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ORTEGA Y GASSET EM TORNO A GALILEU esquema das crises Tradução e introdução LUIZ FELIPE ALVES ESTEVES l!l Petr6polis 1989 v.

EM TORNO A GALILEU - unirio.br · Renascimento na Itália; Pela primeira vez a palavra' Renasci- ... o,homem tira de sua própria e libérrima ... e a de um poeta há uma radical

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ORTEGA Y GASSET

EM TORNOA GALILEU

esquema das crises

Tradução e introduçãoLUIZ FELIPE ALVES ESTEVES

l!lPetr6polis

1989

v.

LIÇ,ÃO-:I

Galileísmo da história

Em junho de 1633,Galileu Galilei, de setenta. anos, foiobrigado a ajoelhar-se ante o Tribunal ínquísitoríal, em, Roma,e a abjurara teoriacopernicana, concepção que. tornou possí-vel a física moderna. .

Vão cumprir-se, pois, trezentos anos daquela deplqrávelcena originada, para dizer a verdade, mais do que de reservasdogmátícas da Igreja, de miúdas intrigas de grupos particula-res. Convido os ouvintes a que, em homenagem a Galileu, de-senvolvam comigo alguns temas em .torno ao pensamento desua época.

Se rendemos homenagem a Galileu é porque nos inte-ressa a sua pessoa. Mas pbr que nos interessa? Evidentementepor razões muito distintas daquelas pelas quais Galíleu inte-ressava a Galileu. Cada qual se interessa por si mesmo; queiraou não, tenha-se em pouco ou em muito, pela simples razãode que cada qual é sujeito, protagonista de sua própria e in-transferível vida. Ninguém pode por mim viver a minha vida;tenho eu por minha própria e exclusiva conta que a ir' viven-do, engolindo as suas aflições, filtrando as suas amarguras, su-portando as suas dores, fervendo em seus entusiasmos. Que cadaqual se interesse por si másmo não necessita, pois, de especialjustificação. Mas ela é necessária, sem dúvida, quando nossointeresse é por outra pessoa, sobretudo quando não é um con-temporâneo. A primeira vista nossos interesses, nossas admi-rações, nossas curiosidades, oferecem o aspecto de um fortuitoenxame. Mas tal não ocorre. Nossa existência é um organismoe nela tudo tem seu lugar ordenado, sua missão, seu papel,

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Galileu nos interessa não por acaso, solto e sem razão,ele e nós frente a frente, de homem para homem. Por poucoqúe analísemos nossa estima por sua figura, perceberemos quese"impõe a nosso fervor, colocado num preciso quadrante, si-tuado num grande pedaço do pretérito que tem uma formamuito precisa: é o início da Idade Moderna. do sistema deidéias. valorizacões e impulsos que dominou e nutriu o solohistórico que se estende precisamente de Galileu até os nossospés. Não é, pois, tão altruísta e generoso o nosso interesse porGalileu como à primeira vista poderíamos imaginar. Ao fundoda civilização contemporânea, que se caracteriza entre todasas civilizações pela ciência exata da natureza e a técnica cien-tífica, pulsa a figura de Galileu. É portanto um ingrediente denossa vida e não um qualquer, mas aquele a quem nela com-pete o misterioso papel de iniciador.

, Diz-se. porém. e talvez com não escasso fundamento. que! tOdos-'essesprincípios constitutivos da Idade Moderná'1sé acham'hoje' em grave" crise. Com efeito; existem :rião poucos motivos

"para presumir que o homem europeu levanta "suas tenéía!s dessesolo moderno onde acampou durante três séculos- 'e .começa

,um novo êxodo para outro âmbito histórico, para. outro modo, de' existência. O que quer dizer: a 'terra da Idade Moderna-que. começa sob os pés de Galileu termina sob nossos pés. Que.jáa abandonaram. ' . . " .,

·'r'·,:";':

Mas, então, a fígura do grande italiano _adquire para, nósum interesse mais dramático, interessa-nos então rmnto maisinteressadamente. > Porquel,'le é certo que .vivemos umasítuação

<de: prpf4ntiá crise histórica, se é eertõ', qUê '::;a:.Ímosde umaIdade para entrar erp: outra, importa-nos muito: 19 considerarintegralmente em fÓrmula rigorosa' cómo era "esse sistema de

. vida que abandonamós; 29 em que consiste' ISSO de'· viver emcrise histõriea; 39 COmotermina uma cbse histórica' e ,se entra.ém novo' tempo. Em Galileu e Descartes' termina a maíor" crisepor que passou o destino' europeu. ---uma ·€rise que cômeçanos. fins' do séculO"XIV e não termina até" o alvoreéér doXVII. Ao cabo dela, como divisar dé águas e cume entre duasidades, levanta-se a figura de Galileu: Com ela o homem mo-derno entra no mundo moderno. Interessa-nos, .poís, sobrema-neira considerar aquela crise e esse ingresso. Todo entrar emalgum lugar, todo sair de algum. recinto é um pouco drama-

.. tico: por vezes o e muito - daí as superstições e os' ritos doumbral e do 'díntel. Os romanos acreditavam em, deuses espe-ciais que presídíam .a essa condensação de enigmático' destinoque, é 'o sair 'e é o entrar. Ao deus do sair chamavam-lheAbeona, ao' deus do entrar lhe chamavam Adeona. Se; em vez

" ,

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do ,deus pagão, usarmos um vocábulo crístíanízado: patrono,nada' pode parecer 'mais 'justifiC'ado que fazer de Galileu pa-trono aoeema de' nossa . saída da modernídade, patrono aãeonade nosso ingresso: num futuro palpitante de mistério.

.Todc aquele que intentou estudar a época européia quevai de 1400 a 1600 se deu conta de quê é entre todos 'os perío-dos da nossa história ocídental .o mais' conruso e hoje em diaíndomínado. Em 11160publicou Jacob Burkhard seu Cultura doRenascimento na Itália; Pela primeira vez a palavra' Renasci-mento,que andava .ao léu desde Vasari com significados índe-.císos, -adquíre um sentido preciso 'e representa a definição deum tempo histórico. Era um primeiro ensaio de esclarecimentoque punha um esquema de ordem sobre três séculos de con-'fusa memória. Uma vez mais se pôde ver que o conhecimento ';não' consiste em pôr o homem frente à pululacão inumeráveldos fatos brutos, dos dados nus, Os fatos, os dados;' emborasendo' efetivos, não são a realidade, não têm por si realidadee, como não a têm, mal podem entregá-Ia à' nossa. mente.Se para conhecer o pensamento não tivesse outra coisa quefazer' senão refletir urna realidade que já está aí, nos tatos,pronta como ..uma virgem prudente à espera do esposo, a cíên-ciaseria tarefacômoda e há muitos milênios o homem teria l

~esc9bértb tódás~s"verd;tdés urgentes.TMas acontece que arealidade não é um, presente que os fatos dão ao homem, Porséculos -e séculos os fatos siderais estavam patentes aos olhoshumanos e, todavia, o que esses fatos apresentavam âohomem,o que, esses -fatospatentízavam não era uma realidade, mas todoo contrário, era um enigma, um. arcano, um problema, diante.doqua:l 'ele estremecia de pavor. Os fatos vêm a ser, pois,as figuras de um hieróglifo. Repararam os senhores na para-doxal rcondíção dessas figuras? Elas nós apresentam ostento-samente. seus claríssímos perf~s,mas esse seu claro aspectoestá aí 'pre,cisamente -.'para nos,' propor um enigma, para "pro-:duzír em-riós confusão.' A' figura hieroglífica nos diz:"Vês~mebem?:-ÓMmo,'poisqisso que vês de mim não é meu' verdadeiro

~ Estou~ aqui para avisar-te que eu-não sou minha efetivanealídade.. Minha realidade,' meu sentido' está por detrás elemim, 'oculto por 'mim. Para chegar a ele tens que' não confiar'em 'mim, guenão me. tOmar a mim como ,a realidade mesma;mas, a,ocontrário,' tens ,que interpretar-me é isso supõe 'queterás debusear como verdadeiro sentido deste hieróglifo outracoisa muttodiferente do aspecto que oferecem suas figuras", "

A ciência é,' éom eieito: interpretação dos fatos, .Por .simE)Smoseles pãê:)nos dão a rea:lidade, aO contrário, ocultam-na,ístoé, ,nos :propõem o problema .da realidade: Se não houvesse,

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fatos .não haveria problemas, não haveria enigma, não haverianada oculto que fosse' preciso .des-ocultar, des-cobrir. A pala-vra' com que os gregos nomeavam a verdade é alétheia, quesignifica descobrimento, retirar o véu que oculta e cobre algo.Os Jatos cobrem a realidade e enquanto estivermos em meioà sua pululação inumerável estamos no caos e na confusão.'Paia des-cobrir a realidade é preciso que retiremos por ummomento os fatos de em torno a nós e fiquemos a sós comnossa mente. Então, por nossa conta e risco, imaginamos umarealidade, (fabricamos uma realidade imaginária), puro inventonOSS0: lOgo, permanecendo na solidão de nosso íntimo imagi-nar, encontramos que aspecto, que figur,asvisíveis, em suma,que fatos produziria, essa realidade imaginária. li: então quesaímos' de nossa solidão imaginativa, de nossa mente pura eisolada, e comparamos esses fatos que a realidade imaginadapor nós produziria com os fatos efetivos que nos rodeiam. ~casam uns com os outros. deciframos o hieróglifo, des-cobri-mos a realidade qtieos fatos cobriam e escondiam.

Essa tarefa é a ciência; como se vê, consiste em duasoperações distintas. Uma puramente imaginativa, criadora, queo, homem tira de sua própria e libérrima substância; outra con-frontadora com o que não é o homem. com: o que o rodeia,Cõm os fatos. com os dados. A realidade não é dado. algodado, oferecido mas cc~ gue o homem faz com omaterial' dado. -'

Não devia ser necessário tornar isso manifesto: quemquer "que se ocupe de trabalho científico deveria sabê-to, Todaa ciência moderna rião tem feito senão' isso, e seus criadoressabiam muito bem que a ciência dos fatos, dos fenômenos,tem que em certo ponto desinteressar-se deles, tírá-los de suafrente e ocupar-se em puro imaginar. Assim, por exemplo:' oscorpos lançados' se movem de inumeráveis modos, sobem, des-cem, seguem em' seus trajetos as curvas mais diversas, corrias mais diferentes velocidades. Em tão imensa variedade nosperdemos, 'e, por mais observações que façamos' sobre os fatosdo movimento, não logramos descobrir o verdadeiro ser domovimente. Em troca, que faz Galileu? Em vez de perder-sena' selva dos fatos, entrando neles como passivo espectador,começa por imaginar a gênese do movimento nos corpos lan-çados: cuius motus çenerationera talem constituo. Mobile quoti-dam super planurn horizontale projectum mente concipio omnisecluso impedimento, Assim inicia, Galíleu a jornada quarta deSEm último livro íntítulado Diálogo das novas ciências ou Dis-corsi e, õimoetrazume. in torno a due nuove scienze attertentiartarnecanica eâ di movimenti locali (Essas duas ciências são

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nada mais nada manos que a físioa moderna). "Concebo porobra da minha mente um móvel lançado sobre, um planohorizontal e retirado todo impedimento". Quer' dizer: trata-sede uni móvel ímagínárío .numiplano .ídealmente.chorízontal e\sem nenhum obstaculo v-- mas esses obstáculos, ímpedímentosque Galíleu imaginariamente tira ao móvel, são os fatos; jáque todo corpo' observável se move entre impedimentos, ro-çando outros corpos e roçado por eles. Começa, pois, por cons-truir idealmente, mentalmente, uma realidade. Só quando temjá pronta sua, imaginária realidade observa os fatos,' Ou 'me..lhor, observa que relação mantêm ,os tatos-oomra imagi-ntid::trealidade. ' !

Pois bem, eu tenho a convicção de' que se avizinha ~mesplêndido florescimento das ciências hístorícas, devido a queos historiadores se resolverão a fazer mutatis mutaruiis, frenteaos fatos históricos, o mesmo que Galileu começou frente aosfísicos. Convencer-se-ão de que a ciência. entenda-se toda ciên-cia de coisas. sejam estas corporais ou espirituais, é tanto obrade imaginação, quanto de observação, que esta última não épossível sem aquela - em suma, que a ciência é construcão.Esse caráter, ao menos em parte, imaginativo da ciência, fazdela uma irmã, da poesia. Mas entre' a imaginação 'dEr'Galileue a de um poeta há uma radical diferença: aquela é uma im'a:~ginação exatà. O móvel e o plano, horizontal que concebe comsua mente são figuras rigorosamente matemáticas. Isso 'postei,a matéria histórica nada tem que ver de 'essencial CQ!n à ma-temático. Terá por isso que renunciar a ser uma construção,isto é, uma ciência e declarar-se irremediavelmente poesia?Ou cabe, uma ímagínação que, sem ser, matemãtíca, preste àhistória o mesmo, serviço de rigor construtivo. que 'a mecânicapresta à física? Cabe uma quasí-mecâníca da história? .

Não wamos desenvolver agora essa iquestão, Mas, sim,quisera deiXar no ar, como uma insinuação, as .suposícões maísgerais que, 'no meu entendimento, fazem possível uma históriaverdadeiramente' científica. ' .. , ,

Os historiadores para se dispensarem de discutir com osfilósofos costumam 'repetir a frase escrita por. um de seusmaiores capitães, por' Leopoldo de Ranké, o qualrãs' discussõesde seu tempo sobre a forma da ciência histórica opôs; como ar de quem corta de mau humor um nó gõrdío.: estas -pa-lavras: tiA história se propõe a averiguar wie es eigentlichgewesen ist - como efetivamente se passaram as coisas". Essafrase parece que se entende à .prímeíra vista, mas, levando-seem conta as polêmicas que a inspiraram, tem um sígnífícado

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bastante estupidõ.·6',que' se- passóul ()'quê ocorreu+ou fof!Como? Porventura se+eeupa ahist6na-com, os- 'eClipsês i~queocorreram? "Evidentemente,'não.' A frase --é elíptíca, 'stipõe-~que na história se trata dociuese passou; aconteceu;' sucedeuao homem,' Mas é isso precisamente o '-que, com todo o res-peito a Ranke, que tenho por um dos mais' formidáveis cons-trutores de história; me parece um pouco estúpido. Porquese quer dizer com isso 'que ao homem lhe. acontecem muitascoisas, .Inrínítas coisas, e que essas coisas que- acontecem lheàcontecem no sentido de uma telha que· cai sobre um tran-seunte e o desnuca. Nesse aeontecer.vo homem nãotería outropapel que o de um frontão sobre o qual caem as fortuitasboladas de um extrínseco destino. A história não teria outramissão que tomar nota dessas boladas uma a uma. A históriaseria. puro e absoluto empírísmo. O passado humano seria umaradícal idescontínuidade de ratos 'soltos sem estrutura, leí ouforma. - '".. - , .. '" , '

Mas e evidente, que tudo que ao vhomem acontece e su-cede lhe sucede e acontece dentro de sua vida e se converteipso facto em um acontecimento de vida humana, quer dizer,que o verdadeiro ser, a realidade desse acontecímento não éa' 'que este como acontecimento bruto, 'isolado e por si pareçater,' mas o que signifique na-vida desse homem. Um' niesmofato material tem as realidades mais diversas inserido em vidashumanas diferentes. A t-elha que cai é a salvação para o tran-seunte -desesperado e anônimo ou é uma catástrofe de impor-tância universal quando, bate na nuca" de um criador, "de.. ím-

, péríos, de um .gênío jovem. .:» - '",,"

,-o .' .•.., Um fato histórico não é, pois, ..nunca um pur.o' .ocorrére' acontecer -:: é Junção, de toda uma rvida huináriá'ind~v1dúa. 1.. r " .

'ou coletiva, pertence a um organismo de fatos onde cada qual.tem seu papel dinâmico eiatívo., A' rigor, "ao'homem(o únicoque: lhe acontece .é viver: "todo o resto: é .fnteríor.. à. 'sua' :vida,provoca nela" reações, I tem nela um valor e um significado.A realidade, pois, do fato não está nele, mas na unidade indi-visa de cada. vida.

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De modo' que se, seguindo Ranke, queremos que 'a his-tória consista em averiguar como propriamente; efetivamente,ocorreram as coisas, não temos outro remédio senão apelar decada fato bruto para o sistema orgânico, .unítãrío da :VÍ'da'aquem o fato aconteceu, que viveu o fato. >' '.'

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De tal modo assim é 'que o historiador não' pode sequerler uma só frase de um documento sem lígá-la paraa enten-der, à vida integral do, autor do documento. A história em seu

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tah~r" ;Iir.!IiIárf~)~,tlbi:rt~l~:)~lertlehtaf ;.:i i' 'éh~F~eriêliüca,) o ~qUêquer, dJz~r.--~íntérpretação' _-,:-<int.erpretação .querquer dizer ín-élll:sã:o-qe-,to~do1ato ~S""olto~na: -~st!1ltura'-orgãrtica: 'de .uma; 'vida,cfe'um' S.istema-vital:' -- ",., - _.' .. ._-,.

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{ 'ir, luz dessa "advertência, 'decerto bem óbvia, a históriadeixa de ser a simples averiguação do que, . .se passou, e se!?qnv~rte, "em, outra, ,coi~a, }trI),' "pouco, ma~~ complicada, ,,- ~ali1\festi"'a'ão'dé combfaram áS vidM'humanas eri uanto tais., b!'1~ste.poiS;>nã6 odue aconteáuaos hOmens. já' que. 'como~imÇlS;,;Og"\lê:Jt_àlg4~I11 .~I:l~àcopt~CéI3Ô. Se.pQde cunl).écér quando~é~,$~p'éqllar foi "àSUa;Vida' em 'totalida;d.e;' ' ~,_~.,'"",:' -: . '.' i ., ", ~"'" "

Mas' ao topar: a+hístôria com a .muítídão das vídasihu-manas se encontra na mesma situação de. Galileu ante oscorpós' qtie''sê movem. Tantos: se, movem e de tão diversosmo~01;;q,1i~ ~~r~_~n1.v~,oipd,~gar':.d~i~s',O_ :-qúe'sej~ Ó _~()vi~mente. -Se o+movímento rnão tem- uma 'estrutura essencíaí esempre idênHcâ, di, Cítta(-os fuoviÍÍ1entós singuiai'es~céIàs coi-po~são '!n;iêr,as'vaHi:tçõêíS'e ::tnodifiCaçÔes, -afísfca é impossível. Porfssd dã:liIiunio';'tern úutrorefnédlo senão começar por' cons-tituir .'o e:sgÚêiílf{ dét todo .. mo~tménto::NbS .:que . em seguidaobserva, esse 'esquema terá que sempre se cumprir,' e graçasa esse esquema sabemos em que o por que se diferenciam unsdos outros os movimentos efetivos. É preciso que na fumaçaascendente de uma chaminé de aldeia e na pedra que cai deuma torre exista sob aspectos contraditórios uma mesma rea-lidade, isto é, que o fumo suba precisamente pelas mesmasrazões que a pedra desce.

Pois bem, tampouco é r possível a história, a investigaçãodas vidas humanas se a fauna variadíssima destas não oculta-uma estrutura essencial idêntica; em suma, se a vida humananão é, no fundo, a mesma no século X antes de Cristo e noséculo X depóis de Cristo, entre os caldeus de Ur e em Ver-salhes de Luiz XV.

O caso é que todo historiador se aproxima dos dados,dos fatos, levando já na mente, dê-se ou não conta disso, umaidéia mais ou menos precisa do que é a vida humana; Isto ~de quais são as necessidades, as possibilidades e a linha geralde comportamento característicos do homem. Diante de tal no~tícia sue um documento lhe proporciona se deterá. dizendo:isso não é verossímil, isto é, isso não pode acontecer' a umhomem, ,~ ;v.ld~ humamL ~clui ,COIll.o:Jm,possíveis ..certos. tipos_de co~pÇ>rtamento; Mas não apenas isso: chega a mais; Declaraínverossímeíscertos 'atos. 4&, unLbpi;nem, não porque em' abso-luto o sejam, senão porque contradizem excessívamente-outrós

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dados da vida desse homem. E então diz: isso é inverossimilnumihomem do século' X, embora seja muito natural numhomem do século XIX .. Não percebem de quê modo o histo-riador mais inimigo da filosofia decreta a reálidade ou írrea-lidade de um fato, submetendo-o, como a uma instância su-prema;' à idéia que ele tem de lima vida humana como tota-lidade e organismo?

, ,O que eu peço aos historiadores não é mais senão quelevem ·a. sério isso mesmo que fazem, que de fato praticam,.e~em, vez de construir a história sem dar. tento do que fazem,preocupem-se em constrití"la deliberadamente, partfndo de umaidéia mais rigorosa da estrutura geral que' tem nossa vida eque atua idêntica em todos os lugares e em todos os tempos.

Precisamente quando se trata de compreender uma épocaconfusa de -crise. - como é o Renascimento - é que é maisnecessário .partir '.de um esquema claro, preciso da vida e suasfunções constítutívas. Porque isso não foi feito rigorosamentee a fundo.. não .se .entendeu o Renasoímento nem se entendeuri que ..é. uma' crise histórica. Parece, pois, indispensável que,em 'brevíssímo resumo, proponhamos um esquema dá vidahumana. 1

1. [Sobre o "apriorismo" do pensamento de Galileu veja-se o ensaio de Ortega "La'Filosofia" de Ia Historia' de Hegel y Ia Historiologia", incluído no tomo da ColeçãoEI Arquero intitulado Kant, Hegel, Dilthey, e a série de artigos "Vicisitudes en Iascíencías" e ':"Bronca en Ia Física" incluídos no volume Meditaci6n de Ia técnica dacitada Coleção.]

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