118
EM REVISTA Volume 3 Número 1 Jul./Dez. 2000 S E R V I Ç O S O C I A L Curso de Serviço Social Universidade Estadual de Londrina ISSN 1516-3091

EM REVISTA - uel.br · Edneia Maria Machado Silvia Alapanian Colman Capa: Projeto Ilustração – UEL/CECA/ Arte/Curso de Design Coord.: Cristiane A. de Almeida Zerbetto Vice-Coord.:

  • Upload
    hatu

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

EM REVISTA

Volume 3Número 1Jul./Dez. 2000

SERVIÇO

SOCIAL

Curso de Serviço SocialUniversidade Estadual de Londrina

ISSN 1516-3091

Publicação editada pela Editora daUniversidade Estadualde Londrina

ReitorJackson Proença Testa

Vice-ReitorMarcio José de Almeida

Conselho EditorialLeonardo Prota (Presidente)Ivan Frederico Lupiano DiasJosé Eduardo de SiqueiraJosé Vitor JankeviciusLucia Sadayo TakahashiMary Stela MüllerPaulo Cesar BoniRonaldo Baltar

Ficha CatalográficaElaborada por Ilza Almeida de Andrade CRB 9/882

Serviço Social em Revista / publicação do Departamento de ServiçoSocial, Centro de Estudos Sociais Aplicados, Universidade Estadualde Londrina. – Vol. 1, n. 1 (Jul./Dez. 1998)- . – Londrina :Ed. UEL, 1998- .

v. : il. ; 21cm

Semestral

ISSN 1516-3091

1. Serviço social – Periódicos. 2. Serviço social – Estudo e ensino –Periódicos. 3. Serviço social – Pesquisa – Periódicos. 4. Serviço socialcomo profissão – Periódicos. I. Universidade Estadual de Londrina.Centro de Estudos Sociais Aplicados. Departamento de Serviço social.

CDU 36(05)

Publicação semestral doDepartamento de Serviço SocialCentro de Estudos Sociais Aplicados

Comissão EditorialMaria Clementina Espiler Colito (Coord.)Ana Carolina Santini B. de AbreoEdneia Maria MachadoSilvia Alapanian Colman

Capa: Projeto Ilustração – UEL/CECA/Arte/Curso de DesignCoord.: Cristiane A. de Almeida ZerbettoVice-Coord.: Rosane F. de Freitas MartinsAluno: João Henrique Lodi Agreli

Composição: Kely Moreira Cesário

Serv. Soc. Rev. Londrina v. 3 n. 1 p. 1-114 jul./dez. 2000

SUMÁRIO

Editorial ........................................................................... 5

Conselhos de direitos: caminho de sua consolidação ........ 9Vera Lucia Tieko Suguihiro

Marx e o indivíduo ......................................................... 27Sandra Regina de Abreu Pires

Jovens, drogas, risco e vulnerabilidade:aproximações teóricas .................................................... 39Maria Angela Silveira Paulilo, Leila Solberger Jeolás

Política e Política Social .................................................. 61Ednéia Maria Machado, Renato Obikawa Kyosen

No direito do trabalho o trabalhador sem direito ........... 69Mariana de Cássia Ceratti

Políticas de educação de jovens e adultos no Brasil: conceitos e contextos ..................................................... 75Wagner Roberto do Amaral

Serviço social e educação: uma análise sobre a educaçãofeminina no século XIX ................................................ 101Jane Cristina Franco de Lima

5Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, jul./dez. 2000

EDITORIAL

Fazer uma leitura da realidade significa desvenda-la,limpando-a de estereótipos, preconceitos, ideologias. Significareconstruir o real no pensamento, realizando um movimentodialético onde as conclusões abstraídas do real retornam aele para reiniciar o processo de conhecimento. Afinal, o realnão se dá a conhecer de imediato, é só a atitude investigativae reflexiva que possibilita apreender a riqueza do ser social.

Os artigos ora publicados têm em comum essapreocupação: investigar e desvendar o real, contribuindo parao desenvolvimento de ações que respondam às necessidadesdos sujeitos sociais.

O artigo da profa. Vera Lúcia Tieko Suguihiro,“Conselho de Direitos: caminho de sua consolidação”, aoanalisar o papel dos Conselhos de Direitos da Criança e doAdolescente, aponta os limites políticos, econômicos,ideológicos e sociais, presentes na ação dos Conselheiros. Éuma análise que se fundamenta na ação dos Conselheiros eque tem por perspectiva “a capacidade de mudanças do modode pensar e agir dos Conselheiros mediante superação daspráticas singulares de natureza reiterativa e imediatista,assumindo a construção de um projeto social e político maisamplo, em defesa da garantia dos direitos da criança e doadolescente”. Através da ação investigativa, é a busca do saberpara mudar, levando os Conselheiros a assumirem seu papelpolítico, e que deixem de tomar “decisão de segunda classe”.

É, também, analisando o homem como sujeitohistórico, que a Profa. Sandra de Abreu Pires, escreve o artigo“Marx e o Indivíduo”, num debate para demonstrar que emMarx há uma preocupação com o indivíduo. A amplitude

6 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, jul./dez. 2000

maior dos estudos de Marx, e da tradição marxista, ressaltamsignificativamente a ação coletiva, a constituição de sujeitoscoletivos, as classes sociais. Daí a importância de se filiar adebates que resgatam o indivíduo na obra de Marx. Aimportância deste tema para o Serviço Social é inequívoca,basta pensarmos em que âmbito se dá nossa açãoprofissional. Acreditamos ser esta uma perspectiva fecundana análise metodológica do Serviço Social.

A Professora Maria Ângela Paulilo e a Professora LeilaSolberger Jeolás, em seu artigo, “Jovens, Drogas, Risco eVulnerabilidade: aproximações teóricas”, tem por eixoanalítico apreender “as múltiplas dimensões que expõem osjovens, atualmente, ao uso abusivo das drogas”. A reflexão,que parte de uma categoria específica de indivíduos,demonstra a importância de políticas integradas para atenderas especificidades e necessidades dos jovens.

Mas, a política e a política social são políticas querespondem a interesses das classes políticas e econômicasdominantes em nossa sociedade. É o que aponta o artigo daProfa. Ednéia Maria Machado e do acadêmico de direitoRenato Obikawa Kyosen: “Política e Política Social”. É esteconteúdo de classe que permeia todas as ações queinviabilizam a consecução de políticas de efetivo interesseda maioria, até porque o “que é interesse da maioria” tambémé definido, ideologicamente, pelas classes dominantes. E aí,como nos chama a atenção a acadêmica de Serviço SocialMariana de Cássia Ceratti, “ No Direito do Trabalho oTrabalhador sem Direito”, os direitos sociais são definidos,em última instância, pelas classes dominantes, e limitadosem sua eficácia pelos interesses destas. Portanto, os direitoslegais, na maioria das vezes, não se objetivam em açõesconcretas. Seu debate aborda, especificamente, os direitos

7Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, jul./dez. 2000

legais do exercício do trabalho, e como, através deinstrumentos legais, o trabalhador se vê, cada vez mais, semdireitos.

O Professor Wagner Roberto do Amaral dedica-se, notexto “Políticas de Educação de Jovens e Adultos no Brasil:conceitos e contexto”, a uma análise histórica das políticasde educação no Brasil, cuja “constituição evidenciará osconflitos sociais e políticos existentes e emergentes entre asclasses sociais”; e ele ressalta a importância de que as políticaseducacionais constituam-se em instrumento de toda asociedade, com ênfase nos segmentos excluídos, parapossibilitar que os indivíduos sejam sujeitos de sua história.

É também sobre educação o artigo de Jane CristinaFranco de Lima: “Serviço Social e Educação: uma análisesobre educação feminina no século XIX”. A abordagemressalta a educação feminina para a submissão, e a educaçãocomo um processo fundamentado na forma como os homensproduzem a vida material.

Podemos enfatizar, portanto, que o conhecimento éum instrumento de mudança, sendo fundamental que ainvestigação sobre o real se constitua no mais significativoinstrumento de ação profissional do assistente social.

Ednéia Maria Machado

9Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

CONSELHOS DE DIREITOS:CAMINHO DE SUA CONSOLIDAÇÃO

Vera Lucia Tieko Suguihiro1

ResumoO presente artigo trata sobre a consolidação de Conselhos Municipaise Tutelares enquanto espaços municipais de participação popular ecriação de estratégias para a gestão da política pública municipal deatenção à criança e adolescente.

Palavras-chaves: conselhos, participação popular, gestão pública.

O Projeto Integrado de Reordenamento Político,Jurídico e Administrativo do Estado no Âmbito da Criançae do Adolescente e da Assistência Social tem comopreocupação central, expresso desde o seu original, aprodução de um conhecimento profissional capaz decontribuir na formação técnica, política, teórica e ética dosdiferentes segmentos (profissionais, conselheiros municipaise tutelares) envolvidos com a questão social e política naárea da criança e adolescente da região Norte do Paraná,abrangendo, atualmente, 39 municípios da Associação dosMunicípios do Médio Paranapanema (AMEPAR) e daAssociação dos Municípios do Vale do Ivaí (AMUVI).

Este estudo vem investindo, no decorrer destes cincoanos, em dois desafios: o primeiro desafio está em acreditarna capacidade dos Conselheiros em desenvolver a dimensão

1 Docente do Departamento Serviço Social da Universidade Estadual de Londrinae Doutora em Serviço Social.

10 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

prático-crítica em suas ações cotidianas, através da adoçãoda atitude investigativa; o segundo desafio está em investirna capacidade de mudanças do modo de pensar e agir dosConselheiros mediante superação das práticas singulares denatureza reiterativa e imediatista, assumindo a construçãode um projeto social e político mais amplo, em defesa dagarantia dos direito da criança e do adolescente da região doNorte do Paraná.

Estes dois desafios, embora apresentados de mododistintos, fazem parte de um mesmo movimento dialético:os Conselheiros enquanto sujeitos históricos transformamfatos empíricos em fonte de conhecimento, acumuladomediante apreensão crítica dos seus significados, produzindoum novo saber, capaz de imprimir um novo saber/fazer/crítico.

Esta trajetória de investigação-ação foi motivada pelanecessidade dos conselheiros em desvelar o que está ocultoem suas práticas singulares, bem como estimular a tomadade consciência do seu lugar na sociedade.

O quadro que se desenha, numa primeira aproximação,é de um Conselho que ainda não consegue se desvencilhardas práticas autoritárias e impositivas por parte daqueles quedetém o poder; dificuldade de incorporação do seu novopapel de sujeitos políticos, atuando no limite de um “simplesfazer parte" de alguma situação pontual e decisão de segundaclasse; dificuldade de enfrentar os entraves da máquinaadministrativa burocratizada do Estado; grau incipiente deorganização, dificultando a criação de canais de participação,comunicação e informação; a participação em ações rotineiras,pontuais e burocráticos, ancorando suas ações nas instânciasgovernamentais; pouca visibilidade das demandas enecessidades do segmento que representa; prevalência naadministração dos conflitos internos dos Conselhos, em

11Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

detrimento de discussões e decisões de interesse coletivo;dificuldade de atuar no campo das ações propositivas,desqualificando-se enquanto instrumento de interlocução econtrole das ações governamentais; atitude de desconfiançaao poder constituído (cooptador), prejudicando o exercíciopolítico do diálogo e negociação. Nesta perspectiva, osConselheiros têm se mostrado politicamente despreparados.

Ultrapassar a prática do “já pronto”, do “já constituído”,ou seja, o formal, os enunciados e as regras da lei, vêmexigindo dos Conselheiros, o desmonte crítico das categoriasque emergem do senso comum, dando-lhes uma novaconfiguração do todo social capaz de subsidiar um salto dequalidade, tanto na forma de pensar (sujeitos pensantes),quanto na forma de agir (sujeitos políticos), fundamentadosem um trabalho de cariz crítico.

Calcada nesses supostos, a presente pesquisa vemadotando como referência metodológica a perspectiva dainvestigação-ação, fundamentada na convicção de que aprática singular dos Conselhos é a própria fonte deconhecimento acumulado e espaço vivo de diálogo com arealidade, permitindo que a sua reconstrução seja cada vezmais rica de significados e explicações, mediante a vinculaçãodo pensamento e a ação. Isto significa privilegiar a atitudeinvestigativa no cotidiano das práticas dos Conselhos.

O Fórum Regional de Defesa do Direitos da Criança edo Adolescente, espaço delimitado da realidade empírica aser investigada, está fundamentado no princípio daregionalização, criado no sentido de garantir um espaço dearticulação dos Conselhos Municipais de Direitos e Tutelarescomo força política significativa para o reordenamentopolítico, jurídico e administrativo do Estado, em defesa dacriança e do adolescente.

12 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

O Fórum representa o campo da problematização, dainquietação extraída da prática cotidiana dos sujeitos sociais,que articuladas aos interesses e ações coletivos, torna-se umespaço fértil para a consecução de objetivos vinculados a umadeterminada organização (fórum, movimentos, instituições).

Neste sentido, tem-se a convicção de que toda açãohumana concebida nesta perspectiva favorece a ampliaçãodo horizonte de conhecimento dos sujeitos envolvidos e, aomesmo tempo, permite o desenvolvimento de ações denatureza crítica de conseqüências sociais e políticas em favorda coletividade.

Assim, a investigação-ação vem investindo nacapacidade dos Conselhos constituírem-se em uma instânciafundamental no processo de democratização da participaçãodos segmentos expressivos da sociedade, procurandomobilizar as suas forças vivas para garantir o debate públicodas políticas locais.

Assim, a importância da consolidação dos ConselhosMunicipais e Tutelares da região Norte do Paraná, está emassegurar espaço de participação e engajamento ético-político, instituindo um canal permanente de comunicação einformação, possibilitando o exercício da soberania popularno controle das ações do Estado em defesa dos interessescoletivos da criança e do adolescente.

No entanto, as práticas de consolidação dos Conselhosenquanto instrumento legítimo de defesa e construção dacidadania da população infanto-juvenil têm sido revestidasde grandes desafios.

Embora o Conselho seja um colegiado criado a partirde exigências constitucionais, isto não tem lhe garantido apossibilidade de exercício pleno de suas funções e atribuições.

Ainda, a maioria dos Conselhos foi criado num cenário

13Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

de perplexidade tanto da sociedade civil quanto do setorpolítico, sem qualquer tempo e clareza para se estruturareme assumirem o seu novo papel.

A descrença na capacidade da população em tomardecisões políticas e transforma-las em práticas sociais efetivastem levado os governantes a “convidar” a população paracontribuir com sua energia, seu tempo e com seu esforço naexecução de atividades de interesse do poder constituído.

Portanto, tornar real o espaço público para o debatedemocrático dos objetos de interesses coletivos, isto significa:participar, em espaços criados na estrutura de poder, atravésde ações propositivas, ou seja, assumir uma ação de umsujeito com competência para propor, para negociar, parafiscalizar, para controlar e para defender os direitos da criançae do adolescente e de suas famílias.

O desafio do presente projeto foi em evidenciar o modopelo qual os Conselhos procederam a captura dos fatos eacontecimentos tidos como importantes para a superação deuma prática meramente reivindicativa e executiva de cunhoimediatista, rotineira, burocrática e cartorária – reiteradamentepresentes no processo de organização, consolidação eexecução das ações dos Conselhos –, transformando-os emobjetos de conhecimento.

A proposta da investigação-ação foi imprimir um tipode ação que possibilitasse a explicitação das principaiscategorias explicativas, procurando apreender “por dentro”,por aproximações sucessivas, os espectros essênciaisexistentes na realidade da prática cotidiana dos Conselhosda região Norte do Paraná.

Para melhor compreensão dos conteúdos e dosresultados preliminares da investigação-ação, os dados foramsistematizados em 4 (quatro) grandes categorias de análises,

14 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

com a intenção clara de identificar as principais categoriasde base empírica, para em seguida, reconstruí-las medianteuma sustentação crítica.

Categorias de base empírica: Organização e Burocracia

– Ausência de princípios, diretrizes, planejamentos emetodologias de trabalho;

– falta de organização e direcionamento das ações de modoa embasar as práticas dos Conselhos;

– ênfase na administração de conflitos internos dosConselhos, em detrimento da discussão e decisão sobre apolítica de atenção a criança e ao adolescente;

– falta de clareza das reais funções e atribuições dosmembros dos Conselhos;

– centralização de poder na pessoa do presidente,desqualificando o caráter colegiado do Conselho;

– desânimo e falta de compromisso dos Conselheiros frenteàs dificuldades enfrentadas no seu cotidiano;

– as atribuições e funções dos conselheiros estãosubordinadas (tempo, prioridade, dedicação) às outrasatividades profissionais;

– acúmulo de cargos e responsabilidades junto a outrossegmentos (conselheiro da saúde, da assistência social,do trabalho, da segurança), comprometendo suaparticipação;

– alta rotatividade dos representantes dos Conselhos,prejudicando o processo de continuidade dos trabalhos etomada de decisões;

– problemas de natureza coletiva são tratados em âmbitoprivado;

– precárias as instalações físicas dos Conselhos;

15Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

Reconstrução da categoria: Autonomia Administrativa

O que se percebe é que os problemas enfrentados pelosConselhos vão além dos problemas burocráticos ouadministrativos. O vício da subordinação não foi superadoporque os conselheiros ainda estão entrincheirados em suaspróprias alienações culturais, políticas e sociais.

O vício de reduzir suas ações em conquista de pessoas,instituições e atos burocráticos tem alimentado “vaidades”internas em detrimento de uma gestão democrática.

O que os Conselhos precisam vislumbrar é apossibilidade permanente e cumulativa de conquistar espaçosno interior da esfera pública, invertendo paulatinamente acorrelação de forças, fazendo com que os conhecimentos, asinformações, os movimentos contraditórios, as relaçõessociais, sejam potencializados como instrumentos político/administrativos para a realização de seus propósitos. Ou seja,utilizar as estruturas do poder para criar uma contra ordemsocial, para gerar novas iniciativas de construção dascondições de sua própria liberdade. (Coutinho, 1989)

Neste sentido, os Conselhos não podem serentendidos como um espaço de confronto e de lutas entrepúblico e o privado. A posição a ser assumida pelosConselhos está na capacidade dos sujeitos sociais se situaremna sociedade, bem como do nível de consciência sobre seupoder enquanto força política no município.

Novos desafios:– Investir em ações propositivas e deliberativas com suporte

burocrático-administrativas de qualidade;– potencializar a capacidade de gerenciamento a partir das

condições existentes;

16 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

– investir na capacidade do sujeito assumir o controle doseu próprio avanço;

– criar formas ágeis de comunicação e informação paragarantir maior visibilidade das decisões e das ações aserem implementadas pelos Conselhos.

Categoria de base empírica: Forças em Confronto– Omissão por parte do poder público no processo de

consolidação dos Conselhos, dificultando a articulaçãotanto da sociedade civil quanto do poder público para asua estruturação;

– dificuldades no relacionamento entre os representantesdo poder público e da sociedade civil, minado pelo“sentimento de desconfiança”;

– prevalência da prática de compadrismo e autoritarismopara indicação de conselheiros representando o setorpúblico;

– representante do poder público desqualifica a participaçãoda sociedade civil, prejudicando o princípio da paridade;

– negação dos membros dos Conselhos como força políticado município na condução dos interesses e necessidadesdo segmento que representa;

– pouco envolvimento da sociedade civil no debate de suasnecessidades e reivindicações, delegando aos “seusrepresentantes” esta responsabilidade;

– “pessoas” ou “entidades” exercendo a função de“representação”, colocando em risco o interesse coletivo;

– práticas impregnadas de acomodação e alienação comosubproduto cultural brasileiro;

Categoria reconstruída: Lutas e Conquistas ColetivasPartindo do pressuposto de que “ a participação não

17Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

é dada, é criada. Não é dádiva é reivindicação. Não éconcessão, é sobrevivência. A participação precisa serconstruída, forçada, refeita e recriada”. (Demo, 1988, p. 82)A capacidade de partilhar o poder de decisão é uma conquista.

Nesta perspectiva, o processo tende a ser lento econflituoso. É um exercício cotidiano não muito fácil dedecisão. Trata-se de definir “quem faz o que” na sociedade.Ou seja, um exercício de poder conjunto com divisão deresponsabilidade tanto nas decisões tomadas, quanto nasações executadas e nos resultados obtidos.

A prática de Conselho de caráter coletivo eemancipatório está na sua capacidade de assimilar os novosconceitos das estruturas modernas da sociedade civil. ParaMaria Glória Gohn a sociedade civil hoje,

“não só capitalizam os anseios político-culturais e asnecessidades econômico-sociais/coletivas comotambém adquiriram identidade democrática e passarama ser vistas como os “fiscais da sociedade civil” sobre asociedade política em seu conjunto, denunciando epressionando-a. Uma nova institucionalidade se esboçaa partir da nova visão de mundo que se construiu ondese observa a reformulação da concepção sobre o que ée o que pertence à esfera pública, a construção de umanova esfera ou subesfera, entre o público e o privado,que é o público não-estatal; e o surgimento de umaponte de articulação entre estas esferas, dada pelaspolíticas de parceria.” (Gohn, 1997, p. 105)

Esta visão de mundo implica no resgate dos valores éticosfundamentais como liberdade, democracia, respeito, dignidade,justiça, de modo a alavancar nos diferentes atores sociais odesejo de luta em prol dos interesses gerais da coletividade.

18 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

Para Hannah Arendt,

“o poder só é efetivado enquanto a palavra e o ato nãose divorciam, quando as palavras não são vazias e osatos não são brutais, quando as palavras não sãoempregadas para velar intenções mas para revelarrealidades, e os atos não são usados para violar edestruir, mas para criar relações e novas realidades.”(Arendt, 1991, p. 212)

Nesta perspectiva, os conselhos da região Norte doParaná estão procurando criar “algo novo”, representandointeresses coletivos que traz em seu bojo um desejo e umesforço por um “que fazer” plural e democrático, numafundamentação crítica, para a construção de novas práticas.

Neste processo, os Conselhos vêm percorrendo umatrajetória descrita por Utria como um movimento que“começa com um lento e articulado processo de tomada deconsciência, pelo qual os indivíduos adquirem uma vivênciareal de sua situação e de seu destino no universo social epolítico que os rodeia, elaboram e definem uma imagem deseus autênticos interesses e os contrastes, analiticamente ,com a ordem social, política e econômica . Através desteprocesso, o homem e a comunidade se descobrem a simesmos, se identificam com tudo aquilo que resultecompatível com sua dignidade humana e que pode conspirarcontra seus interesses e aspirações. Nessas condições homeme comunidade estão potencialmente preparados para iniciaro complexo processo de participação.” (Utria, 1969, p. 55)

Novos Desafios:– Reconhecimento social e legitimidade política dos

19Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

Conselhos como interlocutores para a formulação daspolíticas públicas locais;

– elaboração de um proposta social a ser “apropriada”, a ser“assumida” pela sociedade como uma bandeira de luta;

– investir em ações em que os Conselhos possam divulgarsobre o que faz para conquistar maior visibilidade sociale política;

– incluir no debate público novos valores coletivos como asnoções de autonomia, transparência, parceria, direitos,solidariedade, pluralidade, as quais deverão fazer partedo cotidiano dos atores sociais.

Categoria de base empírica: Treinamento e Capacitação– Dificuldade de compreensão do significado filosófico, ético,

político dos princípios e diretrizes do Estatuto da Criança edo Adolescente (ECA); falta de clareza conceitual;

– conhecimento fundamentado no senso comum;– dificuldade de participação dos Conselheiros em curso de

capacitação e de formação continuada (tempo, interesse,motivação, deslocamento, recurso financeiro, autonomia,liberação etc);

– prevalência da cultura do “aqui e agora” desqualificandoqualquer ação a ser projetada à médio e a longo prazo;

– ausência de um diagnóstico da realidade e planejamentode suas ações;

– busca de uma “receita mágica” que melhore a atuação dosconselheiros;

– resistência em refletir a prática orientada por uma teoria- “Na prática a teoria não funciona”;

– desqualificação de cursos que venham exigir dosconselheiros o “pensar sobre a sua prática” de modo maissistematizado;

20 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

– reivindicação de curso para troca de experiência comconotação de “troca de receita” , sem a sua reconstruçãocrítica;

– pouca capacidade de reflexão propositiva;– negação e desqualificação enquanto sujeitos pensantes;– dificuldade de motivação e envolvimento de conselheiros

em atividades teóricas (aula expositiva/reflexiva);– falta de clareza entre a dimensão política do conselho e

política partidária (preferência do prefeito);

Categoria Reconstruída: Cidadão em FormaçãoPara Marilena Chaui o “saber é um trabalho”. Por ser

um trabalho, é uma negação reflexionante, isto é, umanegação que, por sua própria força interna, transforma algoque é externo, resistente e opaco. (Chaui,1990, p. 4)

“(...)a experiência imediata cuja obscuridade pede otrabalho da clarificação. A obscuridade de uma experiêncianada mais é senão seu caráter necessariamenteindeterminado e o saber nada mais é senão o trabalhopara determinar essa indeterminação, isto é, para torna-la inteligível” (Chaui,1990, p. 5)

A resistência dos Conselheiros frente ao trabalho dereflexão adquiri um componente ideológico: a valorizaçãodo “fazer/ já pronto” está na segurança que o movimento daordem instituída, as normas previamente fixadas e aceitascomo verdadeiras na esfera da vida social, legitima e autorizaum tipo de prática isenta do questionamento, doinconformismo, da crítica reiterada à realidade, anulando apossibilidade de desvelar as contradições e as diferenças entrepensamento e realidade.

21Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

Neste sentido, os conselheiros deixam a condição deatores sociais e político e assumem à condição de homem/objeto, desamparado de um saber. Entra em cena algumdetentor de conhecimento que “exige a interiorização de suasregras, pois aquele que não as interiorizar corre o risco dever-se a si mesmo como incompetente, anormal, a-social,como detrito e lixo” (Chaui, 1990, p. 13)

Desvelar o risco do conhecimento instituído – enquanto“arma para um fantástico projeto de dominação e de intimidaçãosocial e político”, (Chaui, 1990, p. 13) significa libertar dasamarras do saber autorizado e assumir a posição de sujeitos depensamentos, negação e historicamente situado.

Assim, tornar as ações mais qualificadas significa abrircaminhos para uma gradativa interferência no processo decisórioda Política Pública local, conquistando o reconhecimento políticoe social no interior do espaço de poder.

Novos Desafios:– Investimento na formação do cidadão para o resgate da

atitude criativa, organizadora e mobilizadora da sociedade;– formação de lideranças populares para atuarem como co-

partícipe das políticas públicas municipais;– elevar o mundo do saber como um bem público, ou seja,

com direito de acesso, usufruto e produção por parte detodos os sujeitos sociais;

Categoria de base empírica: Contra-Informação– Dificuldade de comunicação e divulgação das ações

desenvolvidas pelos Conselhos, pouco reconhecimento evalorização, tanto da sociedade civil, quanto do poderpúblico face a pouca visibilidade de suas práticas;

– o caráter privado dada à ação dos Conselhos vem em

22 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

detrimento da construção do espaço coletivo aberto aodebate, a publicização da vida política, a socialização deidéias e propostas;

– informações truncadas têm permitido que as autoridadesrepassem apenas o que lhes interessam;

– centralismo e privilégio de acesso aos meios decomunicação do poder constituído;

– desconhecimento do papel da informação comoinstrumento formador da opinião pública;

– a prevalência da desinformação em prejuízo às práticastransparentes e democráticas;

Categoria Reconstruída: Comunicação e InformaçãoA informação, necessariamente, precisa ter um conteúdo

de crítica da realidade com a nítida clareza de refletir osanseios da sociedade. Deve estimular a participação, aorganização, a mobilização da sociedade, seja numaformatação de movimentos reivindicatórios de acesso a bensde consumo coletivo e/ou tornando espaço de denúncias emanifestações sobre os diferentes aspectos da vida cotidiana.

Constituir espaço de comunicação e informaçãodemocrática como fonte de diálogo, de deliberação, derepresentação múltipla dá aos Conselhos uma novaconfiguração nas relações entre Estado e Sociedade Civil.Torna-se quase impossível pensar em ações comprometidas,sem dar relevância ao papel da comunicação e da informaçãoenquanto instrumento de formação da consciência crítica dasociedade.

Nesta perspectiva, a comunicação e a informação tomauma dimensão de embate entre a alienação e cidadania.

A alteração significativa dos valores, princípios,conceitos, dos diversos atores sociais e da população em geral

23Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

não se garante mediante existência de leis e regulamentos. Oque precisa ocorrer são mudanças na forma e na qualidade dacomunicação, da informação e da revolução tecnológica emfavor do resgate da cidadania da população menos favorecida.

Alavancar um autentico processo de conscientização eformação cultural para alteração dos preconceitos profundamenteenraizados na sociedade contemporânea deve constituir-seem eixo essencial de recuperação da democracia.

A socialização da informação implica também napartilha do poder da informação. A democratização do acessoà informação, a criação de redes descentralizadas, potencializaos diferentes atores sociais para uma ação entre iguais.

Novos desafios:– Criar instrumento diversificado de acesso as informações,

mediante organização, produção e distribuição de materialde natureza pedagógica (cartilhas, manuais, folhetos, site,endereço eletrônico), que divulguem as práticas realizadaspelos diferentes segmentos da sociedade;

– criação de novos canais de comunicação para expor idéiase propostas para a construção de uma base cultural e política;

– organização e acesso às informações para melhorinstrumentalizar a população sobre os programas e serviçosexistentes nos municípios;

– formação diretamente vinculados à organização dainformação municipal e aos programas de comunicação;

– investimento em programas de divulgação e informaçãodas ações dos Conselhos para obtenção do aceite sociale conseqüente apoio às iniciativas locais;

– incentivar os diferentes segmentos da sociedade para aparticipação no planejamento, produção e gestão deatividades de comunicação e informação, a serviço do bemcomum;

24 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

– envolver técnicos e especialistas da área de comunicaçãopara assessorar na produção de programas, definição derecursos e metodologias adequadas de trabalho paraalcance dos objetivos.

Os indicadores aqui elaborados constituem mais umasíntese das reflexões críticas dos estudos empreendidos, nosentido de vislumbrar novos caminhos (ou inquietações),impondo novos desafios.

Neste sentido, o estudo sinaliza de modo reiterado quenas práticas cotidiana dos Conselhos o tema da informaçãoe a comunicação têm como instrumento de formação daconsciência crítica da sociedade sobre o papel dos ConselhosMunicipais de Direitos e Conselhos Tutelares.

Para Thompson,

“o desenvolvimento dos meios de comunicação é, emsentido fundamental, uma reelaboração do carátersimbólico da vida social, uma reorganização dos meiospelos quais a informação e o conteúdo simbólico sãoproduzidos e intercambiados no mundo social e umareestruturação dos meios pelos quais os indivíduos serelacionam entre si.” (Thompson, 1998, p. 19)

Assim, é através da comunicação que os atores sociaisestabelecem e renovam às relações sociais uns com os outros,dentro de um contexto sócio-histórico.

Neste sentido, é importante caracterizar a comunicaçãoenquanto ato social. Mas, contraditoriamente, por integrar narotina, na atividade prática da vida cotidiana dos indivíduos, arecepção dos produtos da comunicação transformam estesmesmos indivíduos em consumidores passivos, de acordo comformação e as condições sociais de cada um.

25Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

Contudo, a atividade interpretativa do produto dacomunicação, exige do sujeito receptor um grau de atenção,concentração e esforço, tendo como pano de fundo oconhecimento que os indivíduos vão acumulando enquantosujeitos históricos.

Thompsom argumenta que através da “apropriação dasmensagens da mídia, os indivíduos são envolvidos numprocesso de formação pessoal e de auto-compreensão”,(Thompson, 1998:46), potencializando sua capacidade deampliar os horizontes de suas experiências e conhecimentos.

Nesta perspectiva, torna-se condição para cadaConselheiro alargar os horizontes, olhar para mais longe,captar novas formas de apreensão do movimento da realidade,ou seja, desenvolver a capacidade de decifrar os limites e aspossibilidades que sua prática cotidiana lhe impõe e construirproposta de ações criativas capazes de efetivar direitos.

O desafio está na mudança de pensamentos e práticasdos Conselheiros. É preciso redimensionar as práticascoletivas, valorizando as experiências já vividas. Nessacaminhada é que os iguais descobrem suas diferenças e osdiferentes encontram sua igualdade, deslocando-se daunidade arbitrária e, aos poucos, vão tentando reaprenderos vínculos com a unidade provisória construída a partir deinteresses comuns, não de uma categoria abstrata, imposta(Ribeiro, 1998, p. 67).

O mais importante é continuar insistindo nestacaminhada, sem perder a perspectiva de mudança em direçãoa uma sociedade democrática que motive as lutas coletivasem prol da criança e do adolescente.

26 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.9-26, jul./dez. 2000

AbstractThis article is about the consolidation of the Municipal and TutelaryCouncils as public space of popular participation and creation ofstrategies to the administration of municipal public politics of attentionto the child and the adolescent.

Key words: councils, popular participation, public administration.

Referências Bibliográficas

ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: ForenseUniversitária, 1991.

CAMPOS, Edvaldo Benardino; MACIEL, Carlos Alberto Batista.Conselhos paritários: o enigma da participação e da construçãodemocrática. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 55, 1997.

CHAUI, Marilena. Cultura e democracia – o discurso competente eoutras falas. 5. ed. São Paulo: Cortez, 1990.

COUTINHO, Carlos Nelson. Polêmicas filosóficas do século XX. SãoPaulo, 1999. Mimeo.

DEMO, Pedro. Participação é conquista. São Paulo: Brasiliense, 1988.

GOHN, Maria da Glória. As relações sociedade civil e Estado nos anos90: perspectivas sobre a participação. In: SERVIÇO Social e Sociedade.São Paulo, 1991.

GOHN, Maria da Gloria. Os sem-terra, ONGs e cidadania. São Paulo:Cortez, 1997.

UTRIA, Rubén D. Desarrollo nacional, participación popular y desarrollode la comunidad en América Latina. México: CREFAL/CEPAL, 1969.

THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade – uma teoria social damídia. Petrópolis: Vozes, 1998.

27Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.27-37, jul./dez. 2000

MARX E O INDIVÍDUO

Sandra Regina de Abreu Pires1

ResumoO texto tem como tema o indivíduo e a sua presença na obra marxiana.Coloca-se no sentido de sumariar, a partir da contestação de argumentosem contrário, alguns aspectos que demonstram não só a preocupaçãode Marx com o indivíduo mas também a fecundidade da TradiçãoMarxista para abordagens analíticas sobre o tema.

PALAVRAS-CHAVES: indivíduo, individualidade, marxismo.

Vivemos em tempos modernos (ou pós-modernoscomo defendem alguns) e nele uma preocupação redobradacom o indivíduo, preocupação esta que se expressa tanto emdiscursos como no crescimento de tematizações acerca dequestões diretamente relacionadas a ele ou, no mínimo, afetasà Microssociologia.

As razões para sua recolocação como foco central emoposição à períodos anteriores, onde dominavam análisesdenominadas macrossociológicas, podem ser muitas. Porém,todas guardam relação direta com o momento históricovivido, visto que uma temática ganha relevo quando, sobdeterminadas condições sociais, nasce a necessidade socialde respostas.

Com a questão do indivíduo não é diferente. Se

1 Docente do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual deLondrina. Mestre em Serviço Social pela PUC-SP. Doutoranda em ServiçoSocial pela PUC-SP.

28 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.27-37, jul./dez. 2000

fizéssemos uma retrospectiva histórica de abordagens acercados problemas do homem, de sua relação consigo mesmo ecom a sociedade, veríamos que elas ganham importância eproliferam em maior número em períodos históricos decrescimento de conflitos (objetivos e subjetivos), possibilitadospor alterações mais ou menos intensas nas condições sociaispostas.

É isso que temos hoje: um momento de transição (ouno rescaldo dela) para uma reestruturação conservadora docapital que impôs ao indivíduo singular e ao conjunto doshomens o enfrentamento de uma série de situações concretasque, em síntese, colocam objetiva e subjetivamente suasexistências sob ameaça. Portanto, é um momento propíciopara inquietudes e para busca de respostas à perguntas nadarecentes como, por exemplo, o que é o homem? qual é, ou qualdeveria ser, sua relação com os outros homens? no que consistesua felicidade? como garantir a ele o pleno desenvolvimento desuas capacidades e de sua individualidade?

A busca por respostas tem sido empreendida a partirde perspectivas teórico-metodológicas e ideológicasdiferenciadas, inclusive por aqueles que insistem em manter-se sob filiação à Tradição Marxista. Para esses, no entanto,há dificuldades adicionais, algumas delas perpassadas pelaconstante reposição de críticas de que tal tradição, por suadimensão abrangente e macrossocietária, não teria capacidadeteórico-metodológica para fornecer as respostas demandadas.

É contra essas críticas e no espírito de desmistificá-las, pelo menos em parte, que este texto se coloca. Isto é, nosentido de sumariar alguns aspectos que demonstrem nãosó a preocupação de Marx com o indivíduo mas a fecundidadeda Tradição Marxista para abordagens analíticas sobre o tema.

29Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.27-37, jul./dez. 2000

1. Marx e a Preocupação com o Indivíduo

A resposta às críticas de que o indivíduo não era umapreocupação para Marx exige situar a origem delas e, paratanto, lembrar, por um lado, a defesa quanto à cisão domesmo em duas fases distintas (e opostas) e, por outro, odomínio, em um certo período da história do Marxismo, davertente Marxista-Leninista – sustentáculo do SocialismoReal no plano ideário.

Quando, a partir da década de 50, fica definitivamenteclaro o caráter deformado do socialismo capitaneado porStalin e os equívocos cometidos em nome do pensamentomarxiano, abre-se espaço para a redescoberta de Marxenquanto humanista2 , para a negação da tese dos dois Marxe, decorrentemente, para a recolocação da temática em lugarde destaque dentro da Tradição.3

Desse modo, hoje é possível afirmar que não existemduas fases opostas ou dois pensadores distintos na trajetóriade Marx – o Jovem humanista, autor dos primeiros escritose o Maduro dogmático-materialista, autor de “O Capital”.Apesar da existência inquestionável de diferenças em termosde estilo e no emprego de termos, fato inclusive que motivouvários estudos efetivados com base em análise semântica, éfundamental a visualização de que há uma linha decontinuidade em suas teses e concepções básicas.2 Que tem como fator fundamental mas não único, a publicação de alguns de seus

primeiros escritos, dentre eles “Manuscritos Econômico-Filosóficos” (1844 ) e“Ideologia Alemã” (1845) os quais, até o início da década de 30 de nossoséculo, eram desconhecidos, bem como “Elementos Fundamentais para a Críticada Economia Política - Gründrisse” – escrito entre 1857e 1858 e publicadoentre 1939 e 1940.

3 Em franca oposição ao Marxismo tornado oficial pela URSS no qual, de fato,por seu mecanicismo levado ao extremo, não deixava lugar para a problemáticado indivíduo.

30 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.27-37, jul./dez. 2000

O pensamento de Marx se constitui em uma unidadeorgânica inseparável, com as idéias da juventude funcionandocomo uma espécie de guia sem o qual não é possível acompreensão da riqueza das obras da maturidade e estes,por sua vez, iluminam e ampliam as análises presentes nosprimeiros.

Na tese de Scaff (1967), com a qual concordamos, oeixo central que permite essa linha de continuidade éjustamente o problema do indivíduo em sua relação com anatureza e com a sociedade, tendo como preocupação centrala libertação do mesmo das condições que lhe cerceiam edeformam – as pertinentes à sociedade burguesa (alienantese alienadas).

É este eixo que permite visualizar a unidade orgânicaexistente quando Marx enfrenta posteriormente outrasquestões de natureza mais econômica: trata-se de uma lógicainterna estabelecida com o propósito de desvelar a origem eos mecanismos de reprodução das condições de existênciaadversas ao desenvolvimento pleno do homem e à suafelicidade, ou seja, a gênese e o desenvolvimento dasociedade burguesa.

É sob este prisma que o autor pode defender comoobjetivo central de todo o empreendimento marxiano o quejá estava presente em seus primeiros escritos, ainda que possaser criticado como impreciso, imaturo e/ou não plenamentedesenvolvido, a saber, a libertação do homem destascondições o que somente é possível integralmente quando aordem do capital houver sido superada.

É sabido que a Tradição Marxista não se coloca comoum bloco homogêneo, conservando várias polêmicas edivergências internas e que, assim, tal tese do indivíduo comoeixo central e como objetivo pode não configurar-se como

31Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.27-37, jul./dez. 2000

unânime. Porém, independente de posições divergentesnestes aspectos, pensamos que não há no pensamentomarxiano ou na Tradição Marxista argumentos à favor deuma desvalorização do âmbito individual.

2. O Indivíduo no Pensamento Marxista

Em verdade, embora para nós esteja claro que apreocupação última de Marx era com o indivíduo e com sualibertação das condições sociais limitadoras de sua plenarealização enquanto ser humano, é igualmente claro que elenão elabora algo que poderia ser intitulado de Teoria daPersonalidade ou Teoria da Individualidade.

Em Marx, mesmo em seus primeiros escritos onde atemática é abordada com maior intensidade, não há algo quese aproxime disso. Todavia, é certo que no conjunto de suaobra4 estão contidos elementos imprescindíveis para odesenvolvimento disso, direção para a qual caminham obrasposteriores importantes dentro da Tradição como, porexemplo, “O Marxismo e o Indivíduo” de Adam Schaff,“Sociologia da Vida Cotidiana” de Agnes Heller e “Marxismoe a teoria da Personalidade” de Lucien Sève.

A enumeração de todos esses elementos não é possívelno âmbito deste texto. Assim, nos contentaremos emenumerar algumas críticas quanto à inexistência ou adesvalorização da temática em Marx e, ao contestá-las mesmoque minimamente, destacar alguns deles.

4 Incluindo aí, com destaque, o citado Manuscrito de 1857/58 que não pode maisser criticado como resultado de um “arrombo da juventude”. No “Gründrisses”,qualificado como uma espécie de esboço a partir do qual é redigido o “OCapital” Marx retoma, amplia e aprofunda temáticas relativas ao indivíduo queestavam presentes nos primeiros escritos.

32 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.27-37, jul./dez. 2000

Uma primeira grande crítica é a de que Marx, comoeconomista, preocupou-se em analisar fenômenos econômicose, por conseguinte, impossibilitou-se de discutir o indivíduo.

Logo de início há que desmistificar o fato de Marx serum “economista” nos termos atuais; nem mesmo em seutempo ele poderia assim ser qualificado. Boa parte de seusestudos foram realmente dedicados à Economia Política e,portanto, à fenômenos econômicos. No entanto, nenhumadas categorias marxianas como modo de produção, alienação,fetichismo, dinheiro e etc. podem ser identificadas comomateriais ou econômicas stricto sensu.

Por exemplo, a análise crítica empreendida por Marxsobre o dinheiro na sociedade alienada – uma categoriaincontestavelmente econômica, tem como ponto central a suafiguração como relação social. Ou seja, neste tipo de sociedadeo dinheiro é o mediador universal na relação entre os indivíduos,bem como na relação deles com o mundo das coisas.

É o dinheiro que simboliza o poder de tudo comprar econsequentemente de tudo realizar e, simbolizando tal poder(que não tem origem nas forças essenciais do homem masque o submete), a ele é transferido toda e qualquerpossibilidade de realização do indivíduo.

O poder do dinheiro e a submissão do homem a elenão se expressam apenas nos quadros do significado materialdo possuir. Se expressam também na superioridade pessoale social que é conferida àquele que o possui e na inversãoque se processa nas qualidades humanas. Como ilustra otrecho abaixo, Marx (1989, p. 232) vê no dinheiro o poderde transfigurar qualidades em imperfeições e imperfeiçõesem qualidades:

33Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.27-37, jul./dez. 2000

“Aquilo que eu sou e posso não é, pois, de modo algumdeterminado pela minha própria individualidade. Soufeio, mas posso comprar para mim a mais bela mulher.Por conseguinte, não sou feio, porque o efeito dafealdade, o seu poder de repulsa, é anulado pelodinheiro. [...] O dinheiro é o bem supremo, e destemodo também o seu possuidor é bom.” (destaques nooriginal)

Em síntese, sob relações alienadas a riqueza individualdeixa de vincular-se à efetivação da essência genéricahistoricamente produzida pela humanidade para definir-seenquanto posse de uma quantidade significativa demercadoria e/ou de seu meio possibilitador – o dinheiro, eeste tipo de análise, empreendida com o mesmo cariz notocante à alienação e à outras categorias, em nada se aproximade uma abordagem estritamente econômica.

Outra crítica, a esta associada, é a interpretação domaterialismo marxiano como “economicismo”. A afirmativa deque a chamada “base econômica” determina a configuraçãosuperestrutural não é equivalente a um determinismo econômicoautomático e monolítico. Aliás, não foram raras as vezes emque Marx reforçou o caráter de dependência e influênciarecíproca entre instâncias estruturais e superestruturais.5

5 A um determinado modo de produção corresponde, em relação mutuamenterecíproca, um modo de pensar e uma certa estrutura organizacional – umasuperestrutura que, como a base econômica, é produto do homem, fruto dasrelações que estabelecem entre si historicamente. Ou, nas palavras de Marx(1989b, p. 106), “Os mesmos homens que estabelecem as relações sociais deacordo com a sua produtividade material, produzem, também, os princípios, asidéias e as categorias de acordo com suas relações sociais. Assim, estas idéias,estas categorias são tão pouco eternas quanto as relações que exprimem. Sãoprodutos históricos e transitórios.“

34 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.27-37, jul./dez. 2000

Implica apenas que Marx, no contexto da oposição aoidealismo de seu tempo (e também ao materialismo lásituado), defendia o primado do real. Vale dizer, as idéias, asrepresentações, os juízos, enfim, a consciência, é condicionadapelas condições concretas de existência e não ao inverso.

É justamente por isso que Marx pôde afirmar que oponto de partida não é o indivíduo abstrato, imaginado oupensado. Ele é antes de mais nada um ser corpóreo, real eobjetivo; um ser que tem existência material e que tem umaatividade vital que não se reduz à consciência, embora aenvolva visto que é uma característica ontológica do homemo fato de ter uma atividade vital consciente e teleológica.

O ponto de partida é, então, esse ser vivente em suascondições concretas, até porque Marx não o vê como isoladoe independente do gênero humano ou da sociedadedeterminada no âmbito da qual dá-se sua existência empírica.Ao contrário, o homem é um ser social e é na socialidade, nainteratividade social (forma própria de existência do homem),mediante processo de apropriação do acúmulo histórica esocialmente produzido pelo gênero, que ele se forjaverdadeiramente como humano.

Disto já se depreende que a individualidade do singularnão é e não pode ser dissociada da genericidade. A atividadesocial dos homens, com sua base material, é que cria o meioonde o indivíduo vive e é apenas nesse meio, no “médium”criado pela interatividade social, que ele pode se constituir.É ela que cria as condições e os meios objetivos e subjetivospara a realização da forma própria de ser de cada singular, daindividualidade entendida como a vida privada ou espiritualde cada um.

Na medida em que o indivíduo, ao nascer, já encontrapostas estas circunstâncias sociais, porquanto independentes

35Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.27-37, jul./dez. 2000

de sua vontade, podemos afirmar que ele é condicionadopelas mesmas, residindo aí a importância da consideração,em quaisquer análise sobre o homem, do tipo de sociedadena qual está inserido.

Porém, ser condicionado pelas circunstâncias nãosignifica ter uma relação passiva com o preexistente, adaptar-se ou conformar-se ao dado. O homem é produto dascondições sociais mas, por outro lado, é também um ser decriação já que elas são um produto seu:

“A história nada mais é do que a sucessão de diferentesgerações, cada uma das quais explora os materiais, oscapitais e as forças produtivas a ela transmitidas pelasgerações anteriores; ou seja, de um lado prossegue emcondições completamente diferentes a atividadeprecedente, enquanto de outro lado, modifica ascircunstâncias anteriores através de uma atividadetotalmente diversa. (Marx & Engels, 1999, p. 70)

Eqüivale dizer que as circunstâncias estão postas, masnão estão dadas em definitivo e que o homem não é um serpassivo. A validade disto é tanto para o conjunto dos homenscomo fica explícito na passagem acima, como para o indivíduosingular. Isto é, ele é um ser que, ao apropriar-se doproduzido, também objetiva-se nele. É um ser que, em umprocesso, através de sua atividade no interior das relações sociais,vai se compondo como um ser específico e imprimindo algo deseu às circunstâncias herdadas, modificando-as.

Fica negada, portanto, qualquer crítica que defendacomo pertinente à Tradição Marxista a figuração do indivíduocomo mero reflexo da sociedade, bem como de uma possívelpretensão da mesma quanto ao cancelamento de individualidadesdiferenciadas.

36 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.27-37, jul./dez. 2000

Em Marx está garantido uma autonomia e um papelfundamental ao singular que, pelo processo de apropriaçãoe objetivação individual, recolhe e atribui significados esentidos a si mesmo, aos outros homens e ao mundo. Alémdisso, ao apropriar-se das possibilidades de subjetivaçãopostas na socialidade, o fará de forma diferenciada,combinando-as também diferenciadamente. Assim, mesmosob base social comum e mesmo frente a oportunidadesidênticas, cada singular, por seu papel de sujeito, construiráuma individualidade distinta.

Revela-se, por conseguinte, a igualdade e a irrepetibilidadesimultâneas do indivíduo. Todos são substantivamente iguais,porque pertencem a um mesmo gênero (gênero humano).Entretanto, precisamente por que são iguais, podendo porisso comunicarem-se, interagirem e viverem em socialidade,são irrepetíveis: apropriam-se e retotalizam as objetivaçõesdo gênero de forma diferenciada.

Isto posto, a crítica de direcionar-se à massificação doshomens é muito mais pertinente ao que se processa nasociedade burguesa onde o hiperindividualismo, o egoísmoeconômico, a desconsideração do outro (caso isto tragavantagens à sua particularidade) tanto em termos macrossocietárioscomo no que tange às relações interpessoais e a submissãocada vez maior do indivíduo à sociedade de consumo, dentreoutros, jogam com o fim do indivíduo como síntesediferenciada.

Em oposição, na perspectiva marxiana não objetiva-sea igualdade no sentido de indiferenciação entre os indivíduos.Busca-se a instalação de condições sociais concretas onde osmesmos, tendo acesso à oportunidades reais iguais(exponenciadas pela supressão das desigualdades econômicase sociais), possam desenvolver e explicitar suas diferenças

37Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.27-37, jul./dez. 2000

contribuindo, por isso mesmo, para o desenvolvimento dogênero humano.

AbstractThe text focuses the individual and his presence in the Marxian work. Itplaces itself in the sense of summarizing, from the contestation ofopposite arguments, some aspects which show not only Marx’s concernwith the individual, but also the fertility of the Marxian Tradition withthe analytical approaches about the theme.

Key words: individual, individuality, marxism.

Referências Bibliográficas

FROMM, Erich. Conceito Marxista de Homem. 5. ed. Trad. OctávioAlves Velho. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

MARX, Karl. Elementos Fundamentales para la Critica de la EconomiaPolitica (Borrador) 1857-1858. Gründrisse. Tradução do alemão porJosé Aricó, Miguel Murmis e Pedro Scaron. Buenos Aires. Siglo XXIArgentina, 1971. v. 1.

MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosóficos. Traduçãoportuguesa do Inglês por Artur Mourão. Lisboa: Edições 70, 1989.

MARX, Karl. A Miséria da Filosofia. 2. ed. Tradução e Introdução deJosé Paulo Netto. São Paulo: Global, 1989b .

MARX, K.; ENGELS, F. Ideologia Alemã (Feuerbach). 11. ed. Traduçãodo alemão por José Carlos Brunni e Marco Aurélio Nogueira. São Paulo:Hucitec, 1999.

SCHAFF, Adam. O Marxismo e o Indivíduo. Trad. Heidrun Mendes daSilva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.

39Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

JOVENS, DROGAS, RISCO E VULNERABILIDADE:APROXIMAÇÕES TEÓRICAS

Maria Angela Silveira Paulilo1

Leila Solberger Jeolás2

ResumoO texto ora apresentado objetiva esboçar a possibilidade de se trabalharcom a abordagem da vulnerabilidade social, articulada à discussão dasdimensões culturais do risco, para apreensão das múltiplas dimensõesque expõem os jovens, atualmente, ao uso abusivo de drogas. A formaambivalente com que diversas formas de se correr risco são aceitas e,por vezes, socialmente valorizadas, apresenta-se como um doscomponentes de vulnerabilidade social ou um dos aspectos quepotencializam a vulnerabilidade dos jovens às drogas. A articulação dasduas abordagens apresenta-se como um caminho profícuo paraapreensão da complexidade que envolve o uso abusivo de drogas emnossa sociedade e para a compreensão da rede de significaçõesconstruídas em torno da questão.

Palavras-chave: jovens, drogas, risco, vulnerabilidade.

O conceito de vulnerabilidade como instrumento deanálise

A abordagem teórica da vulnerabilidade, que aquiarticulamos com a análise da dimensão cultural do risco nassociedades atuais, foi proposta no contexto da epidemia da

1 Assistente social, professora do Departamento de Serviço Social da UEL, doutoraem Serviço Social-PUC-SP, Coordenadora da Pesquisa “A Questão das Drogasna Cidade de Londrina”.

2 Antropóloga, professora do Departamento de Ciências Sociais da UEL, doutoraem Ciências Sociais-PUC-SP, pesquisadora-colaboradora.

40 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

AIDS por pesquisadores atuantes na área de confluência dasaúde pública e das ciências humanas preocupados com asmúltiplas dimensões da epidemia, suas conseqüências eimpacto social. Vale, portanto, um breve histórico destaabordagem para que se esclareça a pertinência de sua aplicaçãona análise das múltiplas dimensões do uso abusivo de drogasentre os jovens, atualmente, em nossa sociedade.

O conceito de vulnerabilidade, tomado do movimentode Direitos Humanos, foi desenvolvido por Mann ecolaboradores (Mann, 1992), para pensar a epidemia da AIDSno contexto da Saúde Publica. Ele vem sendo utilizado porpesquisadores brasileiros (Ayres, 1996; Villela, 1996; Paiva,1996; Ayres, Calazans e França Junior, 1998) com o intuitode ultrapassar a compreensão inicial do risco da AIDS baseadana idéia de grupos de risco e de comportamentos de risco.Em conseqüência de tal abordagem, a prevenção da doençaera entendida como resultado de informação e vontadepessoal, dependendo, portanto, da mudança de comportamentorealizada voluntariamente pelo indivíduo. Tais pesquisadoresvêm propondo ampliar o campo das reflexões para além docomportamento individual que só pode ser entendido comoproduto da interação de múltiplos fatores sociais, econômicos,culturais e políticos e nem sempre se reduz à vontadeindividual, entendida enquanto domínio cem por centoracional e consciente.

Este conceito amplia, portanto, a discussão sobre asmúltiplas e interdependentes dimensões da epidemia epermite dar conta da complexidade das questões envolvidasna sua prevenção. Se a AIDS pode afetar biologicamentequalquer pessoa, a chance de se infectar pelo vírus não éigual para todos os países, regiões, grupos ou indivíduos. Avulnerabilidade não é uma essência ou algo inerente a

41Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

algumas pessoas e grupos, mas diz respeito a determinadascondições e circunstâncias, que podem ser minimizadas ourevertidas.

Para melhor operacionalizar o conceito, os autorespropõem que a vulnerabilidade seja pensada sob três planos:o social, o programático ou institucional e o individual. Oplano social inclui condições socioeconômicas, acesso àinformação, escolarização, garantia de acesso aos serviçosde saúde, garantia de respeito aos direitos humanos, situaçãosociopolítica e cultural da mulher. O plano programático ouinstitucional refere-se a serviços, programas, projetos eatividades voltadas para combater a epidemia de formacontínua e integrada. O plano individual relaciona-se acomportamentos que possibilitam a infecção pelo HIV ou acapacidade de adotar comportamentos seguros, plano este quedepende, justamente, da interrelação com os dois primeiros.

Como vemos, a mudança de comportamento naprevenção da AIDS passa por coações estruturais de naturezaeconômica, política, cultural e jurídica muito amplas eenraizadas e diferem de país para país, de região para região,de segmento social para segmento social. E quanto menosacesso à educação e à saúde, quanto mais marginalizados eexcluídos, quanto menos recursos os indivíduos tiverem paraelaborar escolhas para suas próprias vidas, mais vulneráveisa diferentes riscos eles estarão e pouco poderão fazer paraadotarem práticas de proteção. A tendência atual à“pauperização” da AIDS é um indício deste fenômeno. Destaforma, a maior ou menor vulnerabilidade dos jovens ao HIV/AIDS decorre do conjunto dos elementos destes três planos.

Os jovens têm sido apontados, no mundo todo, comogrupo mais suscetível não só à AIDS, mas também às drogas.Parte-se da idéia de ser esta faixa etária mais suscetível a

42 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

comportamentos de risco, de um modo geral. Isso decorredas características comuns a esta fase da vida, apontadas pordiferentes áreas do conhecimento. Citamos algumas:momento de transitoriedade e, portanto, de ambigüidade(nem criança, nem adulto); autonomia e responsabilidaderelativas; conflito com o mundo adulto (necessidade de opor-se para auto-afirmar-se no processo de construção deidentidade); crise potencial com emergência de um novocorpo, nova imagem de si mesmo e vivência da sexualidade;sentimento de invulnerabilidade e potencialidade para auto-destruição; ansiedade frente às exigências pouco definidas eàs demandas difíceis de serem cumpridas em relação àfamília, trabalho, lazer e consumo.

No entanto, tais características comuns se expressamde maneira diferente, conforme o contexto em que os jovensvivem. Como categoria sociohistórica, a juventude apresentadiversidades na sua forma de existir, o que a coloca emdiferentes graus de vulnerabilidade em relação às drogas. Sãodiferenças de classe, de região, de estilos que coexistem, aomesmo tempo, com características comuns a esta faixa etária.

Dentro do quadro da vulnerabilidade, que permiteampliar o leque das dimensões socioeconômicas, políticas eculturais do uso abusivo de drogas, ressaltaremos asdimensões culturais do risco como um dos aspectos davulnerabilidade. Chama a atenção a proliferação de diversoscomportamentos considerados de risco e a grande ambivalênciaexistente nas formas através das quais os riscos sãorepresentados e vivenciados nas sociedades ocidentais atuais.

Faz-se necessário compreender a noção de risco atravésdos diferentes significados que ela acumula, a depender devalores históricos e culturais referentes a diferenças de classe,de regiões e de grupos que estruturam a sociedade. Somente

43Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

assim poder-se-á analisar, no âmbito do uso abusivo dedrogas, quais representações os jovens constroem sobre orisco e quais significados lhes atribuem para que se possaesboçar o quadro das múltiplas dimensões às quais estesjovens se vêem expostos.

Juventude e risco nas sociedades atuais

Vale ressaltar, antes de avançarmos com a discussão,que a tradição sociológica trabalha com a categoria juventude,enquanto a psicologia e as ciências da saúde utilizam acategoria adolescência em seus estudos. A idade quedetermina o início de cada etapa da vida é variável. Para uns,a adolescência começa aos 15 anos e vai até aos 19 e sãoclassificados como jovens aqueles entre 20 e 24 anos. Paraoutros, a adolescência teria início aos 14, ou mesmo aos 13,terminando aos 19 anos. O que seria válido para a sociedadebrasileira na qual grande contingente de crianças eadolescentes se insere no mundo do trabalho desde muitocedo e o início da vida sexual tem também se reduzido, semfalar na antecipação da menarca entre 10 e 12 anos. A OMSdelimita a adolescência e a juventude entre os 10 e 25 anos.Atualmente, estudos europeus têm alongado os limitessuperiores da juventude para 29 anos, configurando uma pós-adolescência, segundo eles, ou um período de moratória socialno qual o jovem, ao concluir a escolaridade, não estariaconseguindo se inserir no mercado de trabalho. Entretanto,para a grande maioria dos jovens brasileiros, este não pareceser o caso, uma vez que eles começam a trabalhar mais cedo.De qualquer maneira, a delimitação do limite superior daidade para a juventude fica mais difícil de ser estabelecida,

44 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

uma vez que depende de critérios sociais, econômicos eculturais, bastante móveis atualmente, como é o caso dotrabalho, da autonomia financeira ou a constituição de umanova família. Já o limite inferior que marca o início daadolescência, embora também variável dependendo docontexto, tem pelo menos a puberdade, e as transformaçõesproduzidas neste período da vida, como ponto de partida(Sposito, 1997).

Se tivéssemos que atribuir aos tempos atuais apenasum sinônimo, talvez o que melhor se apropriasse fosse o deexcesso. Para autores como Balandier (1994), excesso decódigos, de imagens, de valores e de referências, marcadopelo novo, pelo inédito e pela mudança. Excesso que produz,por um lado, referências instáveis e incerteza e, por outro,necessidade de identificação e de enraizamento. Para Augé(1994), os tempos atuais poderiam ser definidos pelo excessofactual, espacial e de individualização das referências.Dominadas pelo número e pela medida, as sociedades atuaisreduzem o indivíduo à sua importância numérica, enquantopúblico, mercado, eleitorado. Primado do individual sobre osocial, do elemento sobre o conjunto, das performancesindividuais fundadas nos recursos e capacidades de cada ume da competição sobre o reconhecimento. Cada vez mais,vem sendo deixado ao próprio indivíduo a tarefa de se situarno mundo.

Para os jovens, atualmente, viver o momento depassagem, da infância à idade adulta, sem uma cosmologiaou um universo de reconhecimento comum, torna-se aindamais incerto e complexo. Os universos de reconhecimentocomuns previnem e interpretam a desordem, portanto, asincertezas e perigos próprios dos momentos de mudança edos acontecimentos, sobretudo aqueles ligados à vida e à

45Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

morte: o sexo, a procriação, o nascimento, as doenças, osinfortúnios. Diferentemente dos rituais das sociedadestradicionais, que instrumentalizam melhor os sujeitos paravivenciaram as mudanças e interpretarem os perigos, os rituaisatuais são pulverizados, surgem e desaparecem ao sabor damoda, proporcionando aos jovens, desta forma, apenas ilhasde segurança. Eles não os preparam para os momentos depassagem e de mudança e, com dificuldades, possibilitam atransmissão da herança de uma geração a outra. Nestecontexto atual, como bem sugere Balandier (1994), os jovensseriam levados a tornarem-se seus próprios produtores designificações, construindo-as, em certo sentido, num tipo debricolage, através de seus próprios recursos e sob o impulsodas circunstâncias, das necessidades imediatas e das influênciasrecebidas. Eles se tornariam, assim, os artesãos-bricoleur de suaspróprias práticas e representações do mundo.

Mesmo considerando as diferentes maneiras de serjovem – diferenças de classe, regionais, religiosas, de grupo– eles compartilham, de modo geral, a ansiedade de viverum momento de passagem, de uma etapa da vida à outra, oude um status social a outro, muitas vezes com exigênciaspouco definidas ou com demandas difíceis de seremcumpridas em relação à família, ao trabalho, ao consumo eao lazer. Potencializam-se, desta forma, inseguranças eansiedades, próprias deste momento intermediário demudança, quando se faz presente, de maneira profunda, aansiedade em relação ao risco (Douglas, 1994).

A ambivalência, somada ao excesso e à rapidez dasmudanças, tem sido também marca de nossa época. Nodomínio dos riscos e perigos, nossa sociedade, apesar deobcecada com a segurança, faz com que riscos proliferem nasmais diferentes formas. Segundo Le Breton (1991), o risco

46 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

expressa a relação, inconsciente e ambígua, do homem coma morte. Alguns, mais coletivos; outros, mais individuais.Alguns, mais calculados, planejados e procurados, como é ocaso dos esportes radicais; outros, mais impostos oudependentes de vulnerabilidades socioculturais e individuais,como podem ser vistos o uso de drogas ou a gravidez nãoplanejada. Alguns, negados e afastados; outros, aceitos ouaté mesmo valorizados, como o são as competições esportivas.Sugestiva interpretação do autor, para quem as diferentesformas atuais de se correr risco atualizariam a ordália antiga,como estrutura antropológica da necessidade inconscientedo homem de se relacionar com a morte e, ao mesmo tempo,com o sentido da vida.

Entretanto, hoje, os rituais ordálicos seriam maisindividuais do que coletivos, dependendo, portanto, muitomais das circunstâncias, dos pequenos grupos e do próprioindivíduo e menos das tradições coletivas. A ordália seencontraria, em germe, de forma mais ou menos atenuada,em várias práticas juvenis: nos rachas de carro e de moto,nas competições, na prática dos esportes radicais, nas brigasde grupos ou gangues urbanas, no skate. Palavras comoadrenalina, radical, hard tornam-se cada vez mais recorrentesno vocabulário juvenil.

Le Breton (1991) utiliza-se dos rituais ordálicos,enquanto instrumentos ou guias, para nos auxiliar nacompreensão dos tempos atuais. Estes rituais seriam recursosindividuais ou de pequenos grupos para esses tempos deeclipse do simbolismo coletivo, em que os sujeitos teriamque lançar mão da criatividade para simbolizar osacontecimentos de sua própria vida de forma bastante diversae desigual. O risco de vida presente nas condutasadolescentes, na toxicomania, nos esportes radicais

47Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

aproximaria, pois, simbolicamente, o sujeito da morte,permitindo-lhe interrogá-la em busca de sentido e de valorpara sua própria existência. Na verdade, o sujeito estariabuscando saber, inconscientemente, se viver tem ainda umasignificação. Queremos sentir a existência bater no peito,afirmam os partidários dos esportes radicais ou os viciadosem adrenalina, analisados por Le Breton (1991). O mesmopoderia ser dito pelos jovens skatistas, por aqueles envolvidasem brigas de gangues ou por usuários de drogas. A relaçãocom o risco, nos tempos atuais, torna-se, assim, um jogo dohomem com seu inconsciente, por meio do qual se trata deproduzir ou de provar para si próprio o valor da sua existência,já que o social e o cultural estão, cada vez menos, conseguindofazê-lo de forma satisfatória.

Até o primeiro quarto deste século, os jovens dassociedades ocidentais possuíam diferentes formas de ritosque lhes marcavam a passagem da infância para a idade adulta.Tais ritos de passagem simbolizavam as transformaçõesocorridas na puberdade e a aquisição por parte deles de novospapéis sexuais e sociais. A primeira festa ou o primeiro baileprenunciavam o advento da maioridade, do primeiroemprego, da primeira relação sexual, do casamento.

Hoje, entretanto, as inúmeras influências culturais, asmúltiplas tradições pulverizadas e a ampla extensão edesenvolvimento dos meios de comunicação tornaram atransição menos marcada, ou seja, sua demarcação se efetuade forma não unívoca e tampouco se realiza a partir decritérios ou rituais bem definidos. O que produz, porconseguinte, incertezas e inseguranças no jovem, de modogeral, ao enfrentar um momento, para eles, de tão profundasmudanças. Os ritos de passagem ou de iniciação permitemque se controle o medo e a ansiedade, próprios dos períodos

48 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

de mudança, uma vez que os ritualizam e os simbolizam,oferecendo maior segurança aos membros da sociedade parao desempenho de novo papel social (Le Breton, 1991). Nassociedades tradicionais, eles demarcam, com clareza, aaquisição de um novo status social, pressupondo aconjugação de responsabilidades econômicas, civis, conjugaise familiares. Os ritos de passagem implicam, de igual modo,na aquisição de uma identidade sexual com valorescoletivamente instituídos.

Tais ritos vêm perdendo, cada vez mais, seu valor denítida demarcação entre a infância e a idade adulta.Atualmente, o jovem se confronta com uma multiplicidadede papéis sociais, de valores e de referências, ao mesmotempo em que se sente limitado pelas pressões sociais eeconômicas. Ele sofre com as dificuldades em relação à futuravida profissional, com a angústia da ameaça de desemprego,com a inadequação entre as próprias aspirações e aspossibilidades oferecidas pela sociedade, com o apelo aoconsumismo em choque frente à impossibilidade de ver ospróprios desejos satisfeitos.

Por isso, e talvez não só, esta passagem de um status aoutro vem se transformando num período de tentativas maisindividualizadas e marcadas pela indecisão. Perdida a forçavital dos rituais tradicionais, cabe ao próprio jovem ter quebuscar formas outras de simbolização, ora com, ora sem aajuda da família, ora de maneira solitária, ora em grupos –as gangues, as galeras. O que se tem são ritos pulverizados emúltiplos, em consonância com origens sociais e culturais,mutantes ao sabor das modas, por isso, provisórios, poucoenraizados e ligados ao ciclo do consumo. Nas palavras deLe Breton (1991, p. 97), menos do que formar o jovem paraa existência, eles propõem praias de segurança e de aliançacom aqueles de sua classe de idade.

49Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

Os ritos de passagem tradicionais exigem uma herançaa ser legada pelo grupo dos mais velhos que, ao organizarema cerimônia, transmitem uma linha de orientação, um sabersobre o passado que se projeta para o futuro. As sociedadesatuais, entretanto, ao instaurarem uma permanência doprovisório, tornam apropriada a afirmação de René Chair: aherança está sem testamento para cada geração (apud LeBreton, 1991, p. 102). Os jovens vêm perdendo o contatocom a geração que os precedeu. A diferença é que as normas,os códigos e os valores presentes nos rituais de iniciação dassociedades tradicionais, porque coletivos, tinham seussignificados compartilhados socialmente. Nos pulverizadosrituais de nossos dias, as normas, particulares aos grupos,não encontram respaldo nos costumes nem se sustentam natradição. Hoje, nenhum rito proporciona referências e valoresestáveis e unívocos. Ao contrário, o indivíduo, vem sendosolicitado, cada vez mais, a contar consigo próprio naelaboração de sentido para a própria existência. Oscomportamentos e as lógicas que os sustentam sediferenciam, as circunstâncias variam muito, as referências eos valores multiplicam-se e as informações, em excesso, sedifundem com enorme rapidez, permitindo ao indivíduomudar de posição ou de status social, de referências e devalores, ao longo da própria vida, numa composiçãoheteróclita e complexa.

A ordália de outrora ressurge, portanto, adquirindocaráter individual, muito embora ignorada por quem apratica, porque subjaz inconsciente. Desta forma, o risco,sempre implicado em uma relação com a morte, não aparececomo fruto da vontade consciente, mas sim, como jogosimbólico do homem com seu próprio inconsciente (LeBreton, 1991, p. 14). Jogo pleno de ambivalências no qual

50 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

risco e segurança se confundem. Só uma sociedade que buscasegurança pode valorizar o risco, diz o autor.

Cabe dizer que a relação entre risco e segurança ganhaoutros contornos em nosso país, realçando a ambigüidadenela presente. Convivemos com o desrespeito das normasmínimas de segurança no ambiente de trabalho, na vigilânciaà saúde – controle do sangue, das doenças transmissíveis –com uma polícia que, muitas vezes se confunde com obandido, com a impunidade crônica, com filas para vagasnas escolas, para consultas médicas, para leitos hospitalares.Este quadro torna mais complexa nossa tarefa decompreender os significados acumulados referentes ao riscode modo geral e, em particular, os relativos ao risco das drogasao qual os jovens se encontram cada vez mais expostos.

Pode-se concluir que vivemos imersos na ambivalênciano que se refere às nossas práticas e representações emrelação aos riscos hoje corridos, sejam eles ameaçadores,aceitos ou valorizados. Neste sentido, acreditamos que aarticulação destas duas abordagens, quais sejam, aquela quecontempla a dimensão cultural do risco e a que privilegia aquestão da vulnerabilidade social possibilite maiorcompreensão do uso abusivo de drogas entre os jovens dosdias de hoje.

Juventude e drogas

A fim de melhor compreender os vários aspectos quecompõem a vulnerabilidade social dos jovens ao uso abusivode drogas, cabe um ligeiro retrospecto histórico para que secompreenda as origens da difusão, em larga escala, da drogana cultura ocidental, a partir dos anos 60.

51Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

Bucher (1996) aponta como marco inicial da difusãoem larga escala da droga na cultura ocidental o que denominade vertente existencial do uso da droga, cujo florescimentodeu-se associado ao movimento hippie dos anos 60, nosEstados Unidos. O uso de drogas como a maconha e o ácidolisérgico constituíam, na época, uma reação contracultural,imersa em um estilo de vida underground ou alternativo quese opunha às pressões das famílias, das escolas, das Igrejas etentava reconstruir uma sociedade cujas dimensões social,afetiva e comunitária prevalecessem sobre o individualismo,a competição e o consumo. Desta forma, a droga exercia umpapel integrador na comunidade reconstruída, ancorada nafigura do flower power, ou seja, da beleza, da suavidade, dasensibilidade, da solidariedade.

Zafiropulos & Pinell (1982), em análise sociohistóricasobre a difusão do consumo de droga, na França, a partir dosanos 60, registram que, assim como o movimentounderground americano, o movimento dos jovens francesesigualmente visava a construção de uma sociedade alternativa.Na metade da década de 60, tomou corpo uma tendência nomeio universitário francês de torná-lo um lugar de emergênciade um movimento de contestação sobretudo no terreno daslutas políticas e sindicais. Este movimento culminaria naefervescência dos eventos de maio de 68. A politizaçãoassumida pelo movimento da vanguarda cultural francesa fezcom que o uso de drogas fosse então repudiado em funçãode seus efeitos desmobilizadores. Após maio de 68,continuam os autores, a angústia diante das dificuldades deinserção no mundo do trabalho, a incerteza do futuro e umaperspectiva de desqualificação profissional provocam umaruptura no militantismo político que se desdobra para ummovimento underground francês. Os jovens participantes

52 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

deste movimento passam a desenvolver atividades artesanaisou artísticas que lhes oferecem um certo tipo de requalificaçãosocial, valorizada pela sua relação com o talento, acriatividade, o dom; faculdades que as drogas teriam o poderde potencializar. Nesta cultura underground o consumo dedrogas é novamente valorizado e adotado, devido àpotencialização da inspiração para atividades criadoras e aofato de a droga representar um atributo do caráterinicialmente contestador desta cultura.

A reação dos governantes, na França e nos EstadosUnidos, como em outras sociedades, foi criar e intensificaros mecanismos de repressão contra o consumo de drogas,em uma grande ofensiva contra o desenvolvimento datoxicomania. Baratta (1994) complementa que sua proibição,nos moldes em que foi realizada, inflacionou seu valor demercado e a repressão transformou sua mercantilização emum processo de selvageria e brutalidade. Com a consolidação,em âmbito mundial, do modo de produção capitalista,continua o autor, a história das drogas pertence cada vezmenos à história das culturas locais e cada vez mais à históriade uma economia globalizada.

Hopenhayn (1987) está entre os muitos autores quecontestam a eficácia deste modelo bélico punitivo adotadapelas políticas de combate às drogas. O autor toma comoexemplo o mercado de cocaína para ilustrar o fracasso daassim denominada “guerra às drogas” e aponta três dados: oaumento do volume da produção e distribuição de drogasnos anos 90, se comparado à década de 80; o crescimentodos recursos econômicos utilizados em seu combate; asmedidas legais cada vez mais fortes, como o estabelecimentodesproporcionado da pena de morte e da prisão perpétuapara casos de narcotráfico. Conclui o autor que, se o que se

53Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

buscava, era controlar o consumo e abuso de certassubstâncias proibidas através da redução de sua ofertamediante uma repressão acentuada, a estratégia de guerra àdrogas, definitivamente, fracassou.

Acrescenta Birman (1993) que a difusão social de seuconsumo em grande escala foi conseqüência direta doprocesso de criminalização, representando o narcotráfico seuagenciador fundamental. As drogas elevaram-se, assim, àcondição de mercadoria inscrita na economia internacional,tornando-se a cocaína uma das drogas mais utilizadas nomundo ocidental. Tem-se que a cocaína fez sua entrada nopaís, na década de 70 e registrou-se a presença do crack, emSão Paulo, no final da década de 80.

O processo de disseminação da droga é devido, segundoBucher (1996), ao que ele denomina equação triangular, ouseja, a combinação de três fatores: o produto, a personalidadee o momento sociocultural. A demanda por drogas seria, paraeste autor, não apenas conseqüência de sua oferta no mercadomas de uma procura ativa e deliberada nem sempre conscientede parcelas crescentes da população, cuja motivação principalse encontra na fuga de cerceamentos múltiplos.

Mesquista (1992), partindo de uma análise contextual,discute a magnitude do problema social, político e econômicodas drogas. No nível micro, ela emprega milhares de pessoasque sobrevivem do pequeno tráfico. No macro, diz ele, adroga movimenta recursos da ordem de terceiro volume,perdendo apenas para petróleo e armamentos. O combateàs drogas implica, desta forma, no enfrentamento depoderosos interesses políticos e econômicos. Este mesmotipo de análise é realizada por Procópio (1999) em estudono qual demonstra que as características estruturais donarcotráfico no Brasil, como país de trânsito, diferenciam-

54 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

no historicamente dos países produtores ou prevalentementeconsumidores. Segundo o autor, esta característica fez comque os grupos atuantes nesse segmento do narcotráfico, nocaso brasileiro, vinculassem-se, operacionalmente, às duaspontas do processo. Ligações com grandes cartéisinternacionais, no plano externo, e cooptação pela corrupção,no plano interno, facilitam as estruturas de contravençãoassociadas ao narcotráfico. O autor, baseando-se em dadosrelativos à apreensão de drogas pela Polícia Federal em todoo país, no período compreendido entre 1993 e 1997, reportaainda as dificuldades decorrentes da insuficiência de preparoprofissional no combate ao tráfico de entorpecentes e acapacidade dos grupos responsáveis pelo tráfico de modificarsuas estratégias e rotas, contrapondo-se à ação policial.

O crescimento de seu consumo aponta para a existênciade um mercado de drogas clandestino que produz, distribuie comercializa seu produto. A organização e a eficácia destemercado expõe ainda as relações socioeconômicas que osustentam. Não cabe adotar, portanto, a postura ingênua deconsiderar o uso de drogas como decorrente apenas de meroato volitivo do indivíduo. Mostra-se evidente a interrelaçãoe a interdependência existente entre o usuário e o contextoque o circunda.

Em que pese o reconhecimento da influência de umcontexto mais amplo no qual as drogas aparecem e proliferam,cabe a observação feita por Velho (1994) de que existe umaprofunda heterogeneidade do espaço simbólico hipotética egenericamente denominado de “mundo das drogas”. Trata-se, segundo o autor, de noção por demais ampla, que encobredistinções e particularidades e estereotipa usos e padrõesmuito diferenciados de consumo.

O quadro apresentado revela determinantes históricos,

55Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

políticos e econômicos na produção e consumo das drogasque, somados às características locais de cada país, nospermitem contextualizar seu uso abusivo entre os jovens emnosso país. A fuga dos problemas e da falta de perspectivas;a busca de vertigem e de prazer intenso; o apelo de aventurae de novas e fortes sensações – marcas de nossos tempos –são experiências facilmente encontradas no uso das drogas.Para jovens de baixa renda, moradores da periferia e defavelas onde proliferam as organizações do crime ligadas aonarcotráfico, a iniciação ao mundo das drogas pode propiciarsentimento de proteção e de pertencimento, tanto quantode força e de poder. De jovens excluídos, eles vislumbram apossibilidade de adquirir um passaporte para a aceitaçãosocial, ou seja, ter acesso a determinados direitos e bens deconsumo. O crime vem exercendo forte atração no meio dosjovens carentes, pois significa maneira fácil e rápida de seganhar dinheiro, em contraposição à pobreza que impera ali,entre seus pais, onde tudo só se consegue às custas de muitotrabalho e de sacrifícios, sem gratificações. Almeja-se dinheiro,prestígio e poder e prevalecem os valores de um ethos davirilidade do qual nos fala Zaluar (1992, 1997). Garantia delugar – ou de aceitação social – no interior de uma sociedadeque os ignora. Aceitação social às custas da violência e damorte prematura, pouco importa.

Estes são exemplos de riscos menos calculados, aquelesque, atualmente, se impõem aos jovens em nossa sociedade.Deles fazem parte os acidentes, as mortes violentas, asdrogas, a gravidez não planejada, a AIDS. As estatísticasapontam para o crescimento do número de jovens expostosa diversos riscos nos últimos anos. Os jovens ganhamdestaque nas pautas da imprensa, além de tema em projetosde estudos de diferentes áreas do conhecimento, tornando-se preocupação, sobretudo, para a saúde pública.

56 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

Vários estudos mostram o quanto os jovens estãoexpostos às drogas hoje (Bemfam, 1992; Cebrid apud Bucher,1996) . No caso de Londrina, pesquisa realizada no Centrode Atendimento ao Adolescente de Londrina (CRAAL) – com200 jovens atendidos pelo Centro (Guerchman, 1998) apontatambém para elevado número de jovens que fazem uso doálcool e para número significativo de jovens que já fazemuso de drogas ilícitas.

No caso de usuários institucionalizados, ou seja, aquelesatualmente sob tratamento em regime de internamento eminstituições não psiquiátricas, dados de pesquisa em curso sobrea questão das drogas na cidade de Londrina (Paulilo & Jeolás,1999)3, trazem que a idade na qual a droga foi, pela primeiravez, utilizada varia de 12 a 14 anos, seguida da faixa de 14 a16 anos. A pergunta sobre a primeira droga experimentadatrouxe: álcool – 58%; maconha – 19%; cola/tinner – 9%;cocaína – 4%; outras – 2%; sem resposta – 8%. Na questãoreferente às drogas já utilizadas, de resposta múltipla,apareceram, em ordem decrescente: álcool – 81,1%; maconha– 60,3%; cocaína – 50,9%; cola/tinner – 39,6%; crack –33,9%; ecstasy – 11,3% e anfetaminas – 9,4%. A freqüênciaprevalente de uso das drogas citadas aponta: todos os diaspara o álcool; todos os dias para cola/tinner; todos os dias paraa maconha; finais de semana para a cocaína; todos os dias parao crack; finais de semana para a anfetamina; e algumas vezespor mês para ecstasy. Como pode ser visto, neste segmento,constituído por 53 usuários, o entendimento de droga incluiunão somente as drogas ilícitas mas também o álcool.

3 Colaboraram para a coleta de dados desta pesquisa as estagiárias Angélica MariaRisoti Campaneri, Cristiana Kuniko Urahama, Míriam Lucila de Lima e SandraRegina Carrel.

57Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

Se a vulnerabilidade individual depende da interrelaçãocom os planos anteriores e os fatores estruturais nelesatuantes, as oficinas e os grupos focais até o momentorealizados, nos permitiram avaliar a dificuldade dos jovensem incorporar as parcas informações que recebem nas suaspreocupações e interesses cotidianos e transformá-las emprática. A vulnerabilidade às drogas é potencializada para osjovens de baixa renda e baixa escolaridade – a maioria emnosso país – por fatores como a exposição diária à violência;a desmotivação em relação à escola; a falta de perspectivasde um futuro melhor; e os infindáveis apelos de consumo elazer – sempre inalcançáveis. E, seguramente, o riscorepresentado pelas drogas será avaliado e hierarquizado deforma comparativa aos outros tantos riscos presentes em suasvidas. A capacidade de se proteger estará também, semdúvida, aí contextualizada.

Como nos diz Olievestein (1985), as experiências dosusuários de drogas não são empreendidas de forma solitáriaou voluntariamente. Eles as realizam no interior de umahistória, de um contexto socioeconômico, imersos emmomentos socioculturais, vinculados a sistemas familiares econdicionados pela manipulação e apelo da sociedade na qualvivem. A ingestão de drogas funde-se, portanto, com osdados desta história.

Pensar nesta teia de vulnerabilidades e nos determinantessocioculturais em relação ao uso de drogas, em nossasociedade, certamente amplia e torna mais complexa aabordagem deste fenômeno. Trata-se, no entanto, de umdesafio que vale a pena correr, pois esperamos podercontribuir para o debate sobre as políticas públicas voltadaspara o enfrentamento deste problema. Tanto este debatequanto o das políticas de controle da toxicodependência

58 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

demandam serenidade na análise dos dados relativos ao tema,de maneira a evitar o que MacRae (1992) denomina de tônicairracionalista e indevidamente simplificadora no tratamentodestas questões.

Dentro desta abordagem da vulnerabilidade, resta-nos,finalmente, sublinhar o peso da vulnerabilidade programáticaou institucional existente em nosso país, cujo reflexo é onão acesso da maioria dos jovens brasileiros a programas deinformação e de prevenção na rede de educação e nos serviçosde saúde. Quando existentes, estes projetos são pontuais enão possibilitam o encaminhamento dos jovens de forma adar continuidade ao trabalho iniciado. A falta de serviçosvoltados para as especificidades e necessidades dos jovens ea inexistência de programas de apoio para usuários edependentes de drogas tem inviabilizado políticas sociaisintegradas. Somente quando a questão das drogas forcompreendida como parte de uma política de saúde que tenhapor objetivos tanto a prevenção como a redução de danos, oenfoque passará do produto, isto é, a droga, para a pessoaque a utiliza, ou seja, o cidadão.

AbstractThis article aims to analyze the potential of two approaches, the socialvulnerability and the social dimensions of the risk, in order to comprehendthe multiple dimensions of drug abuse. The ambivalence of the manyways to take the risk and its social valorization are components of thesocial vulnerability which increase the youth’s vulnerability to drug abuse.The analysis of these two approaches is meant to be a way to understandthe complexity which involves the drug abuse in our society and the netof meanings constructed around this issue.

Key words: youth, drugs, risk, vulnerability.

59Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

Referências Bibliográficas

AUGÉ, M. Não lugares: introdução a uma antropologia dasupermodernidade. Campinas: Papirus, 1994.

AYRES, J. R. C. M. Vulnerabilidade e avaliação de ações preventivas.HIV/AIDS e abuso de drogas entre adolescentes. São Paulo: Fac. deMedicina da USP, 1996.

AYRES, J. R. C. M.; CALAZANS, G. J.; FRANÇA JÚNIOR, I.Vulnerabilidade do adolescente ao HIV/Aids. IN: SEMINÁRIOGravidez na Adolescência. [Brasília]: Ministério da Saúde/Usaid, 1998.

BALANDIER, G. Le Dédale. Pour en finir avec le XXe. siècle. Paris:Fayard, 1994.

BARATTA, A. Introdução a uma sociologia da droga. In: MESQUITA,F.; BASTOS, F. I. Drogas e Aids: estratégias de redução de danos. SãoPaulo: Hucitec, 1994.

BARRETO, M. Estudo geral da nova Lei de Tóxicos. 2. ed. Rio deJaneiro: Ed. Rio, 1978 apud JESUS, D. E. Lei antitóxicos anotada.São Paulo: Saraiva, 1997.

BASTOS, F. I. Ruína e reconstrução: Aids e drogas injetáveis na cenacontemporânea. Rio de Janeiro: Relume Dumará: ABIA: IMS/UERJ,1996. (História Social da Aids, n.6)

BEMFAM. Pesquisa sobre saúde reprodutiva e sexualidade do jovem:Rio de Janeiro, Curitiba e Recife – 1989-90. Rio de Janeiro, 1992.

BIRMAN, J. Dionísios desencantados. In: INEM, C. L.; ACSELRAD,G. (Org.). Drogas: uma visão contemporânea. NEPAD/ UERJ. Rio deJaneiro: Imago, 1993.

BUCHER, R. Drogas e sexualidade nos tempos da Aids. Brasília: UnB, 1996.

DOUGLAS, M. Risk and Blame: essays in cultural theory. Londres:Routledge, 1994.

GUERCHMAN, M. L. Breve Estudo da Perspectiva do Adolescente.1998. Monografia (Especialização) – PUC-PR, Curitiba, 1998.

60 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.39-60, jul./dez. 2000

HOPENHAYN, M. (Org.). La Grieta de las Drogas: desintegraciónsocial y políticas públicas en América Latina. Santiago do Chile: NacionesUnidas/ Comisión Económica para América Latina y el Caribe, 1987.

JEOLÁS, L. S. O jovem e o imaginário da aids. O bricoleur de suas práticase representações. 1999. Tese (Doutorado) – PUC-SP, São Paulo, 1999.

LE BRETON, D. Passions du risque. Paris: Métalilié, 1991.

MACRAE, E. A. Prevenção da Aids entre Usuários de Drogas Injetáveis.In: PAIVA, V. (Org.). Em tempos de Aids. São Paulo: Summus, 1992.

MANN, J. et al. (Org.). A Aids no mundo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará/ABIA/IMS-UERJ, 1992.

MESQUITA, F. Drogas Injetáveis e Aids. In: PAIVA, V. (Org.). Emtempos de Aids. São Paulo: Summus, 1992.

OLIEVENSTEIN, C. Destino do toxicômano. São Paulo: Almed, 1985.

PAIVA, V. Fazendo arte com camisinha: a história de um projeto de prevençãode aids para jovens. 1996. Tese (Doutorado) – USP, São Paulo, 1996.

PAULILO, M.A.S.; JEOLÁS, L.S. A Questão das Drogas na Cidade deLondrina. Londrina, 1999. Relatório parcial. CPG/UEL

PROCÓPIO, A. O Brasil no mundo das drogas. Petrópolis: Vozes, 1999.

SPOSITO, P. M. Estudos sobre juventude em educação. RevistaBrasileira de Educação, São Paulo, n.5-6, p.37-52, maio/dez. 1997.

VELHO, G. A dimensão cultural e política dos mundos das drogas. In:ZALUAR, A. (Org.). Drogas e Cidadania: repressão ou redução de riscos.São Paulo: Brasiliense, 1994.

VILLELA, W. Oficinas de sexo mais seguro para mulheres. Abordagensmetodológicas e de avaliação. São Paulo: NEPAIDS/USP, 1996.

ZAFIROPOULOS, M.; PINELL, P. Drogues, déclassement e stratégiesde disqualification. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, n.42,Paris, avril 1982.

ZALUAR, A. (Org.). Violência e educação. São Paulo: Cortez, 1992.

________. A guerra privatizada da juventude. Folha de São Paulo, 18maio 1997. Caderno Mais.

61Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.61-68, jul./dez. 2000

POLÍTICA E POLÍTICA SOCIAL 1

Ednéia Maria Machado2

Renato Obikawa Kyosen3

ResumoA política social tem se apresentado como uma política fundamentalpara o “bem estar dos cidadãos”, além de se constituir em objeto dereivindicação dos mais diferentes movimentos sociais e sindicais. Debatera política social como política no âmbito da sociedade capitalista ébuscar resgatar seu caráter de classe social – ou seja, uma política queresponde, principalmente, aos interesses das classes políticas eeconômicas dominantes.

Palavras chaves: política, política social, Estado, classe social.

Política

Denomina-se política a ciência de bem governar umpovo, constituído em Estado. Em um Estado democrático,essa governabilidade é exercida pelo poder público, viarepresentantes conduzidos ao poder, direta ou indiretamente,pelo povo.

Assim, a política tem como objetivo estabelecer osprincípios que se mostrem indispensáveis à realização de umgoverno, tanto mais perfeito, quanto seja o desejo de conduzir

1 O presente artigo constitui-se em resultado parcial da Pesquisa: Delimitação legal dopreço da força de trabalho – Brasil, 1988/1998; financiada pela CPG/UEL.

2 Docente do Departamento de Serviço Social – UEL; Doutora em Serviço Socialpela PUC/SO; Coordenadora da Pesquisa.

3 Aluno do 4o. ano do Curso de Direito da UEL; colaborador acadêmico da pesquisa.

62 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.61-68, jul./dez. 2000

o Estado ao cumprimento de suas precípuas finalidades, istoé, em melhor proveito dos governados.

A política mostra o corpo de doutrinas, indispensáveis,ao bom governo de um povo, dentro das quais devem serestabelecidas as normas jurídicas necessárias ao bomfuncionamento das instituições administrativas do Estado.

Quando o Estado busca, em suas realizações, oatendimento a necessidades sociais básicas da população, sejaatravés de garantias e ações concernentes à assistência social,saúde, educação, segurança etc., verifica-se a implementaçãoe efetivação da política social por parte daquele.

Neste raciocínio, política e política social representamatuações do poder político visando o bem-estar da população.Entretanto, analisados desta forma, estes conceitos perdemsua historicidade e, fundamentalmente, seu conteúdo declasse social.

O que determina as doutrinas, as normas jurídicas, e ofuncionamento das instituições administrativas do Estado,emana de uma concepção da relação indivíduo-sociedadefundamentada numa perspectiva positivista, de uma ordemnatural, onde a existência das diferenças e das desigualdadessociais apresentam-se como fenômenos inerentes à naturezahumana. Daí que teríamos pessoas mais capazes de definir o“bem comum”, e outras, que por suas incapacidades naturais,devem se submeter ao saber dominante.

Entretanto, o que temos é uma sociedade capitalista,que não corresponde a uma ordem natural de produção davida social – já tivemos a forma escravista, ou a forma feudal,como temos, ainda que causa de profundos debatesacadêmicos e políticos, a forma socialista.

No modo capitalista de produção da vida social, aclasse capitalista detém os poderes político e econômico,

63Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.61-68, jul./dez. 2000

determinando, assim, toda a vida social. Há que se considerarque numa sociedade capitalista democrática, alguns aspectosda vida social são decididos coletivamente, fundamentalmenteaquelas decisões que não impliquem em mudançassubstanciais no modo de produção. Um modo de produçãoque se funda na desigualdade e na exploração da força detrabalho. Um modo de produção onde a política é a políticadefinida pelas classes dominantes e que responde aosinteresses desta. A política social não foge a esta regra.

Política Social

A política social é uma política, própria dasformações econômico-sociais capitalistas contemporâneas, deação e controle sobre as necessidades sociais básicas daspessoas não satisfeitas pelo modo capitalista de produção.É uma política de mediação entre as necessidades devalorização e acumulação do capital e as necessidades demanutenção da força de trabalho disponível para o mesmo.Nesta perspectiva, a política social é uma gestão estatalda força de trabalho e do preço da força de trabalho.Ressaltamos que entendemos, por força de trabalho todosos indivíduos que só têm a sua força de trabalho para vendere garantir sua subsistência, independente de estarem inseridosno mercado formal de trabalho.

Como o capital e o trabalho se constituem nas duascategorias fundamentais do modo capitalista de produção, apolítica social transita entre ambos. Ou seja, ainda que,prioritariamente, respondendo às necessidades do capital,esta resposta deve produzir algum grau de satisfação àsnecessidades do trabalho.

64 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.61-68, jul./dez. 2000

Portanto, há uma problematicidade na política social,dado que ela se insere no âmbito da tentativa de buscar umcerto grau de compatibilidade entre o capital e o trabalho.

Inicialmente, os beneficiários diretos da políticasocial, em prática no Brasil, seriam os trabalhadoresassalariados. Porém, o Estado, ao garantir à camadanecessitada alguns direitos sociais que ele mesmo impôs(através das normas jurídicas), exige que, para tanto, sejaefetuada uma contraprestação por parte dos trabalhadores.

Esclarecendo: a política social, de qualquer formaque seja manifestada, é garantida e efetivada apenas com ocusteio dos próprios beneficiários, ou seja, dos trabalhadoresassalariados.

Tal custeio é imposto ao trabalhador ante a justificativade ser ele o mantenedor de todo um conjunto de “benefíciosconcedidos” pelo Estado em prol da classe trabalhadora.Vislumbramos alguns exemplos: ao garantir a previdência(desconto do INSS sobre os vencimentos), e o direito a umserviço de saúde mais eficiente (cobrança da CPMF sobre amovimentação bancária).

No entanto, quando o poder público mantém umapolítica social como a que se encontra vigente, contrariamenteao que aparenta, sua intenção não é a de propiciar uma vidadigna à força de trabalho, mas, na realidade, está o Estadoincluindo um plus na remuneração do empregado, porém,não em espécie.

Com isso, observa-se ações governamentais quegarantem um mínimo de subsistência ao empregado, o que,conseqüentemente, reflete no preço da força de trabalho quea ele é pago pelo empregador.

Outrossim, com a política social implantada peloEstado e garantida ao trabalhador, torna-se possível a

65Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.61-68, jul./dez. 2000

perpetuação deste último, despendendo-se um mínimo emdinheiro pela classe empregadora, possibilitando-se, de efeito,um aumento em sua margem de lucro.

Todo o recurso que é apropriado pelo Estado, quandoeste visa garantir o bom funcionamento da política social,por ser gerenciado pelo próprio poder público, não se tornanecessária e obrigatória a utilização do montante arrecadadoem sua totalidade, já que, para dar ensejo às garantiasasseguradas ao trabalhador assalariado, objetiva-se umserviço, ao menos, satisfatório.

Ocorre que a preocupação primordial do Estado (leia-se: os detentores e gerenciadores do capital, ora auxiliadospelo Governo) é assegurar a perpetuação da força físicatrabalhadora e, para isso, desnecessário priorizar a destinaçãodos recursos financeiros arrecadados em benefício dosempregados.

Com tal política (latu sensu) adotada, torna-se por idealo investimento do capital recolhido em benefício da classeempregadora, perpetuando-se, portanto, essa apropriaçãopecuniária, diga-se de passagem, quase que imperceptível aosmenos instruídos, onde figura como parte prejudicada agrande massa de trabalhadores.

Não se exige um gerenciamento eficaz dos recursosarrecadados perante a classe de empregados, mas sim umareciprocidade por parte do Estado via serviços e garantias(não necessariamente exemplares), de cunho social, a fim deque esteja garantida, como foi dito anteriormente, a mantençada força física do trabalhador, por prazo de tempo razoável,em um Estado que satisfaça as exigências de um regime deprodução capitalista, ora em uma economia neoliberal.

Objetiva a política social posta (iniciada na ditaduramilitar de 1964) transferir parte do preço da força de trabalho

66 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.61-68, jul./dez. 2000

que é devido ao empregado para outros fins, visando,principalmente, o investimento no capital privado lucrativo.Vide exemplos como o rombo de mais de R$ 40 bilhões naprevidência social, onde o Estado (em especial os governosmilitares), ao seu bel prazer, utilizou-se dos recursosdisponíveis desvairadamente, tendo como beneficiárioprioritário a iniciativa privada, obedecendo, claro, os interessesestatais (que não inclui, necessariamente, os interesses sociaisdos trabalhadores).

O raciocínio aqui exposto é facilmente comprovadotomando como exemplos outros casos de malversação dosrecursos públicos visando interesses do capital privado (video PROER e os investimentos a grandes grupos estrangeirosefetuados pelo BNDES).

Isto posto, denota-se uma verdadeira contradição entreos relevantes fins objetivados pela real política social, emoposição àqueles alcançados pela vigente política maniqueístaimplementada, e eficazmente, utilizada pelo Estado, emaquiada sob o rótulo de “social”.

Não menos vislumbrante é o vergonhoso fato, e apriori, carregado de obviedade (considerando-se asexplanações acima), de que o controle legal do preço da forçade trabalho, e a perpetuação da subordinação do trabalhador(ambos os casos mantidos pela política social atual) sãocusteados, sob o aspecto econômico, por toda a sociedade,sendo tal injusta situação quase que imperceptível por grandeparte da população, incluindo-se aí não somente os leigospor má formação nos bancos escolares, mas, também, os ditoscríticos e formadores de opinião, dantes privilegiados pelograu de instrução de que são detentores, que até o presentenão despertaram e visualizaram objeto do estudo aquiapresentado, visto a notável evidência política manipuladora,institucional e legalmente, imposta por este Estado.

67Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.61-68, jul./dez. 2000

A política e a política social, portanto, apresentamclaro e inequívoco conteúdo de classe social, e respondem,em última instância, aos interesses das classes dominantes.Isto não significa que se deve, neste momento histórico, negaruma ou outra – ou ambas. O que é fundamental é ofortalecimento daqueles que se encontram fora dos processosdecisórios que se dão, em última instância, no âmbito político.Os espaços políticos já existentes – sindicatos, associações,conselhos – e a busca incessante de criação de novos espaçosde participação, podem se constituir em um caminho possívelde fortalecimento dos indivíduos para que reconheçamsujeito coletivo e imponham mudanças importantes emambas as políticas, mudanças estas que venham a favorecera maioria da população.

AbstractThe social politics has been presenting if as a fundamental politics forthe “wellbeing of the citizens”, besides constituting on a demand objectof different social and union movements. Debating the social policy aspolicy in the capitalist society environment, is to try to rescue its socialclass character – that is, a policy that responds mainly to the interests ofdominant political and economical classes.

Keywords: policy, social policy, State, social class.

68 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.61-68, jul./dez. 2000

Bibliografia

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativado Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

DE MAIS, Domenico. O futuro do trabalho: fadiga e ócio na sociedadepós industrial. Rio de Janeiro: J. Olympio; Brasília, DF: Ed. da Unb,1999.

FALEIROS, Vicente de Paula. A política social do Estado capitalista:as funções da previdência e da assistência sociais. São Paulo: Cortez,1980.

IANNI, Octávio. A ditadura do grande capital. Rio de Janeiro:Civilização Brasileira, 1981.

LAFARGUE, Paul. O direito à preguiça. São Paulo: Hucitec/Unesp.1999.

MANDEL, Ernst. Marx, la crise actualle et l’avenir du travail humain.Quatrieme Internationale, 1986.

MARX, Karl. Manuscritos econômicos e filosóficos e outros textosescolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1978.

SAWAIA, Bader (Org.). As artimanhas da exclusão: análise psicossociale ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 1999.

69Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.69-74, jul./dez. 2000

NO DIREITO DO TRABALHO OTRABALHADOR SEM DIREITO 1

Mariana de Cássia Ceratti 2

ResumoNas sociedades capitalistas existe uma intensa exploração da força detrabalho, que tem como objetivo principal à obtenção de lucros aoscapitalistas. Mas também existem várias leis de “proteção” ao trabalhador,para que ele esteja sempre subordinado ao capital e para mantê-lo calado,sem reivindicar melhorias nas condições de trabalho.

Palavras-chave: direitos, Estado, força de trabalho, política social,trabalhadores.

Existe uma ampla legislação no Brasil relacionada aosdireitos dos trabalhadores. Esta legislação, que inclui algunsartigos da Constituição Brasileira de 1988 e a Consolidaçãodas Leis Trabalhistas (1943), surgiu com o objetivo de instituirlimites legais ao trabalho e de conceder direitos sociais comoeducação, saúde, lazer, segurança, previdência social, proteçãoà maternidade e a infância e a assistência aos desamparados.

Mas o que observamos, na realidade, é que essesdireitos nem sempre são cumpridos e esta situação piora acada dia, pois o exército de trabalhadores desempregadoscresce constantemente, fazendo com que diversas pessoas

1 O presente artigo insere-se no âmbito da pesquisa “Política Social e delimitaçãolegal do preço da força de trabalho – Brasil, 1988/1998”, coordenada pela Dra.Ednéia Maria Machado.

2 Aluna do 2º ano do curso de Serviço Social da Universidade Estadual deLondrina. Bolsista PIBIC-CNPq.

70 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.69-74, jul./dez. 2000

se sujeitem a trabalhar sem registro, perdendo, assim, todosos seus direitos enquanto trabalhadores e desempregandoos trabalhadores registrados. É dessa forma que os direitosdos trabalhadores vão deixando de ser garantidos na prática:

“uma população trabalhadora excedente é produtonecessário da acumulação ou do desenvolvimento dariqueza com base no capitalismo, essa superpopulaçãotorna-se, por sua vez, a alavanca da acumulaçãocapitalista até uma condição de existência do modo deprodução capitalista. Ela constitui um exército industrialdisponível, que pertence ao capital de maneira tãoabsoluta, como se ele o tivesse criado à sua própria custa.Ela proporciona às suas mutáveis necessidades devalorização o material humano sempre pronto para serexplorado, independente dos limites do verdadeiroacréscimo populacional” (Marx, 1982, p. 156).

Sistema Capitalista e Legislação Trabalhista

Entretanto, mesmo que esses direitos sejamgarantidos, não deixam de manter a exploração da força detrabalho, pois o próprio sistema capitalista precisa dessaexploração para manter-se, e faz isto através da mais-valia,isto é, do tempo de trabalho excedente e não pago aotrabalhador, de onde o capitalista “extrai os seus lucros”:

“A mais-valia surge porque o trabalho dispendido pelosoperários no processo de produção é maior que o trabalhonecessário para a produção de sua subsistência. Istosignifica que a mais-valia aumenta na medida queaumenta o trabalho dispendido na produção do fundo desubsistência dos operários” (Rubin, 1987, p. 255).

71Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.69-74, jul./dez. 2000

Analisando, com uma visão capitalista, os direitosgarantidos ao trabalhador pela legislação são uma maneira degarantir a sobrevivência física do trabalhador, de mantê-loprodutivo, já que ele é visto como uma máquina. Também éuma forma de impedir suas reivindicações, de manter a forçade trabalho subordinada, submetida e dominada pelo capital.

O Estado, para conseguir essa subordinação da forçade trabalho, utiliza-se do aparato jurídico-formal, de políticascom dimensões econômicas, ideológicas, sociais e culturais.Dentre essas políticas, destacam-se as políticas sociais, queservem para fazer a mediação e estabelecer um vínculo entreo conjunto de produção e o conjunto da força de trabalho. OEstado incorpora, no plano político, o atendimento de ummínimo de condições de reprodução, que não afeta as relaçõesde exploração e ainda oferece as mesmas condições a todas asempresas, contribuindo para uma pacificação das relações entreas classes e tornando disponível e operável a força de trabalhopara qualquer setor e em condições razoáveis. Mas, além disso,as políticas sociais não devem contribuir para desestimular ostrabalhadores a viver da venda da força de trabalho.

Segundo Sposati et al. (1985, p. 34),

“É ela [a política social] uma forma de gestão estatalda força de trabalho e, nessa gestão, não só conformao trabalhador às exigências da reprodução, valorizaçãoe expansão do capital, mas também é o espaço dearticulação das pressões e movimentos sociais dostrabalhadores pela ampliação do atendimento asnecessidades e reivindicações”.

A articulação do econômico e do político através daspolíticas sociais é um processo complexo que se relaciona

72 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.69-74, jul./dez. 2000

com a produção, com o consumo e com o capital financeiro.As políticas sociais também podem ser executadas atravésde convênios e contratos com as empresas privadas, quepassam a oferecer os serviços financiados pelo Estado.

Segundo Faleiros (1991), as políticas sociais sãoorganizadas e concretizadas através dos seguintes complexos:o desempregado, o pobre, o excluído do mercado de trabalho,corresponde ao complexo sócio-assistencial; o trabalhadorprodutivo das empresas, corresponde ao complexo sócio-industrial; prestação de serviços e acesso a bens de consumoindividual, forma-se o complexo sócio-financeiro; e gestãodas questões urbanas formam o complexo urbano-social.

A Legislação Trabalhista também é considerada umapolítica social, e dentre os seus direitos de “proteção” aotrabalhador, destacam-se: salário mínimo, seguro desemprego,fundo de garantia por tempo de serviço, décimo terceirosalário, salário-família, repouso semanal remunerado, licençamaternidade e paternidade, redução dos riscos inerentes aotrabalho, seguro contra acidentes de trabalho, aviso prévio,férias anuais remuneradas, além de vários outros direitosreferentes ao trabalhador.

Nas palavras de Faleiros (1992, p. 253):

“A legislação social torna-se, assim, um meio degeneralizar as mesmas condições de exploração para ocapital como um todo, mesmo que certos capitais sejamsacrificados. Além disso, se a legislação elimina aconcorrência entre os capitalistas para lhes impor certasrestrições, ela lhes garante o direito de explorar otrabalhador. A legislação social não é, pois, uma“proteção” dos trabalhadores, como o proclamam osdiscursos governamentais, mas a regulação da exploraçãotrabalhadora a um nível mais geral, contraditoriamente

73Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.69-74, jul./dez. 2000

restringindo-a enquanto coíbe a depredação total daforça de trabalho e sua desvalorização, e amplia egeneraliza as condições de exploração para o conjuntodos capitalistas, atendendo, como assinala Marx, asreivindicações de igualdade que as indústriasregulamentadas exercem, isto é, a igualdade no direitode explorar o trabalho”.

O Estado e suas contradições

Portanto, mesmo existindo vários direitos, o que severifica é uma grande contradição no modo capitalista deprodução da vida social, porque o trabalho é socialmenterealizado, mas o produto é somente de propriedade privada.Uma outra contradição desse sistema, está no próprio Estado,pois é ele mesmo que cria os direitos de “proteção” aotrabalhador na teoria, mas na prática elabora formas que inibe aexecução desses direitos, como os trabalhos temporários quenão fornece uma estabilidade no emprego, e, até mesmo, aredução de alguns direitos dos trabalhadores. Na realidadeo governo está investindo contra suas próprias leis.

Apesar da existência de todos esses direitos aostrabalhadores, a conjuntura atual de crise e desemprego, ondecada vez mais o exército de reserva aumenta, faz com que ostrabalhadores empregados se sujeitem à redução e, atémesmo, a negação de seus direitos, para permanecerem emseus empregos, recebendo um salário que propiciepessimamente a sua sobrevivência. E é dessa maneira que aexploração da força de trabalho e a desigualdade socialaumentam, gerando cada vez mais miséria para muitos eriqueza para poucos.

74 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.69-74, jul./dez. 2000

AbstractIn the capitalist societies an intense scanning of the work force exist,that has as objective main the attainment of profits to the capitalists.But also some laws of “protection” to the work, so that it always issubordinated to the capital and to keep it been silent, without demandingimprovements in the work conditions exist.

Key words: rights, State, strenght of work, social politics, workmen.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho promulgada em 01 demaio de 1943. São Paulo: Saraiva, 1994.

FALEIROS, Vicente de Paula. O trabalho da política: saúde e segurançados trabalhadores. São Paulo: Cortez, 1982.

________. O que é Política Social. São Paulo: Brasiliense, 1991.

MARX, Karl. Manuscritos econômicos e filosóficos e outros textosescolhidos. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

________. O Capital: crítica da economia política. São Paulo: DIFEL,1982.

RUBIN, Isaak Illich. A teoria marxista do valor. São Paulo: Polis, 1987.

SPOSATI, Aldaíza et al. Assistência na trajetória das políticas sociaisbrasileiras: uma questão em análise. São Paulo: Cortez, 1985.

75Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

POLÍTICAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS EADULTOS NO BRASIL:

CONCEITOS E CONTEXTOS

Wagner Roberto do Amaral1

ResumoBuscando compreender as relações que se estabelecem entre osconceitos de integração nacional e diversidade cultural, procuramoslocalizar, identificar e analisá-los através dos vários contextos em que sedestacaram e compuseram as políticas oficiais de educação de jovens eadultos no Brasil. A constituição destas políticas evidenciará os conflitossociais e políticos existentes e emergentes entre as classes sociais nopaís, identificados neste trabalho através da utilização dos conceitosreferenciados, ressaltando as intencionalidades e interesses que osfundamentam.

Palavras-chave: integração nacional, diversidade cultural, políticaseducacionais, educação de jovens e adultos.

Introdução

Refletir sobre as Políticas Educacionais no Brasil, maisespecificamente, as políticas de educação de jovens e adultos,significa reconstituir a memória de todas as ações jádesenvolvidas em torno da educação popular, dos programas,projetos e campanhas de massa ou de impactos localizadosrealizados no território nacional.

1 Assistente Social, professor do Departamento de Serviço Social da UEL,mestrando em Educação pela UNESP – Campus de Marília.

76 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

Implícito a estas ações, acompanham obviamente, asintencionalidades políticas, ideológicas e econômicas as quaisforam determinando e configurando no decorrer de décadas,o pensar e o fazer educação de jovens e adultos, definindo econstruindo referências teórico-filosóficas, conceituais emetodológicas as quais foram fundamentando as maisdiversas práticas político-pedagógicas.

É neste processo de configuração das práticas político-pedagógicas que identificamos o necessário estudo de doisconceitos fundamentais: o de integração nacional e o dediversidade cultural. Entendemos que os mesmos devem serpensados conjuntamente de forma a garantir a noção detotalidade contextual que lhe são próprios e portanto, aimportância de situá-los no espaço das políticas de educaçãode jovens e adultos – palco de representações e interesses,principalmente no que se refere às diferentes concepções eposições sobre o desenvolvimento nacional.

Contexto e conceito

Entender a conformação e a gestão das políticas deeducação no Brasil, mais especificamente a forma como foramse constituindo as políticas de educação de jovens e adultos,requer compreender os inúmeros conceitos que foram sendoempregados e utilizados nos discursos, nas decisões e nasações que imprimiram, nos vários contextos, as marcasideologizantes dos governos que por este território passaram.

Compreender portanto estes conceitos, requerpermanentemente evidenciar as intencionalidades que osdefiniram e os constituíram, expondo diferenças e conflitosque influenciarão na maneira de pensar e fazer historicamentea educação de jovens e adultos.

77Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

Muitos são os conceitos que permeiam e fundamentamintenções e ações de Educação de Jovens e Adultos. Muitosdeles carregam similaridades, dicotomias e interpretaçõesdiversas, sendo muitas vezes utilizados e reutilizados demaneira infundada e descontextualizada. Entendê-lossignifica desvendar as tramas que os compuseram, asintenções que os utilizaram e os impactos e resultados quefomentaram. Significa conhecer os cenários em que foramcitados e principalmente os personagens-sujeitos que oselaboraram e os utilizaram para fundamentar e realizar,inúmeras vezes de forma autocrática, suas ações e intenções.Entendê-los também representa a possibilidade deavançarmos – negando-os, afirmando-os ou reconceituando-os – no sentido cada vez maior de buscar fundamentar aampliação das condições de acesso real e qualitativo daspopulações econômica e socioculturalmente excluídas daspolíticas de educação de jovens e adultos. Para estaspopulações, acessar estas políticas significa não somenteservir-se dos benefícios e serviços que elas oferecem, masoportunamente construí-las e desconstruí-las, coletivamente,utilizando, entendendo e definindo novos conceitos quepartam da objetivação de suas idéias, da constatação de suarealidade e da concretização de seus direitos.

Profundamente interrelacionados, os conceitos deintegração nacional e diversidade cultural sempre estiverampresentes nos mais variados cenários, através dos muitospersonagens que fizeram a história deste nosso país. A estessujeitos, cabe-nos identificar e caracterizar a sua personificaçãoaos interesses internos e/ou externos, nacionais e/ouinternacionais, de continuidade do colonialismo brasileiroàs amarras estrangeiras ou da busca da emancipação eautonomia nacional.

78 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

Nossa escolha por estes conceitos retrata a importânciae a dimensão com que eles passam a ser utilizados para afundamentação e justificação das políticas educacionaishistoricamente adotadas. Ousamos assimilar deles, aspectosda direção política e econômica que historicamente foiconstituindo a nação brasileira e consequentemente, aeducação brasileira, evidenciando as oposições e os conflitosideológicos, políticos, conceituais, teóricos e metodológicosno processo de planejar e fazer referenciais de educação.

Integração Nacional

Entendemos que para tratarmos do conceito de integraçãonacional, bem como o conceito de integração, far-se-ianecessário destacar as considerações que Bobbio define acercadas várias explicações existentes sobre os mesmos. Defende,tendo como parâmetro um Estado-nação num processo deintegração global (econômica, jurídica e política) que,

“é o poder político o motor dos processos deintegração, os quais sem a sua intervenção ativa perdemforça e fracassam, quer o fato de que a maiorreceptividade do poder político ao questionamento dosmembros das várias organizações torna o processo deIntegração um instrumento, ao mesmo tempo maisdemocrático e mais sensível” (Bobbio, 1986)

Nesta lógica, este autor vincula esta conceitualizaçãonos marcos da ciência política, nos apresentando ainda umasérie de tipologias sobre o conceito de integração, dentreelas: a integração territorial, a integração nacional e a

79Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

integração social. Identificamos pertinente para nossa análisea exposição dos conceitos de integração territorial e integraçãonacional devido à proximidade com que os mesmos se nosapresentam do papel motor político que o autor nos destaca.Por integração territorial, Bobbio afirma que à mesma “implicaa transferência da obediência das autoridades regionais egrupais para a autoridade central, é comumente definido pelaciência política contemporânea com a expressão construçãodo Estado” (Bobbio, 1986). Este tipo de integração apresentacomo uma de suas categorias principais as relações entrecentro-periferia, não somente objetivando a criação de umaforte autoridade central, mas a constituição de um mercadoúnico, sistemas jurídicos e tributários unificados, dentreoutros. Pensar este tipo de integração implica destacar seusmodelos diferenciados, quais sejam: a conquista (o uso daforça de um centro forte às periferias), a fusão (processo deaproximação progressiva entre vários grupos através dapercepção de interesses comuns ou de unidade lingüística),e o de irradiação (assimilação dos grupos através de iguaisníveis de oportunidades e gratificações, seja pela presençade um símbolo central, pela alta homogeneidade étnica oupelo mesmo ritmo do índice de mobilização e expectativasdos grupos).

Define como integração nacional, “a criação de umaidentidade comum a todos os grupos étnicos, lingüisticos,religiosos e regionais, a fim de que se sintam parte da mesmacomunidade política”, sendo este conceito caracterizadotambém pela ciência política como construção da nação.Distingue os dois conceitos de integração afirmando que “oprocesso de integração territorial consiste essencialmente naimposição da obediência sendo que o processo de integraçãonacional consiste na aceitação, por parte da população, das

80 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

ordens provenientes das autoridades centrais, por seremconsideradas legítimas” (Bobbio, 1986). Para esta última,as autoridades centrais imantam e controlam a elite dos váriosgrupos, definindo (ou impondo sutilmente) a aceitação deprocedimentos para a solução dos conflitos existentes.

Assim, o conceito de integração nacional – num paísde grande dimensão territorial/regional, étnico/cultural comoo Brasil – passa a compor, incorporar e fundamentar a gestãodas políticas governamentais brasileiras principalmenteatravés de governos de cariz populista, ditatorial, autoritárioe autocrático, implementando, sem ouvir contestações equestionamentos, sua decisões e ações de forma repressora,tecnocrática e centralizadora (destaque aos governos militaresdo pós-64), e por muitas vezes populista-autoritário (comose deu principalmente no governo Vargas). O conceito deintegração passa a ser associado com homogeneização,ajustamento, adequação à ordem e à segurança nacional,compreendidas como elementos fundamentais para odesenvolvimento, progresso, avanço e modernização para opaís. Identifica-se assim, um elenco de instrumentosessenciais para garantir este novo modelo de sociedademoderna. Segundo Di Rocco (1979), “no mundocontemporâneo, as sociedades urbanas ou desenvolvidasexigem a leitura e escrita como forma básica de integraçãoao meio. Sem esses instrumentos o indivíduo encontrar-se-ia impossibilitado de novas adaptações”.

Interessante identificar a aproximação constante e arecíproca justificação entre estes dois conceitos: o deintegração com o de modernização. Faoro nos caracteriza amodernização como processo “em que não se segue o trilhoda ‘lei natural’, mas se procura moldar, sobre o país, pelaideologia ou pela coação, uma certa política de mudança”.

81Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

Segundo o mesmo autor, estas mudanças passam ser dirigidaspor “um grupo ou classe dirigente – com muitos nomes e demuitas naturezas – que, na verdade, não reflete passivamentea sociedade sobre a qual atua (...) e que, privilegiando-se,privilegia os setores dominantes” (Faoro, 1994).

O pensamento de Faoro contribui para que possamosentender a natureza dos processos de mudança geralmentedenominados modernização e/ou modernidade. A distinçãofundamental entre estes conceitos, reside na relação que osprocessos de mudança mantém com a estrutura social, comas classes e grupos sociais. O autor entende que “amodernidade compromete no seu processo, toda a sociedade,ampliando o raio de expansão de todas as classes,revitalizando e removendo seus papéis sociais”. Esta,relaciona-se à descoberta da “pista da lei natural dedesenvolvimento”, caracterizando-se como um movimentoem que as classes dirigentes o coordenam e organizam, numprocesso de ampliação, imantação e socialização para osdemais grupos e classes sociais, buscando mudanças orgânicasa partir do vínculo que mantém com seu local, com sua regiãoe com a sua nação. Diferencia-se da modernização em queas elites e/ou classes dirigentes o dirigem, conduzem epromovem per si e por seus interesses, coagindo a adesão esubalternizando as demais classes, fragilizandoessencialmente o vínculo das mudanças com a realidade dolocal em que são promovidas. Portanto, segundo Faoro(1994), “desse molde as modernizações brasileiras nunca seemanciparam, prisioneiras de uma estrutura econômica,intangível à sua ação”.

É no processo de transição de experiências de governosditatoriais e democráticos que se gesta também uma novaforma de se pensar o conceito de integração no Brasil. Ao

82 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

dissociar os conceitos de integração e acomodação, PauloFreire entendendo a primeira como “atividade da órbitapuramente humana”, a conceitua afirmando que,

“a integração resulta da capacidade de ajustar-se àrealidade acrescida da de transformá-la a que se juntaa de optar, cuja nota fundamental é a criticidade. Namedida em que o homem perde a capacidade de optare vai sendo submetido a prescrições alheias que ominimizam e as suas decisões já não são suas, porqueresultadas de comandos estranhos, já não se integra.Acomoda-se. Ajusta-se. O homem integrado é o homemsujeito. A adaptação é assim um conceito passivo – aintegração ou comunhão, ativo.” (Freire, 1996).

Segundo Freire, integração passa a ser sinônimo deenraizamento do homem em seu contexto, em seu local,tornando-o um ser “situado e datado”2. Massificá-lo,homogeneizá-lo significa o seu desenraizamento, a suadestemporalização, desumanização, acomodação e ajustamento.

Freire acrescenta que uma das grandes, se não a maiortragédia do homem moderno, está em sua dominação pelaforça dos mitos sendo comandado pela publicidadeorganizada, ideológica ou não, renunciando por isso, a suacapacidade de decidir e de interpretar. Esta dominação seapresenta através de uma “elite” que interpreta e prescreveao homem simples as tarefas de seu tempo, afogando-o noanonimato nivelador da massificação, coisificando-o.Intenções ideologicamente definidas e programadas para oajustamento dócil e sutil dos homens e mulheres que, aomandado de autoridades anônimas e alheias, adota um euque não lhe pertence. (Freire, 1996, p. 52)

2 MARCEL, Gabriel. Los Hombres contra lo Humano

83Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

A dinâmica histórica produzida pelos atores sociaisrepresentantes das classes dominantes neste país, construirãoum conceito de integração e de integração nacional quefundamentará um processo e um projeto de modernizaçãoconservadora que continuará servil aos interesses privados,internos e externos, não constituindo uma matriz dedesenvolvimento sociocultural favorável à generalização dacidadania, da iniciativa e de padrões básicos de igualdadesocial, (...) não realizando reformas estruturais necessáriaspara dar solidez ao processo de desenvolvimento”. (Benjamin,1998). Portanto, ao conceito de país e de nação modernosconstruídos a partir da década de 30, e que fundamentaráeste processo, por muitas vezes de forma autocrática, se ligaorganicamente ao conceito de integração nacional, projetandouma necessária unidade regional e nacional.

A partir destas análises, compreendemos que o conceitode integração pode ser entendido como sinônimo dehomogeneização territorial, cultural e política, e ao mesmotempo, pode ser compreendido como sinal e possibilidadede enraizamento do homem em seu tempo transitório, paraas mudanças possíveis de serem feitas e também possíveispara afirmar a construção dinâmica de sua identidade nosseus vários tempos e em seus mais variados espaços.Evidencia-se assim, a existência de um conflito naconstatação da especificidade natural – social, cultural,política e econômica – dos vários espaços, locais onde seconstróem e se definem a vida dos e pelos sujeitos, em que acondição para seu reconhecimento e afirmação enquanto tais,é o de estar organicamente integrados, enraizados ao seucotidiano, ao seu habitat, entendendo este último não apenascomo os limites da localidade em que vive, masdimensionando-a para toda a sua nação; em contraposição

84 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

à forçosa necessidade de integração a partir dos interessesde uma elite, grupo ou classe social, despersonalizando estasespecificidades e diversidades, omitindo, massificando e re-personalizando-as num “projeto único de sociedade”,justificado pela sua constante e premente perspectiva demodernização.

Portanto, cabe-nos destacar que pensar o conceito deintegração signifique destacar o conceito de conflito, deexpressão, exposição e compreensão das diferençaseconômicas e culturais presentes e evidentes no meio social.Elementos consubstanciados numa totalidade demonstradapela História – unidade na diversidade, identidade a partir doconflito, integração como sinal de enraizamento em solosdiversos, e fundamentalmente no solo que nos deu origem, nolocal que nos ofereceu, nos oferece, ou que nunca nos ofereceuou que oferecerá as condições objetivas de vida digna e cidadã.

Diversidade Cultural

E aquilo que neste momento se revelará aos povos,Surpreenderá a todos não por ser exótico,

Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto quando terá sido o obvio.

Fernando Brandt/Milton Nascimento

Como já refletimos, nossa análise pauta-se na lógicada indissociação dos conceitos de integração e diversidadecultural entendendo que ao afirmarmos radicalmente oprimeiro, estaremos negando e afirmando o segundo. Poroutro lado, nossa história brasileira têm demonstrado queao se constatar e afirmar o segundo surge a necessidade deconstruirmos – através da convergência de elementos

85Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

históricos, sociais, políticos, econômicos e culturais – nossaidentidade nacional. Por vezes, a interpretação que se deupara a identidade nacional ligava-se diretamente aosconceitos de integração nacional, que vimos anteriormente,tendo em vista a necessidade que havia de ver adiantado oavanço tecnológico e produtivo brasileiro pautado num ciclode desenvolvimento e modernização econômica definidodécada de 1930.

A afirmação deste modelo de modernização – tendocomo égide a busca de integração nacional (territorial, social,étnico-cultural) na conformação de um modelo de identidadenacional burguesa, branca, cristã, urbana, machista, coloniale consumista – inviabiliza a evidenciação do “obvio” (pornós interpretado pela música), a expressão de toda adiversidade sociocultural que compõe nossa raízes e que,segundo Paulo Freire, evidenciá-la, compreende-la eincorporá-la efetiva nossa real integração com nossa terra enossa história, enraizando-nos, humanizando-nos eidentificando-nos enquanto brasileiros. (Freire, 1996)

Diversidade sociocultural, pluralidade cultural,multiculturalidade passam a se constituir novos referenciaisconceituais significativos para se garantir a valorização dasculturas locais e regionais, a afirmação da identidade e dosvalores dos pequenos grupos e etnias. Tem como valoresbásicos e fundamentais a democracia e a equidade, ou seja,a igualdade de oportunidades no acesso aos direitos e naparticipação livre, autônoma e consciente. (Gadotti, 1995).Recupera nesta lógica, a expressão histórico-cultural de nossopovo3 explorado, expoliado e oprimido econômica, social,

3 O sentido da categoria povo de maneira alguma quer omitir o universo dediversidade sociocultural que ela representa.

86 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

política e culturalmente, e que buscou, e ainda busca,estratégias de sobrevivência através da assimilação,miscigenação, inculturação e fundamentalmente através dasua organização política, expondo um país ferido pelasdesigualdades sociais e econômicas, arrastado historicamentepelas tendências imperialistas próprias do capitalismo,contemporaneamente em sua versão monopolista.

Na lógica da internacionalização do capital (Dreifuss,1987), paradoxalmente, uma das tendências mais notáveisneste fim de século é, sem dúvida, a globalização da economiae das comunicações que projeta a perspectiva da aldeia global,caracterizada a partir da homogeneização das especificidades,singularidades e identidades socioculturais. Anulaprogressivamente as possibilidades de expressões étnicas,sociais e culturais localizadas, regionalizadas e nacionais(articulada ao fenômeno de desestruturação e minimizaçãoeconômica e política do Estado-nação), depreciando eomitindo-as num processo crescente de massificação culturalorientada por uma elite desnacionalizada e associadaorganicamente aos interesses do mercado transnacional.

Portanto, neste contexto de constantes, rápidas eprofundas mudanças, mais do que fundamental se faz refletirsobre todas as possibilidades de se ressaltar, evidenciar eafirmar a originalidade que a diferença traz na formação doconceito de nação, afirmando ao mesmo tempo a semelhança.E é na constatação da diferença que afirmamos nossaidentidade e visualizamos semelhanças. Afirmar semelhançasnem sempre representa aceitar passivamente convergênciase unidades mas sim, constatar dialógicamente divergências econflitos inerentes num processo de construção coletiva deidentidade.

87Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

A evidência e a expressão simbólica e concreta destasemelhança – sinônimo de unidade na diversidade – deveráfomentar e orientar a aproximação, articulação, as intenções,decisões e ações entre os vários grupos e minorias étnicas esociais, ao se perceberem iguais na exclusão aos seus direitosfundamentais, bem como na força propulsora que possuem(até então oculta pelas estratégias ideológicas massificantesdas elites) para mudar esta realidade. A esta unidade –articulação política, social e cultural – garantida através daalteridade e do diálogo, e muitas vezes através do conflitoentre os diferentes-semelhantes integrados – num profundoe orgânico enraizamento de suas concepções e ações no tempoe no espaço em que vivem e num efetivo compromisso como coletivo de sujeitos construtores desta história – configurar-se-à então a possível identidade nacional real e necessáriapara opor-se à conseqüente e programada sujeição neocolonialpromovida pelas elites associadas ao Capitalismo, pensandoe se engajando em projetos alternativos para o Brasil.(Benjamin, 1998)

Refletir sobre estes conceitos também requer pensá-los inseridos no contexto histórico educacional, haja vistaser a educação um instrumento fundamental para fomentare gerir a dinâmica e as mudanças sociais. Cabe-nos situar ecompreender o real papel que as políticas educacionais –intencionalmente definidas e planejadas – tiveram nesteprocesso de modernização do país. Este processo, tendo comopressuposto de sucesso a premência e dinamicidade dasmudanças estruturais necessárias para se criar uma baseeconômica, industrial e tecnológica sustentável econcorrencial, demandava a qualificação imediata de mão-de-obra que viesse a ocupar os quadros de produção naindustria e nos serviços. Estas intenções, somadas à

88 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

efervescência teórico-conceitual e metodológica sobre opensamento educacional brasileiro nas décadas de 1920 e1930, provocaram ações para a formação do público jovem eadulto – caracterizado como força de trabalho livre eassalariada – que evadia do campo em direção às cidades,compondo progressivamente e atualmente fenômenos dedesenfreada urbanização.

Experiências de Educação de Jovens e Adultos nocontexto brasileiro e a busca da configuração de umapolítica educacional

Historicamente, as ações de educação de jovens eadultos sempre estiveram presentes no contexto brasileiro.Já no Brasil-colônia podemos encontrar as primeiras formasde educação junto ao público adulto, principalmenteindígenas e negros, realizadas pelos jesuítas através dacatequização. Tinha como intenção a difusão do catolicismoatravés do abrandamento das resistências aborígenes e docombate aos cultos africanos, convertendo-os em cristãosubmissos e obedientes. (Paiva, 1983).

Após a Reforma Pombalina (junho de 1759), com aexpulsão dos jesuítas da Colônia, e com vinda da famíliareal para o Brasil, somente em 1876 encontramos registrosda difusão do ensino noturno para adultos no país4,denominado então como educação popular. Esta não terásignificativo investimento até os primeiros 25 anos do regimerepublicano, considerando que a população do campo (maior

4 Relatórios apresentados por Rui Barbosa e pelo ministro José Bento da CunhaFigueiredo, afirmando que, neste ano, aproximadamente de 175.714 a 200.000alunos frequentavam escolas elementares em todo o país. (Paiva, 1983)

89Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

parte da população brasileira no período), submetida aoslaços paternalistas e de dominação política pelos donos daterra (elites oligárquicas), não sentia a instrução como umanecessidade imediata. A escolarização passa a se tornar critériode ascensão social com a Lei Saraiva de 1882, incorporada àConstituição Federal de 1891, em que se restringirá o votoao analfabeto, alistando somente os eleitores e candidatosque dominassem as técnicas de leitura e escrita e não somentepelo critério de renda como ocorria anteriormente. Dessaforma, esta decisão beneficiava apenas setores médiosemergentes que pressionavam por participar do poder e quetinham na instrução um instrumento de ascensão social e política,associando o analfabetismo à incapacidade e à incompetência.

A evidenciação dos altos índices de analfabetismo5

refletia uma realidade vergonhosa para a intelectualidadebrasileira no início do século, entendendo estes, a necessidadede se colocar o Brasil entre os “países cultos”, em comparaçãocom a situação educacional de países como a dos EstadosUnidos, e na América Latina, a da Argentina e a do Uruguai.

Na década de 1920, prenuncia-se a mobilização emtorno do problema educacional no Brasil (as influências daobra de José Veríssimo, A educação nacional, de 1890; e doprimeiro trabalho de Carneiro Leão, A educação, de 1909),defendendo-se como dever do Estado “o ensino das classeslaboriosas”, preocupando a muitos “a difusão do ensino comoinstrumento da estrutura de poder a fim de evitar osproblemas de convulsão social e de dar solução aos grandesproblemas agitados desordenadamente pelos socialistas”(Paiva, 1983). Esta mobilização ocorre num contexto de

5 “O censo de 1890 informava a existência de 85,21% de iletrados na populaçãototal” (Paiva, 1983).

90 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

intensa efervecência cultural e política, constituindo-se numclima de transitoriedade6, passando a ser constituído tambémde precedentes que marcam a história brasileira, compondoum conjunto de mudanças econômicas, sociais, políticas eculturais (na música, na literatura, nas artes, na medicina,dentre outros). Processos e fatos que criam uma sintonia quecontribuirá para a um momento de repensar a nação brasileira.A afirmação do trabalho livre e assalariado, a chegada dosimigrantes europeus no país configurando um novo perfil dotrabalhador, a Semana de Arte Moderna, a criação do PartidoComunista7, as revoltas e oposições populares que vãosurgindo no país.

Este nacionalismo educacional (caracterizado pelanecessidade da nacionalização das escolas “estrangeiras”/germânicas em Santa Catarina, posterior coerção e proibiçãodo uso da língua indígena nas aldeias, e do auxílio da Uniãoàs unidades federadas para difusão do ensino elementar),relaciona-se à pretensa recomposição do poder político dentrodo marco da democracia liberal, desejada e provocada pelaburguesia urbano-industrial que busca com a difusão doensino, ampliar suas bases de representação eleitoral. A lutacontra o analfabetismo – transformando-se em causa de todosos problemas nacionais – constitui-se num fenômeno de“entusiasmo pela educação”8. (Paiva, 1983).

6 FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade.7 Segundo Cunha, o ano de 1922 é palco de uma série de acontecimentos

importantes no país, destacando a Semana de Arte Moderna em São Paulo, a IConferência sobre Ensino Primário, a fundação do Partido Comunista, e arevolta dos tenentes no Forte Copacabana, no Rio de Janeiro, a fundação daRevista A Ordem, de renovação no plano intelectual e espiritual católico.Coincidência ainda é que 1922 é o ano do I Centenário de nossa independência.(Cunha, 1981)

8 A expressão mais estruturada desse entusiasmo pode ser encontrada em MiguelCouto que explicita de forma radical suas opiniões. Membro da Academia de

91Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

Nesta década, se afirmarão as idéias democrático-liberais através do entusiasmo e otimismo pedagógicos dosprofissionais da educação reunidos na Associação Brasileirade Educação (ABE), nas Conferências Nacionais de Educação(a partir de 1927), difundindo os ideais e princípios da EscolaNova e de novas influências presentes no contexto.Destacamos iniciativas como em São Paulo, parcialmenteexecutada por Sampaio Dória (1920) com o propósito decombater o analfabetismo e a preocupação de integrar osimigrantes; a do Ceará, pela ação de Lourenço Filho (1922);na Bahia, por Anísio Teixeira (1924); em Minas, por MarioCasassanta (1927); no Distrito Federal, por Fernando deAzevedo (1927) (Fausto, 1999). O resultado das váriastentativas de reforma do ensino realizadas à nível de estadosna década de 20, influenciará através do governo Vargas, acomposição de um sistema educacional mais estruturado.

Constata-se a astúcia de Vargas tendo como estratégiapolítica a catalização e aglutinação de tendências, neste caso,para organizar um sistema educacional que atendesse àsnecessidades das novas demandas geradas pela emergênciado capitalismo no Brasil. Exemplo disto, foi a proposiçãodestes pioneiros, convidados pelo próprio presidente daRepública e de seu ministro da Educação Francisco Campos,para a elaboração de um Manifesto que fundamentará a novapolítica brasileira de educação: o Manifesto dos Pioneirosda Educação, divulgado em 1932 e que iria provocar grandesoposições por parte da nova intelectualidade católica tambémemergente e interessada em direcionar os rumos da educaçãobrasileira. (Cunha, 1981).

Medicina do Rio de Janeiro, entende que o analfabetismo é uma das doençasmais graves do país, devido à ausência de ambição, à sua indolência e preguiça,fazendo sofrer a saúde da alma e do corpo. (Couto, 1933; Falcão, 1946)

92 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

Mesmo com o pioneirismo que representou estemovimento de renovação na educação brasileira, contandoprincipalmente com os expoentes Lourenço Filho(“Introdução ao Estudo da Escola Nova”, 1929), Fernandode Azevedo (“A Cultura Brasileira”, 1944), Anísio Teixeira(“Educação no Brasil”, 1970), dentre outros, observa-secontudo, a fragilidade com que tocam nos reais problemasda realidade brasileira, não evidenciando as questões sociaisjá existentes nestes períodos (Iamamoto, 1983), bem comoas grandes diferenças entre as classes sociais, resultados daemergência do capitalismo no Brasil. Também na ausênciade perspectivas que projetem o Brasil a partir de sua históricaformação econômica, política, social e cultural – mesmocontando já neste período com clássicas e importantesproduções que refletem sobre estes aspectos, como as obrasproduzidas por Euclides da Cunha (“Os Sertões”, em 1902),Gilberto Freyre (“Casa Grande e Senzala”, 1933), SergioBuarque de Hollanda (“Raízes do Brasil”, em 1936), CaioPrado Júnior (“Formação Econômica, Social do Brasil”),dentre outros – na possibilidade de se gestar políticaseducacionais as quais se fundamentassem nas reflexões edebates sobre a questão de nossa identidade nacional a partirdo complexo conjunto de diversidades culturais presentesno país e da sua histórica dependência econômica com paísesmais ricos.

Esta gênese – vinculada à criação do sistema públicode ensino no Brasil – nos ajuda a refletir sobre os conceitosque já iniciamos tratar neste trabalho. A temática integraçãonacional, passa a compor os discursos presidenciais paraarticular as forças sociais e políticas da nação, no sentido degarantir e legitimar, de forma autocrática, as mudançasnecessárias para o progresso do país, sinônimo do

93Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

desenvolvimento do capitalismo no território brasileiro,estando este já em sua fase monopolista. A construçãoautocrática da perspectiva de modernização justifica osinvestimentos na área da educação neste período,evidenciando a relação que se estabelece entre o fenômenodo analfabetismo e o atraso do país. Numa mera relação decausa-efeito, os problemas brasileiros passam a serjustificados pelo não investimento na educação. Assim, alémde ser concebida como conciliadora das diferenças, a educação(com seu escopo acadêmico, técnico e científico) passa a sercompreendida miticamente como instrumento, baluarte etábua da salvação nacional para o progresso e modernizaçãocontra o “atraso e a ignorância” presentes no país. Comouma das bases fundamentais de sustentação dodesenvolvimento da nação, a educação passa a ser encaradacomo questão de segurança nacional, justificando mais doque nunca a sua centralização pelo Estado, principalmenteno período do Estado Novo e na Autocracia Burguesa dopós-64, barrando todas as possibilidades de descentralizaçãoe democratização em suas diretrizes e gestão.

Muitas campanhas de massa de âmbito nacionalocorreram no país, circunscritas nos períodos: do governoDutra (Campanha de Educação de Adultos e Adolescentes,iniciada em 1947, por Lourenço Filho9), no períododemocrático getulista de 1951-54 (Campanha Nacional deEducação Rural, em 1952), na gestão “nacionaldesenvolvimentista” de Juscelino Kubitscheck de 1955-60(Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo, em195810), no governo “democrático-populista” de Jânio

9 LOURENÇO FILHO, M.B. Redução das taxas de analfabetismo no BrasilRevista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, out./dez. 1965.

94 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

(Mobilização Nacional Contra o Analfabetismo, em 1962),na gestão para as “reformas de base” do governo Jango(Comissões de Cultura Popular, em 1963), e na vigência dosgovernos autocrático-militares pós-64 (Cruzada ABC, em1964; Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL),em 1967). Todas estas campanhas e mobilizações ocorrerampor períodos determinados, refletindo momentos de grandeotimismo seguidos posteriormente de queda nos índicesqualitativos e quantitativos. Muitas destas campanhas foramsendo revitalizadas, substituídas e/ou incorporadas por outrasque se iniciavam no território nacional, refletindo sempreseu caráter integrador e mantendo sua perspectivamodernizadora, com exceção da Comissão de Cultura Popular,iniciada em junho de 1963 e extinta em abril de 1964, logoapós o Golpe Militar.

A Comissão de Cultura Popular era presidida peloeducador Paulo Freire, então professor da Universidade deRecife, e tinha um caráter de pesquisa, valorização eaprimoramento da cultura popular considerando econservando as peculiaridades e diversidades regionais esocioculturais, diferenciando-se essencialmente das demaisiniciativas de alfabetização e educação de adultos anteriorese posteriores. Acompanhando esta perspectiva e afundamentação no método Paulo Freire, surge o Movimentode Educação de Base, sendo uma iniciativa da ConferênciaNacional dos Bispos do Brasil (CNBB) através de convêniose recursos do Governo Federal nas gestões de Jânio e João

10 Em pronunciamento no II Congresso Nacional de Educação de Adultos, em1958, afirmava o Ministro da Educação do governo de Juscelino Kubitscheck,que o que se esperava daquele Congresso é que os responsáveis pela educaçãopopular oferecessem rumos seguros para a “integração do homem brasileiro noritmo desta hora dinâmica”, que representava a perspectiva desenvolvimentista.

95Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

Goulart. O MEB funcionou através da instalação de escolasradiofônicas principalmente nas regiões norte, nordeste e centro-oeste do país, mudando a direção política do seu trabalho apartir dos governos militares pós-64. (Di Rocco, 1979)

Conclusão

Observamos no decorrer da trajetória histórica daspolíticas educacionais no Brasil as várias expressões daEducação de Jovens e Adultos no cenário nacional. Expressõesconstruídas pelas intencionalidades, interesses e conflitosentre as classes sociais através dos vários segmentos, grupose representações que as compõem no espaço do Estado ouda Sociedade Civil, fundamentadas em idéias, conceitos,discursos e ações que revelam projetos de sociedade e deBrasil diferentes.

Lendo os contextos do Brasil deste século,identificamos a presença marcante dos conceitos de integraçãonacional e diversidade cultural apresentando-se de formadiferenciada nos vários momentos de nossa história. Naspolíticas educacionais brasileiras não é diferente: essesconceitos se apresentam através da literatura, dos discursosoficiais, das Conferências e Congressos, das decisões políticasadotadas, nos métodos pedagógicos utilizados, no sentidode questionar ou referendar as decisões governamentaisdemocráticas ou autocráticas.

Contudo, por estarem organicamente ligados àrealidade, expressando-a através da intenção, elaboração eação dos homens e mulheres, compreende-los significaapreender as contradições e o movimento que se apresentana dinâmica histórica brasileira constituída de grande

96 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

diversidade étnica e cultural muitas vezes negada em funçãode políticas estrategicamente integradoras.

Em quase todo este século, as experiências de educaçãode jovens e adultos no Brasil refletiram esta direçãointegradora ao projeto de desenvolvimento econômico esocial formulado e realizado principalmente a partir da décadade 30, garantindo a emergência do capitalismo no Brasil. Emmeio a gestões autocráticas e populistas com “suspiros”democráticos, as intenções e ações integradoras da populaçãoa este projeto nacional (de influência internacional) utilizaramcomo instrumento fundamental a Educação de Jovens eAdultos buscando negar a figura “atrasada” do analfabeto(presente no meio rural) e afirmando a imagem “moderna”do trabalhador ativo, produtivo e obediente (presente no meiourbano industrial).

Contudo, também foi neste contexto que se gestaramformas diferenciadas de se ler a realidade constatando eafirmando a diversidade cultural (constituição histórica denossas raízes) presente no território brasileiro, transformandoa perspectiva de se fazer EJA. Por influência de Paulo Freire,as políticas de EJA puderam revelar as especificidadesculturais, econômicas e sociais locais e regionais, revelandoassim, os problemas sociais existentes, bem como os potenciaisexistentes para a mudança a partir da ação dos sujeitosintegrados, enraizados em sua cultura. A diversidade culturalpassa a ser identificada e reconhecida como elementofundamental para se pensar e fazer educação, e tambémEducação de Jovens e Adultos, negando as intenções militaristase populistas integradoras: homogeneizantes e padronizadoras.

Identificamos este debate entendo o potencial querepresenta a Educação de Jovens e Adultos como instrumentode mudança a ser apropriado pelas mais diferentes

97Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

populações e segmentos (econômica, social e culturalmenteexcluídos) que constituem a nossa nação, tornando-sesujeitos no controle e na gestão de políticas educacionais.Apropriarmo-nos deste instrumento, entendendo suaexpressão no passado, potencializa-nos refletir e construirpolíticas e ações de educação de jovens e adultos queidentifiquem – na atual, presente e premente realidade dosmúltiplos sujeitos chamados brasileiros – referenciais demudança, participação, resistência e identidade por umprojeto de Brasil que possa ser realmente de todos.

AbstractSeeking to understand the established concept relationships betweennational integration and cultural diversity, we have localized, identifiedthem throug the various contexts which they have outstood composedthe official education policies of youngsters and adults in \brazil. Theconstitution of these policies will evidence the existing and emergentpolitical and social conflicts among the social classes in the country,which are identified in this work, through the use of referred concepts,pointing out the intentions and interests which ground them.

Keywords: national integration, cultural diversity, educational policies,youngsters and adult education.

Referências Bibliográficas

BENJAMIN, César. A opção brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto,1998.

BOBBIO, Norberto. Dicionário de Política. 2. ed. Brasília: Ed. UnB,1986.

98 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 1941, Rio de Janeiro.Anais. Rio de Janeiro: MES, 1941.

COUTO, Miguel. No Brasil só há um problema nacional: a educaçãodo povo. Rio de Janeiro: Typ. Jornal do Comércio, 1933.

CUNHA, Célio. Educação e Autoritarismo no Estado Novo. SãoPaulo: Cortez, 1981.

DI ROCCO, G. M. J. Educação de Adultos: uma contribuição para seuestudo no Brasil. São Paulo : Loyola, 1979.

DREIFUSS, René A. 1964: A conquista do Estado. Ação política,poder, e golpe de classe. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1981.

_________. A Internacional Capitalista. Estratégia e Táticas doEmpresariado Transnacional (1918 – 1986). 2. ed. Rio de Janeiro:Espaço e Tempo, 1987.

FAORO, Raimundo. Existe um pensamento político brasileiro? SãoPaulo: Ática, 1994.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 6. ed. São Paulo: Ed. da USP :Fundação para o Desenvolvimento da Educação, 1999.

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. 22. ed. Rio deJaneiro : Paz e Terra, 1996.

GADOTTI, Moacir. Pedagogia da práxis. São Paulo: Cortez : InstitutoPaulo Freire, 1995.

IAMAMOTO, Marilda; CARVALHO, Raul. Relações Sociais e ServiçoSocial no Brasil. São Paulo: Cortez, 1982.

LOURENÇO FILHO, M. B. Tendências da Educação Brasileira. SãoPaulo: Melhoramentos, 1940.

______. Redução das taxas de analfabetismo no Brasil. RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, out./dez. 1965.

NETTO, J.P. Ditadura e Serviço Social: uma análise do Serviço Socialno Brasil pós-64. São Paulo: Cortez, 1990.

99Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.75-99, jul./dez. 2000

PAIVA, V. P. Educação Popular e Educação de Adultos. 2. ed. SãoPaulo : Loyola, 1983.

PENTEADO JR., Onofre. O manifesto e a educação. Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos, n. 71, jul./set. 1958.

101Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

SERVIÇO SOCIAL E EDUCAÇÃO: UMA ANÁLISESOBRE A EDUCAÇÃO FEMININA NO

SÉCULO XIX

Jane Cristina Franco de Lima1

ResumoEste artigo objetiva identificar como se desenvolve o processoeducacional da mulher francesa entre 1815 a 1848, através do romanceMemórias de Duas Jovens Esposas, de HONORÉ DE BALZAC. Aeducação de Luíza revela que a mulher aprende a realçar a beleza comuma toalete impecável, a utilizar o vestuário da última moda, arecepcionar convidados em seu salão e a articular encontros com pessoasinfluentes e importantes. Essa análise histórica possibilita ao ServiçoSocial compreender a importância do contexto familiar, bem como oprocesso de educação a que os homens estão submetidos, em virtudedas exigências de produção da vida material.

Palavras-chave: educação, mulher, France.

Introdução

Um leque de inúmeras possibilidades se abre para oprofissional que atua diretamente nas denominadas questõessociais. O assistente social pode optar por uma infinidadede áreas ou temáticas para intervir, escolhidas de acordo comsua trajetória histórica e formação profissional. Essas áreas

1 Graduada em Serviço Social pela Universidade Estadual de Londrina em 1991e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá-Pr em 2000.Assistente Social do Centro de Atendimento à Mulher, Secretaria Especial daMulher, Prefeitura do Município de Londrina-Pr;

102 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

ou temáticas são constituídas à partir do momento históricoe das condições determinadas pela produção da vida material.Dessa maneira, o assistente social pode optar por intervir naesfera pública ou privada, e no interior destas, atender àcriança, ao adolescente, ao adulto, aos idosos, aospresidiários, às mulheres, entre outras possibilidades.

Nessas áreas, a sua intervenção, na maioria das vezes,é realizada à partir dos conhecimentos que adquiriu naformação acadêmica de maneira gradual e globalizada. Paracompreender um pouco mais cada segmento, cabe aoassistente social aprofundar-se nos conhecimentos de cadaárea específica, para garantir uma prática profissional commaior embasamento teórico.

No que diz respeito ao segmento “mulheres”, emmuitas situações, esse profissional se depara com conflitosfamiliares, violência doméstica, depressão feminina, entreoutras questões que poderiam ser enunciadas e que dizemrespeito à problemática feminina. O atendimento às mulheresque apresentam esses e outros problemas requer, muitasvezes, o levantamento de sua vida familiar, inclusive o processode formação, educação que vivenciam ao longo de suas vidas.Portanto, entender como ocorre o processo educacional damulher possibilita uma atuação com maior profundidade.

Nesse sentido, quando atua com mulheres o assistentesocial pode investigar as questões pertinentes a essesegmento, analisando tanto as necessidades colocadas àsmesmas no final do século XX, quanto verificá-las em outrosmomentos históricos. Ao realizar esse resgate histórico emdiferentes sociedades, o profissional compõe, aos poucos, oarcabouço teórico necessário para intervir de maneira crítica,utilizando-se de outras disciplinas que analisam a situaçãofeminina em outras condições históricas, para compreendere analisar a problemática feminina de seu tempo.

103Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

É com esse olhar e perspectiva que o assistente socialpode analisar a educação feminina na França do século XIX,mais precisamente a habilidade adquirida pela mulherfrancesa para influenciar o homem na vida conjugal e social.A análise desse período específico e da influência da mulherna França, abre novas perspectivas de entendimento e deintervenção no cotidiano do Serviço Social no final do séculoXX. Assim, detalhes e pormenores da vida familiar dasmulheres atendidas pelo assistente social, passam a conterinúmeros significados, demonstrando que sua educação nocontexto familiar e social, associada às condições históricasque a origina, é de extrema importância para a práticaprofissional, que segundo Pinto é uma prática de cunhoeducativo realizada com uma grande multiplicidade de outrosagentes. Para esse autor,

em outras palavras, as (os) assistentes sociais fazemeducação, no âmbito dos serviços sociais, embora semserem pedagogos (profissionais da educação), assimcomo os pais/mães de família, os padres e freiras, oshomens e mulheres dos meios de comunicação, parasó citar alguns casos: mudar o pensar, sentir daspessoas, para que estas ajam de outro modo no mundo;mudar o pensar/sentir para mudar a prática. (Pinto,1993, p. 43)

De certa maneira, o assistente social lida com aeducação, sem muitas vezes dar-se conta disso. Nesseprocesso, esse profissional atua no sentido de modificarcomportamentos e atitudes dos usuários dos serviços sociais,bem como lida diretamente com usuários que, inevitavelmente,passaram por processos educativos na família, na escola e nasociedade. Para essa compreensão, portanto, esse estudo

104 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

propõe a análise desses processos educativos na sociedadefrancesa do século XIX.

A educação feminina no século XIX: o olhar deHonoré de Balzac

No que diz respeito a educação da mulher francesa noséculo XIX, é possível perceber que a formação dessasmulheres assume características peculiares, especificamenteno tocante a formação da mulher para influenciar o mundodos homens. A mulher influencia o homem se, em primeirolugar, detiver as minúcias que o comportamento exige e, emsegundo lugar, exercer prestígio, preponderância eascendência sobre o sexo masculino. Uma mulher, em seupapel de esposa, mãe ou irmã, pode ser capaz de persuadir ohomem a mudar de decisão, convencendo-o de que o própriohomem, seus filhos ou outros parentes serão beneficiadoscom a mudança (Lamphere, 1979, p. 124). Assim, influenciarsignifica inculcar, incutir e preponderar sobre a opinião dohomem de maneira sutil, fazendo-o adotar uma outra condutamais favorável aos interesses femininos.

Aristocrata ou burguesa, a mulher francesa encontrapossibilidades, estratégias e motivações, que podem serfontes de poder, se obter na infância e na juventude osconhecimentos que necessita para tornar-se uma mulherinfluente. Trata-se, portanto, de um comportamento querequer o desenvolvimento de determinadas habilidades, emque o encanto, a sedução e a magia precisam sobressair-se.Essas mulheres buscam a supremacia em suas casas, nossalões, nos teatros e nos bulevares. Seu cabelo, sua pele, suaroupa e sua jóia contribuem para torná-la o centro dasatenções, tanto na vida privada, quanto na vida pública.

105Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

Para adquirir supremacia e atenção, é necessário aaquisição de habilidades que não nascem ao acaso. Elas sãoproduzidas e aprimoradas nas relações sociais, o quepressupõe um processo de educação dessa mulher paradesempenhar os papéis que lhe são atribuídos. SegundoGastaldi (1940, p. 180), a mulher para triunfar na sociedadetem necessidade de adestrar seu espírito e aguçar suasensibilidade. Assim, o homem é domesticado e seduzido pelodomínio dessas qualidades que a mulher tão bem desenvolve.

Os modelos e os exemplos mais próximos ensinam ajovem a utilizar-se dos meios disponíveis e a comportar-sesedutoramente nas mais variadas circunstâncias. Algumapessoa (mãe, irmã, parente, amiga, professora ou até mesmoo pai e o marido) precisam ensinar a mulher as atitudes e alinguagem para influenciar os homens. Trata-se, portanto,de um comportamento produzido e transmitido no cotidiano,que se origina, a princípio, na família. O desempenho damãe ou de outra pessoa é muito importante para que a mulheraprenda a influenciar os homens que fazem parte de seucírculo de relacionamento. As atitudes e os diálogos que amãe e o pai estabelecem com a filha nas relações familiarestornam-se, dessa forma, momentos de aprendizagem. Essecomportamento passa a ser reforçado, também, pelorelacionamento entre homens e mulheres no meio social. Éesse processo educacional contínuo que possibilita à mulherpossuir determinadas “características”, que podem seranalisadas nos romances Memórias de Duas Jovens Esposasde Honoré de Balzac.2

Em Memórias de Duas Jovens Esposas, Balzac retrataa amizade existente entre duas amigas, Luíza e Renata, que

2 O nascimento de Balzac, em 1799, coincide com a ascensão de Napoleão aopoder; e sua morte, em 1850, com as barricadas de 1848. O escritor testemunhao Império, a Restauração da monarquia e a Revolução de 1830.

106 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

se conhecem no convento. Luíza de Chaulieu, filha do duquede Chaulieu, vai para o convento com dez anos de idade,retornando para casa paterna aos 18 anos de idade. Essajovem é ensinada na infância pela avó, depois permanecepor algum tempo em um convento e mais tarde retorna aolar, onde a mãe e a sociedade completam sua educação. É aavó, a Princesa de Vaurémont, que mais contribui para aformação da sua personalidade. Ao retornar para casa, Luízarevela a relação que mantinha com ela: “Esses aposentossão os daquela avó tão querida, a princesa de Vaurémont, aquem devo uma fortuna qualquer, da qual nunca ninguémme falou [...]”. (Balzac, 1955, p. 146)

Luíza mantém estreitos laços de afeto e carinho com aavó. A estima de Luíza é maior pela avó do que por suaprópria mãe. Embora tenha uma mãe biológica é a avó queassume a tarefa de ensinar-lhe os segredos da vida na infância,de inspirar-lhe e de servir-lhe de modelo: “[...] Quantas vezeseu a vi, com os pés descansando em cima da barra,mergulhada na sua poltrona com o vestido semi-sungado nosjoelhos por sua posição, pegando, depondo, e tornando apegar a tabaqueira, de cima da pequena mesa entre a suacaixa de pastilhas e suas meias-luvas de seda! [...]”. (Balzac,1955, p. 148-9)

Somente o fato de ver a avó sentada em sua poltronaensina Luíza a comportar-se como ela. As palavras estãodispensadas. Os gestos e as atitudes da Princesa sãosuficientes para ficarem fixados na mente da neta. Ela lheensina, sem nem dar-se conta disso, as maneiras que a mulherdeve adotar na sociedade aristocrata. Luíza revela esseensinamento ao expor suas lembranças: “A Princesa tinhagestos de cabeça, um modo de saltar as palavras e os olhares,uma linguagem particular que eu não encontrava em minhamãe [...]. Tinha principalmente essa excessiva liberdade de

107Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

opiniões que seguramente influiu sobre o feitio de meuespírito [...]”. (Balzac, 1955, p. 148-9)

Através de seus gestos, olhares, palavras econversações, a avó repassa a finura e a bonomia presentesno comportamento feminino. A ausência da mãe na infânciacausa à Luíza certas inquietações ao retornar para casa, pelofato de nunca tê-la conhecido. As dúvidas são maiores doque as certezas: “ [...] Encontrei minha mãe no seu salão,onde nada foi mudado. Ela estava em grande toalete. Dedegrau em degrau eu a mim mesma perguntava como seriapara mim essa mulher, que foi tão pouco mãe que, em oitoanos, dela não recebi mais do que as duas cartas queconheces”. (Balzac, 1955, p. 150)

O fato de não ter tido anteriormente contato com amãe não anula a contribuição que essa deve dar-lhe na novafase de sua vida. Por mais que Luíza não sinta afeiçãoprofunda pela figura materna, indubitavelmente é a mãe quetorna-se o modelo mais próximo naquele momento,preparando-a para participar do mundo em que sua famíliaestá inserida. Ao ver a toalete da mãe, percebe o que issosignifica: “A encantadora toalete de minha mãe era a primeirarevelação daquele mundo entrevisto em nosso sonhos [...].Sua beleza venceu-me, perdoei-lhe o abandono em que medeixara, compreendi que uma mulher como ela fora arrastadapelo seu papel de rainha [...]”. (Balzac, 1955, p. 151)

Luíza compreende que a mulher se exime de muitascoisas para assumir um papel de influência na sociedadearistocrata, chegando ao ponto de entender que o zelo pelavida social implica abandonar a educação dos filhos, inclusivedela própria. A beleza, que é o atributo primordial utilizadopela mulher, demanda tempo e dinheiro para sustentar asexigências da toalete, o que exige, muitas vezes, a abdicaçãoda educação dos filhos.

108 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

A negligência da mãe durante a infância da filha érecompensada pelas suas preocupações do presente: “[...]Embora eu queira deixá-la completamente livre, creio quenos primeiros tempos andará acertada se ouvir os conselhosde uma mãe que procederá consigo como uma irmã”. (Balzac,1955, p. 151)

Os conselhos da mãe são fundamentais para Luízaaprender o comportamento da mulher aristocrata. Essa lheensina as regras da toalete, o vestuário mais satisfatório e alinguagem utilizada, elementos esses necessários à mesmapara conviver com os aristocratas. Até mesmo para a escolhados chapéus, a mãe preocupa-se em educar seu gosto, a fimde colocá-la em condições de escolhe-lhos sabiamente. Levara filha ao chapeleiro e indicar os chapéus adequados quedeve usar implica um ensinamento, com um objetivoexplícito. Todavia, as mínimas ações cotidianas de sua mãeestão repletas de situações de aprendizagem que não ocorrempropositadamente: “Minha mãe veste-se, nunca é visível dasduas horas às quatro: às quatro sai para um passeio de umahora; recebe das seis às sete, quando não janta fora; depois anoite é preenchida pelos divertimentos, espetáculos, bailes,concertos, visitas [...]”. (Balzac, 1955, p. 155)

O comportamento da mãe evidencia como uma mulherinfluente deve comportar-se no decorrer do seu dia. Énecessário gastar horas na toalete, passear nos bulevares,receber visitas, jantar fora, enfim, freqüentar lugares públicose manter uma intensa vida social. A mulher influente nãopode isolar-se em casa, relacionando-se apenas com os seusfamiliares. Ela precisa estar bela e manter um contato muitopróximo com a sociedade aristocrata para ter o poder deinfluenciar seus participantes.

A educação do convento para a vida religiosa não condiz

109Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

com a educação para a vida social. É necessário educar Luízapara uma vida diferente, onde o seu comportamento empúblico determinará seu êxito. A vida no convento implicahábitos, costumes e valores diferenciados dos da vida emsociedade. Aqueles precisam ser substituídos pelos hábitosda vida secular. É a educação que garante essa substituição.Para poder freqüentar as altas esferas sociais Luíza precisaobter os conhecimentos veiculados pela sociedade aristocrata.É possível perceber, então, que a educação de uma jovemdá-se inicialmente pelos membros de sua família, para sercompletada, posteriormente, pela sociedade. Para entrar nasaltas esferas sociais aristocratas, a mulher precisa adquirir,de antemão, determinados conhecimentos que sãorepassados pela família, mas, principalmente, pelo sexofeminino. A seqüência desse aprendizado na vida social vaidepender, em grande medida, da própria mulher.

O comportamento da avó e da mãe, acrescido dosdiálogos com Renata no convento, das indicações dagovernanta, Miss Griffith, escolhida para acompanhá-la, edas leituras que efetua na biblioteca paterna contribui parapreparar Luíza para a vida em sociedade e, assim, torná-lauma mulher influente: “[...] E além disso, querida, tudo estáem harmonia: um andar, uma voz! A gente se lembra dosmeneios da saia da avó, que nunca a tocava: enfim, sou belae graciosa”. (Balzac, 1955, p. 158)

Essa mulher precisa, além de saber agir e adotardeterminadas atitudes, possuir o arsenal de instrumentospara compor seu “armamento”. O andar, o sentar, o caminhare o falar devem estar de acordo com os padrões sociais e asregras de convívio. Essas regras já são discutidas por Erasmo(1998) no século XVI, quando tudo aquilo que pareceperfeitamente natural precisa ser ensinado. Para conviver em

110 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

sociedade, a mulher tem que aprender a comportar-seconforme determina as regras de conduta estipulados porseu meio social, nesse caso, o aristocrata. Não bastasimplesmente saber baixar os olhos, mas fazê-lo de maneiranatural, delicada e graciosa. Enfim, as minúcias docomportamento feminino devem ser aprendidas. Luízacompreende isso, ao ser presenteada por seu pai: “[...]. Tenhofitas, calçados, luvas, tudo em profusão. Meu pai deu-megraciosamente o que requer uma moça: um necessaire, umatoalete, uma caçoila, um leque, uma sombrinha, um livro deorações, uma corrente de ouro, um xale de cachemira [...]”.(Balzac, 1955, p. 159)

Os acompanhamentos e os ornamentos são osprimeiros requisitos de uma mulher. Cada objeto deve serusado no momento certo e da maneira correta. Possuí-los denada vale se a mulher não saber usá-los adequadamente. Umbalançar mais brusco do leque, uma sombrinha que nãoacompanha o andar ou errar o passo ao dançar uma quadrilhapodem comprometer o sucesso da mulher, que receberá maiscríticas do que elogios. Após os devidos ensinamentos, quese iniciam na infância e são completados na juventude, amulher está apta para assumir seu papel na sociedade. Napassagem que segue, Luíza revela a repercussão de suaentrada nas esferas sociais da alta aristocracia: “À noite, fuiao baile, e fiquei ao lado de minha mãe, a qual me deu obraço com um devotamento bem recompensado. As honraseram para ela, eu servi de pretexto para as mais agradáveislisonjas [...]”. (Balzac, 1955, p. 161)

O primeiro baile é apenas o início da vida social damulher. Para ser notada e admirada pelos homens énecessário manter uma vida social ativa, freqüentando salões,teatros, óperas e bailes. Nesses locais, que são públicos, amulher deve assumir um comportamento satisfatório para

111Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

garantir o êxito nas relações sociais: “Faz quinze dias, queridaque vivo a vida mundana: uma noite, nos Italianos, a outrana Grande Ópera, e daí sempre para os bailes. Ah! Asociedade é um deslumbramento [...]”. (Balzac, 1955, p. 172)

Essa vida social ativa implica que a mulher, além defreqüentar as óperas e os teatros, deve também receber visitasem seu salão e participar das recepções em outros salões. Oespírito de uma mulher como Luíza nutre-se da aprovaçãoconstante das pessoas de seu círculo social. Para Berger (1983,p. 107), que estuda a influência do ambiente social sobre ohomem no século XX, é o meio social que determina o que amulher deve ser e fazer, indicando a conduta a ser adotadaem diferentes situações.

Além de apresentar-se adequadamente, a mulherprecisa também saber conduzir-se diante de determinadassituações, evitando manifestar uma opinião negativa acercada sociedade. A mãe lhe mostra e ensina que o bom gosto ea etiqueta social exigem que a mulher se expresse de formasutil e dissimulada, não expondo explicitamente opensamento e o conhecimento acerca dos fatos, dosacontecimentos e das pessoas. É somente no meio familiarque a mulher pode expor suas idéias e opiniões sem correr orisco de ser criticada: “Em família - respondeu minha mãe -pode falar sem receio” (Balzac, 1955, p. 174). Se essasopiniões são expostas sem critério e de maneira desmedida,a mulher corre o risco de ser criticada por estar expressandoum julgamento negativo em relação a atitude de seus pares.3

3 Segundo Prado, uma autora contemporânea que também analisa a educação damulher para ser esposa na França do século XIX, a reputação se baseia nasaparências, pois é ela que possibilita ao homem e à mulher atenderem osobjetivos pessoais, satisfazer a vaidade, tirar vantagens pessoais e materiais,granjear créditos comerciais e relações de negócios, enfim, servir aos interessespessoais e profissionais. (Prado, 1979, p. 87-8)

112 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

Essa atitude dissimulada deve também conduzir arelação conjugal. Renata aconselha Luíza a utilizar a belezapara encantar e agradar o homem. Para Renata, convém àLuíza influenciar Henarez, seu futuro marido, para torná-loum grande homem, ao invés de adotar uma atitude dedominação explícita: “Podes [...] fazer surgir o leão ocultonesse homem verdadeiramente superior. [...]. Será que nãote sentirás orgulhosa de exercer teu poder de outro modoque não em teu proveito, de fazeres um homem de gênio deum grande homem [...]?” (Balzac, 1955, p. 261).

Aspectos Conclusivos

A análise desse romance nos possibilita verificar que amulher precisa encontrar exemplos à sua volta para utilizar ovestuário adequado, possuir uma toalete impecável e agir demaneira acertada para influenciar o homem. É necessárioaprender a dissimular sua influência para não prejudicar aambos. Desse modo, a mulher consegue alcançar os objetivosque almeja sem desmerecer seu cônjuge, utilizando-se da sutilezapara influenciá-lo. É o equilíbrio desses elementos que lheassegura conquistar a confiança do marido e de seus pares.

Para influenciar o homem a mulher precisa saberconquistar o marido e a sociedade, comportando-se de acordocom as regras sociais estabelecidas. Embora exerça influênciasobre o cônjuge, a esposa não deve exercer um domínioexplícito, sob pena de comprometer a relação conjugal.

Dependendo da educação que recebe, a mulherestabelece as estratégias que lhe convém para atingir seusalvos, a partir do aprendizado familiar e social. Sem essaeducação, a mulher não consegue apropriar-se das habilidades

113Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

para influenciar o sexo masculino. Como afirma Erasmo(1998, p. 31) no século XVI, ao falar da educação, “[...]ninguém pode escolher os próprios pais ou a própria pátria,mas cada qual pode plasmar a sua personalidade pelaeducação”.

Assim, a análise do processo educacional das mulheresno século XIX possibilita ao Assistente Social compreendera importância da família e da sociedade para a formação dapersonalidade feminina. Além disso, um outro aspecto quemerece destaque refere-se à possibilidade desse profissionalcompreender e visualizar a importância da influência femininaem qualquer momento histórico. Podemos aprender, com asmulheres francesas que viveram no século passado, asartimanhas e os ardis para conquistar determinados objetivos.As mulheres atendidas pelo Serviço Social, podem aprender,também, que é possível reordenar o comportamento femininono século XX para alcançar, de maneira mais satisfatória, osanseios e os desejos femininos nas relações sociais.

AbstractThe goal of this article is to identify the educational developmentalprocess of the French woman between 1815 through 1848, throughtwo romantic works, The Memoirs of Two Young Wives, of Balzac. Theeducation of the Luíza reveals that the women learn to: accentuatebeauty with an impeccable style of dress, utilize the latest fashions,entertain guests and meet important and influencial people. The historicanalysis makes it possible for the Social Service to understand theimportance of the family context, as well as the education process towhich men are subjected in virtue of the demands of production in thematerial life.

Key words: educacion, woman, France.

114 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, p.101-114, jul./dez. 2000

Referências Bibliográficas

BALZAC, H. A Musa do Departamento. In: A COMÉDIA Humana.Rio de Janeiro: Globo, 1955. v. 6.

_______. Memórias de Duas Jovens Esposas. In: A COMÉDIAHumana. Rio de Janeiro: Globo, 1955. v. 1.

BERGER, P. Perspectivas Sociológicas. Uma Visão Humanista. 6. ed.Petrópolis: Vozes, 1983.

BRANDÃO, C. R. O que é Educação. 2. ed. São Paulo: Brasiliense,1981. (Coleção Primeiros Passos).

DURKHEIM, E. A educação como Processo Social. In: EDUCAÇÃOe Sociedade. São Paulo: Ed. Nacional, 1978.

ERASMO. A Civilidade Pueril. Revista Intermeio, Campo Grande, n. 2,1998. Encarte Especial.

_______. Revista Intermeio, Campo Grande, n.. 3, 1998. EncarteEspecial.

GASTALDI, S. Vida e obra de Balzac. São Paulo: Guaíra, 1940.

LAMPHERE, L. Estratégias, Cooperação e Conflito entre as Mulheresem Grupos Domésticos. In: A MULHER, a cultura e a sociedade. Riode Janeiro: Paz e Terra, 1979.

KRUPPA, S. M. P. A Educação como tema da Sociologia. In:SOCIOLOGIA da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.

PRADO, D. Ser Esposa a mais Antiga Profissão. São Paulo: Brasiliense,1979.

ROSALDO, M. Z. A mulher, a cultura e a sociedade: uma revisão teórica.In: A MULHER, a cultura e a sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1979.

115Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, jul./dez. 2000

INFORMAÇÕES PARA PUBLICAÇÃO DETRABALHOS

OBJETIVOS

Divulgar trabalhos inéditos da área de Serviço Social.Contribuir na formação acadêmica dos alunos de graduação e pós-graduação da área e de outras afins.Estimular a produtividade científica dos profissionais do Serviço Sociale áreas afins.Colaborar na atualização e no desenvolvimento do profissional do ServiçoSocial.

NORMAS EDITORIAIS

O Serviço Social em Revista aceita apenas trabalhos inéditos, com exceçãodos que já estão sendo avaliados para publicação em outras revistas.Aceitam-se também revisões de literatura e traduções. O recebimentodos artigos não implica a obrigatoriedade de publicação. Os trabalhosrecebidos serão avaliados por especialistas na área dos temas tratados.Aos autores que tiverem seus artigos publicados na Revista serão enviados2 exemplares do fascículo.

Os originais devem ser enviados à Comissão Editorial do Serviço Socialem Revista, Departamento de Serviço Social / CESA / UEL - CampusUniversitário - Caixa Postal 6001 - Londrina - PR - CEP.: 86051-970 -Tel.: (43) 371-4245 - Fax.: (043) 371-4215.e-mail: [email protected]

APRESENTAÇÃO DE TRABALHOS

1. Os trabalhos devem ser enviados em disquete, acompanhados de 3cópias impressas e não devem exceder 10 laudas. O editor de textoutilizado deve ser um dos descritos a seguir: Word for Windows, Word

116 Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, jul./dez. 2000

Perfect. O papel deve ser branco de tamanho A4 (21 x 29,7 cm), comentrelinhamento duplo e as páginas devem ser numeradasconsecutivamente. A primeira lauda do original deve conter o título dotrabalho, nome completo do autor, minicurrículo, endereço, telefone efax. Excepcionalmente serão aceitos trabalhos em outro formato;

2. O título deve ser significativo, breve, acompanhado de sua traduçãopara o inglês;

3. Discriminar as palavras-chave (Português/Inglês) que representam oconteúdo do texto, logo após o título;

4. O resumo, com aproximadamente 100 palavras, deve ser escrito emportuguês e em inglês e deve estar em segunda lauda;

5. Ilustrações como quadros, tabelas, fotografias e gráficos (os doisúltimos devem ser incluídos apenas quando estritamente necessários),devem ser indicados no texto, com seu número de ordem e os locaisonde figurarão; caso já tenham sido publicados indicar a fonte e enviar apermissão para reprodução;

6. As notas explicativas devem vir no rodapé do texto, indicadas comasterisco sobrescrito, imediatamente após a frase a qual faz menção;

7. Os agradecimentos, se houver, devem figurar após o texto;

8. Anexos/apêndices devem ser utilizados quando estritamentenecessários;

9. As citações no texto devem seguir a norma NBR 10520/92 daAssociação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), utilizando-se osistema autor-data. As referências bibliográficas (NBR 6023/90) devemaparecer em lista única no final do artigo em ordem alfabética, sendo deinteira responsabilidade dos autores a indicação e adequação dasreferências aos trabalhos consultados;

10. No caso de artigos reformulados/corrigidos, deve ser entregue umanova cópia impressa reformulada/corrigida, juntamente com o disquete.

117Serv. Soc. Rev., Londrina, v. 3, n. 1, jul./dez. 2000

Itens a serem observados:

ParaRELATÓRIO DE PESQUISA OU RELATOS DE INTERVENÇÃOResumoIntrodução (problematização e justificativa)ObjetivoMetodologiaApresentação e discussão dos resultadosReferências Bibliográficas

ARTIGOResumoIntroduçãoDesenvolvimento da discussãoConclusãoReferências Bibliográficas

CLASSIFICAÇÃO DOS TRABALHOS

Os trabalhos recebidos serão classificados conforme as seções da revis-ta: artigos, comunicações, relatos de experiência e resenhas, a critério daComissão Editorial.