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Repensar a Distribuição Em busca do estoque perdido Ivan Correa ([email protected]), sócio-diretor da GS&MD – Gouvêa de Souza Imagine a seguinte situação: você está reformando seu imóvel, em uma grande capital, e precisa comprar um complemento de pastilhas para finalizar os banheiros. Você retorna ao home center onde realizou a primeira compra, mas a cor da pastilha necessária não está mais di sp onível. Como um Indiana Jo nes, cons eg ue localizar um atendente, que consulta um sistema veloz como um  jabuti e confirma que, realmente, o estoque daquele item, naquela filial, está zerado. Você insiste, o atendente rola a tela, e informa que a filial da zona norte, distante cerca de 25km, possui 800 peças daquele item em estoque. Você não consegue conter sua indignação: como pode ocorrer um desequilíbrio tão grande entre os estoques das lojas? O atendente explica que isso é muito comum de acontecer, pois cada loja administra o seu estoque. Imagine que essa situação tenha ocorrido em uma das maiores redes de home centers do Brasil. Admito, essa situação não foi hipotética. Aconteceu comigo, nesta semana. Mais uma vez, senti na pele os efeitos de algo que temos insistentemente alertado aos varejistas: falhas na gestão de estoques. Nessa situação, meu papel era de consumidor, não de consul tor de varejo. Obviamente minha experi ência permitiria traduzir essa frustração em oportunidade de negócio, propondo um projeto de consultoria para que essa rede não mais frustrasse os seus clientes e/ou pe rdesse faturamento. Mas como a minha necessidade era finalizar rapidamente a minha obra, cruzei a cidade em busca do estoque perdido.

Em busca do estoque perdido

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Repensar a Distribuição

Em busca do estoque perdido

Ivan Correa ([email protected]), sócio-diretor da GS&MD – Gouvêa

de Souza

Imagine a seguinte situação: você está reformando seu imóvel, em

uma grande capital, e precisa comprar um complemento de

pastilhas para finalizar os banheiros. Você retorna ao home center 

onde realizou a primeira compra, mas a cor da pastilha necessária

não está mais disponível. Como um Indiana Jones, consegue

localizar um atendente, que consulta um sistema veloz como um

 jabuti e confirma que, realmente, o estoque daquele item, naquela

filial, está zerado. Você insiste, o atendente rola a tela, e informa

que a filial da zona norte, distante cerca de 25km, possui 800 peças

daquele item em estoque. Você não consegue conter sua

indignação: como pode ocorrer um desequilíbrio tão grande entre os

estoques das lojas? O atendente explica que isso é muito comum de

acontecer, pois cada loja administra o seu estoque. Imagine que

essa situação tenha ocorrido em uma das maiores redes de home

centers do Brasil.

Admito, essa situação não foi hipotética. Aconteceu comigo, nesta

semana. Mais uma vez, senti na pele os efeitos de algo que temos

insistentemente alertado aos varejistas: falhas na gestão de

estoques. Nessa situação, meu papel era de consumidor, não de

consultor de varejo. Obviamente minha experiência permitiria

traduzir essa frustração em oportunidade de negócio, propondo um

projeto de consultoria para que essa rede não mais frustrasse os

seus clientes e/ou perdesse faturamento. Mas como a minha

necessidade era finalizar rapidamente a minha obra, cruzei a cidade

em busca do estoque perdido.

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Em se tratando de produtos de ciclo de vida mais longo, como

ocorre nos hipermercados, materiais de construção, livrarias e

eletroeletrônicos, por exemplo, é inconcebível que ocorram

desequilíbrios como acima relatado. Não foi somente a falta dedeterminado item em uma filial, tecnicamente chamado de ruptura:

foi também o aparente excesso desse mesmo item em outra filial.

Nessas situações, os produtos podem ser repostos em função do

seu desempenho de vendas, por meio de algoritmos relativamente

simples, que tratam de estoques mínimos capazes de suportar

históricos de demanda. Tecnicamente, é a determinação do nível de

serviço que será prestado ao cliente. Todos sabem que é

financeiramente inviável manter 100% de nível de serviço. Mas é

perfeitamente possível, além de altamente recomendável, que

sejam avaliadas as características específicas dos diferentes grupos

de produtos para definir o nível de serviço adequado em função do

papel que cada um desempenha na loja.

Em grandes redes de materiais de construção, por exemplo, é

comum parte do estoque de determinados itens ficar centralizada

em depósitos regionais, para entrega direta ao consumidor final.

Outra parte fica distribuída nas diversas lojas da rede. Estabelecer o

gatilho que dispara antecipadamente o reabastecimento da filial, e

mesmo o reabastecimento total da empresa (emissão de pedido de

compra), é algo que requer ciência. Os desequilíbrios de estoques

entre as filiais podem ser a face menos visível de ineficiências na

gestão, pois, ironicamente, o estoque consolidado da empresa pode

parecer adequado: a falta em uma loja fica compensada pelo

excesso em outra, num jogo de soma zero.

Nos hipermercados, os principais fornecedores frequentemente

desempenham esse papel, deixando, por vezes, o varejista “mal

acostumado”. No pequeno varejo, por vezes os atacadistas

possuem históricos de vendas mais consistentes que o próprio

varejista. Advogamos que essa inteligência deve ficar no varejo, e

não na indústria ou nos distribuidores. Até porque, se determinado

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produto faltar na loja, a imagem que fica arranhada é a do varejista,

mesmo que a falha de abastecimento tenha sido da indústria. Além

disso, aprimorar tecnicamente as equipes de compras e

planejamento é algo que as empresas de varejo precisam fazercontinuamente para preservar sua competência e independência na

gestão dos estoques.

Entretanto, não se pode perder de vista o principal ator de todo

esse cenário: o consumidor. Trazer essa perspectiva para a gestão

de estoques é um dos maiores desafios das empresas de varejo,

que tendem a preservar uma visão excessivamente técnica dos

produtos comercializados. Construir uma estrutura mercadológica

adequada, definindo o papel que as categorias desempenham sob a

ótica do consumidor, é o início mais promissor para esse processo.

Como ouvi certa vez, ainda criança, de forma irritantemente óbvia:

“meu filho, em uma padaria pode faltar de tudo, menos pão e leite”.