Upload
helder-felix
View
2
Download
1
Embed Size (px)
DESCRIPTION
ética
Citation preview
11/03/13 Em que cremos? Redescubramos a ética. Entrevista com Giorgio Agamben
www.ihu.unisinos.br/noticias/42848-em-que-cremos-redescubramos-a-etica-entrevista-com-giorgio-agamben 1/4
"A confusão entre aquilo que podemos crer, esperar e amar e aquilo que temos de considerar verdadeiro hoje nosparalisa", afirma Giorgio Agamben, em entrevista concedida a Franco Marcoaldi e publicada pelo jornal LaRepubblica, 08-02-2011.
A tradução é do Prof. Selvino J. Assmann, professor da UFSC.
Em que acreditamos? Quais são as crenças civis, religiosas, políticas, científicas, nas quais se baseia a sociedade?
A resposta torna-se especialmente difícil num mundo como o nosso, que vê as crenças tradicionais – objeto de uma
constante erosão – transformarem-se em substitutivos, tendo como conseqüência a expansão das mais diferentes
formas de superstição.Ou então, pelo contrário, vemos o triunfo de um ceticismo e de uma indiferença que roçam o
niilismo. Pretendemos tratar a questão "crer,crença", enfrentando-a sob diversos pontos de vista. E começaremos
pedindo a ajuda de um filósofo italiano de fama internacional, Giorgio Agamben.
Eis a entrevista.
Em que acreditamos? Quais são as crenças civis, religiosas, políticas, científicas, nas quais se baseia a
sociedade?
Em nossa cultura existem dois modelos de experiência da palavra. O primeiro modelo é de tipo assertivo: dois mais
dois são quatro; Cristo ressurgiu no terceiro dia; os corpos caem segundo a lei da gravidade. Este gênero de
proposições é caracterizado pelo fato de remeter sempre a um valor objetivo de verdade, à dupla verdadeiro-falso. E é
possível submeter tais proposições à verificação graças a uma adequação entre palavras e fatos, enquanto o sujeito
que as profere é indiferente ao êxito. Existe, porém, outro, imenso âmbito de palavra, do que parece que nosesquecemos, e que remete, usando a intuição de Foucault, à idéia de "veridição" (veridizione). Neste caso, vigoram
outros critérios, que não respondem à seca separação entre o verdadeiro e o falso. Aí, o sujeito que pronuncia umadeterminada palavra põe-se em jogo naquilo que ele diz. Melhor ainda, o valor de verdade é inseparável do seuenvolvimento pessoal.
O sentido profundo do crer deveria, por isso, ser procurado precisamente aqui?
Certamente. Embora, no decurso do tempo, o triunfo do primeiro modelo, aquele assertivo, tenha de fato cancelado o
segundo. Fazem-me sorrir os confrontos, muito em voga hoje, entre crentes e não crentes; são verdadeiros diálogosentre surdos, tendo em conta que padres e cientistas compartilham, em vertentes opostas, o mesmo modelo deverdade. Pouco importa se discutimos leis físicas ou teológicas, que naturalmente se anulam entre si. Trata-se de
toda forma de proposições assertivas. A confusão entre aquilo que podemos crer, esperar e amar e aquilo que temosde considerar verdadeiro hoje nos paralisa.
Quando teria sido cancelado o segundo tipo de experiência com a palavra?
Na tradição do Ocidente, foi Aristóteles quem afirmou que a filosofia deve ocupar-se apenas com as proposições quepodem resultar verdadeiras ou falsas. Mesmo assim, existe outra experiência da palavra: a da promessa, da oração,
do mando, da invocação, que foi excluída da reflexão filosófica. Naturalmente, isso não significa que ela não tenhacontinuado a agir: o direito e a religião fundamentam-se nela.
Um exemplo?
O mais importante de todos: São Paulo, que ao definir a palavra de fé, não faz referência a critérios de verdade, masfala da proximidade entre coração e lábios. É significativo que, com uma só exceção, ele use sempre a expressão,
inventada por ele, "crer em Jesus Cristo", e não, como seria normal em grego, crer que Jesus é o filho unigênito deDeus, etc. A diferença é substancial. A Igreja, através de seus concílios, procurou fixar a fé em dogmas, numaexperiência do tipo assertivo. E assim se perdeu um traço fundamental da natureza humana, que exige um fé
estranha a uma lógica puramente fatual. A verdadeira fé não adere a um princípio preestabelecido e é singular quetenha sido precisamente a Igreja, que deveria preservar esta idéia, que se tenha esquecido disso. Daí que se tem a
fórmula "Creio porque é absurdo".
Quais são os reflexos negativos desta lógica assertiva sobre a nossa vida social?
Infinitos. Pensemos na ética: afirmamos que para agir precisamos dispor de um sistema de crenças
prefixado.Portanto, agiria bem apenas quem tem uma série de princípios com que se deve conformar. É o modelo
NOTÍCIAS
Notícias do Dia
Notícias de 2012/2011
Notícias Anteriores
ENTREVISTAS
REVISTA IHU ON-LINE
Edição n° 412
Unisinoswww.unisinos.br
Minha Unisinos
Compartilhar Imprimir Enviar por e-mail Diminuir / Aumentar a letra
Segunda, 02 de maio de 2011
NOTÍCIAS » Notícias
Em que cremos? Redescubramos aética. Entrevista com Giorgio Agamben
Campanha do Desmatamento Zero vem
contrapor Código Florestal. Entrevistaespecial com Kenzo Jucá Ferreira
Lei das carroças. Os catadores e a
exclusão. Entrevista especial com
Sebastião Melo
''O feminismo transformou o mundo''.
Entrevista especial com Rose Marie Muraro
Ocupação Dandara: "quem está usufruindo
e dando função social é o legítimo dono".
Entrevista especial com Maria do Rosário
de Oliveira Carneiro
Buscar
Início Sobre o IHU Áreas Notícias Entrevistas Publicações Eventos Cepat Espiritualidade Entre em contato
11/03/13 Em que cremos? Redescubramos a ética. Entrevista com Giorgio Agamben
www.ihu.unisinos.br/noticias/42848-em-que-cremos-redescubramos-a-etica-entrevista-com-giorgio-agamben 2/4
Nome (obrigatório)
Website
Notif ique-me de comentários futuros
E-mail (obrigatório)
Comentário
kantiano, ainda dominante, que define a ética como dever de obedecer a uma lei. Quando eu trabalhava sobre a idéiade "testemunha", me incomodou a história de uma jovem que, submetida à tortura da Gestapo, havia se recusado arevelar o nome dos seus companheiros. A quem mais tarde lhe perguntou em nome de que princípios ela havia
conseguido fazê-lo, respondeu apenas isso: "o fiz porque me agradava que fosse assim". A ética não significaobedecer a um dever; significa pôr-se em jogo, com aquilo que se pensa, se diz e se crê.
Mesmo porque, derrubada a crença na infalibilidade desta determinada lei, sobre um campo de ruínas...
Mais cedo ou mais tarde acontece com todas as crenças de tipo objetivo. Aliás, as crenças políticas literalmente seesmigalharam, enquanto as teológico-religiosas se fossilizaram em dogmas contrapostos. No que diz respeito às
(crenças) científicas, elas acabaram completamente sem relação alguma com a vida ética de cada indivíduo.
Em Crer e não crer, Nicola Chiaromonti faz uma pergunta bem seca: podemos crer sozinhos?
É uma pergunta pertinente, que eu reformularia da seguinte maneira: como é possível compartilhar uma verdade ou
uma fé que não sejam do tipo assertivo? Penso que isso acontece nos territórios da existência em que noscolocamos em jogo pessoalmente. Se a veridição for deixada às margens e o único modelo da verdade e da fé forem
a ciência e o dogma, a vida se torna invivível. Daí nasce a indiferença e o ceticismo generalizado, além da tetricidadesocial que se expande. Só andando na contracorrente, buscando aquela diversa experiência de palavra, pode-sevoltar à relação originária com a verdade, irredutível a qualquer institucionalização da mesma.
Dou um exemplo: a ciência olha para a passagem do primata para o homem falante unicamente em termos
cognitivos, como se fosse apenas uma questão de inteligência e de volume cerebral. Mas não há só este aspecto. Atransformação deve ter sido também tão gigantesca do ponto de vista ético, político, sensível. O homem não é sóhomo sapiens.É um animal que, à diferença dos outros seres vivos, que não parecem dar importância à própria
linguagem, tomou a decisão de correr, até o fundo, o risco da palavra. E daí nasceu o conhecimento, mas também apromessa, a fé, o amor, que ultrapassam a dimensão puramente cognitiva.
É um caminho ainda aberto?
O homem ainda não terminou de se tornar humano; a antropogênese está sempre em curso. Menandro escreveu:"como é gracioso - ou seja, capaz de gratuidade – o homem quando é verdadeiramente humano". É tal gratuidadeque devemos redescobrir. Ainda mais que os modelos de crença que nos são propostos já não nos convencem. São,
como dizia Chiaromenti, mantidos à força, na má-fé.
Tentemos, então, enfocar o elenco destas crenças mais genuínas, mesmo que sejam subterrâneas, submersas.
Tomemos a política. Por que ela, ao final das contas, não interroga a vida das pessoas? Não a vida biológica, a vida
nua, que hoje está permanentemente em questão nos debates muitas vezes vãos sobre a bioética, mas as diferentesformas de vida, o modo em que cada um de nós se vincula a um uso, a um gesto, a uma prática. Além disso, por quea arte, a poesia, a literatura vêm sendo museificadas e relegadas a um mundo a parte, como se fossem política eexistencialmente irrelevantes?
Também o escritor russo Alexandr Herzen lamentava a seu modo o cancelamento da experiência vital subjetiva,afirmando que cremos em tudo, menos que em nós mesmos.
Vivemos em sociedades habitadas por um eu hipertrófico, gigantesco, no qual, porém, ninguém, tomadosingularmente, pode reconhecer-se. Seria bom voltarmos ao último Foucault, quando ele refletia sobre o "cuidado de
si", sobre a "prática de si". É muito raro encontrarmos hoje pessoas que experimentem aquela que Benjaminchamava a droga que tomamos na solidão: o encontro conosco mesmos, com as próprias esperanças, as própriasrecordações e os próprios esquecimentos. Naqueles momentos assistimos a uma espécie de despedida do eu,acessamos a uma forma de experiência que é exatamente o contrário do solipsismo. Sim, penso que poderíamospartir exatamente daqui para repensarmos uma idéia diversa do crer: formas de vida, prática de si, intimidades. Estas
são as palavras-chave de uma nova política.
PARA LER MAIS:
22/03/2010 - Agamben: o desafio de nomear a existência de um sentido
03/06/2010 - Fuga da morte. Artigo de Giorgio Agamben
04/03/2009 - Compreender a atualidade através de Agamben. Entrevista especial com Rossano Pecoraro
16/02/2009 - O niilismo e a beleza dos corpos. Artigo de Giorgio Agamben
04/06/2009 - O que é ser contemporâneo? A visão de Giorgio Agamben
17/01/2010 - Cristianismo como religião: a vocação messiânica. Artigo de Giorgio Agamben
ADICIONAR COMENTÁRIO
Cinema e transcendência. Um debate
Site da revistaVersão para folhear
Versão em PDF
ANTERIORES
Edição n° 411Tropicalismo. O desejo de umamodernidade amorosa para o Brasil
Edição n° 410
A era do lixo
11/03/13 Em que cremos? Redescubramos a ética. Entrevista com Giorgio Agamben
www.ihu.unisinos.br/noticias/42848-em-que-cremos-redescubramos-a-etica-entrevista-com-giorgio-agamben 3/4
Enviar
Atualizar
Você ainda pode digitar 1000 caracteres
JC omments
Conecte-se com o IHU no Facebook
Siga-nos no Twitter
Escreva para o IHU
Adicione o IHU aos seus Favoritos evolte mais vezes
CADASTRE-SE
Nome: *
E-mail: *
Quero receber:
Notícias Diárias
Revista IHU On-line
Informações sobre eventos doIHU
Repita o código acima:
Enviar
#fotododia Mulher, vítima de umataque com ácido, participa de umseminário em Nova Delhi
bit.ly/ZtCzM06 minutos atrás
#ConjunturaDaSemana A EraChávez: Legado e desafiosbit.ly/YVwMho36 minutos atrás
Em 1 ano, plataforma americanana internet teve 50 mil pedidosbit.ly/YnbGse1 hora atrás
A Europa e a ideia de umaeconomia civil bit.ly/Ynbzgw1 hora atrás
TWITTER @_IHU NOVOS COMENTÁRIOS
"um absurdo a eleição desse
deputado para presidir a Comissãode Direitos Humanos. Osdeputados qu..." Em resposta a:
Pastor Marco Feliciano é réu porhomofobia e estelionato
"E por falar em mudanças... apergunta é por que a Sra. ElfriedeHarth não junta-se à Igreja Angl..."Em resposta a: E por falar em
mudanças...
"Parabéns, Clodovis! Semprepensei isso de você, por issoentendo sempre mais seus
silêncios e sua..." Em resposta a:
Essência da Teologia daLibertação foi defendida por BentoXVI. Entrevista com Clodovis Boff
11/03/13 Em que cremos? Redescubramos a ética. Entrevista com Giorgio Agamben
www.ihu.unisinos.br/noticias/42848-em-que-cremos-redescubramos-a-etica-entrevista-com-giorgio-agamben 4/4
Previous Next
Av. Unisinos, 950 – São Leopoldo – RSCEP 93.022-000Fone: +55 (51) [email protected] © 2011 – Unisinos – Todos os direitos reservados