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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 3214 “EM DIÁLOGO COM DORI”: TRAJETÓRIA E ATUAÇÃO DOCENTE DE DORIANA ZAMBONI (1977-2002) Maria José Dantas 1 Introdução Escrevo (ditando) a minha saudação a vocês. A mão já não responde mais, mas a cabeça pensa e reza por vocês todos, à medida que os recordo com suas alegrias, sofrimentos e problemas (ZAMBONI, 2015). As palavras iniciais da última carta de Doriana Zamboni dirigida aos seus amigos por ocasião do Natal de 2015 são reveladoras da força de uma mulher, que com quase 90 anos e uma saúde frágil, ainda encontrava forças para pensar e oferecer palavras de afeto e conforto a milhares de pessoas que conheceu ao longo da vida. Doriana Zamboni, Dori, como era conhecida, nasceu em Trento, norte da Itália em 23 de junho de 1926 e faleceu em Rocca di Papa, próximo a Roma, em 26 de dezembro de 2015. Fez o curso de magistério no Instituto Antônio Rosmini, mas decidiu não exercer a docência nas escolas de Trento, visto que, naquele período, as professoras iniciantes e sem experiência, só conseguiam trabalho como substitutas, geralmente em povoados e aldeias distantes da cidade e dando aulas para alunos em classes multisseriadas. No início da década de 40 do século XX, Doriana conheceu Chiara Lubich 2 , uma professora católica que posteriormente, fundou o Movimento dos Focolares - um Movimento de “vida e espírito”, que trata de questões humanas e espirituais e atua nas várias expressões da sociedade e da cultura humana, com ênfase na dimensão pedagógica. Ao lado de Chiara, Doriana desenvolveu uma vasta atividade educativa por meio dos Focolares. Suas ações não ficaram restritas a um pequeno espaço, ou a uma única cidade, mas foram extensivas a pessoas dos cinco Continentes. Partindo deste preâmbulo, a investigação que ora se apresenta, está inserida no conjunto de estudos sobre a vida de homens e mulheres que contribuíram de alguma maneira 1 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Professora Adjunta do Departamento de Educação/UFS. Integrante do grupo de estudos e pesquisas em História da Educação: intelectuais da educação, instituições escolares e práticas educativas/UFS. E-Mail: <[email protected]>. 2 Para mais detalhes sobre Chiara Lubich, consultar DANTAS (2014).

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ISSN 2236-1855 3214

“EM DIÁLOGO COM DORI”: TRAJETÓRIA E ATUAÇÃO DOCENTE DE DORIANA ZAMBONI

(1977-2002)

Maria José Dantas1

Introdução

Escrevo (ditando) a minha saudação a vocês. A mão já não responde mais, mas a cabeça pensa e reza por vocês todos, à medida que os recordo com suas alegrias, sofrimentos e problemas (ZAMBONI, 2015).

As palavras iniciais da última carta de Doriana Zamboni dirigida aos seus amigos por

ocasião do Natal de 2015 são reveladoras da força de uma mulher, que com quase 90 anos e

uma saúde frágil, ainda encontrava forças para pensar e oferecer palavras de afeto e conforto

a milhares de pessoas que conheceu ao longo da vida.

Doriana Zamboni, Dori, como era conhecida, nasceu em Trento, norte da Itália em 23

de junho de 1926 e faleceu em Rocca di Papa, próximo a Roma, em 26 de dezembro de 2015.

Fez o curso de magistério no Instituto Antônio Rosmini, mas decidiu não exercer a docência

nas escolas de Trento, visto que, naquele período, as professoras iniciantes e sem experiência,

só conseguiam trabalho como substitutas, geralmente em povoados e aldeias distantes da

cidade e dando aulas para alunos em classes multisseriadas.

No início da década de 40 do século XX, Doriana conheceu Chiara Lubich2, uma

professora católica que posteriormente, fundou o Movimento dos Focolares - um Movimento

de “vida e espírito”, que trata de questões humanas e espirituais e atua nas várias expressões

da sociedade e da cultura humana, com ênfase na dimensão pedagógica. – Ao lado de Chiara,

Doriana desenvolveu uma vasta atividade educativa por meio dos Focolares. Suas ações não

ficaram restritas a um pequeno espaço, ou a uma única cidade, mas foram extensivas a

pessoas dos cinco Continentes.

Partindo deste preâmbulo, a investigação que ora se apresenta, está inserida no

conjunto de estudos sobre a vida de homens e mulheres que contribuíram de alguma maneira

1 Doutora em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Professora Adjunta do Departamento de Educação/UFS. Integrante do grupo de estudos e pesquisas em História da Educação: intelectuais da educação, instituições escolares e práticas educativas/UFS. E-Mail: <[email protected]>.

2 Para mais detalhes sobre Chiara Lubich, consultar DANTAS (2014).

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com a questão educacional em espaços formativos diversos e busca analisar as formas e

sentidos das atividades pedagógicas desenvolvidas por Doriana. Investiga também as raízes

de sua proposta educativa e os frutos de sua atuação docente em âmbito brasileiro. Os

pressupostos teóricos que subsidiaram o estudo estão fundamentados na Nova História

Cultural e na História da Educação e têm como base os conceitos de apropriação e

representação de Roger Chartier, carisma de Pierre Bourdieu e estratégia de Michel de

Certeau.

Chartier (2002a) diz que representação pode ser pensada a partir da exibição de uma

presença, ou apresentação pública de uma coisa ou de uma pessoa. Neste sentido, procurou-

se verificar que tipos de depoimentos existem relacionados ao fato de ter encontrado ou

convivido com Doriana, ou ter uma pergunta respondida publicamente por ela em um

evento. Procurou-se também identificar a representação referente a ela, mesmo após seu

falecimento.

Quanto à apropriação, segundo Chartier (2002a), é “a maneira como cada leitor tomou

para si a leitura de um impresso, projetando as suas ideias e a sua interpretação”. Foi possível

tecer apenas algumas hipóteses, visto que não se tem como comprovar os usos que os

ouvintes e leitores de Doriana fizeram com relação às suas determinações fundamentais, nem

à maneira como assimilaram o conteúdo de suas respostas nos vários eventos.

Além desses conceitos, como o locus privilegiado para esta análise são as 145 respostas

dadas por Doriana em diversos eventos e que foram publicadas no Brasil em 2011 pela

editora Cidade Nova no livro “Em diálogo com Dori”, atentou-se para a materialidade e

suporte dos livros que veicularam as respostas de Dori. No caso desta análise, foi utilizada a

tradução em Português, mas teve-se o cuidado de verificar se existiu alguma modificação

entre a publicação em Italiano e a tradução. Para Chartier (2002a), no estudo de um

impresso, é importante ficar atento às características de seus suportes. Por isso, a referência a

esses pequenos detalhes.

Raízes familiares e percurso escolar

Quando Doriana nasceu, já tinha uma irmã, seis anos mais velha. O pai trabalhava dia e

noite na padaria de propriedade da família e a mãe o ajudava vendendo os produtos e

também na administração do comércio. O relacionamento mais próximo nos seus primeiros

anos de vida foi com um avô. Fez a primeira comunhão quando tinha seis anos e ao sair da

Igreja, uma professora vendo-a com um maço de cravos brancos lhe disse que ela parecia

uma noiva.

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Quando se matriculou na escola e começou a ler, agarrava-se aos livros, dizia que

“devorava-os, muitas vezes andava na rua lendo” (ZAMBONI, 2012). Com o passar do tempo,

começou também a escrever, e tinha uma propensão ao uso da criatividade e da fantasia. Os

livros permaneceram sua paixão por toda vida, seja como leitora e/ou como escritora.

Dentre os fatos que marcaram sua infância, uma experiência se destaca:

No tempo livre da escola, ficava sempre sozinha, manifestava seu amor às bonecas que lhe pareciam pessoas vivas. Um dia conheceu a filha de uma senhora pobre que ia lavar roupas para sua família, viu a menina brincando com um dos seus tamancos, como se fosse uma boneca. Depois de alguns dias, aproximou-se o seu aniversário e os pais, envolvidos com o trabalho, esqueceram-se de comprar um presente para ela, o que lhe fez sofrer. Porém ela não cedeu à desilusão e pensou que talvez existisse uma maneira de ser feliz também quando se está desiludidos: “fazer com que outros sejam felizes!” Assim, correu até seu quarto, abriu o pequeno baú onde guardava seus tesouros, escolheu a boneca mais bonita e foi até a casa onde morava aquela família. O seu coração ficou repleto de uma nova felicidade.3

Na adolescência, as amizades da escola eram superficiais, os pais estavam sempre

muito ocupados com o trabalho e a irmã que era professora, trabalhava distante, dando aulas

num vilarejo nas montanhas. Nas longas tardes em casa, Dori tinha diante de si os livros da

escola, mas a fantasia era mais forte que o dever, segundo ela “fazia apenas uma rápida

leitura, mas não estudava... ninguém havia me ensinado a estudar e como meus pais

trabalhavam o dia todo, não tinha ninguém para me dizer: estuda!” (ZAMBONI, 2012). No

final do ano escolar foi reprovada e tendo que repetir a série, encontrou-se numa nova classe

com colegas ricas e modernas que lhe ensinaram a dançar, a se maquiar, a ter um modo de

viver totalmente desconhecido, até então.

Nesse período, um frade capuchinho, que dava aulas de religião na escola e gostava

muito dela, a convidou para conhecer uma bela professora que se encontrava semanalmente

com as jovens da Ordem Terceira de São Francisco. Doriana era cristã, mas não era devota,

não gostava de participar de grupos e associações da Igreja. Não se interessava por essas

coisas, mas como o frade lhe disse que essa pessoa era uma mulher muito inteligente, capaz,

gentil e que certamente ela ficaria contente de conhecê-la, por educação disse-lhe sim.

Alguns dias depois, Doriana recebeu um cartão de certa “Chiara Lubich”, que lhe

convidava à sua casa para dizer-lhe “uma coisa bonita”.

Doriana foi ao encontro daquela senhora e ficou surpresa:

3 Perfil Biográfico de Dori. Disponível em: <http://www.volontarie1956.net/dettaglio.asp?ST=NT&C= 04603950UE6877067032>.

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Ela não era uma pessoa idosa como imaginava, era possivelmente da idade de minha irmã, estudaram na mesma turma no Instituto Magistral. Após a saudação de acolhida Chiara me disse sem muitos rodeios: tu sabes que Deus te ama imensamente? Eu disse Sim! E Chiara continuou: e tu o que fazes para corresponder a este amor? Eu disse: não sei, não faço nada. E Chiara: mas qual a sua ocupação, trabalha? Eu disse: não! Só vou para escola, mas mesmo assim não faço o necessário, porque não estou bem nas avaliações. Apenas na língua italiana tenho boas notas, porque leio bastante, desde os seis anos. Quando escrevo uma carta é sempre bem escrita. E Chiara disse: fico contente em te conhecer. Mas, estudas? Algumas vezes, respondi! E Chiara começou a falar de Deus “Amor”, que criou o mundo com toda sua beleza, que criou o homem capaz de pensar e amar, sobretudo amar, porque o homem se realiza somente amando, não tem outra maneira. Pode ser um grande gênio, mas se não sabe amar não se realiza. Eu nunca havia escutado ninguém falar daquela maneira. Deus é Amor infinito, morreu sobre a terra, para ensinar o homem a amar. Não tanto a estudar, a trabalhar, também isso, mas o meio para que se realize é que consiga amar (ZAMBONI, 2012).

Doriana relembrou esse primeiro encontro com Chiara em várias de suas entrevistas,

também durante suas palestras em Congressos do Movimento Focolares, e ainda, para

Dantas, que em 2012, teve oportunidade de ser recebida por Doriana em sua casa em Rocca

di Papa. Apesar da saúde já frágil, ela recebeu a pesquisadora com alegria e falou por mais de

duas horas sobre vários aspectos da educação e da profissão docente na Itália. Contou alguns

episódios de sua história, sobre os trabalhos executados com Chiara, suas viagens pelos

vários países da Europa e ainda, as várias atividades realizadas ao longo da história do

Movimento. Quando questionada sobre o que apendeu com Chiara ela ressaltou: “Eu aprendi

tudo com Chiara... Eu era uma jovenzinha a mais menina dentre as moças da minha idade,

brincava ainda com bonecas...” (ZAMBONI, 2012).

Ela contou que daquela vez na casa de Chiara, quanto mais ela lhe falava sobre Deus,

mas ficava impressionada. E o que mais lhe impressionava era a pessoa de Chiara.

Porque não me disse: deve ir se confessar, ou acredite em Deus! Obedeça a seus pais, todas essas coisas que normalmente as pessoas religiosas aconselham. Ela não me disse nada! Só me falava do quanto Deus é amor e como ama até a eternidade. Eu não sei dizer se fiquei ali meia hora, ou duas horas, não sei. Eu escutava, escutava, escutava, e quando saí, me senti outra pessoa. Parecia que deveria agradecer a todas as coisas e todos os seres: à rua que me permitia caminhar, às flores sobre os balcões nas janelas, às pessoas que iam e vinham, todas criaturas de Deus e feitos para amar... E se alguma pessoa me parasse para dizer alguma coisa, eu teria apenas uma resposta: Eu ”O” encontrei! Voltei para casa feliz e fiz algumas anotações daquilo que Chiara havia me dito (ZAMBONI, 2012).

Para Doriana, encontrar Chiara tinha sido uma experiência marcante e ela queria

descobrir outras maneiras de vê-la novamente. Então lembrou-se que Chiara falou muito

sobre as Escrituras Sagradas, e com isso, imaginou que ela fosse à missa diariamente. Assim,

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observou qual era a igreja que ficava mais próxima de sua casa e na manhã seguinte, foi bem

cedinho.

Chiara chegou por volta das 7 horas e eu fui devagarinho sentar no banco atrás do que ela estava. Ela se levantava eu me levantava junto, ela se sentava eu me sentava, discretamente para que ela não percebesse a minha presença. Depois que terminou a missa Chiara me viu e eu a acompanhei até sua casa. Enquanto caminhávamos Chiara me disse: nós – eu não sabia a quem Chiara se referia – queremos fazer uma coisa bonita. Você já viu um canteiro cheio de flores, circundadas por colunas e com um poço ao centro? Pois também nós, como pessoas, poderemos tornar-nos as colunas de um canteiro espiritual, imenso no meio do mundo. E entre nós poderemos proteger Deus, a fonte da água viva. Estás de acordo? Eu nem me importei em saber quem era esse “nós” e disse-lhe que sim! (ZAMBONI, 2012).

Naquele mesmo dia, Doriana retornou mais uma vez à casa de Chiara e novamente

conversaram sobre Deus, criador de todas as coisas. Dori nos disse que antes de conhecer

Chiara “rezava o Credo, mas não entendia o que significa, creio em Deus Pai, criador

onipotente...” (ZAMBONI, 2012). Mas naquela tarde, Chiara lhe falou também sobre Jesus.

O mais belo dos filhos do Homem, nascido de Maria, e eu escutava... E depois ela perguntou: Mas tu sabes a história de Jesus? E ela passou a contar-me a história de Jesus, mas, sobretudo, fazendo-me entender como ela O amava, Ele que nasceu de uma mulher, que trabalhou, que começou a ensinar os outros - porque Jesus era o Filho de Deus, então era inteligentíssimo, belíssimo, capaz de fazer todas as coisas. - Depois falava também sobre os Padres da Igreja, e eu era totalmente encantada e me parecia já ver e amar também eu a Deus, como Chiara O amava. E Chiara me perguntou: “Por que estais tão mal na escola”? E eu, Não sei! Não gosto muito de estudar. E Chiara me disse: “mas tu amas aquilo que está escrito nos livros”? Eu fiquei meio embaraçada. E Chiara continuou, “amas quem os escreveu? Como é tua disposição de pensamento lendo essas coisas”? Eu não aprendia porque lia sem vontade, sem pensar nas palavras (ZAMBONI, 2012).

Doriana havia reprovado na escola e estava repetindo a série. Assim, Chiara lhe propôs

dar aulas particulares para que ela conseguisse cursar as duas séries em um ano e assim,

concluísse logo o Magistral e as duas poderiam depois ir juntas para a Universidade.

Eu disse: sim, sim, sim, sem refletir. E Chiara me disse: então vamos nos colocar de acordo. Primeiro você precisa falar com seus pais para ver se eles concordam. Se seus pais estiverem de acordo, amanhã começaremos. Eu separarei todos os livros do último e penúltimo ano e prepararei as lições e faremos um programa de estudos de modo que vejamos quantas páginas terás que estudar todos os dias. Eu havia deixado meus pais muito contrariados pela reprovação e quando lhes falei sobre a proposta, eles me perguntaram se eu conhecia bem aquela pessoa. E consultaram também minha irmã, que disse ter estudado com Chiara e que ela era uma das primeiras alunas da classe em todas as matérias (ZAMBONI, 2012).

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Os pais de Doriana concordaram e “o primeiro exercício que fizemos juntas foi ler um

livro de literatura italiana e depois Chiara me mandou fazer uma tradução de um texto em

latim” (ZAMBONI, 2012). O latim fazia parte do currículo do Magistral e era uma das

disciplinas que ela tinha mais dificuldades.

Sobre essa atividade, Doriana relatou a Mina (1977):

Era domingo, bateu à porta de minha casa uma irmãzinha da professora. Perguntou por mim e entregou-me um envelope fechado. O que será isso? Pensei. Fiquei sem ar: era o meu exercício, o primeiro exercício de latim, transformado num cemitério de riscos azuis e vermelhos, com uma cartinha da professora que dizia dentre outras coisas: “Estás de tal maneira atrasada que se não estudares não posso fazer nada contigo” (ZAMBONI apud Mina, 1977, p. 29).

Em 1991, em um congresso do Movimento Focolares, um jovem lhe perguntou o que foi

para ela estudar com Chiara, e ela falou novamente sobre aquele bilhete.

Chiara havia escrito também: se não estudas não estás na Vontade de Deus e se não faz a Vontade de Deus, não amas a Deus. Esta foi uma verdadeira ferida, porque havia apenas descoberto que Deus é Amor, uma realidade enorme..., Eu queria responder-lhe com o meu amor. Mas Chiara me dizia: “Não é verdade que o fazes”! E assim eu entendi que para amar a Deus precisava estudar latim.4

Com o empenho diário e a ajuda de Chiara, Doriana não só aprendeu a prestar atenção

ao que estava escrito nos livros, como também na escrita e nos ensinamentos de Chiara.

Estudou e conseguiu ser aprovada nos exames para o Magistério. Por conta dos bombardeios

da Segunda Guerra Mundial, não foi possível frequentar a Universidade. Ela decidiu não

casar-se e, também como Chiara, consagrou-se totalmente a Deus. Ocupou-se dos negócios

da família e colaborava com Chiara nas atividades sociais que começavam a realizar em

Trento. E, foram muitas as descobertas e aprendizados que realizaram juntas5.

4 Ricordo di Dori Zamboni. Disponível em: <http://www.focolare.org/notiziariomariapoli/it/ print.php?lang=&print=1622>.

5 Dentre estes, um fato significativo aconteceu em janeiro de 1944, período que Dori estava muito doente e não conseguia sair de casa. Chiara ia diariamente lhe visitar e um padre que foi levar a comunhão para Dori perguntou, segundo elas, qual foi o momento que Jesus havia sofrido mais sobre a terra. E elas disseram que achavam ser aquele momento no Horto das Oliveiras, mas o sacerdote lhes disse que não. O maior sofrimento de Jesus deu-se quando experimentou o abandono do Pai na cruz e gritou: “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” (Mt 27,46). Elas ficaram impressionadas com aquela revelação e “O” escolheram em Seu Abandono, como caminho para realizar um Ideal de amor. Assim começaram a ver em todas as dores e dificuldades o semblante Dele. De acordo com Lubich (2000), Ele havia experimentado em si a separação dos homens, de Deus e entre si, e tinha sentido o Pai distante. E assim, Chiara, Dori e as outras companheiras “O” viam não apenas nas dores pessoais, mas também nos sofrimentos das pessoas próximas, muitas vezes sós e abandonadas; nas divisões, nos traumas, nas indiferenças recíprocas, grandes ou pequenas: nas famílias, entre as gerações, entre pobres e ricos, às vezes na própria Igreja, e mais tarde entre as várias Igrejas, e depois ainda entre as religiões e entre quem crê e quem possui uma convicção diferente.

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“Em diálogo com Dori”

Após fazer a descoberta do amor particular de Deus, Doriana viajou por várias partes

do mundo para testemunhar e difundir a espiritualidade dos Focolares, que está

fundamentada em Deus, único Ideal que não passa e que nenhuma bomba consegue destruir.

Em 1956 esteve na França, em 1965, na Inglaterra, em 1971, na Bélgica. Nestes países foi

precursora do Movimento, e teceu estratégias no sentido de abrir novos caminhos com

relação ao diálogo ecumênico e às ações ligadas à cultura e educação. Utilizou as habilidades

docentes de diversas maneiras: organizou Congressos, Encontros, Seminários, Escolas, esses

eventos foram espaços formativos nos quais ela fez uso de sua criatividade e de sua

metodologia docente para tratar de variados assuntos.

Por conta de seu empenho, criatividade e habilidade com os impressos, em 1956 passou

a compor a primeira equipe de redação da revista Città Nuova, e da editora homônima. Foi

uma das primeiras mulheres a assinar as colunas do impresso e ao longo dos anos sempre

apoiou e colaborou com a publicação. Os colegas da redação recordaram algumas de suas

colocações:

A revista “é uma comida que devemos preparar para que seja degustada pelos outros”, e que “precisaria que em cada artigo o autor colocasse toda a sua alma, ou seja, o que existe de novo nela naquele dia, a luz daquele dia”. Levava-nos a ver as vicissitudes do presente e do passado de um ponto de observação muito elevado… porque sabia dar uma visão unitária e unificante, e convidava a descobrir os sinais dos tempos e, entre estes, os que indicavam o caminho, ainda que sofrido, rumo ao mundo unido.6

Possivelmente essas orientações levavam em conta as primeiras lições recebidas de

Chiara, quando lhe perguntou se amava o que estava escrito nos livros e as pessoas que os

escreviam. As perguntas de Chiara e as colocações de Doriana sobre a revista, fazem pensar

na importância que elas davam aos impressos e à escrita. Tanto para Chiara, quanto para

Dori, o leitor deveria ser capaz de perceber o que estava escrito no livro, pensar em quem

escreveu, estar atento ao modo como estava lendo e às interpretações que fazia.

Além dessas pequenas atividades, Doriana acompanhou o percurso humano e espiritual

de milhares de pessoas do mundo inteiro, inclusive de um grande número de brasileiros. Em

1976 Chiara lhe confiou o Setor do Movimento chamado “Voluntários de Deus” – composto

por leigos, homens e mulheres de várias nacionalidades, empenhados nos diversos âmbitos e

espaços da sociedade. Geralmente reúnem-se semanalmente em pequenos grupos de 8 ou 10

6 Disponível em: <http://www.cittanuova.it/c/451353/Addio_Dori_Nuova_stella_in_cielo.html>.

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pessoas e com o seu trabalho e testemunho centrado no Evangelho, visam edificar uma

Humanidade Nova.

Durante mais de 20 anos, Doriana liderou esse setor, que possui milhares de membros

e atua em países dos cinco continentes. Ela visitou variadas cidades, esteve em numerosos

congressos, organizou diversas Escolas de formação, muitas das quais, aconteceram na

Mariápolis permanente de Loppiano7.

Nestes eventos, ela enfatizava uma palavra de ordem, uma mensagem particular ou

mesmo um discurso sobre determinado assunto, ou ainda respondia às perguntas. Algumas

destas foram publicadas no livro “Em diálogo com Dori”, ou “Dori alle volontarie sul núcleo”,

na versão original em edição italiana.

Doriana teve vários livros, escritos e/ou organizados por ela, que foram publicados pela

editora Città Nuova e traduzidos em várias línguas. Chartier (2002b) define livro como um

objeto material e, ao mesmo tempo, uma obra intelectual ou estética identificada pelo nome

de seu autor. Por isso, enfatiza a importância de olharmos a publicação e seu criador e, ainda,

a maneira como o impresso se apresenta: “A significação, ou melhor, as significações,

histórica e socialmente diferenciadas de um texto, qualquer que seja, não podem ser

separadas das modalidades materiais que o dão a ler a seus leitores” (CHARTIER, 2003, p.

46), quer dizer, o suporte e as formas de apresentação de uma publicação estão ligados ao

conteúdo e devem proporcionar ao leitor uma primeira representação sobre o livro, antes

mesmo de sua leitura.

O livro “Em diálogo com Dori” é uma coletânea de respostas que foram dadas por

Doriana em vários eventos que aconteceram entre 1977 e 2002, em diferentes locais. A edição

em Português possui 206 páginas, mede 21 X 14 cm de espessura e 1cm de lombada. Foi

traduzida no Brasil pela Editora Cidade Nova e publicada em 2011. Possui a mesma

quantidade de mensagens do livro em italiano, 145. Na capa aparecem em destaque as fotos

de Chiara com a blusa amarela, e de Doriana, com blusa branca. A imagem parece indicar a

ideia de uma conversa que retoma ao início da experiência de Dori: os longos e proveitosos

diálogos com Chiara. Pode-se pensar como hipótese, que possivelmente a autora desejava,

que de certo modo, seus diálogos com os leitores e com quem a escutou presencialmente,

tivessem como modelo o tipo de comunicação estabelecido entre ela e Chiara.

7 Uma pequena cidade nas imediações de Florença – Itália. Para maiores informações consultar: http://www.loppiano.it/

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Figura 1 – Capa do livro. ZAMBONI, Doriana. Em diálogo com Dori. São Paulo: Cidade

Nova, 2011.

Com relação ao fato da publicação de suas respostas em livro, é possível que tenha

havido critérios na escolha: tanto aqueles dos organizadores, quanto aqueles editoriais. A

importância de prestar atenção a essas questões ligadas à seleção de material para publicação

se dá porque, de acordo com Chartier (2010):

Há uma pluralidade de intervenções implicadas na publicação dos textos. Os autores não escrevem livros, nem mesmo os próprios. Os livros manuscritos ou impressos são sempre o resultado de múltiplas operações que supõe decisões, técnicas e competências muito diversas (CHARTIER, 2010, p. 21).

Essa coletânea de respostas de Doriana são diálogos públicos, proferidos em meio a

pessoas de diversas nacionalidades e dos cinco Continentes. É necessário ter presente que,

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antes de fazerem parte do livro, estas respostas foram dadas com o fim específico de

esclarecer dúvidas de pequenos ou grandes grupos que desejavam um conselho ou uma

orientação para saber o que fazer diante de tantas situações da vida pessoal, da família, ou da

convivência nos grupos do Movimento e na sociedade. O fato de materializarem-se por meio

do livro leva a crer que têm como meta chegar a um público mais abrangente, que não teve a

oportunidade de ouvir o discurso. Possivelmente o desejo de ampliar esses diálogos se dá

pela possibilidade e relevância de seus direcionamentos e instruções. Com a publicação no

livro, elas deixaram de ser apenas uma resposta unitária com acesso a poucos, para

tornarem-se uma lição, com circulação mais ampla do discurso.

Na leitura e análise das respostas de Doriana foi imaginável transitar, fazendo um

percurso inverso: do livro em mãos, ao momento em que ela proferiu sua fala. Também foi

possível pensar no público e no espaço determinado de onde ela falou. Além disso, é

necessário ter em mente os caminhos percorridos por essas respostas rumo à publicação.

É importante atentar para o fato de se tratar de uma escrita imbuída de preceitos

religiosos católicos e que, neste sentido, muitas vezes esbarraremos nas implicações da fé X

ciência. Esclarecemos que esta análise não pretende esgotar o assunto e que visa apenas,

apresentar aspectos do trabalho docente de Doriana Zamboni.

As 145 respostas publicadas seguem uma ordem cronológica, tanto na versão em

português, como no original em italiano. Mas, ao final do livro, elas aparecem elencadas em

um índice geral, e também em um índice temático.

Dentre os temas tratados, 29 respostas estão voltadas para o “dirigente”, que é uma

espécie de responsável, coordenador, ou seja, a pessoa que lidera e conduz os grupos de

voluntários do Movimento. São conselhos, orientações e diretrizes sobre o que fazer e como

agir em determinadas situações com o grupo, ou em situações particulares; como mediar a

convivência entre as pessoas que são excessivamente sensíveis e aquelas que são mais

explosivas, visto que todos têm temperamentos diferentes, mas no grupo são movidos por um

mesmo e único Ideal, que é Deus e desejam colaborar com o projeto de uma humanidade

renovada.

São 56 as respostas que dizem respeito à convivência entre os membros do grupo, como

devem ser os relacionamentos, como chegar à unidade de pensamento, e como garantir

sempre a presença de Jesus entre eles. Doriana também respondeu sobre quando, onde e

como devem se encontrar, qual o roteiro de atividades devem usar durante as reuniões e

sobre quais assuntos tratar.

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As respostas relacionadas às questões financeiras são três. Doriana falou sobre a

comunhão dos bens materiais, sobre como ajudar financeiramente os membros do grupo

para que não existam necessitados entre eles, e, para que todos possam ter e desempenhar

um trabalho digno. Quatro respostas voltaram-se para a espiritualidade e união com Deus.

Sobre o momento da reunião chamado “comunhão de almas”, são 12 as respostas.

Doriana ensina o que se deve dizer, como fazer e os cuidados para não transformar aquele

momento em conversas banais. Percebe-se a relevância do ensinar a “falar”, para não apenas

dizer qualquer coisa, mas, sobretudo, partilhar as intuições e descobertas que cada pessoa fez

mediante a meditação das leituras do Evangelho.

Uma das respostas está relacionada com outro momento de partilha, que é a comunhão

das experiências, também realizada no grupo, mas que possui uma singularidade em relação

à comunhão de almas: na comunhão de experiências se deve falar sobre algo concreto que foi

realizado mediante a vivência da palavra do Evangelho. Já a comunhão de almas, é uma

inspiração ou um propósito, uma descoberta.

A “hora da verdade” está contemplada em seis respostas. Tal qual em uma família, que

possui momentos de conversas sobre o que fazer em determinados momentos para melhorar

a convivência ou corrigir determinados comportamentos, também nesses pequenos grupos,

algumas vezes por ano se faz uma cerimônia específica para que essas pessoas se olhem de

modo mais próximo, buscando com toda caridade, corrigir e ajudar o irmão/ã a dar passos

novos que ainda não conseguiu. Por outro lado, são momentos também para ressaltar a

plenitude, inteligência e competência de cada um.

Sobre os diálogos entre o responsável ou coordenador e os membros do grupo, duas

respostas estão relacionadas a esses momentos de colóquio. Em uma sociedade tão carente

de escuta e atenção, Doriana orientava as voluntárias e voluntários para a importância de ter

momentos de conversas particulares, para ajudarem-se nos assuntos mais delicados da vida,

dentre outros.

Sobre os cuidados com a saúde e alimentação pode-se encontrar duas respostas. Quatro

dizem respeito à harmonia no vestir-se, aos cuidados com a casa, etc. Uma pergunta está

relacionada aos momentos de estudos que também deverão ser realizados pelos grupos.

Sobre a temática da comunicação, e a importância de divulgação das notícias e eventos

promovidos, são quatro as respostas.

Quanto às dúvidas sobre a vida em família, os cuidados com os filhos, a como lidar com

os maridos/esposas, Doriana respondeu a oito perguntas. Ela também enfatizou as várias

atividades de cunho social, realizadas pelo Movimento, respondendo quatro perguntas. E

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ainda, deu uma resposta sobre o diálogo com pessoas de outras denominações cristãs ou

outras igrejas.

Por fim, oito respostas são direcionadas a vários obstáculos: como por exemplo,

contornar a dificuldade com relação à distância territorial; conviver com e cuidar das pessoas

mais idosas; os sintomas de senilidade, etc.

A partir das reflexões de Bourdieu (2005), pode-se pensar em possibilidades de

apropriação da mensagem pelos ouvintes e leitores de Doriana, de acordo com as indicações

de como a religião e, neste caso específico, a Igreja Católica, funciona em seu papel de veículo

para uma estruturação simbólica do pensamento.

Em sua qualidade de sistema simbólico estruturado, a religião funciona como princípio de estruturação que 1) constrói a experiência (ao mesmo tempo em que a expressa) [...] 2) graças ao efeito de consagração (ou de legitimação) realizado pelo simples fato da explicitação, consegue submeter o sistema de disposições em relação ao mundo natural e ao mundo social (disposições inculcadas pelas condições de existência) a uma mudança de natureza, em especial convertendo o ethos enquanto sistema de esquemas implícitos de ação e de apreciação em ética enquanto conjunto sistematizado e racionalizado de normas explícitas (BOURDIEU, 2005, p. 45-46).

O “carisma da unidade” vivido por Chiara, Doriana e demais membros dos Focolares,

tem como meta a união dos povos, para realizar o pedido de Jesus, descrito pelo evangelista

João no capítulo 17, versículo 21 de seu Evangelho: “Que todos sejam um”. Nos eventos

promovidos pelo Movimento Focolarino essa predisposição à unidade está presente e

possivelmente as palavras de um líder carismático, seja Doriana ou Chiara, possibilitam em

seus ouvintes e leitores, um referencial, uma ênfase simbólica.

Pensando em carisma, como o define Bourdieu, reservado para “designar as

propriedades simbólicas (em primeiro lugar, a eficácia simbólica) que se agregam aos agentes

religiosos na medida em que aderem à ideologia do carisma, isto é, o poder simbólico que

lhes confere o fato de acreditarem em seu próprio poder simbólico” (BOURDIEU, 2005 p.

55), o fato de o líder religioso acreditar que é detentor de um carisma lhe confere um poder

concedido a si mesmo, que é refletido também em liderança para com os outros. Assim, o

líder carismático impõe um poder, uma representação simbólica como sendo alguém que “faz

descer do céu, o que ele devolve ao céu aqui da terra” (BOURDIEU, 2005 p. 55). E neste

sentido, ressalta-se que Doriana possuía essa representação simbólica.

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Memórias, apropriações e representações

Ao longo deste artigo foi possível perceber que a escrita e os diálogos de Doriana não se

limitaram ao individual, assumiram um comprometimento coletivo. Ela falou e escreveu a

pessoas e grupos diversos. Teve uma comunidade de leitores que se apropriou de seus textos

de várias maneiras. Muitos membros do Movimento continuam utilizando seus escritos como

fonte para artigos, aulas e, sobretudo, para as reuniões e encontros de formação nos grupos

de Voluntários do Movimento.

Por meio de seus escritos e de sua fala, mesmo já com certa dificuldade de respirar, nos

últimos anos de sua vida, encorajava os membros do Movimento a procurar, por meio da

vivência das palavras bíblicas, um caminho de santificação. Ela apontava sempre para Chiara,

para as Sagradas Escrituras, para os vários santos, como meios de alcançar uma elevação

espiritual. Incentivava todos os membros do Movimento a buscar e a amar, como Jesus amou

a todos. Sua saudação natalina, que se tornou também uma carta de despedida, é quase um

testamento, para todos que a conheceram.

[...] Onde quer que estejam, lembrem-se de mim, porque a minha saúde regride, e gostaria que ela estivesse nas intenções e orações de muitos, para ajudar-me na subida… Sinto-vos todos muito perto e desejosos de ajudar-me a suportar e oferecer aquilo que Deus me pede. Muitas vezes me pergunto: onde estará aquele, aquela, aquele outro... Não posso saber, porque estais em muitos lugares ao redor do mundo. Todavia nos conhecemos um dia, nos saudamos, nos amamos e isso devemos agradecer a Jesus. A Palavra do Evangelho e o Amor a Jesus na cruz Abandonado nos mantém ligados e recolhe as nossas dores e abandonos. Sei que vocês rezam por mim e isso me dá alegria e força. Quem sabe se tornaremos a nos ver, mas no amor nos encontraremos todos, porque acreditamos na comunhão dos santos. Mando-vos um abraço forte, forte, sobrenatural! ... Aquele santo abraço que nos doa Jesus entre nós! Com afeto, todos unidos, junto a nossa Santa Mãe Maria. Mando-vos o meu coração, desejando um santo Natal em 2015.

Dori.8

A carta tinha como figura de fundo, uma fotografia de um presépio. Na verdade, uma

tela que ficava na parede da capela particular de Doriana e que ela admirava muito, não

somente pela belíssima arte persa, mas sobretudo por representar a cena do nascimento de

Jesus. E, foi justamente em meio às comemorações do Natal, na manhã do dia 26 de

dezembro, que ela deixou esta terra.

8 Carta de Doriana Zamboni, dezembro de 2015. Tradução nossa.

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Uma despedida diferente

Seu funeral aconteceu no dia 28 de dezembro e contou com a participação de milhares

de pessoas de várias partes do mundo. Não ficou restrito àqueles que acompanharam

fisicamente a cerimônia realizada no grande auditório do Centro Mariápolis de Castel

Gandolfo, mas foi transmitida ao vivo via internet, o que possibilitou que tantas pessoas

seguissem a celebração.

Figura 2 – Funeral de Doriana Fonte: http://www.focolare.org/news/2015/12/26/la-nascita-al-cielo-di-dori-zamboni/

Após a missa de corpo presente, seguiu-se a leitura do seu perfil biográfico realizada

por Ide Manici, uma das pessoas que morava na mesma casa que ela. Naquela ocasião Ide

introduziu dizendo que parecia impossível falar em poucos minutos sobre uma pessoa do

calibre de Doriana.

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Nesta análise, também esbarramos nesse desafio, de em poucas páginas, apresentar

aspectos da atuação docente de Doriana. Foram muitas as atividades, muitos os caminhos

percorridos e espaços ocupados por ela. São muitas as pessoas que a recordam com afeto,

muitos os depoimentos nos sites dos Focolares e da revista Città Nuova.

A imagem de seu caixão sendo carregado por homens e mulheres, os aplausos e a

comoção das pessoas, simbolizaram o amor, afeto e reconhecimentos nutridos por ela, bem

como sinalizam e apontam a força, importância e o papel que mulheres como Doriana

desempenham na sociedade.

Registrar a narrativa de Doriana e constatar os frutos de sua atuação docente, além de

servir para ressaltar a importância da memória e da escrita biográfica como fonte de pesquisa

em História da Educação, constata a marca pessoal e intransferível do trabalho desenvolvido

por essa educadora, não apenas no campo dos Focolares, mas no espaço educacional, como

referência de uma mulher que não mediu esforços para dar formação humana, social e

religiosa a milhares de pessoas.

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