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Em meio a serras, rios, cachoeiras e terras indígenas. Tangará da Serra e Campo Novo do Parecis, no Mato Grosso, guardam riquezas do Brasil POR LUÍS PATRIANI FOTOS ZÉ GABRIEL E XANETA E (E assim que levamos a nossa vida; em arawak)

Em meio a serras, rios, cachoeiras E XANETA · etnia paresi-haliti e serem divisores de águas. Tanto no sentido figurado, como ... ganha o time que iizer a pelota de 30 centímetros

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Em meio a serras, rios, cachoeiras e terras indígenas. Tangará da Serra e Campo Novo do Parecis, no Mato Grosso, guardam riquezas do BrasilPOR LUÍS PATRIANI FOTOS ZÉ GABRIEL

EXANETA

E(E assim que levamos a nossa vida; em arawak)

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Meninos da aldeia

Wazare

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Pense em um canto do país onde índio e água se mantêm preservados. No sudoeste mato-grossense, encravados na zona de transição entre o Cerrado e a Floresta Amazônica, os municípios de Tangará da Serra e Campo Novo do Parecis se orgulham por terem grandes áreas demarcadas e homologadas da etnia paresi-haliti e serem divisores de águas. Tanto no sentido figurado, como pioneiros no turismo indígena regula­mentado pela Funai, como no literal; Tangará da Serra fica entrq a serra do Tapirapuã, um planalto com altitudes médias de 450 metros, e a Chapada dos Parecis, 800 metros acima do nível do mar, e seu perímetro abriga rios que compõem tanto a bacia hidrográfica Amazônica, ao norte, quanto a bacia do rio da Prata, ao sul.

As nascentes que brotam dessas encostas são importantes aponto de fornecerem quase um terço da água do Pantanal Mato-Grossense, a maior planície alagável do planeta. Cerca de 30% do aguaceiro que inunda o Pantanal anualmente vem dessas espécies de cai- xas-d’água naturais, formadas pelos rios ParaguEii, Sepotuba, Jauru e Cabaçal. Conhecidos como Cabeceiras do Panta­nal, esses rios e seus afluentes nutrem também de adrenalina a veia dos aventureiros que vêm até a região atrás de rafting, rapei, mergulho, bike, emoção e frio na barriga.

Nas corredeiras do rio Formoso, impor­tante contribuinte do Sepotuba, botes infláveis passam com segurança e frisson por desníveis classificados entre nível I e II. “No período da seca, que vai de abril ao final de novembro, chamo este rafting de contemplativo. Pode ser feito por crianças a partir dos 10 anos. Além de se divertir por 28 quilômetros ao longo

Em sentido horário, a partir da foto ao lado: rapei na cachoeira da Aldeia Formoso; índio da Aldeia Formoso; rafting no rio Bonitinho; trilha de bike no Cam­po Novo; e a fauna da cachoeira Salto das Nuvens

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do leito, é possível ver araras, macacos- -prego, capivaras e, com alguma sorte, ariranhas e antas”, diz José Ricardo Tognon, 47 anos, guia e proprietário da Biguá Aventuras. O nome da empresa do Zé se justifica pela onipresença das aves aquáticas que acompanham a expedição por todo 0 trajeto.

Na época das chuvas, com o rio cheio, corredeiras que eram nível II passam a ter grau de dificuldade IV. É o momento de agradar os praticantes mais radicais. A 80 quilômetros do centro de Tangará, na aldeia do Formoso, Joscelio Oni- zokaece, 35 anos, ri ao lembrar quando foi convidado por Zé Ricardo para praticar cascading (descida em cascatas com técnicas de rapei) na cachoeira que faz parte e dá nome à aldeia. A diversão é proporcional aos 40 metros de altura e termina em uma fantástica piscina natu­ral cercada pela mata. “Para mostrar que era corajoso, eu fiz”, brinca Joscelio, que trabalha como coordenador de escola indígena, cuja grade curricular, além

das matérias convencionais, tem um enfoque na preservação da cultura de seu povo. A tribo tem como língua pre­dominante o arawak e é a mais populosa (70 moradores) dos cinco núcleos que formam a Terra Indígena do Formoso, com 19.749 hectares de área demarcada.

Ao todo, os paresi distribuem-se em nove áreas indígenas não contínuas que cortam sete municípios, com mais de 1 milhão de hectares e cerca de 3 mil ín­dios distribuídos em mais de 50 comu­nidades. A etnia, no entanto, por pouco não foi riscada do mapa em episódios de exploração e intervenções missionárias do governo. No início do século 20, a população total chegou a dramáticos 260 indivíduos. “Davam a gente como extintos nos anos 70. Os poucos que restavam foram quase dizimados pelo sarampo e pela tuberculose”, explica Joscelio, que nasceu anos antes às primeiras homologações de terras na década de 90. Atualmente, 53 % da área de Tangará é ocupada por reservas.

Algumas das aldeias, a exemplo do For­moso (as outras são Quatro Cachoeiras, Wazare e Utiariti - em Campo Novo do Parecis), recebem turistas num inci­piente e promissor turismo étnico. As visitas precisam ser pré-agendadas na Funai e devem ser acompanhadas por guias credenciados.

Tangará da Serra fica a 240 quilômetros da capital Cuiabá (rodovias MT-246 e MT-358), tem 96 mil habitantes e ofe­rece uma saborosa culinária regional. O chef Ricardo Lopes, 36, mais conhecido como Tatu, recebe clientes na própria casa. Serve, além de boa prosa, um cardápio que varia entre arroz com costelinha suína e feijão gordo; frango ao molho vermelho com angu de milho- verde e crispi de quiabo; ventrecha de pacu; mojica de pintado; e por aí vai. Em alguns sábados, quem dá as caras sobre o forno a lenha é a feijoada. Os preços va­riam de R$ 35 a R$ 50. Tatu cozinhava por

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0 SALTO DAS NUVENS IMPRESSIONA PELO VOLUME DE ÁGUA QUE CAI DE 30 METROS DE ALTURA

i J V M S PARA CUIABA (C G E l - B O i Z T t S T ’ORIGEM SAÍDA CHEGADA

Brasíla(BSB) 09h35 10h25

São Paulo (GRU) 09h50 llhOOAcesse www.voegol.com.br para mais opções de voos ou consulte seu agente de viagens. Voos sujeitos a alteração sem aviso prévio.

no alto: a cachoeira Salto das Nuvens;0 restaurante Tatu naBrasa;eochff Ricardo Lopes

hobby, mas o sucesso dos seus pratos fez a brincadeira virar coisa séria. “No começo, recebia só os amigos. Depois, resolvi fazer as reservas pelo WhatsApp e o negócio cresceu.” Uma vez por ano, no segundo fim de semana de julho, o chef se ií de casa para organizar um grande evento no Sal­to das Nuvens, que fica a 25 quilômetros da cidade pela rodovia MT-358.

Formada pelas águas do rio Sepotuba, a cachoeira impressiona pelo volume de água que jorra de um paredão de 30 me­tros de altura por 104 metros de largura. Ao lado do salto, foram construídos um deque de madeira equipado com restau­rante, bar, lojas e espaços para shows.De lambuja, a natureza contribuiu com uma praiazinha para banho. “Estive aqui há cinco anos e agora trouxe minha esposa e filha para conhecer. Fico admirado com a harmonia da natureza e a infraestrutura de passarelas”, diz o corretor de grãos Antonio dos Santos,30 anos, ao lado da mulher, Karina Liesbinski, 24, e da pequena Samalei,

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3. A família, que mora no município de Lucas do Rio Verde, no norte do Mato Grosso, planeja estender a viagem a Campo Novo do Parecis, distante 140 quilômetros de Tangará da Serra (ro­dovias MT-358 e BR-364). Cortada por rios de águas cristalinas e corredeiras, a cidade de 31 mU habitantes é perfeita para flutuações com snorkel, apneia e mergulho autônomo, todos realizados no balneário Rio Verde.

O cenário, por sua vez, é contrastante. Campo Novo fica no alto da Chapada dos Parecis, onde multiculturas como soja, algodão, girassol e até mUho de pipoca dominam a paisagem. Contra­pondo-se às grandes plantações, as reservas indígenas são como imensas ilhas de preservação da natureza no oceano do agronegócio brasileiro. A 65 quUômetros do centro de Campo Novo, na aldeia Wazare, que faz parte do turis­mo étnico da Rota Parecis junto com as comunidades Quatro Cachoeiras e Utiariti, o cacique Rony Azoinaice, 40,

recebe os forasteiros com a dança Zero Zerane, feita em torno da fogueira.

Após as boas-vindas (quem quiser pode se vestir e se pintar como os índios), o roteiro segue pela tribo. A primeira parada é na háti (casa na língua arawak). Construída com aroeira e coberta por folhas de guariroba, tem duas portas baixas (para entrar é preciso se curvar em sinal de respeito) nas extremidades: uma voltada para o sol nascente e outra para o poente. Os mortos são enterrados sob o chão das moradas (a ideia é que suas almas protejam os vivos), onde até quatro gerações de uma famQia podem viver juntas. Detalhe: um gerador movido a diesel alimenta a necessidade dos índios contemporâneos de ver TV, usa geladeira e navegar na internet.

A caminhada segue em direção à mata (na entrada da trilha é feito o pedido de permissão ao espírito da floresta), depois tem uma parada para o almoço, e termina no rio Verde, onde,

Em sentido horário, a partir da foto acima: índia cozinha na aldeia Wazare; criança brinca no rio; jogo de cabeçabol; e a menina Samalei, Karina Liesbinski eAntonio dos Santos

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O) A lD E IA UTIARITI (2) BALNEÁRIO RIO VERDE <3) ALDEIA WA2ARE (4) ALDEIA FORMOSO (SySALTO DAS NUVENS

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DESCOBERTA TANGARÁ DA SERRA

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. R ap e i C ac h o eira A ld e ia Fo rm osoj iu r pessoa (m ín. de 10 pessoas).

no fim da tarde, turistas e índios an­dam de barco e nadam juntos em suas águas claras, Quem quiser pode passar o tempo aprendendo a lançar flechas, vendo o preparo da tinta de jenipapo ou jogando o inusitado cabeçabol, que vale uma explicação à parte,

0 jogo foi inventando pelos antepas­sados dos parecis e a bola, feita com re­sina de mangaba, só pode ser tocada pela cabeça. Praticado apenas pelos homens, ganha o time que iizer a pelota de 30 centímetros de diâmetro ultrefpassar a linha no fim do campo, “Já fui craque no cabeçabol”, diz o cacique Rony, Vestido com uma capa de pele de onça-pintada e um colar de dentes do grande felino, o líder muda de assunto: “0 turismo aqui é o primeiro no Brasil que está regulamen­tado pela Funai. E importante como uma fonte de renda, mas, principalmente, para ajudar na preservação das nossas tradições, que estão vivas”.

Sábio como todo cacique, Rony Azoinaice entende que o índio do sé-

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AltigueiMcan-oL O C A U Z a S m í Eí C v v :-. i c i m u la

Acima, à esq., quarto do Mais Hotel, em Tanga­rá da Serra; e mergvlho no rio Verde, em Campo Novo do Parecis

culo 21 precisa se reinventar, mas sem perder a essência, “Não somos contra a produção econômica, mas que seja de forma sustentável. O dinheiro não pode estar acima de tudo.”

Fechando a Rota Parecis, chega-se à mítica aldeia Utiariti, onde fica a monumental cachoeira homônima, com 90 metros de altura, arco-íris e uma descida de rapel dedicada aos co­rajosos. Diz a lenda que antigos povos viviam atrás de sua espessa cortina d’água formada pelo rio Papagaio e previam o futuro. Por ironia, os índios da tribo perderam sua cultura e mal falam a língua arawak, ao contrário de 95% do povo paresi. Oxalá as palavras do cacique Rony se concretizem e toda a nação paresi-haliti mantenha preservada não só a natureza que a envolve, mas, acima de tudo, o pulso de sua cultura ancestral.

( G R E V I S T A G O L