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Ano 7 nº 71 janeiro 2007 ENTREVISTA REGINA VARGO: FALTA DE ACORDO FAZ ESTADOS UNIDOS E BRASIL PERDEREM OPORTUNIDADES O QUE O PAÍS PODE GANHAR COM A NOVA LEI DO SANEAMENTO COMO LER WILLIAM SHAKESPEARE SOB O VIÉS POLÍTICO EM BUSCA DE UM CONSENSO PARA A ECONOMIA AVANÇAR E MAIS

EM BUSCA DE UM CONSENSO PARA A ECONOMIA AVANÇARbibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/revistas_dig... · trabalho em grupo, responsabilidade, liderança e iniciativa

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Ano 7nº 71janeiro2007

ENTREVISTA REGINA VARGO: FALTA DE ACORDO FAZ ESTADOS UNIDOS E BRASIL PERDEREM OPORTUNIDADES

O QUE O PAÍS PODE GANHAR COM A NOVA LEI DO SANEAMENTOCOMO LER WILLIAM SHAKESPEARE SOB O VIÉS POLÍTICO

EM BUSCA DE UM CONSENSOPARA A ECONOMIA AVANÇAR

E MAIS

INDÚSTRIA BRASILEIRA 5WWW.CNI.ORG.BR

EDITORIAL

UM PASSO EM DIREÇÃOAO DESENVOLVIMENTOO Brasil terá, a partir deste ano, um marco regulatóriopara o saneamento básico, proporcionando maiorsegurança aos investimentos

Armando Monteiro Neto, presidente da CNI - Confederação Nacional da Indústria

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EDITORIAL

NO FINAL DE 2006, O CONGRESSO NACIONAL

aprovou uma lei que há muito se esperava e quepossibilitará grandes benefícios sociais e econômi-cos. Após quase duas décadas, chegou-se a umconsenso a respeito das regras para organizar omercado de saneamento básico. Marcos regulató-rios estáveis e modernos como esses são imprescin-díveis para aumentar a taxa de investimento daeconomia, hoje em cerca de 20% do ProdutoInterno Bruto (PIB), a metade do que se observanos países que mais crescem no mundo.Investimentos em infra-estrutura favorecem o cres-cimento de modo imediato, pela geração deempregos, e, também, a longo prazo, pela melho-ra dos serviços à disposição das pessoas e dasempresas do país como um todo.

A parceria entre o setor público e o setor priva-do já é comum na área de saneamento em paísesdesenvolvidos. Será vital para o Brasil, que enfrentagrandes impasses fiscais, com elevada carga tributá-ria, despesas correntes crescentes e investimentospúblicos abaixo do mínimo necessário. Estima-seque, caso fossem mantidos só os escassos recursospúblicos, o país levaria 63 anos para universalizar osserviços de saneamento. Compartilhando-se inves-timentos públicos e privados, poderá alcançar auniversalização em 20 anos.

A CNI e as associações setoriais tiveram umpapel essencial ao mobilizar os vários segmentos dasociedade na busca de uma proposta factível.Assim, foi possível aperfeiçoar o projeto de leienviado, em 2005, pelo Governo Federal, ao

Congresso Nacional. Uma mudança importantefoi limitar a composição e os poderes do conselho aser criado para analisar as medidas na área. O con-selho será consultivo, e assim, as decisões não vãointerferir, obrigatoriamente, nos projetos. Do con-trário, poderia ser replicado o engessamento que seobserva hoje nas questões de meio ambiente.

Ainda depende do Supremo Tribunal Federal(STF) a fundamental decisão sobre a titularidade dosaneamento básico: se é de responsabilidade dosestados ou dos municípios. Mas a aplicação da novalei independe disso. A regulação e a fiscalização dosetor ficarão a cargo de agências, que poderão sermunicipais, estaduais ou abarcar bacias hidrográfi-cas completas, em diferentes estados.

O Sistema Indústria vem acompanhando deperto a questão do saneamento. O MapaEstratégico da Indústria 2007-2015, conjuntode objetivos e programas para o país alcançar odesenvolvimento sustentado, estabelece que sepasse dos atuais 54% de domicílios urbanos comrede de esgoto, para 70% em meados da próximadécada. Água tratada já é disponível em 92% dasresidências nas cidades. Assim, o grande gargalocontinua a ser o tratamento de esgotos.

Se atingirmos um patamar mais elevado na área desaneamento, os impactos na saúde da população serãosubstantivos. Hoje, 90% das internações em hospitaispúblicos são decorrentes de doenças que têm a águacomo vetor de transmissão. Investir em saneamentoresulta, portanto, em amplos reflexos na sociedade, nodireito à vida e à saúde ao crescimento econômico.

ARMANDO MONTEIRO NETO

18 CapaPara destravar o crescimento econômico, o Brasil busca um consenso como o que levou à consolidação da industrialização e o que resultou no Plano Real

28 Comércio ExteriorA União Européia estabeleceu normas rígidas para a importação de 30 mil componentes químicos, o que poderá limitar importações

32 RegulaçãoO Congresso Nacional aprovou uma lei para o saneamento básico que permitirá o aumento dos investimentos, com participação do setor privado

35 TributaçãoDiferentemente de outros países, empresas brasileiras pagam impostos antes mesmo de receber dos clientes por seus produtos

ARTIGO50 DANUZA LEÃO

O homem que quer garantir a duração do casamento deve fazer sua esposa se sentir sempre conquistada

SEÇÕES8 LUPA

12 ENTREVISTARegina Vargo diz que Estados Unidos perdem oportunidades de negócios com o adiamento da Alca

38 INDICADORESCrescimento da economia brasileira será maior em 2007 e continuará no ritmo lento dos últimos anos

40 PONTO DE VISTAPaulo Fernandes Tigre projeta números melhores da economia em 2007, e Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira alerta para o risco de medidas que ameacem a estabilidade econômica

42 CULTURAPeças teatrais de Shakespeare têm nova versão em português e iluminam o jogo da política

www.cni.org.brDIRETORIA DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - QUADRIÊNIO 2006/2010

Presidente: Armando de Queiroz Monteiro Neto (PE);Vice-Presidentes: Paulo Antonio Skaf (SP), Robson Braga de Andrade (MG), Eduardo Eugenio GouvêaVieira (RJ), Paulo Gilberto Fernandes Tigre (RS), José deFreitas Mascarenhas (BA), Rodrigo Costa da Rocha Loures(PR), Alcantaro Correa (SC), José Nasser (AM), JorgeParente Frota Júnior (CE), Francisco de Assis BenevidesGadelha (PB), Flavio José Cavalcanti de Azevedo (RN), Antonio José de Moraes Souza (PI)1º Secretário: Paulo Afonso Ferreira (GO);2º Secretário: José Carlos Lyra de Andrade (AL);1º Tesoureiro: Alexandre Herculano Coelho de Souza Furlan (MT);2º Tesoureiro: Alfredo Fernandes (MS); Diretores: Lucas Izoton Vieira (ES), Fernando de Souza FlexaRibeiro (PA), Jorge Lins Freire (BA), Jorge MachadoMendes (MA), Jorge Wicks Côrte Real (PE), Eduardo PradoDe Oliveira (SE), Eduardo Machado Silva (TO), JoãoFrancisco Salomão (AC), Antonio Rocha da Silva (DF), José Conrado Azevedo Santos (PA), Euzebio AndréGuareschi (RO), Rivaldo Fernandes Neves (RR), FranciscoRenan Oronoz Proença (RS), José Fernando Xavier Faraco(SC), Olavo Machado Júnior (MG), Carlos Antonio deBorges Garcia (MT), Manuel Cesario Filho (CE).

CONSELHO FISCALTitulares: Sergio Rogerio de Castro (ES), Julio Augusto Miranda Filho (RO), João Oliveira de Albuquerque (AC);Suplentes: Carlos Salustiano de Sousa Coelho (RR), Telma Lucia de Azevedo Gurgel (AP),Charles Alberto Elias (TO).

UNICOM - Unidade de Comunicação Social CNI/SESI/SENAI/IEL

ISSN 1519-7913Revista mensal do Sistema IndústriaDiretor executivo - Edgar LisboaDiretor institucional - Marcos Trindade

ProduçãoFSB ComunicaçõesSHS Quadra 6 - cj. A - Bloco E - sala 713CEP 70322-915 - Brasília - DF Tel.: (61) 3323.1072 - Fax: (61) 3323.2404

e Gerência de Jornalismo da UNICOMSBN Quadra 1, Bloco C, 14º andar Brasília - DF - CEP 70040-903 Tel.: (61) 3317.9544 - Fax: (61) 3317.9550e-mail: [email protected]ção IW Comunicações - Iris Walquiria Campos RedaçãoEditor: Paulo Silva Pinto Editor-assistente: Enio VieiraEditor de arte: Flávio CarvalhoRevisão: Rip EditoresPublicidade FSB ComunicaçõesMagno Trindade - [email protected] Visconde de Pirajá, 547 - Grupo 301Rio de Janeiro - RJ - CEP 22410-003 Tels.: (21) 2512.9920 / 3206.5061Gilvan Afonso - [email protected] Quadra 06 - Conj. A - Bloco C sala 322Brasília - DF - CEP 70316-109 Tel.: (61) 3039-8150Cel.: (61) 8447-8758Impressão - Gráfica CoronárioCAPA: FSB DESIGNAs opiniões contidas em artigos assinados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, o pensamento da CNI.

JANEIRO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

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CONQUISTANDO MERCADOSA EMPRESA SERIMAR, DO SETOR MADEIREIRO, QUE

tem unidades em Curitibanos, Concórdia e RioNegrinho, em Santa Catarina, e em Jaguariaíva e Bituruna, no Paraná, alcançou o mercado europeu. O briquete da empresa - lenha produzida a partir de resíduos de madeira - é exportado para a Áustria desde outubro, com embarques que chegam a oito contêineres por semana. Para conquistar o exigente mercado austríaco, a Serimar procurou o IEL e foi incluída no projeto de InserçãoInternacional Sustentável, focado na prospecção de mercados no Europa. "Selecionamos dez empresas de todo o Brasil para que, no período de maio de 2006 a maio de 2007, fechem negócios com países da Europa", afirma a assistente administrativa do IEL Paula Carolina Andrade Alencar.

8 INDÚSTRIA BRASILEIRA

FUTEBOL E QUALIFICAÇÃOO SENAI FLUMINENSE E A ONG COMPANHEIROS DAS

Américas estão implementando o Projeto Vencer em trêsunidades do SENAI do Rio de Janeiro. O projeto utilizaráo futebol na capacitação de 180 jovens de comunidades de baixa renda. Eles desenvolverão noções de disciplina,trabalho em grupo, responsabilidade, liderança e iniciativa.Depois, freqüentarão cursos técnicos de Telemarketing

e Assistência e Suporte ao Usuário de Informática. A duraçãototal do programa é de sete meses e, depois da qualificação,

os jovens serão encaminhados a empresas para uma experiênciasupervisionada. O projeto surgiu de uma conversa de Pelé com

o presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)Enrique Iglesias e também está sendo aplicado no Equador e Uruguai.

ENERGIA DAS BACTÉRIASAS BACTÉRIAS PODEM SER UMA FONTE DE

energia limpa e renovável em um futuropróximo. De acordo com o relatórioConversão de Energia Microbiológica daAcademia Norte-Americana de Microbiologia,os microorganismos podem ser utilizados paraa produção de combustíveis alternativos,como etanol, hidrogênio, metano e butanol.O documento, que pode ser consultado em inglês no site da academia(www.asm.org/colloquia), discute asvantagens, desvantagens e dificuldadestécnicas de cada metodologia de produção, além de indicar futurasnecessidades de pesquisas.

CRÉDITO PARA INDÚSTRIA PARANAENSEFOI CRIADO, NO FINAL DO ANO PASSADO, O FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS FIEP

Industrial (FIDC). A idéia é garantir competitividade à indústria paranaense para realizar investimentos,com maiores prazos de pagamento e juros menores. A previsão da entidade é conseguir uma redução de até 60% nas operações financeiras realizadas pelas empresas do estado. “Desde o início da nossa gestão,estamos buscando caminhos alternativos que permitam, às indústrias, acesso ao crédito mais barato", disse o presidente da Fiep Rodrigo da Rocha Loures. De acordo com o presidente da entidade, o fundo serácolocado à disposição de toda indústria filiada a um dos 96 sindicatos da base de representação da Fiep.

COMBUSTÍVEIS RENOVÁVEISA AGÊNCIA DE PROMOÇÃO DE

Exportações e Investimentos (Apex-Brasil)pretende firmar um convênio com aAgência de Desenvolvimento Político eEconômico da Região de Piracicaba (SP)para aumentar a divulgação, no exterior,da tecnologia brasileira de produção doetanol e dos demais combustíveisrenováveis. O objetivo é o fortalecimentoda imagem do Brasil no exterior comocentro de excelência na produção doetanol. As entidades assinaram umprotocolo de intenções no final do anopassado. Assim que for firmado, oconvênio irá beneficiar pelo menos 70empresas que integram o ArranjoProdutivo Local do Álcool de Piracicaba.A proposta também beneficiará osmunicípios de Sertãozinho e RibeirãoPreto, entre outros. Estão previstosinvestimentos conjuntos de cerca de R$ 4,5 milhões em atividades de divulgaçãoda tecnologia brasileira e promoção doproduto nacional. De acordo com a Uniãoda Agroindústria Canavieira de São Paulo(Unica), a produção brasileira de etanol,referente a partir da safra 2005/2006, foi de15.935.882 m3. As exportações em 2005foram de 2.600.617 m3.

FORMAÇÃO PARA A INDÚSTRIAO SENAI GAÚCHO INAUGUROU, NO FINAL

do ano passado, a Faculdade de TecnologiaSENAI (Fatec SENAI POA), em PortoAlegre. Os primeiros cursos a serem oferecidos são Tecnologia em Sistemas de Telecomunicações e Tecnologia emAutomação Industrial, os dois com foco no segmento industrial, expertise da entidade. De acordo com Paulo Tigre,presidente da Fiergs, "os tecnólogos formados nos dois cursos oferecidos terãocapacidade empreendedora e competênciastécnicas e de gestão”. O SENAI conta com 668 cursos técnicos em todo o país, 64 cursos de graduação e 64 de pós-graduação.

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ESTÍMULO AOS ESTUDOSPESQUISA REALIZADA COM 12 MIL ALUNOS DO

programa SESI Por um Brasil Alfabetizado revela que a iniciativa estimula a retomada dos estudos. Os alunos que participaram da avaliação saíram-se bem em oito das nove competências medidas, tendomédia mais alta (70,2%) na habilidade de identificar e nomear as letras, distinguir maiúsculas e minúsculas e diferenciar os diferentes tipos de letras (manuscritaou impressa). De acordo com a gerente executiva doSESI Mariana Raposo, o programa é o primeiro passopara que jovens e adultos aprendam a ler e a escrever,mas, sobretudo, tomem gosto pelos estudos. Em 2005,o programa atendeu 300 mil alunos com mais de 15anos em 734 municípios. O projeto é resultado deuma parceria do SESI com o Ministério da Educação e deve atender mais 100 mil pessoas em 2007.

TECNOLOGIA AMBIENTALQUASE 100 EMPRESAS BRASILEIRAS PARTICIPARAM DA POLLUTEC – A MAIOR FEIRA FRANCESA DO SETOR DE

meio ambiente, que, neste ano, ocorreu em Lyon, no final de novembro e início de dezembro, e teve o Brasilcomo convidado de honra. A missão brasileira, quatro vezes maior que a do ano anterior, contou com oestande Brasil Industrial, organizado pela CNI, IEL, e Plataforma Brasil-Europa, com o apoio das federaçõesdas indústrias, do SESI e do SENAI. Cerca de 300 encontros empresariais foram realizados nos quatro diasdas Rodadas de Negócios, realizadas paralelamente à feira. Na série de conferências sobre o Brasil, especialistasabordaram temas como a situação dos resíduos industriais no País, o contexto regulatório para resíduos, as perspectivas de novos projetos na área de biocombustíveis, oportunidades de negócios, o mercado decrédito de carbono brasileiro, o desempenho do setor sucroalcooleiro e as possibilidades na área do etanol e da biomassa. A Pollutec reuniu, aproximadamente, 67 mil visitantes, dos quais 8.000 estrangeiros.

SOBREPESOMETADE DOS TRABALHADORES DA INDÚSTRIA

brasileira está acima do peso ideal e 26,3% sofrem de hipertensão. Os dados são do PerfilEpidemiológico de Fatores de Risco emTrabalhadores da Indústria, feito pelo SESI e apresentado durante o Telecongresso Internacional SESI Indústria Saudável, no dia 21 de novembro do ano passado. A pesquisa revela que, além dos 49,7% que apresentaramexcesso de peso, 13,5% são obesos. Outros 7,7% têm colesterol elevado e 2,9% são portadores de diabetes. A pesquisa servirá como subsídio para os projetos de promoção da saúde dos empregados da indústria. "Vamos ampliar a implantação do programa de prevenção buscando identificar hábitos que fazem mal e modificá-los para a melhoria da saúde", explica a médica Ione Maria Fonseca de Melo, gerente de projetos do SESI. Segundo ela, entre as iniciativas do programa está o estímulo a atitudes ecomportamentos saudáveis por meio daconscientização individual e coletiva dostrabalhadores. A obesidade afeta cada vez mais pessoas em todo o mundo e vem sendoconsiderada uma epidemia. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde, o mundo já tem mais de 1 bilhão de adultos com algumsobrepeso, sendo que 300 milhões são obesos.

DESENVOLVIMENTO LIMPOPROJETOS DE EMPRESAS ORIENTADOS

para a redução do efeito estufa poderão seinscrever no programa de Apoio a Projetos

do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (Pró-MDL), lançado pela Financiadora de

Estudos e Projetos (Finep), do Ministério daCiência e Tecnologia. O programa vai investir,

até 2009, R$ 80 milhões em iniciativas focadas no combate à emissão de gases poluentes na atmosfera. A

iniciativa terá modalidade de financiamento reembolsávelpara apoio a projetos de pré-investimento e desenvolvimento

tecnológico de soluções, e não-reembolsável para projetos quepressupõem a cooperação entre empresas e instituições científicas

e tecnológicas. Mais informações no site da Finep (www.finep.gov.br).

CARTILHA SOBRELICENCIAMENTO AS MAIORES DÚVIDAS DAS MICROS

e pequenas empresas sobre licenciamentoambiental estão na cartilha lançada pelaFiesp em parceria com a Companhia deTecnologia e Saneamento Ambiental(Cetesb), do Departamento de Meio Ambiente (DMA), governo doEstado de São Paulo. A publicação, noformato de perguntas e respostas, estásendo distribuída para os sindicatosfiliados à Fiesp e para empresas e poderá ser consultada também no site da entidade (www.fiesp.org.br). "A cartilha cumpre um papel preventivo,pois permite à micro e pequena indústria tomar as providências corretas desde o início do processo de obtenção do licenciamentoambiental", destacou Arthur Cezar Whitaker de Carvalho,diretor-adjunto do DMA.

LIVRE COMÉRCIOA PARTIR DESTE MÊS, BRASIL E MÉXICO JÁ

dispõem de livre comércio para veículosleves. A decisão foi tomada pelos governosdos dois países após reuniões no final denovembro, na Cidade do México. Brasil e México tinham cotas de intercâmbiocomercial de 210 mil carros, em 2006, com alíquota de importação zero. A partir deste ano, a alíquota permanece zero e acaba o limite imposto pela cotas. Os segmentos de carroçarias, reboques,semi-reboques, máquinas agrícolas emáquinas rodoviárias terão livre comércio a partir de julho de 2011.

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Para a ex-negociadora norte-americana, Brasil e EstadosUnidos perdem oportunidades com o insucesso da Alca e aausência de outros acertos para reduzir barreiras comerciais

POR PAULO SILVA PINTO

QUEM VISITA WASHINGTON DIFICILMENTE NOTA UM PEQUENO EDIFÍCIO BRANCO DE

janelas estreitas, erguido há um século e meio. A solidez da construção, o peso histórico e adiscrição arquitetônica combinam com o perfil do inquilino, o representante de Comérciodos Estados Unidos (USTR na sigla em inglês) e sua equipe. O escritório cuida dasnegociações de comércio exterior, algo que em outros países é responsabilidade de diplomatas.

Entre 2001 e 2006, as negociações com os países das Américas estiveram sob a égideda sub-USTR Regina Vargo, funcionária pública desde 1971. Em julho do ano passado,ela deixou o governo para tornar-se diretora do escritório de advocacia GreenbergTrauging, com 35 escritórios espalhados pelo mundo.

Durante a passagem de Regina pelo escritório do USTR, fracassaram as negociaçõespara a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), mas foram firmados vários acordosbilaterais com países latino-americanos. Hoje, os Estados Unidos têm comércio maisintenso com a América Central do que com o Brasil.

Nesta entrevista à Indústria Brasileira, realizada em Brasília, Regina afirma que osEstados Unidos e o Brasil devem se concentrar na Organização Mundial do Comércio(OMC), onde as conversas poderão receber novo alento no próximo mês. Mais tarde, diz,haverá oportunidade para um acordo entre Estados Unidos e Mercosul. Ela alerta, porém,para um obstáculo no horizonte: a Venezuela.

Falta de acordo

ENTREVISTA LOURDES SOLA

INDÚSTRIA BRASILEIRA 1312 INDÚSTRIA BRASILEIRA JANEIRO 2007

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REGINA VARGO

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Indústria Brasileira – A Áreade Livre Comércio das Amé-ricas (Alca) foi proposta em1995 e deveria ter entrado emvigor no ano passado. O quedeu errado?Regina Vargo – No encontrode Miami, em 2003, ficouclara a divergência entre os doispaíses-líderes, Brasil e EstadosUnidos, sobre o alcance das discussões. Os EstadosUnidos queriam incluir serviços e propriedade inte-lectual. Havia uma série de assuntos que o Brasil nãoqueria discutir. O ponto mais difícil era o que fazercom subsídios agrícolas. Decidimos, então, ver seconseguíamos progressos na Rodada de Doha (daOrganização Mundial do Comércio, a OMC), emque já discutíamos essas questões. Ficou tambémclaro que nem todos os países das América Latinaestavam dispostos a abrir seus mercados uns para osoutros. O objetivo principal era negociar com osEstados Unidos. E nesse caso houve queixa de que aspropostas eram diferentes para cada país, mas nãopoderia ser diferente porque alguns já tinham gran-de acesso ao mercado norte-americano.

IB – Então, as negociações estavam fadadas ao fracasso?RV – Não era necessariamente algo impossível,mas o processo de negociação se revelou difícil.

do norte-americano, mas, também, pela garantia deinvestimentos, da propriedade intelectual.

IB – Diplomatas brasileiros afirmam que acordosassim são bons para países pequenos, mas não para oBrasil, com diversos setores que seriam prejudicadoscom uma abertura muito rápida. Qual sua opinião?RV – O exemplo óbvio é o México. Nós tínha-mos superávit comercial com o país quandonegociávamos o Nafta (acordo assinado entreEstados Unidos, México e Canadá). Nosso déficitanual hoje é de cerca de US$ 150 bilhões. A cor-rente de comércio triplicou. Segundo o governomexicano, o acordo criou mais de um milhão deempregos. Os governos apenas abriram as portase os empresários nos dois países trataram de des-cobrir as oportunidades, as complementaridadesdas duas economias.

IB – O México tem fronteira com os EstadosUnidos. Será que o Brasil conseguiria assinar umacordo nos mesmos termos?RV – Por que não? Claro que, na questão de aces-so a mercados, vocês não teriam interesse nas mes-mas coisas. Não há razão para que os acordossejam idênticos. Mas eu teria muita dificuldade deidentificar um ponto acertado com o México quenão pudesse valer para o Brasil. Essa preocupaçãoé mais teórica do que real.

IB – Mas o Congresso dos Estados Unidos teria amesma disposição em aprovar um acordo com o Brasil?RV – Eu diria que sim. Na verdade, parlamentaresressaltam que nós deveríamos olhar mais para paísesgrandes como o Brasil, com maior potencial decomércio; afinal esses acordos são muito trabalhosos.

IB – No caso da Alca, o governo dos Estados Unidosnão conseguiu sequer do Congresso o fast-track, alicença para negociar o acordo em condições especiais.RV – O fast-track está entre as coisas mais difíceisde aprovação no Congresso, porque envolve ques-tões ideológicas. Um acordo de livre-comércio édiferente, é algo concreto e específico. Uma dascoisas que discuti com a CNI é o papel do setorprivado nessa avaliação. Ao final das negociações,27 grupos apresentam um relatório ao Congresso,

de modo a explicar se o trabalho foi bom e se oacordo deve ser aprovado.

IB – Quais são esses grupos?RV – Há comitês técnicos, de setores da indústriae da agricultura, e outros de políticas públicas, emque analisam questões trabalhistas e de meio-ambiente. Governos estaduais avaliam se o acor-do comercial avançou sobre áreas que lhes sãoreservadas pela Constituição. A perspectiva deavaliação é muito ampla, e por isso, os acordossão aprovados por uma margem muito reduzida.Uma das grandes preocupações é com questõestrabalhistas. Os acordos em vigor estabelecemque as leis de cada país devem ser respeitadas, masparlamentares do Partido Democrata defendemrigor maior, com a observação de regras daOrganização Internacional do Trabalho (OIT).Sempre que nós demonstramos que o país com oqual estamos fechando o acordo tem um níveladequado de legislação trabalhista, e o Chile é umexemplo, a controvérsia diminui muito.

IB – Ao assinar um acordo com os Estados Unidos, ogoverno chileno abriu mão do poder que tinha de con-trolar a fuga de capitais em momentos de crise, o queprovocou queixas no país.RV – O acordo permite flexibilidade em situaçõeseconômicas adversas, ainda que o Chile não possamais fazer o que estava estabelecido antes na lei.

IB – Diplomatas brasileiros rejeitam a inclusão da pro-priedade intelectual num acordo de comércio pelo temorde que os Estados Unidos apliquem sanções sem consi-derar a falta de recursos para combater a pirataria. RV – É um erro achar que a primeira coisa quenós queremos é criar caso. Eu acho não tivemosnenhuma disputa na área de propriedade intelectual

IB – O Brasil foi um obstáculo?RV – Não há a menor dúvida. Claro que eles diriamque nós fomos o obstáculo.

IB – Mas qual a sua visão?RV – Nós tivemos grupos de discussão sobre muitostemas durante vários anos e, em certo momento,ficamos surpresos ao notar que o Brasil não queriaas negociações. Ao contrário, queria reduzir a quan-tidade de assuntos devido aos impasses. Não sei seestavam certos ou errados, mas é importante notarque, depois disso, nos últimos anos, os EstadosUnidos negociaram acordos bilaterais com muitospaíses de diferentes características e tamanhos naAmérica Latina e em todo o mundo, seguindo omodelo que nós tínhamos para a Alca.

IB – Se o Brasil não estivesse namesa, haveria uma Alca hoje?RV – Não sei. Mas muito dointeresse dos Estados Unidospela Alca era por conta doBrasil, a maior economia daAmérica Latina e a que ofe-rece mais oportunidades decomércio para os EstadosUnidos – e vice-versa.Muitos brasileiros ficam sur-

presos de saber que nós temos mais comércio comos países do Cafta (República Dominicana e cincopaíses da América Central) do que com o Brasil.

IB – Críticos dizem que os acordos bilaterais estabe-lecem grande acesso de empresas norte-americanasao país, mas pouco acesso das empresas do país aosEstados Unidos.RV – O Chile está imensamente feliz com o acor-do que estabeleceu com os Estados Unidos, queentrou em vigor em janeiro de 2004 e fez o comér-cio, entre os dois países, crescer 300%: no primeiroano aumentou US$ 1 bilhão. Outro exemplo é aNicarágua, cujo acordo entrou em vigor em marçodeste ano. As exportações entrou para os EstadosUnidos cresceram 33% (até outubro). O país rece-beu investimento de US$ 100 milhões, o equiva-lente a 2% do PIB do país, de uma empresa que sófoi para lá depois do acordo, pelo acesso ao merca-

Muito do interesse dos Estados Unidospela Alca era porconta do Brasil

ENTREVISTA

Não temos disputassobre propriedadeintelectual com países parceiros

REGINA VARGO

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patamar e as exportações no sentido inversoaumentaram 75%. Há um aumento na inserçãointernacional do Brasil. Mas o desafio é acelerar asreformas, sobre as quais se tem falado há muitotempo. O prazo inicial da Alca, para 2005, foi

estabelecido lá atrás, demodo a dar tempo para oBrasil concluir suas reformas.

IB – Há algo que queiraacrescentar nesta entrevista?RV – Falamos muito denegociações entre os EstadosUnidos e o Brasil. Masquando o momento for

apropriado para retomarmos as negociações, tere-mos de negociar é com o Mercosul. O que nãoestá claro é o qual vai ser o papel da Venezuela,um país que nunca apoiou a idéia da Alca. Depoisdo sucesso de nossas negociações com aColômbia e o Peru, a Venezuela saiu daComunidade Andina. O que serão das negocia-ções com o Mercosul, incluindo a Venezuela?

IB – A Venezuela será um obstáculo?RV – Eu acho que a resposta é sim.

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China. Esse é o principal entrave, embora não ver-balizado, nas negociações da OMC. A solução,porém, não é deixar de negociar e sim fazer com quea China cumpra os compromissos que fez para tor-nar-se uma economia de mercado de fato.

IB – Há riscos de um aumento global do protecionismo?RV – Sim, mudanças já estão ocorrendo nessesentido em alguns países. Temos, todos, de tomarcuidado. Na década de 1920, os Estados Unidosestabeleceram medidas protecionistas que, naavaliação de algumas pessoas, resultaram naGrande Depressão dos anos 1930.

IB – A culpa do risco de protecionismo é da China?RV – Pode-se mencionar a China, a Índia e outrospaíses, mas, na verdade, isso tem a ver com a glo-balização, com o fato de que os custos de trans-porte, de telecomunicações, terem caído muito.Os governos devem ser muito inteligentes quantoao modo de incorporar essas mudanças às suaseconomias. A pior coisa é tentar ficar de fora, por-que isso leva à subutilização dos recursos de cadapaís. O tipo de liderança que Lula quer exercer,que o Brasil quer exercer, não é compatível comuma economia fechada.

IB – Com um resultado diferentenas eleições presidenciais brasilei-ras, haveria alguma diferença nasnegociações comerciais?RV – Falei com muita gente dosetor privado (antes do resultadodo segundo turno) e havia res-postas dos dois tipos: sim e não.

IB – E qual é a sua opinião?RV – Considerando as outras eleições naAmérica Latina, o Brasil teve a sorte de ter duasescolhas razoáveis.

IB – Qual sua impressão do setor privado do Brasil?RV – Há maior receptividade para um acordocomercial com os Estados Unidos e a razão paraisso é que o Brasil tem demonstrado capacidadecompetitiva. De 2002 a 2005, as exportações dosEstados Unidos para o Brasil ficaram no mesmo

com países com os quais assinamos acordos. O que nós observamos é se o tema está no foco depreocupação do governo. Nós temos violações atémesmo nos Estados Unidos, embora o nível deproteção seja alto. O que nos deixa decepcionadosé notarmos que a violação é tolerada em algunspaíses, é vista somente como um custo dos negó-cios. A economia brasileira se beneficiaria muitopela atração de investimentos se o ambiente depropriedade intelectual fosse melhor aqui. NaJordânia, depois do acordo assinado conosco, osetor de software deu um salto e agora vende parao mundo todo.

IB – Que setores no Brasil seriam mais beneficiadospor um acordo bilateral com os Estados Unidos?RV – Certamente o setor agrícola, a área que temsido menos liberalizada na OMC. Mas há muitasoutras áreas. Eu sempre me surpreendo com asbarreiras que existem aqui para componentes dealta tecnologia, que impedem a vinda, para oBrasil, de empresas que gostariam de fazer a mon-tagem final de produtos aqui, de forma a custo-mizá-los para o mercado local ou para o merca-do sul-americano.

IB – Diplomatas brasileiros afirmam que uma das razõesde insucesso nas negociações da Alca é que acabaram maistarde ofuscadas pelas negociações multilaterais na OMC.RV – Neste momento, eu acho realmente que omelhor a fazer é trabalharmos junto com o Brasilno âmbito da OMC, principalmente na questãodos subsídios agrícolas. Depois, poderemos avan-çar mais rapidamente nas conversas bilaterais. Masé bom lembrar que os objetivos são diferentes. AOMC pretende reduzir barreiras, não removê-las.Não defende a criação de uma área de livre comér-cio, nem mesmo daqui a 50 anos.

IB – Como estão as negociações na OMC?RV – Teremos uma oportunidade de avanço nomês que vem ou em março. Se conseguirmoschegar a uma estrutura de negociações e a umcalendário tentativo, será o suficiente para oCongresso dos Estados Unidos conceder aogoverno uma extensão da licença para manter asconversas. Se isso não for possível, então eu temoque retornemos à situação da Rodada do Uruguai(do Gatt, o Acordo Geral de Comércio e Tarifasque antecedeu a OMC) e que leve vários anos atéque o ambiente de negociações e as oportunida-des retornem ao ponto atual.

IB – Quais as diferenças e semelhanças nas posiçõesdo Brasil e dos Estados Unidos na OMC?RV – Nós não achamos que o Brasil tenha cedidoo suficiente e o Brasil não acha que nós cedemos.Nós concordamos num ponto: o Japão não cedeuo quanto deveria. Nós gostaríamos que o Brasilexercesse sua liderança no G-20 (grupo de negocia-ções dos países emergentes) para que a Índia aavance. Eles não querem oferecer nada.

IB – O encontro do G-20 no Rio foi de algumautilidade?RV – Não estou mais no governo, então vou dizer:se houve algum avanço, foi mínimo. Ainda há umaoportunidade de salvar a atual rodada, mas eu nãosou das mais otimistas.

IB – O Brasil reconheceu a China como economia demercado na OMC. Foi um erro?RV – Eu teria escolhido um outro modo de expressarminha solidariedade à China.

IB – Quais os riscos reais ao Brasil?RV – O País tem menor acesso aos mecanismos que aOMC oferece para se defender em situações em que onível de importações de determinados produtos chine-ses cresça muito rapidamente ou se identificar subsí-dios. E eles realmente concedem muitos subsídios.

IB – Os produtos chineses estão invadindo váriospaíses do mundo. Na sua avaliação, isso pode resultar emuma reação global contra a China em algum momento?RV – Há um temor generalizado em relação à

Como líder do G-20, o Brasil deveria

convencer a Índia areduzir barreiras

Todos temem aChina, mas aresposta não pode ser o protecionismo

ENTREVISTAREGINA VARGO

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 1918 INDÚSTRIA BRASILEIRA JANEIRO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

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A construção de um novoconsenso para crescerO Brasil se desenvolveu quando a sociedade e os políticos entraram emacordo sobre a industrialização. Precisamos reaprender esse caminho

POR ÍRIS WALQUÍRIA CAMPOS, PAULO SILVA PINTO E ÊNIO VIEIRA

O SÉCULO 20 TROUXE IMENSAS TRANSFORMAÇÕES

na ordem mundial. Bem antes do final, em1980, já era possível notar mudanças radicaisno ranking econômico das nações. Os EstadosUnidos consolidaram-se como a maior potên-cia global. O Japão ultrapassou a Europa paraocupar a segunda posição – chegou até a amea-çar a hegemonia norte-americana. Reinos ára-bes deixaram de ser meras aglomerações tribais.

Graças à independência política e ao petróleo,concentraram riqueza sem igual. A Coréia doSul, antes um dos lugares mais miseráveis domundo, transformou-se em pólo tecnológico.Mas ao levar em conta o crescimento econômi-co nas oito primeiras décadas do século, osEstados Unidos, o Japão, os reinos árabes e aCoréia do Sul ficaram atrás de um país: o Brasil.

O recorde mundial de crescimento que o

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O fortalecimento do Estado, essencial para odesenvolvimento, acarretou seu inchaço e endi-vidamento, com nefastas conseqüências macroe-conômicas. A democracia foi preterida.

Nas duas últimas décadas, o Brasil perdeuvigor. É fato que muito se conquistou no perío-do: o fim do autoritarismo e o retorno aoambiente democrático talvez sejam as principaisvitórias da sociedade. Hoje podemos dizer que oBrasil tem marcantes avanços a registrar: a infla-ção foi controlada, o acesso e a valorização daeducação aumentaram, a distribuição de rendamelhorou, a vulnerabilidade externa foi pratica-mente eliminada, houve ganhos no ambientemacroeconômico e maior integração das empre-sas à economia mundial. Embora esses avançosrepresentem inegáveis conquistas, o país aindanão foi capaz de superar o ciclo do baixo cresci-mento que o aprisiona. A economia brasileiranão voltou a crescer a taxas robustas. Nos últi-mos 11 anos, a taxa foi inferior à média mun-

INDÚSTRIA BRASILEIRA 2120 INDÚSTRIA BRASILEIRA JANEIRO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

Brasil emplacou entre 1900 e 1980 não foiobra do acaso ou da natureza. No final da VelhaRepública, a sociedade e os líderes perceberamque o poder político deveria representar aFederação de forma mais equilibrada, e, maistarde, que, apesar dos grandes ganhos com asexportações agrícolas, o Estado deveria assumirum papel inequívoco em prol da industrializa-ção. Criaram-se consensos sobre o que fazer parao desenvolvimento do país e, em torno dessesconsensos, as forças políticas organizaram-separa realizar as transformações necessárias. Nasdécadas seguintes a 1930, o Estado funcionoucomo poderoso indutor do desenvolvimentodo setor privado, mas também como agenteeconômico nas áreas em que faltava capacidadeou interesse.

“Quando eu comecei a olhar tudo em volta,as coisas tinham mais ânimo, mais verdade doque hoje, mas eram pequenas. A transformaçãodo Brasil em algo grande é absolutamente

extraordinária. O problema agora é saber comoesse grande ator vai se comportar”, avalia o filó-sofo José Arthur Gianotti, diretor do CentroBrasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).Ao lado do cientista político Bolívar Lamouniere dos economistas Sérgio Werlang, Ilan Goldfajne Lídia Goldenstein, Gianotti aceitou o convitede Indústria Brasileira para pensar o futuro doBrasil. E responder a grande questão: como des-travar o País para que volte a crescer? É fato queo crescimento econômico por si só não resolve osdesequilíbrios da sociedade, mas sem este oBrasil vê diminuídas as chances de equacionarseus problemas estruturais.

A economia predominante agrícola do Brasilde 1900 cedeu lugar ao país industrial e urbanoda década de 1980, mas ali começou a se fazerpresente o ônus do crescimento veloz. As cidadesganharam tamanho de forma desordenada e, naesteira desse processo, irromperam problemas dehabitação, transporte, saneamento e segurança.

CAPA

dial. Em 2005, apenas um país das Américascresceu menos: o Haiti, sempre mergulhado emconflito. “Vivemos hoje a paz de cemitério”,afirma Gianotti. O reconhecimento vem acom-panhado de reflexão: “Precisamos pensar o quefazer.” A recomendação é um chamado: intelec-tuais à esquerda e, à direita do leque político,devem repensar o Brasil, junto com as demaisforças da sociedade. Não há soluções mágicaspara romper o imobilismo da economia.

Nos debates da eleição presidencial, o temaesteve presente de forma intensa, mas superfi-cial. Candidatos de diferentes partidos não dis-cutiram a fundo a questão: “A campanha elei-toral no segundo turno foi absolutamentementirosa, dos dois lados”, afirma o cientistapolítico Bolívar Lamounier. A indústria posi-cionou-se: entregou aos então candidatos à presidência da República o documentoCrescimento - A Visão da Indústria, no qualaponta para a expansão contínua do gasto

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efeito negativo que o nó nas contas públicasimpõe aos investimentos privados. Hoje, osetor público gasta mais do que arrecada, ape-sar da alta carga tributária, em 38% do PIB. Segastasse menos, seria possível diminuir a cargatributária, liberando recursos das empresas parainvestimentos. “Vários países, como Turquia eTailândia, fizeram cortes de impostos recente-mente e proporcionaram um horizonte positi-vo aos investidores.”

O economista Sérgio Werlang, também ex-diretor do Banco Central na gestão Fraga e atualdiretor-geral do Banco Itaú, chama atenção paraoutro benefício da Reforma Fiscal, além daredução de impostos: a melhora nas condiçõesde pagamento da dívida pública, que pode favo-recer, também, o acesso a crédito internacionalpara empresa brasileiras. “Se tivéssemos boascontas fiscais, atingiríamos o patamar de inves-tment grade no final de 2007.” Sabe-se que cor-tar gastos públicos é uma tarefa complexa dian-te de tantas pressões sobre o Estado, mas osinvestidores não esperam algo radical e imedia-

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público e, por conseguinte, da carga tributária,que constituem o principal obstáculo à retoma-da da trajetória do crescimento sustentado.

Empolgado pela vitória eleitoral, o presi-dente Lula chegou a propor a meta de cresci-mento de 5% ao ano, que já retirou do discur-so: nenhum especialista considera razoável suarealização no futuro próximo. A CNI projetataxa de 3,5% para este ano, a custo de muitoesforço. Crescer a taxas maiores só na próximadécada. E, mesmo assim, se o país se transfor-mar. Na visão da CNI, a agenda do crescimen-to tem um obstáculo: a questão fiscal. Essa é aprincipal amarra que impede o Brasil de crescera taxas maiores. Ligar a ignição do crescimentoexige atacar frontalmente a questão fiscal.

Dificuldades sempre existiram. É bom lem-brar que o descontrole dos preços tambémparecia insuperável até a metade da década pas-sada. Seu fim foi fruto de consenso na socieda-de e no meio político: “A inflação era o assun-

to de 1993”, diz Lamounier. Para a economis-ta Lídia Goldenstein, a história do Plano Realdemonstra que a situação precisa se deteriorarmuito para ensejar mudanças: “Estávamosperto de chegar à hiperinflação antes do Real.O problema do país é este: só age quando estáà beira do precipício.”

Gianotti, Lamounier e os economistasWerlang, Goldfajn e Goldenstein criticam afalta de clareza no governo. “É preciso ter umprojeto”, afirma Goldenstein. Segundo ela, oprincipal motor do crescimento é o investi-mento – que no Brasil está um pouco acima de20% do Produto Interno Bruto (PIB), metadeda proporção dos países asiáticos. Investimentodepende, diz, de marcos regulatórios consisten-tes, agências reguladoras que funcionem e jurosmais baixos do que os que o Brasil tem hoje. Oeconomista Ilan Goldfajn, ex-diretor do BancoCentral na gestão de Armínio Fraga e sócio daCiano Investimentos, chama a atenção para o

JANEIRO 2007

to. Basta começar a cortar e estabelecer regrasque garantam a progressividade das medidas.Werlang cita as reformas no Leste Europeu,Chile e Irlanda para favorecer investimentosinternos e externos. “O Brasil está virando umcaso único de país que não se preocupa em cha-mar as empresas privadas para investir.”

Werlang comemora a aprovação de algumasmedidas recentes, como a nova Lei doSaneamento (veja editorial na página 5 e repor-tagem na página 32), mas ressalva que o paísprecisa de outras reformas, como a Trabalhista.Do contrário, poderá ficar para trás no circuitoda economia global. “Uma peculiaridade doBrasil é que inserimos, na nossa Constituição,não apenas regras para o ordenamento da socie-dade e do país, mas, também, a engessamos comalgumas normas de políticas públicas. Comisso, temos uma sociedade com menor flexibi-lidade para adaptações institucionais exigidaspelas mudanças tecnológicas, demográficas,sociais e da evolução do conhecimento. Ante aconstitucionalização da maior parte das nossas

O AUMENTO DOCONSUMO EM 2006

limitou-se aosestratos mais

baixos de renda, o que aumentou as importaçõeschinesas, mas não favoreceuinvestimentos

BASEPARLAMENTAR permitegovernabilidade,mas não garantereformas

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sente a base do governo do ponto de vista parti-dário e regional.”

A melhora do ambiente institucional éindispensável para as empresas voltarem ainvestir, mas ainda que haja garantias de estabi-lidade e que os juros sejam reduzidos, não hácerteza de que a produção do país aumentará.As empresas só põem mais e melhores produtosno mercado com a perspectiva de que serãovendidos. Em 2006, o crescimento do PIB bra-sileiro foi movido, principalmente, peloaumento do consumo das famílias. E, mesmoassim, o nível de investimentos não cresceu deforma significativa. “Com o Bolsa-Família,houve aumento do consumo popular, mas oconsumo da classe média foi achatado. Só épossível ter investimentos e empregos com oconsumo de classe média. O consumo popularfoi todo destinado a produtos baratos chine-ses”, afirma Goldenstein. Assim, o aumento doconsumo no ano passado se deu por meio doaumento de importações e a Balança Comercial passou a contribuir de forma negativa para aevolução do PIB.

A estagnação da classe média no Brasil –motor da sociedade urbana – acompanha a docrescimento do PIB, numa correlação que mos-tra o quanto essa parcela da população é signifi-cativa para o desenvolvimento. Estima-se que,nos últimos dez anos, esse segmento do estratosocial passou de 20% para 21% da população.No México evoluiu de 19% para 43% e, naChina, de 1% para 12%. O problema não seresume a números: a classe média brasileira nãotem ninguém que a represente politicamente, naavaliação do filósofo Gianotti, o que é ao mesmotempo conseqüência e causa de seu esvaziamen-to. “Ninguém faz política sem futuro.”

Segundo Gianotti, a vitória de Lula no pri-meiro mandato foi precedida de uma migraçãodo PT para o centro do espectro político, ondejá estavam todos os partidos significativos, oque se intensificou depois da posse. “Isso desca-racterizou todo o jogo político, não se sabemais quem é quem, perderam-se os pontos dereferência”. Lamounier explica que o quadro se

agrava pelas características dos parti-dos políticos no Brasil: “Há uma pulverização excessiva e os partidossão porosos nas bordas. O Brasil é oúnico país onde se fala em fidelidadepartidária. Chegamos ao delírio deter de criar uma lei para reduzir aporosidade”, critica ele, em referên-cia à cláusula de barreira, que limita-va o número de partidos, mas foiderrubada pelo Supremo TribunalFederal. Ele afirma que as institui-ções políticas brasileiras enfraquece-ram com as crises dos últimos quatro anos: “Só não houve golpe deEstado porque não estamos mais naGuerra Fria.”

A base de apoio conquistada pelogoverno com apoio do PMDB, naavaliação de Lamounier, servirá ape-nas para evitar que surjam ComissõesParlamentares de Inquérito (CPIs),proporcionando governabilidade “nosentido mais chão do termo”. Não háespaço para grandes transformações ereformas devido à falta de projetos,às características atuais do quadropartidário no Congresso Nacional etambém a um outro fator, que atra-palha a formação de consensos: afalta de um discurso governamentalcoeso. “Lula precisa parar de se mos-trar esquerdista numa platéia e não-esquerdista em outra”, critica ele.Gianotti vê, nessa ambigüidade, aaversão a escolhas essenciais na política. “Nãoacredito em política da conciliação. Políticaimplica conflito, perdedores e ganhadores.”

Na hipótese menos pessimista, essa ambigüi-dade pode resultar num quadriênio amorfo eestagnante. Nas piores, em decisões que nos dei-xem ainda mais distantes do desenvolvimento.“Meu medo é que o presidente saia fazendo medi-das de curto prazo, para conseguir crescimento,ainda que efêmero. Com a má distribuição derenda brasileira, qualquer dinheiro que se entre-

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políticas, as reformas necessárias – como aTrabalhista, a Previdenciária, a Tributária e aPolítica – exigem elevado capital político,determinação e clareza sobre o que é prioritá-rio, o que representa um obstáculo adicionalpara os governos”, reconheceu o presidente daCNI, Armando Monteiro Neto, na cerimôniade posse da Diretoria e Conselho Fiscal para oquadriênio 2006-2010, diante do presidenteLula e ministros. “A minha grande preocupa-ção hoje é que nós podemos perder um ciclomaravilhoso que nos permitiria uma aberturaeconômica, social e intelectual. Não é porquenós somos grandes que nós não podemos ficar vegetando como um país medíocre”, alerta Gianotti.

RISCO DE RETROCESSOO economista Werlang vê riscos não só de o Paísdeixar de tomar decisões corretas, mas também detomar outras equivocadas: “O governo caminhapara uma política oposta às mudanças que poderiam favorecer investimentos privados.”Desagradam a ele idéias em discussão pelo gover-no que remetem ao Plano de Metas do governoJuscelino Kubitschek, com fortes investimentos apartir do setor público, o que poderia trazer orisco da volta da inflação.

Goldenstein chama a atenção para o riscocontrário ao que Werlang observa: o de eclipsaro Estado como indutor do desenvolvimento.“Só o Brasil comprou o pacote ideológico domercado financeiro norte-americano nos anos1990, acreditando que desenvolvimentismo erapalavrão.” Ela pondera que, para ajudar o país acrescer, o Estado tem de ser competente, comquadros técnicos bem preparados e estáveis:“Não se pode entregar ministérios com a portei-ra fechada para um ou outro partido como ogoverno está fazendo.” O cientista políticoLamounier argumenta que a própria escolha dosministros deveria ocorrer em padrões diferentesdo atuais: “É preciso escolher pessoas com auto-ridade, com expressão nacional, que sejam bonsgestores, ainda que não sejam técnicos. Nãoadianta se limitar a uma composição que repre-

gue à população é convertido em consumo naveia”, teme Goldenstein. Já Gianotti vê riscos tam-bém de involução institucional. “Nunca ouvialguém dizer que está refundando a história, comose está dizendo agora.” Lamounier, porém, vê comalívio o aprendizado do presidente Lula no pri-meiro mandato: “Se houve um ganho na campa-nha eleitoral foi o fato de ele ter demonstrado quetem notícia dos problemas, que sabe onde estão osburacos.” O diagnóstico está dado. A soluçãoexige união de visões e força política.

O ESTADOGASTA MUITO, mas não com ainfra-estrutura do país

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COMÉRCIO EXTERIOR

Parlamento europeu aprova legislação mais rigorosa para controle da entrada de produtos químicos, que deve dificultar a vida dos pequenos e médios exportadores

POR VIVIAN OSWALD, DE BRUXELAS

Novos empecilhosno Velho Mundo

DEPOIS DE SETE ANOS DE DISCUSSÕES, O

Parlamento Europeu aprovou, em dezembro, umalei que impõe rígido controle sobre os efeitos paraos seres humanos de 30 mil produtos. A partir dejunho deste ano, a produção dos 25 países daUnião Européia (UE) – assim como tudo o que éexportado para o continente – será monitoradapela nova legislação, com prazos de adaptaçãopelas empresas de até 11 anos. Não são apenas osexportadores de produtos químicos que serão afe-tados. A lei abarca, também, vários produtosindustrializados como papel, brinquedos e apare-lhos eletrônicos. Medicamentos e fertilizantesestão fora, porque contam com regras específicas.

A lei Registro, avaliação e autorização de pro-dutos químicos – que em inglês resulta na conve-niente sigla Reach (alcance) – é uma das maisrigorosas do mundo sobre o tema. Exige testessobre os efeitos dos produtos na saúde humana,que deverão ser pagos pelas empresas responsá-veis pelos produtos. Os testes deverão tambémser realizados em laboratórios certificados pelaOrganização para a Cooperação e o Desen-volvimento Econômico (OCDE), uma associa-ção dos países mais desenvolvidos da qual oBrasil não faz parte.

Caso seja comprovado algum tipo de risco aoconsumidor ou ao meio ambiente, as autoridadeseuropéias devem avaliar o produto e só entãoautorizar a sua entrada na Europa. A lei exige,também, que certos produtos tóxicos sejam reti-rados do mercado se houver alternativas viáveis.Isso vale para toda a cadeia produtiva, o que sig-nifica que mesmo os fabricantes de insumos paraindústrias que vendem artigos acabados para aUE estarão sujeitos à lei. Todas as substânciasquímicas contidas nos produtos vendidos aoseuropeus deverão ser registradas em um banco dedados, com sede na Finlândia.

Na lista dos principais itens da pauta de expor-tações brasileiras que podem ser afetados estãoferro-silício, minérios de ferro, ferro-forjado,ferro-manganês, aço, níquel, cobre, papel e celu-lose, automóveis, tecidos, insumos químicosorgânicos e inorgânicos. De acordo com dadosda Associação Brasileira da Indústria Química(Abiquim), uma das mais envolvidas no processo

de adequação no país, o setor químico brasileiroexporta cerca de US$ 1,2 bilhão por ano para omercado europeu. “Estamos acompanhando, hácinco anos, a elaboração da nova legislação e par-ticipamos de uma série de consultas públicasinternacionais. O projeto inicial era muito maisradical, mas este ainda será muito complicadopara a indústria. A nossa preocupação agora éorientar as empresas”, afirma o vice-presidente-executivo da Abiquim, Guilherme DuqueEstrada de Moraes.

A Abiquim prepara agora uma série de seminá-rios curtos com representantes da indústria brasi-leira e uma grande conferência que deve reunirempresários do Mercosul, no ano que vem. Alémdisso, deve lançar, até o próximo mês, uma cartilhacom os procedimentos que devem ser adotados.

“O problema é que a nova lei inverte o ônusda prova: as empresas é que têm de demonstrarque os produtos não são tóxicos e têm de pagarpelos testes”, afirma Duque Estrada de Moraes.Apesar da preocupação, a Abiquim vê benefíciosna nova lei por proporcionar maior previsibilida-de aos empresários ao unificar as regras euro-péias. Até então, segundo o vice-presidente daassociação, os 25 países da UE contavam comnada menos que 40 legislações diferentes, o quedificultava os procedimentos de exportações.

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DUQUEESTRADA, DAABIQUIM:"Projeto inicialera muito maisradical"

SEDE DA COMISSÃOEUROPÉIA, em Bruxelas,onde se discutiu a nova lei dos produtos químicospor sete anos

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Apenas o Canadá tem regras tão rigorosasquanto às que a União Européia acaba de aprovar.Mas o mercado europeu é muito maior, e portan-to, o impacto das novas medidas não tem prece-dente. Há preocupação até mesmo por parte dospaíses europeus, principalmente a Alemanha, res-ponsável por 25% dos 600 bilhões de euros defaturamento anual da indústria química da UE. Ogoverno alemão conseguiu atenuar as regras, impe-dindo o banimento imediato de alguns produtos,como hormônios. A versão final da lei gerou pro-testos na Europa, por parte de grupos de defesa dosanimais, aos quais desagrada a perspectiva doaumento do uso de cobaias nos laboratórios e deambientalistas que acham que o rigor da propostaoriginal para a lei deveria ter sido mantido.

Entre os críticos da nova lei européia estão osEstados Unidos, que, desde o início das discus-sões, temem um impacto sobre o comércio mun-

dial. O país liderou um lobby para reduzir o rigorda legislação durante as discussões. Em junho doano passado, publicou um documento com críti-cas, assinado também pelo Brasil, Japão,Austrália, Índia, México e mais dez países. Otexto afirma que as novas regras devem prejudi-car as exportações de vários países, especialmen-te de alguns dos menos desenvolvidos.

“Dependendo de como for regulamentada, a leipode criar mais dificuldades para as empresas estran-geiras e acabar se tornando uma espécie de barreiranão-tarifária. A quantidade de incógnitas ainda éenorme”, ressaltou o vice-presidente da Abiquim.

PEQUENA EMPRESASegundo técnicos do governo brasileiro queacompanham de perto as mudanças da legislaçãoeuropéia, a medida pode prejudicar, principal-mente, as exportações de pequenas e médias

empresas, com menos recursos parafinanciarem testes e para se adapta-rem às mudanças necessárias. Épreciso que os laboratórios brasilei-ros adotem a metodologia exigidapela UE, o que leva tempo. Asmatrizes de multinacionais instala-das no Brasil terão maior facilidadepara se adequarem às novas regras.Além de contarem com uma escalamaior de produção, também têm apossibilidade de registrar seus pro-dutos pelas sedes européias.

As empresas brasileiras poderãofazer as análises na Europa, o quetende, porém, a ser caro. O vice-pre-sidente da Abiquim chama atençãopara a alternativa da formação deconsórcios de modo a reduzir custos.A Reach permite que empresas deum mesmo setor se organizem emgrupos e promovam os testes emconjunto, uma vez que os seus produtos são compostos pelas mes-mas substâncias. Recentemente aAssociação Brasileira de Produtoresde Ferro-Liga e Silício Metálico(Abrafe) foi consultada pela institui-ção equivalente francesa sobre a pos-sibilidade de formarem um consórcio

COMÉRCIO EXTERIOR

para o setor. O setor exporta, aproximadamente,US$ 500 milhões por ano para o mercado europeu.Segundo o diretor-executivo da Abrafe, AdelmoMelgaço, a proposta ainda está em análise.“Queremos garantir a nossa fatia no mercado euro-peu e estamos acompanhando as mudanças deperto, com viagens a Bruxelas”, afirmou Melgaço.

As normas entrarão em vigor logo após a cria-ção da Agência Européia de Produtos Químicos,prevista para junho. Até lá, as autoridades euro-péias devem concluir os procedimentos paraimplementar a nova legislação. Nesse momento,há vários grupos de trabalho, os chamados ReachImplementation Programs (RIPs), voltados para odesenvolvimento de guias para os setores e docu-mentos, explicando como as indústrias deverão seadequar, que tipo de análises deverão ser feitas eoutros detalhes previstos na Reach.

ACOMPANHAMENTO BRASILEIROO Brasil deve mandar representantes do governo ede empresas para acompanhar as discussões. As 30mil substâncias devem ser registradas ao longo dos11 anos do prazo de adequação, que varia de acor-do com o volume de vendas ao mercado europeu eo grau de periculosidade oferecido pelas substân-cias químicas. Quanto mais um produto for con-sumido, maior a urgência de submetê-lo aos testes.

As empresas que vendem mais de 100 toneladas

de um determinado item composto por substânciasquímicas dentro da UE, por exemplo, terão três anospara se adaptarem. Segundo técnicos brasileiros, essepode ser o caso da indústria de mineração, queexporta grandes quantidades de produtos pesados.

As regras mais restritivas às quais estarão sub-metidos os produtos químicos já existiam paranovas substâncias produzidas. Cerca de três milcomponentes químicos estão registrados apóspassarem por um processo de análise e avaliação.Um argumento a favor da nova lei é corrigir umadistorção que havia no mercado. O fato de ape-nas produtos novos estarem sujeitos a esses pro-cedimentos prejudicava e desestimulava a inova-ção, uma vez que impunha custos mais elevadosapenas para alguns segmentos industriais.

Dados da UE indicam que uma regulamentaçãomais rigorosa para produtos químicos deverá reduzirem mais de US$ 65 bilhões os gastos com saúde nospróximos 30 anos. Para as autoridades européias,boa parte dos casos de câncer, impotência sexual,alterações hormonais e alergias pode estar associadaao consumo de certas substâncias químicas.

As informações sobre a nova legislação para produtos químicos podem ser encontradas no site da Comissão Européia (ec.europa.eu/enterprise/reach). Começam também a aparecer noBrasil empresas especializadas em consultoria volta-da para a Reach.

O AUMENTO DO USO DE

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exigidas pelanova lei causou

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Enfim, a lei do saneamentoCongresso Nacional aprova o marco regulatório para o tratamento de água e de esgotos, que poderá atrair os investimentos necessários ao setor

POR ENIO VIEIRA

INDÚSTRIA BRASILEIRA 33

mais segurança jurídica para os investimentosprivados. Poucas horas depois, graças a umacordo, a Câmara dos Deputados tambémaprovou o texto, que seguiu para sanção dopresidente da República.

O Brasil precisa triplicar os recursos apli-

A ESPERA FOI LONGA, COM 15 ANOS DE

discussões e 11 projetos de lei para regularuma área fundamental e das mais carentes deserviços no Brasil. No dia 12 de dezembro, oSenado finalmente aprovou a lei que queorganiza o saneamento básico e pode garantir

cados no setor, para que, em 20 anos, todos osbrasileiros tenham acesso à água e a esgotos tra-tados. O ideal é que os investimentos atuais pas-sem de R$ 3,5 bilhões ao ano para, ao menos,R$ 9 bilhões anuais. No ritmo de hoje, o Paíslevaria 63 anos para universalizar os serviços.

A aprovação no Congresso resultou daampla negociação entre governo, empresas eparlamentares. Houve um consenso para se che-gar a uma lei que fosse compatível com a prin-cipal disputa jurídica em andamento no setor.O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda deci-dirá se o serviço de água e esgoto deve ser da res-ponsabilidade dos governos estaduais ou prefei-turas. A Constituição de 1988 colocou o sanea-mento no âmbito dos municípios. “A decisãodo STF não vai afetar a lei aprovada no que háde mais importante: a abertura para novosinvestimentos”, diz o presidente do ConselhoTemático Permanente de Infra-estrutura daCNI, José de Freitas Mascarenhas.

Mesmo que o saneamento fique com asprefeituras, a nova legislação permite a criaçãode leis estaduais para o chamado serviçocomum. São os casos em que a água é captadaem um município para abastecer outra cidade.O maior opositor dessa solução encontradapelos parlamentares é a cidade do Rio deJaneiro, que prefere manter os municípios nocontrole do serviço de água e de esgoto e quejá entrou com ação no STF para garantir essedireito. Para diminuir a resistência dos deputa-dos federais cariocas, a nova lei só foi aprovadacom um acordo de que a Presidência daRepública analisaria o veto a esse dispositivodas leis estaduais para o serviço comum.

“A possibilidade de ter regras estaduais émuito importante para o planejamento dasredes que envolvem mais de um município”,afirma o vice-presidente da Associação dasEmpresas de Saneamento Básico Estadual(Aesbe), Paulo Ruy Valim. A lei procura darflexibilidade ao setor no futuro. Um exemploé a possibilidade de criação de agências regu-ladoras municipais ou estaduais. Para facilitara definição de políticas, os deputados derru-baram a idéia do conselho que constavam doprojeto original e teria representantes da

sociedade, a exemplo do Conselho Nacionalde Meio Ambiente (Conama). O receio é queos investimentos enfrentassem mais um obs-táculo para sair do papel.

Mascarenhas, da CNI, afirma que a versãofinal da lei deixou para trás os “itens pesados”do projeto enviado pelo governo em 2005.“Foi um consenso muito bom, em discussõesque tiveram a participação de vários segmen-tos de sociedade”, diz. Os avanços estão naforma de organizar o mercado. Foram permi-tidos subsídios cruzados, com os quais a tari-fa cobrada em determinadas áreas podefinanciar investimentos em regiões de popu-lação de baixa renda. Ficou, também, ficouestabelecido que as empresas de saneamentopodem cobrar tarifas de esgoto. Algumasdecisões judiciais sustentam que o serviço deesgoto não tem como ser medido e, portanto,é impossível a utilização de tarifas variáveis.

COBERTURA PRECÁRIAO principal gargalo do saneamento está naparte de esgoto. Enquanto 92% da popula-ção tem acesso à rede de água tratada nasregiões urbanas, apenas 54% contam com osistema de esgoto para retirada de dejetos dasresidências. O Mapa Estratégico daIndústria 2007-2015, que estabelece metaspara o setor industrial e para o país, propõeque se atinja a cobertura de 70% com a redede esgoto em meados da próxima década.Hoje, caso sejam incluídas as fossas sépticas,o cenário melhora, com atendimento de72% das pessoas. Na zona rural, os númeroscaem para 59% com água potável, 25% comrede de água e 18% com esgoto ou fossa.

A falta de serviço provoca uma série deproblemas de saúde. Dados do Sistema Únicode Saúde (SUS) mostram que as internaçõespor doenças sanitárias subiram de 1.981, em1998, para 2.291 em 2005. Calcula-se que90% das internações em hospitais públicostenham origem na transmissão de doençaspela água sem tratamento adequado.

Mudar o quadro de carência de serviçosexigirá um planejamento cuidadoso dos futu-ros projetos de água e esgoto. Para isso, a nova

REGULAÇÃO

A LAGOA DEARARUAMA

(RJ) recebe millitros de esgoto

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34 INDÚSTRIA BRASILEIRA JANEIRO 2007

lei estabelece que os investimentos tenhamplanos detalhados e consistentes. Valim, daAesbe, acredita que a exigência de planos teráum impacto semelhante ao que tiveram osPlanos Diretores Urbanos (PDU) nas cidadesnos últimos anos. “Há muito desperdícioquando se fazem as obras de saneamentobásico. Os planos vão melhorar essa situa-ção”, diz ele. O governo federal alega que nãoconsegue liberar todos os recursos disponíveispara saneamento básico por conta dos errostécnicos dos projetos.

Outro problema encontra-se nos núme-ros superestimados pelos parlamentares noOrçamento da União. Na hora da execução,o governo precisa rever os valores, o que atra-sa, ainda mais, a execução de investimentos.O resultado é que, em dezembro último, ogoverno havia conseguido liquidar apenasR$ 126 milhões do total previsto de R$ 1,1bilhão, em 2006, para a área de água e deesgoto nas regiões urbanas.

O presidente do Sindicato Nacional dasEmpresas de Arquitetura e EngenhariaConsultiva (Sinaenco), José Roberto Ber-nasconi, também ressalta a baixa qualidadedos projetos realizados no Brasil: “É comumque os empreendimentos de saneamento nãosaiam do papel porque não havia consistênciatécnico-econômica ou aprovação dos órgãosambientais para sua execução”. Para fiscalizaros projetos, será importante a criação das

agências reguladoras que podem ser munici-pais e estaduais. “O governo e os investidoresprivados devem estar seguros de que há auto-ridades fiscalizando contratos, esclarecendodúvidas legais e arbitrando eventuais dispu-tas”, diz Bernasconi.

A aposta das empresas é que o setor privadoatue de forma complementar aos investimentospúblicos. A Associação Brasileira da Infra-Estrutura e das Indústrias de Base (Abdib) consi-derou a lei aprovada no Congresso como um dosprincipais atrativos para investimentos privadosno saneamento. “Onde o capital privado foi con-vidado a participar, com regulação estável e atra-tiva, o atendimento à população avançou comqualidade”, afirma o presidente da entidadePaulo Godoy. Pelas contas da Abdib, o Brasilnecessitará de R$ 200 bilhões de investimentosnos próximos 20 anos.

A nova lei permite que os investimentossejam realizados por meio das chamadasSociedades de Propósito Específico (SPEs).São pessoas jurídicas que facilitam a formaçãode consórcios (governo, empresas, fundos deinvestimento) e a captação de recursos.Segundo Valim, Aesbe, os investidores priva-dos e o governo precisarão ser inovadores paramontar essas operações financeiras. Empresascomo a Sabesp, de São Paulo, já estão bemavançadas quanto à captação de recursos,com ações em bolsas de valores e emissão detítulos (bônus) externos e internos.

0,13

INVESTIMENTO EM SANEAMENTO% em relação ao PIB

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1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005

REGULAÇÃO

INDÚSTRIA BRASILEIRA 35WWW.CNI.ORG.BR

cobrança. Aliás, agravou-se com prazos cada vez maiscurtos. Hoje, enquanto os tributos devem ser pagosem até 30 dias, as empresas só recebem o dinheiro dasvendas em 45 dias. Ocorre que, apesar de o descon-trole inflacionário ter sido debelado, as taxas de juros,no Brasil, permanecem entre as mais altas do mundo,e o descasamento temporal exige o financiamentobancário para a quitação de impostos devidos. É umcusto a mais que pode ser alterado com adaptação

O SETOR PRIVADO AINDA CONVIVE COM UMA

herança do sistema tributário do período de altainflação. Como o descontrole de preços reduzia ovalor de suas receitas dia após dia, no final dosanos 1980 o governo federal e os governos esta-duais começaram a reduzir o prazo para as empre-sas pagarem impostos. Quanto antes os recursosfossem recolhidos, menor era a corrosão. Veio aestabilidade econômica, mas persistiu o modelo de

O País precisa alongar o prazo para o recolhimento de tributos que hoje asempresas pagam, antes mesmo de receber dos clientes por suas vendas

POR ENIO VIEIRA

Como acertar o tempo

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TRIBUTAÇÃO

de normas e procedimentos do Fisco.A CNI realizou, recentemente, uma sondagem

junto a 451 empresas industriais para mapear osefeitos desse modelo de recolhimento de tributos.Foram ouvidas 79 companhias de grande porte e372 pequenas e médias, para descobrir os impos-tos que mais pesam no seu fluxo de caixa. Segundoessas empresas, os problemas mais acentuadosencontram-se na Contribuição Social para oFinanciamento da Seguridade (Cofins) e noPrograma de Integração Social (PIS) – ambos da União – e no Imposto sobre Circulação deMercadorias e Serviços (ICMS), de responsabili-dade dos governos estaduais.

Os resultados da pesquisa da CNI foram levadosao Ministério da Fazenda como sugestão para alte-rar a legislação tributária. A CNI mantém estudosmais amplos de Reforma Fiscal. As propostas naárea constam da agenda Crescimento: A visão daIndústria, que foi entregue ao presidente Luiz InácioLula da Silva, em novembro do ano passado. Casomais complexo para mudanças, no entanto, é o doICMS. O problema é o velho empecilho que o Paísespera ver um dia corrigido por uma ReformaTributária: cada estado possui regras próprias, o quese agrava com os incentivos da guerra fiscal paraatração de investimentos. A saída para o ICMS éfazer um acordo no âmbito do Conselho de PolíticaFazendária (Confaz), que reúne as secretarias esta-duais de Fazenda. A proposta geral é que haja com-patibilidade entre prazos dos impostos e das vendas.

CUSTO FINANCEIROO Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário(IBPT) calculou alguns custos acarretados pelodescasamento dos prazos de venda e do pagamen-to de impostos. As empresas analisadas tinham,em média, o recebimento das vendas em 57 dias eimpostos pagos em 28 dias. Se não têm os recur-sos necessários em caixa, as empresas pagam hojeem média 2,7% ao mês por um financiamento decapital de giro nos bancos. “Ao final de um ano,estimamos o dispêndio equivalente a 3% do faturamento da empresa só para bancar essa antecipação”, afirma o advogado tributaristaGilberto Luiz do Amaral, presidente do IBPT.Para ele, a ampliação de prazos proporciona

um alívio de custos para as empresas brasileiras.O peso financeiro dos tributos (federais, esta-

duais e municipais) pode ser medido na fatia queabocanham do faturamento das empresas. Nasondagem da CNI, 69,2% das companhias con-sultadas disseram que transferem, ao PoderPúblico, 20% do que faturam, na forma deimpostos e contribuições sociais – isso sem contar,claro, o que pagam indiretamente. No caso daspequenas e médias empresas entrevistadas, a fatiaé de 72%. No das grandes corporações, de 59,4%.Um grupo de 28% de empresas pesquisadas infor-mou que compromete de 31% a 40% de suasreceitas com o pagamento de tributo. São os efei-tos de uma alta carga tributária que está em 37%do Produto Interno Bruto (PIB).

PRIORIDADENo levantamento da CNI, 41,5% das empresasdisseram que a prioridade para os ajustes deve sero PIS e a Cofins. O recolhimento desses tributosacontece no último dia útil da quinzena seguinteao mês da venda. Se a empresa vende na segundaquinzena de um mês, por exemplo, o pagamentopoderá ser feito ao final da primeira quinzena domês seguinte. Nesse modelo, o prazo máximo é de30 dias. A proposta da CNI é que as empresas pos-sam recolher o PIS e a Cofins no último dia útil domês seguinte ao da venda do produto. Com isso,haveria, em média, 45 dias para a quitação – ou 15dias a mais em relação ao modelo existente hoje.

O Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)tem mais impacto financeiro para 13,5% das com-panhias consultadas pela CNI. Foi um problemaapontado por 15,2% das grandes empresas e por13,2% das pequenas e médias. O prazo para reco-lhimento do IPI varia entre dez dias, nos setores debebidas e cigarros e de até 45 dias no caso das microse pequenas empresas que não estão no Simples (oregime simplificado de cobrança de tributos). Noentanto, a maioria dos produtos industriais tem oIPI pago em menos de 30 dias. “A adequação de pra-zos daria um alívio em termos de capital de giro paraas empresas. Deve ser dado um aumento de prazo de15 dias em média para as empresas”, afirmou o eco-nomista Mário Sérgio Telles, da Unidade de PolíticaEconômica da CNI, que elaborou a sondagem.

INDÚSTRIA BRASILEIRA 3736 INDÚSTRIA BRASILEIRA JANEIRO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

Na pesquisa da CNI, 55,7% das empresas afir-maram que os prazos do ICMS trazem os maioresimpactos financeiros. Os efeitos são sentidos maispelas grandes companhias (62% das pesquisadas),que são as mais visadas pelos Fiscos estaduais porconcentrarem as maiores vendas e para facilitar afiscalização. No estado de São Paulo, o pagamentodo ICMS chega a ocorrer somente após 18 dias davenda nas indústrias de alimentos, papel, celulose,químicos e metalurgia básica. Os setores de têxteis,vestuário, calçados, produtos cerâmicos e pequenasempresas pagam o imposto em 55 dias. No Rio deJaneiro, os prazos oscilam entre 20 dias (grandesempresas e empresas de telecomunicações) e 38dias nos micros e pequenos empreendimentos.

“O ICMS é complexo, justamente porque osprazos variam de estado a estado e de produto aproduto”, afirma Telles, da CNI. “Há casos, noRio de Janeiro, em que as empresas recolhem oICMS a cada dez dias.” O Congresso Nacionaldiscute, desde 2003, um projeto de reforma tribu-tária que unifica a legislação do ICMS.

Amaral, do IBPT, acredita que uma soluçãopossível para o ICMS está na ampliação gradativapara não afetar o caixa dos governos estaduais. Hápreocupação dos governadores de que qualquermudança traga perda de receitas tributárias.Segundo ele, há exemplos de prazos mais dilatadosque a União utilizou no passado. O Fundo deGarantia do Tempo de Serviço (FGTS), porexemplo, chegou a ter um prazo de seis meses norecolhimento. O PIS/Finsocial, que antecedeu aCofins, tinha o pagamento no final do mês sub-seqüente ao registro da venda.

Outros países possuem regimes tributários comprazos maiores de recolhimento. Não seria, portan-to, uma mudança na legislação que deixaria o Brasilfora dos padrões internacionais. Ao contrário. Deacordo com estudo da CNI, as empresas daArgentina pagam o Imposto sobre Valor Agregado(IVA) ao longo do mês seguinte ao da venda. O ICMS brasileiro é um modelo de IVA. NaEspanha, existe um IVA simplificado que tem basetrimestral e pode ser pago no dia 20 do trimestreseguinte. Para grandes empresas espanholas, porém,o prazo é bem menor: a cobrança é mensal e ocorreno dia 20 do mês subseqüente.

43%

DISTRIBUIÇÃO DAS EMPRESAS SEGUNDO O PRAZO DE RECEBIMENTO DAS VENDAS

21%

38%

Até 30 dias

De 31 a 45 dias

Acima de 45 dias

TRIBUTOS COM MAIOR IMPACTO NO FLUXO DE CAIXA DAS EMPRESAS

13,5

41,5

55,7

14,2

IPI IPI/Confins ICMS Outras

PARTICIPAÇÃO DO TOTAL DE TRIBUTOS RECOLHIDOS NO FATURAMENTO DAS EMPRESAS

30,2

35,1

28,0

4,0 2,7

Até 20% De 21% a 30%

De 31% a 40%

De 41% a 50%

Mais de 50%

TRIBUTAÇÃO

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CRESCIMENTOAINDA MODERADO

AS TENDÊNCIAS PARA 2007 MOSTRAM

aceleração moderada no ritmo de cresci-mento. O Produto Interno Bruto (PIB) de-verá se expandir 3,4%. Como o cenáriomundial continuará bastante favorável, ocrescimento moderado se explica pela ine-xistência de ações efetivas à superação dosobstáculos que limitam a expansão da eco-nomia nas últimas décadas.

As projeções para 2007 não mostram sur-presas. A política econômica deve ser seme-lhante à de 2006. Esperam-se mudanças paraalavancar o investimento e um esforço de con-tenção do gasto público corrente, mas dentrodos limites do arcabouço atual.

Os juros seguirão em queda, ainda que emritmo mais lento que em 2006. A inflação con-trolada permite cortes adicionais na taxa Selic,que deverá encerrar 2007 em 11,5%. Na mé-dia do ano, a queda na taxa será significativa,com o juro real caindo a 7,9%, em 2007,contra 11,6%, em 2006. A taxa de inflação –4% pelo IPCA – será um ponto percentualmais alto que em 2006, mas, pelo segundo anoconsecutivo, ficará abaixo da meta oficial. O câmbio permanecerá relativamente estável:R$ 2,25 por dólar, no fim de 2007.

O saldo comercial continuará elevado emUS$ 43 bilhões. As exportações devem alcançarUS$ 150 bilhões. Mas o câmbio desfavorável éuma dificuldade para exportadores de manufa-turados. A demanda doméstica em alta e ocâmbio valorizado impulsionarão as importa-ções, que poderão atingir US$ 107 bilhões.

A lição de 2006 é que, apesar da queda dosjuros, crescemos pouco. O nível dos juros nãoé irrelevante. Há uma evidência que, além doelevado custo do capital, existem outras restri-ções à entrada do país na rota do alto cresci-mento. O maior desafio é a questão fiscal. Amá qualidade do gasto corrente continuasendo o principal entrave ao crescimento.Decisões tomadas em 2006 – o forte aumentoreal do salário mínimo, maior liberalidade naconcessão de reajustes salariais e a ampliaçãodos benefícios sociais – permitem poucamargem para ganhos substanciais em 2007. Oinvestimento público, importante para aprodutividade da economia, continua baixo.

O que fazer para superar o baixo crescimen-to? A médio prazo, a variável crítica é o inves-timento. O crescimento mais robusto e susten-tado só irá ocorrer com substancial elevação dataxa de investimento, hoje em 20% do PIB,não apenas porque o investimento é o meio deincorporação de novas tecnologias, como,também, porque aumenta diretamente a capa-cidade produtiva.

Aumentar o investimento exige ações emduas direções: melhorar a eficiência do Estado– com redução do gasto corrente e da cargatributária – e estimular o investimento priva-do. Só assim será possível criar as condiçõespara a elevação da produtividade global daeconomia. De outro modo, não haverá au-mento substantivo no ritmo de crescimentodo produto potencial, o que significa perpe-tuar o crescimento medíocre dos últimos anos.

METAS DE INFLAÇÃO E VARIAÇÃO ANUAL DO IPCA

Flávio Castelo Branco, gerente executivo da Unidade de Política Econômica da CNI

POR FLÁVIO CASTELO BRANCO

CONJUNTURA ECONÔMICA

Economia brasileira terá um desempenho melhor em 2007 do que teve em 2006, mas falta elevar a taxa de investimento

PIB DO BRASIL E DO MUNDO

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 20070

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GOVERNO FEDERAL: INVESTIMENTO E DESPESAS PRIMÁRIAS

1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

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2006* 2007*2003 2004 2005

Ponto Central da meta Observada/Estimulada

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BRASIL: SALDO COMERCIAL (U$ BILHÕES)

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2002 2003 2004 2005 2006*

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0,4

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1,2Investimento (% do PIB)

13,124,8

33,744,7 45,5 43,0

47,255,5

92107

96,5

48,360,358,2

137,5

73,6

118,3

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4,95,1

Saldo Comercial Exportação Importação*estimativa CNI

73,1

14

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19Despesa (% do PIB)

62,8

Investimento Despesa Primária Total

2,7

3,4

INDICADORES

INDÚSTRIA BRASILEIRA 41WWW.CNI.ORG.BR

Eduardo Eugenio Gouvêa Vieira, presidente da Firjan, vice-presidente da CNI

40 INDÚSTRIA BRASILEIRA JANEIRO 2007

Paulo Fernandes Tigre, presidente da Fiergs, vice-presidente da CNI

PAULO FERNANDES TIGRE

MELHORESINDICADORES VIRÃOJuros em queda e mercado interno aquecido devemtrazer bons resultados para a indústria em 2007

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ACRESCER PRESERVANDOA ESTABILIDADEO Governo deve buscar o crescimento econômico comreformas estruturais e sem descontrole da inflação

EDUARDO EUGENIO GOUVÊA VIEIRA

OS INDICADORES ECONÔMICOS PROJETADOS PARA

este ano que se inicia são positivos, tanto para aeconomia brasileira quanto, em especial, para ado Rio Grande do Sul. As estimativas de cresci-mento do Produto Interno Bruto, no entanto,ainda são tímidas se comparadas com o cenáriomundial em que se verificam taxas bem mais ele-vadas do que as que o Brasil tem conseguido nosúltimos anos. É importante ressaltar que essasperspectivas são traçadas a partir de análises dascondições de que o o Brasil dispõe hoje. Aindaestão por vir as reformas que a Indústria deman-da com o objetivo de ter uma nova estrutura eco-nômica no País.

No caso específico do Rio Grande do Sul, asprojeções econômicas para 2007 são melhoresdo que o desempenho vivenciado nos últimosdois anos. O setor agrícola sofreu com a forteestiagem na safra de verão 2004/2005, ficandosem condições de investir na renovação de seumaquinário e em novas tecnologias. O resultadopara o segmento de máquinas e implementosagrícolas foi terrível e, mais adiante, alastrou-sepelas demais atividades industriais. Durante 19meses consecutivos, o desempenho da indústriano Rio Grande do Sul foi negativo.

O processo de valorização do real frente ao dólarreduziu, de modo significativo, a competitividadedo setor exportador no estado. Entre os segmentosque mais sofreram estão as indústrias moveleira e ade calçados, atividades que também se caracterizampelo uso intensivo de mão-de-obra. A redução nasvendas externas resultou em desemprego: nos anosde 2005 e 2006, o setor industrial no estado perdeu

cerca de 9.000 postos de trabalho. Após a difícil situação que a indústria do Rio

Grande do Sul teve de enfrentar por dois anos segui-dos, as perspectivas, em 2007, são de recuperação.O crescimento da economia mundial desenha umcenário externo favorável. Além disso, as taxas dejuros nominais mais baixas tendem a contribuir,positivamente, para a atividade econômica noBrasil, ainda que as taxas reais (descontada a infla-ção) continuem em um patamar elevado. O créditomais barato, associado ao aumento de renda, conti-nuarão a estimular o mercado interno, e a indústriaestá preparada para atender a essa demanda.

É importante salientar que a indústria gaúchaenfrentou, com sucesso, os obstáculos da novarealidade com que se deparou. Revisou processos,renegociou prazos e preços com seus fornecedorese compradores e adaptou-se ao atual patamar dataxa de câmbio. Mas não se pode esquecer que avalorização do real frente ao dólar nos últimosanos expôs, de maneira bastante nítida, os eleva-dos custos de produção e de comercialização noBrasil. São custos que precisam ser revisitados, demodo que os esforços para reduzi-los não fiquemapenas dentro das empresas.

Ainda que as expectativas sejam otimistas, deve-mos trabalhar para depender, cada vez menos, nospróximos anos, de uma conjuntura internacionalfavorável como a atual. Mudanças estruturais sãonecessárias para que a indústria possa investir maisem inovação e tecnologia. Somente desse modoagregará valor a seus produtos e poderá enfrentar omercado externo de forma mais competitiva, o quetrará benefícios a toda a sociedade.

PASSADAS AS ELEIÇÕES, FIRMOU-SE O CONSENSO DE

que é imprescindível acelerar o crescimento eco-nômico do Brasil, de forma a retirá-lo do atolei-ro de estagnação em que se enfiou nas últimasduas décadas. Porém, se quiserem ter legitimi-dade, as fórmulas para se alcançar esse ciclodinâmico devem, obrigatoriamente, refletir orecado das urnas. Acima de qualquer fator, areeleição do presidente Lula foi conquistadapela manutenção da estabilidade na economia edo controle da inflação.

Nenhum projeto de assistência social ou caris-ma pessoal poderiam ter sucesso caso estivéssemosvivendo um contexto de descontrole inflacioná-rio. A estabilidade é a grande base que permitiu,nos últimos anos, uma redistribuição de rendaentre os brasileiros, um processo ainda tímido,mas fundamental, para a melhoria da qualidadede vida das camadas mais pobres da população.Propor a flexibilização das metas de inflação,como querem alguns, é a mesma coisa que defen-der a concentração da riqueza, uma vez que ape-nas os mais ricos é que detêm mecanismos de pro-teção quando os preços ficam fora de controle.

O caminho para um processo de crescimentosustentável é árduo e não permite soluções mágicas.Construí-lo, preservando a estabilidade, só é pos-sível com enfrentamento das reformas que o paísexige há tantos anos. Esse é um desafio em que opresidente Lula poderá contar com o imenso capi-tal político que recebeu do eleitorado brasileiro.Para isso, não deve perder a oportunidade históricaque dispõe, atacando as principais questões logonos primeiros meses de sua nova administração.

A primeira coisa a fazer é trabalhar para via-bilizar as reformas e os projetos estruturais prio-ritários. Uma delas é a Reforma Tributária. OSistema Firjan foi o primeiro a se engajar emcampanha pública por sua aprovação em mea-dos da década passada.

Outra demanda é avançar em direção a umalegislação trabalhista que estimule novas contrata-ções. Fomos também os primeiros a pedir a subs-tituição de uma legislação que produzirá, segundonossas projeções, perto de 60 milhões de “desas-sistidos” em 2008, o que inclui desempregados etrabalhadores no mercado informal. A verdadeiraReforma da Previdência também está por ser feita.Só ela poderá liberar o Tesouro para o investi-mento público de que tanto nos ressentimos.

As demandas são muitas e incluem combatesem trégua à burocracia e ao Custo Brasil, créditomais acessível, juros mais baixos. Todas elas figu-ram em diversos estudos que produzimos nos últi-mos anos. Tudo isso pode ser resumido numaexpressão: isonomia competitiva.

Os empresários querem ser parceiros de umnovo Brasil que promova crescimento com distri-buição de renda. Tudo o que precisamos é de umambiente propício ao investimento. A oportuni-dade está nos primeiros meses de 2007. OGoverno terá a força necessária e renovada paratornar possíveis as demandas vitais para a socieda-de. O presidente poderá contar com a mobiliza-ção e o apoio dos empresários. Durante boa partedo século 20, dizia-se que o Brasil era o país dofuturo. Pois bem, o futuro chegou. Temos a obri-gação de construir o País do presente.

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Obra de Shakespeare que tem nova edição brasileiraajuda a entender o jogo do poder

POR CARLOS HAAG

A política como teatro

CULTURA

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O TEMPO NA POLÍTICA É TUDO, MAS, NUM PARADOXO

da arte, pode ser nada. Em Macbeth, o protago-nista, um animal político algo atabalhoado, recla-ma durante toda a peça como, por um segundo deatraso, deixou de agarrar pessoas decisivas nomomento exato, permitindo que escapassem desuas garras e, no final, provocassem a sua queda.Essa crítica sábia à inabilidade política foi feita porWilliam Shakespeare, há exatos 300 anos. Essairrelevância temporal faz do bardo não apenas areferência na invenção do humano, nas palavras

de crítico norte-americano Harold Bloom, masum dos grandes analistas políticos da literatura.

Das 27 obras do dramaturgo inglês, 22 delastratam de temas políticos, sendo a maioria deforma direta. “Ler a obra de Shakespeare só porseu aspecto político é um empobrecimento dopotencial de experiência que ela oferece; mas dei-xar de reconhecer que a preocupação com ohomem sociopolítico é uma das constantes de suaobra é também um grave empobrecimento, aperda de um largo aspecto da perspectiva mais

INDÚSTRIA BRASILEIRA 43

ORSON WELLES,no papel de Brutus,em Júlio César

JANEIRO 2007

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INDÚSTRIA BRASILEIRA 4544 INDÚSTRIA BRASILEIRAA JANEIRO 2007 WWW.CNI.ORG.BR

CULTURA

ampla que o contato com o dramaturgo sempredeve nos levar”, avisa a crítica teatral BárbaraHeliodora, doutora em Artes pela Universidadede São Paulo (USP) e especialista em Shakespeare,de quem já traduziu quase toda a obra.

A editora Nova Aguilar acaba de lançar o pri-meiro volume da coletânea shakespeareana (1794páginas, R$ 290) na versão de Bárbara, trazendo asprincipais tragédias (Macbeth, Hamlet, Romeu eJulieta, Júlio César, Rei Lear, Otelo) e as chamadasComédias Sombrias (Bom é o que acaba bem,Troilus e Créssida e Medida por Medida). Aomesmo tempo, a Lacerda Editores acaba de colo-car no mercado a versão da crítica carioca paraHenrique V (192 págs., R$ 33), a mais política daspeças de Shakespeare. Bárbara Heliodora escreveu,em 1978, o livro A expressão dramática do homempolítico em Shakespeare, relançado em 2005.

Mas o que teria o bardo, nascido em 1564 emorto em 1616 e que escreveu a maior parte desua obra durante o reinado de Elizabeth I, a falarpara nós, brasileiros contemporâneos, sobre polí-tica, um tema tão atual quanto delicado? “Hásemelhanças entre os improvisos e as falas dosbobos nas tragédias de Shakespeare. Grandes ver-dades ocultas são ditas sob o disfarce de obvieda-des e desvarios”, analisa Roberto MangabeiraUnger, professor da Faculdade de Direito daUniversidade Harvard, nos Estados Unidos, eatual aliado do presidente Luiz Inácio Lula daSilva, um ex-desafeto. Há mais de Shakespeare napolítica brasileira do que sonha nossa vã filosofia?“Há algo de podre no bornal do tesoureiro”,disse recentemente o senador Álvaro Dias(PSDB-PR), gastando seu Shakespeare numareferência extraída de Hamlet.

Para além de citações canhestras, o autor inglêspode ser um bom guia para as vicissitudes eternasde qualquer sistema político, até mesmo o brasi-leiro. “Ele descobriu o caráter trágico da política,ao estabelecer, como fundamento, o conflito per-manente e insolúvel. Nos seus textos, a política éum personagem maior, encenada tragicamente,pois se mostra insuficiente para garantir a ordempermanente. Se a política é trágica é porque a vidaé trágica e, se esta se configura assim, deve-se à

natureza do sujeito envolvido com as contingên-cias modernas”, observa Miguel Chaia, cientistasocial da Pontifícia Universidade Católica de SãoPaulo (PUC-SP). É uma visão compartilhada poroutros críticos, como o canadense Northorp Frye:“As análises shakespeareanas são da performancedramática que se requer quando se é líder nasociedade, na percepção da natureza teatral daliderança e do fato de que as qualidades de umgovernante nato não são qualidades morais.”

BOM E MAU GOVERNO“Já viu o cão de um fazendeiro latir para ummendigo? E a criatura fugir do vira-lata? Nisso sevê a grande imagem da autoridade: um cão é obe-decido se ocupa um cargo”, esbraveja o persona-gem Lear. Não é, porém, nas suas obras maisconhecidas que Shakespeare exercita melhor a suavisão da política moderna, quase nos moldesmaquiavélicos. Ele não leu o autor de O príncipe,mas as idéias do autor florentino eram conheci-das na Inglaterra elisabetana. Maquiavel (1469-1527) é personagem da peça O judeu de Malta,de Marlowe. “É digno de nota que a preocupaçãocom a política acompanhe o poeta de A comédiados erros até A tempestade. Ele era muito cons-ciente da importância política de inúmeras açõeshumanas levadas a cabo sob outro título e, con-seqüentemente, da ação política em geral. Sãoonipresentes as suas preocupações com os proble-mas do bom e do mau governo, da natureza dogovernante e do governado”, acredita Bárbara.

A sua visão é efetivamente aguçada na poucolida trilogia Bolingbroke (Ricardo II e as duas par-tes de Henrique IV) e em Henrique V. Obras dajuventude do bardo, escritas em boa parte paraangariar popularidade com cenas de batalhas,muita retórica e uma noção simplista de ascensãoe queda, esse quarteto de textos evoluiu para algomuito mais complexo que nos dá um entendi-mento intenso sobre a nossa vida política. Lê-lascom os olhos dos últimos 20 anos enseja a curio-sa sensação de que ele escrevia sobre o Brasil.

Começando com Ricardo II, que trata do reiarrogante que sofreu um impeachment, oumelhor, foi deposto por sua visão errônea sobre o

SHAKESPEARE: preocupação com a natureza do governante e a dos governados

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que era a autoridade de um governante.Acreditando no poder auto-suficiente,Ricardo desdenhou o apoio de políticos e dopovo, agindo de forma arbitrária. “Nem todaa água do mar pode apagar o óleo santo dafronte de um rei ungido”, grita no início dapeça para, ao final, reconhecendo-se vencido,retificar: “Eu o apaguei com minhas lágrimas”.

Uma vez no poder, Ricardo opera porameaças e favoritismo, numa espécie de sadis-mo burocrático. “Considerando-se acima dobem e do mal, Ricardo cercou-se de bajulado-res, favoreceu escandalosamente amigos e foiirresponsável, nada preocupado com o bemda comunidade”, nota Bárbara Heliodora. Apeça mostra como uma rebelião civil, lideradapor Henrique Bolingbroke, tira-o do cargo.“Elizabeth I era sensível a menções a um reidestronado e Shakespeare teve que agir commuito cuidado”, lembra a crítica.

ACLAMAÇÃO POPULAR“Se deixarmos a história real de lado e aceitar-mos a visão de Shakespeare, Henrique IV foi oprimeiro monarca inglês apeado ao poder poraclamação popular, quase que como se tivesseinventado a política eleitoral”, observa o cien-tista político Michael Egan, da Universidadede Massachusetts. Sem a legitimidade divina, onovo rei é um retrato do novo governantemaquiavélico, no sentido moderno da palavra:ele sabe manipular a política, domina a perfor-mance dramática do poder, prepara-se comesmero para alcançar o topo e sabe que o povo“viceja como um bando de moscas de verão”.

Em Júlio César, a massa aclama Brutus ape-nas para, meia hora mais tarde, após o discur-so de Marco Antônio, sair em busca de suacabeça. “Os dois Henriques, pai e filho, sãoapresentados como maquiavélicos positivos,homens que, como diz o autor florentino,saberiam reconhecer o momento em que a exi-gência política obriga a atos que podemos con-siderar condenáveis se avaliados por critériosnão políticos”, avalia Bárbara Heliodora.

No mundo de Henrique IV, o poder é a base

IDÉIAS DEMAQUIAVEL eram conhecidasna Inglaterra dos tempos deShakespeare

da vida política e as disputas não podem serresolvidas porque não há mais concordânciasobre quem é um juiz justo. O novo monar-ca sabe promover a sua figura, suas falas sãopolidas, o povo admira seu saber (Henriquemanipula a massa porque sabe que ela seimpressiona com as aparências), elegância eé inegável que ao contrário, de Ricardo, eledomina a sofisticação política maquiavélica.

O monarca, porém, tem problemas.Um deles é com o grupo que o ajudou a ali-jar Ricardo do poder, a família Northum-berland. Por que esse dois antigos aliadosnão conseguem coexistir pacificamente?Para Shakespeare, a resposta é simples: elesnão mais confiam um no outro. “O rei sem-pre se considerará nosso devedor e semprepensará que nós não nos consideramos satis-feitos, até que tenha encontrado o meio derecompensar-nos”, resume o personagemWorcester, rival de Henrique.

“Ao destruir Ricardo, Henrique e seusantigos aliados destruíram a base para aconfiança política entre pessoas poderosas.Para ganhar o trono, o rei e eles fingiram seramigos apenas para quebrar a lealdademútua, a fim de aumentar o poder, cadaum a seu lado”, nota Michael Egan. Nessecontexto de política moderna, agora que opoder é o árbitro das disputas, cada um temmedo do que o poder do outro pode fazerse não atacar primeiro. “Com essas ques-tões, Shakespeare colocava em cena o gran-de dilema da política: qual é a base da con-fiança e da estabilidade num mundo emque apenas a realidade política é poder?”

Não é apenas a realpolitik de Henriqueque o preocupa, mas, em especial, as compa-nhias do filho rebelde, o príncipe Hal, quevive no mundo das tavernas, antípoda do uni-verso cortesão. Na taverna Cabeça de Javali, ojovem convive com um grupo de companheiros des-bocados, anárquicos, rebeldes, de energia solta, umcontraponto total da ordem necessária e da estabili-dade política da sociedade regida pelo pai-monarca.Lá, Hal é “filho” do rotundo Sir John Falstaff, um

cínico que pergunta para quem quiser ouvir o que é ahonra: “Uma palavra. O que nessa palavra? Vento. Ahonra não passa de um escudo na porta da casa de umdefunto. Posso comê-la? Não. Bebê-la. Não. De nadaserve”. O rei irrita-se com o príncipe, que preferia ver

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RICARDO II: o rei arroganteenfraqueceu-secercado debajuladores

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como um adulto, dentro do mundo da política tradi-cional e conservadora. Henrique, no entanto, subesti-ma o potencial de Hal.

FORMAÇÃO DE LIDERANÇAJunto aos companheiros, o moço vai-se educandona política, preparando-se para assumir o poderno futuro. “No príncipe Hal, Shakespeare nosoferece um retrato do crescimento de uma lide-rança política moderna, uma celebração domelhor que a nova política, com toques deMaquiavel, tinha a oferecer: um rei com ‘toquepopular’, que falava ao coração do povo”, explicao cientista político Egan. Mais para diante, elenão hesitará em se livrar das velhas companhias,constrangedoras e problemáticas. Falstaff anteci-pa o que está por vir: “O filho do rei da Inglaterradeve ser ladrão e roubar bolsas? Há uma coisa,Harry, da qual ouviste falar e que é conhecidacomo piche. Ele suja. Assim acontece com ascompanhias que tens.” O aviso é seguido dasúplica: “Bani Peto, Bardolfo, mas não o velho eleal Jack Falstaff. Banir o gordo Jack é banir omundo inteiro”. Seco, Hal responde: “Eu o bani-rei”. Nesse momento, começa a se quebrar oencanto do “mundo da taverna”. O príncipe sabeque vai ter problemas com seus amigos e terá dese livrar deles ao chegar ao poder.

“Hal torna-se um ator político, enfrentandoseus deveres da maneira indevida. Mas essa efi-ciência deixa entrever a perda da energia espontâ-nea ao lado dos companheiros da taverna. Há umcálculo por trás dela”, observa Egan, acrescentan-do: “O príncipe torna-se um necessário e eficienteoperador político, perdendo toda a complexidadehumana. No seu desenvolvimento posterior emaior, ele enfrentará o custo humano exigido pelaliderança política. O preço desse poder pode sermuito maior do que muitos são capazes de pagar.”Se a peça Henrique IV levanta a questão de comoa política pode ser possível num mundo de moti-vações maquiavélicas, sua sucessora, Henrique V,responde essa pergunta. Nela, o bardo traz o retra-to do político moderno.

Por um contra-senso inesperado, Hal, agoraconvertido em Henrique V, terá como seu pai (e

O ATORRUFUSSWELL EMMACBETH:incapacidadede identificaros adversáriosleva à quedado soberano

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ticas), manda enforcar o antigo companheiroBardolph, que é pego pilhando uma igreja.

Naquele momento, Henrique V livra-se dopassado e torna-se o rei-político de total moder-nidade. A vitória contra os franceses, na batalhade Agincourt, onde Henrique faz um de seusfamosos e emotivos discursos (torna-se um espe-cialista na retórica, ainda que, muitas vezes, umafala sua contradiga outra logo a seguir), igual-mente é um contraponto ao seu comportamento.

Os franceses, em total maioria, ainda são regi-dos por normas arcaicas de cavalheirismo, ummundo ainda não convertido à política moderna,e essa é a causa de sua ruína. Milhares de nobres

e soldados franceses morrem, mas apenas umpunhado de ingleses é perdido. O mundomaquiavélico brutalmente eficiente é demais parao outro universo, politicamente fraco. O fim dapeça, no entanto, traz uma dúvida: Henrique, omais bem-sucedido político moderno, tem con-quistas efêmeras e a duras penas pessoais conse-guidas. A manutenção do poder pelo poder éuma ambivalência que permeia os doisHenriques e culmina em Henrique V. O parado-xo radical no coração da nova política é seu cará-ter autodestrutivo. De Collor a Lula, passandopelos dois Fernando Henriques, qualquer coinci-dência é mera semelhança.

tão diferente de Ricardo II) o sentido intuitivo daimportância da linguagem e teatralidade da pre-sença pública real como um instrumento efetivode liderança. Embora não se possa perceber queHenrique V tenha noção do que se passou comele, o fato é que o sucesso como rei causará nelea constante e estranha sensação de que seu com-prometimento com a política a Maquiavel cor-rompeu seu caráter de forma definitiva. QuandoFalstaff morre, ele não se interessa pelo antigoamigo e todos se queixam de que o rotundocompanheiro se foi com o coração partido pelarejeição de Henrique V. Da mesma forma,durante a invasão da França (por questões dinás-

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PARA AFELICIDADE GERALA sedução incansável faz qualquer homem ter sua mulher na palma da mão, para melhor ou para pior

Danuza Leão, colunista da Folha de S. Paulo

A VIDA A DOIS TEM CÓDIGOS E A QUEBRA DE qual-quer um deles pode, até, terminar em sangue. Noinício do namoro, existe uma cerimônia, mas,com a convivência e a intimidade, a tendência érelaxar e cair no natural – e é aí que mora o peri-go. Para manter uma mulher feliz, sobretudo seela é mãe de seus filhos, é conveniente tratá-lacomo se fosse precisamente o contrário.

Quando a família estiver unida, assistindo aum programa de televisão, escorregue a mão pelascostas dela e, com uma das mãos, tente desabotoaro sutiã. Ela vai dizer baixinho “cuidado, as criançasestão vendo”, mas você vai continuar tentando atéque ela se levante, disfarçadamente, para pegar umcopo d'água. E, no fundo, a-do-ran-do.

Você trabalha demais e ela vive se queixandode que quase não saem, por isso aquela sexta-feiraé muito especial: vão jantar fora com um casalamigo, beber um vinhozinho. Você ficou prontoantes, e está na sala tomando um uisquinhoenquanto espera por ela, que chega toda linda echeirosa, já com a bolsa na mão. Está aí umabelíssima hora para começar uma tórrida cena desedução: você chegando a propor que joguemtudo para o alto e fiquem em casa se amando.

Não se preocupe: ela não vai querer, massua tentativa vai fazer o maior sucesso. Custafazer esse número? Tudo pela família e peloamor, sempre: quando estiverem num jantarsocial, se, por acaso, se sentarem perto um dooutro – o que é difícil, pois a vida mundana éfeita para separar as pessoas – , escorregue amão por debaixo da mesa e passe a mão naperna dela, por debaixo da saia. Ela vai ficarlouca, e esse gesto vai manter o casamento

sólido e feliz por mais uns oito anos.Mais uma: quando estiverem numa festa,

longe um do outro, olhe fixo para ela, comofazem os homens com uma mulher desconheci-da. Mantenha o olhar cheio de desejo, como sequisesse saber, mais que tudo na vida, quem é essamulher tão interessante. Um homem que faz issotem essa mulher na palma da mão; para o melhorou para o pior, não importa, mas para sempre.

Mas elas são perigosas, e uma das coisas quenenhuma tolera é ver seu homem elogiar outramulher. Falar das pernas, da cinturinha, dosseios, é apenas insuportável. Achar uma mulherbonita ainda vai, mas dizer que ela é gostosa éimperdoável, e quem comete esse crime estásujeito às penas da lei; não à lei dos homens,mas à das mulheres, que, como todos sabem, émais justa e bem mais dura.

Aliás, nem é uma questão de elogiar. Seforem ao cinema e a atriz for deslumbrante, dêum beijinho no cangote dela – vários, aliás – ,e jamais, mas, jamais, se refira a tal atriz pelonome. Quando chegarem em casa, pergunte,por exemplo, “como é mesmo o nome daquelamoreninha do filme?” Com isso você ganha seusossego até 2010, e, se quiser ter a seu lado amulher mais descaradamente feliz destemundo, quando entrar na festa GiseleBündchen, diga alguma coisa do tipo “boniti-nha, mas muito magrinha – gosto de mulhercom cara de mulher”.

Sabe aquela história da mulher de César,que além de ser honesta precisava parecerhonesta? Vocês, homens, não precisam ser fiéis;basta que pareçam fiéis.

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