemos perceber nas ações para a

criação da Associação dos Gráficos. Em uma reunião para discutir a Associação, foram

discutidos passos para aproximar os gráficos, a exemplo de um curso de relações humanas.

“Depois vamos tentar realizar outros cursos que tragam benefícios à classe, uma vez que

nosso trabalho será por etapa. Um campeonato de futebol de salão, contando com o apoio do

Serviço Social da Indústria foi a única maneira que encontrei para congregar os operários de

gráficas e fundar a nossa associação.”219

Nos anos 1980, encontramos Mello: como representante das entidades de

trabalhadores na luta pela a mudança da data da micareta (que coincidia com o 1º de maio);

organizando o I ENCLAT; assinando a Coluna Sindical d’O Grito da Terra onde criticava os

“pelegos”, que não participavam das manifestações de combate dos trabalhadores, e se

posiciona contrário ao imposto sindical, assumindo uma das bandeiras de luta do “novo

sindicalismo”.220

Mesmo depois que Carlos Mello assumiu uma prática sindical considerada combativa

pela nova geração de militantes do país, continuou afirmando a necessidade de agregar os

trabalhadores “pelegos” às lutas, pela necessidade de mostrar a estes que a combatividade era

o melhor caminho para as conquistas dos trabalhadores. Seja por isso, ou por outros motivos

que não conseguimos identificar, em 1980 os gráficos se reuniram na sede do sindicato dos

comerciários para discutir o processo eleitoral para a primeira diretoria da Associação dos

Trabalhadores nas Indústrias Gráficas de Feira de Santana.221

Melo também foi presidente da Sociedade Montepio dos Artistas Feirenses de 1988 a

1991, que para ele é “como se fosse um guardião desses movimentos”. Abriu espaço para

entidades que não tinham sede própria: além dos próprios gráficos, sede dos movimentos

grevistas da polícia, padeiros, jornalistas e radialistas, assim como algumas associações de

bairro (não sabe dizer quais), Frente Negra Feirense (FRENEFE) e PCB.

No aniversário de 113 anos do Montepio, em 1989, foi celebrada uma missa na Igreja

Senhor dos Passos, sem que houvesse nenhuma outra comemoração, por conta das

dificuldades financeiras. Devido a isso, Mello cobrou do prefeito Colbert Martins a

recuperação do prédio e seus móveis, assim como a isenção do Imposto Predial – a sede do

Montepio continua sendo um sobrado centenário, um dos prédios mais antigos da cidade, na

219 “Gráficos se reuniram ontem para discutir criação da associação.” Jornal Feira Hoje, 21 de março de 1979, p.5. 220 Respectivamente: “Sindicalistas não querem a micareta no 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 21 de janeiro de 1984, p.3; Resoluções do 1º Encontro das Classes Trabalhadoras de Feira de Santana. Agosto de 1983. [Acervo ADEFS]; “Imposto sindical”. Coluna Sindical. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.6. 221 “Gráficos discutem as eleições: associação”. Jornal Feira Hoje, 18 de janeiro de 1980, p.13.

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antiga Rua Direita, atual Conselheiro Franco. Também, Mello anunciou que pretendia reativar

a assistência médica e odontológica, mediante convocação aos associados para que

regularizassem suas mensalidades.222 Ainda sobre o Montepio, disse na entrevista que o

estatuto é a mesma coisa do sistema presidenciário atual. Padre Ovídio criou essa sociedade

com finalidade de atender os carentes e pensou: no trabalhador; no músico, tanto que criou a

Filarmônica Vitória; nos desvalidos, abandonados, asilo Nossa Senhora de Lourdes; central

de indústrias, para que as pessoas aprendessem uma profissão; nas mães solteiras; nas

prostitutas.

Ao longo do depoimento, notamos que Melo se preocupou em prestar contas do que o

Sindicato dos Gráficos estava fazendo durante o período relatado. Também, tem ligação

muito forte com leis, direitos, na mediação entre esses e a vontade popular sem, contudo,

defender uma proposta de rompimento. Na parte final da entrevista, ao ser perguntado sobre

as lutas em Feira de Santana, inicia dizendo que “todo tempo tem sua lei” e é o confronto

entre legalidade e legitimidade o fio condutor da sua fala. Por fim, as leis de hoje são como no

período de Lucas: existem, mas não são cumpridas, “porque estamos contrariando quem está

no poder”.

A avaliação da presença de Mello no sindicalismo feirense nos mostra uma tipo de

militância que destoa da polarização recorrentemente encontrada nos grupos de trabalhadores

que se opuseram ao longo da década de 1980. A tentativa do “novo sindicalismo” negar o

“velho sindicalismo” não se apresentou como tentativa de apagar da memória as lutas

passadas, mas de construir um “novo capítulo” na historia de luta dos trabalhadores.

2.6 – O Dia do Trabalho pertence ao trabalhador?

O 1º de Maio foi disputado não só por sindicalistas tradicionais e petistas-cutistas, mas

também pela prefeitura, na primeira gestão de Colbert Martins e na segunda de José Falcão. A

partir do ano de 1978, a Micareta223 passou a ser realizada entre os últimos dias de abril e

primeiros dias de maio, mas não em todos os anos.

222 “Missa marca os 113 anos de fundação do Montepio”. Jornal Feira Hoje, 07 de setembro de 1989, p.5. 223 Conhecida como “carnaval fora de época”, é uma festa que ocorre nos mesmos moldes do Carnaval de Salvador, em cidades do interior. A Micareta de Feira de Santana é conhecida por ter sido a primeira realizada no país, ainda na década de 1930.

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Em 1978, sindicato dos comerciários fez uma festa de São João, mas não registramos

nenhuma organização de qualquer sindicato a respeito do 1º de maio.224 Em 1979, o

presidente do mesmo sindicato declarou que as comemorações seriam adiadas para dia 5, por

causa da micareta. Na programação, constou que haveria uma “palestra de conscientização da

classe trabalhista” e um torneio de futebol no Jóia da Princesa com a participação dos

sindicatos dos bancários, telecomunicações e serviço social do comércio, terminando com

coquetel à noite.225

Os protestos contra a interdição do 1º de Maio pela Micareta começaram em 1982,

com um trabalho de organização que foi iniciado tão logo a prefeitura divulgou a data da

festa. Já em janeiro, Eliezer Ferreira, Carlos Mello, João Vieira (delegado do Sindicato dos

Motoristas de Ônibus) e Délcio Mendes se pronunciaram. Apenas este último tentou

conciliação, dizendo que soube que a intenção da Secretaria de Turismo era fazer o

trabalhador se distrair, atuando como um porta-voz oficioso da Prefeitura.226

Em abril foi divulgada uma nota que gira em torno da relação que o poder público

estabelecia há tempos com a população – “abusar de sua ignorância” – exigindo que os

trabalhadores e seus sindicatos fossem ouvidos em assuntos que diziam respeito a eles

próprios. No caso em questão, a Micareta se constituía em empecilho para “manter viva a

memória de todos que, durante a história, morrem em consequência da luta que assumem pela

defesa da libertação da nossa classe.” Assinaram a nota: STR-FSA, APROFS, Associações

dos Funcionários Públicos, dos Gráficos, Sindicatos dos Motoristas de Ônibus, Bancários,

Comerciários, SINCAVER, SINDIPETRO.227

Depois de lançada a nota, as entidades se reuniram com secretário de turismo, Luciano

Cunha, quando ficou decidido que às 15h do dia 1º de maio seria feita uma pausa nos trios

elétricos para a leitura de outra nota, de responsabilidade das entidades. Porém, no dia, o

secretário não autorizou que os trios elétricos silenciassem para a leitura da nota As entidades

solicitaram que fosse encaminhado um projeto de lei que proibisse a coincidência das datas à

Câmara de Vereadores pelo secretário, que não firmou palavra.228 Essa nova nota incluiu uma

224 “Sindicato prepara a festa junina”. Jornal Feira Hoje, 20 de junho de 1978, p.3. 225 “Festa do trabalhador foi adiada para o dia cinco”. Jornal Feira Hoje, 28 de abril de 1979, p.5. Note-se que o termo “festa”, anos depois, não seria mais utilizado pelo jornal. Também, o termo “classe trabalhista” seria foi substituído por “classe trabalhadora”, provavelmente pela incorporação do PT na política local. 226 “Política sindical: não ao micareta no dia do trabalho”. Jornal Feira Hoje, 07 de fevereiro, p.2. 227 “Trabalhadores fazem severas críticas ao governo municipal”. Jornal Feira Hoje, 18 de abril de 1982, p.3. “Sindicatos comemoram o 1º de Maio”. Jornal O Grito da Terra, abril de 1982, p.5. 228 “Protestos em meio a folia para comemorar Dia do Trabalhador”. Jornal Feira Hoje, 24 de abril, p.3. “Trabalhadores”. Jornal Feira Hoje, 24 de abril, p.2.

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lista de “dificuldades” enfrentadas pelos trabalhadores no ano anterior, que vão do

desemprego e inflação a torturas, prisões e assassinatos de trabalhadores.229

As comemorações ocorreram desde o dia 28 de abril, com missa de padre Félix e dom

Silvério Albuquerque, bispo diocesano, na Igreja Senhor dos Passos. Dia 29 com

apresentação teatral, exibição de filme e ato público, nas imediações do Mercado de Arte

Popular (MAP). No dia 1º, as atividades ocorreram no distrito de Maria Quitéria, para onde os

trabalhadores se deslocaram com ônibus viabilizado pela Prefeitura, com leitura de manifesto

sobre a situação do trabalhador, passeata com instrumentos de trabalho, além de outra missa,

mas esta em louvação a São José Operário.230

No ano seguinte, trabalhadores rurais e urbanos não conseguiram fazer mobilização

unificada. Na sede, alguns sindicatos se reuniram na Rua Nova para denunciar ameaça de

expulsão dos moradores de lá. O STR-FSA se manifestou em Ipuaçu, para discutir os

problemas dos que seriam atingidos com a Barragem de Pedra do Cavalo, com a presença de

outros trabalhadores rurais atingidos por construção de barragem.231 Em 1984, Edivaldo Rios,

da AMORUN, disse que em 1983 não houve coincidência da micareta com 1º de maio e,

ainda assim, sindicatos não se mobilizaram para a data, “apenas os movimentos sociais”, se

referindo, provavelmente, às associações de bairros.232 De fato, nenhuma entidade divulgou

nota. Délcio Mendes disse que estava tentando manter contatos, mas não havia nada de

concreto, enquanto o PT declarou que nada foi elaborado para o dia que, naquele ano, não

coincidiu com a micareta.233

Em janeiro de 1984, o secretário de turismo do município, Itaracy Pedra Branca,

recebeu carta dos sindicatos feirenses, representadas por Carlos Melo, presidente da

Associação dos Trabalhadores Gráficos, na qual o Dia do Trabalho é reivindicado como uma

data de significação histórica para os trabalhadores.234 Pedra Branca disse que o choque das

datas era uma infeliz coincidência e escolha que levou em conta a melhor data para comércio

e indústria não paralisarem as atividades com tantos feriados juntos. Ainda, declarou que, para

ele, a micareta nesta data representa uma homenagem da prefeitura para os trabalhadores e

que os sindicatos deveriam propor uma data ou local alternativo para o dia do trabalho. Na

referida data, os trabalhadores organizados em torno dela divulgaram um manifesto que

229 “Sindicalistas divulgam manifesto”. Jornal Feira Hoje, 28 de abril, p.3. 230 “A comemoração do 1º de Maio”. Jornal O Grito da Terra, junho de 1982, p.7; “Muita comemoração no dia do trabalho”. Jornal O Bancário, nº 40, abril de 1982, p.3. 231 “Trabalhadores comemoram o 1º de maio”. Jornal O Grito da Terra, junho de 1983, p.7. 232 “Trabalhadores desrespeitados”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.4. 233 “Falta programação”. Jornal Feira Hoje, 28 de abril de 1983, p.3. 234 “Gráficos”. Coluna Sindical. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.6.

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repudiou a atitude do secretário de turismo da cidade, pois a data da micareta é móvel, o que

não acontece com o 1º de maio, que é data para celebrar a memória dos trabalhadores que

lutaram.235

Como é possível notar, tentou-se retomar a articulação conseguida em 1982. Porém, o

evento não foi organizado conjuntamente. Apenas o STR-FSA montou programação no

distrito de Maria Quitéria, com a presença de sindicatos mais ligados a essa categoria (ASTA

e AEABA): de manhã, passeata e missa; à tarde, cânticos, declarações de poemas, encenações

teatrais e pronunciamentos dos sindicatos. Estes últimos criticaram as frentes de trabalho e a

falta de sementes para os trabalhadores rurais.236

Em 1985, a CUT Estadual, que havia deliberado pela construção da data em toda a

Bahia naquele ano, lançou nota falando que o fim do choque de datas entre a micareta e o Dia

do Trabalhador iria unificar os trabalhadores em torno dessa data, sendo que, anos antes, as

comemorações aconteciam por iniciativas isoladas de sindicatos.237 A Pró-CUT de Feira

marcou reunião, com sindicatos e outras entidades, para 30 de março, na Associação dos

Trabalhadores da Construção Civil, a fim de que se realizasse um 1º de maio unificado.

Assim, desde o dia 25, houve debates localizados sobre o movimento sindical e o primeiro de

maio.238

No dia 01 de maio, realizou-se passeata pelo trecho central da Av. Getúlio Vargas, a

mais importante da cidade. Nos pontos inicial e final da passeata, houve apresentações

artísticas e falas de representantes sindicais. Foram distribuídos panfletos afirmando a

necessidade de se organizar e lutar, exemplificando com manifestações locais ocorridas

anteriormente: greves de operários, motoristas e lutas por sementes, dos rurais atingidos pela

barragem de Pedra do Cavalo, lutas dos petroquímicos de Camaçari e metalúrgicos de São

Paulo. Segundo o Feira Hoje, compareceram em massa apenas os trabalhadores rurais, sendo

o restante apenas representantes das entidades organizadoras e alguns políticos do PMDB. As

entidades expuseram diversas reivindicações e/ou apoios em cartazes e faixas, a exemplo da

Associação de Moradores do Jardim Cruzeiro que se manifestou a favor da mulher.239

Naquele ano, as bandeiras de luta tiveram o peso da pauta nacional: redução da

jornada de trabalho para 40h, reajuste salarial nos parâmetros do DIEESE, reforma agrária 235 “Sindicalistas não querem a micareta no 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 21 de janeiro de 1984, p.4; “Sindicatos divulgam nota sobre o Primeiro de Maio”. Jornal Feira Hoje, 27 de abril de 1984, p.4. 236 “1º de Maio dia dos Trabalhadores”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.2. 237 “CUT-Ba lança seu plano de trabalho”. Jornal O Grito da Terra, abril de 1985, p.6. 238 “Pelo 1º de Maio”. Jornal Feira Hoje, 26 de março de 1985, p.2. 239 SILVEIRA, 2010, op cit, p.148, mostra uma foto onde trabalhadores carregam uma faixa em homenagem a Beto Folha (Alberto Campos Boaventura), militante petista e cutista que havia falecido precocemente em um acidente de carro.

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que atenda os interesses dos trabalhadores, modificações na estrutura sindical brasileira,

direito à greve. Contudo, não se deixou de fora as reivindicações locais: garantia de moradia,

escola, saúde, transporte, lazer e sementes. Participaram da organização desse 1º de maio a

Pró-CUT, Asta-BA, Sindicato dos Bancários, Comerciários, STR-FSA, Delegacia dos

Metalúrgicos, Associação dos Trabalhadores da Construção Civil, das Indústrias

Alimentícias, APAEB, Comissão Pró-delegacia dos Engenheiros, Associação de Moradores

da Rua Nova, João Paulo II, Cidade Nova, Novo Horizonte, jornais Voz da Unidade, do PCB,

e Tribuna da Luta Operária, do PCdoB, DCE-UEFS, PT e PMDB.240

Entre fins de abril e início de maio de 1987, houve greve de professores de rede

particular, campanha eleitoral para o Sindicato dos Comerciários, com chapa de oposição,

mobilização dos moradores do Campo Limpo contra a falta de atendimento ao bairro pelo

transporte coletivo municipal. Certamente por conta da quantidade de lutas em que os

trabalhadores estavam envolvidos, não houve atos do Dia do Trabalhador. Em 1988, a Pró-

CUT convocou para a organização de “um 1º de maio digno da história da classe operária”,

em reunião na noite do dia 14 de abril, no “Espaço Democrático”.241 Em 1989, o Movimento

Comerciários em Luta, que era a oposição comerciária, lanço panfleto com paródia da música

Olê mulher rendeira, falando da situação de trabalho, criticando o Sindicato dos Comerciários

e os patrões. No fim, convocaram para a assembléia que ocorria mensalmente, na sede do

SINPRO.242

Em 1990 não encontramos mais um Dia do Trabalhador unificado. O STR-FSA se

uniu à prefeitura no distrito de São José: foram disponibilizados cinco ônibus para o

transporte dos trabalhadores rurais ao local, onde estiveram presentes Colbert Martins e Ildes

Ferreira. A pauta, obviamente, girou em torno dos problemas enfrentados com falta de terras,

sementes e chuva. Outra comemoração aconteceu no bairro Parque Ipê, organizada pela

Comissão Pró-CUT, com pauta contra as perdas salariais e a recessão, provocada por um

plano econômico do governo Collor. O Feira Hoje questionou a razão pela qual essa

manifestação não foi feita no centro da cidade, visto que a gestão de Colbert Martins havia se

comprometido em não realizar a Micareta nessa data. Orlando Abreu, técnico agrícola

membro da Pró-CUT, disse que a escolha pelo Parque Ipê foi pela proximidade deste bairro

com o Campo Limpo e a Cidade Nova, o que permitiria o deslocamento de um grande número

240 “Poucos trabalhadores participam de comemoração ao dia 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 03 de maio de 1985, p.3. 241 Comissão Pró-CUT da Região de Feira de Santana. 1º de Maio. [Acervo Gerinaldo Costa] 242 Comerciários em Luta. Oposição Sindical Comerciária de Feira de Santana. 1º de Maio. Maio de 1989. [Doação de Anna Kaufman]

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de trabalhadores. Orlando Abreu disse também que houve dificuldade em unificação dos

trabalhadores em torno de uma pauta única, além do STR-FSA ter alegado dificuldades

financeiras se integrar a um ato unificado, mesmo com a Pró-CUT se comprometendo em

imprimir 10 mil panfletos.243

STR-FSA e Pró-CUT voltaram a se encontrar no ano seguinte. Foi distribuído panfleto

dias antes – assinado pelo STR, DCE, PT, PCdoB e Comissão Pró-CUT. Nesse ano, tentou-se

uma comemoração nos moldes das que ocorreram em São Paulo em alguns anos da década

anterior, com apresentação de artistas feirenses na Praça da Matriz. As reivindicações se

voltaram para os governos Collor e ACM, com a inclusão de combate à privatização de

empresas estatais. No evento, foi anunciada a organização da Greve Geral para o mesmo ano.

Porém, o Sindicato dos Comerciários organizou data em separado, na sua sede de campo,

promovendo campeonato de futebol, palestra sobre a data e apresentação de um conjunto

musical.244 Vemos aqui que Délcio Mendes, ao contrário de anos antes, já não tentava mais

nenhum consenso com os petistas-cutistas. Isso se deu, certamente, pela ameaça crescente da

oposição sindical comerciária.

A reapropriação do 1º de Maio se deu, inicialmente, sem a participação organizada dos

petistas-cutistas, ainda que houvesse participação individual. Eles só começaram a disputar a

data a partir de 1985, quando a CUT Estadual traçou um plano de ação na Bahia e quando a

Pró-CUT da Região de Feira de Santana começou a figurar como organizadora ou apoiadora

de mobilizações da classe trabalhadora da cidade.

Quanto aos sindicalistas tradicionais, eles não viam no Dia dos Trabalhadores uma

data principal no calendário de feriados, pois quaisquer outras entidades que não fossem de

trabalhadores ficariam deslocada se participassem. Por isso, as comemorações se davam em

torno de datas “interclassistas” como Natal e São João. Desde 1977 até 1982, a data tinha

caráter recreativo, vista como dia de descanso merecido para quem trabalhava todo ano. Esse

tom de civilidade escondia o caráter de “luto e luta” da data, expressando as relações de classe

na cidade. Só nos primeiros anos da década de 1980 o enfrentamento e a unidade de classe

foram postos como alternativa, sendo aceitos algumas vezes, como no ano de 1985, e

rejeitados em outras, como em 1990.

243 “Manifestações no Parque Ipê e São José durante o 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 01 de maio de 1990, p.3. “1º de maio é comemorado fora do centro da cidade”. Jornal Feira Hoje, 03 de maio de 1990, p.3. 244 Panfleto – Comissão Organizadora do 1º de Maio de 1991. [Acervo Gerinaldo Costa]. “Trabalhadores preocupados”/ “Comerciários”. Jornal Desafio, Ano I, nº 0, maio de 1991, p.1.

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Para além da tomada de posição política a respeito do Dia do Trabalhador, a presença

dos petistas-cutistas marca o primeiro de maio pela observação constante de que a data é de

solidariedade não só entre os trabalhadores de Feira de Santana, mas de todo o mundo

Celebrar o primeiro de maio é de grande significado para os trabalhadores, por se constituir esse dia em sinal de protesto e sinal de vitória dos trabalhadores. Em todo o mundo, assim, o primeiro de maio é considerado. Os trabalhadores se congraçam, fazem suas denúncias, exigências, trocam suas experiências de lutas, anunciam o mundo que querem construir.245

A apropriação do dia do trabalhador como protesto não excluiu a dimensão recreativa

de anos antes, mas lhe deu outro caráter: as festas eram organizadas em torno do protesto, a

exemplo de peças teatrais, cânticos, leituras de poemas e cordéis que tinham como tema,

invariavelmente, a luta dos trabalhadores. Claro, não dá pra dizer que esse novo caráter da

data era autenticamente dos trabalhadores, nos termos dos petistas-cutistas, pois algumas

categorias, como os rurais, sempre faziam missa. Porém, isso se torna possível do ponto de

vista da experiência da classe trabalhadora feirense.

2.7 – Greves setoriais

Como vimos no capítulo anterior, para boa parte dos estudos sociologia do trabalho

produzidos na década de 1980 através da greve era possível medir o “avanço” da consciência

classe trabalhadora e sua disposição para a luta contra o capitalismo. Não muito diferente

disso, para os petistas-cutistas da mesma década, em Feira de Santana, fazer e apoiar greves

era passo importante para superar o “imobilismo” da classe trabalhadora feirense. De todo

modo, as greves foram momentos de explicitação dos conflitos de classe e revelam a

experiência dos trabalhadores, na sua relação com os processos grevistas.

Para nós, interessa saber como as greves serviam a petistas-cutistas e a tradicionais,

seja como marca de distinção, seja como modo de construção ou reconstrução das relações

entre lideranças sindicais e os outros trabalhadores. Nesta seção trataremos apenas de greves

por categoria, por terem um caráter localizado, tanto pela pauta, quanto pelo grupo de

trabalhadores que as levaram a cabo.

245 “Trabalhadores comemoram seu Dia”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.1.

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2.7.1 – Os tradicionais e as greves

Em Feira de Santana houve mobilizações dos tradicionais antes da explosão de greves

na segunda metade da década de 1980. Os bancários, anualmente, se reuniam em assembléia

para deliberar pautas de reivindicações acerca de perdas salariais, estabilidade no emprego,

manutenção da carga horária diária de 6h, fixação de salário mínimo. Eliezer declarou:

o trabalhador quer apenas recuperar o que lhe tiraram nesses 14 anos. E para isto a arma que dispõe é a greve e o direito de greve assegurado. [...] Os trabalhadores hoje não tem uma representação efetiva no Congresso Nacional. Somente com a criação de um partido ideologicamente definido, representando a considerável parcela da população brasileira que trabalha – poderemos defender legitimamente nossos interesses.246

Os bancários destoam da caracterização dos tradicionais já a partir de fins da década

de 1970, pois é uma das categorias que mais faz greves em Feira de Santana. Sua articulação a

nível nacional e estadual, através da Federação dos Bancários, os colocou em contato com o

PCdoB, que dirigia a Federação.

Porém, ainda que o Sindicato dos Bancários de Feira de Santana tenha aderido a

quase todas as greves organizadas nacionalmente pela categoria, a forma como era conduzida

e a aceitação dos acordos propostos pelos patrões diz sobre seu pertencimento aos

tradicionais. Ao analisarmos seu periódico, O Bancário, percebemos que a maneira como as

greves eram organizadas e conduzidas mostra que a deflagração dos movimentos era

precedida pela deliberação da Federação, e não por assembléias com os bancários da cidade,

que eram convocadas uma única vez, para a votação sobre a greve. Segundo Igor Santos a

oposição bancária apelou para a participação da categoria na greve geral de 1987, tendo em

vista as poucas conquistas das greves setoriais.247

Era comum que a Federação dos Bancários fizesse acordos com os banqueiros sem o

diálogo com os grevistas dos estados. Há que se notar a dificuldade dessa categoria em fazer

greves por local de trabalho. Os bancos tinham agências em diversas partes do país e, ainda

que uma greve local atrapalhasse a condução dos trabalhos, o movimento não teria muita

força. Ainda assim, era perceptível o não envolvimento dos bancários nas mobilizações

gerais, envolvendo outras categorias em Feira de Santana, mesmo quando o nome do 246 “Bancário critica medidas contra o direito de greve”. Jornal Feira Hoje, 13 de março de 1979, p.3. 247 SANTOS, op cit, p.209.

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sindicato aparecia entre os organizadores dessas. A presença de bancários nas diversas

mobilizações era através da Oposição Bancária.

Na greve de 1985, vemos esse processo grevista pelo alto ser questionado. A Oposição

Bancária, com maioria do PCdoB, mas com participação de petistas-cutistas, começava a se

formar e seu primeiro grande embate com o Sindicato dos Bancários foi durante a referida

greve. Quando a Federação dos Bancários anunciou a preparação para a greve da categoria, a

Oposição Bancária exigiu a realização de uma assembléia para a discussão da pauta e a

deliberação do processo organizativo com toda a categoria. O sindicato não respondeu à

exigência e a oposição optou por fazer o trabalho de passar nas agências e organizar algumas

reuniões depois do expediente.248 A assembléia de deflagração da greve foi uma das maiores e

mais agitadas da categoria naquela década. A presença em cada dia da greve era de cerca de

700 bancários e o piquete se concentrava na porta da única agência do Banco do Brasil, por

dois motivos: i) esse Banco concentrava a compensação de cheques, transação que era feita

diariamente por todas as outras agências da cidade; ii) os funcionários desse banco tinham

uma relativa estabilidade por serem enquadrados na CLT, já que o Banco do Brasil era de

economia mista.249 Após essa greve, a Oposição Bancária ganhou força e o Sindicato dos

Bancários teve que se pronunciar em diversos momentos, apresentando mais claramente seus

posicionamentos sobre as mobilizações coletivas, como veremos no próximo capítulo.

Os taxistas se diferenciam dos demais por não serem trabalhadores assalariados. Por

isso, suas mobilizações estavam restritas a questões relacionadas às mudanças nas regras do

seu trabalho, que eram arbitradas pela prefeitura. O SINCAVER esteve na intermediação

entre o aumento das tarifas das corridas e a estagnação do preço da gasolina, variando para

alternativas que minorassem os prejuízos dos taxistas: implantação do gás como combustível

dos carros e cessão dos mesmos para propagandas, uso irrestrito da bandeira 2. Também,

havia conflitos dos atos diretoria do sindicato com a prefeitura e com a própria categoria, no

que dizia respeito ao aumento do custo para os passageiros dos táxis.

A única paralisação que registramos aconteceu por conta do grande número de assaltos

a taxistas entre outubro e novembro de 1980 e o assassinato, dias antes, do taxista Carlos

Batista de Souza. Ao saber da prisão de João Fernando de Souza, “Coleiro”, suspeito de

muitos desses assaltos, Liomar Ferreira convocou todos os taxistas a fazerem uma passeata

pelas ruas mais movimentadas da cidade e depois se dirigirem à Central de Polícia, na Av.

248 Depoimento de Antonio Carlos Lima Rios (Nei Rios). Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS. 249 Depoimento de Antonio Carlos Lima Rios (Nei Rios), idem.

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Senhor dos Passos, para exigirem segurança e verem “o ladrão”. Cerca de 600 taxistas (80%,

da categoria, segundo o Feira Hoje) fizeram o trajeto e tencionaram para que os policiais

apresentassem “Coleiro” e prendessem “Gordo”, suspeito da morte do taxista. O delegado

João Veloso pediu a Liomar Ferreira que evitasse outra manifestação por conta da visita do

governador Antonio Carlos Magalhães à cidade naquela mesma noite, para o lançamento do

PDS local. O presidente do SINCAVER respondeu que não poderia garantir nada enquanto as

reivindicações não fossem atendidas.

Depois da dispersão, parte dos motoristas foi ao enterro de Carlos Souza, na cidade de

Serra Preta, e a maioria dos carros tinha em suas antenas uma fita preta amarrada. Dois dias

depois, alguns motoristas desistiram de trabalhar à noite, tanto pelo perigo, quanto para

mostrar à população a situação da categoria. Salviano Valadares Chaves disse que

manifestação serviu para a categoria se conscientizar da necessidade de protestar. O Feira

Hoje declarou que movimento tão grande, repentino e violento não havia acontecido na

cidade. Isso pode ser percebido nas 9 fotos que ocupam quase todo o espaço na página inteira

do jornal sobre a manifestação, registrada por Reginaldo Pereira (da Associação dos

Fotógrafos Profissionais de Feira de Santana) e Antonio Magalhães (que fotografou a cidade

durante décadas, principalmente as feiras livres e os feirantes).250

Ainda houve outra manifestação em 1983, no início da gestão de José Falcão, que

tomou proporções inesperadas. A prefeitura exigia vistoriar os veículos com mais de 6 anos

de fabricação, determinou o comparecimento imediato de 9 táxis na Secretaria de Serviços

Urbanos, sob pena de cassação da licença e o uso de farda por todos os taxistas em serviço.

Diante das medidas, consideras inesperadas pelo SINCAVER, alguns taxistas e a diretoria do

sindicato compareceram à prefeitura para pedir esclarecimentos. Segundo Liomar Ferreira, o

prefeito não os recebeu e chamou a polícia.

Para agravar ainda mais a situação, o Feira Hoje disse que os taxistas haviam

“invadido” a prefeitura. Liomar Ferreira escreveu uma carta para o jornal dizendo que esse

estava tentando criar uma imagem de “mau comportamento” para a categoria, concluindo com

defesa do SINCAVER como “legítimo e único representante da categoria”, contra decisões

tomadas sem consulta.

O Grito da Terra, que era impresso na gráfica do Feira Hoje, teve a edição de abril

atrasada de tal maneira que a Associação das Entidade de Feira de Santana (ADEFS) cancelou

250 “Motoristas deixam a cidade sem táxi”. Jornal Feira Hoje, 08 de novembro de 1980, p.4; “Flagrantes de uma (tensa) manifestação”. Jornal Feira Hoje, p.5. “Motoristas de táxi não querem trabalhar à noite”. Jornal Feira Hoje, 09 de novembro de 1980, p.3.

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a edição e os serviços da gráfica. Somente em junho a edição subseqüente a março foi

lançada, tendo no editorial a denúncia que o atraso da gráfica do jornal foi por causa de uma

matéria, que contava a versão do SINCAVER, onde Liomar Ferreira acusa o José Falcão de

retaliar a atual gestão, que ganhou as eleições contra o candidato apoiado por ele.251

Os comerciários não fizeram nenhuma greve ou paralisação. Em 1987 a Oposição

Comerciária tentou incluir na pauta de uma assembléia da categoria a discussão sobre a

adesão à greve geral daquele ano e foi expulsa do local, sob agressões verbais.252

O sindicato dos comerciários se restringiu a ações na justiça para intermediar conflitos

surgidos em função de práticas irregulares dos comerciantes, tais como: não pagamento de

13º salário e outras vantagens, ampliação do horário de trabalho, funcionamento do comércio

em feriados ou datas comemorativas, como o Dia do Comerciário. Nenhuma mobilização

coletiva foi articulada por este sindicato e as convocações aos “associados” estavam

relacionadas ao oferecimento de cursos e outros benefícios, tais como os vistos na segunda

seção deste capítulo.

José Rocha tem uma explicação para a não mobilização dos comerciários que não

ataca o “peleguismo” de Délcio: diferente da indústria, onde os lugares de patrão e operário

são demarcardos hierarquicamente até no espaço que ocupavam dentro do local de trabalho,

os comerciários estavam em contato direto e constante com os donos das lojas, que

geralmente as dirigiam e/ou ficavam no caixa. Esse compartilhamento do cotidiano, próprio

das relações paternalistas, permitia aos patrões exercer controle direto que passava também

pela ilusão que o comerciário também tinha alguma participação nos lucros, quase como um

sócio.

2.7.2 – Primeiras manifestações no fim da Ditadura

Funcionários da Câmara Municipal, motoristas de ônibus, policiais militares e médicos

também fizeram greves entre fins de 1980 e primeiro semestre de 1981, com reivindicações

que diziam respeito, principalmente, aos baixos salários e péssimas condições de trabalho. No

final de 1981, professores de escolas particulares em Feira de Santana entraram na justiça

contra irregularidades nos salários.

251 “Censura no passado e no presente”. Jornal O Grito da Terra, junho de 1983, p.2. A referida entrevista com Liomar Ferreira foi publicada na edição de janeiro do ano seguinte, p.7, sob o título “Prefeito contra os taxeiros”. 252 “Comerciários criticam atuação de Délcio Mendes no sindicato”. Jornal Feira Hoje, 04 de outubro de 1987, p.6.

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Os professores estaduais e municipais de Feira de Santana, cuja expressão sindical era

a APROFS, ensaiaram greve desde 1978. Seu presidente, Manoel Fausto, filiado ao MDB, em

declarações ao Feira Hoje, falava sobre a possibilidade de uma greve da categoria apenas

quando havia mobilização estadual, partindo de Salvador, e atrelava a deflagração da greve a

fatores diversos: mudança de governador entre 1978 e 1979 (de Roberto Santos para ACM),

reuniões com outros sindicatos da categoria e mesmo à atitude política dos professores. Ao

reclamar do número de filiados (cerca de 2%) e da falta de condições para fazer a entidade

representar os professores, Manoel Fausto disse: “professores de um modo geral não têm

sequer consciência do que seja uma entidade de classe, pois os sindicatos existentes são

dirigidos por aproveitadores e os professores que deveriam conquistá-los não o fazem.”253

No mês seguinte a APROFS realizou o I Seminário de Professores, para discutir

educação: Manoel Fausto se surpreendeu com o grande número de professores e seu “bom

nível de debate”. Frei Felix de Pacatuba fez uma “retrospectiva da educação”, Josué Melo,

diretor do SIM e professor da UEFS, palestrou sobre “educação e desenvolvimento” e José

Jerônimo Moraes, professor da UEFS, sobre “educação como fator de transformação social.”

Por fim, Rogério Mendes da Cruz, falo sobre as atividades da APROFS nos seus cinco anos

de existência. Manoel Fausto disse que APROFS só deflagaria greve em última instância:

“Nós queremos paz e a satisfação de todos. Não nos interessa prejudicar os alunos ou quem

quer que seja, queremos apenas o que nos é de direito.” Enquanto isso, aguardariam o período

inicial de atuação de ACM enquanto governador e enviariam a ele documento de

conscientização da realidade da educação na Bahia.254

Quando da preparação da greve dos professores da rede estadual, Manoel Fausto disse

que era “justa” e que o governo do estado fazia da educação “cabide de emprego”. Deflagrada

no início de maio de 1982 em Salvador e alguns municípios do interior, os professores

estaduais daqui não aderiram. Manoel Fausto, novamente, culpou a falta de consciência da

categoria e a data inadequada para a cidade, logo após o Micareta. Por conta dessa greve, O

Grito da Terra compôs uma edição especial no mês de maio, para tratar da educação no Brasil

e em Feira de Santana, que foi distribuída gratuitamente. Nela há um texto criticando, sem

citar nomes nem entidades, o presidente da APROFS por não ter mobilizado os professores da

cidade. A edição especial contou com a colaboração de: CIS, Prefeitura Municipal de Feira de

253 “APROFS desconhece FITEE mas apóia reivindicações”. Jornal Feira Hoje, 02 de fevereiro de 1979, p.4. 254 “Foi surpresa o seminário”. Jornal Feira Hoje, 07 de março de 1979, p.3. “Relatório da APROFS critica a desvalorização do homem”. Jornal Feira Hoje, 10 de março de 1979, p.4.

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Santana, SINCAVER, ADUFS, SINPRO e “pessoas físicas sensíveis ao problema da

educação hoje no Brasil”.255

Diferente dessa, a greve dos professores municipais, que durou de agosto a setembro

do mesmo ano, não contou com o apoio da prefeitura, do SINCAVER nem do CIS, tampouco

tinha na presidência da APROFS Manoel Fausto. O presidente era José Coutinho Estrella,

filiado ao PMDB, que havia participado da diretoria na gestão anterior. Coutinho Estrella

criticou Colbert Martins por ser autoritário nas escolhas para o candidato a prefeito do

PMDB.256

Porém, o embate dos grevistas não foi com Colbert Martins, que deixou esse cargo

para assumir o de deputado estadual, e sim com José Raimundo Azevedo, vice-prefeito que

assumiu o cargo. Há meses os salários dos professores atrasavam muito, pois não havia data

fixa de pagamento e os de julho e agosto ainda não haviam sido pagos. Além da resolução

desses dois problemas, os professores reivindicaram pagamento do 13º salário e aprovação do

Estatuto do Magistério.

Aos poucos, as escolas da sede e dos distritos aderiram à greve, entre promessas do

prefeito de não punir nenhum dos grevistas, sendo ele também professor e reconhecendo a

“caótica” situação financeira do município. Com quase um mês de greve, os professores

voltaram às escolas com a promessa de salários pagos até dia 25 de setembro e formação de

comissão para discutir Estatuto do Magistério. Em dezembro estava pronto um anteprojeto –

redigido por José Coutinho Estrela, Manoel Fausto e Erasmo Lima de Souza, secretário

municipal de educação – que classificava a profissão em níveis, com salários diferentes, e

contratação através de concurso público. Ficou a promessa do prefeito de encaminhar para a

Câmara de Vereadores antes do recesso de fim de ano.

Em 1987, nova discussão na Câmara de Vereadores sobre o Estatuto do Magistério,

que ainda não havia sido aprovado. O projeto foi retomado pela gestão de José Falcão por

conta da exigência do governo federal de liberação de verbas específicas para a educação

mediante aprovação de Estatuto do Magistério em cada município. Porém, o projeto foi

reformulado sem que se consultasse os professores de Feira de Santana. Apenas na sessão da

Câmara que discutiu o projeto foi ouvido Manoel Fausto, de volta à presidência da APROFS,

retomando pontos do projeto elaborado em 1982.257

255 Jornal O Grito da Terra. Edição Especial. Maio de 1982, p.4. O CIS ainda estava sob a direção de Humberto Mascarenhas. 256 “Abortos e personalismos”. Jornal Feira Hoje, 13 de junho de 1982, p.2. 257 “Estatuto do Magistério desagrada professores”. Jornal Feira Hoje, 18 de março de 1987, p.2.

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O enfrentamento foi se constituindo enquanto opção entre os trabalhadores de Feira de

Santana sem que, necessariamente, o alvo fosse o “inimigo da classe” ou o objetivo a ruptura

com o capitalismo. Ao passo que a retomada das lutas pode ser percebida, houve tentativas de

unificação destas. O Grito da Terra é parte desse processo, reivindicando o poder da palavra

pelos populares. Foram criadas também as seguintes entidades: Associação dos Gráficos

(1980), Associação de Barraqueiros do MAP (1980), Associação dos Serventuários do

Interior do Estado (1980), ADUFS (1981), Associação dos Funcionários Públicos Municipais

(1980).

“Nós entendemos que se um sindicato ou associação inicia uma luta em prol da classe,

todas as entidades devem dar o apoio para que as reivindicações tenham mais respaldo.” Essa

foi a justificativa de Carlos Mello para a convocação das entidades de trabalhadores da cidade

para discutir a unificação das mesmas, na sede do Sindicato dos Comerciários. O ponto de

partida seria uma avaliação do 1º de maio, realizado conjuntamente semanas antes.258

Entretanto, o 1º de maio de 1982 e a posterior reunião para levar à frente unificação da

classe trabalhadora feirense não foram as primeiras tentativas. No ano anterior, a tentativa de

tornar público o Dia Nacional de Luta contra o Desemprego, deliberado pela CONCLAT no

mês de agosto, reuniu as seguintes entidades: Sindicato dos Bancários, SINDIPETRO,

Delegacia Sindical dos Professores (?), Associação dos Técnicos Agrícolas, Associações de

Moradores da Rua Nova, Cidade Nova, Mangabeira, Novo Horizonte, Pampalona, Jardim

Cruzeiro, PMDB, PT, CDDH-FSA, Comissão Pró-DCE da UEFS. O ato, divulgado por um

panfleto explicando a situação financeira dos trabalhadores brasileiros, foi programado para

ter apresentação teatral e musical, um pedágio nas ruas para ajuda com despesas e buzinaço

dos taxistas para chamar à atenção a população feirense.259

No mês anterior foi organizado o I Seminário Feirense da Classe Trabalhadora, com

palestras em três noites sobre direitos do trabalhador, políticas salarial e econômica. Apesar

de não ter divulgado quem organizou o seminário, o Feira Hoje destacou uma discussão entre

APROFS e PT, após este último ter exigido explicações em público do por que a entidade não

fez parte da organização do evento.260

Quase dois anos depois, uma nova tentativa de congregar categorias gerou um

documento de 8 páginas, discutindo conjuntura e sindicalismo. O I Encontro das Classes

Trabalhadoras de Feira de Santana (ENCLAT-FSA) foi realizado de 8 a 10 de julho de 1983,

258 “Entidades sindicais se reúnem para discutir unificação de luta”. Jornal Feira Hoje, 19 de maio de 1982, p.3. 259 “Feira lembra o dia contra o desemprego”. Jornal Feira Hoje, 30 de setembro de 1981, p.3. 260 “Seminário não repete o êxito da abertura”. Jornal Feira Hoje, 06 de agosto de 1981, p.3.

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definindo o sindicato como “instrumento para a união e luta dos trabalhadores”, que diz

respeito a interesses econômicos, mas também à organização política. O encontro foi

anunciado n’O Grito da Terra do mesmo mês e fez parte do processo de fundação da Pró-

CUT na cidade. Ainda na parte que discute sindicalismo, a resolução do I ENCLAT-FSA diz

qual a maneira escolhida para a luta dos trabalhadores na cidade

O momento político exige ações combativas. A hora é de luta e de grandes mobilizações de massas para conquistarmos vitórias contra a exploração e a opressão. Está colocada a necessidade dos trabalhadores recorrerem cada vez mais à greve e às demonstrações políticas. [...] Portanto, os sindicatos precisam unir-se mais, apoiando-se na democracia sindical com relação ao direito de manifestação das diversas opiniões e, também, com relação à presença das bases nas discussões e deliberações constituindo, assim, organismos intersindicais que têm o objetivo de coordenar as ações comuns, tratar dos movimentos de solidariedade e buscar a elevação do nível do conjunto da luta operária e sindical.261

No final do encontro foram indicadas as entidades que formaram a Executiva

Intersindical de Feira de Santana: ASTA, Associação dos Gráficos, dos Funcionários Públicos

Municipais, ADUFS, STR-FSA, Delegacia Sindical dos Metalúrgicos, dos Professores e

representantes dos Bancários, Taxistas e Comerciários. Estes últimos deveriam escolher

representantes em assembléia da categoria, mesmo com quorum baixo, já que nenhum diretor

desses sindicatos compareceu ao encontro.262

Em Feira de Santana, como em todo o Brasil, I ENCLAT-FSA foi uma demarcação

política. Tomaram posição os sindicatos tradicionais, se eximindo da participação, e os

petistas-cutistas, formulando diretrizes para a atuação no sindicalismo em Feira de Santana.

Para estes últimos, construir a unificação dos trabalhadores feirenses passava por combater os

pelegos, que tinham por princípio atuar na fragmentação das lutas.

Só a partir de 1985 as greves aumentaram em número e adquirem um caráter classista,

com acusações abertas contra os patrões e maior resistência às interferências dos prefeitos. As

poucas greves ocorridas anteriormente pareciam estar restritas à letra da lei, tendo como

limite a DRT ou a mesa de negociação do patrão ou governo, além de outras categorias não se

261 Resoluções do I ENCLAT, p.6. [Acervo ADEFS/LABELU]. 262 Resoluções... idem; “Trabalhadores de Feira de Santana fazem encontro”. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1983, p.4.

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solidarizarem. Elas estavam inscritas, de um lado, no respeito às leis, bem nos termos de

reverência de Délcio Mendes, e, de outro lado, no medo da repressão, garantida por esse

mesmo conjunto de leis.

A Pró-CUT lançou, em 1985, carta de apoio a diversas categorias que, por conta de

greves, tiveram seus colegas demitidos: trabalhadores de duas empresas metalúrgicas,

Metalomecânica e Jossan, e de um órgão estadual de extensão rural, EMATER-BA. Apóiam

também a greve dos professores da UEFS. Mineiros de Jacobina e metalúrgicos do ABC

também recebem apoio. No fim da carta há quatro reivindicações, que dizem respeito a todas

as categorias citadas: estabilidade no emprego, liberdade de organização política e sindical,

salário desemprego.263

Em uma carta que tem como objetivo principal repudiar as demissões como represálias

contra grevistas, o apoio à greve dos professores universitários, que não teve nenhum

demitido, suscita pergunta sobre qual a importância dessa categoria na cidade. Como veremos

no próximo capítulo, a ADUFS foi importante para a criação e sustentação da Pró-CUT. Para

os fins desta seção, cabe esclarecer, em poucas linhas, a trajetória dessa associação/sindicato.

2.7.3 – ADUFS

A ADUFS foi criada 1981, pouco tempo depois do status jurídico da universidade da

cidade ter passado de fundação (FUFS) a autarquia (UEFS), causando instabilidade entre os

professores, que deixaram de estar sob o regime da CLT para serem enquadrados

genericamente enquanto funcionários públicos. Além da luta para que fosse aprovado um

estatuto próprio ao magistério superior, bem como a imediata filiação à Associação Nacional

dos Docentes de Ensino Superior (ANDES), outras necessidades antecederam a fundação da

ADUFS: representação docente nas instâncias da UEFS, definição de ética profissional,

integração entres os professores e destes com as outras categorias. Da fundação da ADUFS

foram responsáveis os professores Eloi Barreto, Jose Jerônimo de Moraes e Naidson de

Quintella Baptista.264 Aliada às reivindicações – que tomaram forma de manifestação pública,

tal qual em períodos posteriores da associação – a marca “comunitária” foi forte nesse

período.

263 Comissão Pró-CUT da Região de Feira de Santana. Manifesto de Solidariedade. 1985. [Documentação ADUFS] 264 Católicos progressistas, ligados aos setores politizados da Igreja influenciados pelo Concílio Vaticano II, pelas conferências episcopais latino-americanas (Medellin, Puebla) que definiram a “opção preferencial pelos pobres” e com histórico de atuação pastoral junto a grupos subalternos. Naidson Quintela era quadro do MOC e foi o primeiro candidato a reitor de oposição, em 1987.

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Em 1983, próximo às eleições para nova diretoria, houve discussão acerca das

finalidades da associação: as relações da ADUFS com a “sociedade”, a perspectiva de ser

encarada como sindicato, os professores serem ou não trabalhadores, unidade através da

ANDES e/ou CUT. O documento não é assinado, mas é provável que tenha sido redigido

pelos componentes da chapa única, eleita no mesmo ano. O texto tem um tom de avaliação

das ações da associação, pois sua fundação foi marcada por uma luta de caráter mais legalista,

implicada na mudança do status jurídico da universidade. A gestão como presidente José

Jerônimo e recém chegados à UEFS, como José Carlos Barreto de Santana e Rita Olivieri, que

permaneceram na direção da associação até 1988, ajudando na direção de greves, das quais

teremos notícia em seguida.

Os professores da UEFS realizaram greves em 1985 (duas, em abril/maio e em

outubro/novembro), 1987, 1988 e 1989, que se estendeu até 1990, com a decisão de não

participarem do funcionamento burocrático da universidade e não devolverem os diários de

classe aos departamentos (chamada de “greve branca”). As reivindicações eram ligadas

sempre: a reajustes salariais, inicialmente com entraves a respeito se o Estado da Bahia ou os

Conselhos Superiores das universidades arbitrariam a respeito dos salários; aumento de verbas

para as universidades estaduais; melhoria condições de trabalho, a exemplo da aprovação do

Estatuto do Magistério Superior, cujo projeto era disputado entre uma versão feita pela

Secretaria de Educação e outra feita pelos docentes; à “democracia interna” das IES-BA.

Na primeira greve de 1985, no mês de abril, em conjunto com a UESB e UNEB

(UESC ainda era fundação) os docentes contaram com o apoio dos deputados do PMDB na

Assembléia Legislativa, onde foram em todas as outras greves como tentativa de criar

diálogo, já que no executivo as dificuldades eram maiores. Diante do “falso argumento” da

inexistência de verbas, contestado pela arrecadação de ICM e outros impostos, outra greve em

outubro e outra investida na Assembléia Legislativa, dessa vez com a participação de

professores de 1º e 2º graus, outros funcionários públicos, a exemplo dos policiais civis e

servidores das IES-BA.

Na greve de 1987, que durou quatro meses, iniciada em março pelos professores da

UESB e UNEB, os da UEFS só aderiram em maio, devido à eleição para Reitor. Na UEFS,

não aderiram à greve os professores que apoiavam o governo de Waldir Pires. Em junho, os

grevistas lançaram um documento em forma de cartilha, que transcreve o debate realizado em

cinco de maio, em Sessão Especial da Assembléia Legislativa. Na data desta sessão, exigida

pelos professores, o “Acampamento Marajá é a Mãe” já existia há quase quinze dias, na

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avenida da Governadoria, CAB.265 Pronunciaram-se os presidentes das ADs e deputados do

PDT, PCdo B, PFL, PMDB e PT (primeiro mandato do partido na assembléia legislativa),

com convocação para a primeira reunião da Comissão de Educação, tendo em vista que

nenhuma das representações partidárias se pronunciou contra. O documento foi produzido

“com a finalidade de registrar o evento que, apesar de sua importância, mereceu da imprensa

apenas 8 linhas em um jornal local,” além de apresentar as universidades à população baiana e

como são tratadas pelo governo.

Em boletim, a ADUFS listou os problemas dessa greve: pouca participação nas

atividades; confusão sobre ordem de prioridade na pauta, entre reajuste salarial e aprovação

do Estatuto; apoio total da imprensa ao governo; não ter percebido o “jogo de empurra-

empurra” do governo para desgastar a greve; pouco apoio dos estudantes; falta de recursos

financeiros da ADs.266

Um ano depois, professores da UEFS foram os únicos a deflagrarem outra greve, que

contou com o apoio da categoria das outras IES-BA. Essa foi, desde sua preparação, mais

desgastada devido a reclamações estudantis, pelo atraso no calendário, e negativas docentes,

pela não “efetividade” da anterior, no que dizia respeito ao atendimento da pauta de

reivindicações.

Provavelmente por não ter sido uma greve conjunta, aconteceram mais atividades em

Feira de Santana. Entre os dias 6 e 12 de abril, aconteceram dois debates sobre estatuinte com

os prof. Jerônimo Morais e Eloi Barreto, três assembléias, manifestação “Dia do Arrocho”,

“Dia da pintança” no asfalto da UEFS, Piquenique na Casa do Sertão, “Feira do Cacareco” no

MAP, debate com a Administração da UEFS, ato com panfletagem e pronunciamentos na

Sales Barbosa (ao lado do MAP), reunião ampliada com estudantes; assembléia. Para o ato do

dia 25 do mesmo mês, no MAP, o comando de greve lançou uma carta-convocação

endereçada também à comunidade feirense, expondo e criticando a resposta do governo em

não conceder aumento de salário a nenhuma categoria do funcionalismo do estado.

O trabalho de divulgação pelo país da recusa do governo de estado em negociar, teve o

apoio da ANDES, gerando documentos em solidariedade aos grevistas. Muitas entidades267

265 O acampamento ganhou esse nome depois da ofensiva do governador Waldir Pires na mídia, chamando os professores de “marajás” e o acampamento de “ócio remunerado” para justificar o não atendimento de parte da pauta. 266 “A greve das estaduais da Bahia”. Informativo da ADUFS, setembro de 1987, p.3. [Documentação ADUFS]. 267 As entidades foram: Associação dos Diplomados da UERJ (ADUERJ), Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco (ADUFEPE), Associação dos Docentes da Universidade Federal Fluminense (ADUFF), Associação dos Docentes da Universidade Federal de Goiás (ADUFG), Associação dos Docentes da Universidade Federal de Ouro Preto (ADUFOP), Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ADUFRJ), Associação dos Docentes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

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enviaram telexes e telegramas ao secretário do trabalho do estado, Antonio Carlos Barreto,

entre fins de abril e início de maio, todos com a seguinte mensagem: “Repudiamos política

arrocho salarial mantida pelo governo contra professores universidades estaduais Bahia.

Estamos solidários reivindicação de reposição salarial de 103, 13% correspondente perdas

março 86 fevereiro 88. Repudiamos intransigência governo Waldir Pires, responsável pelo

impasse.”

A greve se estendia desde 29 de março e, no fim do mês de maio, o governo cortou os

salários dos professores, que decidem continuar em greve, e ANDES lançou carta de repúdio:

“O fato, causou surpresa e indignação à comunidade universitária brasileira. Nem nos

períodos mais cruéis da ditadura se tem notícia do corte de salários de professores de

Universidades Públicas, em greve.”

Após o fim da greve, em 21 de junho, a ADUFS suspendeu os convênios com a rede

de supermercados Cupertino e plano de saúde Unimed, devido ao não pagamento dos salários.

Ainda assim, continuou-se em mobilização, tentando articulações com deputados para que

Estatuto do Magistério entrasse na pauta da Assembléia Legislativa, que o aprovou dia 30 de

junho. Reunidos em assembléia dia 01 de novembro, os professores decidiram não registrar os

conceitos nas cadernetas até pronunciamento oficial do governador, o que acarretou

cancelamento do semestre letivo.

O dissídio coletivo no funcionalismo público só foi possível a partir da Constituinte,

em 1988, quando essa categoria obteve direito de sindicalização. UEFS e UESB deflagraram

greve em junho de 1989, que teve como principal reivindicação a agilidade no julgamento do

dissídio, encaminhado duas semanas antes. Até aquela data, governo e IES-BA ainda não

tinham sido convocados para negociação.

Além disso, reivindicaram 137% de reajuste retroativo a março de 1989, melhores

condições de trabalho, respeito à autonomia universitária, repasse imediato das verbas já

aprovadas, eleições diretas para reitor. Em 28 de julho encerrou-se a greve, depois de o

governo ter firmado acordo garantindo do repasse parcial das verbas, de reajuste

“diferenciado correspondente ao IPC pleno do período acrescido de mais 15% a 20%” e

também o julgamento do dissídio coletivo pelo TRT, obrigando o governo a repor 41,25%

(ADUFFRJ), Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ADURN), Associação dos Docentes da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (ADUFEMS) Apropucc, Associação dos Docentes da Universidade Federal de São Carlos (ADUFSC), Associação dos Professores da PUC de Campinas (APROPUC), SINPRO-SSA, ANDES e Departamento Nacional dos Trabalhadores da Educação da CUT (DNTE-CUT).

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sobre o salário de abril de 1989. Com o não cumprimento de nenhuma das garantias já

citadas, os professores das duas IES-BA optaram pela “greve branca”.

Diretorias da ADUFS tensionavam para que a luta pela democracia através da luta

pela democratização das instâncias da UEFS fosse ponto prioritário nas pautas

reivindicatórias. Na greve de 1985, foram feitas denúncias a respeito do não envolvimento das

“autoridades universitárias” no processo de negociação com o governo João Durval. Na greve

de 1987, assembléia docente lançou moção de repúdio à Administração Superior da UEFS,

gestão de Yara Cunha, por ter lançado edital de concurso público para professor com base na

proposta de Estatuto do Magistério elaborada pela Secretaria de Educação, exigindo

revogação do mesmo.

Desde as eleições para governador em novembro de 1986, com posterior vitória do

“Governo da Mudança”, Waldir Pires (PMDB), o confronto dos professores da UEFS com o

governo estadual teve menos adeptos. Por conta disso, as discussões sobre eleições diretas

para o cargo de Reitor, no início de 1987, foram atravessadas pelo apoio ao “Governo

Democrático” e o candidato a reitor mais próximo do governo teria, decerto, os votos de boa

parte dos professores. Concorreram à reitoria Naidson Quintella, apoiado também pela

diretoria da ADUFS, e Yara Cunha, de forte ligação com o PMDB, tendo como vice Erivaldo

Fagundes Neves, que fora diretor da ADUFS de 1984 a 1986.

Em fins de março, Waldir Pires vetou as eleições diretas para reitor nas IES-BA,

decidindo por uma lista sêxtupla em vez da indicação de um único nome, o que, segundo o

próprio, causaria problemas para sua plataforma de governo. Diante disso, Naidson Quintella

declarou que as eleições na UEFS seriam diretas, ainda que não houvesse estatuto legalizando

o processo. Yara Cunha não deu opinião sobre a decisão do governador, dizendo que os

professores fariam eleições diretas e a decisão que seria adotada após isso “cabe a ele”.

Defendendo uma “administração participativa”, a candidata a reitora disse que só

aceitaria a nomeação pelo governador se tivesse a maioria dos votos. O vice-presidente da

ADUFS, José Carlos, disse que “quem representa a universidade em todos os níveis, inclusive

junto ao governador, é o reitor eleito pela comunidade, e não uma pessoa que representa o

governador dentro da universidade.” Em Assembléia Geral Universitária no início de abril,

estudantes, professores e funcionários decidiram pelo voto paritário.268

268 “Comunidade universitária frustrada com o veto à eleição direta para reitor”. Jornal Feira Hoje, 25 de março de 1987, p.3; “Yara afirma que somente aceitará a reitoria se vencer a eleição direta”. Jornal Feira Hoje, 03 de abril de 1987, p.3; “UEFS realizou a primeira assembléia universitária”. Jornal Feira Hoje, 08 de abril de 1987, p.3.

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No ano seguinte, a reitora Yara Cunha, mais votada pela comunidade acadêmica e

indicada pelo governador, convidou o mesmo para proferir a aula magna do primeiro semestre

letivo de 1988, gerando um ato de protesto estudantil e as críticas de professores, inclusive da

diretoria da ADUFS.269 Os professores que faziam greve contra Waldir Pires e a gestão de

Yara Cunha continuaram se confrontando. Durante a greve de 1988, uma nota do jornal

Tribuna da Bahia de 20 de abril, sob o título “Feirenses estão há quase um mês sem

universidade”, fala de um informativo lançado pela ADUFS, denunciando o “pouco caso” do

governo frente à greve, e da tensão política entre “boa parte do professorado politicamente

ativa” e a Administração Superior. Esta última estava acusando os grevistas de “minoria

inconseqüente e radical”. A nota rebate: “Minoria ou não, a corrente que domina a ADUFS

tem conseguido sempre êxito em seus movimentos grevistas, ainda que o retorno por parte do

governo não seja dos melhores.”

A ADUFS pensou a democracia não só dentro da universidade, mas na relação desta

com Feira de Santana. Em todas as greves, lançaram panfletos direcionados exclusivamente à

população da cidade. Em 1985, declararam: “A universidade é mantida com o dinheiro do

povo e o povo feirense merece uma universidade capaz de contribuir para o seu

desenvolvimento.” Nessa mesma greve foi lançada uma moção de apoio da Assembléia Geral

Permanente dos docentes à greve dos metalúrgicos da Metalomecânica: “solidariedade e total

e irrestrito apoio à luta que travam pelo atendimento das suas reivindicações.”

Quando se tratava de estreitar laços entre universidade e a cidade na qual estava, as

atuações da ADUFS na cidade aconteciam pontualmente. Em setembro de 1987, ADUFS,

DCE e ASSUEFS tentaram unificar a luta contra a “crise interna” da UEFS, através do

Subcomitê em defesa das universidades estaduais, cujo lançamento foi feito no centro da

cidade, na Câmara de Vereadores. Com palestra de Marco Antonio Pereira, dirigente da

Andes, “Política do governo para a universidade brasileira”, a intenção foi dar o pontapé para

discutir autonomia, gratuidade do ensino, melhores salários e condições de trabalho e

integração entre comunidade feirense e universitária – através da participação da população

na política educacional para a UEFS, fazendo com que esta última responda “às reais

necessidades das comunidades onde estão inseridas.”270

269 SANTOS, 2007, op cit, capítulo 2. SILVEIRA, 2010, op cit, capítulo 4. Nesse mesmo capítulo, a autora trata também da participação dos estudantes em outros movimentos junto com a ADUFS, inclusive greves dos docentes. 270 “Defesa das universidades estaduais”. Informativo da ADUFS, setembro de 1987, p.8. [Documentação ADUFS].

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Ainda que a ADUFS, enquanto entidade, não tivesse atuação constante no cotidiano

feirense, alguns de seus diretores estiveram empenhados em tarefas de organização dos

trabalhadores feirenses, a exemplo de Naidson Quintela, como já visto, e outros, que serão

citados à medida em que tratarmos das entidades às quais estiveram vinculados. Por hora,

vamos continuar falando sobre as greves setoriais em Feira de Santana.

2.7.4 – Metalúrgicos

Os metalúrgicos não tiveram sindicato local até 1988, quando conflitos entre setores

do PCdoB, fizeram com que a delegacia sindical de Feira de Santana se desmembrasse de sua

base territorial, Salvador.271

A delegacia sindical, subordinada ao sindicato de Salvador, era controlada pelo

PCdoB. Apenas em 1987 a sede decidiu comprar um carro para a sub-sede de Feira de

Santana, reconhecendo que não havia possibilidade de organização sem o mesmo.272 Em

1982, venceu uma chapa de coalizão contra os “pelegos”, formada pelo PT e o PCdoB. No

mesmo ano, temos notícia dos metalúrgicos pela primeira vez, através do Feira Hoje. A

fábrica Schrader fechou no CIS e foi transferida para São Paulo, demitindo cerca de 100

metalúrgicos. Manoel dos Santos, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos, e o vice, Jonas

Francisco de Souza, se reuniram duas ou três vezes com Colbert Martins, CIFS, CIS e 35º BI

para discutir a situação, denunciaram que a empresa se utilizou dos incentivos fiscais para

lucrar muito e depois voltar para São Paulo.

No início de 1984, Haroldo Santana Rocha denunciou demissões de metalúrgicos de

diversas empresas, para serem substituídos por estagiários, que recebiam menos. Essas

empresas também não mantinham a CIPA. Eram elas: Peterco, Jossam, Condugel, Laminação

Bahia e Retificadora Feirense.273 Em maio de 1985, cerca de 200 operários da

Metalomecânica, no CIS, participaram de assembléia no início de maio e deliberaram a favor

da greve, com as seguintes reivindicações: redução da jornada de trabalho, equiparação

salarial com a Engex, onde se realizava o mesmo trabalho, fornecimento de leite aos

encarregados da fundição, serviço médico satisfatório e melhorias nas instalações sanitárias.

A empresa, que tinha matriz em São Paulo, disse que só foram liberados os atendimentos às

271 PINTO, Ilberto Dias. Sindicalismo no Aço e no Ato: o discurso militante classista do boletim informativo O Metalúrgico do Sindicato dos Metalúrgicos de Feira de Santana (1988-2003). Feira de Santana: UEFS (Monografia de Graduação em História), 2010. 272 Livro de ata do Sindicato dos Metalúrgicos de Salvador. Reunião da diretoria plena, 24 de janeiro de 1987. 273 “Coluna Sindical”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.6.

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duas últimas “exigências”, em prazo de um mês. Dias antes da deflagração da greve foram

distribuídos panfletos.

Dois dias depois de deflagrada a greve (08) e com as negociações em andamento,

Ulisses Barbosa Filho, presidente do sindicato das empresas metalúrgicas, pediu ao presidente

do Sindicato dos Metalúrgicos da Bahia, José Rodrigues da Costa, que os operários

retornassem ao trabalho, recebendo resposta negativa. O diretor da Metalomecânica, Antonio

Liberato, disse que não haveria aumento, pois a indústria ia fechar as portas.

Foi formada uma comissão para organizar um fundo de greve, que contou também

com Messias Gonzaga (PMDB) e Antonio Ozzeti (presidente do PT local). A presença da

polícia ficou restrita à presença de uma viatura de plantão por dois dias. Com a greve dos

motoristas de transporte coletivos ocorrendo no mesmo momento, os grevistas foram à porta

da fabrica caminhando ou de bicicleta, mesmo os que moravam em bairros distantes. No fim

de semana, ficaram apenas os que estariam em serviço se não houvesse greve, cumprindo os

turnos da rotina de trabalho. Os salários foram pagos no sábado, dia 11 e no dia 14 soube-se

que o pedido da diretoria da empresa de julgar a ilegalidade da greve foi negado pela DRT.

No dia 13 entidades se reuniram a fim de decidir sobre o apoio às greves dos operários

da Metalomecânica, motoristas, despachantes e cobradores de transportes coletivos,

professores universitários e funcionários da EMATER-BA. Depois de ter-se deliberado pelo

apoio, com a presença e orientação de representantes dos grevistas das diferentes categorias,

foi decidido que haveria ajuda na divulgação para esclarecer a população dos motivos das

greves através: da orientação dos órgãos de comunicação e da produção de panfletos. Em um

panfleto divulgado, as entidades apoiadoras protestaram conta as atitudes de patrões e

governo, além de informarem que as greves são instrumentos legítimos de garantia de

melhores condições de trabalho. Também, decidiu-se pela realização de pedágios nas ruas e

outras ações para angariar dinheiro para as categorias que mais precisavam: metalúrgicos e

trabalhadores do transporte coletivo. As outras categorias declararam não necessitar de ajuda

financeira. Os apoiadores das greves foram: Sindicato dos Comerciários, SINCAVER, STR-

FSA, ADUFS, ADEFS,, Associação dos Trabalhadores em Construção Civil, Associação dos

Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação, Pró-CUT, ASTA, Associações de bairros da

Mangabeira, Rua Nova, Cidade Nova, conjunto João Paulo II, PT e PMDB.

Uma semana após o fim da greve (25), os operários da Metalomecânica denunciaram

oito demissões de colegas, ocorridas por represália, a coação sobre os que ainda estão no

emprego através de “pedidos” de demissão voluntária e o não cumprimento dos pontos de

pauta garantidos em negociação durante a greve. A direção do sindicato em Salvador

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divulgou nota entre os operários da empresa garantindo que a luta continua e que a categoria

em todo o estado estava reivindicando 40 horas semanais, reajuste trimestral e pagamento em

dobro do salário de férias.

As motivações para continuar fazendo greves se deram menos pelos ganhos materiais

das pautas e mais pela vontade política de insistir na greve como instrumento de luta. Os

tradicionais continuaram insistindo em não se indispor com os dominantes da cidade, ao se

recusarem a apoiar o confronto aberto causado pelas greves como forma de reivindicação.

Mesmo o Sindicato dos Bancários, que organizava greves da categoria quase que anualmente,

não se manifestava sobre greves de outros trabalhadores em Feira de Santana e, quando

entrevistado sobre as motivações para as greves de bancários, se remetia à pauta nacional de

reivindicações da categoria e não à situação dos bancários feirenses.

Porém, outras tantas categorias fizeram greves na cidade. E, em muitas delas, vemos a

presença de petistas-cutistas, seja através do apoio do PT e da Pró-CUT, seja através das

oposições sindicais, que se faziam presente no trabalho de articulação grevista também fora

de suas próprias categorias. O aumento na quantidade e constância das greves setoriais tem a

ver com a rede de solidariedade local e nacional insistentemente tentada pela CUT e que, em

muitos momentos, tinha o apoio da população. Sindicatos disponibilizaram suas sedes para

reuniões de organização de diversas greves e outras manifestações vistas neste capítulo.

Militantes de diversas categorias viabilizaram impressão de panfletos para divulgação dos

movimentos, além de estarem presentes nas panfletagens, pedágios e nas rádios. A maioria

dos petistas-cutistas realizava mais de uma atividade militante simultaneamente. Eles foram

minoria durante toda a década de 1980, mas o esforço na construção da unidade de classe os

fez se multiplicarem, contrapondo forças políticas que persistiam defendendo a tradição de

luta vigente até ali.

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CAPÍTULO 3

Lutas pela classe

Elizio Santa Cruz, em seu depoimento, falou que, depois da greve geral de 1986,

formou-se uma “nova consciência de classe” dos trabalhadores feirenses.274 Para que greves

vitoriosas fossem viabilizadas, seria necessário conquistar os sindicatos para transformá-los

em entidades que representassem os trabalhadores institucionalmente e educasse

politicamente os mesmos para a participação direta, sem porta-vozes que não fossem os

próprios trabalhadores. Para uma articulação plena dos sindicatos, seria preciso uma Central

que os integrasse e estabelecesse diretrizes para a luta em todo o país, unificando a classe

nacionalmente.

Nessa visão, a formação de outra consciência de classe dos trabalhadores era parte da

disputa pela hegemonia da classe trabalhadora. Para que esta se formasse, deveria haver

mudanças na prática organizativa dos trabalhadores feirenses. Conquista de sindicatos, greves,

centrais sindicais e jornais alternativos, foram instrumentos de luta defendidos pelos petistas-

cutistas.

Neste capítulo, veremos como os objetivos do novo sindicalismo em Feira de Santana

esbarraram na experiência da classe trabalhadora, calcada em uma tradição organizativa que

não primava pelo confronto aberto, ainda que não o recusasse. A tentativa dos petistas-cutistas

de abrir flancos nessa experiência será tratada aqui através de duas frentes de luta que foram

mantidas até o início da década de 1990: as oposições sindicais e a Pró-CUT. Na última seção

deste capítulo, veremos os petistas-cutistas e o MOC compondo outra frente de luta

reconhecida como importante à época: a imprensa popular.

3.1 – Oposições sindicais

As oposições sindicais compunham parte importante do processo de luta por

autonomia de classe defendido pelo novo sindicalismo: tirar o controle da máquina sindical

das mãos dos “pelegos” para fazer de cada sindicato uma organização por categoria para

274 Depoimento de Elizio Santa Cruz. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.

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viabilizar suas demandas, a fim de que os trabalhadores aprendessem a disputar o poder e não

se subordinassem a quem o monopolizava.

Porém, a história das oposições sindicais em Feira de Santana não será contada pelo

processo de conquista dos sindicatos e sim pelas contínuas tentativas, porque em nenhum dos

sindicatos tradicionais da cidade os petistas-cutistas venceram eleições para diretoria. Foi o

novo sindicalismo acontecendo sem alcançar um de seus objetivos básicos: a tomada dos

sindicatos das mãos dos “pelegos”.

A primeira tentativa organizada de contraposição aos sindicatos tradicionais se deu no

I ENCLAT, em 1983, quando uma das linhas de ação visava incentivar a formação de

oposições onde houvesse “pelegos” na direção do sindicato. Como visto no capítulo anterior,

da Comissão Intersindical composta nesse encontro fizeram parte bancários, comerciários e

taxistas, que deveriam ser nomeados em assembléia organizada pela categoria, pois os

sindicatos dessas categorias não compareceram ao encontro. Ainda que não tenhamos

informações sobre a viabilização de tal deliberação, o texto final do encontro deixa claro o

lugar atribuído aos ausentes: junto aos patrões e o governo Figueiredo, que teimavam em

sustentar a ditadura. Começava ali um embate que se estenderia por quase dez anos.275

No ano seguinte, o Encontro Municipal do PT de Feira de Santana, deliberou pela

formação de oposições sindicais como prioridade.276 Em que pese essa tomada de posição e as

críticas constantes às direções tradicionais, expressas em momentos de mobilização e em

textos n’O Grito da Terra, apenas na segunda metade da década as oposições se mostraram

com força numérica e, também por isso, qualitativamente capazes de concorrer às eleições

para, pelo menos, dois dos maiores sindicatos da cidade: bancários e comerciários. Isso tem

estreita relação com o aumento no número de greves setoriais, quando as oposições ajudavam

no convencimento para a greve ou, pelo menos, disputavam a condução da mesma.

A polarização das apropriações/opiniões a respeito das greves se deu também pela

presença das oposições sindicais nestas, o que demonstra uma mudança na disputa pela

confiança dos trabalhadores. Os tradicionais tiveram que disputar no campo do adversário, já

que a correlação de forças pendia para o conflito aberto, através da desqualificação da greve

como instrumento da classe trabalhadora, dizendo que esta era usada para fins políticos-

partidários, alheios à classe. Essa também era uma disputa partidária entre PMDB, PT e

PCdoB.

275 Resoluções do I ENCLAT, p.7. [Acervo ADEFS/LABELU]. 276 SANTOS, 2007, op cit, p.202.

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Igor Santos fala da participação de petistas na formação de algumas oposições

sindicais, através da disputa partidária embutida ali, com acusações por parte dos diretores dos

sindicatos de que as oposições estavam a mando de partidos e nada tinham a oferecer aos

trabalhadores, que já os tinha como líderes.277 A nós interessam as oposições dentre os

sindicatos escolhidos para a análise. No Sindicato dos Metalúrgicos, houve tentativa de

aproximação nas eleições de 1982, cuja chapa foi composta por PT e PCdoB (aqui na cidade,

o candidato a delegado sindical da chapa era Haroldo Rocha, do PCdoB). Porém as disputas

pelo sindicato se deram mais entre correntes internas do PCdoB. Em 1988, a delegacia

sindical da cidade rompeu com o Sindicato dos Metalúrgicos de Salvador e fundou o

Sindicato dos Metalúrgicos de Feira de Santana. A relação com os petistas-cutistas,

aparentemente, se restringiu a apoio mútuo em algumas greves.278

No SINCAVER não houve oposição petista-cutista, ainda que fosse um dos sindicatos

mais criticados por eles. Orlando Abreu, posteriormente técnico agrícola e membro da Pró-

CUT, foi taxista e tentou organizar uma oposição. Porém, as oposições sempre foram ligadas

a forças ainda mais conservadoras que o PMDB (partido ao qual Liomar Ferreira era filiado),

aliadas ao PDS. Essa não inserção dos petistas-cutistas entre os taxistas tem a ver, certamente,

com o fato de que constituem uma categoria não assalariada, além de Liomar Ferreira parecer

assumir o papel de patrão. José Rocha disse que, quando era taxista, tentou participar de uma

chapa de oposição, mas foi perseguido pelo sindicato, que boicotava a vistoria do seu carro. O

próprio SINCAVER controlava a vistoria dos carros e outros procedimentos ligados à

profissão.279

A Oposição Bancária, como dito no capítulo anterior, começou a ganhar força depois

da greve dos bancários de 1985. A primeira vez que concorreram às eleições foi no ano

seguinte. Em maio lançaram um boletim convocando a categoria para as eleições que

ocorreriam já naquele mês, onde concorriam duas chapas. Este boletim se dirigiu aos

funcionários do Bradesco que, “por motivos de pressões”, não puderam compor a chapa de

oposição. O boletim declarou disse que o sindicato deveria representar todos, ainda que estes

não estivessem representados na direção do mesmo. Ainda, publicaram matéria, sob o título

de “Imobilismo ou trabalho autêntico”, analisando a presença de Eliezer Ferreira como diretor

do sindicato há 12 anos: ele era gerente administrativo do Baneb e havia ido aos EUA para

277 SANTOS, 2007, op cit, p.202 et seq. As oposições sindicais analisadas pelo autor foram as das seguintes categorias: comerciários, bancários, condutores autônomos, motoristas rodoviários e professores municipais e estaduais. 278 “Pelego pode cair (cresce a oposição Sindical Metalúrgica)”. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1982, p.6. Depoimento de Elizio Santa Cruz, op cit. PINTO, 2010, op cit. 279 Depoimento de José Rocha, op cit.

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fazer um curso na “ultra-reacionária Central Sindical AFL/CIO”, que apoiou ditaduras na

América Latina e também a Guerra do Vietnam. Além de ser autoritário, colocou em sua

chapa pessoas que ocupavam cargos de confiança em bancos, assim como ele.280

O presidente da chapa que produziu o boletim foi José Cruz, então petista, mas que já

tinha sido do PCdoB. Porém, José Cruz havia começado anos antes o seu trabalho de

oposicionista. Assinou um texto em uma edição d’O Grito da Terra de 1983, criticando o

sindicato por só se preocupar com a sede recreativa, enquanto trabalhadores de bancos estatais

perdiam direitos conquistados.281

Posteriormente, José Cruz se retirou e os militantes da oposição sindical que eram do

PCdoB se aliaram à diretoria nas eleições de 1989, inclusive compondo a chapa. É importante

notar que essa decisão de parte da oposição sindical bancária teve a ver com a crescente

articulação do PCdoB em sindicatos de Feira de Santana, a exemplo dos recém fundados

Sindicato dos Metalúrgicos e APLB-Seção Feira de Santana. Também, o partido havia

decidido se filiar à CUT.

A Oposição Comerciária concorreu às eleições do sindicato a partir de 1985.282 Antes

disso, a primeira oposição a Délcio Mendes foi em 1984, com uma chapa encabeçada por

Eduardo Teles, em uma coalizão PT-PMDB. Porém essa chapa não chegou a disputar as

eleições, que foram canceladas por irregularidades na chapa candidata à reeleição.283 Note-se

que apenas a referida chapa estava irregular. Ao ser lançado novo edital, o PMDB desistiu de

concorrer às eleições. O PT declarou que a ala do PMDB à qual Délcio Mendes pertencia

pressionou os correligionários a não se inscreverem.284

Em outubro de 1986, a Ação Sindical Comerciária lançou um comunicado falando

sobre o Dia do Comerciário: “como é que podemos comemorar o nosso dia apenas tomando

cervejas, participando de Maratona, torneio, concurso, fazendo festa, quando hoje de verdade

deveria se um DIA DE LUTAS [...] Cadê as vitórias?! Se tudo que foi aprovado pelo

presidente do Sindicato já estava na lei e simplesmente nunca foi respeitado e nunca vai ser

enquanto temos uma direção do Sindicato como esta.”285 Esse apelo faz parte do que dissemos

no capítulo anterior, sobre a retomada do 1º de Maio como dia de luta e não só de

comemoração.

280 Opção Sindical. Boletim da Oposição Bancária. Maio de 1986. [Acervo ADEFS/LABELU] 281 “O pacote e os trabalhadores das estatais”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1983, p.6 282 Começaram como “Ação Sindical Comerciária”, em 1986 e em 1987 eram “Movimento Comerciários em Luta”. 283 “Eleição do sindicato dos comerciários vai parar na justiça”. Jornal O Grito da Terra, abril de 1984, p.10. 284 SANTOS, op cit, p.206. 285 Ação Sindical Comerciária. O Pique. 1986. [Doação de Anna Kaufman]

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141

Na eleição de 1987 o PT ainda tentava aproximação com o Movimento Comerciários

em Luta, que tinha como figura mais expressiva Anna Kaufman, militante da Juventude

Operária Católica (JOC). O panfleto de divulgação da chapa trazia os nomes sem os cargos,

fazendo a seguinte provocação: “Qual deles é o presidente? Quem vai responder, vencendo a

chapa 2, serão os próprios comerciários, em assembléia.”286 O Movimento Comerciários em

Luta tinha fortes relações com a CUT, defendendo a filiação do sindicato a esta, e contava

com um militante do PT em sua chapa, Miguel dos Santos Cerqueira.

Nessas eleições concorreram mais duas chapas. Uma composta por militantes do

PCdoB e a outra, uma dissidência da atual diretoria mais alguns empresários. Délcio Mendes,

por seu turno, armou-se ainda mais do que nas eleições de 1984. Começou por pagar a

dezenas de mulheres, chamadas pelo Feira Hoje de “delcetes”, para distribuir panfletos da sua

chapa.287 No dia das eleições, as urnas circularam por todo o comércio, para facilitar a

votação, segundo Délcio, e Liomar Ferreira fez boca de urna. Anna Kaufmam denunciou os

dois fatos ao jornal Feira Hoje, mais a demissão de Rafael Bispo dos Santos, funcionário do

supermercado Cupertino, por ter aceitado compor a chapa.288 Mais uma vez, Délcio Mendes

ganhou as eleições.

Em todas as eleições as chapas de oposição denunciavam fraudes por parte das

diretorias que concorriam à reeleição. As visitas à justiça do trabalho eram constantes, mas as

oposições sindicais sempre faziam a ressalva de que a justiça do trabalho não era neutra e,

certamente, daria causa ganha às diretorias, ou impugnariam todo o processo eleitoral, para

que as oposições tivessem de rearticular sua chapa. Também, reclamavam da falta de

conhecimento das leis por parte dos trabalhadores. Isso seria ruim não só nos momentos de

reivindicação frente aos patrões, mas também na luta entre seus pares, como é o caso das

eleições para sindicatos.289

Em 1990, quando deveriam ser realizadas novas eleições, Délcio Mendes saiu

recolhendo assinaturas de comerciários em lojas e no clube recreativo da categoria para que o

estatuto fosse mudado, ampliando o tempo da gestão para quatro anos. Santos diz que essa

estratégia foi utilizada pelo temor da vitória da oposição, que não tinha parado seu trabalho

político entre os comerciários desde 1987. Por outro lado, com o aumento no número de 286 Movimento Comerciários em Luta. Sem data. [Doação de Anna Kaufman] 287 “Delcetes”. Jornal Feira Hoje, 05 de junho de 1987, p.2. 288 “Confusão, queixas e poucos votos entre os comerciários”. Jornal Feira Hoje, 11 de junho de 1987, p.3. 289 Experiência de Ação no Comércio de Feira de Santana – Bahia. Movimento Comerciários em Luta. 1990. [Doação de Anna Kaufman]. Em outros casos, as disputas eleitorais tinham desdobramentos posteriores, como o da eleição do STR de Monte Santo, Bahia, onde foi organizado um seminário sobre Direito Sindical. Cf. AATR – BA. Direito sindical: uma discussão com vistas à eleição do sindicato. Cadernos do CEAS, Salvador, nº 101, março/abril de 1986, pp. 54 a 59.

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greves, os militantes se desdobravam entre o trabalho junto aos seus pares e o apoio a outros

trabalhadores.290

Os embates das eleições de junho de 1991 começaram no mês anterior. Délcio Mendes

se negou a dar informações sobre sua chapa e sobre o quadro de associados do sindicato à

chapa concorrente, que tinha José Rocha como candidato a presidente. À época, Délcio

Mendes era diretor do CSU, assessor do gabinete do prefeito Colbert Martins e vogal da

Justiça do Trabalho. Ao contrário disso, era desconhecido seu vínculo empregatício enquanto

comerciário.291

O mês de junho foi de grande agitação, com a mobilização de todo o campo cutista do

sindicalismo feirense e boa parte dos sindicatos cutistas de Salvador, não só com apoio

material, mas deslocamento de militantes para a campanha e para os três dias de eleições. O

PCdoB, que já estava filiado à CUT, também apoiou os Comerciários em Luta, nome da

chapa de oposição. Délcio Mendes usou todo o seu poder de articulação contra a chapa de

oposição, garantindo que as urnas ficassem guardadas no sindicato. A oposição foi derrotada,

dessa vez, com evidências ainda mais fortes de fraude nas eleições: Délcio Mendes ganhou

em apenas uma urna, a que ficou todo o tempo no sindicato e a onde eram vistas pessoas

desconhecidas, muitas chegando em carros conduzidos por pessoas ligadas à prefeitura. No

ano seguinte, José Rocha foi demitido da Lojas Brasileiras, algum tempo depois do

Movimento Comerciários em Luta ter se desarticulado. A vitória da oposição nas urnas, pelo

número de votos, não havia se revertido em consolidação do grupo oposicionista.292

As propostas das chapas de oposição dos comerciários e bancários durante as eleições

não excluíam as utilizadas pelos tradicionais – assistência médica, odontológica e jurídica – e

incorporavam outras ligadas à democracia e dinamização do sindicato. Também, propunham

coletivizar problemas até então encarados como “individuais”, ou “menores”, a exemplo da

condição da mulher trabalhadora: os bancários propuseram construir uma creche para

diminuir as demissões de mulheres grávidas; os comerciários denunciavam constantemente a

recusa de vagas para mulheres que não fossem solteiras e a “revista corporal” para prevenir

roubos, mediante a retirada de toda a roupa, inclusive íntima.293

290 SANTOS, op cit, p.217-218. 291 “Chapa de oposição enfrenta Délcio Mendes na Justiça”. Jornal Feira Hoje, 30 de maio de 1991, p.3. 292 SANTOS, op cit, p.218-219. “Eleição dos comerciários termina em clima de tensão”. Jornal Feira Hoje, 22 de junho de 1991, p.4. 293 Movimento Comerciários em Luta. Boletim da Oposição Sindical Comerciária em Feira de Santana. Abril de 1987. [Doação de Anna Kaufman]. Opção Sindical. Boletim da Oposição Bancária. Abril de 1986. [Acervo ADEFS/LABELU]

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As oposições sindicais também se uniram para produzir um panfleto que ajudasse na

educação política do trabalhador feirense. Em uma pequena folha, de 1988 ou 1989,

oposições comerciária e bancária e a Pró-CUT falam da “luta dos trabalhadores”, com uma

conversa entre três personagens, se expressando através de balões, que demonstra de forma

resumida o processo de “tomada de consciência” da condição de explorado. Depois de

reclamações a respeito do congelamento dos salários, e não dos preços, da constituição que só

funcionava “no papel” e da reprodução do argumento de aumento de desemprego mediante

aumento dos salários, um personagem que representa um militante sindical diz que para

deixar de “ser enrolado”, é preciso entender a realidade e a sociedade. Segue-se uma fala

sobre a divisão da sociedade em duas classes, burguesia (proprietários) e trabalhadores e, por

fim, a constatação dos outros dois personagens: por conta dos interesses distintos, não se deve

confiar na burguesia e “eu pensava que bastava a constituinte; bastava trocar Sarney... Agora

não! Entendo que a gente tem que lutar como classe; no sindicato; no bairro; temos que nos

unir...”.294

As oposições sindicais disputavam não só os cargos da direção sindical, mas a própria

concepção de sindicato. Queriam ampliar a possibilidade de um sindicalismo “combativo” e

“de bases” tornando-se diretorias e “neutralizando” as ações dos “pelegos históricos”. Os

candidatos à reeleição prometiam continuar “a favor dos sindicalizados” mantendo sede

recreativa e serviço odontológico. Já a oposição sindical tentava marcar diferença dizendo que

manteria a “assistência social e recreativa” dos trabalhadores e, além disso, propunha uma

gestão sindical que não servisse aos interesses dos patrões e sim que os enfrentasse. Isso nos

mostra que a tentativa de construção de novas práticas militantes não descartava

completamente as já consolidadas, mesmo que as criticasse.

Porém, o reconhecimento de que os trabalhadores feirenses não abririam mão do

chamado assistencialismo não foi suficiente para que as oposições tomassem os sindicatos. As

eleições eram, comumente, fraudadas e/ou os tradicionais contavam com a ajuda da DRT para

que a chapa de oposição não se inscrevesse. Mesmo assim, o ainda grande número de votos

para os tradicionais e os votos na oposição que não se revertiam em militância na oposição

sindical pode ser explicado também pelas constantes ameaças sofridas pelos trabalhadores e,

talvez, pelo não estabelecimento de uma relação de confiança com as oposições sindicais.

294 Comissão Pró-CUT Regional de Feira de Santana, Oposição Comerciária, Oposição Bancária. Luta dos Trabalhadores. Feira de Santana, s/d. [Doação de Anna Kaufman]

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3.2 – Pró-CUT

A Pró-CUT foi criada entre 1985 e 1986, tendo seu I Encontro realizado,

provavelmente, em setembro de 1986. Em 1990, quando se preparava o congresso de

fundação da CUT Regional de Feira de Santana, a proposta de “abrangência geográfica”

continha 38 municípios, que vão do “alto sertão”, a exemplo de Quijingue, até o recôncavo,

com Santo Amaro, incluindo parte sul do recôncavo, com Sapeaçu.295 Entretanto, os

sindicalistas tradicionais de Feira de Santana se posicionaram acerca da CUT mesmo antes de

sua fundação.

Foi realizado o I Encontro Regional de Sindicalistas Urbanos e Rurais, no final de

maio de 1983, promovido pela FNT em Feira de Santana para “estimular a luta pela

construção do socialismo – um socialismo novo, diferente dos modelos importados,

autogestionário e não violento”, disse o metalúrgico Edmundo Santos, presidente da entidade.

Segundo ele, o encontro discutiu a dependência dos sindicatos ao Ministério do Trabalho,

devido à legislação ainda vigente, e a formação da CUT. Sobre esta última, constatou-se que a

“divergência ideológica” – que se dava apenas entre os “militantes” e não nas “bases” –

estava atrapalhando o movimento: de um lado, os “pelegos” não queriam participar, pois não

poderiam continuar “manipulando” os trabalhadores e, de outro lado, os “combativos” não

estavam conseguindo levar a proposta da CUT às “bases”, como era seu intento.

A saída encontrada para a superação dessas divergências, ainda segundo Edmundo

Santos, se daria em três partes: i) as entidades discutiriam com os trabalhadores o significado

da CUT, colhendo opiniões sobre “seu papel na sociedade”; ii) seria iniciada uma prática

solidária a partir de “lutas concretas”, sugerindo-se as manifestações contrárias às expulsões

de famílias, causadas pela barragem de Pedra do Cavalo; iii) as entidades informariam à FNT

sobre lutas de trabalhadores e esta prepararia um boletim, a ser distribuído em todas as

entidades.296

No caso aqui apresentado, a FNT já havia explicitado todo o processo que faria dela a

organizadora da classe trabalhadora. Essa foi uma das maneiras de criticar o processo de

fundação da CUT. Vemos uma atitude que foi incomum após a radicalização do movimento

cutista e a polarização entre “pelegos” e “combativos”: falas amenizadas pelo argumento de

que era necessária uma ampla discussão com os trabalhadores antes da decisão de fundar uma

295 Comissão Pró-CUT Regional de Feira de Santana. Convocatória para o Congresso de Fundação da CUT Regional de Feira de Santana. Feira de Santana, 18 de setembro de 1990. [Acervo Gerinaldo Costa/LABELU] 296 “Sindicalistas participam de encontro”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1983, p.5.

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Central. Não houve rejeição imediata à CUT. Esta só se deu no seu processo de constituição,

ao longo das disputas pra fazer valer seus objetivos.

Outra forma de discordância com a fundação da CUT partiu dos sindicatos

tradicionais, e do STR-FSA que, como vimos, era tensionado constantemente pelas forças

políticas locais. À época das articulações para a convocação do congresso de fundação da

CUT Nacional, alguns sindicatos se reuniram para discutir a criação de uma “Central Sindical

a nível local”. Da reunião, ocorrida na sede do sindicato dos bancários, participaram Délcio

Mendes (Sindicato dos Comerciários), Liomar Ferreira (SINCAVER), José Cassiano e Pedro

Pio (STR-FSA), Paulo Cézar (Delegacia da Sintelba) e mais diretores de quatro bancos:

Bamerindus, Mercantil e Banco do Brasil. Eliezer Ferreira (Sindicato dos Bancários),

declarou: “É de grande necessidade obedecermos a uma voz, unida, porque a desagregação de

um povo em várias categorias fraciona o potencial deste próprio povo, que se torna imobilista,

passivo, omisso e facilmente manipulável.”297

A troca de “trabalhadores” por “povo”, e a formação de uma “central local” dizem

algo sobre que tipo de união se pretendeu nessa reunião. Os laços estabelecidos pelos

tradicionais os levavam a criticar os métodos de lutas defendidos pelos petistas-cutistas e a

não se articularem com trabalhadores de fora da cidade. Ainda assim, esse momento indica

uma tentativa de flexibilização da prática dos tradicionais, mediante percepção do poder

gregário que a CUT vinha desenvolvendo. O que antes poderia ser resolvido apenas entre a

diretoria de cada um e o poder público municipal (ou sociedade política), se ampliou para

abranger formas de colaboração deste último com mais de uma entidade de trabalhadores.

A CUT seria o órgão que viabilizaria a articulação entre sindicatos de diferentes

categorias que, nas suas bases e representações, contribuiriam para a unidade da classe

trabalhadora. Porém, para que tal proposta ganhasse capilaridade entre os trabalhadores

feirenses, teria que passar pelo sindicalismo tradicional da cidade. Além do Dia Nacional de

Luta contra o Desemprego, em 1981 (ainda enquanto Comissão Pró-CUT Nacional), visto no

capítulo anterior, outra proposição da CUT para a cidade de Feira de Santana também

esbarrou nos tradicionais. No ano seguinte, foi organizado pela Comissão Pró-CUT Nacional

o Dia Nacional de Luta contra o Pacote da Previdência. Quando o Feira Hoje ainda expunha

apenas as opiniões dos tradicionais, Délcio Mendes e Eliezer Ferreira disseram, mais uma

297 “Representantes dos sindicatos feirenses, reúnem-se”. Jornal O Bancário, fevereiro de 1984, p.3. Grifo nosso. É provável que o diretores a quem o jornal se refere sejam, na verdade, diretores sindicais junto aos bancos.

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vez, que não houve mobilização na cidade, que eram a favor da luta e desejaram boa sorte aos

“sindicatos sulistas”.298

Os embates com os tradicionais continuaram. A Pró-CUT se fez presente em apoios a

greves setoriais e manifestações diversas, em greves organizadas por sindicatos de diretorias

cutistas, na organização das greves gerais e dos 1ºs de Maio. Como não havia se

institucionalizado, atuou nesses espaços, buscando a unidade sindical, bem como a filiação

dos sindicatos à Central. Nesse sentido, destacaremos as greves gerais e a disputa pela filiação

de sindicatos como dois campos de atuação em que a Pró-CUT insistiu, desde sua fundação

na cidade até a sua dissolução, a partir de 1991. As prováveis razões para a Pró-CUT não ter

saído do seu estado de “Comissão Pró” serão apontadas aqui.

3.2.1 – A Pró-CUT nas greves gerais

Quase todas as greves gerais propostas pela CUT Nacional no período estudado foram

realizadas em Feira de Santana: 1986, 1987, 1989, 1990 e 1991. A única greve geral não

levada a cabo foi a de 1983, convocada pela Comissão Pró-CUT Nacional. Délcio Mendes

declarou-se favorável a essa greve, fazendo a ressalva de que o medo do desemprego inibia

trabalhadores feirenses a participarem. Porém, dessa vez, outras representações foram ouvidas

pelo Feira Hoje. Haroldo Rocha (PCdoB), dirigente da delegacia local do sindicato dos

metalúrgicos criticou os “sindicatos com maiores associados” – em uma referência aos

sindicatos tradicionais – por não mobilizarem estes e disse que estava tentando articular

categoria à qual pertencia, mas fez a ressalva: “o pessoal aqui é muito acomodado.”299

Declarou ainda que havia divergências entre os sindicalistas feirenses com respeito à greve

geral, provavelmente se referindo à acusação corrente do PCdoB que o PT teria atropelado o

processo de construção conjunta de uma central sindical para criar a CUT.

O presidente do PT, Antonio Ozzetti, disse que o partido e alguns sindicatos se

reuniram, mas que não havia mobilização suficiente para uma greve geral. Assim como

Haroldo Rocha, criticou os sindicatos maiores da cidade, mas nomeou-os: bancários e

comerciários, que estavam se preocupando mais com o assistencialismo.

Antonio Ozzetti teve de lidar, durante a pequena entrevista feita pelo jornal, com um

argumento contrário às greves que foi constante na década de 1980: as greves são “políticas”

e não “reivindicativas”. Respondeu dizendo que “existem vários graus de politização de uma

298 “Sindicalistas não aderem ao protesto contra a Previdência”. Jornal Feira Hoje, 12 de março de 1982, p.3. 299 “Greve geral divide sindicalistas”. Jornal Feira Hoje, 19 de julho de 1983, p.4.

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greve”. Aquela, que se estava tentando construir, era contestação à política econômica do

governo e qualquer feirense tinha uma reclamação a fazer sobre preços ou salários. Arrematou

com polarização entre os que defendiam a greve como forma de luta e os outros que, ao

criticarem a greve, estavam defendendo conciliação com o governo. Ainda, disse que para

situação mudar de rumo, seria necessário que os sindicatos fossem “reformados” e que

existisse uma “comissão intersindical” na cidade, objetivos que estavam sendo perseguidos

pelo seu partido.300

Um salto três anos à frente nos permite ver a primeira greve geral realizada na cidade.

Tal greve se constituiu em um dos grandes momentos na história do mundo do trabalho

feirense, quando houve uma ampla articulação que excedeu os limites das categorias

profissionais específicas.

Dia 12 de dezembro de 1986. Uma data histórica. Uma data histórica para os trabalhadores de todo o Brasil. Pela primeira vez, em torno das necessidades básicas de todo o povo, por alimentação, saúde, educação e moradia, entre outros direitos, os serviços em muitas capitais e cidades do interior do país pararam por 24 horas. A Bahia, a Paraíba, Goiás e Rio Grande do Norte foram a vanguarda do Dia Nacional de Greve contra o “pacotaço” do Cruzado II. O ABC, zona de maior concentração da indústria pesada no Brasil, por sua importância dentro da economia do país, foi outro pólo de ação de grande significado no protesto dos trabalhadores brasileiros. Nas capitais desses estado e no ABC paulista (São Bernardo do Campo, Santo André e São Caetano), a paralisação de protesto foi de quase 100 por cento. Uma coisa que nunca aconteceu antes no Brasil, uma manifestação ainda mais expressiva que os comícios pelas eleições diretas, em torno de uma exigência fundamental desse nosso povo que se levanta: dirigir seu próprio destino.301

O trecho citado demonstra a importância que teve a greve na Bahia, para as

organizações de trabalhadores que defendiam a “combatividade”: tanto por se conseguir uma

boa organização, quanto por se reconhecer como importante, sendo que as atenções à época

estavam voltadas para São Paulo.

Em Feira de Santana, a preparação da greve se constituiu de reuniões com diferentes

entidades e, simultaneamente, assembléias setorizadas para deliberar a participação ou não

das categorias no dia 12 de dezembro. Participaram os comerciários e bancários, através da

atuação das oposições sindicais, e o Sindicato dos Engenheiros, dos Metalúrgicos, dos

300 “Presidente do PT diz que não há mobilização: greve”. Jornal Feira Hoje, 20 de julho de 1983, p.3. 301 CUT – Bahia e CGT – Bahia. Jornal da Greve. Salvador, 13 de dezembro de 1986. [Acervo Gerinaldo Costa/LABELU]

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Eletricitários, dos Rodoviários, SINPRO, STR-FSA, SINCAVER; além das associações dos

Borracheiros, Arquitetos, Técnicos agrícolas, Construção Civil, Fiscais do Trabalho, ADUFS,

MOC, SIM e ainda PCB, PCdoB, PT e PMDB. A participação do MOC e do SIM não se

repetiram nas outras greves gerais.

Houve assembléias setorizadas para discutir a greve e, a menos de dez dias da greve,

os Sindicatos dos Comerciários, Bancários e SINCAVER declararam no Feira Hoje que na

cidade provavelmente não haveria adesão. Os funcionários da EMATER-BA fizeram uma

paralisação de advertência ao governo do estado às vésperas da greve geral, alertando para o

reajuste salarial. No dia da greve, a prefeitura cedeu, a pedido do sindicato dos comerciários,

segundo o jornal, palanque e sonorização, apesar do prefeito José Falcão ter achado que a

greve “não é a solução”. Prefeitura iria funcionar apenas se os funcionários quisessem

comparecer, sem punição a quem faltasse, garantiu o prefeito.

Marialvo Barreto, do SINPRO à época, disse em entrevista sobre a greve de 1986: “A

greve não era um fato muito conhecido, tanto que os próprios patrões não sabiam o que fazer,

a ponto de permitir a gente entrar no estabelecimento.” Certamente, a falta de mobilização dos

comerciários contribuiu para essa confusão entres os patrões, que eram comerciantes, visto

que a greve percorreu o comércio.

Passaram-se apenas três anos e podemos notar a diferença de duas notícias. A primeira

tinha por objetivo mostrar as posições do PMDB, PCdoB e PT sobre a possibilidade de uma

greve geral em 1983. A segunda, em 1986, mereceu páginas com fotos e declarações de

diversos sujeitos, além da preocupação do jornal em noticiar tudo que era possível.

Diante do questionamento sobre quais mudanças ocorreram para que isso fosse

possível, podemos dizer que a resposta veio antes da pergunta. Pensamos que as greves

setoriais, também organizadas ou apoiadas pela Pró-CUT, promoveram as modificações que

tornaram possível a organização da greve geral de 1986. Mas não porque foram

“cumulativas” ou serviram de “degraus” e sim porque se constituíram em formas de aprender

a lidar com medidas governamentais que lhes atravancavam a vida. Em 1986, muitos

trabalhadores estavam mais familiarizados com o ato grevista enquanto luta mais direta dos

trabalhadores, sem esperar que o sindicato para fizesse por eles. As greves gerais foram

organizadas a partir da própria demanda dos trabalhadores, expressa nas greves setoriais.

A Pró-CUT marcou a greve geral de 1986 como um momento decisivo para a

conscientização política dos trabalhadores feirenses no que se referia ao seu poder de

mobilização. Na convocação para a greve geral de agosto de 1987, a Pró-CUT lançou uma

cartilha, onde são relatados resumidamente, em quadrinhos, os passos da greve de 1986:

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quando e como se reuniram as entidades, o papel da imprensa, dos sindicatos “pelegos” e

como foi o dia 12 de dezembro. A cartilha traz, ao final, “a lição que tiramos”:

1. Não acreditamos jamais neste Governo que desmente na nossa cara a nossa própria greve.

2. Os patrões e o governo reprimem as mais justas reivindicações dos trabalhadores com a polícia e o exército a exemplo do que aconteceu no Rio e S. Paulo.

3. Perdemos o medo de fazer greve. A greve é a arma dos trabalhadores.

4. Desmascaramos os dirigentes sindicais pelegos (que só no reboco participaram da greve).

5. Cada trabalhador tem uma importância muito grande na realização e construção de uma greve. Você já conversou sobre isso com seu colega de trabalho?

6. Precisamos melhorar ainda mais a nossa organização. 7. É importante a luta de todos os trabalhadores contra

todos os patrões.302

Todos esses pontos se referem aos objetivos do novo sindicalismo que, ao estabelecer

clara distinção entre dominantes e dominados, tentava criar identidade entre esses últimos.

Também, denunciavam os trabalhadores que se recusavam a romper com patrões e governo,

os “inimigos da classe”. Esses, chamados de “pelegos”, eram acusados de não dar importância

ao sindicato como sujeito coletivo, cerceando a participação política dos que não fossem da

direção do sindicato. A greve, designada como “arma dos trabalhadores”, era também uma

maneira de tensionar as relações de classes para que todas essas distinções ficassem claras

para os trabalhadores. No caso específico da greve geral, seu objetivo era unificar os

trabalhadores de todo o país, extrapolando os limites das reivindicações corporativas.

O medo que havia sido perdido após a greve geral de 1986 foi um recurso discursivo

utilizado pelos petistas, no processo de formação do PT e, como visto na citação da Cartilha,

foi incorporado nas ações da Pró-CUT. Igor Santos fala que, com a busca pela

representatividade na classe trabalhadora feirense, o PT avaliou que os impedimentos para

isso estavam no medo que os trabalhadores tinham de enfrentar os patrões e formarem

entidades e partido de classe autônomos. Somente o “trabalhador coragem” – adjetivação

inspirada na cultura sertaneja – seria capaz de construir sua autonomia. Segundo Santos, essa

relação entre medo e coragem foi reavaliada pelo PT ao passo em que disputavam espaço com

os sindicatos tradicionais da cidade.303

302 Por que vamos parar o país? Cartilha de Formação. Comissão Pró-CUT Regional de Feira de Santana. Ano I, nº 1, agosto de 1987, p.9. [Acervo Gerinaldo Costa/LABELU]. Griffo nosso. Anna Kaufman, que à época era da oposição comerciária, nos doou dois exemplares dessa mesma cartilha. 303 SANTOS, 2007, op cit. p.174 et seq.

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De todo modo, em 1986 persistia a idéia entre os petistas-cutistas de que o

aprendizado político para a unidade e a autonomia de classe teria como fundamento o

confronto aberto. Confronto esse que estava relacionado à crise de direção política pós-

ditadura no país, uma oportunidade histórica para os trabalhadores brasileiros lutarem pela

redefinição das relações entre as classes. Vejamos a consideração de Marialvo Barreto:

Tinha uma simbologia nessa convocação dessa greve [greve geral de 1986] muito forte para quem tava saindo da ditadura militar porque, entra o governo Sarney e o governo Sarney era um prolongamento da ditadura militar. Foi um presidente eleito sem a participação popular. Foi através de colégio eleitoral: morre Tancredo e entra Sarney e não havia nenhum indicativo de mudança.

Semanas antes da greve geral de 1987, Remivaldo Almeida da Silva, diretor da

delegacia do Sindicato dos Trabalhadores em Transporte Rodoviário de Salvador, declarou:

“Só Feira é que fica na história?” Ele estava se referindo à pouca participação dos

trabalhadores na greve geral de 1986 em Salvador, convocando os sindicatos soteropolitanos a

se organizarem para que a greve geral de 1987 naquela cidade tivesse participação massiva.304

Marcada para dia 20 de agosto, essa greve teve manifestações prévias. A primeira foi

uma caminhada na tarde do dia 03, saindo do Mercado de Arte Popular. Nos dias que se

seguiram, ocorreram panfletagens e um pedágio para o fundo da greve. Dia 10, foi realizada

uma caminhada de preparação para a greve no fim da tarde e, logo após, houve uma reunião

de organização da greve no Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, onde repudiou-

se a ausência às direções do SINCAVER, Comerciários e Bancários na organização da greve,

bem como avaliou-se a possibilidade de maior êxito do que na greve de dezembro de 1986.

Délcio Mendes disse que preferia esperar as decisões das centrais e confederações de

trabalhadores pra se posicionar sobre a greve em Feira de Santana.

As entidades que estavam envolvidas na organização da greve, além das oposições

comerciária e bancária, foram: SINPRO, Sindicato dos Engenheiros, dos Arquitetos, dos

Borracheiros, dos Metalúrgicos, ASTA-BA, PT, PCdoB, PCB, AMBACLA, ASSUEFS e

STR-FSA, cuja sede foi escolhida para ser o local de funcionamento do comando central da

greve. A pauta, para além de atacar o Plano Bresser, a dívida externa e as privatizações,

defendeu reposição salarial, 40 horas semanais de trabalho e já discutia a constituinte,

denunciando que a “direita e a UDR estão ditando a Constituinte”. Dias depois, a CGT reviu

sua posição na greve por conta da possibilidade, articulada por Ulysses Guimarães, de uma 304 “Começam preparativos visando a greve geral”. Jornal Feira Hoje, 2 de agosto de 1987, p.6.

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reunião entre o presidente Sarney e Joaquinzão, presidente da central. Os sindicatos filiados à

CGT pareciam estar em clima anti-greve.

O governo federal divulgou que, para manter a ordem, iria mobilizar o Exército e até a

Aeronáutica. O comandante do 35º BI de Feira de Santana, José Luiz da Silva, garantiu que a

tropa não se envolveria no movimento, mas estaria atenta a desordens, a exemplo de danos

contra o patrimônio público e privado.305 O prefeito Jose Falcão disponibilizou palanque e

carro de som.

Nos dias da greve, 19 e 20 de agosto, foram suspensas as atividades de comemoração

da Semana do Exército. Humberto Cedraz, presidente da ACFS e dono de estabelecimentos

comerciais, cedeu carros particulares para a PM ir às ruas, visto que a frota foi considerada

insuficiente para vistoriar a cidade nos dias da greve. Segundo o informativo da ADUFS,

Humberto Cedraz, abriu as portas das suas lojas e exigiu a presença de policiais nesses locais,

além de ter telefonado para diversos órgãos da imprensa no estado para dizer que, em Feira de

Santana, a greve teria sido ineficaz.

O Feira Hoje anunciou “fracasso” da greve geral em Feira de Santana. No centro,

quase todas as lojas foram fechadas sob gritos de ordem como: “Um, dois, três, quatro, cinco,

mil. Ou pára o desemprego ou paramos o Brasil.” As que permaneceram abertas sofreram as

ações dos piquetes. No CIS as indústrias teriam funcionaram normalmente, pois muitas

empresas alugaram Kombis para os operários. Os grevistas se queixaram de infiltração no

movimento, por parte de policiais civis e do exército.

Um boletim da CUT estadual avaliou essa greve através do embate com a imprensa,

denunciando as contradições no que foi divulgado pelos jornais de circulação estadual, a

descaracterização do movimento, e a quem servia a imprensa. Também disse que a greve foi

feita pelos trabalhadores, a partir dos sindicatos e centrais, além de dizer que “política é coisa

de trabalhador”, em crítica ao governo e às “elites dominantes”

Jornal O Bancário lançou um informativo criticando a greve, dizendo ter sido feita por

“estrábicos militantes políticos” que não souberam interpretar a vontade dos trabalhadores,

deixando em descrédito a greve como instrumento de luta. Também, se orgulha da categoria

não ter participado da greve, exemplificando com recortes de notícias (sem referência à fonte,

exceto de sucursais da Bahia) que dizem sobre a não participação dos bancários. O

305 Aqui, o Feira Hoje lembrou que os próprios policiais estavam insatisfeitos com os salários e destacou comentários a respeito: “a barriga do soldado é igual à do comandante”. “Greve ganha adesões mas o policiamento será ostensivo”. Jornal Feira Hoje, 20 de agosto de 1987, p.3.

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informativo se utiliza do “fracasso da greve” para construir uma diferenciação entre os

“militantes profissionais”, que não estão sintonizados com a base, e os bancários, que têm

experiência em fazer greve, vide as três greves feitas pela categoria, que estagnaram o sistema

financeiro do país.

A última parte do informativo é uma convocação para a campanha salarial de

setembro, informando as ações realizadas pelos representantes desde junho em outras cidades

e estados, e assembléia local marcada para o fim do mês de agosto. O Sindicato dos Bancários

manteve para a greve geral a mesma posição de afastamento que tinha nas greves setoriais,

dando destaque às lutas de sua categoria. A distinção feita pelo informativo para argumentar

quem eram os legítimos representantes da classe trabalhadora é expressão da disputa entre

CGT/PCdoB e CUT/PT. Porém, na greve geral do ano seguinte, a posição do Sindicato dos

Bancários da cidade mudou. O PCdoB havia se filiado à CUT.

A preparação para a greve geral de 1989 contou com um calendário de mobilização

divulgado pela Pró-CUT. Em 26 de fevereiro houve uma discussão sobre o Plano Verão e,

após isso, a deliberação de orientar os trabalhadores de Feira de Santana a respeito das

motivações da greve. No dia seguinte, houve reunião com entidades locais, ocasião em que se

protestou contra as demissões na indústria e comércio da cidade, bem como se divulgou a

pauta da greve: luta pela reforma agrária, exigência de que as eleições para presidente da

república acontecessem naquele ano, estabilidade no emprego, contra a privatização de

empresas públicas e contra o pagamento da dívida externa. As entidades e oposições sindicais

se reuniam no STR-FSA, novamente sede do comando geral da greve.

No fim da tarde de 1º de março, houve ato público em frente ao Mercado de Arte

Popular e no início da noite, debate na Biblioteca Municipal. Dia 10 de março os servidores

municipais aderiram à greve, além de terem eleito sua primeira diretoria, em assembléia. No

dia 13, houve distribuição de cerca de 30.000 panfletos, organizada pela CUT e pela Corrente

Sindical Classista (CSC), ligada ao PCdoB e já filiada à CUT. Dias antes da greve, o governo

federal se mostrou disposto a criar mecanismo de reposição salarial. Em entrevista ao Feira

Hoje, Eliezer Ferreira disse que não havia uma proposta concreta do governo e, mesmo que

houvesse, isso não garantiria a suspensão da greve, pois houve perda real nos salários dos

trabalhadores. A greve será de dois dias para se ter maior impacto, pressionar mais o governo

e os patrões, que perderão mais do que com greve de um dia.

O prefeito Colbert Martins e presidente da Câmara dos Vereadores, Otaviano Campos,

do qual falamos no capítulo 1, garantiram que o legislativo e executivo não funcionariam em

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apoio aos trabalhadores, prejudicados pela política econômica do governo federal. Outros

políticos se manifestaram a favor da greve: Messias Gonzaga (PCdoB), Celso Pereira

(PMDB), Liomar Ferreira (PMDB), Hosannah Leite (PMDB), e o deputado estadual José

Ronaldo de Carvalho (PFL). Segundo o Feira Hoje, apenas os três primeiros vereadores

estavam presentes nas manifestações, enquanto o prefeito saiu de carro duas vezes pela

cidade. Humberto Cedraz, ainda presidente da ACFS, orientou os empresários locais a

respeitarem a greve, pois havia se tornado um direito constitucional. Ele também disse que

reconhecia a difícil situação dos trabalhadores, mas ela tinha sido criada pelo governo Sarney

e não pelos empresários. Dom Silvério de Albuquerque disse que a greve era justa, pois a

desigualdade no país à época era tamanha que ele temia pelos muito ricos, pois se esqueciam

de Deus, mas principalmente pelos pobres, que quando se revoltavam por conta do desespero

causado pelos salários muito baixos. Assim, todos precisariam fazer sacrifícios para sustentar

o um país justo.

Na greve geral de 1989, percebemos não só o deslocamento do Sindicato dos

Bancários no que diz respeito ao apoio à greve. Com a legalização das greves, forças políticas

e religiosas de Feira de Santana se manifestaram a favor da greve geral daquele ano. A fala de

Humberto Cedraz aponta para a rearticulação da classe dominante a nível nacional, em torno

das eleições que ocorreram naquele mesmo ano.

Nas duas greves gerais posteriores, 1990 e 1991, as mobilizações não foram tão

intensas. Quase não houve articulações das entidades antes dos dias marcados para se

realizarem os atos e, diferente das greves gerais de anteriores, essas não são precedidas de

muitas greves. Ainda assim, foram os trabalhadores em greve que garantiram as mobilizações.

Em 1990 estavam em greve bancários, rodoviários, eletricitários e trabalhadores de duas

fábricas do CIS: Phebo e Russel Refrigerantes, a fábrica da Coca-Cola em Feira de Santana. A

polícia esteve presente, mas manteve distância dos manifestantes. Em 1991 a mobilização foi

maior e contou com a contribuição do Sindicato dos Bancários, que declarou sua adesão dias

antes. Nessa greve geral vemos a marca do governo estadual de ACM, recém empossado: a

truculência da PM deixou dezenas de feridos e alguns presos, além de ter soltado bombas de

gás lacrimogêneo e filmado os manifestantes. Desse modo, as lojas do Centro da cidade

continuaram funcionando, apesar do número de pessoas nas ruas.

Ao longo das greves gerais as posições dos petistas-cutistas e dos tradicionais se

polarizaram. O não envolvimento destes últimos nas organizações das greves foi usado pelos

petistas-cutistas na disputa pela legitimidade junto aos trabalhadores. O Sindicato dos

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Bancários, como vimos, oscilou sua posição perante as greves e partir de sua filiação

partidária.

A Pró-CUT se fazia presente nas greves através dos sindicatos que tinham petistas na

sua direção e também através das oposições sindicais comerciária e bancária, que

mobilizavam suas respectivas categorias, garantindo na maior parte das vezes o fechamento

do comércio e dos bancos. As “pautas nacionais”, relacionadas a questões que diziam respeito

à política econômica do governo Sarney e, posteriomente, Collor, se aliavam às

reivindicações de trabalhadores que, em quase todas as greves gerais, estavam em greve.

3.2.2 – Caminhos da Pró-CUT

Vimos o trabalho de organização da Pró-CUT nas diversas mobilizações coletivas dos

trabalhadores feirenses, bem como nas oposições sindicais. Em que pese essa presença

constante da Pró-CUT, nunca foi fundada a CUT Regional de Feira de Santana. Buscamos

explicações a partir do processo fundamental que tornaria possível a institucionalização da

CUT na cidade e região: a conquista de sindicatos.

A disputa mais duradoura que identificamos foi em torno do STR-FSA. Igor Santos

discute esse processo, mostrando a realização do Encontro Estadual dos Trabalhadores Rurais

em 1980, de iniciativa do PT feirense, que foi a primeira tentativa de aproximação deste

partido com o STR-FSA.306 Sindicatos de algumas cidades participaram do encontro, que

contou também com a presença do prefeito Colbert Martins, SIM, MOC, CPT, CEAS e

ASTA-BA. Porém, o presidente do STR-FSA, José Barbosa de Sá, declarou que a entidade

não participaria porque o encontro tinha “finalidades políticas”.307

Dali até a filiação do sindicato à CUT, em 1989, o PT e, na segunda metade da década,

também a Pró-CUT, buscaram levar os trabalhadores rurais para o seu lado. Apoiavam lutas

específicas da categoria e convocavam-na para as lutas defendidas por eles como prioritárias.

O STR-FSA se constituía como um dos maiores sindicatos da cidade e, diferente dos

tradicionais, não recusavam a possibilidade de manifestações públicas e outro embates.

O processo de convencimento da categoria pelos petistas-cutistas teve idas e vindas,

principalmente pela forte influência exercida pelo MOC e o PMDB na formação desses

trabalhadores. Santos identifica o período de ausência do PMDB na prefeitura como os anos

306 SANTOS, 2007, op cit, p.230. 307 “Encontro dos trabalhadores não terá participação do sindicato”. Jornal Feira Hoje, 27 de setembro de 1980, p.3. “Encontro dos trabalhadores rurais terá seu encerramento esta tarde”. Jornal Feira Hoje, 28 de setembro de 1980, p.6.

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de maior avanço dos petistas-cutistas entre os trabalhadores rurais. Outro encontro foi

realizado em 1985, com a participação do STR-FSA, e a aproximação de José Caciano,

liderança carismática da categoria, do PT.308

Entretanto, a investida dos petistas-cutistas entre os trabalhadores rurais estava

relacionada às movimentações da CUT Nacional para a criação de um departamento

específico para a categoria, bem como a tentativa de aproximação do PT e da CUT estaduais

de muitos sindicatos de trabalhadores rurais da Bahia. Não à toa, Maslowa Freitas –

professora de sociologia da UEFS, presidente da ADUFS à época, e membro da CUT Bahia –

foi designada por esta última em 1988 para a tarefa de filiar o STR-FSA à CUT e organizar,

junto com outros militantes, o congresso de fundação da CUT Regional de Feira de

Santana.309

No ano seguinte foi realizado o I Congresso dos Trabalhadores Rurais, onde a

categoria aprovou a filiação à CUT.310 Todavia, mesmo que essa filiação tenha sido a

expressão de uma relação orgânica dos petistas-cutistas com os trabalhadores rurais, ela não

foi majoritária.311 Por exemplo, vimos que no Dia do Trabalho do ano seguinte à filiação, o

STR-FSA organizou a data juntamente com a prefeitura, tendo o evento contado com a

participação de Colbert Martins, reempossado prefeito um ano antes, e Ildes Ferreira, então

diretor do PLANOLAR. Os agentes do MOC foram, e continuam sendo ainda hoje, fortes

influenciadores dos trabalhadores rurais, não só na organização político-institucional, mas

também na concepção de comunidade rural, terra e plantio, educação aplicada à realidade

camponesa e outros aspectos que abrangem todo um modo de viver e agir no mundo.

Sugerimos que o PT disputou apenas parte da formação política dos trabalhadores rurais, não

tendo sido inviabilizadas as estreitas relações que a categoria tinha com o MOC e o PMDB.

Assim, a Pró-CUT havia conseguido filiar um sindicato de peso na cidade, mas isso

não se implicou em ampliação do esforço militante de conquistar outros sindicatos, para

garantir a fundação da Central na cidade. Segundo Gerinaldo Costa, a dificuldade

fundamental de conquistar sindicatos suficientes para legitimar a fundação provinha da

hegemonia do PMDB nos maiores sindicatos da cidade e, nos menores, a disputa entre PT e

PCdoB. Sendo assim, ainda no fim da década de 1980, os petistas-cutistas haviam

conquistado poucos sindicatos. Esse fato, aliado ao recrudescimento da “política de

308 SANTOS, 2007, op cit, p.232-233. 309 Depoimento Maslowa Freitas. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS. 310 “CUT realiza o I Congresso dos Trabalhadores Rurais”. Jornal Feira Hoje, 19 de agosto de 1989, p.4. 311 Em meados da década de 1990, PT e PMDB se aliaram em Feira de Santana. A filiação ao PT de muitos trabalhadores rurais e militantes de movimentos comunitários se deu nessa época, com a filiação de Albertino Carneiro ao partido. Cf. SANTOS, 2007, op cit, p.292.

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regionalização da CUT”, foram, pra Gerinaldo Costa, os motivos que levaram à não fundação

da CUT Regional de Feira de Santana.312

Maslowa Freitas discorda, ao dizer que a não fundação se deu “menos pela debilidade

do movimento sindical em Feira de Santana e mais pela disputa interna”. Maslowa faz

questão de frisar que houve um “boicote deliberado” por parte de uma tendência presente no

PT e na CUT. Os militantes dessa tendência afirmavam que, caso a CUT daqui fosse formada,

a Articulação, outra tendência, hegemonizaria o movimento sindical da cidade.313

Gerinaldo Costa reconhece que havia disputas entre os petistas-cutistas pelos rumos da

Pró-CUT, mas não as coloca como decisivas para a não fundação. Elízio Santa Cruz diz que

defendia, à época, não institucionalização da CUT, pois achava que, “na prática”, a Pró-CUT

funcionava melhor que CUTs regionais já institucionalizadas, mesmo com falta de estrutura.

Mesmo tendo sido um militante proeminente na Pró-CUT, não dá mais informações nem faz

avaliações a respeito da Comissão e da sua permanência enquanto tal.314

De todo modo, insistimos em destacar que a falta de capilaridade da Pró-CUT entre os

trabalhadores fez parte dos fatores que levaram à sua dissolução antes mesmo de ter sido

fundada. O documento elaborado para o congresso de fundação que não ocorreu, reconhece

que o trabalho da CUT ainda era “muito incipiente”. Além do mais, apenas o último parágrafo

de um documento de três páginas é dedicado a “Feira e região”, falando que trabalhadores

daqui sofrem com os “reflexos” da política econômica.315

Por fim, de uma pauta de doze pontos, nenhum diz respeito diretamente a “Feira e

região”, se aproximando muito das pautas das greves gerais, que tinham outro caráter. Parece

evidente que os redatores do texto mal conheciam os problemas dos trabalhadores daqui. Em

uma cidade onde as práticas assistencialistas não foram desconsideradas nem pelas oposições

sindicais, estabelecer mediações entre pautas nacionais e demandas locais era imprescindível

para se convencer os trabalhadores da proposta de unificação de classe.

312 Depoimento Gerinaldo Costa, op cit. 313 Depoimento Maslowa Freitas, op cit. 314 Depoimento Elizio Santa Cruz, op cit. 315 Congresso de Fundação da CUT Regional de Feira de Santana. Feira de Santana, 30 de novembro a 02 de dezembro de 1990. [Doação de Elizete Silva]

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3.3 – O Grito da Terra

“Grite hoje, amanhã e sempre” é a chamada de um cartaz de divulgação do jornal O

Grito da Terra, que tem no centro uma foto com cinco homens trabalhando na terra. Esse

cartaz resume o teor comum das edições pesquisadas: a convocação para o conflito aberto e as

notícias sobre lutas de trabalhadores rurais na Bahia e em outros estados.

O Grito da Terra foi fundado em dezembro de 1981, após meses de articulação para

que várias entidades se unissem para publicar o jornal e fazê-lo rodar. Admitindo-se que as

entidades que compunham o jornal tinham propósitos diferentes, foi elaborada uma Carta de

Princípios, assinada por 29 entidades e aberta à chegada de outras. MOC e PT não assinaram,

mas todas as entidades que o fizeram estavam ligadas a um ou outro.

As entidades eram: ASTA, Cineclube Olney São Paulo, CDDH-FSA, Delegacia

Sindical dos Professores do Estado da Bahia. Da UEFS, Diretórios Acadêmicos (DA) de

Ciências Econômicas, Ciências Contábeis, Engenharia Civil e as Comissões Pró-DA de

Estudos Sociais, Enfermagem, Administração, Associação dos Funcionários Públicos do

Município, Associação dos Sociólogos do Estado da Bahia – Seção Feira de Santana, STR-

FSA, Grupo de Jovens da Paróquia Senhor do Bonfim, do Cruzeiro, Associação de Moradores

do Conjunto Morada das Árvores, Sociedade Beneficente Presidente Getúlio Vargas, do

Jardim Cruzeiro, Grupo Comunitário do Bairro Novo Horizonte, Associação de Moradores do

Bairro de Santo Antônio dos Prazeres, Associação de Moradores do Bairro Nova Esperança,

AMORUN, ACOMAQ, APAEB, Associação de Moradores do Bairro do Horto, Associação

dos Oleiros de Feira de Santana (ASSOFS), ADUFS, SINCAVER, Assessoria, Pesquisa e

Avaliação (ASPA), Associação de Moradores da Avenida Anchieta e Associação de

Moradores da Pampalona.

A Carta de Princípios começa com considerações seguidas de uma conclusão, que

resumiremos aqui. “Considerando”: o empobrecimento dos brasileiros, principalmente dos

trabalhadores; que a participação popular no poder sempre foi “precária”; a crescente

dependência do Brasil, em vários níveis, a potências estrangeiras; que hoje os sindicatos são

“força auxiliar do Estado” e a necessidade de “sindicatos livres, independentes e autênticos”;

a necessidade veículos de comunicação populares, devido à “desinformação das massas

trabalhadoras”; que todos esses problemas acontecem em FSA e região e não serão resolvidos

sem a participação popular. “Concluímos”:

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pela implantação de um jornal amplo, independente, objetivo, que venha a contribuir para romper o isolamento de um lado, situando a informação de modo a permitir ao público o posicionar-se criticamente diante dos fatos, e, de outro lado, formando uma opinião pública consciente, favorecendo o debate e o confronto de idéias.316

São 14 os princípios da carta, que têm as mais diferentes posições: defesa do

patrimônio cultural, da natureza, dos trabalhadores, dos índios e outros, que permitiam

agregar as mais diferentes entidades.

A constatação que não havia espaço nos jornais oficiais para que tratasse do tema das

lutas de trabalhadores sob o ponto de vista dos próprios impulsionou a criação não só d’O

Grito da Terra, mas de diversos jornais de sindicatos ou de conjuntos de entidades, como é

possível perceber nas trocas de informações entre esses e as entidades que compunham,

mensalmente, O Grito da Terra – notadamente, jornais de sindicatos rurais da Bahia e

Pernambuco. Também, como vimos antes, era proposta contínua das oposições sindicais e da

CUT a criação de uma seção de imprensa nos sindicatos e na própria Central para que as

notícias veiculadas fossem produzidas pelos próprios trabalhadores. A ofensiva contra o

capitalismo deveria se dar também através dos meios de comunicação, incluindo jornais,

rádios “piratas”, teatro, música, charges, quadrinhos.

Pelo que podemos perceber, outras organizações políticas que não somente as petistas-

cutistas se preocupavam com a publicização das opiniões dos próprios trabalhadores. O MOC

ajudou a conceber o jornal e foi através dos seus agentes – notadamente Albertino Carneiro,

Ildes Ferreira e Naidson Quintela – que conseguiram ajuda financeira para manter o jornal,

como veremos mais adiante.

Um impulso adicional para a fundação d’O Grito da Terra pode ter vindo de dois

problemas envolvendo trabalhadores rurais. Um diz respeito à Barragem de Pedra do Cavalo,

cuja construção e a conseqüente expulsão de comunidades rurais dos seus locais de origens

começavam a estimular a articulação entre sindicatos de trabalhadores rurais de diversas

cidades.317 Outro problema foi gerado a partir da seca de 1981 no semi-árido: alguns

trabalhadores perderam suas terras, outros foram despedidos de seus trabalhos temporários, e

muitos deles migraram para as zonas urbanas, principalmente a de Feira de Santana, que era a

maior cidade da região. Em função disso, foram formadas frentes de trabalho, nas quais os 316 “Carta de Princípios”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1981, p.2. 317 A Barragem de Pedra do Cavalo atingiria Ipuaçu, distrito ao Sul de Feira de Santana, e outras cidades próximas ao recôncavo baiano: Conceição da Feira e Muritiba. A barragem represou o rio Paraguaçu e foi construída próximo a São Félix e Cachoeira, dois município do recôncavo distantes cerca de 40km de Feira de Santana.

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trabalhadores eram sub-empregados em serviços temporários, e que eram usadas para

chantagem política.318 Não à toa o nome do jornal foi retirado do título de um filme do

cineasta Olney São Paulo,319 de 1964, sobre a vida do sertanejo pobre.

A edição de lançamento fala da razão de ter se criado O Grito da Terra: “nasceu da

necessidade dos setores populares virem a dispor de um veículo de comunicação que venha

defender única e exclusivamente os interesses das classes trabalhadoras e da nação

brasileira. Ele deverá se constituir, na prática, num instrumento de luta pela soberania

nacional.”320 Os interesses dos trabalhadores convergem para a “soberania nacional”?

Achamos que isso foi uma tentativa de conciliação entre o discurso de independência de

classe dos petistas-cutistas e o discurso moderado do MOC, que aponta para um nacionalismo

de esquerda.321

O CDDH-FSA, que bancou juridicamente o jornal por alguns meses, era dirigido por

Renilda Daltro (PT). Porém, os petistas reconheceram que, sozinhos, não poderiam fazer um

jornal que se espalhasse tanto. Por isso, contaram com os bons relacionamentos do MOC com

instituições católicas estrangeiras de fomento, com os trabalhadores rurais e com as

associações de bairros.

Como vimos, até a fundação da CUT, em 1983, que consolidou a divisão do

movimento sindical brasileiro por “blocos”, que começaram a se definir na I CONCLAT, os

petistas ainda tentavam unidade com sindicalistas tradicionais. O Grito da Terra foi,

certamente, primeira e única tentativa de unificação da classe trabalhadora feirense em

colaboração de diferentes forças políticas em Feira de Santana que durou além de 1983:

petistas, em formação como novos sindicalistas; PMDB expressos no populismo de Chico

Pinto e Colbert Martins; MOC, aliado ao PMDB por reconhecer que precisavam de ajuda

político-partidária para tocarem seus projetos entre os rurais, mas com autonomia para realizar

trabalho de conscientização desses mesmos trabalhadores ligados ao ethos católico popular de

“luta assistida” pelos párocos.

318 SANTOS, Igor Gomes. Estado, luta de classes e movimento dos trabalhadores rurais na década de 1980. Feira de Santana: mimeo, 2009 O autor discute as lutas dos trabalhadores rurais de Feira de Santana e cidades próximas como resistência à expropriação de sua terra e valores culturais e, também, como parte do seu aprendizado político. 319 Cineasta nascido na cidade baiana de Riachão do Jacuípe, que cresceu em Feira de Santana e produziu documentários e filmes de ficção sobre a cidade e região. Influenciado pelo Cinema Novo, a temática dos seus filmes girava em torno dos sertanejos e sua luta contra as secas e os fazendeiros. Como boa parte de sua produção se deu durante a ditadura, alguns filmes foram censurados, a exemplo de O Grito da Terra. 320 “Uma nova experiência da história de Feira de Santana”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1981, p.1. Grifo nosso. 321 Essa posição se aproxima muito da defendida pelos Autênticos do MDB, que teve como um de seus articuladores principais Chico Pinto.

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O lançamento foi feito na noite de 11 de dezembro de 1981, em frente ao MAP, com a

presença de associações de bairro, de comunidades rurais, de sindicatos, imprensa, o prefeito

Colbert Martins e vereadores do PMDB. O Cineclube projetou um curta metragem, um dos

integrantes contou a história de criação do jornal e foram vendidos exemplares sob

contribuição voluntária. O Feira Hoje divulgou apenas uma nota na sua segunda página.322

3.3.1 – ADEFS

Em setembro de 1982, O Grito da Terra passou a ser capitaneado pela ADEFS, que

foi fundada em julho do mesmo ano. O acordo entre as entidades foi de que o CDDH-FSA

assumiria a responsabilidade jurídica por seis meses. Na reunião de fundação da ADEFS

foram incorporadas mais duas entidades assinantes da carta de princípios: AEABA e

Comissão Pró-Diretório Central dos Estudantes (DCE). Foi eleita a seguinte diretoria:

Naidson Quintela, presidente, Albertino Carneiro, vice-presidente; secretários Jaime Cruz e

Antonio Ozzetti; tesoureiros Ildes Ferreira e José Barbosa de Sá (STR-FSA); conselho fiscal

Tércio Fonseca, Edvaldo Rios (AMORUN) e Tito Fernandes (AMONHO). Assim que

entidade fosse registrada como pessoa jurídica no cartório, José Carlos Barreto de Santana

seria secretário executivo, “coordenando todos os trabalhos”. Além de manter O Grito da

Terra, a função estabelecida para a ADEFS foi a de promover eventos que “ajudem na

compreensão da realidade sócio-econômica, contribuir com a preservação da cultura popular e

defender a democracia e os direitos humanos em toda a sua plenitude, contribuindo com a

implantação da justiça social”.323

O presidente eleito da ADEFS foi o Editor Responsável na primeira edição. A partir

da segunda, assumiu o Corpo de Opinião, composto por sete pessoas, responsável por metade

das páginas do jornal, enquanto a outra metade ficava a cargo das entidades. Era o Corpo de

Opinião também responsável por manter contato com as entidades, receber as matérias e

editá-las. A composição política do Corpo de Opinião tentava equilibrar nomes do PT-CUT e

do MOC. Os mais constantes foram José Carlos Santana, Ildes Ferreira e Naidson Quintela.

Em fins de 1983, a responsabilidade sobre a editoração deixa de ser do Corpo de Opinião e

passa a ser de José Carlos Santana. Ao lado do seu nome, há um número de registro na DRT,

322 “O primeiro número de O Grito da Terra é lançado com sucesso”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.2. “Lançado”. Jornal Feira Hoje, 15 de dezembro de 1982, p.2. 323 “Fundada a ADEFS”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1982, p.4. Naidson foi presidente até, pelo menos, novembro de 1986, quando se convocou assembléia da ADEFS com pauta única de escolha de nova diretoria.

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mostrando o investimento d’O Grito da Terra na profissionalização do processo de confecção

do jornal.

A impressão do jornal continuou sendo na gráfica do jornal Feira Hoje, até a edição de

março de 1983, quando o atraso na edição de abril, por causa uma contenda entre José Falcão

e SINCAVER, já relatada, fez a ADEFS suspender o contrato. Depois disso, não há informes

no expediente do jornal de onde ele é impresso; apenas aparece o nome do diagramador,

Jailson Silva. Sabemos que, poucos anos depois foi criada a Gráfica Impressão, mantida pela

ADEFS.

Porém, a idéia de ter uma gráfica própria – onde se pudesse fazer “uma diagramação e

composição mais atraente para o ‘público base’” – vinha desde 1982. Mas dependeria de

doações de instituições de fomento, que já auxiliavam financeiramente o jornal:

Developpment et Paix (Canadá) e CNCD (Centro Nacional de Cooperação ao

Desenvolvimento - Bélgica). A contribuição das entidades não era suficiente para manter o

jornal, ainda que sua publicação fosse mensal.324 Todas as preocupações com diagramação,

gráfica e administração do jornal tem a ver com os princípios definidos para o mesmo. A

criação da ADEFS, para viabilizar juridicamente e administrativamente O Grito da Terra,

indica a tentativa de consolidar uma imprensa alternativa, capitaneada por diversas entidades,

de classe ou não, de Feira de Santana.

As mudanças nas páginas do jornal dizem sobre a busca desse objetivo básico. O

editorial da segunda edição amplia conceito de oposição, definida agora como quem se

opunha à realidade onde a desigualdade imperava: “Como os beneficiários [dessa

desigualdade] correspondem a uma pequena parcela da população, é lógico se concluir que, se

todos os brasileiros pudessem pensar e agir livre e conscientemente, teríamos uma nação com

quase cem por cento de oposicionistas.”325

Os temas do jornal são: cultura popular, poemas, cinema, mídia, futebol, movimento

estudantil/universidade, educação, mulher/feminismo, partidos, eleições, denúncias de ações

das multinacionais no país, concepção do catolicismo popular com respeito à posse da terra,

fome e suas relações com a má distribuição da riqueza. Em janeiro de 1982 foi lançada a

primeira matéria de uma série sobre o funcionamento do Jogo do Bicho e suas relações com a

324 “ADEFS realiza assembléia geral”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1982, p.2. 325 “Editorial”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.2.

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política institucional, a fim de mostrar que não só a polícia se utilizava desse comércio, como

dizia a mídia.326 Com isso, discutiam politicamente uma atividade popular à época.

Ainda, tentaram instituir uma espécie de charge: duas formigas, "formiguinha" e

"formigão", discutindo em um, dois, ou três quadros, assuntos em destaque no jornal,

relacionados às manobras de partidos para “enganar” o povo. Para se aproximar com a cultura

oral, lançaram “Estórias que o povo conta” como seção do jornal, com anedotas e casos

engraçados ocorridos em Feira de Santana. A coluna sindical “O que vai pelos sindicatos” foi

inaugurada na edição de julho de 1982, mas não tinha periodicidade. Esteve sob a

responsabilidade de Carlos Melo (Associação dos Trabalhadores Gráficos) e Cosme Ribeiro

(SINPRO), reunindo em pequenas notas as notícias enviadas pelas entidades. O Grito da Terra

estava sempre renovando seções e fazendo série de matérias sobre mesmo assunto, o que

indica um repensar constante do jornal sobre sua função de formador de uma consciência

política para o trabalhador.

3.3.2 – Jornal popular?

Na chamada para assinaturas, no primeiro número do jornal, O Grito da Terra é

anunciado como um “jornal em linguagem simples e acessível para todos [...] jornal

popular”.327 No Dia do Trabalho de 1982, comemorado no distrito de Maria Quitéira, o jornal

foi lançado entre os trabalhadores rurais, visto que o lançamento de sua primeira edição tinha

sido feito no Centro de Feira de Santana.328

Para comprovar que a “marca” d’O Grito da Terra era ser um jornal aberto, seus

editores falaram das pessoas que não faziam parte do jornal, mas publicavam nele. E

acrescentaram: “Matérias inclusive de pessoas que diziam: ‘eu não sei falar quanto mais

escrever’, mas tentaram e conseguiram. Naturalmente que são pessoas simples que não

tiveram acesso às escolas ou universidades, mas é para elas que O GRITO DA TERRA se

destina, basicamente.”329

Em seu sétimo número, o Editorial avalia:

[...] atingir as camadas mais simples de trabalhadores consistiu e vem consistindo um dos nosso maiores problemas: seja pela

326 “O Jogo do Bicho”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.8. “Jogo do Bicho e política”. Jornal O Grito da Terra, março de 1982, p.8. “Jogo do Bicho: legalizar ou não legalizar?”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1982, p.8. 327 “Faça a sua assinatura de O Grito da Terra”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1981, p.8. 328 “A comemoração do 1º de Maio”. Jornal O Grito da Terra, junho de 1982, p.7. 329 “O grito da afirmação”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1982, p.3.

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nossa própria limitação em conseguir uma linguagem que penetre nos meios populares, seja pela falta de hábito de ler jornais por parte das pessoas mais simples situadas nessa camada e, finalmente, pela não participação efetiva de algumas entidades que assinaram a “carta de princípios”.330

Meses depois, a ADEFS se reuniu e fez a mesma avaliação, reconhecendo ainda que O

Grito da Terra estava restrito à classe média e que havia necessidade de que as entidades

participantes fizessem “discussões sobre ele junto aos grupos das camadas populares”.331

Em que pese os textos de análise acadêmica, há tentativas de explicar em linguagem

simples a política econômica, tirando-a da suposta neutralidade, em pequenos textos sobre

quem lucrava com inflação e crise econômica. Para isso, se articulavam com grupos de

comunicação popular. Na documentação da ADEFS há troca de documentos com o CRD

(Centro de Reflexão e Documentação) e convocações para alguns encontros, como o V

ENCODOP (Encontro de Comunicação e Educação Popular).

Em janeiro de 1984, Yves Froement, representante da entidade belga Centro Nacional

de Cooperação ao Desenvolvimento (CNCD), envia uma carta à ADEFS, onde avalia O Grito

da Terra em oito pontos. Em todos eles Froement fala da importância de fazer com que as

notícias dialoguem com o cotidiano dos trabalhadores e que as entidades incentivem os

leitores do jornal a publicarem suas próprias notícias e serem debatedores delas em suas

respectivas comunidades.332

Mesmo com o esforço de se integrar a outras entidades que atuavam na formação de

uma comunicação popular, O Grito da Terra sofreu esvaziamento. Devido a isso, criou-se um

grupo de trabalho responsável por conversar com as entidades que assinaram a Carta de

Princípios, a fim de encaminhar um debate na assembléia marcada para 04 de abril de 1987.

Um documento, em forma de Edição Extra, com tiragem de mil exemplares, contendo duas

avaliações sobre o jornal, foi elaborado para que fosse apreciado nessa assembléia.

As avaliações não são assinadas, mas deixam indícios de quem as escreveu. A

primeira avaliação destaca quatro razões para o esvaziamento do jornal. No período da

fundação d’O Grito da Terra a censura ainda estreitava os canais de veiculação de notícias e

um jornal que fosse de encontro a isso, seria bem recebido, como aconteceu. Em segundo

lugar, a linguagem era “rebuscada” e as matérias eram longas para um jornal que se pretendia

popular. Também, as pessoas do Corpo de Opinião fizeram quase todo o trabalho, muitas

330 “O Grito da Terra. Uma experiência que se afirma”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1982, p.2. 331 “ADEFS realiza assembléia geral”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1982, p.2. 332 FROEMENT, Yves. Observações sobre O Grito da Terra. 25 de janeiro de 1984. [Acervo ADEFS]

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vezes deixando de lado a vida pessoal e a militâncias nas suas respectivas profissões. Isso se

deu porque as entidades se eximiram, sendo que nunca se restringiu a participação das

mesmas.

A proposta dessa primeira avaliação foi que O Grito da Terra continuasse a ser

editado, “comprometido com os movimentos populares” e alternativo à “imprensa

burguesa”. Sua tiragem deveria ser mensal e, a médio prazo, quinzenal, mas com

lançamentos de boletins para que se acompanhasse, a tempo, questões mais imediatas como

“Campanhas Salariais, greves, 1º de Maio, etc.” Para isso, deveria haver contato contínuo

com entidades que quisessem participar.333

A segunda avaliação foi menos defensiva, recuperando a razão de ter se criado o

jornal. Sendo existentes as divergências “político-ideológicas” tanto em classes antagônicas

como em uma mesma classe, O Grito da Terra havia sido um “sonho” de superar as mesmas,

pela união dos pontos em comum. Isso não teria ocorrido por cinco motivos. O primeiro foi,

de um lado, pela omissão dos que não acreditaram na proposta ou não conseguiram comandar

o jornal e, de outro, pelos que aproveitam o espaço deixado para exporem apenas seu

pensamento, sem fazerem esforço de integrarem outras “correntes de pensamento”. Com isso,

o jornal passou a ser visto pelo público como “de um partido político”.

A burocracia em demasiado foi a segunda razão apontada: não se movia “uma vírgula”

se antes reunir o Corpo de Opinião ou consultar o autor. Em seguida, o jornal teria se tornado,

meses após sua fundação, “palco de pequenos tratados de economia política”, desinteressando

os populares, que antes faziam assinaturas e escreviam ao jornal agradecendo por terem suas

lutas divulgadas. As duas últimas razões seriam a falta de “competência administrativa” para

sustentação financeira e o “amadorismo jornalístico”, que impediu O Grito da Terra de ser

atraente e acessível aos populares.

Essa avaliação também defendeu a manutenção do jornal, argumentando que houve

momentos de aproximação do mesmo com os movimentos populares. O Grito da Terra foi o

primeiro a fazer debate “junto à sociedade civil” sobre os problemas da construção da

barragem de Pedra do Cavalo. Além disso, as muitas notícias veiculadas, denunciando

grilagens e expulsões no campo, bem como problemas em “comunidades rurais e urbanas”

serviu para impulsionar as lutas dos trabalhadores, a exemplo da atuação das mulheres no

STR-FSA.334

333 “Gritar é preciso (Avaliação I)”. ADEFS, s/d, p.1e2. [Acervo ADEFS/LABELU] Grifo nosso. 334 “É preciso gritar (Avaliação II)”. ADEFS, s/d, p.3e4. [Acervo ADEFS/LABELU] Grifo nosso.

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Ambas as avaliações giraram em torno das conseqüências da apropriação do jornal

pelo Corpo de Opinião, ficando claras as dificuldades em se manter o “sonho” de superar

divergências por grupos que disputaram ombro a ombro a condução das lutas dos

trabalhadores. Porém, através da leitura das edições do jornal, fica claro que essas

divergências permaneceram, pois cada grupo tomou para si a tarefa de fazer do jornal

instrumento do tipo de organização para a luta defendida por eles.

Pelos termos utilizados e pela posição frente ao Corpo de Opinião, podemos

identificar a primeira avaliação mais próxima dos petistas-cutistas e a segunda mais próxima

dos militantes do MOC. As matérias do jornal, feitas pelo Corpo de Opinião, como as duas

avaliações dizem, são de linguagem e posição política autenticamente petista-cutista. As duas

propostas de continuidade do jornal apontam para caminhos diferentes: a primeira se

preocupa com questões organizativas próprias da CUT, enquanto a segunda destaca como o

jornal foi importante para os trabalhadores rurais. As saídas vislumbradas para o

esvaziamento do jornal nos diz sobre como cada um dos dois grupos encarou o jornal e tomou

para si a tarefa de fazê-lo popular.

Os petistas-cutistas se concentraram na formação de trabalhadores que aderissem ao

novo sindicalismo, escrevendo textos sobre a CUT, a necessidade de rompimento com os

patrões e outros pontos que faziam parte dessa tentativa de formação política. O MOC, por

sua vez, concentrou-se em discutir aspectos da vida do camponês, dando destaque às suas

lutas em Feira de Santana e outras cidades da Bahia. Ainda que destaquemos essa distinção,

devemos atentar que não houve um hiato nas opiniões dos dois grupos sobre seus respectivos

campos de atuação dentro do jornal. Por vezes, os textos MOC fazem referências a lutas

articuladas pela CUT, ainda que estas não tenham caráter de apoio à Central. Ao contrário

disso, os petistas-cutistas tentavam avançar no campo de influência do MOC, apoiando o

STR-FSA em muitos momentos. Vejamos, pois, qual foi a linha argumentativa geral dos

petistas-cutistas e do MOC nas matérias d’O Grito da Terra.

3.3.3 – Dois gritos

Não nos repetiremos nas muitas matérias d’O Grito da Terra, escritas por petistas-

cutistas, que foram apresentadas ao longo de todo o texto. Estas foram citadas ao longo dos

capítulos para mostrar as posições desse grupo nas lutas dos trabalhadores. Por isso,

escolhemos um tema ainda não tratado aqui, mas que foi recorrente nas lutas dos

trabalhadores durante a década de 1980: a noção de direito e a questão do respeito aos limites

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da lutas impostos pela legalidade. Esse tema, entre os petistas-cutistas, dizia respeito a um dos

objetivos do novo sindicalismo, que era romper com a legislação formulada ainda no pré-64,

mas que resistiu e foi reforçada pela ditadura.

Uma lei que há vinte anos era considerada “justa”, pode ser hoje considerada injusta […] Por esse raciocínio, tem muita coisa prá mudar no aparato jurídico das sociedades, assim como no Brasil. Quantas leis, já totalmente caducas e sem nenhum sentido para a época de hoje estão ainda em vigor?335

Publicado n’O Grito da Terra, de maio de 1982, o fragmento acima é parte de um

pequeno texto que apresenta, rapidamente, uma proposta de legitimação das leis através de

um “congresso popular”, quando a população decidiria sobre a regulação jurídica da

sociedade, invertendo a lógica de que os dominantes têm o direito a seu favor.

Em outra série de três artigos, o jornal explicita os objetivos da construção da CUT em todo o Brasil:

Ao criar uma CUT PELA BASE como instrumento de luta, desatrelado do Ministério do Trabalho e sem pedir licença aos órgãos do Governo, estamos rompendo, na prática, com a Legislação fascista dos patrões conquistando uma parte da nossa liberdade de organização sindical e popular e dando um passo importante na direção da conquista na nossa AUTONOMIA.336

As expressões “sem pedir licença” e “Legislação fascista” se referem diretamente ao

sindicalismo pré-1964. A palavra autonomia em letras maiúsculas dá destaque à nova

proposição de lidar com o Estado. Essa disputa com a permanência de um sindicalismo de

“conciliação” se dá ao longo das edições mensais d'O Grito da Terra.

Todos os sindicatos de trabalhadores de Feira de Santana nasceram e continuaram atrelados de cabo a rabo ao Ministério do Trabalho. Os seus diretores parecem-se mais com funcionários de referido Ministério, zelozos [sic] na aplicação da CLT.337

Nesse texto, o parâmetro utilizado para essa avaliação dos sindicatos feirenses é a não

participação em ações que seriam a demonstração que tais lideranças representam, de fato, os

trabalhadores: a participação nas passeatas do Dia do Trabalho ou o apoio às greves que

aconteciam em Feira de Santana e no resto do país.

335 “Justiça popular”. Jornal O Grito da Terra, maio de 1982, p.5. 336 “A CUT pela base (II)”, Jornal O Grito da Terra, setembro de 1982, p.8. Esse artigo e o anterior é assinado por Alberto Campos Boaventura (Beto Folha). O terceiro, sem assinatura, era de responsabilidade do Corpo de Opinião. 337 “O movimento sindical em Feira de Santana”, Jornal O Grito da Terra, março de 1982, p.7.

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A tentativa de diferenciação por parte dos petistas-cutistas, no que diz respeito ao uso

do direito, pode ser exemplificada pela inclusão deste na pauta de formação política. Em uma

de suas edições, O Grito da Terra explica o que é imposto sindical, a fim de que os

trabalhadores pudessem perceber o quanto ele é prejudicial à autonomia da classe

trabalhadora, pois atrela os sindicatos ao Estado.338

Também, há muitas notícias n’O Grito da Terra sobre liminares judiciais e luta pela

terra na zona rural de Feira de Santana e região. Na busca da “conscientização pela luta”, o

jornal noticia como trabalhadores rurais de urbanos de diversas cidades lidavam com os

problemas.339 Exemplo disso, e outra constante no jornal, é a luta de professores por salários

e, relacionado a isso, a dignidade da profissão. Em uma matéria de capa, que fala sobre a

situação das professoras “leigas”, O Grito da Terra destaca mais de uma vez que as

professoras estavam “acordando para a situação” e entrando com ações na “JUSTIÇA DO

TRABALHO” contra as prefeituras que as contrataram.340

Nessa mesma matéria, são destacadas duas maneiras de os trabalhadores lidarem com

o não cumprimento dos contratos de trabalho, que são a organização dos trabalhadores em

sindicatos e a greve. Em ambas não é deixada de lado a possibilidade de recorrer à Justiça: o

sindicato é a forma institucionalizada de organização dos trabalhadores e, portanto, pode

responder judicialmente por eles; a greve é instrumento de pressão frente à não resolução do

conflito nas instâncias formais. Dessa maneira, o ato de recorrer à justiça para garantir

direitos, ou de demonstrar a insatisfação diante do Estado, não é encarado como um ato

individual.

A luta por direitos também era defendida pelo MOC nas páginas d’O Grito da Terra.

Porém, sua defesa se concentrava na categoria onde a entidade tinha mais inserção, que era os

trabalhadores rurais e o seu sindicato, o STR-FSA. Como vimos, o MOC defendeu a

continuidade do jornal O Grito da Terra sobretudo por sua importância em questões

referentes àquela categoria. O jornal foi um espaço de difusão da concepção que o MOC tinha

a respeito de muitas questões referentes à vida dos camponeses. Entre elas, discutiam a

“indústria da seca”. Defendiam que a falta de água não é o principal problema do sertão.

338 “Imposto sindical”, Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1984, p.6. 339 No processo de pesquisa do jornal , encontramos referências à desconfiança de trabalhadores rurais para com os advogados. Enquanto portadores do saber jurídico, eles tinham que ser muito bem escolhidos, pois poderiam “trair a classe” sem que os trabalhadores sequer soubessem. Pensamos que tais referências podem ajudar a pensar os conflitos entre campo e cidade no que diz respeito tanto à relação dos trabalhadores rurais com o aparato jurídico, quanto à polarização saber letrado/iletrado, restando a este último, grosso modo, o estatuto de “folclore”. 340 “Professoras recorrem à justiça”, Jornal O Grito da Terra, setembro de 1982, p.1.

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Percebia-se isso quando os problemas com falta de sementes, de terra para trabalhar e carestia

persistiam mesmo após longo período de chuvas. Chamavam de “seca verde”.341

A discussão sobre as secas era parte do projeto do MOC de provar que trabalhar e

morar no sertão era possível. A caracterização de um sertão pobre, onde o destino provável

dos que ali moravam era migrar para as zonas urbanas, era parte da dominação dos coronéis e

suas representações partidárias. O enfoque nas lutas de trabalhadores rurais reforçava o

argumento de que o sertão é viável. Daremos destaque a duas dessas lutas, afim de entender

essa defesa: pela isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM) e contra a

barragem de Pedra do Cavalo.

As discussões sobre a isenção do ICM para pequenos produtores rurais, n’O Grito da

Terra, se concentram no ano de 1982, quando a FETAG concentrou esforços em articular os

sindicatos da Bahia em torno dessa questão, que começou a ser posta em 1978. Ampliou-se a

reivindicação para todos os produtos, quando antes os esforços se concentravam na isenção do

imposto para mandioca, feijão e milho.342 Em todas as notícias sobre o assunto, o jornal dá

destaque ao fato de que o imposto era injusto, por ser cobrado a produtores que mal

sobreviviam com o pouco lucro com a venda dos produtos. O destaque também era dado à

informalidade no transporte dos produtos para os mercados de alimentos na zona urbana,

situação em que o imposto era ainda maior.

O incentivo à participação dos sindicatos girou em torno do argumento que essa luta

tinha que ser feita articuladamente, a exemplo de abaixo-assinado ao governo da Bahia e

reuniões com seu representante.343 Nas notícias não há nenhum incentivo a outros tipos de

manifestações além das reuniões articuladas pela FETAG, entre sindicatos e governo. A

questão do ICM volta a O Grito da Terra no ano seguinte, quando João Durval Carneiro, ex-

prefeito de Feira de Santana, assumiu o governo do estado. O jornal denuncia a continuidade

nas práticas da gestão anterior, de Antonio Carlos Magalhães, em só isentar do ICM as

multinacionais.344

No mesmo ano em que O Grito da Terra divulgava a luta contra o ICM para pequenos

produtores, começou também a divulgar matérias sobre a construção da Barragem de Pedra

do Cavalo. A justificativa do governo do estado para a construção da barragem era: produção

de energia elétrica, irrigação e abastecimento de água para cidades vizinhas e, principalmente,

341 “Seca verde”. Seção Panorama Rural. Jornal O Grito da Terra, maio de 1984, p.5. 342 “FETAG e sindicatos pedem fim do ICM”. Jornal O Grito da Terra, janeiro de 1982, p.3. “Sindicatos se encontram para discutir movimento de ICM”. Jornal O Grito da Terra, setembro de 1982, p.3. 343 “Sindicalistas vão ao governador cobrar promessas”. Jornal O Grito da Terra, outubro de 1982, p.7. 344 “ICM: fiscais atacam e agricultores protestam”. Jornal O Grito da Terra, agosto de 1983, p.5.

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Salvador e cidades próximas a ela. O jornal fez constantes denúncias da “obra faraônica” e da

propaganda do governo estadual de Antônio Carlos Magalhães (PDS). Ainda, alertou para as

notícias veiculadas pelos jornais de circulação estadual, que falavam somente dos benefícios

da barragem, divulgando o trabalho da FETAG de conscientização das futuras famílias

atingidas acerca das falsas promessas de indenização e melhoria no padrão de vida.

A barragem foi inaugurada em 1982, um ano antes do previsto para sua conclusão. O

ano da inauguração foi o mesmo das eleições municipais e estaduais. As barragens

construídas na Bahia fizeram parte das articulações políticas que garantiram a vitória de João

Durval Carneiro para governador e José Falcão para prefeito de Feira de Santana.345

Logo após findado o processo eleitoral, O Grito da Terra trouxe matéria de uma

página inteira mostrando as conseqüências funestas para as famílias atingidas pelas barragens

de Sobradinho e Itaparica, ambas no rio São Francisco. Partindo disso, o jornal alerta para

critérios de indenização, como, por exemplo, o que ocorreu em Sobradinho: o governo

indenizou os donos de propriedades, delegando a esses a responsabilidade de repassarem parte

do dinheiro aos posseiros. Em contraposição a isso, a matéria defende a articulação de

sindicatos de trabalhadores rurais acerca da bandeira “terra por terra”, na exigência de outra

terra em iguais condições de cultivo.346 Essa bandeira foi lembrada em quase todas as notícias

veiculadas no jornal. Nela estava implicado que a transferência de local era desarraigar o

camponês não só da sua terra, mas da atividade cotidiana através da qual construiu seus

valores.347

A dimensão simbólica da prática dos trabalhadores feirenses foi disputada não só com

os dominantes, mas também entre a classe trabalhadora. A tradição que envolveu a

constituição dos sindicatos tradicionais e as práticas organizativas que não levavam em conta

a exacerbação dos conflitos, foi incontornável nas lutas pela classe trabalhadora em Feira de

Santana. Vimos sujeitos envolvidos em lutas várias, práticas e linguagens diferenciadas

empregadas na disputa pela direção política da classe. As lutas pela classe nos fazem ver

como as estratégias traçadas ora levavam em conta a referida tradição, ora as ignorava. Assim

como o não aprofundamento em questões sobre a classe trabalhadora feirense não permite que

se chame os petistas-cutistas de “alheios à classe”, a relação orgânica dos tradicionais e do 345 SANTOS, 2009, op cit, discute as tentativas de utilização de demandas dos trabalhadores rurais como barganha política: Barragem de Pedra do Cavalo, frentes de trabalho e lutas por sementes. 346 “Barragem de Pedra do Cavalo desabriga 30 mil pessoas”. Jornal O Grito da Terra, dezembro de 1982, p.4. 347 A “Nova Ipuaçu”, como chamavam o governo, a imprensa e a Companhia de Desenvolvimento do Vale do Paraguaçu (DESENVALE), foi construída a cerca de 4km do povoado que foi inundado, às margens da BR-116 Sul (Rio-Bahia). Sem terra para atividades agropecuárias, as famílias deslocadas se organizaram em torno da pesca no rio Cavaco. O “novo” distrito recebeu o nome de Governador João Durval Carneiro, mas os moradores, que ainda hoje vivem da pesca, ignoram o nome imposto e persistem em chamar de Ipuaçu.

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MOC com essa mesma classe não autoriza tomar sua concepção de luta como mais legítima.

Seus embates sobre a direção política da classe dizem sobre como os trabalhadores buscavam

filiações que respondessem ao modo como aprenderam a se posicionar na relação com os

dominantes e que os atualizasse nas modificações das formas de dominação disputadas

nacionalmente ao longo da década de 1980.

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Conclusão

Começamos nossa pesquisa no ano de 1977, início do governo de Colbert Martins

(MDB), mas fizemos uma incursão em décadas antes, através da memória e da historiografia,

para buscar indícios da experiência que ainda se mostrava confusa na análise sobre a década

de 1980. Alguns trabalhos sobre a história de Feira de Santana em meados do século XX

indicam um tipo relação entres as classes que chamamos aqui de paternalismo, por terem se

constituído de uma regulação mútua dos comportamentos entre dominantes e dominados, que

não exclui, pelos próprios termos usados, uma relação de dominação. As lutas dos

trabalhadores aconteciam, mas eram acompanhadas de perto pelos dominantes. A

interferência nas lutas e também no cotidiano dos trabalhadores respeitava regras admitidas

verbalmente, firmadas na relação de confiança, tendo por isso sua carga de personificação de

instituições.

Esse é o caso da gestão de Chico Pinto (PSD) que, ao se aproximar dos trabalhadores

nesses termos, o fez também através da tentativa de mudar as relações dos dominantes com os

espaços público e privados, tensionando para que reformas administrativas acontecessem.

Essas reformas também serviriam para regular as relações entre classes antagônicas, ao

permitir que a dominação tivesse como um de seus elementos permitir que os conflitos

fossem postos e propor soluções que deveriam ser vistas como conjuntas. Esse projeto de

reposicionar a dominação de classe na cidade foi interrompido pelo golpe de 1964, quando a

fração da classe dominantes derrotada pela coalizão de forças em torno de Chico Pinto

retomou o controle sobre o poder municipal graças à mudança no cenário político nacional.

Isso pode ser visto nas muitas transformações pelas quais Feira de Santana passou

desde fins da década de 1960, com a reorganização do espaço urbano para fazer valer os

interesses de parte dos comerciantes que haviam começado a investir em atividades

industriais e se articularam para a criação de um Centro Industrial na cidade.

Os comerciantes que persistiram no seu ramo insistiram em seu quinhão no processo

de racionalização capitalista que já se tornava forte. Isso foi ainda na primeira metade da

década de 1970, quando José Falcão havia começado a sua primeira gestão. Esse prefeito era

do MDB mas estabelecia boas relações com ARENA desde os tempos de vereador na cidade,

em fins da década de 1960. Na sua gestão, favoreceu os industriais, com incentivos ao

crescimento do CIS, e viabilizou a construção do CAF. O mercado de alimentos da cidade foi

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modificado com a inauguração do CAF, na tentativa dos dominantes de institucionalizarem as

relações de compra-e-venda, abrindo espaço para os estabelecimentos que vendiam no

atacado.

A partir da década de 1970 começou-se a definir os espaços para os migrantes que

chegavam a uma cidade em que não havia espaços definidos para forasteiros. Esses espaços

foram definidos nas muitas ocupações ocorridas na periferia da cidade. Os conflitos pelo solo

urbano de Feira de Santana tiveram a intervenção da gestão de Colbert Martins que, tão logo

assumiu a prefeitura, em 1977, criou o PLANOLAR para construir conjuntos habitacionais

para a população de baixa renda. O PLANOLAR atuou justamente nas áreas ocupadas pelos

migrantes e, em menor medida, pelos moradores de rua que já viviam na cidade.

Essa política habitacional da prefeitura e outras, que estavam voltadas para os mais

pobres, sofreram forte crítica dos grupos dominantes da cidade, que reclamavam espaço nos

projetos da prefeitura. A gestão de Colbert Martins foi uma tentativa de retomar as relações

paternalistas nos termos da gestão de Chico Pinto: investir no aparato estatal para que

garantisse algum poder enquanto árbitro dos conflitos de classe. A ala do MDB à qual o

prefeito fazia parte tinha bem claro que os tempos eram outros. A ditadura tinha recolocado

lugares de dominação e, com a formação de uma classe média, as lutas de classe não eram tão

polarizadas quanto no pré-64.

Entretanto, o MDB feirense não deixou de atuar durante a ditadura e, quando Colbert

Martins assumiu a prefeitura, parte considerável das associações de bairros e sindicatos da

cidade já era sua aliada política. O MDB contou também com a ajuda do MOC, tanto na

inserção entre os trabalhadores rurais, quando na mediação dos conflitos pelo solo urbano.

Entretanto, com a fundação do PT na cidade, foi iniciada a formação de uma força

política que faria frente à constituição dessa hegemonia política entre os trabalhadores de

Feira de Santana. Uma parte dos militantes petistas era migrante, alguns estavam entre os que

vieram disputar solo e emprego na cidade, outros vieram com a garantia de emprego e

moradia. Outra parte dos militantes petistas foi formada diretamente no MDB, ou por

organizações estudantis e jornais nanicos onde esse partido tinha influência.

O PT foi formado justamente no período de intensificação das ocupações de solo em

Feira de Santana, no final da década de 1980. A atuação política desse partido foi iniciada no

apoio a ocupações e nas tentativas de fundar associações de bairros, bem como disputar com o

MDB/MOC as que já existiam. Dali – e do movimento estudantil – nasceu a formação política

de petistas que, mais tarde, tentaram viabilizar a formação da CUT na cidade e defenderam a

organização da classe trabalhadora através do novo sindicalismo.

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Até a fundação da CUT Nacional, em 1983, não era incomum ver petistas em algumas

mobilizações junto com os sindicatos tradicionais, com o MOC e, eventualmente, com o

MDB. Um forte exemplo disso foi a fundação do jornal O Grito da Terra, que reuniu PT e

MOC no projeto de comunicação popular, mas os distanciou nos métodos utilizados para isso.

A CUT influenciou fortemente na radicalização do discurso de autonomia de classe e a

disputa dos petistas-cutistas pelo espaço onde os tradicionais, até então, se sentiam

confortáveis, ficou óbvia.

Os trabalhadores rurais, que se expressavam como categoria mobilizada desde final da

década de 1970, foram objeto de disputa, tendo em muitos momentos se unido aos petistas-

cutistas nas lutas, até que se filiassem à CUT em 1989. Porém, isso não significou a

desvinculação dessa categoria com o MOC, que continuou mantendo certa influência na sua

formação política.

Ao longo da década de 1980, as greves e as disputas pelas direções sindicais em Feira

de Santana atingiram seu ápice e, a seguir, arrefeceram. Isso está diretamente relacionado com

a luta de classes a nível nacional e a posterior reorganização da classe dominante a partir de

fins da década de 1980, a começar pela derrota do projeto de tomada do aparato estatal pela

classe trabalhadora, com a vitória de Collor nas eleições de 1989. Dois anos depois, teve

início no estado da Bahia o ciclo de governos estaduais carlistas, que reprimia fortemente as

manifestações de trabalhadores e durou mais de uma década. Em Feira de Santana, mesmo

com a volta de Colbert Martins à prefeitura em 1989 – e as tentativas de manter relações

próximas com a classe trabalhadora, como a visita aos bairros para ouvir as demandas dos

moradores – a cidade se integrou ao desemprego estrutural, o que contribuiu para a

modificação do perfil dos trabalhadores feirenses e também nas suas formas de se fazerem

representar.

A CUT em Feira de Santana não se institucionalizou, nem as oposições conquistaram

os sindicatos principais, nem as diretorias tradicionais conseguiram “fazer voltar” o controle

que possuíam uma década antes. Depois disso, as oposições se arrefeceram e os tradicionais

continuaram no poder, contudo, tendo que dar conta de demandas construídas ao longo do

processo de embate, incorporando nas suas reivindicações corporativas as pautas trazidas pelo

novo sindicalismo através dos petistas-cutistas.

Todo esse período, que aqui foi comentado através de sua ordem cronológica, foi

tratado nos capítulos a partir do fio condutor que guiou a pesquisa: a experiência da classe

trabalhadora feirense através do que dela nos pareceu mais palpável, que foi a tradição nas

formas organizativas dos sindicatos e nas práticas dos sindicalistas. Assim, no primeiro

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capítulo mostramos o território, em múltiplos sentidos, onde aconteceram as lutas: diálogo

com a historiografia sobre a possibilidade de se fazer uma história nacional, os limites do

novo sindicalismo como modelo e as possibilidades enquanto princípio norteador de um

projeto político, a possibilidade do uso do conceito de experiência, os vestígios da experiência

da classe trabalhadora feirense através de estudos já realizados sobre os grupos subalternos e,

por fim, a disputa pelo espaço urbano de Feira de Santana como reveladora de uma tradição

nas relações entre dominantes e dominados. Esse prelúdio foi necessário para que tratássemos

das disputas que envolveram sindicatos, pois mostrou as premissas sobre as quais nós

guiamos a pesquisa, bem como apresentou a constituição de um bloco de poder hegemônico

da classe dominante entre os trabalhadores através de sua tentativa de retomar e manter as

relações paternalistas construídas décadas antes.

O capítulo 2 apresentou as lutas ocorridas na cidade no período estudado e os sujeitos

que as viabilizaram. Partindo disso, vimos como as disputas entre petistas-cutistas e

tradicionais tensionaram as práticas organizativas destes últimos, forçando-os a tomar posição

diante de mobilizações coletivas que punham em perigo seu poder de influência entre os

trabalhadores feirenses. Isso também porque os petistas-cutistas perceberam a profusão de

manifestações dos trabalhadores nos seus diversos espaços de convivência e as utilizaram

como impulso para seu projeto de unidade e autonomia de classe.

Porém, os petistas-cutistas não conseguiram consolidar esse projeto, por diversos

motivos. Isso foi mostrado no terceiro capítulo, onde as disputas pela classe trabalhadora

feirense ganhou destaque. Os recursos utilizados por petistas-cutistas, tradicionais e aqui

também pelo MOC partiram de premissas diversas. Os primeiros tinham uma forte

preocupação em adequar as demandar dos trabalhadores feirenses a pautas de luta nacionais,

pois esse era um caminho para a unificação da classe trabalhadora brasileira. Em muitos

momentos, esse método de luta não levou em conta a própria tradição organizativa da classe

trabalhadora feirense.

E foi justamente esse o ponto de sustentação dos tradicionais. Utilizando-se sempre do

argumento que os petistas-cutistas eram “alheios à classe”, chamavam a atenção para si como

legítimos representantes dos trabalhadores. Utilizaram-se também das boas relações com os

dominantes para se perpetuarem enquanto diretores de sindicatos. A barganha política, as

fraudes eleitorais e as ameaças de demissão foram recursos constantes de intimidação dos

trabalhadores. O MOC, se valeu da sua atuação junto aos trabalhadores rurais para propor um

equilíbrio entre a luta política e a conciliação de classe. Seu caráter de entidade não classista

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foi importante para a sua defesa de não filiação partidária que, por sua vez, ajudou na sua

aceitação em espaços da sociedade civil e política.

Todos esses elementos, postos em conflito, abriram um flanco na relação entre

dominante e dominados que, ainda que não tenham resultado no rompimento com as relações

paternalistas nem com uma prática organizativa de caráter assistencialista associada a ela,

ajudou a criar desconfiança entre os trabalhadores para com os setores dominantes da cidade e

forçou a circulação da tese da independência política da classe trabalhadora. O novo

sindicalismo ajudou também a promover uma aproximação entre as lutas locais e as pautas

nacionais dos trabalhadores. Abriram-se espaços para a crítica das políticas dos governos

federais, através do olhar do próprio trabalhador. O lugar do Estado na vida cotidiana foi

problematizado de modo novo e o Estado, com seu caráter de classe, apareceu então como

obstáculo à luta dos trabalhadores, que precisavam se unificar nacionalmente para vencer os

dominantes, que também buscavam coesão.

As maneiras pelas quais os trabalhadores lutaram no passado e o lugar dessas lutas e

formas de relacionamento com os grupos sociais dominantes permaneceram, no período de

que nos ocupamos, como tradição. Assim, petistas-cutistas tiveram de encarar um

sindicalismo calcado em práticas assistencialistas e trabalhadores que estabeleciam relações

de confiança com os dominantes. Por outro lado, os tradicionais tiveram de lidar com a força

do discurso de autonomia de classe do novo sindicalismo, bem como com suas constantes

tentativas de solidariedade entre os próprios trabalhadores, através das mobilizações coletivas,

encarando os dominantes como inimigos.

Nos embates entre tradicionais e petistas-cutistas encontramos aspectos importantes,

localizamos os espaços em que ela se deu, identificamos agentes, formas de expressão e

prática dos sujeitos que sem dúvida são expressões da sua experiência. As linguagens e

práticas diferentes, postas em conflito pela direção política da classe, envolveram múltiplas

dimensões: tradição, memória, domínio e enraizamento nas tradições locais, condições

materiais dos migrados e suas relações com a sociedade política, relações de paternalismo.

Todavia, a análise apurada dessas dimensões se tornou difícil por uma razão principal,

que é o acesso restrito a fontes produzidas pelos próprios sujeitos. Em que pese termos

apontado para padrões de comportamento na prática política da classe trabalhadora feirense,

sua experiência só pode ser definida de modo mais profundo e rigoroso na análise de outras

dimensões que dizem respeito à sua formação enquanto classe e também a uma concepção de

mundo que extrapola em vários aspectos os limites postos pelas lutas analisadas aqui. . A

pesquisa histórica sobre a experiência de classe dos trabalhadores de Feira de Santana nas

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últimas décadas do século XX já saiu da estaca zero, como pretendemos haver demonstrado,

mas tem ainda muito o que avançar.

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Anexos

Ato público do Dia do Trabalhador de 1985 no Centro de Feira de Santana. Acervo Gerinaldo Costa/LABELU.

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Trabalhadoras rurais fazem encenação durante o ato público do Dia do Trabalhador de 1985 no Centro de Feira de Santana. Acervo Gerinaldo Costa/LABELU.

Homens pintam um muro no Centro de Feira de Santana como parte dos protestos contra a fundação da UDR na cidade. Jornal Feira Hoje, 08 de julho de 1986, p.3.

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Ato público no Centro de Feira de Santana contra a fundação da UDR na cidade. Ladeira do CAF. Jornal Feira Hoje, 08 de julho de 1986, p.3.

Manifestantes no Centro de Feira de Santana. Greve geral de 1986. Jornal Feira Hoje 13 de dezembro de 1986, p.1.

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Manifestantes exigem do prefeito José Falcão (de óculos) que a prefeitura seja fechada. Greve geral de 1986. Jornal Feira Hoje 13 de dezembro de 1986, p.1.

Manifestantes no Centro de Feira de Santana. Greve geral de agosto de 1987. Informativo da ADUFS, setembro de 1987, p.4.

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Policiais reprimem manifestantes no Centro de Feira de Santana. Greve geral de 1991. Jornal Feira Hoje, 24 de maio de 1991, p.3.

Moradores do bairro Campo Limpo na porta da Prefeitura, em protesto contra as más condições do transporte coletivo. 13 de abril de 1987. Acervo Gerinaldo Costa/LABELU.

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Moradores do bairro Campo Limpo na porta da Prefeitura, em protesto contra as más condições do transporte coletivo. 13 de abril de 1987. Acervo Gerinaldo Costa/LABELU.

Policiais reprimindo manifestação dos ocupantes de um terreno no Sítio Matias, próximo ao CAF, que haviam sido expulsos do local horas antes. Centro de Feira de Santana. Jornal Feira Hoje, 19 de março de 1987, p.1.

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Garis em diálogo com o prefeito Colbert Martins pelo atraso no aumento dos salários. Sede do Jornal Feira Hoje. Jornal Feira Hoje, 31 de janeiro de 1980, p.5.

Cartaz de divulgação do jornal O Grito da Terra. Sem data.

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Lista de fontes

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“Gritar é preciso (Avaliação I)”. ADEFS, s/d, p.1 e 2.

FROEMENT, Yves. Observações sobre O Grito da Terra. 25 de janeiro de 1984.

Opção Sindical. Boletim da Oposição Bancária. Abril de 1986.

Opção Sindical. Boletim da Oposição Bancária. Maio de 1986.

Relatório Anual. MOC, 1984.

Resoluções do I ENCLAT, p.6.

Resoluções do I ENCLAT, p.7.

Acervo ADUFS

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“Defesa das universidades estaduais”. Informativo da ADUFS, setembro de 1987, p.8.

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p.1.

Sindicato dos Metalúrgicos de Salvador

Livro de ata do Sindicato dos Metalúrgicos de Salvador. Reunião da diretoria plena, 24

Acervo Gerinaldo Costa/LABELU

Comissão Pró-CUT da Região de Feira de Santana. 1º de Maio.

CUT – Bahia e CGT – Bahia. Jornal da Greve. Salvador, 13 de dezembro de 1986.

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Panfleto – Comissão Organizadora do 1º de Maio de 1991.

Por que vamos parar o país? Cartilha de Formação. Comissão Pró-CUT Regional de Feira de

Santana. Ano I, nº 1, agosto de 1987, p.9.

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Depoimentos

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Depoimento de Antonio Carlos Lima Rios (Nei Rios). Acervo Áudio-visual Memória das

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Depoimento de Carlos Mello. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.

Depoimento de Elizio Santa Cruz. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.

Depoimento de. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.

Depoimento de José Rocha. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.

Depoimento de Marialvo Barreto. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.

Depoimento de Maslowa Freitas. Acervo Áudio-visual Memória das Lutas. LABELU/UEFS.

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p.3.

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de janeiro 1985, p.2.

“A influência partidária”. Jornal Feira Hoje, 22 de dezembro de 1982, p.3.

“Abortos e personalismos”. Jornal Feira Hoje, 13 de junho de 1982, p.2.

“Almoço com operários”. Jornal Feira Hoje, 02 de agosto de 1981, p.11.

“APROFS desconhece FITEE mas apóia reivindicações”. Jornal Feira Hoje, 02 de fevereiro

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1990, p.2.

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“Bancário critica medidas contra o direito de greve”. Jornal Feira Hoje, 13 de março de

1979, p.3.

“Bancário faz denúncias contra o atual presidente do sindicato”. Jornal Feira Hoje, 09 de

maio de 1980, p.5.

“Bancários vão criar uma nova cooperativa”. Jornal Feira Hoje, 18 de agosto de 1978, p.3.

“Chapa de oposição enfrenta Délcio Mendes na Justiça”. Jornal Feira Hoje, 30 de maio de

1991, p.3.

“Chegamos” (Editorial da edição inaugural). Jornal Feira Hoje, 05 de setembro de 1970, p.2.

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“Colbert atende numa Secretaria”. Jornal Feira Hoje, 09 de fevereiro de 1990, p.3.

“Collor promete lutar por um Brasil novo (oitenta mil pessoas aplaudem o candidato)”. Jornal

Feira Hoje, 10 de outubro de1989, p.1.

“Coluna Sindical”. Jornal Feira Hoje, 08 de agosto 1980, p.10

“Começam preparativos visando a greve geral”. Jornal Feira Hoje, 2 de agosto de 1987, p.6.

“Comerciários criticam atuação de Délcio Mendes no sindicato”. Jornal Feira Hoje, 04 de

outubro de 1987, p.6.

“Comerciários mais conscientes procuram informação no sindicato”. Jornal Feira Hoje, 15 de

dezembro de 1977, p.3.

“Comunidade apóia as invasões e critica política habitacional”. Jornal Feira Hoje, 06 de

dezembro de 1987, p.3.

“Comunidade universitária frustrada com o veto à eleição direta para reitor”. Jornal Feira

Hoje, 25 de março de 1987, p.3.

“Confusão, queixas e poucos votos entre os comerciários”. Jornal Feira Hoje, 11 de junho de

1987, p.3.

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“Coordenação”. Jornal Feira Hoje, 15 de janeiro de 1980, p.2.

“Criado um programa habitacional para o trabalhador sindicalizado de baixa renda”. Jornal

Feira Hoje, 13 de janeiro de 1980, p.3.

“Críticas do PT aos seminários do PMDB aborrecem membro da executiva.” Jornal Feira

Hoje, 08 de fevereiro de 1987, p.2

“Custo de vida já não causa surpresa aos consumidores”. Jornal Feira Hoje, 27 de abril de

1980, p.5.

“CUT realiza o I Congresso dos Trabalhadores Rurais”. Jornal Feira Hoje, 19 de agosto de

1989, p.4.

“Decreto vai redefinir zona urbana de Feira”. Jornal Feira Hoje, 17 de janeiro de 1990, p.5.

“Delcetes”. Jornal Feira Hoje, 05 de junho de 1987, p.2.

“Délcio cauteloso: unificação salarial”. Jornal Feira Hoje, 02 de fevereiro de 1979, p.5.

“Délcio Mendes quer ser reeleito mais uma vez”. Jornal Feira Hoje, 28 de fevereiro de 1987,

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“Délcio pretende renovar mandato no Sindicato dos Comerciários”. Jornal Feira Hoje, 17 de

maio de 1987, p.5.

“Délcio toma posse de novo no sindicato”. Jornal Feira Hoje, 29 de junho de 1978, p.3.

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“Desabrigados recebem lotes da prefeitura”. Jornal Feira Hoje, 12 de março de 1980, p.3.

“Eleição dos comerciários termina em clima de tensão”. Jornal Feira Hoje, 22 de junho de

1991, p.4.

“Encontro dos trabalhadores não terá participação do sindicato”. Jornal Feira Hoje, 27 de

setembro de 1980, p.3.

“Encontro dos trabalhadores rurais terá seu encerramento esta tarde”. Jornal Feira Hoje, 28 de

setembro de 1980, p.6.

“Entidades farão passeata de protesto contra a UDR”. Jornal Feira Hoje, 04 de julho de 1986,

p.3.

“Entidades sindicais se reúnem para discutir unificação de luta”. Jornal Feira Hoje, 19 de

maio de 1982, p.3.

“Estatuto do Magistério desagrada professores”. Jornal Feira Hoje, 18 de março de 1987, p.2.

“Eu tento corrigir um pouco o mar de lama”. Entrevista de Ildes Ferreira. Jornal Feira Hoje,

26 de agosto de 1990, p.2.

“Exercício da cidadania passa pela participação”. Jornal Feira Hoje, 30 de janeiro de 1990,

p.2.

“Falta programação”. Jornal Feira Hoje, 28 de abril de 1983, p.3.

“Fazendeiros doam animais para a organização da UDR”. Jornal Feira Hoje, 09 de julho de

1986, p.3.

“Feira lembra o dia contra o desemprego”. Jornal Feira Hoje, 30 de setembro de 1981, p.3.

“Feirenses apóiam greve como medida para enfrentar crise”. Seção Na boca do povo. Jornal

Feira Hoje, 26 de novembro de 1989, p.5.

“Festa do trabalhador foi adiada para o dia cinco”. Jornal Feira Hoje, 28 de abril de 1979, p.5.

“Flagrantes de uma (tensa) manifestação”. Jornal Feira Hoje, p.5.

“Foi surpresa o seminário”. Jornal Feira Hoje, 07 de março de 1979, p.3.

“Garis protestam e ameaçam fazer greve”. Jornal Feira Hoje, 31 de janeiro de 1980, p.5.

“Gráficos se reuniram ontem para discutir criação da associação.” Jornal Feira Hoje, 21 de

março de 1979, p.5.

“Greve dos metalúrgicos em São Paulo atinge comércio”. Jornal Feira Hoje, 03 de maio de

1980, p.3.

“Greve ganha adesões mas o policiamento será ostensivo”. Jornal Feira Hoje, 20 de agosto de

1987, p.3.

“Greve geral divide sindicalistas”. Jornal Feira Hoje, 19 de julho de 1983, p.4.

“Imposto sindical só vai para a indústria”. Jornal Feira Hoje, 24 de setembro de1978, p.1.

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“Inocoop explica paralisação do Prosindi e líderes não aceitam”. Jornal Feira Hoje, 28 de

outubro de 1980, p.4.

“Instalada Cooperativa Habitacional de Feira”. Jornal Feira Hoje, 18 de setembro de 1990,

p.4.

“Lançado”. Jornal Feira Hoje, 15 de dezembro de 1982, p.2.

“Líder sindical vai participar de reunião”. Jornal Feira Hoje, 15 de março de 1978 p.3.

“Líderes sindicais dizem que aumento salarial do governo não satisfaz as necessidades”.

Jornal Feira Hoje, 03 de maio de 1980, p.3.

“Liomar Ferreira: ‘O PT é um fiasco em termos de oposição”. Jornal Feira Hoje, 05 de agosto

de 1981, p.2.

“Lula se considera o melhor candidato”. Jornal Feira Hoje, 13 de outubro de 1989, p.1.

“Mais de 600 casas para os trabalhadores do CIS”. Jornal Feira Hoje, 13 de dezembro de

1985, p. 2.

“Manifestações no Parque Ipê e São José durante o 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 01 de

maio de 1990, p.3.

“Metalúrgicos grevistas de SP vão receber ajuda de Comitê”. Jornal Feira Hoje, 15 de abril

de 1980, p.3.

“Missa marca os 113 anos de fundação do Montepio”. Jornal Feira Hoje, 07 de setembro de

1989, p.5.

“Modificações geram polêmica”. Jornal Feira Hoje, 05 de dezembro de 1979, p.3.

“Motoristas de táxi não querem trabalhar à noite”. Jornal Feira Hoje, 09 de novembro de

1980, p.3.

“Motoristas deixam a cidade sem táxi”. Jornal Feira Hoje, 08 de novembro de 1980, p.4.

“Núcleo local do PT firma compromisso com Colbert”. Jornal Feira Hoje, 29 de novembro de

1979, p.2.

“O antigo pouso dos tropeiros e vaqueiros é hoje um importante centro urbano com grandes

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“Oprimidos”. Jornal Feira Hoje, 13 de maio de 1980, p.2.

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“Pelo 1º de Maio”. Jornal Feira Hoje, 26 de março de 1985, p.2.

“Política sindical: não ao micareta no dia do trabalho”. Jornal Feira Hoje, 07 de fevereiro,

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“Poucos motoristas inscritos no curso de Relações Humanas”. Jornal Feira Hoje, 22 de

fevereiro de 1980, p.5.

“Poucos trabalhadores participam de comemoração ao dia 1º de maio”. Jornal Feira Hoje, 03

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“Prefeito contribuirá para que sindicatos participem da CONCLAT”. Jornal Feira Hoje, 02 de

agosto de 1981, p.4.

“Prefeito diz que construção de residências não será problema”. Jornal Feira Hoje, 16 de abril

de 1980, p.3

“Prefeito diz que táxi-lotação só depende de novo regulamento”. Jornal Feira Hoje, 08 de

janeiro de1980, p.3.

“Prefeitura entra na Justiça para retomar área invadida”. Jornal Feira Hoje de 01 de dezembro

de 1987, p.3

“Presidente do PT diz que não há mobilização: greve”. Jornal Feira Hoje, 20 de julho de

1983, p.3.

“Presidente do Sindicato Rural nega envolvimento”. Jornal Feira Hoje, 04 de julho de 1986,

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“Protesto nas ruas contra a presença da UDR em Feira”. Jornal Feira Hoje, 08 de julho de

1986, p.3.

“Protestos em meio a folia para comemorar Dia do Trabalhador”. Jornal Feira Hoje, 24 de

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“PT não acredita em Tancredo”. Jornal Feira Hoje, 20 de janeiro de 1985, p.2.

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“Sindicalistas divulgam manifesto”. Jornal Feira Hoje, 28 de abril, p.3.

“Sindicalistas não aderem ao protesto contra a Previdência”. Jornal Feira Hoje, 12 de março

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“Sindicato tem eleição dia 29”. Jornal Feira Hoje, 28 de março de 1978, p.1.

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“Trabalhadores não gostam do atendimento do sindicato”. Jornal Feira Hoje, 11 de julho de

1978, p.1

“Trabalhadores rurais escolhem nova diretoria para o sindicato”. Jornal Feira Hoje, 18 de

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“Yara afirma que somente aceitará a reitoria se vencer a eleição direta”. Jornal Feira Hoje, 03

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Jornal Folha do Norte

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Jornal O Bancário

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1984, p.10.

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“Jogo do Bicho e política”. Jornal O Grito da Terra, março de 1982, p.8.

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“O Grito da Terra. Uma experiência que se afirma”. Jornal O Grito da Terra, julho de 1982,

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“Sindicatos se encontram para discutir movimento de ICM”. Jornal O Grito da Terra,

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Outros

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de 1989. [Doação de Anna Kaufman]

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Luta dos Trabalhadores. Feira de Santana, s/d. [Doação de Anna Kaufman]

Comissão Pró-CUT Regional de Feira de Santana. Convocatória para o Congresso de

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Experiência de Ação no Comércio de Feira de Santana – Bahia. Movimento Comerciários em

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“Entrevista, Ildes Ferreira”, Revista Panorama da Bahia, Ano 5, nº 101, maio de 1988, p. 3-5.