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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UNIRIO) CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS (CCH) ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL (ESS) MÁRCIA CRISTINA DE LUCA FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL E A PRÁTICA PROFISSIONAL: o processo de estágio supervisionado em tempos de neoliberalismo. Rio de Janeiro 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (UNIRIO)

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS (CCH)

ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL (ESS)

MÁRCIA CRISTINA DE LUCA

FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL E A PRÁTICA PROFISSIONAL: o processo

de estágio supervisionado em tempos de neoliberalismo.

Rio de Janeiro

2021

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MÁRCIA CRISTINA DE LUCA

FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL E A PRÁTICA PROFISSIONAL: o processo

de estágio supervisionado em tempos de neoliberalismo.

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação

apresentado à Escola de Serviço Social da Universidade

Federal do Estado do Rio de Janeiro, como pré-requisito

para a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Prof.ª. Drª Lobelia da Silva Faceira.

Rio de Janeiro

2021

Page 3: MÁRCIA CRISTINA DE LUCA - unirio.br

MÁRCIA CRISTINA DE LUCA

FUNDAMENTOS DO SERVIÇO SOCIAL E A PRÁTICA PROFISSIONAL: o processo

de estágio supervisionado em tempos de neoliberalismo.

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação

apresentado à Escola de Serviço Social da Universidade

Federal do Estado do Rio de Janeiro, como pré-requisito

para a obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.

Aprovado em: ____ de ____________de _____.

Banca Examinadora:

__________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Lobelia da Silva Faceira (Orientadora)

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

___________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Vanessa Bezerra de Souza

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

__________________________________________________

Assistente Social Denize do Nascimento

Hospital Municipal Francisco da Silva Telles

__________________________________________________

Assistente Social Simone Junger

Hospital Municipal Francisco da Silva Telles.

Page 4: MÁRCIA CRISTINA DE LUCA - unirio.br

Dedicatória

Aos meus filhos,

Victor (In memoriam),

que à sua maneira sempre especial, me fez

compreender a relevância de percorrer por

este caminho, completando um ciclo em minha

vida.

e Maíra,

Amiga, companheira, e por demais, minha

maior incentivadora. Mentora desta

desafiadora, rica e emocionante trajetória. De

forma incansável, caminhou de mãos dadas

comigo todo o percurso, me fortalecendo a

cada obstáculo, vibrando por cada conquista e

principalmente, sem me deixar hesitar um

instante sequer. Vivenciou e participou de

cada momento no meu processo de formação e

da minha transformação em uma pessoa

melhor.

Amo vocês!!!

Page 5: MÁRCIA CRISTINA DE LUCA - unirio.br

AGRADECIMENTOS

Mais do que uma etapa concluída para me tornar uma bacharela em serviço social,

este momento representa o fechamento de um ciclo em minha história de vida. Dessa forma, a

chegada à reta final tem várias representações e significados que não só me emocionam, mas

me tocam a alma. Este momento é de festa, de gratidão, de alegrias, de fazer novos planos e

novas jornadas, e esta conquista não é somente minha, eu tive em meu caminho pessoas muito

especiais que me apoiaram, torceram e acreditaram no meu projeto e no meu sonho.

Aprendi com o meu pai a zelar pelo meu núcleo familiar e a honrar o meu sobrenome

ao qual muito me orgulho. E minha família foi fundamental em todos os sentidos, pois eu

sabia que tinha um ninho para me acolher e para me amparar incondicionalmente.

Agradeço com muito amor e emoção à minha mãe, que no início não entendia muito

bem essa coisa de ver a filha começar uma faculdade a certa altura da vida, mas esteve sempre

pronta a me apoiar, mesmo que isso representasse em certa medida um pouco a minha

ausência. Mãe te amo muito, e você é o meu exemplo de amor, dedicação e solidariedade.

Trabalhar em família muitas vezes representa uma faca de dois gumes, um lado que é

favorável e o outro nem tanto, e nesse sentido, ressalto o lado bom desse relacionamento, pois

foi com o apoio dos meus irmãos Pietro e Paulo, que ora eu chegava mais tarde, quase sempre

saía mais cedo e isso sem contar as tardes que eu estava no campo de estágio. Vocês foram

não só meus irmãos, foram meus cúmplices, vivenciaram comigo todas as dificuldades e

conquistas, e mais do que isso, acreditaram no meu potencial e reconheceram o quanto isso

tudo importa e significa para mim. O meu muito obrigada de coração!

Um agradecimento especial para a minha prima Mônica De Luca, pois foi com ela o

primeiro brinde de comemoração quando soube que entrei para esta Casa, e desde então ela

veio acompanhando cada semestre cursado e se certificando de que eu mantinha o meu

propósito de estar hoje nesta posição.

Certo dia, meu filho Victor me cobrou que eu deveria voltar a estudar e terminar uma

graduação, e dizia que assim eu teria direito à prisão especial. Lembro exatamente do dia em

que ele me falou isso, em tom de brincadeira, mas com um vislumbre de quem antevia o meu

futuro próximo, acredito que dentro de uma universidade. Não temos a sua presença física

aqui hoje, mas ele também faz parte disto.

Page 6: MÁRCIA CRISTINA DE LUCA - unirio.br

A minha filha Maíra representa uma luz na minha vida, com ela e por ela estou

sempre aprendendo, me transformando e me redescobrindo, ela é um motivo de orgulho para

mim e tem todo o mérito por este meu despertar.

Agradeço a todos os meus familiares e amigos que me apoiaram e compreenderam os

momentos em que tive que priorizar os estudos e me afastar da vida social ainda que de forma

involuntária. Assim que este contexto de pandemia permitir, quero muito aglomerar e

comemorar com vocês. Bruna, obrigada pelas inúmeras vezes em que você se disponibilizou

em me ajudar, sempre me perguntando se eu precisava de alguma coisa e me oferecendo

lanches e refeições, além do apoio moral, para que eu não precisasse parar de estudar.

Não poderia deixar de agradecer aos meus pets Eevee e Yoshi, companhias e

testemunhas das horas de estudo e passadas no computador. Por algumas vezes, a Eevee

entendeu que para o meu bem seria melhor comer algumas das minhas anotações. Já o Yoshi

demonstrou o seu apoio e solidariedade dormindo quase sempre aos meus pés, e eu imaginava

que quando eu terminasse de escrever, teria um sono pleno e tranquilo como o dele.

À UNIRIO, à Escola de Serviço Social e em especial aos meus professores, minha

eterna gratidão pelo acolhimento, pelos ensinamentos, pelas experiências, pelas amizades e

por terem me proporcionado uma formação de excelência. Sinto-me privilegiada e muito

orgulhosa pela oportunidade que tive de conviver entre vocês.

Obrigada aos amigos que a universidade me presenteou, a turma 2016.2 foi destaque

e reconhecida pela nossa união, pelo nosso interesse e empenho, pelas festinhas de aniversário

e por termos conseguido caminhar praticamente todos juntos. Agradecimentos especiais à

Mariana Terra, nossa Mari, que tanto nos salvou com os quesitos tecnológicos e sempre

solícita para nos enviar textos, arquivos e tudo o mais que precisasse disponibilizar para a

turma.

Não poderia esquecer os meus pintinhos, Débora, Leonardo, Mariana e Thalya,

obrigada por me aguentarem, por não me deixarem desistir quando as coisas pareciam não ir

muito bem, por me incentivarem e me apoiarem, por ouvirem as minhas lamúrias e desabafos,

enfim, tenho vocês na minha árvore de Natal e no meu coração para todo o sempre.

Meu agradecimento especial e afetuoso para a minha professora e orientadora do

TCC Lobelia Faceira, você faz toda a diferença no meu processo de formação. Tem me

acompanhado desde o quinto período como professora supervisora do estágio supervisionado,

Page 7: MÁRCIA CRISTINA DE LUCA - unirio.br

e aceitou ser minha orientadora fazendo parte desta etapa tão importante e às vezes árdua em

determinados momentos. E você sempre diz: calma Marcinha vai dar tudo certo!

Agradeço também à Equipe do Serviço Social do Hospital Francisco da Silva Telles

por terem me acolhido por três períodos consecutivos no campo de estágio. Em especial às

assistentes sociais Denize do Nascimento e Simone Junger, que me proporcionaram um

pensar crítico, reflexões e propostas para uma intervenção pautada na complexidade

apresentada pelas expressões da questão social que aparecem como demandas dos usuários do

serviço social no campo de estágio e posteriormente, na minha vida profissional.

Page 8: MÁRCIA CRISTINA DE LUCA - unirio.br

“Ao estabelecerem as mediações entre a esfera

do cotidiano, na qual prevalece o imediato, e as

demais esferas do ser social, sobretudo a

econômica e a política, os assistentes sociais

vinculados à perspectiva histórico-crítica

desmistificam o caráter de apostolado da

profissão e a sua funcionalidade à ordem

burguesa no controle sociocultural, econômico e

ideológico da classe trabalhadora, explicitam as

possibilidades e os limites do exercício

profissional. Tal compreensão da realidade e da

profissão, como parte constitutiva da totalidade

contraditória, somente foi possível quando, pela

crítica, segmentos da profissão começaram a

construir as balizas teórico-metodológica, ético-

política e técnico-operativa da profissão na

perspectiva histórico-crítica e estabelecer a

crítica ao Serviço Social tradicional e às

vertentes vinculadas aos interesses do capital,

desmistificando-as.”

(Marilene Coelho)

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RESUMO

A monografia tem como objeto de pesquisa a contribuição do estágio supervisionado na

formação profissional dos assistentes sociais no cenário contemporâneo. O objeto de estudo

foi estruturado a partir das indagações e inquietações, que surgiram no processo de estágio

supervisionado. O trabalho de conclusão de curso (TCC) tem os objetivos específicos de

elaborar um debate teórico sobre a historicidade do serviço social no Brasil, estudar a

formação profissional sob as novas diretrizes curriculares da Associação Brasileira de Ensino

e Pesquisa em Serviço Social (ABEPPS) de 1996, e problematizar os avanços e limites do

estágio supervisionado na formação e atuação profissional na contemporaneidade. O estudo

foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica, que possui como categorias teóricas

o serviço social, os processos de trabalho do assistente social, o estágio supervisionado e o

neoliberalismo. Os dados foram analisados com base na análise de conteúdo. A relação

academia-campo de estágio é fundamental no processo de formação do assistente social

representada pela indissociabilidade entre o binômio teoria-prática e na tríade formada entre

supervisor acadêmico-estagiário-supervisor de campo. O serviço social tem enquanto projeto

ético-político a formação de uma sociabilidade libertária e emancipatória, e é por meio da

unidade entre as dimensões ética, teórica, ideopolítica e técnica que pode ser assegurada a

resistência ao projeto conservador em via na atualidade, seja no âmbito da pesquisa, formação

e em seu processo de trabalho. Além de se reforçar a conexão com as entidades

representativas da categoria dos assistentes sociais junto aos movimentos sociais. Ressaltamos

a relevância para futuras pesquisas, pensar nos novos desafios, limites e implicações

colocados ao estágio supervisionado dentro do contexto do ensino e trabalho remoto no

cenário estabelecido pela pandemia do Covid-19.

Palavras-chave: Serviço social; Processos de trabalho do assistente social; Estágio

supervisionado; Neoliberalismo.

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ABSTRACT

This monograph aims to research the contribution of supervised practice (internship) in the

professional training of social workers in contemporary society. The object of the study was

structured based on questions and concerns that arose during the supervised practice process.

The main objective of the final degree project (FDP) consists of preparing a theoretical debate

on the historicity of social work in Brazil, analyzing professional training under the new

curricular guidelines of ABEPPS (1996), and problematizing the advances and limits of the

supervised practice in the training and professional performance in contemporaneity. The

study was developed through bibliographic research which has as theoretical categories the

social service, the working processes of the social worker, the supervised practice, and

neoliberalism. The data were analyzed based on content analysis. The connection academy-

internship is essential during the social worker training process represented by the

inseparability between the theory-practice binomial and in the triad formed amid academic

supervisor-intern-field supervisor. Social work has as an ethical-political project the formation

of libertarian and emancipatory sociability, and it is through the unity among the ethical,

theoretical, ideopolitical and technical dimensions that the resistance to the conservative

project currently, even in the research, training and in its working process, besides the

strengthening of the connection with the entities representing the category of social workers in

the social movements. We emphasize the relevance for further research, to think about the

new challenges, limits, and implications placed on the supervised practice within the context

of teaching and remote work in the scenario established by the Covid-19 pandemic.

Keywords: Social service; Working processes of social worker; Supervised practice;

Neoliberalism.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABAS Associação Brasileira de Assistentes Sociais

ABEPSS Associação Brasileira de Ensino

ABESS Associação Brasileira de Escolas de Serviço social

ALAEITS Asociación Latino-Americana de Ensenânza e Investigación em

Trabajo Social

ALAESS Associação Latino-americana de Escolas de Serviço Social

CBAS Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais

CBCISS Centro de Cooperação e Intercâmbio de Serviço Social

CE Código de Ética

CEAS Centro de Estudos e Ação Social

CEDEPSS Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço

Social

CELATS Centro Latino-americano de Trabajo Social

CFAS Conselho Federal de Assistentes Sociais

CFESS Conselho Federal de Serviço Social

CNE Conselho Nacional de Educação

CRESS Conselho Regional de Serviço Social

DCs Diretrizes Curriculares

EAD Ensino à Distância

ENESSO Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social

ERE Ensino Remoto Emergencial

IES Instituição de Ensino Superior

LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação

LGBTI+ Lésbica, gay, bissexual, transgêneros, intersexual, demais

vivências e possibilidades que compõem a comunidade LGBTI

MEC Ministério da Educação

OMS Organização Mundial de Saúde

PIN Programa de Integração Nacional

PIS Programa de Integração Social

PROTERRA Programa de Redistribuição de Terras

TCC Trabalho de Conclusão de Curso

UFA Unidade de Formação Acadêmica

UNIRIO Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 13

2. UMA BREVE HISTORICIDADE DO SERVIÇO SOCIAL NO CENÁRIO

BRASILEIRO .................................................................................................................... 20

3. O PROCESSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL E AS

MUDANÇAS COM AS DIRETRIZES CURRICULARES DA ABEPSS DE 1996 ........ 54

3.1. A categoria trabalho e o processo de trabalho do assistente social ........................ 76

4. ESTÁGIO SUPERVISIONADO: AVANÇOS E LIMITES NA FORMAÇÃO E

ATUAÇÃO PROFISSIONAL NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO ............................ 85

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 101

REFERÊNCIAS ............................................................................................................... 109

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1. INTRODUÇÃO

O trabalho de conclusão de curso tem como objeto de pesquisa a contribuição do

estágio supervisionado na formação profissional dos assistentes sociais no cenário

contemporâneo, a partir das diretrizes curriculares da Associação Brasileira de Ensino e

Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS, 1996), que respaldou uma nova perspectiva de atuação

profissional do assistente social frente às demandas e transformações da sociedade no

contexto neoliberal.

O objeto do estudo foi estruturado a partir de indagações e inquietações, que

surgiram no processo de estágio supervisionado em serviço social. A minha inserção no

campo de estágio supervisionado me fez perceber que o olhar do senso comum que articula a

profissão à perspectiva assistencialista é latente e se dá não só por conta dos usuários, mas

também por outros diversos profissionais que atuam no mesmo cenário que os assistentes

sociais. Nos dias atuais, ainda é possível observar e vivenciar que o serviço social continua

sendo vinculado às práticas de filantropismo e ao assistencialismo, ou seja, continua sendo

associado às protoformas1 do serviço social. “O termo Serviço Social, de tanto ser utilizado de

forma imprecisa e indeterminada, tornara-se um destes significantes de uso comum, do qual

se pode pedir, e do qual se pode obter, quase tudo o que se queira.”(MARTINELLI, 2011,

p.142).

As atribuições e competências profissionais de um assistente social estão previstas na

Lei de Regulamentação da Profissão2 e fundamentadas nos onze princípios do Código de

Ética da Profissão de 19933. Mas, nos indagamos quais os desafios para a efetivação das

atribuições e competências de um assistente social na atualidade. Esses questionamentos e

dúvidas tão presentes na minha rotina de estágio me incentivaram a estudar o tema no meu

1 [...] as protoformas do serviço social tem sua base nas obras e instituições que começam a “brotar” após o fim

da Primeira Guerra Mundial. [...] O surgimento dessas instituições se dá dentro da primeira fase do movimento

de “reação católica”, da divulgação do pensamento social da igreja e da formação das bases organizacionais e

doutrinárias do apostolado laico. Têm em vista não o socorro aos indigentes, mas já dentro de uma perspectiva

embrionária de assistência preventiva, de apostolado social, atender e atenuar determinadas sequelas do

desenvolvimento capitalista, principalmente no que se refere a menores e mulheres. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p.177). 2 Lei Nº 8662, de 7 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão do assistente social. No Art. 4º, constituem

competências do assistente social, e no Art. 5º, constituem as atribuições privativas do assistente social.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8662.htm. 3 Código de Ética do Assistente Social, Resolução CFESS Nº 273, de 13 março de 1993. O CE se organiza em

torno de um conjunto de princípios, deveres, direitos e proibições que orientam o comportamento ético

profissional, oferecem parâmetros para a ação cotidiana e definem suas finalidades ético-políticas,

circunscrevendo a ética profissional no interior do projeto ético-político e em sua relação com a sociedade e a

história. (BARROCO; TERRA, 2012, p. 53).

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trabalho de conclusão de curso. E, mediante a atual conjuntura política, econômica e social do

Estado, na qual o desenvolvimento do capitalismo contemporâneo implica em aumento do

desmonte das políticas sociais, desemprego estrutural, desigualdade social, precarização das

relações de trabalho, significando a perda de direitos sociais da população, é primordial

propagar a atuação dos assistentes sociais a fim de contribuir com o exercício da cidadania e a

garantia de direitos, que são viabilizados pela atuação destes profissionais nas diversas esferas

das instituições públicas ou privadas e nos movimentos sociais.

O esforço volta-se para realizar um trabalho que zele pela qualidade dos serviços

prestados e pela abrangência no seu acesso, o que supõe a difusão de informações

quanto aos direitos sociais e os meios de sua viabilização. [...] Trata-se de envidar

esforços para assegurar a universalidade ao acesso e/ou ampliação de sua

abrangência, resistindo profissionalmente, tanto quanto possível, à imposição de

critérios rigorosos de seletividade. (IAMAMOTO, 2015a, p. 145).

Destaco também a relevância de analisar sobre as contribuições do estágio

supervisionado para a formação crítica do assistente social na perspectiva do seu projeto

ético-político frente ao neoliberalismo.

Intenciona-se um estágio que permita ao aluno um preparo efetivo para o agir

profissional: a possibilidade de um campo de experiência, a vivência de uma situação social concreta supervisionada por um profissional assistente social

competente, que lhe permitirá uma revisão constante desta vivência e o

questionamento de seus conhecimentos, habilidades, visões de mundo, etc., podendo

levá-lo a uma inserção crítica e criativa na área profissional e num contexto sócio-

histórico mais amplo. (BURIOLLA, 2001, p.17).

As minhas inquietudes referentes ao binômio teoria-prática me fazem refletir até que

ponto a imediaticidade do cotidiano, a dinâmica e contexto institucional, e em particular, o

processo de trabalho, nos permitem uma ação pautada nas três dimensões do Projeto Ético

Político e do Código de Ética da Profissão.

E é justamente no campo de estágio que vivencio a dificuldade em articular os

conhecimentos acumulados na academia, principalmente nas dimensões teórico-metodológica

e ético-política, visto que, em muitas ocasiões se chocam com a dinâmica institucional, que

por vezes reproduz o desmonte da saúde pública e, ao mesmo tempo, pela dificuldade em se

estabelecer um trabalho interdisciplinar junto aos demais profissionais envolvidos no

atendimento aos usuários do sistema de saúde.

Nas atuais diretrizes curriculares para os cursos de serviço social o estágio

supervisionado é referenciado a partir de vários princípios que subsidiam a

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formação, dentre as quais o da indissociabilidade entre estágio e supervisão

acadêmica e profissional. Ademais, as mencionadas diretrizes indicam a observância

das disposições contidas na lei de regulamentação da profissão e no código de ética

do assistente social. Neste diapasão, o estágio é entendido como uma atividade de

caráter pedagógico que deve permitir o desenvolvimento das competências teórico-

metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas dos futuros assistentes sociais.

(HILLESHEIM, 2016, p. 162).

A importância da tríade supervisor acadêmico, estagiário e supervisor de campo para

a formação do assistente social, é essencial, e deve ser constituído um trabalho em uníssono e

dentro das perspectivas do projeto ético-político da profissão. Mas, como pensar em garantir e

ofertar uma formação de excelência aos estudantes do serviço social dentro do campo de

estágio, sem levar em consideração as condições e relações de trabalho inadequadas, baixos

salários e autonomia limitada dos assistentes sociais dentro do atual contexto histórico-social?

Deve-se considerar também o número de assistentes sociais e professores contratados

sob uma forma de trabalho precarizada. São profissionais terceirizados, contratos temporários,

subempregados caracterizando por vezes uma alta rotatividade o que trará consequências

também ao processo de supervisão de estágio. O cenário contemporâneo é precário,

influenciando diretamente o trabalho dos assistentes sociais frente ao crescente número de

usuários que requerem algum tipo de benefício mediante a diminuição de recursos para o

atendimento dessa população.

As dificuldades também se põem em relação aos alunos, ou seja, nota-se um maior

engajamento de alunos no curso de serviço social com perfil da classe trabalhadora, e que

necessitam conciliar no seu dia a dia as três funções: trabalho, estudos e estágio. Essa

dificuldade resulta muitas vezes em busca de um estágio no próprio campo de trabalho, ou

estágio nos fins de semana, ou concentrados em um único dia da semana, etc. Dessa forma,

não respondendo aos requisitos estabelecidos nas diretrizes curriculares e com prejuízos à

vivência do processo de estágio. É necessário que o aluno entenda a importância de sua

permanência no campo de estágio, condição para a sua apreensão das relações contraditórias

da trama social e assim, possa intervir de forma competente.

A qualidade da supervisão de estágio passa a ser prejudicada na medida em que não contribui para que o processo de aprendizagem dos alunos ocorra de forma reflexiva

e crítica. A postura que sustenta a qualidade perpassa pelo compromisso dos

estagiários entre si e com os usuários, não podendo apenas expressar afetividade,

pensamento espontâneo e fazer o bem. Tal postura precisa ser constantemente

problematizada, de forma coletiva e individual, alicerçada nas expectativas de cada

usuário dos serviços sociais, uma vez que este espera do profissional ação firme,

constante e consequente. (LEWGOY, 2010, p.57).

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Há de se levar em consideração também a abertura de vagas para estágio não-

obrigatório e remunerado em determinados espaços cuja finalidade é a contratação de mão-

de-obra barata, como substituição profissional. “É a transmutação do processo de ensino-

aprendizagem em trabalho.” (PEREIRA, 2016, p.366).

Por outro lado, tendo em vista a qualidade na educação e na formação profissional,

articulando ensino, pesquisa e extensão, o estágio supervisionado em serviço social é

orientado pela Política Nacional de Estágio (PNE), tendo como base as Diretrizes Curriculares

da ABEPPS (1996), e, dando ênfase também à Resolução nº 533 do Conselho Federal de

Serviço Social (CFESS), que regulamenta a supervisão direta de estágio no Serviço Social.

Ela (PNE) traz os princípios norteadores do estágio supervisionado, reforça a

supervisão direta de estágio (Resolução 533 do CFESS), define parâmetros para o

número de alunos por supervisor acadêmico, elucida questões sobre o estágio

obrigatório e não obrigatório, define as atribuições de cada sujeito envolvido no

processo de estágio, incentiva a construção dos Fóruns de Supervisão e aponta

estratégias para a construção das Políticas de Estágio nas Unidades de Formação

Acadêmicas. (ABEPPS, 2020).

Desse modo, a supervisão acadêmica e a supervisão de campo são elementos

intrínsecos e indissolúveis. A unidade de ensino e a unidade de campo de estágio trabalham

em uníssono e com um objetivo em comum, a formação crítica do assistente social. E, para

tanto, o assistente social supervisor deve estar devidamente preparado.

O que significa que ele tenha competência profissional, e adquira as qualidades,

especialidades e habilidades imprescindíveis a esta ação supervisora. [...] espera-se

que o supervisor tenha habilidades técnicas – habilidades especializadas e básicas,

dirigidas ao manejo de objetos, fatos, relações, com a capacidade de planejamento, de vivência profissional acumulada e consolidada na área específica de seu campo

profissional etc.; habilidades conceituais – que permitem formar e realizar novos

conceitos, novas ideias e com potencialidade de criação, de conhecimento da

realidade etc.; e habilidades sociais – que fornecem o necessário para atuar em

sistemas sociais. (BURIOLLA, 1996, p.156-7).

Porém as dificuldades e os desafios colocados a esse processo são muitos. O professor

supervisor nem sempre recebe condições ideais para a realização do seu trabalho. Os entraves

encontrados vão desde a falta de estruturas em salas de aula, acúmulo de disciplinas e

dificuldades em manter uma comunicação com o supervisor de campo, podendo deixar o

aluno em situação de vulnerabilidade. O supervisor de campo e acadêmico por vezes trabalha

em condições que contradizem as condições éticas e técnicas do exercício profissional. Não

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menos importante que a competência do supervisor, são as condições para que a supervisão

aconteça de forma apropriada. O local deve ser adequado e reservado, possibilitando a

reflexão e discussão. O tempo destinado para a supervisão, assim como um horário pré-

estabelecido são importantes para o alcance dos objetivos estabelecidos, evitando-se dessa

forma segundo Buriolla (1996), a “supervisão de corredor”, “não dando espaço a que o

supervisor e o supervisionado reflitam, discutam, dialoguem e sistematizem suas práticas

profissionais vivenciadas conjuntamente.” (BURIOLLA, 1996, p. 159).

O serviço social no contexto do neoliberalismo contrasta com avanços e dificuldades

na realização do campo de estágio. As legislações nacionais e da categoria normatizam a

operacionalização do estágio. Destaca-se a priorização da qualidade do processo do estágio na

limitação de quinze alunos por turma do estágio supervisionado (limite esse não respeitado

em muitas instituições de ensino superior pela falta de professores, e pelos cortes

orçamentários a que são submetidas às instituições superiores de ensino público sob as esferas

estaduais e federais). Para o supervisor de campo, o número de alunos pode chegar até três

estagiários por assistente social de acordo com a sua carga horária, um aluno a cada dez horas

de sua carga horária de trabalho.

O estágio, antes de tudo, deve servir de instrumento pedagógico neste processo de

aprendizagem. Deve capacitar, exercitar e qualificar a prática interventiva do estagiário,

dando margens para a elaboração da síntese do processo de ensino-aprendizagem, formação

de uma conduta investigativa e de um posicionamento crítico e propositivo frente à realidade

social.

A problemática do estágio não pode ser dissociada da discussão da profissão e nem

desconsiderar a atual conjuntura da educação superior no Brasil e os reflexos na formação dos

assistentes sociais. O modelo social vigente fundamenta-se na exploração da classe

trabalhadora e a educação é um dos elementos sociais de controle desse modelo. Para

enfrentar essa realidade, é preciso usar toda a instrumentalidade crítica do serviço social e

redundar o Código de Ética da Profissão. Mas, esse enfrentamento está para além do estágio e

das ações do serviço social, requerendo ações coletivas que busquem romper com a lógica

hegemônica que passa por cima e destrói os direitos da classe trabalhadora e difundem

ideologias escamoteando a realidade dos fatos em busca de um consenso.

Neste sentido, a monografia tem os objetivos específicos de elaborar um debate

teórico sobre a historicidade do serviço social no Brasil, estudar a formação profissional sob

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as novas diretrizes curriculares da ABEPPS; e problematizar os avanços e limites do estágio

supervisionado na formação e atuação profissional no cenário contemporâneo.

A pesquisa tem natureza qualitativa, e segundo a autora Maria Cecília de Souza

Minayo,

[...] a abordagem qualitativa aprofunda-se no mundo dos significados das ações e relações humanas, um lado não perceptível e não captável em equações, médias e

estatísticas. [...] ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,

crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das

relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à

operacionalização de variáveis. (MINAYO, 2001, p.21).

O estudo foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica, que possui como

categorias teóricas o serviço social, os processos de trabalho do assistente social, o estágio

supervisionado e o neoliberalismo.

Os dados foram analisados com base na análise de conteúdo, que segundo Minayo,

possui duas funções: verificação de hipóteses e/ou questões e descoberta do que está por trás

dos conteúdos manifestos. (MINAYO, 2001, p.74).

A pesquisa possui como eixos de análise: 1) A historicidade do serviço social no

cenário brasileiro; 2) O processo de formação profissional do assistente social e as mudanças

com as diretrizes curriculares da ABEPSS de 1996; 3) Os limites e possibilidades do estágio

supervisionado no processo de formação e atuação do assistente social no cenário

contemporâneo.

Para tanto, o trabalho de conclusão de curso foi dividido em três seções. Na primeira

seção, traçamos uma “linha do tempo” do serviço social brasileiro, desde o período referente

ao seu surgimento, seguindo os passos de seus desdobramentos e transformações e

diretamente imbricado ao contexto histórico, sócio-político, econômico e cultural nacional até

o início da década de 1980, marcada e situada no contexto neoliberal. Neste sentido, foram

analisadas principalmente as produções teóricas dos autores José Paulo Netto (2005, 2011,

2015); Maria Angela Rodrigues A. Andrade (2008); Maria Lúcia Martinelli (2011); Marilda

Iamamoto (2014, 2015a), Raul de Carvalho (2014) e Sarita Amaro (2013).

Na segunda seção, analisamos como o contínuo processo de construção do projeto

ético-político pelo serviço social passou a requerer uma melhor adequação e modernização no

que tange à formação profissional, trazendo desdobramentos e transformações no seu

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processo de trabalho, tendo em vista as redefinições nos campos teórico-metodológicos e

ético-políticos fundados na teoria social crítica de Marx sobre o trabalho. Para tanto, foram

analisadas principalmente as obras de ABEPSS (1996); José Paulo Netto (2009); Karl Marx

(2013); Lesliane Caputi (2016); Maria Lucia Silva Barroco (2012); Marilda Iamamoto Villela

(2010, 2014, 2015); Pâmela Silva (2017); Priscila F. G. Cardoso [at al] (2020); Sara

Grenemann (2009); Sylvia Helena Terra (2012); Tales W. F. Moreira (2016).

Na terceira seção, destacamos a indissociabilidade do binômio teoria-prática a pretexto

do dogma de que na prática a teoria é outra, a relevância da tríade supervisor acadêmico,

estagiário e supervisor de campo constituindo um trabalho em uníssono voltado a uma

formação crítica e ao desenvolvimento das competências teórico-metodológicas, ético-

políticas e técnico-operativas dos futuros assistentes sociais. Ressaltamos principalmente a

análise das obras de ABEPSS (1996, 2010); CFESS (2013); Fátima G. Ortiz (2010); Marta

Buriola (2001); Valéria Forti (2010); Vera Lucia J. Chaves (2010); Yolanda Guerra (2010).

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20

2. UMA BREVE HISTORICIDADE DO SERVIÇO SOCIAL NO CENÁRIO

BRASILEIRO

A proposta desta seção é fazer uma breve historicidade do serviço social e o

surgimento da profissão como instrumento de subserviência ao desenvolvimento e

manutenção do modo de produção capitalista no Brasil. Acompanhar a trajetória percorrida

pela categoria profissional dos assistentes sociais cujo amadurecimento proporcionou o

surgimento de sua identidade profissional e luta contra a alienação, que vai culminar em um

processo de renovação profissional a partir dos anos 1960. “Nascida das mãos da sociedade

burguesa, amplamente respaldada pela Igreja Católica e pela filantropia institucionalizada,

desde seus primórdios, a profissão amargou as mazelas de uma identidade atribuída,

estereotipada e reificada.” (AMARO, 2013, p.18).

O serviço social no Brasil é uma profissão que teve a sua gênese fundada na luta de

classes e em meio às desigualdades sociais. Desde o início da sua atuação sob a influência da

Igreja Católica, passando pela criação em São Paulo da primeira escola de serviço social, ao

papel fundamental nas políticas públicas e lutas sociais no mundo contemporâneo, um

extenso caminho foi traçado. Muitos avanços, conquistas e percalços foram trilhados nesse

longo caminhar. (AMARO, 2013).

O Serviço social se gesta e se desenvolve como profissão reconhecida na divisão

social do trabalho, tendo por pano de fundo o desenvolvimento capitalista industrial

e a expansão urbana, processos esses aqui apreendidos sob o ângulo das novas

classes sociais emergentes – a constituição e expansão do proletariado e da

burguesia industrial – e das modificações verificadas na composição dos grupos e

frações de classes que compartilham o poder de Estado em conjunturas históricas

específicas. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p. 83).

Para um melhor entendimento acerca do surgimento e desenvolvimento da categoria

dos assistentes sociais, se faz necessário uma breve análise da historicidade não apenas no

surgimento da “questão social” (objeto do serviço social), mas também na emergência do

serviço social enquanto uma profissão decorrente de um conjunto de processos econômicos,

sócio-políticos e teórico-culturais instaurados num determinado contexto histórico-social.

A expressão “questão social” começou a ser utilizada no século XIX em sua terceira

década, na Europa Ocidental e mais precisamente na Inglaterra, que no último quartel do

século XVIII, vivenciava a primeira Revolução Industrial. O termo “questão social” está

diretamente vinculado ao estabelecimento do trabalho livre caracterizado pela separação entre

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os homens e os meios de produção4. É fruto do modo de produção capitalista, da relação

conflituosa entre capital / trabalho. O capital é representado pelo capitalista, detentor dos

meios de produção privado, enquanto o trabalho é representado pelo trabalhador que vende a

sua força de trabalho ao capitalista. (NETTO, 2011).

A expressão surge para dar conta do fenômeno mais evidente da história da Europa

Ocidental que experimentava os impactos da primeira onda industrializante, iniciada na Inglaterra no último quartel do século XVIII: trata-se do fenômeno do

pauperismo. [...] Pela primeira vez na história registrada, a pobreza crescia na razão

direta em que aumentava a capacidade social de produzir riquezas. Tanto mais a

sociedade se revelava capaz de progressivamente produzir mais bens e serviços,

tanto mais aumentava o contingente de seus membros que, além de não terem acesso

efetivo a tais bens e serviços, viam-se despossuídos das condições materiais de vida

de que dispunham anteriormente. Se, nas formas de sociedade precedentes à

sociedade burguesa, a pobreza estava ligada a um quadro geral de escassez (quadro

em larguíssima medida determinado pelo nível de desenvolvimento das forças

produtivas materiais e sociais), agora ela se mostrava conectada a um quadro geral

tendente a reduzir com força a situação de escassez. Numa palavra, a pobreza acentuada e generalizada no primeiro terço do século XIX – o pauperismo – aparecia

como nova precisamente porque ela se produzia pelas mesmas condições que

propiciavam os supostos, no plano imediato, da sua redução e, no limite, da sua

supressão. A designação desse pauperismo pela expressão “questão social”

relaciona-se diretamente aos seus desdobramentos sócio-políticos. [...] Foi a partir

da perspectiva efetiva de uma eversão da ordem burguesa que o pauperismo

designou-se como “questão social”. (NETTO, 2011, p.152).

Os moldes de acumulação capitalista se deram de forma diferenciada na Europa

Ocidental e no Brasil. Este último, foi explorado e colonizado por Portugal, passou por vários

períodos de exploração, e mesmo após a sua independência e rompido o colonialismo com a

metrópole, o Brasil foi dominado pelos mecanismos econômicos e financeiros da Inglaterra,

que promoveu uma modernização na produção e exportação do café. Porém, não rompeu o

sentido da colonização: o latifúndio, produto monocultor e escravidão. Por esse motivo, o

processo de acumulação capitalista brasileira aconteceu pelo campo. A industrialização

ocorrida em face à concentração do capital, não teve um caráter relevante comparado às agro

exportações.

A não-ruptura com a estrutura de produção escravista e exportadora confirmará a dimensão colonial da economia subordinada e dependente dos polos centrais da

economia mundial. Daí, denominarmos o caminho brasileiro para o capitalismo de

“via prussiano-colonial”. (MAZZEO, 2006, p.22).

4 O meio de trabalho é uma coisa ou um complexo de coisas que o trabalhador interpõe entre si e o objeto do

trabalho e que lhe serve de guia de sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades mecânicas,

físicas e químicas das coisas para fazê-las atuar sobre outras coisas, de acordo com o seu propósito. (MARX,

2013, p.328).

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As bases do capitalismo foram dadas ao longo do processo de mercantilização, e teve

um impulso em meados do século XIX com o processo de industrialização iniciado por Barão

de Mauá, por volta de 1860. Com a crise da primeira Guerra Mundial, os países imperialistas

deixaram de comprar em grande escala produtos primários dos países dependentes. Uma das

consequências para o Brasil foi a baixa do preço do café e a escassez de divisas para a compra

dos produtos manufaturados. A aristocracia cafeeira direcionou os seus investimentos para a

industrialização, e como essa transição ocorreu por meio de acordos políticos e entre as

classes dominantes, burguesia e latifundiários, ela se fez sem conflitos, conservando a

estabilidade da classe burguesa e oprimindo as classes inferiores. (MAZZEO, 2006).

O fim da escravatura no Brasil em 1888 é considerada tardia, uma vez que a nação foi

a última no continente americano a abolir a escravidão colonial. O término do regime

escravagista representou para os trabalhadores do cativeiro a sua liberdade civil, mas sem que

lhes fosse proporcionado meios e condições materiais para a sua sobrevivência fora dele. Isso

significa que mesmo após a abolição, eles continuaram a serem explorados e marginalizados

enquanto exército de reserva étnico no meio urbano e rural. Passaram a existir em condições

de subemprego ou desempregados e praticamente não tinham acesso à saúde, moradia e

educação. (FIABANI, 2012).

Os imigrantes europeus em sua maioria italianos passaram a substituir a mão de obra

escrava nas plantações e, posteriormente, passaram a integrar em sua maior parte o quadro de

operários das fábricas no espaço urbano. No início do processo de industrialização, o operário

vivia exclusivamente da venda da sua força de trabalho, assim como a de sua mulher e filhos.

Inexistia qualquer tipo de garantia ou seguro estabelecido por lei, também não tinha direito a

férias, repouso semanal remunerado ou licença para tratamento de saúde.

A acumulação capitalista deixava de se fazer através das atividades agrárias e de exportação, concentrando-se no amadurecimento de mercado de trabalho, na

consolidação do pólo industrial e na vinculação da economia ao mercado mundial. O

processo revolucionário em curso no Brasil desde a segunda metade da década de 20

vinha exigindo uma rápida recomposição do quadro político, social e econômico

nacional. (MARTINELLI, 2011, p. 122).

A origem do serviço social no Brasil é intrínseca ao desenvolvimento das relações

sociais e ao desenvolvimento do modo de produção capitalista a partir do terceiro quartel do

século XIX, pois a profissão surgiu para reafirmar a soberania de uma classe social

dominante, a burguesia capitalista.

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É histórica a presença, domínio e controle social da Igreja Católica na catequização

com os índios no período colonial, avançou como forma de caridade e filantropia no período

do Império e exerceu domínio na vida dos operários industriais no início do processo de

industrialização no país.

O clero mantinha participação ativa e controle na vida dos operários no final do século

XIX. Muitas fábricas tinham capelas onde os operários assistiam missas. Além disso, se

faziam presentes nas Vilas Operárias, e junto com os patrões implementavam iniciativas

assistenciais indo de encontro ao sindicalismo autônomo. Os movimentos operários da época

já explicitavam a “questão social” e passaram a requerer respostas a essas demandas.

(IAMAMOTO, CARVALHO, 2014).

O adensamento de tal movimento, especialmente no período compreendido entre

1917 e 1921, e seu amadurecimento político eram realidades inegáveis. A luta pela

vida, pela sobrevivência, pelo trabalho, pela liberdade levava o proletariado a avançar em seu processo organizativo, o que era visto com muita apreensão pela

burguesia. (MARTINELLI, 2011, p.122).

Percebe-se um engajamento entre a burguesia, a Igreja e o Estado no sentido de

assistência aos pobres, mas com um único fim, manter as condições ao desenvolvimento

capitalista, usando de força disciplinadora e desmobilizando os movimentos da classe

trabalhadora. “Aos movimentos desencadeados pelo proletariado a resposta principal e mais

evidente do Estado na Primeira República, diante da sua incapacidade de propor e

implementar políticas sociais eficazes, será a repressão policial. (IAMAMOTO;

CARVALHO, 2014, p.142).

As protoformas do serviço social da forma como é compreendida na atualidade, teve o

seu início na década de 1920 com a criação de instituições de cunho assistencial que foram

fundadas por famílias tradicionais burguesas, como a Associação das Senhoras Brasileiras em

1920 e a Liga das Senhoras Católicas em 1923, respectivamente no Rio de Janeiro e São

Paulo.

Esse processo, que durante a década de 1920 se desenvolve apenas moderadamente,

se acelerará no início da década seguinte, com a mobilização, pela Igreja, do

movimento católico leigo. Surgirá o Serviço Social como um departamento

especializado da Ação Social, embasado em sua doutrina social. (IAMAMOTO;

CARVALHO, 2014, p.149).

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Em 1932, foi criado o Centro de Estudos e Ação Social de São Paulo (CEAS), que

intencionava qualificar a atuação dos agentes sociais. Foi ministrado pela assistente social

Mlle. Adèle Loneaux um primeiro Curso Intensivo de Formação Social para Moças, por

iniciativa das cônegas de Santo Agostinho, sendo considerado um marco ao surgimento do

serviço social no Brasil e valendo-se do modelo europeu5. (IAMAMOTO; CARVALHO,

2014).

O momento histórico nacional e em destaque o paulistano à época da criação do

Curso Intensivo de Formação Social para Moças, caracterizou uma conjuntura política, social

e econômica marcado por disputas entre tenentistas e setores políticos tradicionais. Isso,

aliado ao receio das ideias comunistas e certo desprezo do governo central para com a

burguesia paulista. Por esses motivos, as famílias paulistas incentivavam as suas filhas jovens,

solteiras e até as casadas a participarem do curso de formação para agentes sociais,

fortalecendo a presença da mulher paulista no processo político em andamento.

O fetiche da face humanitária e caritativa da igreja, do Estado e da classe dominante,

cooptou e corrompeu a consciência dos assistentes sociais, aprisionando-os na ilusão

de servir por um longo período. Mais que isso: tal fetiche de ajuda aos pobres,

alinhado à estereotipia do papel feminino (associado à maternagem) e ao caráter

moralizador da ação católica, desfigurou a profissão, impondo-lhe uma identidade

débil e sem profundidade. (AMARO, 2013, p.18).

Em 1936, surgiu a primeira Escola de Serviço Social de São Paulo, a primeira no

Brasil, atendendo a necessidade da ação social católica em obter uma formação técnica

especializada em seus quadros. Em seguida, tal demanda se estendeu a algumas instituições

estatais por meio de criação de cargos e departamentos no funcionalismo público de São

Paulo.

Nesse sentido, quando em 1936 é fundada pelo CEAS a primeira Escola de Serviço

Social, esta não pode ser considerada como fruto de uma iniciativa exclusiva do

Movimento Católico Laico, pois já existe presente uma demanda – real ou potencial

– a partir do Estado, que assimilará a formação doutrinária própria do apostolado

social. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p. 186).

5 [...] a fase caracterizada como de influência europeia ou Serviço Social antigo (presente no período 1930-1945

ou 1930-1941), engloba-se no processo da chamada Reação Católica e de seus desdobramentos e, assim, no

conjunto de instrumentos que são criados para rearmar o Bloco Católico. Além do embricamento das escolas de

Serviço Social com o apostolado leigo, seu corpo docente, modelo de organização, currículo, materiais

didáticos etc., estão na dependência das grandes escolas europeias. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014,

p.239).

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O serviço social surgiu e se desenvolveu enquanto profissão na divisão social-técnica

do trabalho, tendo como cenário o desenvolvimento capitalista da indústria e a expansão

urbana, dando espaço ao surgimento de novas classes sociais como o proletariado e a

burguesia industrial.

A “questão social” não é senão as expressões do processo de formação e

desenvolvimento da classe operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do

Estado. [...] O Estado passa a intervir diretamente nas relações entre o empresariado

e a classe trabalhadora, estabelecendo não só uma regulamentação jurídica do

mercado de trabalho, através de legislação social e trabalhista específicas, mas

gerindo a organização e prestação de serviços sociais, como um novo tipo de

enfrentamento da questão social. (IAMAMOTO, CARVALHO, 2014, p.84).

O início da década de 1930 foi marcado por um Estado que tomou para si prover e

resgatar a “harmonia social”. Passou a se preocupar diretamente com a reprodução da força de

trabalho, mantendo assim os trabalhadores sob constante vigilância e controle. Estava acima

das classes embora defendesse os seus interesses da burguesia. Desta forma, estreitou relações

e dividiu com a Igreja e a burguesia mais abastada, o poder até então restrito à classe

dominante.

O Estado assume crescentemente as funções de zelar pelo disciplinamento e

reprodução da Força de Trabalho (e a socialização de seus custos), tarefas em

relação às quais as instituições assistenciais desempenham um papel fundamental.

Ao abranger condições essenciais da sobrevivência e reprodução da Força de

Trabalho (e materializar a vinculação entre o modelo econômico e político, e as

políticas sociais), tais instituições passam a desempenhar funções políticas,

econômicas e ideológicas vitais para a manutenção da dominação de classe.

(IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p.324).

Dentre os movimentos leigos, o Estado contou com o apoio do Centro de Estudos e

Ação Social (CEAS) no sentido de preparar os agentes a uma prática social qualificada. E,

para amenizar as tensões dos movimentos políticos e reivindicações da classe trabalhadora,

foram criados organismos normatizadores e disciplinadores das relações de trabalho. Surgiu

em 1930 o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e em 1932, as Juntas de Conciliação

e Julgamento. Nesse sentido, os sindicatos dos trabalhadores foram enfraquecidos,

controlados e reprimidos pelo Estado, que passou também a cercear as liberdades políticas e

sociais dos cidadãos por meio de leis de exceção como a Lei de Segurança Nacional, Estado

de Sítio e Estado de Guerra. Em 1937, foi instaurado o Estado Novo por meio de um golpe.

No mesmo ano, foi outorgada uma nova constituição e o período foi marcado pelo modelo

corporativista, e por uma nítida política industrialista. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014).

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26

Foi em meio a esse complexo quadro que o Serviço Social iniciou a trajetória em

direção à sua profissionalização no Brasil. O interesse marcadamente utilitarista da burguesia e a ética reificada que lhe dava sustentação tornavam justificada a atitude

da classe dominante de se apropriar dos trabalhos desenvolvidos pelos filantropos e

pelos agentes sociais, conferindo-lhes uma conotação política e ideológica, em

termos de controle e repressão. (MARTINELLI, 2011, p. 125).

No período compreendido entre 1930 e 1940, momento em que ocorre a

regulamentação da profissão, as práticas assistenciais escamoteavam a intenção de controle

sobre a classe trabalhadora e dos movimentos das massas, greves e paralisações. Os serviços

assistenciais, educacionais, dentre outros, oferecidos à classe trabalhadora pelas instituições,

como “maior qualificação e nível de instrução para integrar-se ao processo de trabalho;

resistência física e equilíbrio psicológico para resistir ao ritmo exigido pelo processo de

trabalho etc.”, tinham como fim a manutenção desse controle. (IAMAMOTO; CARVALHO,

2014, p.325). Serviços e benefícios colocados como necessidades sociais dessa parcela da

população estavam na verdade a serviço do Capital e do Estado, como forma de manutenção e

reprodução da Força de Trabalho. Os benefícios que eram concedidos aos trabalhadores

eventualmente como empréstimos, assistência médica, social e auxílios materiais,

camuflavam as verdadeiras intenções. (MARTINELLI, 2011).

O governo procurará, portanto, subordinar a seu programa de ação as iniciativas

particulares – dividindo áreas de atuação e subvencionando as instituições

coordenadas pela Igreja – ao mesmo tempo em que adota as técnicas e a formação

técnica especializada desenvolvidas a partir daquelas instituições particulares.

Assim, a demanda por essa formação técnica especializada crescentemente terá no

Estado seu setor mais dinâmico, ao mesmo tempo em que passará a regulamentá-la e

incentivá-la, institucionalizando sua progressiva transformação em profissão

legitimada dentro da divisão social-técnica do trabalho. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p.186).

No Brasil, o serviço social surgiu a serviço do modo de produção capitalista e da

classe dominante burguesa, resguardada pelo amplo apoio da Igreja Católica, que buscava

recuperar e fortalecer o seu poder e hegemonia. Sem um projeto profissional próprio da

categoria dos assistentes sociais a profissão vai se engendrando e se estabelecendo à

subserviência de terceiros, diga-se, a serviço dos interesses do Estado, da Igreja e do

empresariado. A prática social se voltava ao controle social e à manutenção da ordem

capitalista devidamente com os seus valores ideológicos incorporados pela classe dominante.

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Se por um lado os agentes tinham em suas ações sociais interesses pessoais e

religiosos com fins filantrópicos e altruístas, para a classe dominante importavam apenas os

resultados dessas ações, ou seja, os efeitos sociais por elas produzidos. O atendimento aos

pobres, aos trabalhadores e às suas famílias em suas demandas imediatas, provocava a

sensação de um Estado presente de forma positiva na vida do cidadão, quando na verdade a

intenção era escamotear e conter os problemas sociais advindos às exigências do capital.

Durante a ditadura varguista foi estabelecido um discurso social de forma populista e

paternalista, não obstante, Vargas era conhecido como o pai dos pobres, mesmo que o

trabalhador fosse espoliado, aviltado, explorado e esvaziado de sua cidadania paulatinamente.

(MARTINELLI, 2011).

A atuação prática desenvolvida pelos primeiros Assistentes Sociais estará, assim,

voltada essencialmente para a organização da assistência, para a educação popular, e

para a pesquisa social. Seu público preferencial – e quase exclusivo – se construirá de famílias operárias, especialmente as mulheres e crianças. As visitas domiciliares,

os encaminhamentos – de muito pequeno efeito prático, devido à carência de obras

que sustentassem semelhante técnica – a distribuição de auxílios materiais e a

formação moral e doméstica através de círculos e cursos, serão as atividades mais

frequentemente desenvolvidas pelos primeiros assistentes sociais. (IAMAMOTO;

CARVALHO, 2014, p. 208).

Nesse período, as ações sociais cresceram e surgiram também as instituições estatais e

paraestatais operacionalizando as políticas governamentais atuando com os Institutos de

Pensões e Caixas de Previdência. Proporcionalmente ao crescente número de instituições,

surgia também a demanda por agentes qualificados ao exercício da ação social. Porém, estava

determinada a sua função econômica sobreposta à sua função social. (MARTINELLI, 2011).

As instituições sociais mais antigas – dentre as quais os institutos e Caixas de

Pensões e Aposentadorias são as maiores expressões não serão, em geral, as que

mais rapidamente incorporarão de forma abrangente o serviço Social, entendido

como atividade de profissionais formados em escolas especializadas e/ou

departamentos organizados por esse tipo de trabalhador social. Por se constituírem

em estruturas relativamente complexas quando do surgimento das escolas de Serviço

Social, estas instituições, em seu processo de formação, já haviam criado dentro de

seus quadros de funcionários burocráticos funções cuja especialização se assemelha

àquela que poderia ser desenvolvida por um Assistente Social. Uma pesada e hierarquizada estrutura burocrática, assim como o intenso jogo de interesses

políticos e corporativos em seu interior, são outros fatores que retardam e emperram

a incorporação de Assistentes Sociais de foram rápida e ampla. (IAMAMOTO;

CARVALHO, 2014, p. 256).

O processo de trabalho ausente de um projeto próprio e específico imputou ao

serviço social a característica de uma profissão que servia a outros interesses que não a ação

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social em si a serviço da classe trabalhadora. A sua “não identidade” distanciou os agentes

sociais das lutas sociais e políticas, servindo de instrumento de repressão e controle. Isso

impediu o desenvolvimento de uma consciência crítica e de sua autoimagem, estendendo-se

também ao conteúdo de suas ações que embora tivessem um cunho humanista eram voltadas

para a manutenção da ordem social e acobertavam as desigualdades sociais produzidas pelo

modo de produção capitalista. (AMARO, 2013).

Assim, se atender às necessidades do trabalhador e sua família era a expressão de

um interesse fraternal e cristão para os agentes, para a classe dominante tal

atendimento se posicionava como uma estratégia de consolidação de seu poder

hegemônico. Através dos efeitos por ela produzidos, buscava-se controlar o nível

das reivindicações dos trabalhadores, impedindo que ganhassem a dimensão do

coletivo, assim como se tratava de garantir a contínua integração do trabalhador ao

círculo do capital, mediante a reprodução de sua força de trabalho. (MARTINELLI, 2011, p.130).

Por muito tempo o serviço social caminhou com os pés de seus mandatários

exercendo um processo de trabalho sem questionamentos, sem reflexões e sem pensar as suas

ações. Ao mesmo tempo em que estavam muito próximos ao lidarem e estabelecerem relação

diretamente com a população, estavam completamente longe e afastados das suas demandas,

lutas e reivindicações. Serviam na verdade como instrumento para conter as mobilizações

populares.

Devido a essas condições, tanto no seio da profissão, como nas relações com os

usuários e as demais profissões, circulava a imagem de uma profissão atravessada de

avessos e contradições, marcada pelo signo da autocracia, divorciada dos reais

interesses da população, aprisionada pela tecnoburocracia, enfim, politicamente

estéril. (AMARO, 2013, p. 21).

A alienação a qual estavam submetidos os profissionais não lhes deixava perceber o

verdadeiro sentido embutido pelas classes dominantes em seu processo de trabalho utilitário,

fetichizado e de uso ideológico. As suas ações tinham um sentido de urgência e prontidão não

favorecendo a crítica e reflexão, o que os tornava alheios e estranhos ao “produto” de suas

práticas. E assim permaneceram por mais de trinta anos. “Os principais elementos fundantes

da consciência política – a consciência das contradições, a prática politicamente organizada, a

identidade de interesses enquanto classe eram assim afastadas do horizonte profissional.”

(MARTINELLI, 2011, p.128).

O processo de trabalho produzia um movimento repetitivo, constante e acumulativo.

A frágil identidade profissional tinha como consequência uma frágil consciência social que

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29

conduzia a uma prática alienada e alienante. Historicamente sem uma construção coletiva com

um objetivo comum ao projeto profissional, os assistentes sociais não construíram uma

identidade profissional própria, e tão pouco uma consciência coletiva no que se refere a um

projeto político e ação profissional. Respondiam apenas aos movimentos externos gerados

pelos interesses hegemônicos das classes dominantes, visando prioritariamente o ajuste

político e ideológico da classe trabalhadora. E desta forma, ao conceder benefícios e serviços

que escamoteavam a dominação e a exploração burguesa, exerciam também a repressão, o

controle e a dominação, reproduzindo assim os modos de ser, pensar e agir da sociedade

burguesa.

A “ação cristianizadora do capitalismo”, uma das principais bandeiras de luta do

serviço Social ao longo das décadas de 30 e 40, era, portanto, uma forma peculiar de

ação política, estrategicamente concebida pela sociedade burguesa constituída para

consolidar sua hegemonia de classe, para garantir o controle social e político do proletariado e dos segmentos sociais mais pauperizados. (MARTINELLI, 2011, p.

127).

Com as suas ações voltadas aos interesses das classes dominantes e sob a sua égide,

as ações do serviço social foram envolvidas em uma trama com uma prática redundante e

alienante, dificultando uma visão política acerca das contradições do processo de produção

capitalista e, consequentemente, sem a construção de uma consciência política e função social

próprias e peculiares ao serviço social. “A ausência de movimento histórico de construção

coletiva de um sentido comum para a profissão havia produzido, portanto, um saldo muito

negativo: os assistentes sociais compunham uma categoria sem identidade profissional

própria.” (MARTINELLI, 2011, p. 128).

A burguesia exercia um duplo poder, primeiro, manter o domínio e o controle da

classe trabalhadora pelas ações dos assistentes sociais, cujas funções se baseavam no controle,

adaptação e ajustamento, e, segundo, por meio da inserção dos assistentes sociais na divisão

social do trabalho com uma identidade atribuída, submetendo a atividade profissional a

serviço de ajustamento entre o capital e o trabalho, e atuando como um entrave ao seu

desenvolvimento como profissão, esvaziando o seu caráter político, democrático e popular.

“Visualizando a prática social como um eficiente instrumento de operacionalização de seu

projeto de hegemonia de classe, a burguesia realizava os maiores esforços para estreitar os

laços de aproximação com seus agentes, mantendo-os sob seu vigilante controle.”

(MARTINELLI, 2011, p.131).

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30

O serviço social continuou a se desenvolver dentro destes parâmetros no período

compreendido entre o final da década de 40 até os anos 60, tendo o Estado como o principal

empregador dos assistentes sociais, o que propiciava o controle na organização e estrutura da

categoria profissional.

O Serviço Social no Brasil afirma-se como profissão, estreitamente integrado ao

setor público em especial, diante da progressiva ampliação do controle e do âmbito da ação do Estado junto à sociedade civil. [...] A profissão se consolida, então, como

parte integrante do aparato estatal e de empresas privadas, e o profissional, como um

assalariado a serviço das mesmas. Dessa forma, não se pode pensar a profissão no

processo de reprodução das relações sociais independente das organizações

institucionais a que se vincula, como se a atividade profissional se encerrasse em si

mesma e seus efeitos sociais derivassem, exclusivamente, da atuação do

profissional. Ora, sendo integrante dos aparatos de poder, como uma das categorias

profissionais envolvidas na implementação de políticas sociais, seu significado

social só pode ser compreendido ao levar em consideração tal característica.

(IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p.86).

Na década de 40, a aproximação entre o governo Vargas e Roosevelt nos Estados

Unidos, decorrente de interesses econômicos e políticos, trouxe no nível social uma nova

perspectiva para o serviço social no Brasil, que até então seguia os moldes do modelo

europeu. Este estreitamento refletiu diretamente na prática, meios de abordagem e no âmbito

de ensino no serviço social6. Oportunidades de programas de intercâmbio foram oferecidas

aos assistentes sociais brasileiros, assim como a participação de programas continentais de

bem-estar social.

Ambas as ofertas inseriam-se em um plano político mais amplo, configurando

estratégias dos Estados Unidos para ganharem hegemonia no continente. Sua

política pan-americanista, baseada na doutrina Monroe, de 1823, cujo lema era a

“América para os americanos”, recrudesceu fortemente após a II Guerra Mundial,

fornecendo as bases para uma política expansionista e imperialista em relação à

América Latina. (MARTINELLI, 2011, p. 132).

A assistente social Mary Richmond em seu livro “Case Social Work” diferenciou os

termos assistência social, filantropia, caridade e Serviço Social. Ela fundamentou-se na

sociologia7 americana e supôs uma concepção funcional da sociedade. Aportado na teoria

6 No que se refere às modificações curriculares, se observa o estabelecimento de um processo que reaparece

seguidamente: volta de um bolsista que realiza curso nos Estado Unidos, introdução de uma nova matéria no

currículo (ou reorganização de alguma com a qual se assemelhava) da escola à qual está ligado, introdução no

currículo mínimo recomendado pela ABESS (Associação Brasileira de Escolas de Serviço social – 1946),

institucionalização pelo currículo mínimo exigido pelos órgão competentes do governo. Sendo que nesse

processo a ABESS aparece como principal agência de difusão das modificações curriculares e de

homogeneização do ensino no âmbito nacional. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2014, p.242). 7 A sociologia, um dos suportes teóricos para o Serviço Social, explica a desigualdade social, atrelada à

estratificação social. Longe de focalizar os problemas sociais estruturalmente imbricados à lógica do sistema

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social positivista8, o serviço social buscou fundamentação teórico-metodológica com vistas à

qualificação técnica de sua prática. Trouxe como resultado, um processo de trabalho voltado a

manipular e ajustar o homem à sociedade.

O serviço social americano foi se desenvolvendo e se adaptando desde a crise de

1929, e a abordagem individual de cunho psicanalista foi cedendo lugar ao método de

trabalho com grupos (Organização de Comunidade), ampliado na década de 1940 como

reflexo após a II Guerra Mundial. Com base nas teorias de caso, grupo e comunidade o

serviço social buscou a ajustamento e integração do homem ao meio social, exercendo

influência também no Brasil.

Sob a concepção funcionalista, o controle social exercido pressupunha a integração

do indivíduo ao bom funcionamento de uma sociedade proposta pela classe

dominante. Era enfatizado o trabalho com grupos, quer para interação, quer para fins

terapêuticos, de forma a conseguir a melhor adaptação do indivíduo ao seu meio. O

modo funcionalista de pensar, investigar e intervir na realidade social ganhou força

porque, culturalmente, correspondia aos interesses da ordem e da lógica burguesas

instauradas na sociedade civil e no Estado brasileiro. (ANDRADE, 2008, p.279).

Os programas de intercâmbio cultural que recebiam os assistentes sociais brasileiros

para treinamento, assim como os programas que aconteciam na América Latina, tinham a sua

intervenção profissional voltada para a organização de comunidade.

Como marco da influência norte-americana no ensino especializado no Brasil, situa-se o Congresso Interamericano de Serviço Social realizado em 1941 em Atlantic

City (USA). A partir desse evento se amarram os laços que irão relacionar

estreitamente as principais escolas de Serviço Social brasileiras com as grandes

instituições norte-americanas e os programas de bem-estar social. (IAMAMOTO;

CARVALHO, 2014, p.240).

Em comum, as duas nações tinham nos assistentes sociais agentes a serviço da classe

dominante, além do mais, os Estado Unidos almejavam a consolidação de sua hegemonia no

continente. “Através de tal intercâmbio instalava-se um canal que lhe permitia repassar a

ideologia subjacente na metodologia de seus programas, além de facilitar o tráfico de

influência em relação à profissão, que contava com pouco mais de um decênio de existência

no Brasil.” (MARTINELI, 2011, p.133). Pode-se dizer que tais influências não encontraram

capitalista, a sociologia aborda no âmbito dos indivíduos, grupos ou instituições desajustadas, a partir das

desigualdades institucionalizadas. (ANDRADE, 2008, p.276). 8 A teoria social, assentada no positivismo, aborda as relações sociais dos indivíduos no plano de suas vivências

imediatas, como fatos que se apresentam em sua objetividade e imediaticidade. Essa perspectiva restringe a

visão teórica ao âmbito do verificável, da experimentação e da fragmentação. As mudanças apontam para a

conservação e preservação da ordem estabelecida, isto é, do ajuste. (ANDRADE, 2008, p.278).

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entraves no meio dos assistentes sociais brasileiros que careciam de uma identidade

profissional própria além de possuírem uma débil consciência social. Assim sendo,

fenômenos como a “aristocracia profissional” - camadas consideradas superiores de uma

classe trabalhadora – foram incorporados e resistem ainda em alguma medida no meio

organizativo da categoria profissional.

O período que se seguiu após a II Guerra Mundial foi marcado pela crescente

demanda do Estado por um número cada vez maior de profissionais capacitados a

operacionalizar as suas pretensões políticas. “As instituições, verdadeiros aparelhos

ideológicos de enquadramento da classe trabalhadora, precisavam de agentes qualificados

para colocar em marcha suas ações programáticas.” (MARTINELLI, 2011, p. 133). Se até

então os quadros de agentes eram formados pela alta burguesia e pelos movimentos católicos

leigos, outras camadas da sociedade passaram a ganhar espaço e a integrar o grupo de

profissionais do serviço social. O novo perfil de pessoas que passou a adentrar os quadros

profissionais da categoria tinha como característica o interesse em buscar uma qualificação

profissional, uma carreira remunerada e melhoria de salário.

Decerto que a fraca consciência social e processo organizativo da categoria

profissional continuaram a favorecer a instalação de fenômenos como a “estratificação

social”, baseado no estamento de gerações, do qual se desenvolveram “classes”, “subclasses”

e “castas”, fragilizou ainda mais a identidade profissional. (MARTINELLI, 2011).

A reificação, infiltrada na consciência dos agentes, levava-os a reproduzir os fetiches

da sociedade capitalista, transformando a sua própria relação profissional em uma

relação mediatizada por interesses econômicos, por posição no processo produtivo e

por posições políticas. (MARTINELLI, 2011, p. 134).

Outro fenômeno que encontrou espaço em meio aos assistentes sociais, cuja

categoria profissional era desprovida de um desenvolvimento e de uma consciência crítica, foi

a “consciência estatutária”. A falta de uma consciência de classe, de ações coletivas,

solidárias e cooperativas, gerou nos agentes uma atuação voltada aos interesses individuais e

particulares. Os seus processos de trabalho, digam-se, alienados, não vislumbravam mudanças

significativas na totalidade do processo social, envoltos no véu da alienação almejavam a sua

própria ascensão social como um caminho para o alcance à classe dominante.

Operando sempre com a identidade atribuída pelo capitalismo e ostentando a face

dos detentores do poder a que estava vinculado - Estado, Igreja, classe dominante -, o Serviço Social caminhava em seu processo de institucionalização, atravessado

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continuamente pelo signo da alienação, que, como que encobrindo a consciência

social dos agentes profissionais com um véu nebuloso e místico, os levava a se

envolver com práticas conservadoras, burguesas, que visavam apenas a reprodução

das relações sociais de exploração, fundamentais para a sustentação do processo de

acumulação capitalista. (MARTINELLI, 2011, p.135).

Na medida em que os assistentes sociais agiam de uma forma mecânica e imediatista

suprindo a manutenção do status quo de seus mandatários, caíam no vazio sobre um

entendimento e compreensão da realidade social que se expunha a sua volta, e, além disso,

não se enxergavam pertinentes a tal cenário. A frágil consciência crítica da categoria

profissional não lhes permitia a ampla percepção de que eles não passavam de meros

perpetuadores da ideologia dominante e controladores sociais, além do mais, as suas práticas

fetichizadas eram vistas com legitimidade e naturalidade.

Tais práticas, assim como as teorias reproduzidas em uma sociedade de classes,

refletiam não só a posição ocupada pelos agentes no processo de produção, mas

especialmente a sua tentativa de torná-la eterna e inabalável, ainda que para tanto fosse necessário paralisar a própria história. Esta, porém, como produto da atividade

material dos homens na produção de sua própria existência, não cessava de se

manifestar nunca, revelando as contradições imanentes ao real. (MARTINELLI,

2011, p.135).

O cenário consolidado após a II Guerra Mundial e que se estendeu nas décadas

seguintes foi que, enquanto o regime capitalista se desenvolvia e expandia, gerava também

proporcional e paradoxalmente um agravamento nas crises políticas, econômicas e sociais,

promovendo a quebra da hegemonia do discurso e das práticas burguesas. Aliado a isso, o

mundo assistia ao surgimento de um bloco socialista internacional que enfatizava a luta dos

trabalhadores, o que tornou inviável manter a estabilidade da ordem social capitalista. Vários

países travavam ainda a luta para se reerguerem buscando a recuperação de sua economia,

reestruturação institucional e societária.

Mal refeitos das grandes catástrofes econômicas e políticas que marcaram o século

XX: a I Guerra Mundial, a crise econômica de 1929-1930 e o advento do Terceiro

Reich, porém inabaláveis em sua causa, os trabalhadores do final da primeira metade

do século XX eram homens forjados pela realidade e que desde há muito não se

deixavam envolver pelas brumas da alienação. A própria vida os ensinara a se nutrir

da seiva do real, a se fortalecer nas próprias lutas. (MARTINELLI, 2011, p. 136).

O processo de trabalho dos assistentes sociais no Brasil começou a ganhar novos

moldes e expansão a partir da década de 50 e início dos anos 60, ainda sob a subserviência do

capital, visto o crescimento do processo de industrialização no país, mas em um contexto em

que não cabia mais ficar alheio às lutas e aos posicionamentos da classe trabalhadora.

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Cabe salientar que o espaço empresarial não se abre ao Serviço Social apenas em

razão do crescimento industrial, mas determinado também pelo pano de fundo sociopolítico em que ele ocorre e que instaura necessidades peculiares de vigilância

e controle da força de trabalho no território da produção. (NETTO, 2015, p. 161).

O contexto do período foi marcado por um momento de crise do sistema capitalista,

onde mudanças estruturais e conjunturais nacionais dificultaram cada vez mais a manutenção

e a representação do bloco burguês com uma visão inabalável e homogênea. Os processos de

trabalho dos assistentes sociais, assim como a sua formação, passaram por uma metamorfose

para atender à nova demanda de mercado na perspectiva sociopolítica que se apresentava. A

influência católica que até então serviu de sustentação ao surgimento das primeiras

instituições e das primeiras escolas de serviço social, perdeu espaço em detrimento a um novo

perfil profissional. A laicização foi uma das características do processo de renovação do

serviço social sob o domínio da autocracia burguesa. (NETTO, 2015).

Com efeito, as referidas condições novas reclamavam uma inteira refuncionalização das agências de formação dos assistentes sociais, apta a romper de vez com o

confessionalismo, o paroquialismo e o provincianismo que historicamente vincaram

o surgimento e o evolver imediato do ensino do Serviço Social no Brasil. (NETTO,

2015, p. 163).

Todos estes fatores foram essenciais e contribuíram para o início de um movimento

dentro da classe profissional rumo à ruptura da alienação, este processo não se deu de forma

abrupta e muito menos instantaneamente. O primeiro passo para tal ruptura, foi a admissão da

contradição no pensamento como algo consciente e refletido, pois “a contradição é a raiz de

todo o movimento e vitalidade, pois somente ao conter em si uma contradição, uma coisa se

move, tem impulso e atividade.” (HEGEL, 1969, p.208 apud MARTINELLI, 2011, p.137).

Para tanto, a tomada de consciência individual de práticas contraditórias no processo de

trabalho da categoria profissional foi o ponto de partida para uma tomada de consciência

coletiva.

As circunstâncias favorecedoras da estruturação da consciência coletiva de seus

agentes devem ser buscadas na ampliação do contingente profissional e na

diversificação de seus integrantes, introduzindo-se assim na categoria diferentes

visões de mundo, posicionamentos diversos. [...] Nesse sentido, a aceleração da

consciência não é um produto derivado de condições externas nem mesmo o

somatório de etapas de um processo. Ao contrário, é fruto de um movimento

contraditório e complexo de um sujeito histórico que conseguiu, tanto quanto

possível, se libertar da reificação, permitindo que ascendessem ao consciente as

contradições imanentes ao processo histórico-social. [...] A própria consciência vai

transformando-se ao longo desse processo, tornando-se consciência social,

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consciência política, consciência crítica, produto e condição da atividade material

dos agentes. (MARTINELLI, 2011, p.137).

Segundo Netto (2015), a laicização do serviço social brasileiro não correspondeu

somente às demandas da autocracia burguesa, permitiu também a abertura de um espaço para

elementos contrários e de oposição à manutenção de sua legitimação, desbravando novos

rumos para uma renovação do Serviço Social.

A consciência crítica dos agentes permitia-lhes, nesse momento, apreender tanto a

identidade do Serviço Social, como a sua prática no mundo capitalista, como

contraditórias e complexas. A identidade atribuída, esvaziada da contradição, do

movimento, transformava-se em algo inerte, sem nenhuma vitalidade; as práticas

burguesas, atravessadas por interesses de classe e produzidas a partir de

interpretações técnico-científicas, a distância dos próprios usuários, não respondiam

nem às suas demandas nem aos desafios colocados pela realidade. (MARTINELLI,

2011, p. 140).

Se para alguns assistentes sociais o processo de trabalho alienado foi naturalizado,

para os “agentes críticos” este processo passou a ser questionado na medida em que

conseguiam refletir as suas ações no meio do mundo capitalista, adquirindo uma consciência

social e percebendo em suas práticas o tom conservador, burguês e subordinado. Para estes

agentes críticos, a profissão encontrava-se diante de uma grave crise, na qual pairavam as

indagações a respeito de sua identidade profissional e sobre sua legitimidade no mundo

capitalista. (MARTINELLI, 2011).

A história ensina, porém, que o momento de crise é crucial, o momento da negação,

a partir da qual se produz o devir, o novo. Elevando-se a um nível paroxístico, no

contexto da crise, as contradições se chocam, se destroem, ao mesmo tempo que,

nessa luta, o movimento que as une e do qual estão impregnadas leva-as a se

interpretarem, buscando uma nova determinação, uma nova realidade pela superação

dialética. A consciência em meio a esse turbilhão, transformada em um verdadeiro

campo de batalha, acelera a sua trajetória crítica. Tornando-se conscientes, as

contradições são elevadas a princípios de conhecimento e, em consequência, de

ação, produzindo nos agentes críticos a necessidade de lutar por uma nova realidade

profissional. Engajados em um movimento que no âmbito interno da profissão

recebeu a denominação de Movimento de Reconceituação, esses agentes assumiram, como uma causa revolucionária, a intensa e profunda análise da situação do Serviço

Social no continente latino-americano, tanto no que se refere ao exercício

profissional como aos seus fundamentos teóricos. (MARTINELLI, 2011, p. 143).

Na década de 1960 e 1970, o processo de trabalho dos assistentes sociais começou a

passar por transformações internas motivadas também por fatores externos que se impuseram

ao meio profissional a fim de atender as demandas da autocracia burguesa. Dentre os fatores

facilitadores ao processo de renovação, destacaram-se a laicização e os debates teórico-

metodológicos advindos do meio universitário.

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Mesmo que aquela inserção tenha se realizado no âmbito de uma universidade

domesticada, suas resultantes conformaram espaços de reflexão que foram ocupados e utilizados para gestar uma massa crítica (cuja qualidade e pertinência não podem

deixar de ser problematizadas) que forneceu o patamar para o erguimento de estritas

preocupações intelectuais para os assistentes sociais: pela primeira vez,

institucionalmente, criavam-se condições para o surgimento de um padrão

acadêmico (ainda que o possível na universidade da ditadura) para exercitar a

elaboração profissional, constituindo-se vanguardas sem o compromisso imediato

com tarefas pragmáticas. (NETTO, 2015, p. 170).

Ao mesmo tempo em que a burguesia nacional criou novas formas de se manter no

controle e no poder, aguçou também a consciência crítica que levou a classe profissional a

uma clara percepção quanto ao seu processo de trabalho alienado e alienador, submisso e

conservador. Neste período, não era mais possível aos assistentes sociais continuarem

submersos, estagnados e alheios à realidade política, econômica e principalmente à

desigualdade social que se desenhava no cenário mundial. A classe trabalhadora e as camadas

sociais subalternas tornavam-se cada vez mais ativas em suas lutas e reivindicações, e os

assistentes sociais eram chamados a um posicionamento frente a tal realidade que se

apresentava. Não havia mais espaço a uma abstenção dos acontecimentos em nível global e

aos novos rumos que a história desenhava em meio ao processo de desenvolvimento do

sistema capitalista em crise, e a tudo o que concerne à sua manutenção. Este foi o caminho

percorrido rumo ao processo de ruptura do serviço social tradicional dando início ao processo

de renovação do serviço social não só no Brasil, mas na América Latina.

Os anos 1960 foram marcados por alguns terremotos econômico-sociais, políticos e

ideoculturais que vincaram indelevelmente a face da história, da sociedade e da

cultura contemporâneas. A baliza de 1968, de Berkeley a Paris, de Praga à selva

boliviana, do movimento nas fábricas do norte da Itália à ofensiva Tet no Vietnã, das

passeatas do rio de Janeiro às manifestações em Berlim-Oeste, assinala uma crise de

fundo da civilização de base urbano-industrial que se refrata em todas as esferas da

ação e da reflexão. (NETTO, 2015, p.186).

O final dos anos 1950 e início dos anos 1960 marcou um período particular do serviço

social na América Latina, momento em que a sociedade global passava por efervescências

com um fortalecimento da classe trabalhadora e dos vários movimentos sociais. Tais

acontecimentos repercutiram no interior da categoria profissional e foi nesse contexto que a

categoria profissional começou a se inquietar e a questionar a respeito da sua funcionalidade

junto à sociedade e principalmente sobre o seu papel a serviço da classe trabalhadora.

Decerto, o momento de “convulsões” que aflorava o mundo devido ao clímax

atingido pelo desenvolvimento capitalista, e que, após atingir o seu ápice, passou a se declinar

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por ser um movimento cíclico e inerente a este modo de produção, gerou tensionamentos

tanto nos países centrais como nas periferias. Esse movimento favoreceu as lutas e

mobilizações das classes subalternas em prol de melhorias não só de trabalho, mas também na

produção e reprodução de uma vida digna. Ele circundou e refletiu no interior da classe dos

assistentes sociais no contexto político, econômico e social característicos dos anos 19609,

exprimindo as insatisfações das classes trabalhadoras10

e subalternas da sociedade frente às

ações interventivas da classe profissional que não atendia às necessidades e expectativas da

população por ela atendida. Concomitantemente, somaram-se outros fatores que rebateram

diretamente no interior da profissão e que acabaram por conduzir ao declínio do serviço social

tradicional. Dentre estes fatores, destacaram-se as indagações pelas quais passavam as

Ciências Sociais, cujas fontes o serviço social tradicional se valia e se legitimava, o

movimento estudantil e a laicização das instituições e do ensino do serviço social.

Ora, este é o cenário mais adequado para promover a contestação de práticas profissionais como as do Serviço Social “tradicional”, seu pressuposto visceral, a

ordem burguesa como limite da história, é questionado; seus media privilegiados, as

instituições e organizações governamentais e o elenco de políticas do Welfare State,

veem-se em xeque; seu universo ideal. Centralizado nos valores pacatos e bucólicos

da integração na “sociedade aberta”, é infirmado; sua aparente assepsia política,

formalizada, “tecnicamente”, é recusada. Mais decisivo ainda: a sua eficácia

enquanto intervenção institucional é negada, a partir dos próprios resultados que

produz. (NETTO, 2015, p. 187).

A Reconceituação demarcou o desgaste dos processos de trabalho dos assistentes

sociais neste continente, vinculado ao cenário global que se apresentava no âmbito político,

social, econômico e cultural. Era preciso reformular a formação profissional de forma que

ensino, pesquisa e prática profissional estivessem vinculados, e que o âmbito das instituições

9 Os anos 60 foram particularmente difíceis para os povos latino-americanos, que desde o imediato segundo pós-

guerra vinham enfrentando crescentes dificuldades de sua participação no processo produtivo. A dinâmica da

acumulação capitalista, no contexto de uma economia dependente e monopolista, produzia formas peculiares de

inserção na divisão social do trabalho, excluindo amplo grupo da possibilidade de acesso às estruturas de

produção. À reprodução ampliada do capital correspondia uma reprodução ampliada da pobreza e do conjunto

de problemas que a acompanham. O exército industrial de reserva e a massa de indigentes cresceram a tal

ponto que a face do continente latino-americano era a desoladora face da pobreza, da fome, da doença. No plano político, a ascensão das ditaduras e o consequente cerceamento da liberdade produziam um quadro de

tensão permanente, cujos reflexos atingiam a totalidade do processo social. (MARTINELLI, 2011, p.141). 10 Tal qual concebido por Marx e Engels em “O manifesto comunista” [1848], (1998), o surgimento da sociedade

burguesa, dividiu a sociedade em duas classes principais: a burguesia (detentora do capital e dos meios de

produção) e o proletariado (vendedor da sua força de trabalho), dessa forma, a categoria classe trabalhadora é

usada aqui de uma forma mais abrangente, referindo-se às classes sociais que dependem da venda da sua força

de trabalho para sua subsistência e que são atendidas pelo serviço social via políticas sociais, e que trazem em

suas vivências as desigualdades sociais de gênero, raça e etnia, fazendo com que sejam colocados à margem e

excluídos dos espaços sociais.

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de formação fosse um lugar de exercício da crítica, da produção de conhecimento e de debate,

além de promover o estreitamento de vínculos com a sociedade. (IAMAMOTO, 2015a).

Nos eixos de preocupações fundamentais, salientam-se, em primeiro lugar, o

reconhecimento e a busca de compreensão dos rumos peculiares do

desenvolvimento latino-americano em sua relação de dependência com os países

“cêntricos”, para a contextualização histórica da ação profissional, o que redundou

em uma incorporação das produções acadêmicas no vasto campo das ciências

econômicas, sociais e políticas. Em segundo lugar, verificam-se os esforços

empreendidos para a reconstrução do próprio Serviço Social: da criação de um projeto profissional abrangente e atento às características latino-americanas, em

contraposição ao tradicionalismo, envolvendo critérios teórico-metodológicos e

prático-interventivos. Em terceiro lugar, uma explícita politização da ação

profissional, solidária com a “libertação dos oprimidos” e comprometida com a

“transformação social”, conforme a linguagem usual da época. Em quarto lugar, a

necessidade de se atribuir um “estatuto científico” ao Serviço Social lança-o no

campo dos embates epistemológicos, metodológicos e das ideologias.

(IAMAMOTO, 2015a, p. 209).

A fase que se apresentava não respondia à realidade social das nações latino-

americanas, não que outrora respondesse, mas na conjuntura e realidade do contexto histórico

do período, os assistentes sociais foram ainda mais requisitados e questionados,

principalmente pelas mudanças sociais protagonizadas pelas classes subalternas, o que passou

a gerar um movimento no interior da classe profissional no que diz respeito à sua

funcionalidade profissional na superação do subdesenvolvimento. (NETTO, 2015).

Indagando-se sobre o papel dos profissionais em face de manifestações da “questão

social”, interrogando-se sobre a adequação dos procedimentos profissionais

consagrados às realidades regionais e nacionais, questionando-se sobre a eficácia das

ações profissionais e sobre a eficiência e legitimidade das suas representações,

inquietando-se com o relacionamento da profissão com os novos atores que

emergiam na cena política (fundamentalmente ligados às classes subalternas) – e

tudo isso sob o peso do colapso dos pactos políticos que vinham do pós-guerra, do

surgimento de novos protagonistas sociopolíticos, da revolução cubana, do

incipiente reformismo gênero Aliança para o Progresso - , ao mover-se assim, os

assistentes sociais latino-americanos, através de seus segmentos de vanguarda, estavam minando as bases tradicionais da sua profissão. (NETTO, 2015, p.191).

Foi este movimento que aglutinou praticamente todos os países da América Latina e

que permitiu, segundo o autor Netto, de forma explícita, o entendimento sobre a necessidade

de uma grande união profissional. Decerto que o intercâmbio entre estes profissionais no

continente latino-americano é precedente ao movimento de reconceituação, pois desde os

anos 1940, “verificam-se da formação das escolas pioneiras à organização de eventos

internacionais.” (NETTO, 2015, p.195). O movimento abriu por assim dizer, espaço para uma

nova fase no serviço social latino-americano que respondesse às demandas comuns ao

continente, resguardando as particularidades destas nações, pois o bloco não compreendia

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uma completa homogeneidade, e que se impunham mediante as mudanças sociais que se

colocavam ao processo de trabalho dos assistentes sociais. E para além disso, opunham-se aos

modelos de intervenção profissional importados que não condiziam com a realidade social

regional e local.

Superada a cegueira da ilusão e percebida a erosão da ação profissional regida pela

identidade atribuída, o Serviço Social deu início a uma nova fase: a de sua reconstrução crítica. O primeiro passo nessa direção foi reconhecer as contradições

que o constituíram, da sua servidão ideológica e técnica à sua desqualificação para

atuar na realidade social, principalmente na interface com as lutas da população,

com quem até então não tinha nenhum laço além da superficialidade institucional.

(AMARO, 2013, p. 23).

Foi durante o período de reconceituação que se deu a aproximação do serviço social

com a tradição marxista. As fontes usadas nesse período não foram as originais ou fidedignas,

o que trouxe ambivalências sobre os seus entendimentos e discussões. Mas foi sobretudo o

ponto de partida e, significou a passagem do serviço social à modernidade profissional. “Pela

primeira vez de forma aberta, a elaboração do Serviço Social vai socorrer-se da tradição

marxista – e o fato central é que depois da reconceptualização, o pensamento de raiz marxista

deixou de ser estranho ao universo profissional dos assistentes sociais. (NETTO, 2015,

p.193).

O processo de reconceituação encontrou barreiras e percalços tanto ao nível externo

quanto ao nível interno, o que em certa medida contribuiu para o seu curto lapso temporal.

No nível externo, não interessava aos imperialistas e às burguesias nacionais

subservientes que fossem adiante projetos e propostas fundamentadas em superar o

subdesenvolvimento. “Primeiro no Brasil, depois em todo o cone Sul, as ditaduras burguesas

não deixaram vingar as propostas que situavam a ultrapassagem do subdesenvolvimento

como função da transformação substantiva dos quadros societários latino-americanos.”

(NETTO, 2015, p. 192).

No nível interno, havia um embate dentro da categoria profissional entre os agentes

críticos que tinham amadurecido e adquirido a consciência crítica sobre a necessidade de

transformação do seu exercício profissional, assim como do seu aparato teórico-

metodológico. A função de meros executores terminais das políticas sociais não lhes cabia

mais, pleiteavam em suas atividades profissionais ações de planejamento e pesquisa,

expandindo assim o campo de ação profissional. E, desta forma, intentavam romper com as

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amarras do serviço social tradicional. E, havia os agentes que continuavam ainda estagnados,

agiam ainda de forma mecânica, estavam ainda vazios de reflexão e se mantinham ainda

subservientes aos seus mandatários. E quiçá, em certa medida, esta última característica ainda

seja realidade e permaneça presente no meio profissional em pleno século XXI.

Abrindo espaços para o debate, para a reflexão e para a crítica, tal Movimento

procurou aglutinar em torno de seus objetivos a maior parte dos agentes profissionais. Não obteve, porém, uma resposta unívoca, pois a cisão do único, sobre

a qual o capitalismo se constrói, havia penetrado na categoria profissional,

transformando-a em uma categoria fragmentada, fragilizada e desunida. Não

encontrando a base necessária, até mesmo o que veio para unir levou a uma nova

ruptura dentro da categoria profissional, que passou a dividir seus agentes em

reconceituados e não-reconceituados, em tradicionais e revolucionários.

(MARTINELLI, 2011, P. 144).

As ditaduras que foram imputadas e que assolaram as nações no continente latino-

americano na década de 1960 frearam o processo de reconceituação, embora ainda tivesse

muito que se desenvolver e expandir, ele não se encerrou em si mesmo e se estendeu por

apenas uma década, entre os anos de 1965 e 1975. O período, embora conturbado, foi

extremamente fértil e deixou frutos que certamente corroboraram e fizeram toda a diferença

no desenvolvimento do processo profissional na América Latina.

Refiro-me às atividades desenvolvidas, a partir de meados dos anos setenta e

praticamente até o fim da década de 1980, pelo Centro Latinoamericano de Trabajo

Social (Celats)11. Reunidos em Lima, assistentes sociais latino-americanos – e numa

experiência de colaboração profissional com sociólogos, psicólogos e educadores –

promoveram investigações, seminários e colóquios, publicações e ações de educação

à distância que contribuíram para inaugurar um novo momento no processo da

autoconsciência da profissão na América Latina. (NETTO, 2005, p. 15).

A Reconceituação na América Latina deu nome a um movimento que foi um marco

na categoria profissional. Momento em que ela foi de encontro ao serviço social tradicional, à

exploração do regime capitalista e às amarras imperialistas. Em suma, empreendeu e

representou:

Uma forte crítica ao que se designou “Serviço Social Tradicional”: a prática

empirista, reiterativa, paliativa e burocratizada, orientada por uma ética liberal-

burguesa, que, de um ponto de vista claramente funcionalista, visava enfrentar as

incidências psicossociais da questão social sobre indivíduos e grupos, sempre pressuposta à ordenação capitalista da vida social como um dado factual

ineliminável. (NETTO, 2005, p. 6).

11 Centro Latinoamericano de Trabajo Social (CELATS), organismo de cooperação técnica internacional, e a

Associação Latino-Americana de Escolas de Serviço Social (ALAESS) exerceram um papel decisivo no

desenvolvimento de um novo projeto profissional latino-americano, impulsionando intercâmbio, produzindo

pesquisas e difundindo a polêmica do Serviço Social. (IAMAMOTO, 2015a, p. 209).

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Para uma melhor análise e compreensão do processo de renovação no Brasil, é

fundamental a contextualização à conjuntura sociopolítica, econômica e cultural vigente em

meados dos anos 1960, visto a ascensão do golpe civil militar em 1º de abril de1964, que

perdurou até 1985 com a posse do presidente José Sarney.

Com o objetivo de retomar o desenvolvimento econômico o Estado concentrou o

poder praticamente de forma absoluta. A economia política do regime militar foi fundada no

lema “segurança e desenvolvimento”12

, entenda-se, repressão das classes assalariadas em

detrimento do crescimento do processo de acumulação. A ditadura instalada foi um

instrumento repressor e violento. Seu principal objetivo era a opressão das classes operárias e

camponesas, assim como todos aqueles que por ventura se manifestassem contra a máquina

estatal ou aos interesses burgueses. Como punições, se valeram de prisões, ameaças,

sequestros, torturas, exílios, desaparecimentos, assassinatos. Esses atos foram cometidos

principalmente contra líderes sindicais, partidos, sociólogos, políticos e todos os que não

estivessem dentro dos princípios da hierarquia e da disciplina. Os militares, tidos como vilões

foram comandados pelo grande capital. O Estado influenciou e reprimiu diretamente setores

do ensino, da cultura, dos tecnocratas, na prática dos governantes, mostrando-se despótico,

opressivo e repressivo. (IANNI, 1981, p.8).

Em meados dos anos 1970, a renovação profissional materializada na

Reconceituação viu-se congelada: seu processo não decorreu por mais de uma

década. E seu ocaso não se deveu a qualquer esgotamento ou exaurimento imanente;

antes, foi produto da brutal repressão que então se abateu sobre o pensamento crítico

latino-americano – não por acaso, muitos dos protagonistas da Reconceituação experimentaram o cárcere, a tortura, a clandestinidade, e exílio e alguns engrossaram

as listas dos “desaparecidos” nas ditaduras. (NETTO, 2005, p.10).

Neste período, o desenvolver do processo de trabalho dos assistentes sociais, foi

deveras influenciado e cordialmente submisso às prioridades de um Estado ditatorial, cujas

instituições estatais e paraestatais, diga-se de passagem, e não por coincidência, constituíam

os maiores empregadores da categoria profissional, assim como as grandes empresas privadas.

12 Foi assim que se definiu, desde o primeiro governo militar, a economia política do lema “segurança e

desenvolvimento”. Segurança, no sentido de “segurança interna”, envolve o controle e a repressão de toda

organização e atividade política das classes assalariadas, para que o capital monopolista tenha as mãos livres

para desenvolver a acumulação. O desenvolvimento no sentido de florescimento das “forças do mercado”, com

a “predominância da livre empresa no sistema econômico”. O Estado foi posto a serviço de uma política de

favorecimento do capital imperialista, política essa que se assentou na superexploração da força de trabalho

assalariado, na indústria e na agricultura. (IANNI, 1981, p.8).

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Verificou-se uma mudança no discurso, nos métodos de ação e nos rumos da prática

profissional, no sentido de obter um reforço de sua legitimidade junto às instâncias

demandantes da profissão, em especial o Estado e as grandes empresas, adequando o

Serviço Social à ideologia dos governantes. Tais mudanças se traduzem em uma

tecnificação pragmatista do Serviço Social. Diante do clima repressivo, os

assistentes sociais refugiam-se cada vez mais em uma discussão “interna” sobre

elementos que, por si, supostamente lhe confeririam um perfil peculiar - objetos,

objetivos, métodos e procedimentos de intervenção caindo nas amarras do fetiche do

metodologismo. Suas construções teóricas são tomadas do estrutural funcionalismo

e do discurso do positivismo. (IAMAMOTO, 2015, p.215).

No Brasil, o processo de renovação compreendeu três momentos particulares e

“configura um movimento cumulativo, com estágios de dominância teórico-cultural e

ideopolítica distintos, porém entrecruzando-se e sobrepondo-se, de onde a dificuldade de

qualquer esquema para representá-lo.” (NETTO, 2015, p. 198). Em outras palavras, a reflexão

profissional se desenvolveu de formas diferentes no campo teórico e ideopolítico, havendo

mesmo uma concorrência entre esses campos no tempo e no espaço. A divisão nesses três

momentos pode ser relacionada com os organismos que apoiaram o processo de renovação.

De início, o Centro de Cooperação e Intercâmbio de Serviço Social (CBCISS) foi a entidade

que conseguiu reunir profissionais e docentes, em seguida, somou-se a isso no âmbito das

instituições de formação os cursos de pós-graduação, e concomitantemente, juntaram-se a

essas duas fontes alimentadoras do processo de renovação, a intervenção dos organismos

ligados à formação como a Associação Brasileira de Serviço Social (ABESS) e à categoria

profissional como as associações profissionais. É seguindo esta linha de raciocínio que Netto

(2015), fundamentado em seus estudos e pesquisas dos materiais produzidos à época, sugere a

seguinte reflexão desses três momentos.

O primeiro momento foi denominado de perspectiva modernizadora13

e se destacou a

partir de meados dos anos de 1960. Essa perspectiva manteve um elo de continuidade à sua

acumulação profissional e à sua funcionalidade em meio às demandas da autocracia burguesa,

visto o momento histórico que se estabeleceu com a ditadura empresarial-militar. E

analisando por este ângulo, os traços da subserviência continuaram presentes ainda que de

forma escamoteada, dando ares de modernização no que tange à teorização e técnicas de

intervenção. Neste contexto, os processos de trabalho dos assistentes sociais serviram de

instrumento profissional de apoio às políticas de desenvolvimento.

13 A perspectiva modernizadora constitui a primeira expressão do processo de renovação do Serviço Social no

Brasil. Emergente desde o encontro de Porto Alegre, em 1965, ela encontra a sua formulação afirmada nos

resultados do primeiro “Seminário de Teorização do Serviço Social”, promovido pelo Centro Brasileiro de

Cooperação e Intercâmbio de Serviço Social (CBCISS) em Araxá (MG), entre 19 e 26 de março de 1967, e se

desdobra nos trabalhos do segundo evento daquela série, também patrocinado pelo CBCISS e efetivado entre

10 e 17 de janeiro de 1970 em Teresópolis (RJ). (NETTO, 2015, p. 213).

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Um esforço no sentido de adequar o Serviço Social, enquanto instrumento de

intervenção inserido no arsenal de técnicas sociais a ser operacionalizado no marco de estratégias de desenvolvimento capitalista, às exigências postas pelos processos

sociopolíticos emergentes no pós-1964. (NETTO, 2015, p.200).

Destacou-se nesse período, o CBCISS na promoção e organização de “seminários de

teorização”, encarregou-se também na organização de cursos direcionados a docentes e

profissionais, além de um amplo trabalho editorial.

O Brasil contribuiu ricamente à Reconceituação, enquanto um movimento a nível

internacional e particular à América Latina, com a produção de grandes contribuições como o

Documento de Araxá14

, originado do Seminário realizado na cidade que deu nome ao

documento em Minas Gerais, no período compreendido entre 19 e 26 de março no ano de

1967, e o Documento de Teresópolis, originado do Seminário realizado em tal cidade no Rio

de Janeiro no período compreendido entre 10 e 17 de janeiro no ano de 1970.15

Tais

documentos engendraram o serviço social pertinente ao contexto sócio-político e econômico

brasileiro em vias de desenvolvimento. E o serviço social se adequou a fim de servir de

instrumento às políticas desse desenvolvimento estabelecidas pelo Estado ditador-militar.

O sentido de desenvolvimento no contexto histórico da ditadura militar-empresarial

está diretamente imbricado à repressão e exploração das classes trabalhadoras nos meios

urbanos e rurais. Em 1967 assumiu a presidência o marechal Arthur da Costa e Silva, e em

seu governo foi decretado o Ato AI-5 colocando o congresso em recesso por tempo

indeterminado. O Habeas Corpus foi suspenso para delitos políticos. O governo teve o poder

para cassar, demitir, aposentar e remover o cidadão. O Plano decenal de Desenvolvimento

Econômico e Social do período de 1967-1976, estabeleceu a política de desenvolvimento

econômico. No Programa Estratégico de 1968-1970 ficou claro o comprometimento do

Estado com a empresa privada. Em seguida, assumiu o general Emílio Garrastazu Medici,

1989-1974. No seu governo propagou-se a imagem do país como o “milagre brasileiro”,

“Brasil Potência”. Para manter a oratória da integração nacional foram criados três programas:

Programa de integração Nacional (PIN), o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa

de Redistribuição de Terras (Proterra). Vendia-se a ideia de que o sacrifício imposto aos

proletários e camponeses era em prol de um desenvolvimento de toda a nação. Era preciso

14 A monografia em questão não se propõe a aprofundar o estudo do documento referenciado. Sugiro a leitura de

(NETTO, 2015, p.217-229). 15 Idem (NETTO, 2015, p.229-248).

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criar uma sociedade industrial e para isso a união entre Estado e o capital monopolista

imperialista era fundamental, mesmo que sob a superexploração do proletariado e do

campesinato. Entre os anos de 1972-1974, o I Plano Nacional de Desenvolvimento sob

euforia do “milagre brasileiro” e visando um maior destaque nas relações com os EUA, foram

usadas formas de repressão anticomunistas financiadas pelo imperialismo a fim de conter

qualquer forma de oposição. Foram usados ainda mais a censura, repressão e tortura do

proletariado urbano e rural. (IANNI, 1981).

A ideia do desenvolvimento econômico nacional que foi incorporado pelo serviço

social nos documentos de Araxá e Teresópolis, enfatiza um processo contínuo e gradual:

assumem o desenvolvimento como processo induzido de mudanças para erradicar,

mediante um gradativo aumento dos níveis de bem-estar social, o quadro de

causalidades potencialmente conversíveis em vetores de alimentação de um caudal

revolucionário. [...] A relação subdesenvolvimento / desenvolvimento é pensada como um continuum, o subdesenvolvimento aparecendo como uma etapa de um

processo cumulativo que, submetida a intervenções racionais e planejadas, ver-se-ia

ultrapassada e deslocada pela dinâmica que conduziria ao outro polo do continuum.

Aquelas intervenções seriam direcionadas fundamentalmente para a superação dos

estrangulamentos impeditivos do trânsito de um polo a outro, gargalos sobretudo

derivados da inércia econômico-social dos setores arcaicos (tradicionais) das

sociedades subdesenvolvidas, de onde a necessidade de induzir mudanças

conducentes à sua compatibilização com a dinâmica dos setores modernos (urbano-

industriais) – daí a quase identificação de processo de desenvolvimento e processo

de modernização. (NETTO, 2015, p. 215).

Em linhas gerais, o serviço social no Documento de Araxá não rompeu explicitamente

com o tradicionalismo histórico pertinente ao seu processo de trabalho. Deu continuidade à

sua atuação nos processos de caso, grupo e comunidade, porém trazendo novos elementos

teóricos, métodos e processos almejando mudanças que vislumbrassem o processo de

“desenvolvimento” sob a égide do Estado ditatorial.

Num contexto de intensa pauperização derivada das políticas concentracionistas de

renda e capital, que resultam em uma queda brutal do poder aquisitivo dos salários,

as necessidades materiais tendem a ser espiritualizadas, transformadas em

dificuldades subjetivas do indivíduo para a adaptação social. Assim, questões de

economia política transmutam em “problemas assistenciais” e os direitos sociais conquistados na luta social são metamorfoseados em “benefícios”, visto como

expressões de carências, de dificuldades internas à personalidade do trabalhador.

(IAMAMOTO, 2015, p. 216).

O Documento de Araxá no que concerne às funções atributivas ao processo de

trabalho dos assistentes sociais trouxe de novo o enfoque aos níveis de micro e macro

atuação, que nesta perspectiva devem estar interligadas. Ao nível de micro atuação continuam

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as funções operacionais como a administração e a prestação de serviços diretos. Ao nível da

macro atuação, percebe-se um engajamento dos assistentes sociais com uma perspectiva no

nível de política e planejamento, o que remete às demandas que a classe profissional vinha

pleiteando dando ares de renovação, de um novo serviço social, embora de cunho utilitário ao

desenvolvimento nacional pré-estabelecido.

O Documento de Teresópolis trouxe como tema de estudo a Metodologia do Serviço

Social. O processo de trabalho do assistente social foi o ponto chave desse encontro onde

houve toda uma preocupação referente à concepção das formas instrumentais na atuação

profissional, trazendo assim, qualidade, eficiência e reconhecimento nos meios institucional-

organizacionais. Para além disso, vai requerer um profissional deveras qualificado deixando

claro que a formação profissional oferecida até meados da década de 1960 não correspondia

às novas demandas que se apresentavam mediante o atual cenário nacional. E, nem às fases de

maturação que a classe profissional veio percorrendo, redescobrindo e se transformando,

ainda que a ambiência do sistema ditatorial16

, o que por ora veio a redefinir o assistente social

como um agente sociotécnico.

O desempenho das funções que se atribuem, no documento, ao Serviço Social

implica um técnico capaz de se mover com a familiaridade mínima entre disciplinas

acadêmicas como o Planejamento, a Administração, a Estatística, a Política Social, a

Economia, os mais diversos ramos da Sociologia etc. (NETTO, 2015, p. 247).

O segundo momento que compreendeu o processo de renovação no Brasil, foi a

perspectiva de reatualização do conservadorismo, vertente que começou a ganhar espaço no

meio profissional em meados da década de 1970, porém não trouxe grandes debates no

interior da categoria profissional. Tal perspectiva incorporou os traços conservadores da

profissão sob uma nova base teórico-metodológica, a fenomenologia.

O exame da literatura produzida pelos autores mais significativos que reivindicam a inspiração fenomenológica, (...) revela, principalmente, que o recurso à

fenomenologia é operado por eles de modo muito característico – e inquietante: um

modo que reproduz uma histórica tara do Serviço Social. Três observações acerca da

modalidade desse recurso parecem-nos suficientes para indicar a sua

problematicidade. Em primeiro lugar, chama a atenção a curiosa relação que se

estabelece entre os autores representativos da perspectiva de reatualização do

16 As formulações registradas nos documentos de Araxá e Teresópolis, marcos canônicos da perspectiva

modernizadora do Serviço Social em nosso país, simultaneamente configuram a sincronização da

(auto)representação profissional ao projeto e à realidade globais da “modernização conservadora” que o Estado

ditatorial levava a cabo e contribuíram, no plano específico do universo profissional, para o seu processo

renovador, intervindo no sentido de girar a face intelectual e operativa do assistente social, balizando novas

exigências e condições para a sua reprodução enquanto categoria e para o seu exercício enquanto técnico

assalariado. (NETTO, 2015, p. 248).

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conservadorismo e as fontes seminais do pensamento fenomenológico – mais

precisamente, o que é notável é a ausência de relação entre aqueles autores e as

fontes originais. Em segundo lugar, no apelo à inspiração fenomenológica desta

perspectiva renovadora brasileira é assombrosa e absoluta falta de mínimas

referências às problematizações de que as posturas, propostas, categorias e

procedimentos fenomenológicos foram e são objeto. Em terceiro lugar, ressalta na

incorporação das posturas e procedimentos fenomenológicos efetivada pelos autores

da perspectiva de reatualização do conservadorismo um ponderável empobrecimento

teórico e crítico de categorias engendradas na vertente aberta por Husserl – trata-se,

efetivamente, de um processo de simplificação que não pode passar inadvertido. O

que nas fontes originais é complexo, multívoco, às vezes ambíguo, evanescente, obscuro, matizado, aparece nos textos de Serviço Social com uma clareza suspeita.

(NETTO, 2015, p.271-274).

A perspectiva de reatualização recusou veemente a teoria positivista e o pensamento

crítico-dialético de raiz marxiana. O processo de trabalho se fez a nível microscópico, na

ajuda psicossocial e trouxe de forma renovada o pensamento católico ao rejeitar os

referenciais positivistas. “Uma primeira, e evidentemente decisiva, característica relevante

desta perspectiva é a exigência e a valorização enérgicas da elaboração teórica.” (NETTO,

2015, p.261).

Foi na contextualização da perspectiva reatualização do conservadorismo que

ocorreram outros dois seminários. O primeiro deles, o Seminário de Sumaré17

que apresentou

como temas a relação do Serviço Social com a Cientificidade, a Fenomenologia e a Dialética,

realizado entre 20 e 24 de novembro de 1978 e o seminário do Alto da Boa Vista18

que se

desenvolveu por meio de sete conferências apresentadas por convidados, realizado em

novembro de 1984, ambos ocorreram no Rio de Janeiro. Os dois seminários não reverberaram

no meio profissional se comparados aos seminários de Araxá e Teresópolis, o que pode ser

inferido pelo momento nacional que se apresentava além das efervescências e o debate que

aconteciam no meio da categoria profissional:

começava a dispor de foros plurais, a contemplar novas e mais amplas temáticas e se

beneficiava já de um acúmulo acadêmico não desprezível; principalmente, no seu

interior já se fazia sentir uma força polêmica em face ao transicionalismo que,

escorada então por propostas latino-americanas contestadoras, gestava discussões de

fundo em relação ao Serviço Social mesmo – e, claramente, punha-se na ordem do

dia a tematização teórico-metodológica da profissão vinculada ao debate nas ciências sociais e aos dados mais novos da conjuntura brasileira. (NETTO, 2015, p.

252).

17 Em Netto, 2015, p. 248-258. 18 Idem.

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A perspectiva de reatualização teve a sua vertente propagada por meio de iniciativas

do CBCISS e no âmbito universitário, com ênfase nas instituições universitárias do Rio de

Janeiro e de São Paulo.

O terceiro momento do processo de renovação do serviço social foi nomeado de

perspectiva de intenção de ruptura e tem seu marco em meados da década de 1970. Dentre as

três perspectivas de renovação que foram de encontro ao serviço social tradicional, sem

desmerecer os esforços das duas anteriores que constituíram um avanço no processo de

renovação, mas que em certa medida se mantiveram abarcadas ao acúmulo profissional, a

terceira perspectiva foi a que mais se destacou ao propor uma total ruptura ao tradicionalismo

e conservadorismo no que se refere aos suportes teóricos, metodológicos e ideológicos.

(NETTO, 2015).

Sociopolítica e historicamente, esta perspectiva é impensável sem o processo que se

precipita entre 1961 e 1964 e é abortado em abril. No quadro do ciclo autocrático

burguês, é nestes anos que se articulam as tendências sociopolíticas que mais

imediatamente suportaram a perspectiva de intenção de ruptura: a mobilização

antiditatorial dinamizada pelos setores das camadas médias urbanas jogadas na

oposição coloca os referenciais – culturais e políticos – que, na sequência da derrota anterior da classe operária e do conjunto dos trabalhadores, vão nutrir a perspectiva

profissional de que nos ocupamos. Ou seja: esta perspectiva expressa geneticamente,

no plano do Serviço Social, as tendências mais democráticas da sociedade brasileira

próprias da década de 1960 – mediatamente, o processo de afirmação protagônica da

classe operária e seus aliados; imediatamente, as lutas pela recuperação deste

processo já sob a ditadura. (NETTO, 2015, p. 328).

O processo de renovação do serviço social foi fruto não somente “da vontade subjetiva

dos seus protagonistas”, segundo Netto (2015), mas também da movimentação peculiar à

sociedade brasileira desde o final da década de 1950, como as lutas e movimentos sociais que

foram ceifados em meio ao processo da ditadura empresarial-militar. A perspectiva de

intenção de ruptura ao ir de encontro à autocracia burguesa, fincou as suas bases

sociopolíticas no processo de democratização e no movimento das classes subalternas e

exploradas, movimento severa e explicitamente estancado pela ditadura. Porém, o movimento

estrutural da sociedade nacional continuou avançando, assim como o circuito ideocultural que

foi explicitado na produção intelectual da categoria profissional.19

E, embora esta perspectiva

tenha os seus fundamentos e desenvolvimento no confronto com a ditadura, o seu vínculo

19 O livro “Relações sociais e serviço social no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica”,

dos autores Marilda Iamamoto e Raul de Carvalho, com primeira edição em 1982, se constitui um dos marcos

do movimento de intenção de ruptura.

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com a classe operária foi predominantemente centrado ao nível intelectual e estudantil, o que

deu a essa perspectiva um caráter de partidarização. (NETTO, 2015).

De algum modo, esta cilada histórica peculiariza o Serviço Social entre muitas

profissões no Brasil: quando se lhe abre a possibilidade de receber influxos

ideoculturais e sociopolíticos aptos a reverter o seu direcionamento conservador,

ocorre a oclusão dos condutos e canais que viabilizavam a sua interação com o

movimento das classes sociais que, exatamente elas, suportavam aquela

possibilidade. (NETTO, 2015, p. 327).

A perspectiva de intenção de ruptura teve no âmbito universitário (com destaque para

a Escola de Serviço Social da Universidade Católica de Minas Gerais com o documento

conhecido como “Método de BH” ) ainda nos primeiros anos da década de 1970 o seu berço e

um espaço de desenvolvimento às suas ideias e legitimação incontestáveis, mas que ante a

conjuntura instituída pela ditadura, somente ganhará vulto nos foros e nos organismos da

categoria profissional a partir da década dos anos 198020

face ao início da abertura política

que começou a ser desenhada no cenário nacional.

É somente quando a crise da autocracia burguesa se evidencia, com a reinserção da

classe operária na cena política brasileira desatando uma nova dinâmica na

resistência democrática, que a perspectiva de intenção de ruptura pode transcender a

fronteira das discussões em pequenos círculos acadêmicos e polarizar atenções de

segmentos profissionais ponderáveis. [...] O seu futuro está muito hipotecado ao

alargamento e ao aprofundamento da democracia na sociedade e no estado

brasileiros – pelos seus enlaces teórico-culturais e pelos seus compromissos cívico-

políticos, a perspectiva da intenção de ruptura depende, mais que as outas tendências

operantes no Serviço Social, de um clima de liberdades democráticas para avançar

no seu processamento. (NETTO, 2015, p. 317).

Diferente das duas perspectivas anteriores, a perspectiva de intenção de ruptura não se

adaptou às convenções da autocracia burguesa, ao contrário, constituiu “caráter de oposição”,

termo usado por Netto, ao regime estipulado.

Nas suas expressões diferenciadas, ela confronta-se com a autocracia burguesa:

colidia com a ordem autocrática no plano teórico-cultural (os referenciais de que se

socorria negavam as legitimações da autocracia), no plano profissional (os objetivos

que se propunha chocavam-se com o perfil do assistente social requisitado pela

“modernização conservadora”) e no plano político (suas concepções societárias,

batiam contra a institucionalidade da ditadura). (NETTO, 2015, p.316).

20 Cf nota 283, Netto supõe que a nível nacional as condições políticas não favorecessem o debate fora das

academias, mas que no contexto latino-americano o documento foi deveras propagado inclusive no “Seminário

Latinoamericano para Profesionales em Trabajo Social”, evento realizado entre 17 e 25 de julho de 1971, em

Ambato, Equador. (NETTO, 2015, p. 315).

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O âmbito acadêmico mostrou-se um espaço propício à construção da perspectiva de

intenção de ruptura, não que as universidades tivessem seu espaço isento ao cerceamento da

autocracia burguesa, mas a colocação do projeto diretamente ao meio profissional era deveras

improvável, visto o controle exercido nas áreas estatais e privadas no processo de trabalho dos

assistentes sociais. Para além disso, os profissionais voltados ao projeto em questão se valiam

na parca base teórica e cultural da maioria constitutiva da categoria profissional, aliando-se à

real necessidade da formação de novos profissionais afim de ingressarem como docentes nas

novas frentes que se abriam na criação de novos cursos de serviço social, favorecendo a

renovação no meio acadêmico. Mas como já foi citado, o âmbito acadêmico não estava livre

de interferências e obstáculos, quer dentro e fora de seus limites, encontrando resistência por

parte dos que se punham a serviço da ditadura ou que mantivessem posicionamentos

tradicionalistas e atrasados. Tal empreitada também requeria um campo que favorecesse os

projetos de pesquisa e extensão tão essenciais, de modo a favorecer propostas interventivas

provenientes da nova base teórico-metodológica. Houve também dentro deste espaço, a

aproximação dos assistentes sociais com profissionais de outras áreas como filósofos,

historiadores, sociólogos, antropólogos, economistas, dentre outros.

No espaço universitário tornou-se possível a interação intelectual entre assistentes sociais que podiam se dedicar à pesquisa sem as demandas imediatas da prática

profissional submetida às exigências e controles institucional-organizacionais e

especialistas e investigadores de outras áreas; ali se tornavam possíveis

experiências-piloto (através de extensão, com campos de estágio supervisionados

diretamente por profissionais orientados pelos novos referenciais, destinadas a

verificar e a apurar os procedimentos interventivos propostos sob nova ótica.

(NETTO, 2015, p.320).

A formulação do Método de Belo Horizonte por jovens profissionais e sob a

orientação de Leila Lima Santos e Ana Maria Quiroga, ainda na década de 1970 com ênfase

entre os anos 1972 e 1975, pode ser considerado o embrião e primeira manifestação do

processo de intenção de ruptura com o serviço social tradicional. A cidade mineira

empreendeu um cenário propício à emersão da intenção de ruptura.

Ali também deitavam raízes importantes movimentos sindicais e populares,

inclusive rebatendo a história de lutas dos trabalhadores do quadrilátero ferrífero –

movimentos que ecoaram ainda mais com o desenvolvimento industrial das franjas

da capital, que se renova no decênio de 1960. Muito especialmente, ali existia uma

forte tradição estudantil não só democrática, mas com impulsões revolucionárias e

socialistas – e da qual surgiram importantes quadros que, na contestação à ordem

imposta pelo golpe, construíram um itinerário de heroísmo, mesmo balizado por

posturas políticas que o tempo revelou equivocadas. (NETTO, 2015, p. 333).

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O método de BH propôs um rompimento com o serviço social tradicional nos planos

teórico-metodológico, da concepção e da intervenção profissionais e da formação, elaborando

uma nova alternativa global. Tais formulações encontraram espaço e foram experimentadas

em uma instituição universitária privada. Porém, a construção teórica e o processo de

experimentação por via projetos de extensão e estágios sofreu uma ruptura e foram

interrompidos com a demissão de seus gestores e formuladores em 1975, sendo retomados

apenas no início da década de seguinte.

Alinhamo-nos a um novo marco teórico-metodológico, conhecido como Método de

BH, que se referia basicamente à relação entre conhecimento, processo de

intervenção direta com instituições e grupos de população, por meio do que

chamamos de aproximações sucessivas entre teoria e prática, entre indivíduo e

sociedade. Foi esta também uma experiência coletiva que reuniu profissionais de

Serviço Social de ponta em Belo Horizonte (MG). Uma das principais contribuições

desta experiência foi, sem dúvida, haver tentado uma reinterpretação da profissão e

sua inserção na sociedade, desvelando ângulos políticos da ação profissional.

Cultivávamos um espírito de afiliação e identidade e uma dimensão continental, e

sentíamos que consolidávamos nossas ousadas ideias de um projeto de formação profissional alternativo em plena vigência da ditadura militar, que terminou por

abortar este fascinante e coletivo processo entre professores/as e estudantes.

(SANTOS, 2012).

Decerto que uma vez plantada a semente, os frutos começaram a despontar no final

dos anos 1970 e início da década de 1980 no âmbito acadêmico por meio dos trabalhos de

conclusão de curso na pós-graduação de serviço social. Os profissionais começaram a buscar

por maiores qualificações que certamente rebateram à crítica do serviço social tradicional,

propiciando-se da aproximação com as disciplinas e teorias sociais.

Este momento – em que o projeto da ruptura se consolida academicamente - , com o acúmulo particular que propiciou e configurador, em face do passado, de uma massa

crítica nova, permitiu à perspectiva da intenção de ruptura uma reserva de forças

com as quais ela ingressou no seu terceiro momento, que ainda vivemos: o momento

em que ela se espraia para o conjunto da categoria profissional. [...] A partir de

meados dos anos 1980, patenteia-se que a perspectiva da intenção de ruptura não é

apenas um vetor legítimo do processo de renovação do Serviço Social no Brasil –

evidencia-se o seu potencial criativo, instigante e, sobretudo, produtivo. (NETTO,

2015, p.339).

Alguns impasses ocorreram entre os profissionais da vanguarda em relação a maioria

da categoria profissional. O primeiro, relacionado com a produção teórico-metodológica dos

primeiros citados, exigindo uma comunicação teórica mais aprimorada e/ou pelos vieses

acadêmicos, e pela dificuldade dos segundos na compreensão das obras devido ao

empobrecimento cultural fruto da sua precária formação universitária refuncionalizada pela

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ditadura. O segundo, diz respeito ao processo de trabalho sem grandes avanços ainda

amarrado às práticas tradicionais. (NETTO, 2015).

Em relação ao processo de formação acadêmica, a perspectiva de intenção de ruptura

trouxe logo no início dos anos da década de 1980 conquistas no que se refere à reforma

curricular de 1982, que teve sua elaboração e implementação fundados nesta perspectiva. Para

além dos muros universitários, os congressos da categoria profissional ganharam espaço e

repercussão a partir de 1979 tendo como marco o Congresso da Virada.

O III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (III CBAS) realizado em 1979 em

São Paulo, significou um divisor de águas na trajetória histórica dos congressos e da própria profissão. O debate político travado, as posições públicas assumidas

coletivamente, pela categoria, na defesa dos interesses imediatos e históricos dos

trabalhadores e no reconhecimento pelos profissionais de sua condição de

assalariamento, como parte da classe trabalhadora, estabelecem as bases que

demarcam a inflexão do projeto de intenção de ruptura no Congresso da Virada.

(CFESS, 2009, p.59).

Netto (2015), sinaliza que a perspectiva de intenção de ruptura constitui-se de um

movimento contínuo e de mudanças, que foi abrangendo e ganhando adesão dos vários

segmentos afins. O primeiro momento se constituiu de sua emersão, com o método de BH

apresentando o seu projeto global que reuniu profissionais e docentes, no segundo momento

teve no âmbito acadêmico a sua consolidação por meio dos textos produzidos no final da

década de 1970 e início da posterior que refletiram a tendência desse movimento e, no

terceiro momento, alcançou e dinamizou os estudos teórico-críticos e as abordagens da prática

profissional junto aos organismos de representação da categoria profissional. Nesta

perspectiva, se verificou como fontes de sua propagação, as instituições acadêmicas, a

ABESS, além das associações profissionais e mais tarde, sindicatos. O autor propõe ainda

outros fatores contribuintes à consolidação do projeto de ruptura:

As implicações da mudança do público nas escolas de Serviço Social, os processos

ocorrentes na estrutura universitária, o novo peso do pensamento progressista e

revolucionário no processo da transição democrática, a gravitação política das classes e camadas exploradas e subalternas, o acúmulo das ciências sociais, o

próprio amadurecimento da esquerda brasileira (ou de setores seus) em face de

novas problemáticas etc. (NETTO, 2015, p. 349).

Característica ímpar ao movimento de ruptura tratou-se da sua aproximação à

tradição marxista, que em dois primeiros momentos estiveram sob as determinações políticas

à época, o de sua emersão e o momento estabelecido no âmbito acadêmico, chamado de

marxismo acadêmico. Um terceiro momento propiciou-se face à abertura política e

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democrática evidenciando o enfraquecimento da autocracia burguesa, momento em que os

profissionais do serviço social brasileiro alimentaram-se da fonte direta da tradição marxista

para a sua compreensão profissional.

Marx busca o entendimento da sociedade burguesa por meio da crítica da economia

política e consegue enxergar a sociedade burguesa sob o ângulo macroscópico. Busca o

conhecimento de como se cria e se distribui a riqueza que materialmente suporta a vida social.

Tem o entendimento de que o modo de produção capitalista é o mais dinâmico já alcançado

pela sociedade, e que a crise é inerente a esse sistema. Para ele, o desenvolvimento capitalista

envolve a concentração e centralização do capital e que não há capitalismo sem o fenômeno

da pauperização, ou seja, quanto mais a sociedade produz riquezas mais é polarizada a sua

distribuição. A teoria social crítica de Marx deu o embasamento para o os fundamentos da

profissão e análise da realidade social, ao proporcionar o entendimento da história por meio

das classes sociais e os seus conflitos, o entendimento da centralidade do trabalho e dos

trabalhadores.

A partir desse referencial teórico, o assistente social deixou de ser apenas um agente

técnico com especialização e ganhou uma postura intelectual, voltado a um desenvolvimento

teórico mais crítico, atento ao seu papel sociopolítico e profissional.

É com a vertente da intenção de ruptura que repercutem produtivamente no Serviço

Social no Brasil as questões referentes à dinâmica contraditória e macroscópica da

sociedade, apanhadas numa angulação que põe em causa a produção social (com

ênfase na crítica da economia política), que ressalta a importância da estrutura social

(com o privilégio da análise das classes e suas estratégias), que problematiza a

natureza do poder político (com a preocupação com o Estado) e que se interroga

acerca da especificidade das representações sociais (indagando-se sobre o papel e as funções das ideologias). (NETTO, 2015, p.384).

A perspectiva de intenção de ruptura foi diretamente de encontro aos moldes

institucionalizados pela ditadura, assumindo o seu caráter político e o seu posicionamento

contrário ao capitalismo. Foi o momento em que a categoria profissional se fortaleceu,

posicionou e assumiu o seu compromisso a favor dos direitos sociais da classe trabalhadora.

Ora, é precisamente na perspectiva da intenção de ruptura que se plasmam as

conotações inerentes a um exercício profissional (e suas representações) compatível

com a modernidade: o reconhecimento dos projetos societários diferenciados das

classes e dos parceiros sociais, a compreensão da dinâmica entre classes / sociedade

civil / Estado, a laicização do desempenho profissional, a assunção da condição

mercantilizada dos serviços prestados pelo profissional, etc. (NETTO, 2015, p.387).

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E a exemplo disso, citamos os Códigos de Ética da Profissão de 1986 e a sua revisão

em 1993. Estas conquistas, não pressupõem o entendimento de que a categoria profissional se

tornou ou é em pleno século XXI um bloco homogêneo, pelo contrário, até os dias atuais

ainda perduram antigas correntes que se reatualizam e que resistem e se contrapõe à intenção

de ruptura colocando em disputa seus projetos societários, o que torna o movimento sempre

em constante construção. Ademais, os processos técnico-operativos requerem uma constante

avaliação e aprimoramento.

Na próxima seção, vamos analisar o processo de formação profissional enquanto um

processo contínuo e que efetivou a sua maturidade a partir das Diretrizes Curriculares da

ABEPSS de 1996. As décadas de 1980 e 1990 no serviço social demarcaram o processo de

construção do projeto ético político em via na atualidade, trazendo para o processo de trabalho

dos assistentes sociais uma redefinição nos campos ético-político, teórico-metodológico e

técnico-operativo com a aproximação da teoria social crítica de Marx sobre a categoria

Trabalho.

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3. O PROCESSO DE FORMAÇÃO PROFISSIONAL DO ASSISTENTE SOCIAL E AS

MUDANÇAS COM AS DIRETRIZES CURRICULARES DA ABEPSS DE 1996

A seção que por ora será apresentada convida o leitor inicialmente, a acompanhar a

historicidade da trajetória rumo à construção do projeto profissional voltado ao pensamento

crítico, trazendo para os assistentes sociais uma percepção da realidade com toda a sua

complexidade e densidade histórica, tendo como marco desse processo o Congresso da Virada

(1979). A construção do projeto profissional dos assistentes sociais é demarcada em duas

fases distintas, apresentadas neste trabalho por meio de uma sucinta análise dos Códigos de

Ética da Profissão. Num segundo momento, damos destaque à ABEPSS enquanto uma das

entidades representativas da categoria profissional, ficando ao seu cargo a articulação do

projeto de formação dos assistentes sociais nos níveis de graduação e pós-graduação.

Em seguida, apresentamos a nova perspectiva de formação profissional dispondo as

Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996, trazendo um projeto de formação e de

qualificação profissional que possam responder às expectativas colocadas aos assistentes

sociais na contemporaneidade frente às transformações das relações sociais, ao enfrentamento

do capital e em meio às inovações da ciência e tecnologia. Assim, se espera dotar o assistente

social a responder às novas expressões da questão social mediante a regressão de direitos

imposta pelas reformas do Estado, derrubando por terra as conquistas dos direitos sociais

estabelecidos pela Constituição Federal de 1988. E para finalizar, abordamos a aproximação

do serviço social com a leitura crítica de Marx sobre a sociedade capitalista na perspectiva

sobre a categoria Trabalho, momento em que foi estabelecida a base social da reorientação

profissional.

As Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996 se constituem na materialização do

conjunto de transformações pelo qual o processo de formação e de trabalho dos assistentes

sociais veio passando ao longo dos anos e cujas circunstâncias históricas foram determinadas

ainda mesmo na década de 1950, quando foram produzidas as condições objetivas e

subjetivas que permitiram o “virar à mesa” e, a partir de então, a construção de um projeto

ético-político em via na atualidade.

Quero dizer que uma ética profissional demanda posicionamentos orientados por valores e por referenciais teóricos e que ela se viabiliza especialmente na formação e

no exercício profissional, nas ações políticas da categoria e em sua compreensão

teórica. Pode-se afirmar que a parir dos anos 1950 foram dadas as bases históricas

para a gestação de uma nova ética profissional que amadureceu na década de 1980

em face de condições sociais favoráveis e se objetivou nos anos 1990, teoricamente

consolidada e ampliando o seu campo de intervenção prática. (BARROCO; TERRA,

2012, p.42).

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Essas condições ganharam vulto e representatividade de fato, a partir da década de

1980 e se objetivaram nos anos 1990, a exemplo, citamos os marcos normativos da categoria

profissional como o Código de Ética Profissional de 1993, a Lei de Regulamentação da

Profissão n. 8662/93 e as Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996. Assim, entendemos

que o estudo e análise das Diretrizes Curriculares está imbricada ao desenvolvimento do

projeto de profissão dos assistentes sociais.

Politicamente, o 3º CBAS em 1979 foi considerado como um marco ao movimento de

intenção de ruptura com o serviço social tradicional, com vistas à construção de um projeto

profissional com uma intencionalidade direcionada ao projeto da classe trabalhadora em

detrimento aos projetos societários patronais, nos referimos aqui ao Estado e às classes

dominantes. Segundo Faleiros (2013), O 3º CBAS se colocou como um instrumento de

ligação na transição histórica entre a ditadura e a democracia, um elo entre os assistentes

sociais e a classe trabalhadora, momento em que os assistentes sociais identificam as suas

lutas com as lutas mais gerais da sociedade. Busca-se romper com o modelo de prática de

adaptação e atuar de forma articulada com as transformações das relações sociais de

exploração e dominação cotidianas.

A ruptura se deu com o “congresso da Virada”, como resultado do acúmulo de

forças que vinha sendo construído ao longo do processo de organização política da

categoria e de preparação do 3º CBAS. Esse congresso, portanto, foi um marco na história do Serviço Social no Brasil, a partir do qual o projeto profissional começou

a ser repensado, não só por força das transformações em curso na sociedade

brasileira, mas também em razão das contradições existentes no seio da própria

profissão. Contradições essas que se explicitaram de forma aguda, ao se

confrontarem durante os debates realizados no congresso. (ERUNDINA apud

CFESS, 2019, p. 21).

Paulatinamente, foi se afirmando no nível ético e técnico-operativo essa nova direção

social abarcada pelos assistentes sociais e pelas entidades organizativas da categoria

profissional. Passaram a sistematizar as suas novas experiências em livros e congressos, em

meio ao processo de redemocratização da nação. O processo de trabalho do serviço social

brasileiro foi sendo esculpido sob novos contornos, ganhou uma maior qualificação e

características que foram incorporadas na cultura profissional viabilizando:

- ampliar a interpretação das demandas dos/as usuários/as – ao serem inseridas no contexto da exploração do trabalho sob o capitalismo, essas interpretações geram

respostas profissionais tendencialmente mais próximas dos dilemas objetivos

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vividos por tais sujeitos, ainda que considerados os limites postos pela dinâmica

institucional;

-encaminhar as decisões profissionais com os /as usuários/as e não por eles/elas –

isso significa uma relação democrática e horizontalizada, que contextualiza as

escolhas profissionais possíveis, considerando a cultura e outros elementos

essenciais da realidade vivida por esses sujeitos;

-conferir centralidade à necessidade de atualização profissional – essa atualização se

dá sob as mais diversas formas: cursos de pós-graduação em diferentes níveis,

estudos grupais e individuais, acompanhamento atento da conjuntura e suas

repercussões na legislação social e configurações dos serviços, participação em

eventos da categoria e fora dela, etc.; - aprender que nossas atribuições e competências não se restringem à demanda

institucional, sejam fruto de alianças com a população usuária e seus movimentos

organizados/representativos, mas também de alianças possíveis com setores das

equipes multiprofissionais. (NEVES; SOARES apud CFESS, 2019, p. 6).

Posteriormente, o 3º CBAS foi denominado como o Congresso da Virada, entenda-se

aqui como “virada” justamente um repensar, um redirecionamento do projeto profissional

desvinculado ao projeto societário capitalista e à sua manutenção. A vinculação da categoria

profissional ao movimento dos trabalhadores inseriu um pluralismo político na profissão,

atenuando dessa forma a predominância do conservadorismo, e para além disso,

possibilitando a recusa e a crítica ao serviço social tradicional. Influenciou as entidades

organizativas da categoria profissional como a ABESS, renomeada após como ABEPSS, e

posteriormente ao CFESS.

A luta contra a ditadura e a conquista da democracia política possibilitaram o

rebatimento, no interior do corpo profissional, da disputa entre projetos societários

diferentes, que se confrontaram no movimento das classes sociais. As aspirações

democráticas e populares, irradiadas a partir dos interesses dos trabalhadores, foram

incorporadas e até intensificadas pelas vanguardas do Serviço Social. Pela primeira

vez, no interior do corpo profissional repercutiram projetos societários distintos

daqueles que respondiam aos interesses das classes e setores dominantes. É

desnecessário dizer que esta repercussão não foi idílica; envolveu fortes polêmicas e diferenciações no corpo profissional – o que, por outra parte, é uma saudável

implicação da luta de ideias. (NETTO, 2009, p.151).

Os projetos societários têm como característica abranger todo o conjunto da

sociedade e são projetos coletivos a nível macroscópico. São também projetos de classe, haja

vista a ordem capitalista, e assim sendo, envolvem também relações de poder marcadas por

uma dimensão política. A disputa entre diferentes projetos societários se dá em meio à

democracia política. Enquanto no contexto de ditadura, prevalece a execução do projeto

societário da classe social que detém o poder político.

Os projetos profissionais são também projetos coletivos, constituídos por membros

que alcançam e conferem legitimidade à profissão. Para a elaboração de um projeto

profissional, é necessário a organização do corpo profissional como um todo, para que ele

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ganhe notoriedade e respeito em meio à sociedade, às várias instituições sejam públicas ou

privadas e face às outras profissões, para além disso, a sua base deve ser constituída por um

corpo profissional forte e organizado. Para tanto, precisa envolver os profissionais, as

instituições que os formam, os pesquisadores, os docentes e discentes da área, seus

organismos corporativos, acadêmicos e sindicais etc. Particularmente em se tratando do

serviço social brasileiro, a sua organização se dá pelo sistema CFESS/CRESS, a ABEPSS, a

ENESSO, os sindicatos e as demais associações de assistentes sociais.

Há de se considerar que o corpo profissional é formado por indivíduos diferentes sob

vários aspectos, sejam eles intelectuais, sociais, culturais, origens, comportamentos e

tendências políticas, ideológicas, teóricas, etc. O que constitui um corpo profissional como

uma unidade não homogênea, configurando um espaço plural onde se apresentam projetos

individuais e societários diversos, possibilitando emergir diferentes projetos profissionais

ocasionando no seu interior divergências e contradições. A afirmação de um projeto

profissional se dá por meio de debates, discussões e persuasões, no enfrentamento de ideias.

Os projetos profissionais apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem os

valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam seus objetivos e

funções, formulam os requisitos (teóricos, práticos e institucionais) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e

estabelecem as bases de suas relações com os usuários de seus serviços com as

outras profissões e com a organizações e instituições sociais privadas e públicas

(inclusive o Estado, a que cabe o reconhecimento jurídico dos estatutos

profissionais). (NETTO, 2009, p. 144).

Historicamente, o projeto profissional do serviço social no Brasil pode ser

demarcado em duas fases distintas. A primeira, situada entre os finais das décadas de 1930 e

1970, sob o jugo do projeto societário conservador, vinculado ao projeto de sociedade de

classes, cuja visão e concepção estava em retirar ou consertar os males da sociedade. E a

segunda fase a partir da década de 1980, com bases de uma perspectiva crítica e de recusa ao

projeto conservador, haja vista a sua aproximação e comprometimento com a classe

trabalhadora.

Essa demarcação pode ser bem compreendida na análise dos Códigos de Ética da

Profissão de 1947, 1965, 1975, 1986 e 1993. Nesses códigos, é possível apreender os

princípios, direitos e deveres assumidos pela categoria profissional em meio ao seu

desdobramento no contexto social, econômico e cultural da sociedade brasileira situada no

século XX.

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O primeiro Código de Ética Profissional do Assistente Social foi elaborado pela

Associação Brasileira de Assistentes Sociais (ABAS) em 1947. O Conselho Federal e os

Conselhos Regionais foram criados em 1962, momento em que foi regulamentada a profissão.

Em 1965, o Código foi reformulado e aprovado pelo CFAS, adquirindo caráter legal.

Os Códigos de 1947, 1965 e 1975 tiveram como fundamentos éticos e filosóficos os

pressupostos do neotomismo e do positivismo, e, foram concebidos sob a herança do

conservadorismo do Serviço Social. O CE de 1975, de novidade, incluiu uma referência ao

personalismo.

Oriundos de um pensamento filosófico de bases teológicas, os fundamentos e os

valores afirmados pelo neotomismo só têm sentido no interior de uma lógica que

supõe a aceitação de determinados princípios absolutos: a existência de Deus, de

uma essência humana predeterminada à história e de uma ordem universal eterna e

imutável, cuja ordenação e hierarquia se reproduzem socialmente nas diferentes

funções exercidas por cada ser, em relação à sua natureza e às suas potencialidades.

(BARROCO; TERRA, 2012, p.44).

Sob esse prisma, os valores e princípios partem de uma concepção essencialista, que

concebe a existência da essência humana desvinculado a um contexto e tempo histórico, cujos

valores adquirem um conteúdo universal abstrato emanados por Deus. Dessa forma, valores

como pessoa humana, bem comum, perfectibilidade, autodeterminação da pessoa humana,

justiça social, tornam-se referência na concepção do ser humano genérico, sem considerar o

indivíduo social em suas particularidades e determinações históricas. Nesse contexto em que

os valores são comuns a todas as pessoas sem distinção e sem contradições na objetivação do

“bem comum” e da “justiça social”, a luta de classes e os conflitos não são pertinentes a esta

sociedade. E, a partir desta concepção, o serviço social tradicional trata as contradições

advindas da desigualdade e da luta de classes enquanto “disfunção” e as expressões da

questão social como “desvio” de conduta moral, cabendo ao serviço social voltar a sua ação

para fins de sua “correção”. (BARROCO; TERRA, 2012).

As pequenas diferenças entre os três Códigos anteriores a 1986 decorreram de

mudanças realizadas na trajetória da profissão. O primeiro Código (1947) –

expressando a estreita vinculação do Serviço Social com a doutrina social da Igreja

Católica – era extremamente doutrinário e subordinado aos dogmas religiosos. O

segundo (1965) – revelando traços da renovação profissional no contexto da

modernização conservadora posta pela autocracia burguesa – introduziu alguns valores liberais, sem romper com a base filosófica neotomista e funcionalista. O

terceiro (1975) suprimiu as referências democrático-liberais do Código anterior,

configurando-se como uma das expressões de reatualização do conservadorismo

profissional no contexto de oposição e luta entre projetos profissionais que

antecederam ao III CBAS de 1979. (BARROCO; TERRA, 2012, p.45).

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Com a abertura política a partir de meados da década de 1980, e dado a efervescência

dos movimentos populares, o serviço social foi requisitado pelos vários segmentos da

sociedade civil a se posicionar politicamente, o que ficou explícito na introdução do Código

de 1986, “a nova ética é resultado da inserção da categoria profissional nas lutas da classe

trabalhadora”, o que não deixa dúvidas sobre a opção por um processo de trabalho vinculado

aos interesses da classe trabalhadora.

Para isso, o profissional tem como deveres: “devolver as informações que colhe aos

sujeitos envolvidos; incentivar a democratização das instituições; contribuir com a

alteração da correlação de forças no espaço profissional para o fortalecimento dos

usuários; denunciar os regulamentos que venham a ferir o Código; respeitar a

tomada de decisões dos usuários, o saber popular e a autonomia das organizações da

classe trabalhadora; privilegiar o processo de decisões coletivas e incentivar a

participação dos usuários no processo de decisão e gestão institucional; estabelecer

uma discussão com os usuários sobre seus direitos e os mecanismos necessários a

sua efetivação”. (FALEIROS, 2013, p.97).

O Código de 1986 foi o resultado de um processo coletivo de deliberação e parte de

um projeto profissional vinculado ao projeto de sociedade que ora tomava novas formas,

considerando-se a conjuntura de democratização da sociedade brasileira em processo à época,

a reorganização política da classe trabalhadora, dos movimentos sociais e da categoria

profissional que passou a evidenciar o seu compromisso profissional com os direitos e

necessidades dos usuários enquanto pertinentes a uma classe social determinada.

O conjunto das conquistas efetivadas no CE de 1986 pode assim ser resumido: o

rompimento com a pretensa perspectiva “imparcial” dos Códigos anteriores; o

desvelamento do caráter político da intervenção ética; a explicitação do caráter de

classe dos usuários, antes dissolvidos no conceito abstrato de “pessoa humana”; a

negação de valores a-históricos; a recusa do compromisso velado ou explícito com o

poder instituído. (BARROCO; TERRA, 2012, p.48).

Embora o Código de 1986 tenha rompido com o conservadorismo e explicitado a sua

dimensão política de forma objetiva ao assumir o compromisso profissional com a classe

trabalhadora, no que concerne à dimensão ética e profissional deixou a desejar, levando-o a

ser revisado em 1993, tornando mais evidente os direitos e deveres dos profissionais. Neste

mesmo ano, foi aprovada a nova Lei n. 8.862 que dispõe sobre a regulamentação da profissão

do assistente social. Nesse sentido, o Código de 1993 e a Lei de Regulamentação da Profissão

constituem instrumentos fundamentais na construção do projeto ético-político da profissão

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que tem as suas raízes no movimento de reconceituação do serviço social e na consolidação

da perspectiva de transformação da sociedade.

Nesta revisão, que deu forma ao Código hoje vigente, as unilateralidades e limites

de 1986 foram superadas e, de fato, o novo Código incorporou tanto a acumulação

teórica realizada nos últimos vinte anos pelo corpo profissional quanto os novos

elementos trazidos ao debate ético pela urgência da própria revisão. Neste sentido, o

Código de Ética Profissional de 1993 é um momento basilar de construção do

projeto ético político do Serviço Social no Brasil. (NETTO, 2009, p.154).

Os processos de reivindicações e mobilização das massas culminaram com a

Constituição Federal de 1988, apelidada como “Constituição Cidadã”. Esta, considerada como

um marco, momento em que o cidadão brasileiro teve os seus direitos sociais resguardados

em lei e o Estado como provedor e garantidor dos mesmos. Porém, o cenário que se

apresentava na década de 1990, momento em que ocorreu a revisão do Código de Ética dos

Assistentes Sociais no ano de 1993, foi a expansão do neoliberalismo, acompanhado pelas

contrarreformas do Estado que implicou na perda dos direitos da classe trabalhadora e a sua

desmobilização política. Período também em que o debate ético ganhou destaque na cena

brasileira evidenciado pelo impeachment do presidente Fernando Collor em 1992. A questão

da ética repercutiu nos meios acadêmicos, inclusive no serviço social que passou a dedicar-se

a uma produção ética crítica vinculada à tradição marxista; desencadeou o debate ético

sistemático e uma intervenção ético-política articulada ao exercício profissional e à formação

do assistente social com os cursos de capacitação, palestras, seminários promovidos pelas

universidades e pelas entidades da categoria profissional. Na década de 1990 ficaram também

evidenciados na profissão a pesquisa e investigação relacionadas à ética e aos direitos

humanos. Nos cursos de graduação e pós-graduação foram criados grupos de estudo e de

núcleos de pesquisa. (BARROCO; TERRA, 2012).

[...] os elementos éticos de um projeto profissional não se limitam a normativas

morais e/ou prescrições de direitos e deveres: eles envolvem, ademais, as opções

teóricas, ideológicas e políticas dos profissionais – por isto mesmo, a razão de ser:

uma indicação ética só adquire efetividade histórico-concreta quando se combina

com uma direção político-profissional. (NETTO, 2009, p. 148).

Os Códigos de 1986 e de 1993 representaram conquistas que dadas às

condições históricas, propiciaram a recusa e crítica ao serviço social conservador e a

afirmação de valores emancipatórios, assim como favoreceram estratégias de enfrentamento e

resistência política.

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As revoluções, insurreições, as lutas dos trabalhadores e dos movimentos

democrático-populares, as inúmeras práticas de oposição e resistência à ordem

burguesa realizadas historicamente atestam níveis diversos de emancipação política,

assim como de concretude histórica da ética, da política e dos valores. As conquistas

da categoria profissional se inscrevem nesse universo de lutas da classe

trabalhadora, a exemplo da vitória alcançada recentemente com a aprovação da lei

que regulamenta a jornada semanal de 30 horas para os assistentes sociais

brasileiros. Da mesma forma, a trajetória do PEP tem sido forjada por incontáveis

práticas significativas que, mesmo em condições adversas, conseguem qualificar, em

diferentes graus, o exercício profissional, direcionando-o de forma crítica e de

acordo com os valores éticos profissionais. (BARROCO; TERRA, 2012, p. 56).

Ao longo dos anos 1980 e 1990, foi-se construindo o projeto ético-político do serviço

social no Brasil e, segundo o autor Netto (2009), um processo em contínuo desdobramento

com uma estrutura básica de caráter aberto, receptivo a incorporar novas questões, assimilar

problemáticas diversas e enfrentar novos desafios.

O projeto ético-político da profissão tem como núcleo o reconhecimento da liberdade

como valor ético central – “a liberdade concebida historicamente, como possibilidade de

escolha entre alternativas concretas; daí um compromisso com a autonomia, a emancipação e

a plena expansão dos indivíduos sociais.” (NETTO, 2009, p. 155). Nega a exploração do

homem pelo homem, dominação de classe, gênero e etnia, e propõe a construção de uma nova

sociedade onde supõe a superação da ordem burguesa. Afirma a defesa de forma intransigente

dos direitos humanos, repudia o arbítrio e os preconceitos, contempla de forma positiva o

pluralismo na sociedade e no exercício da profissão. Em sua dimensão política coloca-se a

favor da equidade e da justiça social. No campo profissional, há uma preocupação com uma

formação acadêmica qualificada, com base em concepções teórico-metodológicas sólidas e

críticas, que levem a uma análise concreta da realidade social. Na relação com os usuários fica

estabelecido o compromisso com a qualidade do atendimento e serviços prestados à

população. E, para além disso, a devida articulação com categorias profissionais com

propostas similares e com movimentos envolvidos com a luta dos trabalhadores. (NETTO,

2009).

A construção do projeto ético-político do assistente social desde os anos 1980 pode

ser considerado um projeto atual e em movimento constante. Ele se fundamenta em elementos

que juntos foram forjando ao longo dos anos o projeto profissional mediante as circunstâncias

e o contexto histórico o qual refletiu na sociedade brasileira e no meio da categoria

profissional, levando o serviço social tradicional a perder a sua magnitude e monopólio na

profissão. Referimo-nos aqui, à condição política face ao movimento da sociedade brasileira

rumo à queda da ditadura. No âmbito acadêmico desde o final dos anos 1970 e consagrando-

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se nos anos 1980, a produção e acumulação teórica ganharam espaço principalmente com os

cursos de pós-graduação e a aproximação que foi estabelecida com as ciências sociais, e a

preocupação em redimensionar a formação profissional com vistas a uma adequação dos

assistentes sociais no ambiente democrático, ao enfrentamento das expressões da questão

social exponenciadas no contexto da ditadura. E neste intuito, após sucessivos debates e

discussões, seguiu-se a reforma curricular de 1982, que estabeleceu um currículo mínimo para

o curso de serviço social e posteriormente com o Código de 1986, representou uma grande

renovação profissional a fim de atender às demandas ora tradicionais, ora as que passaram a

surgir e que se colocavam na perspectiva do novo perfil do assistente social brasileiro, que

deveria responder de forma eficaz e competente. Ademais, a renovação curricular no período

de 1979/1982, representou a conexão da formação do assistente social à realidade brasileira

em um momento em que as lutas dos trabalhadores ganhavam espaço no período de

redemocratização nacional. (NETTO, 2009).

A reforma curricular aprovada em 1979 pela assembleia da Associação Brasileira de

Escolas de Serviço Social, implementada a partir de 1982, desmontou a estrutura

tradicional da divisão em “Caso, Grupo e Comunidade”. Defendeu claramente uma

perspectiva de “visão crítica e comprometida com a transformação social”, segundo

o documento aprovado. Buscou-se estruturar a formação em uma articulação de

teoria-história-metodologia-pesquisa, formando os estudantes em análises críticas da

sociedade capitalista. (FALEIROS, 2013, p. 99).

O serviço social brasileiro criou ao longo dos anos, entidades que reúnem e

representam os assistentes sociais a nível nacional, e no caso dos conselhos, também a nível

regional. São conhecidas com as denominações de Conselho Federal e Conselhos Regionais

de Serviço Social (Conjunto CFESS-CRESS), Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em

Serviço Social (ABEPSS) e, Executiva Nacional dos Estudantes de Serviço Social

(ENESSO). Constituem-se entidades autônomas, mas que atuam em uníssono a fim de

fortalecer o serviço social brasileiro na atual direção ético-política. Tais entidades constituem

lugar de debates teórico-políticos e lutas que põem em cena os limites e contradições da

ordem do capital, ajudando na construção do projeto ético-político da profissão.

Visto a importância da formação acadêmica, objeto de estudo desta monografia,

frente à construção do projeto profissional, vamos destacar o papel da entidade ABEPSS. Ela

foi criada em 1946, sob a nomenclatura Associação Brasileira de Escolas de Serviço Social

(ABESS), e após o Congresso da Virada (1979), foi transformada em Associação Brasileira

de Ensino em Serviço Social, ficando ao seu cargo a coordenação e articulação do projeto de

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formação dos assistentes sociais nos níveis de graduação e pós-graduação. Na década de

1980, foi criado o Centro de Documentação e Pesquisa em Políticas Sociais e Serviço Social

(CEDEPSS) com o objetivo de atender às demandas dos programas de pós-graduação que

surgiram a partir de 1972.

Remonta aos anos 1980, a criação do primeiro curso de doutorado em Serviço Social

e o estímulo sistemático à pesquisa nessa área. Surge, em 1983, o I Encontro Nacional de Pesquisa em Serviço Social - depois, Encontro Nacional de

Pesquisadores em Serviço Social. Em 1987, é criado o Centro de Documentação e

Pesquisa em Política e Serviço Social (Cedepss), organismo acadêmico da Abess.

Tem-se ainda a conquista do reconhecimento acadêmico do Serviço Social como

área de conhecimento no CNPq, em 1984, passando, em 1986, a compor o Comitê

de Psicologia e Serviço Social com forte impulso de parte de docentes da PUC-SP.

(IAMAMOTO, 2014, p. 614-5).

Em 1996, a ABESS incorporou a CEDEPSS e desta forma teve a sua nomenclatura

mudada mais uma vez, passando a ser denominada como Associação Brasileira de Ensino e

Pesquisa em Serviço Social (ABEPSS). Esta mudança se deu em virtude de alguns fatores

como a articulação entre os cursos de graduação e pós-graduação, a defesa da

indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, assim como dotar a entidade de uma

característica de natureza científica organizando as suas pesquisas por meio dos Grupos

Temáticos de Pesquisa e é também responsável pela edição da revista Temporalis. Desta

forma, defende a universidade pública, gratuita, laica, democrática, presencial e socialmente

referenciada. Ao nível externo no âmbito latino-americano, a ABEPSS está filiada à

Asociación Latino Americana De Enseñanza e Investigación em Trabajo Social (ALAEITS).

Uma marca na trajetória da ABESS/ABEPSS tem sido o processo democrático

expresso na participação intensa dos sujeitos que constroem a formação profissional,

com debates enraizados nas unidades de formação acadêmica, nas regionais e em

nível nacional. Tem sido assim, desde o currículo mínimo de 1982 que significou a

afirmação de uma nova direção social hegemônica no seio acadêmico-profissional, o

que se consolidou com a elaboração das Diretrizes Curriculares para o Curso de

Serviço Social, aprovada pela categoria em 1996 e aprimorada pela Comissão de

Especialistas em documento de 1999 e, com a aprovação da Política Nacional de

Estágio (PNE) em 2012. (ABEPPS, 2020).

Cabe à ABEPSS acompanhar a implantação das Diretrizes Curriculares e da PNE

nos cursos de serviço social a nível nacional. Tarefa árdua quando consideramos o processo

de formação e trabalho profissional precarizados face à inserção do capital financeiro na

educação, representando uma regressão nos direitos até então conquistados. Dentro desse

contexto, a ABEPPS preconiza e estimula uma formação continuada envolvendo docentes,

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64

discentes e supervisores de campo nos espaços formativos e fóruns, lugares fundamentais e

estratégicos que propiciam o fortalecimento da formação profissional e para que sejam

asseguradas a implementação das Diretrizes, enfatizando e resguardando seus elementos e

fundamentos mais relevantes. Com relação ao estágio, intenta-se que ele seja percebido como

um espaço inerente à formação possibilitando reflexões, sistematização e a sincronia entre os

supervisores de campo e acadêmico.

O serviço social na contemporaneidade vem sendo forjado em meio às

transformações das relações sociais, do enfrentamento ao grande Capital, em meio às

inovações da ciência e da tecnologia. Precisa estar apto a responder às novas expressões da

questão social face às reformas do Estado que preconiza veemente a regressão de direitos.

Estes são alguns dos elementos que demandam por uma formação e qualificação profissional

que responda às novas necessidades por ora colocadas aos assistentes sociais. Esse debate

ganhou destaque no meio das entidades da categoria profissional com a iniciativa da ABESS

entre os anos de 1994 e 1996, o que resultou na revisão do currículo mínimo de 1982.

No currículo aprovado pelo [Ministério da Educação] MEC em 1982, a matriz do

ensino do Serviço Social centra-se nas ementas voltadas para História do Serviço

Social, Teoria do Serviço Social e Metodologia do Serviço Social além do estágio supervisionado -, o que representou um enorme desafio teórico e de pesquisa no

sentido de dar sustentação a estes conteúdos. É desse período a introdução da

política social no universo da formação acadêmica, quando se vincula o exercício

profissional às políticas sociais públicas, sendo as relações entre o Estado e a

sociedade de classes decisivas para decifrar o significado social da profissão.

(IAMAMOTO, 2014, p. 614).

Com as novas diretrizes curriculares da ABEPSS de 1996, o serviço social ganhou

por meio do movimento de renovação uma nova perspectiva de formação profissional. O seu

entendimento no âmbito social da profissão se fortaleceu, a tradição teórica passou a dar um

embasamento para uma visão da realidade em uma perspectiva sócio histórica, além do

projeto de profissão comprometido com as necessidades da classe trabalhadora.

Na reforma de 1998/2000 busca-se a formação de um profissional generalista, em

ruptura com as especializações. Deve-se entender a sociedade em que vivemos de

forma crítica. A prática é formulada como “processo de trabalho”, como uma

atividade com fins, meios e resultados em torno à “questão social”, definida

formalmente como objeto do serviço social. [...] Pode-se observar que há uma total

reformulação da formação profissional. A proposta se inscreve na teoria da

reprodução social, segundo o qual o capitalismo se reproduz através do Estado, que,

por sua vez, utiliza as instituições que, por sua vez, utilizam-se do trabalhador

(assistente) social para controlar e manter a população e legitimar o sistema. (FALEIROS, 2013, p.99).

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65

A nova proposta de formação profissional está vinculada à perspectiva de conceber a

vida social em sua totalidade, diante das determinantes e contradições face à realidade social

inerente ao modo de produção capitalista. Com base nessa compreensão, o assistente social

terá condições de se colocar na direção hegemônica da profissão e agir de acordo com a

realidade socioinstitucional tendo como fim a defesa dos direitos e interesses da classe

trabalhadora com vislumbre a uma nova realidade social.

Propõe-se uma lógica curricular inovadora, que supere a fragmentação do processo

de ensino-aprendizagem, e permita uma intensa convivência acadêmica entre

professores, alunos e sociedade. Este é, ao mesmo tempo, um desafio político e uma

exigência ética: construir um espaço por excelência do pensar crítico, da dúvida, da

investigação e da busca de soluções. (ABEPPS, 1996, p.9).

As diretrizes curriculares estão fundamentadas em quatro alicerces que direcionam o

processo de formação profissional de tal maneira, que levam a afirmar o direcionamento ético

e político da profissão. São eles: 1) Pressupostos da Formação Profissional; 2) Princípios e

Diretrizes da Formação Profissional; 3) Nova Lógica Curricular e 4) Observações e

Recomendações.

Nos pressupostos da formação profissional, infere-se que a profissão do assistente

social enquanto um trabalho especializado e inserido na divisão social e técnica do trabalho,

tenha um alcance e percepção da realidade decorrente das transformações na produção e

reprodução da vida social, frutos da reforma do Estado, da reestruturação produtiva e das

novas formas em lidar com a questão social colocadas no contexto dos anos de 1990. Essas

transformações afetam diretamente o processo de trabalho dos profissionais do serviço social,

que precisam responder às demandas da população usuária dos serviços em meio às relações

ditadas pelo grande capital. E, desta forma, são quatro os pressupostos que apontam a direção

da nova formação profissional:

1- O Serviço Social se particulariza nas relações sociais de produção e reprodução

da vida social como uma profissão interventiva no âmbito da questão social,

expressa pelas contradições do desenvolvimento do capitalismo monopolista.

2- A relação do Serviço Social com a questão social - fundamento básico de sua existência - é mediatizada por um conjunto de processos sócio históricos e teórico-

metodológicos constitutivos de seu processo de trabalho.

3- O agravamento da questão social em face das particularidades do processo de

reestruturação produtiva no Brasil, nos marcos da ideologia neoliberal, determina

uma inflexão no campo profissional do Serviço Social. Esta inflexão é resultante de

novas requisições postas pelo reordenamento do capital e do trabalho, pela reforma

do Estado e pelo movimento de organização das classes trabalhadoras, com amplas

repercussões no mercado profissional de trabalho.

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66

4- O processo de trabalho do Serviço Social é determinado pelas configurações

estruturais e conjunturais da questão social e pelas formas históricas de seu

enfrentamento, permeadas pela ação dos trabalhadores, do capital e do Estado,

através das políticas e lutas sociais. (ABEPSS, 1996, p.5).

Por essa perspectiva, pressupõe-se a formação do assistente social de forma

generalista, capaz de apreender a totalidade e realidade social, e que por meio de seu aparato

teórico-metodológico, ético-político e técnico operativo, tenha condições de atuar nas diversas

expressões da questão social, de forma a responder e mediar as demandas a ele colocadas. E

para além disso, que o assistente social seja um profissional com uma compreensão acerca do

significado social da profissão com a proposição de intervir diretamente na questão social.

Tal concepção de formação exige, necessariamente, abandonar as formas

tradicionais e limitadas de atuação, convocando o/a assistente social para um olhar

ampliado, ou seja, que consiga fazer leitura crítica da realidade social e suas

contradições, entendendo também que sua atuação profissional é perpassada por

diversas contradições, pois só assim terá possibilidades de intervir qualitativamente

na vida do/a usuário/a, objetivando modificá-la e superando a perspectiva acrítica, a-

histórica e fragmentada. (MOREIRA; CAPUTI, 2016, p. 108).

Os princípios e diretrizes da formação profissional que passaram a estabelecer uma

base para os cursos de graduação em serviço social a nível nacional são os frutos da

construção acerca do projeto de formação profissional construído de forma coletiva ao longo

das décadas de 1980 e 1990. Sob a coordenação da ABESS, a partir dessa base comum, as

Instituições de Ensino Superior (IES) devem elaborar o seu Currículo Pleno. Os seguintes

princípios devem fundamentar a formação profissional:

1. Flexibilidade de organização dos currículos plenos, expressa na possibilidade de

definição de disciplinas e ou outros componentes curriculares - tais como oficinas,

seminários temáticos, atividades complementares - como forma de favorecer a

dinamicidade do currículo;

2. Rigoroso trato teórico, histórico e metodológico da realidade social e do Serviço

Social, que possibilite a compreensão dos problemas e desafios com os quais o

profissional se defronta no universo da produção; e reprodução da vida social;

3. Adoção de uma teoria social crítica que possibilite a apreensão da totalidade

social em suas dimensões de universalidade, particularidade e singularidade; 4. Superação da fragmentação de conteúdos na organização curricular, evitando-se a

dispersão e a pulverização de disciplinas e outros componentes curriculares;

5. Estabelecimento das dimensões investigativa e interventiva como princípios

formativos e condição central da formação profissional, e da relação teoria e

realidade;

6. Padrões de desempenho e qualidade idênticos para cursos diurnos e noturnos, com

máximo de quatro horas/aulas diárias de atividades nestes últimos;

7. Caráter interdisciplinar nas várias dimensões do projeto de formação profissional;

8. Indissociabilidade nas dimensões de ensino, pesquisa e extensão;

9. Exercício do pluralismo como elemento próprio da natureza da vida acadêmica e

profissional, impondo-se o necessário debate sobre as várias tendências teóricas, em

luta pela direção social da formação profissional, que compõem a produção das ciências humanas e sociais;

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10. Ética como princípio formativo perpassando a formação curricular

11. Indissociabilidade entre estágio e supervisão acadêmica e profissional.

(ABEPPS, 1996, p.6-7).

A concepção de formação proposta pelas Diretrizes Curriculares (DCs) aponta um

comprometimento em viabilizar um processo de formação profissional estabelecendo um

vínculo entre ensino-pesquisa-extensão, recusando e opondo-se ao processo ensino-

aprendizagem enquanto simples transmissão de conhecimento. O processo de formação21

profissional em serviço social proposto pelas DCs defende a produção de

conhecimentos/investigação, conjugado a uma capacitação de forma continuada visando a

uma constante atualização dos assistentes sociais ao seu exercício profissional. Dessa forma,

há de se refletir também o contexto das relações sociais considerando o desenvolvimento

capitalista no Brasil e a conjuntura na ambiência das instituições de ensino.

Esses princípios intentam para uma formação profissional materializada no

desenvolvimento que leve a uma capacitação ético-política, teórico-metodológica, técnico-

operativa e voltado a:

1. Apreensão crítica do processo histórico como totalidade;

2. Investigação sobre a formação histórica e os processos sociais contemporâneos

que conformam a sociedade brasileira, no sentido de apreender as particularidades

da constituição e desenvolvimento do capitalismo e do Serviço Social no país;

3. Apreensão do significado social da profissão desvelando as possibilidades de ação

contidas na realidade;

4. Apreensão das demandas - consolidadas e emergentes - postas ao Serviço Social

via mercado de trabalho, visando formular respostas profissionais que potenciem o

enfrentamento da questão social, considerando as novas articulações entre público e

privado;

5. Exercício profissional cumprindo as competências e atribuições previstas na Legislação Profissional em vigor. (ABEPSS, 1996, p. 7).

As dimensões ético-política, teórico-metodológica e técnico-operativa são atreladas e

complementares entre si. A primeira dimensão está voltada à ação e ao compromisso

profissional e tem como referência a afirmação dos direitos. A segunda dimensão tem a

história social como o elemento que proporciona o surgimento das demandas e das

possibilidades do conhecimento e das práticas. A terceira dimensão vinculada às outras duas

representa a dominação dos conteúdos de sua área específica de conhecimento, se

21 Devemos considerar nessa nova lógica curricular formação e ensino como processos distintos. O ensino

corresponde ao período que compreende o processo de graduação em serviço social, enquanto a formação

profissional abrange um conceito mais amplo indo além do ensino. A formação acontece como um fluxo

contínuo, começando na graduação e perpassando além do âmbito universitário, proporcionando uma

preparação do assistente social de forma contínua.

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constituindo no caminho percorrido desde a construção do processo crítico-investigativo em

relação aos fundamentos, ao sentido dado aos conteúdos, método e objetivos passando pela

articulação com a teoria-método e metodologia até chegar à sua operacionalização.

(LEWGOY, 2010). Além disso, a proposta de formação profissional das DCs vislumbra

propiciar aos assistentes sociais reflexões, produção de conhecimentos, intervenções críticas,

ou seja, uma postura crítica-investigativa, que os levem a desenvolver a capacidade de

compreender a realidade e estruturar propostas de trabalho que venham a preservar e efetivar

os direitos da população usuária dos serviços sociais respondendo às demandas colocadas ao

agir profissional de forma propositiva e não apenas de forma executiva. A formação

profissional e os processos de trabalho dos assistentes sociais estão entrelaçados ao projeto

ético-político profissional, que estabelece em seus princípios a ruptura com a sociedade

burguesa.

A nova lógica curricular prima por uma formação profissional fundamentada no

ensino e aprendizagem imbricados à dinâmica da vida social.

A presente proposta parte da reafirmação do trabalho como atividade central na

constituição do ser social. As mudanças verificadas nos padrões de acumulação e

regulação social exigem um redimensionamento das formas de pensar/agir dos profissionais diante das novas demandas, possibilidades e das respostas dadas.

(ABEPSS, 1996, p. 8).

Para que o assistente social seja capacitado a atuar dotado de um repensar crítico do

seu ideário profissional, há de se apropriar de um debate teórico-metodológico. E para além

disso: a formação profissional está vinculado a um conjunto de conhecimentos indissociáveis

entre si, que guardando as suas particularidades, são estabelecidos em três núcleos de

fundamentação: Núcleo de fundamentos teórico-metodológico da vida social; Núcleo de

fundamentos da formação sócio histórica da sociedade brasileira e Núcleo de fundamentos do

trabalho profissional. “Os Núcleos mencionados não são autônomos nem subsequentes,

expressando, ao contrário, níveis diferenciados de apreensão da realidade social e

profissional, subsidiando a intervenção do Serviço Social”. (ABEPSS, 1996, p. 9). Eles se

articulam durante todo o processo de formação e possibilitam a apreensão da totalidade e

realidade social.

É importante salientar que o primeiro núcleo, responsável pelo tratamento do ser

social enquanto totalidade histórica, analisa os componentes fundamentais da vida

social, que serão particularizados nos dois outros núcleos de fundamentação da

formação sócio-histórica da sociedade brasileira e do trabalho profissional. Portanto,

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a formação profissional constitui-se de uma totalidade de conhecimentos que estão

expressos nestes três núcleos, contextualizados historicamente e manifestos em suas

particularidades. (ABEPSS, 1996, p.8).

As mudanças curriculares tiveram o intuito de mudar a fragmentação do processo de

estudo baseado em matérias e disciplinas ao estabelecerem os núcleos norteadores na

condução dos conhecimentos necessários à formação profissional. Estão constituídos da

seguinte forma:

1. Núcleo de fundamentos teórico-metodológico da vida social – objetiva propiciar os

fundamentos temáticos que teçam as bases para o entendimento do ser social em um

determinado momento histórico: o surgimento e o desenvolvimento da sociedade

burguesa, tratando e reconhecendo as suas características culturais, ideológicas e ético-

políticas dos processos sociais considerando o seu movimento contraditório e os

elementos de superação. O trabalho é considerado como o centro do mecanismo que

reproduz a vida em sociedade, possibilitando o desenvolvimento da sociabilidade, da

consciência, da universalidade e da capacidade de criar valores, escolhas e novas

necessidades, levando ao desenvolvimento da liberdade.

2. Núcleo de fundamentos da formação sócio histórica da sociedade brasileira - se

reporta ao entendimento da formação da sociedade brasileira no âmbito: econômico,

social, político e cultural, resguardando peculiaridades do desenvolvimento urbano-

industrial, assim como as variações locais e regionais. Compreende as relações entre

Estado-sociedade e os elementos que possibilitam uma compreensão de produção e

reprodução da “questão social” como as políticas sociais, os movimentos originados

pela sociedade civil, os projetos em disputa, etc.;

3. Núcleo de fundamentos do trabalho profissional – esse núcleo se remete à

profissionalização do serviço social como um trabalho especializado cujo objeto de

intervenção se refere às expressões da “questão social”. Compreende as três dimensões

do projeto ético-político, a ética profissional, planejamento, pesquisa, estágio

supervisionado e administração em serviço social.

Tais núcleos, ainda que por vezes tratados como uma tricotomia e independentes uns

dos outros, foram concebidos enquanto diferentes níveis de abstração necessários,

complementares e interdependentes para decifrar o Serviço Social inscrito na

dinâmica societária. Abrangem, respectivamente, dimensões teórico-sistemáticas,

particularidades históricas (continentais, nacionais, regionais e/ou locais), que determinam o trabalho profissional e nele se condensam, enquanto dimensões

indispensáveis à sua análise. (IAMAMOTO, 2014, p. 620).

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A partir de então, as matérias se desdobram em componentes curriculares com uma

nova forma didático-pedagógica, surgindo assim disciplinas, oficinas/laboratórios, seminários

temáticos, atividades complementares como intercâmbios, projetos de extensão, pesquisa,

monitorias, etc.

Todos estes componentes curriculares são reconhecidos como mecanismos

formativos do assistente social. Busca-se ultrapassar assim uma visão tradicional do

currículo centrado exclusivamente em disciplinas, valorizando a participação do

estudante na dinâmica da vida universitária. São múltiplos, portanto, os recursos

para trabalhar os conteúdos temáticos das várias áreas de conhecimento.

(IAMAMOTO, 2015, p. 73).

Em relação às matérias, pode-se verificar que os seus conteúdos foram

substancialmente modificados mesmo que tenham sido mantidas as nomenclaturas das antigas

disciplinas do currículo mínimo. São elas: Sociologia, Ciência política, Economia política,

Filosofia, Psicologia, Antropologia, Formação sócio-histórica do Brasil, Direito, Política

social, Acumulação capitalista e desigualdades sociais, Fundamentos históricos e teórico-

metodológicos do Serviço Social, Processo de trabalho no Serviço Social, Administração e

planejamento em Serviço Social, Pesquisa em Serviço Social e Ética profissional.

O estágio supervisionado22

passou a fazer parte do currículo obrigatório. Ele foi

elaborado com uma carga horária correspondente a 15% do total do curso, adquirindo

centralidade na profissão. É por meio do estágio supervisionado que o(a) estudante vai

desenvolver habilidades para uma análise crítica, capacidade interventiva, propositiva e

investigativa, que vão capacitá-lo no seu agir profissional frente às expressões da questão

social dentro do contexto social capitalista e com o crescimento da desregulamentação do

trabalho e dos direitos sociais. Exige uma supervisão direta e de forma uníssona entre o

professor supervisor e o profissional de campo, ambos devidamente inscritos e de forma

regular no CRESS.

O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), assim como o estágio supervisionado,

tornou-se um elemento obrigatório da grade curricular para se obter o diploma em graduação

do curso de serviço social. Constitui-se em uma monografia científica, ou seja, deve se

estabelecer de acordo com as exigências e padrões metodológicos e acadêmico-científicos,

devidamente orientados por um professor e passar por uma avaliação de banca examinadora.

22 O estágio supervisionado será objeto e, portanto, tratado como destaque na terceira seção deste trabalho.

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71

Deve ser entendido como um momento de síntese e expressão da totalidade da

formação profissional. É o trabalho no qual o aluno sistematiza o conhecimento

resultante de um processo investigativo, originário de uma indagação teórica,

preferencialmente gerada a partir da prática do estágio no decorrer do curso. Este

processo de sistematização, quando resultar de experiência de estágio, deve apresentar os elementos do trabalho profissional em seus aspectos teórico-

metodológico-operativos. (ABEPSS, 1996, p. 19).

Muitos discentes se sentem despreparados para o exercício e construção do processo

do TCC, que não deve ser entendido apenas como um quesito representando a finalização de

uma fase da formação profissional, como supõem Costa e Soares (2013), pois é preciso

entender o que é, para que, o porquê e a proposta dessa construção. As respostas a esses

questionamentos são fundamentais na identificação do objeto e dos objetivos da pesquisa,

indicando também a metodologia que melhor se adequa à pesquisa a ser realizada e

materializada no TCC.

Conhecer, explicitar e fortalecer o processo de construção do projeto de pesquisa e,

concomitantemente o do TCC, é reafirmar a pesquisa social como instrumento, que

articula teoria e prática no fomento das ações profissionais, principalmente, no que

tange a desmistificação da realidade social, colocando a pesquisa social como algo

para a vida profissional e acadêmica, tirando a máscara de um a mera exigência

institucional para a formação do aluno. (COSTA; SOARES, 2013, p. 5).

E como um último elemento norteador das Diretrizes Curriculares, seguem as

observações e recomendações:

a) Garantir carga horária mínima de 3.000 horas23 com duração média do curso de 4

anos, conforme Parecer nº 462/82 do CFE/MEC; b) O tempo mínimo de duração do

curso é de sete semestres, sendo o tempo máximo de integralização de até 50%

sobre a duração do mesmo em cada IES; c) Na configuração dos currículos plenos

dos cursos, as instituições poderão indicar mecanismo de aproveitamento ou

reconhecimento de estudos realizados em cursos sequenciais, cursos de graduação

e/ou pós-graduação já realizados pelo aluno; d) Garantir maior carga horária nas

disciplinas de Serviço Social; e) Cursos diurno e noturno com o mesmo padrão de qualidade; f) Na definição dos currículos plenos deve se destinar parte da carga

horária total para atividades complementares podendo incluir monitoria, iniciação

científica, pesquisa, extensão, seminários e outras atividades definidas no plano

acadêmico do curso; g) O estágio supervisionado constitui-se como momento

privilegiado de aprendizado teórico-prático do trabalho profissional tendo como

carga horária mínima 15% da carga horária mínima do curso ( 3000 horas ); h) As

diretrizes curriculares constantes deste documento deverão ser implantadas

imediatamente após a sua aprovação pelo MEC. O prazo para a conclusão da

implantação deve ser de dois anos. (ABEPSS, 1996, p. 20).

23 As DCs estabeleceram para o curso de serviço social a carga mínima de 2700 horas, porém em maio de 2010,

a PNE incorporou a legislação conforme a Resolução nº2, de 18 de junho de 2007 do Ministério da

Educação, que estabelece a carga mínima de 3.000 horas.

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72

Em 1996 o novo currículo aprovado pela ABESS foi colocado para apreciação do

Conselho Nacional de Educação. Em 1999, as novas Diretrizes Curriculares foram submetidas

e ajustadas pela Comissão de Especialistas em Serviço Social e adaptada à Lei n. 9.394, lei de

diretrizes e bases da educação nacional.

A proposta de currículo mínimo foi atropelada pelo processo de contrarreforma do

ensino superior, preconizado pelos organismos multilaterais. Os currículos mínimos são substituídos por diretrizes mais flexíveis, exigindo a definição do perfil do

bacharel em Serviço Social, a substituição de ementas das disciplinas por tópicos de

estudos com caráter não obrigatório, a definição de competências e habilidades

técnico-operativas. Diante de tais exigências, a Comissão de Especialistas convoca

um grupo de assessores que havia participado do processo de elaboração das

diretrizes para e revisão final do texto. Recusando a adequação da formação às

competências definidas pelo mercado, recorre-se às competências e atribuições

previstas na Lei de Regulamentação da Profissão e em preceitos do Código de Ética

do Assistente Social, documentos legitimados e constitutivos da materialização

jurídica do projeto profissional. Tais alterações são submetidas à apreciação de

representantes das entidades nacionais – CFESS, Abess e Enesso – e, posteriormente, apresentadas e aprovados na assembleia ordinária da Abepss.

(IAMAMOTO, 2014, p. 616).

A proposta de ensino e formação das DCs, assim como os docentes e pesquisadores

de outras áreas, proclamam uma universidade que esteja a serviço da coletividade. Dessa

forma, defendem uma universidade pública, gratuita, de qualidade, plural e democrática. Que

ofereçam uma auto qualificação acadêmica e constante aperfeiçoamento. Que o espaço

universitário seja uma ambiência onde ensino, pesquisa e extensão sejam integrados e que

sejam assegurados a sua liberdade administrativa, científica e didática. Enfim, preconiza-se

uma universidade comprometida com o incentivo da razão crítica e os valores universais e

que sendo pública, não seja submetida a interesses particulares de classes ou frações de

classes. Porém, para o funcionamento das universidades públicas são necessários recursos

orçamentários provenientes do Estado. (IAMAMOTO, 2015).

Em contrapartida, a década de 1990 também é caracterizada politicamente pelo

conjunto de contrarreformas do Estado representando a perda de direitos sociais inclusive na

área da educação. As universidades passaram a fazer parte de uma lógica mercantil e

empresarial ficando submetida ao capital. Em meio ao cenário neoliberal, a Lei de Diretrizes e

Bases da educação (LDB) de 20 de novembro de 1996, expressa o desmonte e flexibilização

da educação voltada aos interesses de mercado e enfatiza a sua privatização.

Como evidências deste processo de mercantilização do ensino, temos a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação (LDB), de 20 de novembro de 1996, a qual traz, em

seu título III sobre o Direito à Educação e do Dever de Educar, no Art. 7º que: “O

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73

ensino é livre à iniciativa privada” e, mais especificamente no capítulo IV que trata

da Educação Superior, têm-se mais elementos que ratificam essa proposta de

educação enquanto mercadoria como o Art. 45, por exemplo, alude que instituições

privadas podem oferecer Ensino Superior. Este fato contraria, inclusive, o Art. 205

da Constituição Federal de 1988 que diz que a Educação é direito de todos/as e

dever do Estado, logo temos que a Educação é direito social. (MOREIRA; CAPUTI,

2016, p. 114).

Em 04 de julho de 2001, foi homologado pelo MEC o texto legal das Diretrizes

Curriculares, no entanto, segundo a autora Iamamoto, 2014, o texto foi descaracterizado no

que se refere aos conhecimentos e habilidades fundamentais ao desempenho do assistente

social, assim como a sua direção social. Cita como exemplo, que, se antes no texto original

constava no perfil do bacharel em serviço social “profissional comprometido com os valores e

princípios norteadores do Código de Ética do Assistente Social”, foi substituído por

“utilização dos recursos da informática”. Também foi subtraído do texto de 2001, na definição

das competências e habilidades o direcionamento teórico-metodológico e histórico para a

análise da sociedade brasileira: apreensão crítica dos processos sociais na sua totalidade,

estudo do movimento histórico da sociedade brasileira, apreendendo as particularidades do

desenvolvimento do capitalismo no país. Além disso, os tópicos de estudos também foram

excluídos. Eles consubstanciavam os detalhes dos conteúdos curriculares conforme

anunciados nos três núcleos de fundamentação. Este corte implica na dificuldade de garantias

a um conteúdo básico que seja comum ao nível de formação profissional nacional mesmo

com a preservação dos núcleos, na medida em que o conteúdo da formação passa a ser

submetido à livre iniciativa das unidades de ensino, que por sua vez, atuam de acordo com o

mercado. “A resistência política à feição legal das diretrizes tem sido viabilizada

politicamente pela representatividade da proposta da ABEPSS, que passou a ser observada

pelos docentes e consultores nas avaliações oficiais dos cursos de graduação em Serviço

social.” (IAMAMOTO, 2014, p. 617).

Mediante o exposto, pode-se inferir que a proposta das Diretrizes Curriculares da

ABEPSS de 1996, defende uma formação profissional que ultrapasse o processo de ensino-

aprendizagem até então fragmentado, ao promover uma intensa convivência acadêmica

envolvendo docentes, discentes e sociedade. Deixa explícito também a direção social da

profissão na intenção de ruptura. Porém, o contexto que se coloca inerente à

contemporaneidade é caracterizado pela crescente precarização, sucateamento e

mercantilização da Educação, e por esse motivo, requer o fortalecimento das DCs enquanto

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74

base para a formação profissional em serviço social, sendo fundamental não esmorecer com a

vigília do processo de formação. (MOREIRA; CAPUTI, 2016).

Além disso, a LDB permite a oferta de Educação na modalidade a Distância (EAD),

o que significa a intensificação do processo de precarização da Educação Superior

no Brasil e, no âmbito do Serviço Social, causa rebatimentos nefastos ao Projeto de

Formação Profissional contido nas DCs da ABEPSS, resultando na ampliação do

número de assistentes sociais formados/as por currículos flexibilizados, na

dificuldade de efetivar o tripé ensino-pesquisa e extensão, e também na formação de

exército industrial de reserva no bojo profissional, além de um processo de retomada da construção de perfil profissional tecnicista. (MOREIRA; CAPUTI, 2016, p.115).

Decerto que em meio ao contexto de desmonte da Educação em todos os níveis e

com uma estrutura de ensino voltada a um padrão mercadológico e neoliberal, as expectativas

do capital são indiscutivelmente atendidas, o que coloca em risco não somente o projeto de

formação defendido pelas DCs de 1996, mas também as relações de trabalho e as condições

salariais, colocando no mercado de trabalho profissionais meramente tecnicistas e executores

das políticas públicas. Essas condições colocadas internamente atendem aos ditames dos

organismos internacionais. (MOREIRA; CAPUTI, 2016).

A mundialização do capital, sob a hegemonia das finanças, tem ampla e profunda

repercussão na órbita das políticas públicas, com suas conhecidas diretrizes de

focalização, descentralização, desfinanciamento e regressão do legado dos direitos

do trabalho assalariado conquistados. Ela redunda na concentração de renda, de

propriedade territorial e de poder que radicaliza as desigualdades, restringe o

trabalho assalariado formal, ao tempo em que crescem exponencialmente as formas

indiretas e clandestinas de subordinação do trabalho ao capital. (IAMAMOTO,

2015, p. 433).

Em meio a tantos obstáculos, desafios e limites colocados mediante a proposta de

formação profissional expressa nas DCs da ABEPSS, “se configurando como uma afronta

ética e política a todo legado que a profissão construiu nas últimas décadas” (MOREIRA;

CAPUTI, 2016, p.116), a categoria do serviço social defende a perspectiva de uma formação

voltada a uma atuação profissional com primazia em um atendimento de qualidade que

possibilite aos usuários dos serviços sociais o atendimento de suas reais demandas com vistas

à sua emancipação política.

Por isso, essa realidade nos coloca a preocupação com o processo de Formação

Profissional, o qual deve compreender a atuação para além da operacionalização das

políticas públicas, justamente por se tratar de uma profissão que compreende a

sociedade de classes, os limites destas políticas dentro desta estrutura de sociedade

e, também, por compreender a ação transformadora dos seres humanos na produção

e superação da ordem do capital. (MOREIRA; CAPUTI, 2016, p.116).

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75

Dessa forma, a defesa das DCs da ABEPSS de 1996 vai ao sentido contrário do

capital. E para tal enfrentamento, é preciso estratégias de fortalecimento da categoria na luta

da defesa dos princípios éticos fundamentais e, por conseguinte, o projeto de formação

profissional hegemônico. Os encontros das entidades representativas do serviço social,

CFESS/CRESS, ABEPSS e ENESSO, devidamente articuladas politicamente trazem a

retomada dessa discussão e a construção coletiva na defesa da perspectiva educacional

voltada à luta e defesa da classe trabalhadora assim como a transformação da atual

sociabilidade do capital. Essas entidades estabeleceram o “Plano Nacional de Lutas em

Defesa da Formação e do Trabalho Profissional” com atividades construídas de forma

coletiva entre si com o fim de fortalecer o projeto de formação em questão que dentre eles

convém destacar o Projeto ABEPSS itinerante24

.

Tendo em vista o atual contexto avassalador de desmonte, retrocesso, precarização,

mercantilização de direitos e, dentre eles a educação, é imprescindível que as

entidades da categoria se fortaleçam cada vez mais na direção de uma ação política e

coletiva; tonificando a articulação entre elas para a luta em prol de uma educação

pública, gratuita, laica, de qualidade, socialmente referenciada e de um projeto de

Formação Profissional na consonância com as Diretrizes Curriculares da ABEPSS

de 1996. (MOREIRA; CAPUTI, 2016, p.118).

Em suma, vivemos nos dias de hoje submetidos a um contexto dominado pelo

neoconservadorismo que traz consigo a barbarização da vida social, a perda dos direitos

conquistados pela classe trabalhadora e onde a organização política e coletiva é brutal e

covardemente reprimida. Diante de tal perspectiva, as entidades representativas da categoria

profissional se colocam ao enfrentamento dos ditames do capital buscando uma permanente

construção e materialização do seu projeto profissional coletivo na defesa dos princípios e

valores éticos fundamentais, comprometido e impelido pelas lutas da classe trabalhadora. E

desta forma visando à emancipação humana, a plena expansão dos indivíduos sociais, além da

socialização da riqueza econômica, política e cultural.

O debate na subseção a seguir, faz a analogia entre o serviço social enquanto uma

profissão que atua na mediação das relações sociais e do seu comprometimento com a classe

trabalhadora a partir do seu redirecionamento profissional, e, a categoria Trabalho tal qual foi

24 Tal projeto tem sido um importante desafio para a ABEPSS, diante da tarefa precípua de ampliar os debates e

reforçar os princípios das Diretrizes Curriculares na direção social que a profissão construiu nos últimos 30

anos, articuladamente com as Unidades de Formação Acadêmicas (UFAs), a ENESSO, os CRESS e o CFESS na materialização dessa atividade. Assim, o projeto ABEPSS Itinerante tem sido uma estratégia política das

entidades da categoria para o fortalecimento das DCs em face da atual contextura tão adversa para a formação

profissional na perspectiva crítica e emancipatória, defendida por estas entidades. (MOREIRA; CAPUTI,

2016, p.118).

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concebida por Marx nos moldes da produção capitalista representada pelo conflito entre

capital x trabalho, lugar esse ocupado também pelo assistente social enquanto um trabalhador

inserido na divisão social técnica do trabalho.

3.1. A categoria Trabalho e o processo de trabalho do assistente social

A escolha da categoria Trabalho para o marco teórico, se deu pela aproximação do

serviço social a partir dos anos 1980, mediante o processo de renovação da profissão, com

base nas redefinições nos campos teórico-metodológicos e ético-políticos, fundados na teoria

social crítica de Marx, sobre o trabalho,

a concepção de trabalho como fundador da sociabilidade humana implica o

reconhecimento de que as relações sociais construídas pela humanidade, desde as

mais antigas, sempre se assentaram no trabalho como fundamento da própria

reprodução da vida dado que, por meio de tal atividade, produziram os bens

socialmente necessários a cada período da história humana. (GRANEMANN, 2009, p. 265).

Segundo Marx, o trabalho é um processo entre o homem e a natureza que é

transformada por sua atividade prática no intuito de obter os meios materiais para a sua

subsistência, e nessas condições, sem uma forma social determinada. Dessa forma, o trabalho

está presente em todas as sociedades estabelecendo como o homem e a natureza se interagem,

assim como os homens entre si. O trabalho é uma atividade humana que diferencia os homens

dos demais seres biológicos, pois o homem tem a capacidade teleológica, ou seja, idealiza de

forma consciente e antecipadamente o seu projeto antes de concretizá-lo, além de fazê-lo de

forma livre e predominantemente social. Além disso, o homem é o único animal que constrói

os seus próprios instrumentos. “O que diferencia as épocas econômicas não é “o que” é

produzido, mas “como” é produzido.” (MARX, 2013, p.329).

Marx concebeu os processos de trabalho dividido em três etapas: - o trabalho em si

como uma atividade determinada a um fim; - o objeto do trabalho; - os meios para o trabalho.

No processo de trabalho, portanto, a atividade do homem com ajuda dos meios de

trabalho, opera uma transformação do objeto do trabalho segundo uma finalidade

concebida desde o início. O processo extingue ao produto. Seu produto é um valor

de uso, um material natural adaptado às necessidades humanas por meio da

modificação de sua forma. O trabalho se incorporou a seu objeto. (MARX, 2013,

p.330).

Durante a sua evolução, o homem transformou a natureza de acordo com a sua

necessidade, e para tal, empregou energia física e intelectual, assim como o tempo e a

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77

distribuição do trabalho também passaram a ser planejados e organizados. O papel

desempenhado por homens e mulheres era determinado pela organização da produção e pela

reprodução social de acordo com cada sociedade.

A partir do momento em que se desenvolveu o modo de produção capitalista dos bens

necessários ao homem, as relações sociais também foram modificadas, estabelecendo um

caráter social e o trabalho assumiu um caráter livre, acordado entre os homens. Nesse

processo de produção as necessidades sociais foram desvinculadas da produção. De um lado

está o capitalista, que possui o dinheiro, os meios de produção e de subsistência e do outro

está o trabalhador com a força de trabalho, cuja energia física e mental, distribuição do

trabalho e tempo passa a ser designada a valorizar o capital na produção de valores de uso,

que a partir de então serão acessados via mercado.

O comprador da força de trabalho representado como o capitalista, e o vendedor da

força de trabalho representado como o trabalhador, representam interesses e classes sociais

distintas. As relações sociais cedem lugar às relações econômicas, que são peculiaridades da

sociedade capitalista.

Antes o homem interagia com a natureza de acordo com as suas necessidades à sua

subsistência produzindo valores de uso, ou seja, bens com qualidades específicas, produzidos

por habilidades e conhecimentos para produtos diferenciados, chamado por Marx de trabalho

concreto. No processo de produção capitalista, o trabalho ganha uma nova dimensão, o

trabalho abstrato, transformando-se em um trabalho social em geral, um quantitativo de

consumo da força de trabalho que foi transformada em mercadoria. As relações econômicas

se sobrepuseram às relações sociais e a mercadoria tornou-se o objetivo central, não

importando quem as produzia. O trabalho passou a ser uma atividade produtiva que vai

agregar valor de troca às mercadorias, é esse o objetivo do capitalista.

Primeiramente ele quer produzir um valor de uso que tenha um valor de troca, isto é,

um artigo destinado à venda, uma mercadoria. Em segundo lugar, quer produzir uma

mercadoria cujo valor seja maior do que a soma do valor das mercadorias requeridas

para a sua produção, os meios de produção e a força de trabalho, cuja compra ele

adiantou seu dinheiro no mercado. Ele quer produzir não só um valor de uso, mas

uma mercadoria; não só valor de uso, mas valor; e não só valor, mas também mais-

valor. (MARX, 2013, 337-8).

Ao vender a sua força de trabalho ao capitalista em forma de mercadoria o

trabalhador garante os meios para a sua subsistência, cuja jornada de trabalho será paga em

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78

forma de salário pelo capitalista. A força de trabalho mercadoria cria valor ao ser utilizada,

pois gera ao capitalista um valor superior ao seu custo. O capitalista compra a força de

trabalho mercadoria pelo seu valor de troca (tempo de trabalho necessário) e não pelo valor

criado por ela na sua utilização (tempo de trabalho excedente). Esse valor gerado a mais, o

excedente, é denominado de mais-valia e é apropriada pelo capitalista em forma de lucro.

O possuidor de dinheiro pagou o valor de um dia de força de trabalho; a ele

pertence, portanto, o valor de uso dessa força de trabalho durante um dia, isto é, o

trabalho de uma jornada. A circunstância na qual a manutenção diária da força de

trabalho custa apenas meia jornada de trabalho, embora a força de trabalho possa atuar uma jornada inteira, e, consequentemente, o valor que ela cria durante uma

jornada seja o dobro de seu próprio valor diário – tal circunstância é, certamente,

uma grande vantagem para o comprador, mas de modo algum uma injustiça para

com o vendedor. (MARX, 2013, p.347-8).

O modo de produção capitalista fundada na propriedade privada dos meios de

produção e na divisão social do trabalho promove a alienação do trabalhador, a expropriação e

a exploração do homem pelo homem. A alienação não se dá apenas pela perda do produto

produzido, o objeto, pelo trabalhador. O trabalhador não se reconhece mais como um ser

social e há um estranhamento nas relações com o próprio homem. Dessa forma, o modo de

produção capitalista pode ser entendido enquanto um complexo processo histórico-social e

político-econômico.

Porém, é este trabalho alienado, é a força de trabalho em ação, cotidiana e

continuamente desumanizada, expurgada do conteúdo de sua segunda natureza que, no modo capitalista de produção, é a base do desenvolvimento do capital.

(GRANEMANN, 2009, p. 275).

A teoria social crítica de Marx deu o embasamento para o os fundamentos da profissão

e análise da realidade social, ao proporcionar o entendimento da história por meio das classes

sociais e os seus conflitos, o entendimento da centralidade do trabalho e dos trabalhadores.

O projeto de profissão e de formação profissional desenvolveu-se concomitantemente

ao declínio da ditadura empresarial-militar nos anos 1980, marcando o início da

redemocratização enfatizada pelas lutas das classes trabalhadoras e dos movimentos sociais

que reivindicavam melhores condições de trabalho e por melhorias na área da saúde,

educação, habitação, previdência, etc. Essas reivindicações foram muito importantes e

contempladas na Constituição Federal de 1988. A partir desse marco, os direitos sociais

ficaram garantidos em lei e o Estado com o dever de prover os mesmos. Foi nesse contexto

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79

que diversos segmentos da sociedade civil colocaram em xeque o posicionamento político dos

assistentes sociais, que se pronunciaram a favor da luta das classes trabalhadoras, e assim,

estabelecida a base social da reorientação profissional na década de 80. (IAMAMOTO, 2015,

p.50-1).

As Diretrizes Curriculares de 1996 defendem o processo de formação permanente do

assistente social, tornando isso um desafio constante a essa classe de trabalhadores se

analisarmos o contexto de reestruturação produtiva a partir da década de 1990. Essa

perspectiva de formação permanente encontra uma dupla dimensão se considerarmos a

sociedade burguesa e a direção social à qual a classe profissional está vinculada, a classe

trabalhadora.

Desta forma, para se inserir ao mercado de trabalho posto pela sociedade burguesa o

assistente social há de se qualificar de acordo com as regras de mercado com a finalidade de

se tornar um trabalhador “competitivo/a” e “mais atraente”, com um aparato instrumental,

técnicas e ferramentas que o capacite ao seu trabalho cotidiano. Mas há de se considerar

também que a perspectiva de formação adquiriu uma dimensão com uma base de

conhecimentos e uma percepção crítica do cotidiano permitindo a construção de práticas que

superem os processos alienantes e alienadores inerentes à ordem do capital. É, pois, no

cotidiano lugar em que o homem se produz e reproduz. Um espaço em que a vida se apresenta

de forma heterogênea e hierárquica, uma vez que variadas são as atividades e submetidas a

um grau de maior ou menor escala. Na sociedade capitalista, o trabalho enquanto emprego

ganha um papel central na vida do trabalhador, uma vez que este representa por meio da

venda de sua força de trabalho a sua forma de sobrevivência ficando as demais atividades ao

trabalho subordinadas. (CARDOSO, et al., 2020).

Essa tem sido a forma como o serviço social vem desenvolvendo nos últimos quase 40 anos o seu projeto de formação profissional: ciente do papel de fortalecimento da

formação humana e atento às necessidades sociais e do próprio mercado, não para

respondê-las na imediaticidade e acriticidade, mas entendendo o lugar de classe

trabalhadora dos/as assistentes sociais. (CARDOSO, et al., 2020, p. 75).

O atual código de ética profissional é fruto das lutas, reflexões, conflitos, conquistas

em torno do projeto ético-político dos assistentes sociais, comprometido com a classe

trabalhadora e visionando uma nova ordem societária. O código em seus princípios firma o

compromisso com os usuários baseado na liberdade, democracia, cidadania, justiça e

igualdade. No entanto, se torna necessário cada vez mais um posicionamento ético e político

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80

diante da exploração do trabalho e das situações que reproduzem discriminação, preconceito e

opressão, sendo esses elementos não um legado e sim uma necessidade do capitalismo. Assim

sendo, a sociabilidade do capital imputa a crise societária estabelecida (fome, desemprego,

violência, mercantilização da educação e da saúde, e demais dimensões da vida social) como

um fenômeno advindo do desenvolvimento da humanidade e não como algo inerente ao modo

de produção capitalista.

[...] Existe “não apenas uma relação simbiótica entre o trabalho assalariado

contratual e a escravidão, mas também, e junto com ela, a dialética que existe entre

acumulação e destruição da força de trabalho” — situação que as mulheres

vivenciam de forma particular através da apropriação, opressão e exploração de seus

corpos, seu trabalho e sua vida. Disso apreende-se a consubstancialidade entre

patriarcado, racismo e capitalismo e, consequentemente, a indissociabilidade entre

exploração e opressão. Essa imbricação, com frequência invisível, caracteriza o atual modelo societário [sociedade capitalista] e compõe uma nova realidade

historicamente constituída. (BARROSO, 2020, p.448).

Em seus estudos, Marx e Engels evidenciaram a divisão social do trabalho, porém

devemos também considerar que a categoria trabalho é influenciada por questões do

patriarcado e do racismo. Destacamos que foram as feministas, que se valendo da tradição

marxista aprofundaram os estudos sobre as determinações do trabalho das mulheres no modo

de produção capitalista, assim como o caráter opressor que é estabelecido nas relações sociais

entre homens e mulheres na divisão sexual do trabalho.

O termo “divisão sexual do trabalho” surgiu na França no início dos anos 1970, com

o movimento feminista que se pôs a denunciar o trabalho doméstico, enquanto uma atividade

gratuita e invisível, exercido prioritariamente pelas mulheres. Temos que considerar o

trabalho doméstico que não é reconhecido e muito menos remunerado, um trabalho realizado

para os outros e em função dos outros, como algo natural, maternal e devotado. Mas que na

verdade funciona como suporte à exploração do capital na força de trabalho. (HIRATA;

KERGOAT, 2007).

Marx e Engels não fizeram menção a uma divisão sexual do trabalho, porém,

perceberam a divisão do trabalho dentro da família, o que permitiu a Alves (2017) concluir

que “a divisão sexual do trabalho é uma expressão da divisão do trabalho, ou seja, um

embrião da divisão social do trabalho posteriormente maturada”. E Embora a divisão sexual

do trabalho não tenha surgido com o desenvolvimento da sociedade burguesa, o capitalismo

se apropria e se beneficia dessa particularidade da divisão social do trabalho.

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81

Não é possível estabelecer exatamente, o quanto nas sociedades que viviam de caça e

coleta (cada sociedade com características próprias), a divisão sexual do trabalho acontecia

exclusivamente ou até a que ponto, por diferenças biológicas entre homens e mulheres. Para

além disso, há de se considerar o caráter social da divisão sexual do trabalho enquanto relação

de poder e política entre homens e mulheres. Aos homens cabiam os instrumentos de trabalho

e armas e às mulheres os utensílios domésticos, os cuidados com a família e os afazeres

domésticos. Dessa forma, a divisão sexual do trabalho foi estabelecida historicamente.

Para essa compreensão nos dias atuais, temos que analisar como a sociedade se

produz e reproduz inserida ao modo de produção capitalista, pois na divisão sexual do

trabalho é destinado aos homens o espaço da produção, como a política, atividades

intelectuais, profissões como a medicina, engenharia, etc., e à mulher o espaço da reprodução,

estabelecido no lar, das atividades domésticas, e profissões e atividades como o cuidado e

áreas da educação, enfermagem, serviço social, pedagogia, etc.

A divisão sexual do trabalho pode ser caracterizada por dois princípios: da separação,

que estabelece e diferencia os trabalhos masculinos e femininos e da hierarquização

valorativa, onde o trabalho do homem vale mais do que o da mulher. Tal divisão permeia toda

a sociedade, articula os espaços de trabalho produtivo e reprodutivo e tem uma lógica e

função nas relações sociais capitalistas.

A literatura brasileira entre os anos 1980 e 2000 debruçou-se sobre a definição do

serviço social como trabalho especializado coletivo e partícipe do processo de produção e

reprodução das relações sociais, divulgado nos meios acadêmico e profissional sem uma

devida apropriação das bases teórico-metodológicas para tal sustentação. Foi mantido o foco

na particularidade do serviço social com uma qualidade determinada para a satisfação de

necessidades sociais, ou seja, como um trabalho concreto. (IAMAMOTO, 2010, p. 257).

O trabalho do assistente social na sociedade capitalista contemporânea apresenta-se

como uma unidade contraditória. É um trabalho concreto uma vez que possui uma utilidade

social, e ao mesmo tempo é um trabalho abstrato, pois vende a sua força de trabalho em troca

de um salário, submetido aos princípios da alienação e exploração.

Marx, nos seus estudos sobre o trabalho na sociedade capitalista, traz também os

conceitos de trabalho produtivo e trabalho improdutivo. Considerou de início o trabalho como

uma forma de interação do homem com a natureza, independente das formas sociais,

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82

momento em que o homem controla a si mesmo. Nesse nível de produção, o trabalho aparece

como trabalho produtivo, “[...] o mesmo trabalhador reúne em si todas as funções que mais

tarde se apartam umas das outras.” (MARX, 2013, p. 705). No sistema de produção da

sociedade capitalista o homem passou a ser controlado. O produto que antes era algo

individual, de propriedade do trabalhador, passou a ser um produto social, “produto comum

de um trabalhador coletivo, isto é, de um pessoal combinado de trabalho, cujos membros se

encontram a uma distância maior ou menor do manuseio do objeto do trabalho.” (MARX,

2013, p.706).

Para trabalhar produtivamente, já não é mais necessário trabalhar com as próprias mãos, basta, agora, ser um órgão do trabalho coletivo, executar qualquer uma de

suas subfunções. [...] Por outro lado, o conceito de trabalho produtivo se estreita. A

produção capitalista não é apenas produção de mercadoria, mas essencialmente

produção de mais-valor. O trabalhador produz não para si, mas para o capital.

(MARX, 2013, p. 706).

Para que um trabalhador seja produtivo, não basta que ele produza mercadorias de

uma forma geral. Ele precisa produzir mais valor ao capitalista, servindo assim de instrumento

para a auto expansão do capital.

No capitalismo, não importa a natureza em si da mercadoria, seja ela um bem para

satisfazer necessidades provenientes do estômago ou da fantasia. A mercadoria pode

ser tanto a natureza transformada, como os serviços (as aulas, as atividades de

assistência social), em ambos o capitalista pode obter lucro e acumular capital.

Consequentemente, a fonte de mais-valia pode ser tanto o trabalho operário (atua sobre a natureza) como o trabalho do assistente social e do mestre escola (atuam nas

relações sociais). Estes produzem mercadorias que podem ser comercializadas por

um valor maior do que o salário pago. (SILVA, Pâmela, 2017, p. 9).

O assistente social não trabalha como um operário na fábrica, e dessa forma, não está

inserido nas atividades necessárias à produção material. Por outro lado, atua nas condições

sociais necessárias à produção e à extração de mais-valia quando interage e intervém nas

condições e situações de vida da classe trabalhadora, mantendo o funcionamento da força de

trabalho.

O trabalho improdutivo acontece quando o trabalhador recebe um salário, em troca

de uma atividade que não vai integrar um valor a mais. Em outras palavras, o trabalhador

vende a sua força de trabalho, valor de uso, sem acrescer mais valor ao seu empregador. É o

caso dos assistentes sociais quando contratados pelo Estado. Dessa forma, o assistente social

enquanto partícipe do processo de geração de riqueza ocorre enquanto trabalhador coletivo.

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Importa pouco se um trabalho realizou-se próximo ou distante da matéria de

trabalho, ou se se realizou no mesmo espaço físico ou em diferentes lugares, todos

eles contribuíram no processo de produzir o produto e de construir a riqueza do

capitalista. Esses elementos caracterizam o trabalho coletivo, social, combinado, o

qual concentra uma gama de profissões (especializações) que contribuem para o

processo de produção e reprodução social. (SILVA, 2017, p.11).

Dessa forma, o serviço social é um trabalho socialmente necessário, visto que tem

papel fundamental no processo de reprodução material e social da força de trabalho, pois atua

nas questões referentes à sobrevivência social e material da maior parte da população

trabalhadora. A sua atuação se dá por meio dos programas dos serviços sociais em várias

áreas como Saúde, Habitação, Assistência Social, Educação, Sócio jurídico.

O assistente social encontra-se na condição de trabalhador livre que vende a sua

força de trabalho especializado nos setores públicos ou privado e dessa forma submetido aos

interesses de seu empregador. Ao tratar da sua prática profissional como um trabalho inserido

nos processos de trabalho conforme concebida por Marx, tal qual o processo de trabalho

implica um objeto sob a ação de um sujeito (trabalho) com o uso de instrumentos para a sua

efetivação, é possível afirmar a respeito do objeto de intervenção, meios de trabalho e produto

do trabalho dos assistentes sociais: - a questão social como objeto (matéria-prima) do

trabalho, frente às diversas atuações junto à infância e juventude, ao idoso, a situações de

violência familiar, pela luta de efetivação de direitos; - o seu conjunto técnico-operativo

(instrumentos) dando um aparato às bases teórico-metodológicas, possibilitando uma leitura

da realidade social de forma totalizante, condutora da ação a ser executada; - o produto obtido

não depende de forma exclusiva do desempenho ou vontade do assistente social, e sim se

materializa de acordo com os fins de seu empregador.

Portanto, a definição do Serviço Social como trabalho, intervém no significado

sócio-histórico e ideo-político da identidade profissional, à medida que situa a

intervenção do assistente social no contexto da totalidade concreta, da luta de

classes, revelando-o como um trabalhador inserido na divisão social e técnica do

trabalho, que intervém no contexto das inúmeras manifestações da questão social.

(SILVA, p.13, 2017).

Desde os anos 1980, o processo de renovação da profissão com base nas redefinições

nos campos teórico-metodológicos e ético-políticos, fundado na teoria social crítica de Marx,

redirecionaram a formação e o trabalho dos assistentes sociais na sociedade capitalista. Para a

construção de uma leitura crítica acerca da realidade à qual os profissionais estão inseridos, há

de se entender o arcabouço teórico e conceitual sobre o trabalho e suas inflexões para o seu

debate no capitalismo contemporâneo, e dessa forma, visando firmar o compromisso e

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84

identificação com as classes trabalhadoras, ponto central do projeto ético político da

profissão, articulado com as pautas dos movimentos sociais e na defesa das liberdades

democráticas contrapondo-se ao avanço do conservadorismo reacionário na sociedade

brasileira.

Nesse sentido, pensando na perspectiva de uma formação profissional comprometida

com o projeto ético político (com a centralidade da categoria trabalho e a articulação teoria /

prática) é de extrema relevância pensar o estágio supervisionado não apenas enquanto um

elemento obrigatório para a conclusão do curso de bacharelado do serviço social, mas

enquanto uma parte central no processo de formação. O estágio obrigatório além de

proporcionar aos estudantes a inserção nos espaços sócio-ocupacionais, possibilita também a

vivência da prática profissional, assunto que será abordado na próxima seção.

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4. ESTÁGIO SUPERVISIONADO: AVANÇOS E LIMITES NA FORMAÇÃO E

ATUAÇÃO PROFISSIONAL NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO

Esta seção tem a pretensão de analisar o processo de formação dos assistentes sociais

no âmbito do estágio supervisionado, trazendo o debate sobre a indissociabilidade do binômio

teoria-prática, e a relevância da tríade supervisor acadêmico, estagiário e supervisor de

campo, constituindo um trabalho em uníssono voltado a uma formação crítica e ao

desenvolvimento das competências teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas

dos futuros assistentes sociais elencando os elementos constituintes como avanços e limites

no cenário contemporâneo.

Vivemos dentro de um contexto marcado pela reordenação do capital resvalando de

forma significativa em todos os aspectos da vida da classe trabalhadora, seja na área da saúde,

habitação, trabalho, lazer, etc.

Na educação, a precarização atingiu a todos os níveis, evidenciado na LDB de

199625

, onde podemos constatar que o ensino superior ficou à mercê de uma lógica mercantil

e empresarial com ênfase na privatização das instituições de ensino. Nesse processo, as

instituições de ensino são transformadas em organizações, denominadas de universidades

operacionais, surgindo o ramo dos empresários da educação, que propagam e consideram a

educação como uma mercadoria. Além do mais, vivenciamos também o constante avanço do

ensino à distância (EAD), expressando de forma enfática o desmonte e flexibilização da

educação.

A LDB/1996, ao “estabelecer as diretrizes e bases da educação nacional”, estimulou

a competitividade, a produtividade, a rentabilidade e a flexibilização, elementos que

concorrem para o aligeiramento da formação profissional com os cursos

tecnológicos, sequenciais, à distância e outros, no sentido de atender as demandas do

mercado. (RIBEIRO, 2010, p. 81).

Esses elementos citados, juntamente com os impactos sobre a vida social e no

mercado de trabalho, configuram um cenário contraditório que representam limites e

acarretam prejuízos e entraves no processo de formação e de trabalho do assistente social,

contrapondo-se ao projeto profissional que vem sendo construído pela categoria, e cuja

trajetória histórica vem se forjando e adequando às novas demandas da sociedade ao longo

das últimas quatro décadas. Este projeto profissional é coletivo e vinculado à defesa dos

25 Cf seção 3, páginas 61-63 deste trabalho.

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direitos e interesses da classe trabalhadora. Tal projeto tem a sua direção político-organizativa

nas entidades CFESS- CRESS, ABEPSS e ENESSO, e ganha substância com o Código de

Ética Profissional, com a Lei de Regulamentação da Profissão (Lei nº 8662/93) e as Diretrizes

Curriculares da ABEPSS de 1996.

As posições estabelecidas de forma coletiva pelo serviço social brasileiro registram

de maneira crítica a total discordância desse desmonte estabelecido também na educação. As

regulações instituídas pelo serviço social por meio de instrumentos político-normativos são

estratégias na defesa por uma qualidade na formação e no trabalho, constituindo-se em

avanços, na medida em que procuram resguardar a profissão e firmam a primazia de formar

profissionais afinados ao projeto ético político profissional, comprometidos com a qualidade

dos serviços que são oferecidos à população usuária.

Nos dias de hoje, o estágio supervisionado é uma atividade da grade curricular

obrigatória e possui um caráter central no processo de formação do assistente social,

constituindo-se em uma atividade pedagógica. Permite uma conexão e apreensão dos

conteúdos aprendidos na academia, que antes da inserção no campo de estágio, podem se

apresentar como algo distante e desconectado da realidade.

O estágio é considerado como um espaço de aprendizagem que proporciona ao

estagiário o fazer concreto do serviço social enquanto uma profissão de caráter interventivo,

estando no âmbito das relações de produção e reprodução da vida social. (BURIOLLA, 2001;

ORTIZ, 2010). “O estágio é o locus onde a identidade profissional do aluno é gerada,

construída e referida; volta-se para o desenvolvimento de uma ação vivenciada, reflexiva e

crítica e, por isso, deve ser planejado gradativa e sistematicamente”. (BURIOLLA, 2001, p.

13).

Dessa forma, podemos entender o estágio enquanto o primeiro encontro com o fazer

profissional, e, para além disso, um espaço também onde o cotidiano da profissão vai trazer

desafios e até mesmo conflitos representados na relação entre supervisor e estagiário,

constitutivos de conhecimento e da expressão das dimensões ética, política, ideológica e

econômica.

O estágio supervisionado é um grande desafio para estudantes e profissionais de

Serviço Social. Para os estudantes desde a conquista de um espaço para exercê-lo,

que exige entre outros fatores a disponibilidade de profissionais para ensinar, até a

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sua colocação como futuro profissional, que se manifesta no cotidiano do exercício

de seu estágio, perpassando pelos conflitos institucionais e de supervisão. E, para o

profissional, desde a aceitação do estagiário, que para muitos ainda é visto como

mais uma tarefa a ser feita, à ruptura com os mitos da prática, que envolvem a

prática do profissional e a prática imaginada do estagiário, perpassando pela disputa

de saberes no invólucro dessa tarefa. (COSTA; SOARES, 2013, p.13).

A análise a partir da “Cartilha estágio supervisionado: meia formação não

garante um direito” (CFESS, 2013), nos proporciona uma base para abordarmos com mais

entendimento o processo de estágio e de supervisão, pois é fundamental termos a apropriação

das regulamentações e orientações em vigência no Brasil, e para tanto, serão aqui divididas

em três ambiências: 1. Nas instituições de ensino superior no Brasil; 2. Na formação

profissional do assistente social brasileiro; 3. Na profissão do assistente social no país.

Abaixo, destacamos um quadro síntese das respectivas legislações e, em sequência,

descrevemos brevemente as respectivas ambiências.

Nas instituições de ensino

superior no Brasil

Na formação profissional do

assistente social brasileiro

Na profissão do assistente social

no país

LDB de 1996 Diretrizes Curriculares da ABEPSS

de 1996 Lei nº 8.662/1993

Lei nº11.788/2008 (Lei do Estágio)

Resoluções do Conselho Nacional

de Educação (CNE):

Resolução n.º492 de 3/4/2001

Resolução n.º1.363 de 12/12/2001

Resolução n.º15 de 13/3/2002

Código de Ética do Assistente

Social de 1993

.............................. Política Nacional de Estágio (PNE) da ABEPSS

Resolução CFESS nº 533/2008

No que se refere às regulamentações e orientações nas instituições de ensino

superior no Brasil, dispomos de duas leis que fazem referência ao estágio supervisionado a

seguir:

A primeira delas, a LDB de 1996, trata do processo de estágio de uma forma

generalizada. Em seu Artigo 82, estabelece que as normas que se referem ao estágio nos

ensinos médio e superior ficam a critério das próprias instituições, ou seja, caracteriza o

princípio da autonomia universitária. Em seu Parágrafo Único, confere o caráter pedagógico

do estágio supervisionado sem estabelecer vínculo empregatício, porém passível do

recebimento de bolsa de estágio e com garantias de uma cobertura previdenciária aos

estudantes.

E a segunda, a Lei n.º 11.788/2008, conhecida como a Lei do Estágio. Em seu Artigo

1.º, regulamenta o estágio nas “instituições de educação superior, de educação profissional, de

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ensino médio, da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade

profissional da educação de jovens e adultos.” (BRASIL, 2008).

Estabelece o estágio escolar supervisionado enquanto um ato educativo com vistas a

preparar o alunado ao mercado de trabalho, porém, deixando clara a inexistência de vínculo

empregatício. Pode ser oferecido nas modalidades obrigatório, e dessa forma devendo cumprir

uma carga horária a fim de obtenção de aprovação e diploma, ou não obrigatório. O estágio

deve constar no projeto pedagógico do respectivo curso.

A supervisão do estágio deve ser assegurada por um profissional da mesma área do

estagiário, o que estabelece a sua atribuição privativa, além de garantir a qualidade no

processo de formação.

A lei também estabelece as obrigatoriedades que são conferidas às instituições de

ensino desde as suas instalações, elaboração de planos de atividades e processos de avaliação,

definir o supervisor acadêmico, e a elaboração se preciso, de normas complementares.

Estão ainda resguardadas, com a lei, a limitação da carga horária e o recesso de 30

dias em caso de cumprimento de um ano ou mais de estágio, e garantida a

proporcionalidade se em tempo inferior, além de concessão de seguro e auxílios

como transporte, alimentação e saúde. (CFESS, 2013, p. 10).

É importante salientar os direitos conquistados pelos estudantes estagiários

conferidos nesta Lei, a despeito da imagem que o estágio carrega enquanto mão de obra

gratuita ou barata dentro das instituições quer sejam elas públicas ou privadas. A condição de

um sujeito em processo de formação com um lugar social estabelecido na sociedade e no

mundo do trabalho fica explícita com a definição do número de estagiários relacionado ao

número de trabalhadores das referidas instituições, de acordo com o Artigo 17 da referida Lei.

Na ambiência seguinte – o âmbito da formação profissional - são três as

regulamentações e orientações que dispõem sobre o estágio supervisionado em serviço social:

O estágio supervisionado nas Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996: as DCs

representam uma nova perspectiva na formação profissional, fazendo parte da construção

coletiva do projeto ético-político ao longo das décadas de 1980 e 1990. Propõe uma base

nacional comum, e a partir dela, as instituições de ensino superior devem elaborar o seu

Currículo Pleno. O estágio supervisionado e obrigatório ganhou um destaque central na

formação do assistente social e deve corresponder a uma carga horária mínima de 15% do

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valor da carga horária mínima do curso, estabelecida em três mil horas. O estágio visa a

preparação do aluno estagiário ao trabalho profissional, e desta forma, uma supervisão

sistemática realizada por um assistente social professor e um assistente social no campo. A

relação direta estabelecida entre esses três protagonistas é o que chamamos de tríade

(superviso acadêmico – estagiário – supervisor de campo). Os planos de estágio devem ser

elaborados em conjunto entre a unidade de ensino e a unidade campo de estágio, e baseando-

se no Código de Ética Profissional e na Lei de Regulamentação da Profissão (Lei n.º 8.662).

O trabalho desenvolvido pela tríade deve proporcionar ao estagiário uma formação crítica e o

desenvolvimento das competências teórico-metodológicas, ético-políticas e técnico-

operativas. Devemos ressaltar, no entanto, que as DCs não dispõem de efeito legal.

O estágio supervisionado em serviço social estabelecido nas resoluções do Conselho

Nacional de Educação (CNE): a Resolução n.º492 de 3/4/2001, a Resolução n.º1.363 de

12/12/2001 e a resolução n.º15 de 13/3/2002, convergem no âmbito do estágio assimilando as

Diretrizes Curriculares da ABEPSS de 1996.

O Estágio Supervisionado é uma atividade curricular obrigatória que se configura a

partir da inserção do aluno no espaço sócio-institucional, objetivando capacitá-lo

para o exercício profissional, o que pressupõe supervisão sistemática. Esta supervisão será feita, conjuntamente, por professor supervisor e por profissional do

campo, com base em planos de estágio elaborados em conjunto, pelas unidades de

ensino e organizações que oferecem estágio. (CEFSS, 2013).

Destacamos aqui, que a supervisão dos estagiários por profissional da área de

formação foi estabelecida na Lei do Estágio em 2008. O serviço social possui uma supervisão

direta e acompanhada por dois/duas assistentes sociais inscritos no Conselho Regional e

devidamente regularizados.

A Política Nacional de Estágio (PNE) da ABEPSS: do mesmo modo que as DCs de

1996, a PNE não possui força de lei. Nasce da articulação entre as entidades ABEPSS,

CFESS e ENESSO e da construção democrática no ano de 2009, quando foram realizados 80

eventos com a participação de 175 Unidades de Formação Acadêmica (UFAs), entre

docentes, discentes, e convidados foram 4.445 participantes. (CFESS, 2013).

Dois fatores foram preponderantes para a construção da PNE: a dificuldade

apresentada pelas UFAs em implementarem as DCs de 1996 (dificuldades essas apontadas

por ocasião da avaliação dos processos de implementação das DCs 10 anos depois), e a

conjuntura marcada pela crise contemporânea da sociedade burguesa, levando a categoria

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profissional a um enfrentamento sobre o sucateamento da educação superior e em defesa e

fortalecimento do projeto de formação profissional.

A PNE afirma o estágio como possibilidade concreta de materialização da lógica

curricular, na perspectiva das diretrizes curriculares da ABEPSS de 1996, assim

como consoante aos princípios do Código de Ética dos/as assistentes sociais de

1993. Numa leitura atenta e crítica da realidade, a PNE enfatiza, ainda, que o estágio

no Serviço Social deve também se nortear por princípios que são preservadores

desta lógica, quais sejam, indissociabilidade entre as dimensões teórico-

metodológicas, ético-políticas e técnico-operativas; articulação entre formação e exercício profissional; indissociabilidade entre estágio, supervisão acadêmica e de

campo; articulação entre universidade e sociedade; unidade entre teoria e prática;

articulação entre ensino, pesquisa e extensão. (CFESS, 2013, p.14).

A PNE além de evidenciar a concepção de estágio de acordo com o perfil

profissional disposto nas DCs, estabelece e orienta as relações entre professores, assistentes

sociais supervisores, discentes e coordenação de estágio. Trata também do estágio curricular

sem o caráter obrigatório, tendo como base a Lei n.º 11.788/2008, e clarifica a diferença entre

as duas modalidades de estágio. Atua em consonância com a lei supracitada e a Resolução

CFESS n.º 533/2008 ao confirmar os requisitos necessários para o cumprimento do estágio

curricular da seguinte forma:

a) inserção discente em atividades atinentes ao exercício da profissão; b) garantia de

supervisão acadêmica e de campo; c) exigência de relatórios semestrais; d)

documento comprobatório da carga horária cumprida no campo de estágio; e) pré-

requisitos ou co-requisitos de disciplinas que abordem conteúdos relacionados a

ética profissional e fundamentos histórico-teórico-metodológicos do Serviço Social

para a inserção nesta atividade; f) o/a docente responsável pela supervisão destes

estágios deverá acompanhar o(a) estagiário/a por meio de encontros com os/as estudantes; avaliação das condições éticas e técnicas do campo de estágio e da

vinculação das atividades discentes previstas no Termo de Compromisso de Estágio

(TCE) ao exercício da profissão Serviço Social; acompanhamento do instrumento

comprobatório da frequência no campo; orientação e avaliação dos relatórios

elaborados pelo/a estagiário/a; g) ser necessariamente ofertado como disciplina.

(CFESS, 2013, p. 15).

E por fim, o estágio supervisionado nas regulamentações profissionais do/a

assistente social no Brasil: no meio profissional, o estágio supervisionado é destacado em

três normativas.

Na Lei nº 8.662/1993 (Lei de Regulamentação da Profissão de Assistente Social): em

seu Artigo 5º, inciso VI, estabelece como atribuição privativa do assistente social

“treinamento, avaliação e supervisão direta de estagiários de Serviço Social.” (BRASIL,

1993). Destacamos que o assistente social supervisor deve estar registado no Conselho

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Regional e devidamente regularizado. Ficando submetido às regulações do CFESS, inclusive

no que se refere à fiscalização.

No Artigo 14º, fica estabelecido a obrigatoriedade por parte das instituições de

ensino a devida comunicação aos respectivos Conselhos Regionais sobre os locais situados

enquanto campos de estágio dos alunos estagiários e os seus respectivos supervisores

responsáveis. Ainda no Parágrafo Único da Lei nº 8.662, regulamenta que o estágio em

Serviço Social é reservado aos estudantes do respectivo curso e ratifica a supervisão direta por

assistente social devidamente regulamentado.

O estágio supervisionado no Código de Ética do/a Assistente Social: Os princípios

gerais do Código de Ética da profissão são norteadores de todas as atribuições e at ividades

profissionais, inclusive quando o assistente social estiver atuando enquanto supervisor

acadêmico ou de campo, são eles: Liberdade – a liberdade é um valor ético-central, e,

portanto, respaldar a conduta do assistente social no reconhecimento da liberdade e das suas

possibilidades; Defesa dos direitos humanos - recusa do autoritarismo e defesa à todos os

direitos; Cidadania - garantia dos direitos civis, políticos e sociais, diretamente vinculada à

prática do serviço social; Democracia – a socialização da participação política e da riqueza

socialmente produzida é imprescindível para a garantia da democracia real; Equidade e justiça

social - universalidade no acesso a bens e serviços, concebendo a adaptação a regra com

objetivo de torna-la mais justa, em caso específico; Eliminação do preconceito - incentivo à

diversidade, às diferenças, estímulo aos grupos discriminados, sem admitir juízos

preconcebidos e atitudes discriminatórias; Pluralismo - respeito às correntes teóricas

existentes considerando e buscando o aprimoramento intelectual, opondo-se a tendência de

unificação de poder; Construção de nova ordem societária – vinculação do projeto

profissional ao projeto de sociedade sem dominação/exploração de classe, etnia, gênero;

Articulação com movimentos de outras categorias profissionais e com a luta geral dos

trabalhadores: necessidade de organização da categoria com outros profissionais que tenham

identificação com o projeto ético-político do serviço social a fim da defesa das lutas coletivas

dos trabalhadores; Qualidade dos serviços – responsabilidade ética no cotidiano do assistente

social, constante aprimoramento e competência profissional; Exercer o serviço social sem

discriminar e sem ser discriminado – no que se refere à classe social, gênero, etnia, religião,

nacionalidade, orientação sexual, identidade de gênero, idade, e condição física. (CFESS,

2013).

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De forma específica em relação ao estágio, o Código de Ética estabelece vedações e

deveres do assistente social: Artigo 4º- “É vedado ao assistente social: (...) d) compactuar com

o exercício ilegal da profissão, inclusive nos casos de estagiários que exerçam atribuições

específicas, em substituição aos profissionais; e) permitir ou exercer a supervisão de aluno de

Serviço Social em instituições públicas e/ou privadas que não tenham em seu quadro

assistente social que realize acompanhamento direto ao aluno estagiário”; Artigo 21º - “são

deveres do assistente social: [...] c) informar, esclarecer e orientar os estudantes, na docência

ou supervisão, quanto aos princípios e normas contidas neste código”. (CEFSS, 2013).

Essas normativas perpassam pelo processo de formação e atuação profissional, e

zelam pela manutenção de um estágio com qualidade e para isso, há de se estabelecer uma

relação direta, contínua e sistemática entre as instituições de ensino, instituições campos de

estágio e os CRESS, fortalecendo dessa forma a indissociabilidade entre a formação e o fazer

profissional.

Resolução CFESS n.º 533/2008: dispõe sobre a supervisão direta de estágio em

serviço social. Tem a finalidade não apenas de fiscalizar, mas se apresenta como mais um

instrumento de resistência e fortalecimento da profissão, diante de um ensino submetido às

práticas conservadoras e ao capital. Traz quatro pontos centrais:

a) caracterização dos dois tipos de estágio reafirmando a Lei do Estágio (Lei

11.788/2008): - Estágio obrigatório – é estabelecido no projeto pedagógico do curso, com

uma carga horária a ser cumprida, sendo critério para aprovação e obtenção do diploma; -

Estágio não obrigatório – é o estágio desenvolvido como uma atividade opcional que será

acrescido à carga horária obrigatória e regular. Está submetido também ao cumprimento das

definições da resolução nº 533 de forma igualitária ao estágio obrigatório.

b) Abertura de campos de estágio: Em seu Artigo 1º, estabelece que seja de

responsabilidade das UFAs a abertura dos campos de estágio, assim como a verificação sobre

as condições que este campo oferece à sua realização, como o espaço físico que garanta o

sigilo profissional, equipamentos, a disponibilidade do assistente social que deve fazer parte

do quadro da instituição habilitado pelo CRESS, e a aceitação da instituição em se estabelecer

e comprometer enquanto campo de estágio. Essa competência é atribuída aos coordenadores

de curso e de estágio ou a outro profissional do serviço social responsável para isso. A

abertura de campo de estágio implica na devida comunicação ao CRESS por parte da UFA no

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período de até 30 dias, de modo a garantir a realização da fiscalização direta, e passível de

multa.

c) Sobre o processo de supervisão direta: a supervisão de estagiários é compartilhada

igualmente entre o supervisor de campo e o supervisor acadêmico.

A ambos/as cabe acordar a abertura e encerramento do campo de estágio, planejar

conjuntamente as atividades inerentes ao estágio, garantir o cronograma de

supervisão sistemática, elaborar o plano de estágio, realizar reuniões de orientação,

discutir e formular estratégias para enfrentar questões atinentes ao estágio,

atestar/reconhecer as horas de estágio realizadas pelo/a estagiário/a, bem como

emitir avaliação e nota, quando necessário. (CFESS, 2013).

O desenvolvimento desse trabalho em conjunto pelos supervisores de campo e da

instituição de ensino na construção do processo de estágio, corroboram para a

indissociabilidade entre a teoria e a prática trazendo uma relação de troca e apoio entre ambas

as partes.

d) Sobre as garantias de condições básicas para a realização do estágio: Em seu

Artigo 3º, Parágrafo Único, definiu como limite máximo, um estagiário para cada dez horas

semanais de trabalho do assistente social supervisor. Cabe à instituição de campo estabelecer

as devidas condições para a realização do estágio como o espaço físico adequado de forma a

manter o sigilo, equipamentos, supervisor de campo para acompanhar a atividade de

aprendizagem e de acordo com a Resolução CFESS nº 493/2006 que dispõe sobre as

“condições éticas e técnicas do exercício profissional.”. A Resolução n.º 533 estabeleceu

ainda que a UFA seja passível de multa, caso não cumpra com os prazos e exigências sobre o

fornecimento de informações ao CRESS, de acordo com o Artigo 1º.

Até aqui, nos foi possível inferir por meio de todos os instrumentos dispostos acima,

o quanto é valioso e central o processo de estágio na formação profissional e no exercício da

profissão do assistente social. É no campo de estágio que o aluno estagiário faz a conexão do

todo o aparato acumulado durante os períodos que antecedem a esse processo, e a teoria

adquirida na academia é o suporte para o entendimento da complexidade que são

estabelecidas nas relações institucionais, sociais, familiares e, sobretudo, às expressões da

questão social que vão se apresentar no cotidiano do campo de estágio e posteriormente na

vida profissional. A defesa no âmbito da formação é preconizada pela indissociabilidade do

binômio teoria-prática, e na relevância da relação estabelecida entre a tríade supervisor

acadêmico-estagiário-supervisor de campo. A conjuntura que corrói o processo de educação

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via mercantilização do processo de ensino, considerando a crescente privatização das

instituições de educação e somado ao EAD, requer um enfrentamento por parte do Serviço

Social, cujo olhar crítico da realidade nos leve a tecer proposições e respostas afinadas ao

projeto ético-político, reafirmando e garantindo a qualidade no processo de formação e do

exercício profissional.

A relação estabelecida entre a academia e o campo de estágio por meio do aluno

estagiário, a despeito de que os conceitos e conhecimentos teóricos não articulam com a

prática e a realidade encontrada no campo de estágio, e nos referimos ao dogma estabelecido

de que na prática a teoria é outra, (e dessa forma não alcançando a realidade social dos

usuários do serviço social, a classe trabalhadora mais pauperizada), ganhou uma nova

perspectiva na década de 1980. A própria conjuntura em que o serviço social é inserido vai

demandar por uma formação e intervenção profissional que dê conta das questões que se

apresentam em sua cotidianidade, marcando a complexidade do serviço social e como

resposta, um nível de competência que proporcione aos profissionais um agir devidamente

fundamentado em suas bases ético-político e metodológico de forma a compreender a

realidade social à qual estão inscritos e estabelecendo a sua intervenção de forma qualificada.

Dessa maneira, quando pontuamos a necessidade da compreensão da dinâmica social

em que o assistente social está atuando, nos referimos a uma apropriação de tudo o que está à

sua volta, seja no campo da cultura, da política, das instituições jurídico-políticas, das relações

familiares, das relações grupais, das organizações sociais, e fundamentalmente apreender

como o sistema capitalista engendra e comanda todos os níveis da vida dos indivíduos

usuários dos serviços sociais, assim como dos próprios assistentes sociais, enquanto

profissionais inseridos na divisão social e técnica do trabalho.

Esse entendimento da dinâmica social é algo que precisa estar devidamente

embasado, compreender os processos sociais dentro de uma perspectiva de totalidade requer

também o entendimento dos vários níveis de complexidade estabelecidos nesses processos. A

atuação pertinente do assistente social é inerente e consequência à sua interiorização da

realidade social vivenciada em seu cotidiano e dos usuários por ele atendidos, e para tanto,

esse alcance pressupõe uma compreensão da conformação da sociedade constituída em seus

aspectos estruturais e conjunturais. Essa visão, segundo Forti e Guerra (2010), a “leitura do

real”, nos é oferecida pelas teorias que concebem a sociedade de uma forma macroscópica.

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Mais ainda, faz-se necessária uma teoria que nos permita perceber como os

principais dilemas contemporâneos se traduzem nas peculiaridades do Serviço

Social e se expressam nas requisições e competências socioprofissionais e na cultura

profissional. Aqui subjaz a premissa de que a complexidade da realidade exige

profissionais do Serviço Social que não pretendam apenas responder de modo

tradicional e imediatista às demandas que lhes são dirigidas, mas que entendam que

respostas profissionais pressupõem compreensão dos significados sociais de tais

demandas e intervenções que lhes possam atribuir outros. (FORTI; GUERRA, 2010,

p. 3).

O processo de formação precisa habilitar profissionais aptos a essa leitura da

realidade, que para além das necessidades do mercado de trabalho, tenham uma profunda

formação teórica e metodológica, possibilitando a identificação e apropriação da realidade

social com um pensamento crítico no que se refere às suas próprias demandas e às de seus

usuários, e dessa forma, construir intervenções com base em estratégias sociopolíticas ao

reconfigurar e enfrentar a realidade social que lhes é imposta pelo sistema.

Nesse sentido, a teoria precisa estar respaldada na possibilidade da intervenção

prática, visto que essa associação é a condição para que seja exercida qualquer manobra que

leve à mudança na realidade concreta apresentada. Essa prática não tem um fim nela mesma,

mas se caracteriza com uma ação que possibilite e instigue ao indivíduo o processo da

reflexão, e por meio dessa, a obtenção de conhecimentos capazes de transformar e qualificar

os conceitos sobre as coisas, de forma a capacitar o assistente social a transformá-las se assim

entender como necessário.

Voltando à ideia de que “na prática a teoria é outra”, esse entendimento se configura

no pensamento de que a aplicação da teoria, enquanto um aparato de regras, instrumentos e

procedimentos diretamente na realidade social, tal qual a uma receita, teria como resposta

algo já previsto e esperado. Podemos atribuir essa visão equivocada, e, portanto, devendo ser

questionada e combatida, a partir do entendimento de que alguns assistentes sociais26

têm de

que o senso comum e a ação imediatista são o suficiente como resposta às expectativas

colocadas ao profissional. E, além disso, essa ideia é corroborada quando pensamos na

mercantilização da formação profissional e nas exigências colocadas pelo mercado de

trabalho.

[...] O valor da teoria está condicionado exclusivamente à sua capacidade de

responder imediatamente à realidade. [...] Essa concepção demonstra uma excessiva

valorização dos resultados voltados para o êxito individual, em detrimento do

processo desencadeado para o conhecimento da realidade e das respostas às reais

26 Não podemos esquecer de que o conjunto da categoria não é em sua totalidade um bloco homogêneo.

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necessidades coletivas. Sem dúvida, essa apreciação é produto típico do

desenvolvimento capitalista e vincula-se à dimensão instrumental da razão, uma vez

que considera as possibilidades emancipatórias da razão moderna. (FORTI;

GUERRA, 2010, p. 6).

Essa argumentação limitada ao senso comum não se fundamenta ao universo do

assistente social intelectual, pois cabe a ele enquanto um profissional que atua nas refrações

da questão social uma intervenção crítica, criativa e propositiva tendo como sustentação o

aparato teórico e metodológico, levando em consideração os fundamentos sócio-históricos e

ideoculturais que engendram as questões. “Sem descobrir os fundamentos reais da situação

histórico-social, não há análise científica possível”. (LUKÁCS, 1976, p. 15 apud FORTI;

GUERRA, 2010, p. 5).

Outra parte relevante na formação profissional do assistente social se refere à

indissociabilidade que é configurada na tríade constituída entre o supervisor acadêmico,

estagiário e supervisor de campo. Esse princípio instituiu o estágio enquanto uma atividade

didático-pedagógica que deve ser acompanhado pela supervisão conjunta do supervisor

acadêmico e de campo no que se refere ao planejamento, acompanhamento e avaliação do

processo de ensino-aprendizagem na figura do aluno. O processo de supervisão envolve

também a instituição de ensino e a instituição campo de estágio. A supervisão além de

“ensinar a prática” ao aluno estagiário representa um estímulo ao supervisor de campo, uma

vez que ao assumir a função pedagógica, está em constante aperfeiçoamento.

A supervisão direta de estágio em serviço social] configura-se em um processo

coletivo de ensino-aprendizagem, no qual se realiza a observação, registro, análise e

acompanhamento da atuação do(a) estagiário(a) no campo de estágio, bem como a avaliação do processo de aprendizagem discente, visando a construção de

conhecimentos e competências para o exercício da profissão. Esta avaliação deve ser

realizada continuamente, contemplando duas dimensões: a avaliação do processo de

estágio e a avaliação do desempenho discente, assegurando a participação dos

diferentes segmentos envolvidos (supervisores acadêmicos e de campo e

estagiários(as). (PNE, 2010, p. 15).

As DCs concebem a formação profissional onde a relação de ensino e aprendizagem

deve estar voltada para a dinâmica da vida social, indicando o caráter teórico-prático das

disciplinas. Sendo assim, Buriolla (2001) descreve que a matéria-prima da supervisão de

estágio está na atividade prática desenvolvida pelo assistente social supervisor e pelo

estagiário inseridos no contexto sócio-histórico-institucional. Essa prática se dá em meio às

relações sociais no espaço das instituições campo de estágio e se constituindo em uma

“atividade real, objetiva, sensível, isto é, prática”. (MARX; ENGELS, (1965) apud

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BURIOLLA, 2001, p.83). O espaço situado enquanto campo de estágio e a prática da

supervisão deve proporcionar ao aluno uma visão crítica e investigativa no cotidiano do

estágio, reafirmar o caráter social da profissão, apreender os limites e possibilidades das

respostas profissionais de acordo com as demandas apresentadas pelas expressões da questão

social.

A disciplina voltada para o estágio deve instigar o aluno a refletir sobre ser campo

de estágio, identificando e analisando suas limitações e possibilidades. Deve motivar

o aluno para pensar criticamente sobre a realidade, pois apenas quem pensa (reflete

sobre os fenômenos) tem condições de fazer escolhas, de construir melhores argumentos, de identificar as possíveis alianças, de captar as demandas explícitas e ,

sobretudo, as implícitas. (ORTIZ, 2010, p.124).

É extremamente relevante a relação estreita e direta estabelecida entre o assistente

social docente e o assistente social supervisor, proporcionando ao estagiário um

desenvolvimento contínuo e progressivo em suas atividades garantindo a consonância teoria-

prática. Para tanto, a disponibilização por parte do supervisor acadêmico do currículo pleno e

do programa da disciplina do estágio são indispensáveis a fim de que em uma proposta

conjunta, ambos os supervisores possam programar atividades que serão sugeridas ao

estagiário levando em consideração o seu nível de conhecimento e amadurecimento,

representando um progresso no decorrer do ciclo de estágio.

O conhecimento do currículo pleno e o programa da disciplina de estágio fornece ao

supervisor de campo informações para a construção de um plano de estágio de forma a

programar as atividades de acordo com o nível de conhecimento do estagiário e de maneira

progressiva. Esse plano de estágio deve ser compartilhado com a instituição acadêmica.

Embora devidamente respaldados por todo o aparato de resoluções, orientações e

leis, competentes seja ao estágio supervisionado e ao processo de supervisão, a sua devida

implementação não se realiza sem dificuldades e desafios, obstacularizando o processo de

formação do futuro assistente social.

Não raro, encontramos estagiários desempenhando o papel e a função do assistente

social supervisor de campo, sob a alegação de que desta forma o estagiário irá obter

autonomia e segurança em sua futura atuação. Vários fatores e desconformidades decorrem

desse equivocado argumento: - em primeiro lugar, estagiário não é sinônimo de força de

trabalho barata ou gratuita, podendo ter o seu processo de formação comprometido; - em

segundo lugar, não é levado em consideração o nível do arcabouço teórico, técnico e

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98

interventivo adquirido até então pelo estagiário; - em terceiro lugar, essa prática prejudica

diretamente a população usuária no que se refere à qualidade dos serviços; - em quarto lugar,

fere o princípio X do Código de Ética Profissional “Compromisso com a qualidade dos

serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da

competência profissional”; - em quinto lugar, representa prejuízo ao processo de supervisão

de estágio, enquanto atividade privativa do assistente social de campo.

O avanço do capital na contemporaneidade e as transformações decorrentes no

mundo do trabalho atingem de uma forma geral a classe de trabalhadores, e o assistente social

enquanto um trabalhador assalariado inserido na divisão social técnica do trabalho, vem tendo

o seu espaço e processo de trabalho afetados seja na diminuição de suas equipes, pela

precarização nas relações de trabalho, ou pela sobrecarga.

Além disso, podemos citar questões estruturais que dificultam esse processo de

formação:

a precarização nos campos de estágio e nas instituições de ensino, pela deficiência

de recursos materiais, físicos e humanos, a bolsa-estágio que não condiz com a

realidade de estudantes-trabalhadores, a massificação do processo de supervisão

acadêmica pelo número excessivo de estudantes, dentre outros. (PNE, 2010, p. 15).

O ensino superior brasileiro vem passando por um processo de expansão que se

iniciou em meados da década de 1990 e se estende até os dias atuais. Essa condição foi

estabelecida pelo Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRE)27

, no governo do então

presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1995.

Essa redefinição do Estado significou a redução da sua presença no âmbito da

produção e na área social, dessa forma, as políticas sociais foram direcionadas à parte da

população pauperizada, sem, no entanto, diminuir a pobreza e a desigualdade social. Na área

da educação, o ensino público superior seria um serviço não exclusivo do Estado e essas

instituições seriam transformadas em “organizações sociais”. A ideia é tornar o ensino um

sistema flexível, diversificado, competitivo e acima de tudo que represente uma redução de

gastos, deixando de ser um direito social e se transmutando em mercadoria. A LDB/1996,

intensificou a reforma do ensino superior no Brasil se constituindo num fator de expansão da

27

A centralidade dessa reforma consiste na redefinição do papel do Estado que reafirma, por um lado, o valor do

Estado democrático e republicano como a âmbito natural da justiça e como instância estratégica de

redistribuição de recursos, ao mesmo tempo em que ele é desmantelado, em função do esforço darwiniano do

mercado, procurando, a qualquer custo, a manutenção dos lucros. (CHAVES, 2010, p. 482).

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99

iniciativa privada nesse nível de ensino. Estabeleceu em seu Artigo 8028

, a regulamentação do

EAD podendo ser caracterizado por um lado, como uma modalidade de ensino que

proporciona ao setor privado uma grande e rápida expansão que se expressa nos lucros

gerados e por outro lado, abarca um segmento estudantil com uma parca situação financeira.

Seguindo essa lógica, o ensino superior no Brasil foi sendo transformado de forma a

favorecer a sua privatização e mercantilização assumindo algumas características principais

como a expansão do ensino superior no setor privado, o surgimento de uma gama de

instituições, a criação de oligopólios entre instituições privadas (seja por meio de compra ou

de fusão entre elas), além da abertura destas instituições nas bolsas de valores.

Essa reforma, em acordo com as recomendações do Banco Mundial para os países

da América Latina, fundamenta-se na lógica do mercado, na qualidade e na

eficiência do sistema (produtividade e qualidade total), na avaliação quantitativa

para concessão de recursos orçamentários, com controle finalístico, no

empresariamento do ensino superior público, por meio da captação de recursos no

setor privado. Ou seja, o mercado passa a assumir a centralidade, na reforma

republicana neoliberal. (CHAVES, 2010, p. 485).

A conjuntura nacional que se apresenta na contemporaneidade e particularmente na

área da educação, se expressa concomitantemente no comprometimento da formação

profissional e do processo de trabalho do assistente social, o que requer um processo de

análise dessa realidade que levem a propostas e respostas que reafirmem a construção do

projeto profissional. As entidades representativas da categoria profissional compõe um

coletivo denominado “Plano de Lutas em Defesa do Trabalho e da Formação e Contra a

Precarização do Ensino Superior”, reconhecido também como “GT Trabalho e Formação

Profissional”, constituído pela Portaria CFESS nº 25 em 03/11/2008. As entidades CFESS-

CRESS, ABEPSS e ENESSO, expressam a defesa intransigente dos Princípios Fundamentais

do Serviço Social e articulam atividades regionais e nacionais com o objetivo de fortalecer o

serviço social brasileiro e a sua direção ético-política.

28 “Art. 80º. O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada. § 1º. A educação a distância,

organizada com abertura e regime especiais, será oferecida por instituições especificamente credenciadas pela

União. § 2º. A União regulamentará os requisitos para a realização de exames e registro de diploma relativos a

cursos de educação a distância. § 3º. As normas para produção, controle e avaliação de programas de educação

a distância e a autorização para sua implementação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, podendo haver

cooperação e integração entre os diferentes sistemas. § 4º. A educação a distância gozará de tratamento

diferenciado, que incluirá: I - custos de transmissão reduzidos em canais comerciais de radiodifusão sonora e de

sons e imagens; II - concessão de canais com finalidades exclusivamente educativas; III - reserva de tempo

mínimo, sem ônus para o Poder Público, pelos concessionários de canais comerciais” (BRASIL, 1996, s/p).

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100

Verificamos cada vez mais o crescimento e propagação da ofensiva neoliberal

estabelecida pelos países imperialistas em nome da racionalização e da modernidade, em

confronto com o projeto ético-político que ganhou hegemonia no serviço social. Isso se dá por

meio das privatizações do Estado, pelo declínio na prestação dos serviços públicos, e pelo

desmonte dos direitos sociais em detrimento ao que foi estabelecido na Constituição Federal

de 1988.

Entendemos que o projeto societário em evidência inspirado no neoliberalismo que

traz como características a privatização do Estado, o desemprego, a desproteção social, a

concentração da riqueza nas mãos de poucos, precisa e deve ser combatido pelo projeto ético-

político do serviço social com todo o seu aparato ético, teórico, ideológico, político e prático-

social que preserva e reafirma os valores com o projeto de sociedade em consonância com os

interesses relacionados à massa da população.

Dessa forma, a garantia da manutenção da qualidade no processo de formação e no

processo de trabalho do assistente social está para além da vontade da categoria na

preservação e defesa do projeto profissional do serviço social, uma vez que vai de encontro ao

projeto neoliberal, e segundo Netto (2010), se constituindo um “atraso”, um “andar na

contramão da história”. E por isso, é fundamental o fortalecimento dos movimentos populares

e democráticos soterrados ante os avanços do neoliberalismo.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considero esse espaço oportuno para situar ao leitor o momento em que se deu a

maior parte da construção deste trabalho. Estou me referindo ao momento ímpar instalado no

mundo inteiro diante da pandemia29

estabelecida pelo novo coronavírus Covid-1930

, e

devidamente declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em 11 de março de 2020.

O atual contexto evidenciado pela crise pandêmica nos últimos meses tem trazido

impactos, os mais diversos e de proporções algumas vezes imensuráveis por todo o mundo,

quer seja nos campos econômico, social, cultural, educacional e principalmente no que se

refere à saúde, ou seja, se inseriu nas várias dimensões da vida social.

O presente trabalho não está relacionado diretamente ao meu campo de estágio, mas

às indagações e inquietações que surgiram com a minha chegada ao campo, pois desde o

primeiro dia passei a vivenciar experiências como a correlação de forças, a dificuldade de um

trabalho interdisciplinar, um total desconhecimento por outros profissionais que compõem e

atuam no mesmo cenário que os assistentes sociais sobre as suas atribuições e competências,

dentre outras situações.

Aos poucos, o entendimento desta realidade presente no campo de estágio me levou

à escolha do tema e objeto do TCC. Tendo como base de estudos a leitura de autores

consagrados já listados, estruturei o trabalho trazendo na primeira seção uma breve

historicidade do serviço social no Brasil, desde o seu surgimento até o momento de intenção

de ruptura com o serviço social conservador no início dos anos 1980. Ao fazer esta análise,

tive a intenção de proporcionar ao leitor um panorama sobre o surgimento da profissão do

assistente social e o seu desvelamento em contrapartida ao senso comum vinculado às práticas

de filantropismo e ao assistencialismo tão enraizado e propagados ainda nos dias de hoje,

contribuindo dessa forma para o processo de desconstrução do que chamamos de protoformas

do serviço social.

29 A Organização Mundial de Saúde (OMS), estabelece o conceito de pandemia atribuído a uma doença quando ela transpõe uma determinada região, e se alastra por vários continentes evidenciada pela “transmissão

sustentada” de uma pessoa a outra. 30 A COVID-19 é uma doença causada pelo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, que apresenta um espectro

clínico variando de infecções assintomáticas a quadros graves. De acordo com a Organização Mundial de

Saúde, a maioria (cerca de 80%) dos pacientes com COVID-19 podem ser assintomáticos ou

oligossintomáticos (poucos sintomas), e aproximadamente 20% dos casos detectados requer atendimento

hospitalar por apresentarem dificuldade respiratória, dos quais aproximadamente 5% podem necessitar de

suporte ventilatório. (MINISTÉRIO DA SAÚDE in: https://coronavirus.saude.gov.br/sobre-a-doenca.

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102

É possível inferir na segunda seção, passados mais de 40 anos da sua realização, a

relevância histórica do III CBAS (1979), e a sua real representação no que se referiu a uma

nova cultura profissional do serviço social no Brasil, marcando também a delineação e

construção do projeto ético-político da profissão.

E muito embora o surgimento do serviço social brasileiro esteja imbricado às práticas

filantrópicas e assistencialistas, atualmente no cenário internacional ele se destaca devido a:

[...] sua organização política da categoria em todo o território nacional; da existência

de parâmetros jurídico-políticos orientadores da formação e do exercício

profissional e da condição de área de pesquisa e produção de conhecimentos. [...] Dotar os objetos da intervenção direta e imediata (prática) em objetos de

conhecimento, operando sistematizações e contribuições com o acervo das ciências

humanas e sociais numa perspectiva crítica e prospectiva. (MOTA; RODRIGUES,

2020, p. 200).

Essa característica do serviço social brasileiro é atribuída ao processo de renovação,

que se constituiu na busca da ruptura com o serviço social tradicional, face à sua

movimentação e adesão às demandas sociais e políticas das classes trabalhadoras no final dos

anos 1970. Momento também em que cresceu a produção intelectual visto a implementação

da pesquisa e programas de pós-graduação reforçando a “massa crítica”, termo usado por

Netto, 2015. Por ocasião da abertura política e democrática no Brasil, o serviço social

estabeleceu a sua aproximação direta com a tradição marxista se constituindo num legado da

renovação profissional do serviço social.

Em 1996, o projeto de formação crítica continuou a se afirmar com a materialização

das Diretrizes Curriculares, trazendo à cena novos elementos contributivos ao reforço da

direção social e do processo de trabalho dos assistentes sociais.

O combate às concepções voluntaristas, messiânicas e fatalistas da profissão se fez

com discussões sobre os limites da intervenção profissional no âmbito da divisão

social e técnica do trabalho; a problemática social foi teorizada enquanto expressão

da questão social; as políticas sociais foram compreendidas no âmbito das

contradições sociais da sociedade que explora o trabalho alheio e acumula riqueza

privada, enquanto o Estado foi analisado a partir das relações antagônicas entre

classes fundamentais. (MOTA; RODRIGUES, 2020, p. 202).

Essa cultura profissional teve o seu embrião entre os anos 1974 e 1976 por meio da

experiência do Método de BH, mas que somente ganhou vulto além do âmbito universitário

com o III CBAS em 1979. Momento em que a profissão estabeleceu uma direção social

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apoiada na tradição teórica de Marx e colidindo com os ditames do grande capital, expressos

nas produções teóricas com caráter mais relevante na área do serviço social à época, pela

atuação política das entidades representativas da categoria profissional, pelo Código de Ética

e pela Lei de regulamentação da profissão, ambos de 1993 e pelas Diretrizes Curriculares de

1996.

Os primeiros quatro períodos que antecederam à minha entrada no campo de estágio

foram repletos de textos, teorias e embasamentos nos campos ético-político, teórico-

metodológico e técnico-operativo. Tudo parecia muito distante da minha realidade, e na

verdade, realmente essa suposição não era falsa, e pairava no ar o jargão “na prática a teoria é

outra?”

Eu, como tantos outros discentes do curso de serviço social, fiz a opção por esta

graduação sem uma verdadeira concepção a respeito da profissão, pois entender o que é um

assistente social, o que ele faz, como faz e por que faz, requer também o entendimento das

relações sociais estabelecidas no mundo do trabalho e que são inerentes ao modo de produção

capitalista. E, portanto, essa percepção e compreensão da realidade e da sociedade em sua

totalidade vêm sendo construída paulatinamente desde o primeiro período da graduação.

O quinto período, momento em que se deu a minha entrada no campo de estágio,

representou um divisor de águas. E aquela sensação de distanciamento da realidade foi dando

lugar a uma conexão cada vez mais intensa entre a minha unidade de ensino e o meu campo

de estágio, estabelecida com a integração e indissociabilidade entre o binômio teoria-prática e

a importância no processo de formação na relação estabelecida entre supervisor acadêmico-

estagiário-supervisor de campo, a despeito das dificuldades institucionais e diante do contínuo

e ininterrupto avanço do projeto neoliberal.

No processo do conhecimento, a teoria e a prática, como elementos de naturezas

diferentes – ou, se preferirmos, como polos opostos -, se confrontam todo momento:

questionam-se, negam-se e superam-se, a ponto de encontrarem uma unidade que é

sempre histórica, relativa e provisória. Não obstante, a teoria e a prática mantêm sua

especificidade e sua autonomia. (FORTI; GUERRA, 2010, p. 18).

Dado o exposto, a premissa de que na prática a teoria é outra, é falsa. Pois é por meio

do conhecimento (teoria) que a ação profissional será refletida, proposta e executada levando

em consideração a direção social, o seu significado e as implicações derivadas do agir

profissional.

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Na terceira seção, elencamos os elementos que se caracterizaram como avanços e

retrocessos ao processo de estágio supervisionado em serviço social, destacando a sua

centralidade na formação do assistente social, sendo concebido como um processo

pedagógico e obrigatório para a conclusão do curso de bacharelado.

No entanto, o tempo presente nos reserva mais dois grandes obstáculos que se

constituem como um grande entrave e porque não dizer que se substancializaram como um

real retrocesso aos processos de formação e de trabalho do assistente social: O processo em

via na atualidade denominado como conservadorismo reacionário, agudizado pela crise

pandêmica estabelecida em março de 2020.

A pandemia pelo Covid-19 impôs ao mundo muitas medidas a fim de conter a

propagação do vírus, e dentre elas, foi estabelecido o isolamento social que aconteceu de

formas e em tempos diferentes nos vários países, pois eles têm adequado essas e outas

medidas de acordo com o avanço ou regressão do processo de contaminação pelo Covid-19.

No Brasil, as medidas de isolamento transformaram o processo de ensino em todos

os níveis. As atividades presenciais foram suspensas dando lugar às atividades remotas,

denominadas como ensino remoto emergencial, e muitas são as dificuldades e desafios31

que

se estabeleceram para a sua efetivação [ou para a sua “não efetivação”] no meio dos docentes

e discentes em todo o território nacional.

No nível superior de ensino, o MEC na Portaria nº 1038, de 07 de dezembro de

202032

, alterou as portarias anteriores, a nº544 e a nº 1030, no que se refere à substituição das

aulas na forma presencial por aula em meio digital, ficando determinado para 01 de março de

2021 o retorno às aulas presenciais. (UNIÃO, 2020).

Dentro desses parâmetros, as instituições públicas, corpo técnico, docentes, discentes

têm se desdobrado para na medida do possível e do impossível dar conta do ensino

emergencial. O fato é que essa modalidade tem se mostrado “cara” quando pensamos em

termos de qualidade do ensino, pois a unidade de formação ensino-pesquisa-extensão está no

31 Dificuldades e desafios que se estabelecem desde a falta de acesso à internet ou a sua qualidade, não ter um

computador ou outro tipo de equipamento adequado, não saber usá-lo e/ou não dispor de conhecimento para

manuseio da tecnologia, etc. 32 Altera a Portaria MEC nº 544, de 16 de junho de 2020, que dispõe sobre a substituição das aulas presenciais

por aulas em meio digitais, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19, e a

Portaria MEC nº 1.030, de 1º de dezembro de 2020, que dispõe sobre o retorno às aulas presenciais e sobre

caráter excepcional de utilização de recursos educacionais digitais para integralização da carga

horária das atividades pedagógicas, enquanto durar a situação de pandemia do novo coronavírus - Covid-19.

In: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mec-n-1.038-de-7-de-dezembro- de-2020-292694534>

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momento fraturada. As conversas, as trocas, os fomentos, as experiências, foram

transformadas em um grande vácuo, pois as relações agora estabelecidas entre docentes e

discentes, e entre os companheiros de turma foram limitadas a uma tela.

E, para além disso, tememos ainda mais neste momento, que a exceção seja tornada

regra, e que o Ensino Remoto Emergencial (ERE) em via estabelecido pela pandemia do

Covid-19, venha a abrir espaços para a contínua precarização do ensino e da sua

mercantilização, expandindo ainda mais a modalidade de ensino EAD, e que este passe a

configurar nas instituições públicas de ensino superior como um novo normal, ou seja, que o

ERE sirva como uma ponte para que se estabeleça a modalidade à distância em detrimento do

ensino presencial. Isso sem discutirmos o corte no orçamento destinado às universidades

federais33

e o projeto ‘Future-se’ (PL 3076-2020)34

.

As modalidades citadas acima não são sinônimos e achamos conveniente diferenciá-

las a seguir. Segundo Patrícia A. Behar (2020), No que se refere ao ERE, o termo remoto

implica o distanciamento geográfico entre docentes e discentes imposto por um decreto que

impede o funcionamento das instituições, e o termo emergencial significa que as atividades

pedagógicas até então planejadas para o ano letivo de 2020, tiveram que ser remodeladas e

ajustadas para serem mediadas via internet, e o fato é que os currículos das instituições não

foram criados para esse meio de disseminação. Ocorreu dessa forma, a substituição do ensino

presencial por aulas online e ambientes virtuais.

Podemos dizer que o que iria talvez ocorrer na educação em uma década acabou acontecendo de forma “emergencial” em um, dois ou três meses. Os professores

estão aprendendo mais do que nunca a criar aulas online, testando, errando,

ajustando e se desafiando a cada dia. Cabe enfatizar que as atividades remotas

emergenciais não são só videoaulas. Nesse tipo de atividade, o professor tem que

33 Segundo informações da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior

(Andifes), o Ministério da Educação (MEC), tem planos de cortar R$994,6 milhões dos recursos totais

destinados às universidades e instituições federais de ensino em 2021. Mesmo com um aumento de 1,56%

acima para o estabelecido em 2020 para esses estabelecimentos de ensino, esse aumento percentual é destinado

ao pagamento de despesas obrigatórias como os salários e aposentadorias. O mesmo não ocorreu para as

despesas não obrigatórias como os pagamentos das contas de água, luz, serviços e assistência estudantil que

são essenciais para o funcionamento das instituições. Para uma maior compreensão, sugiro a leitura em: https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/09/10/corte-de-quase-r-1-bi-para-universidades-federais-e-

mantido-mesmo-com-alteracao-no-orcamento-do-mec-para-2021-dizem-reitores.ghtml. 34 O “Future-se” é um projeto do Ministério da educação (MEC) que após ser analisado pela Câmera, passou a

tramitar como PL 3076/2020. Em sua proposta, cuja adesão é voluntária, as universidades federais são

estimuladas a fazerem parcerias público-privadas, pois o ministério entende ser esse um meio de financiar o

ensino público e não de privatizá-lo. Em sua visão, seria uma maneira de que as universidades não tivessem

suas atividades prejudicadas aos cortes orçamentários, firmando parcerias entre a União, as universidades e as

organizações sociais. Mais informações em:

<https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2254321> .

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participar ativamente do conteúdo, interagindo ao vivo com seus alunos e

organizando tarefas para serem realizadas e postadas ao longo da semana na

plataforma selecionada pela instituição. (BEHAR, 2020, s/p).

Por outro lado, Patrícia A. Behar (2020) enfatiza que a modalidade EAD pressupõe a

criação de um modelo pedagógico o qual estejam incluídos os atores dessa modalidade, quer

sejam os docentes, discentes, tutores, gestores e demais envolvidos em tais atividades. O

modelo pedagógico é formado por uma “arquitetura pedagógica” que dispõe dos aspectos

organizacionais, de conteúdo, metodológicos, tecnológicos e as estratégias pedagógicas que

serão utilizadas. Assim, nessa modalidade o processo de ensino e aprendizagem se dá pela

utilização de meios e tecnologias de comunicação e informação previamente estabelecidas e

com uma abrangência geográfica diversa entre os envolvidos, seu funcionamento ocorre por

meio de uma concepção didático-pedagógica própria.

Vivemos na atual conjuntura brasileira sob um projeto conservador, e segundo as

autoras Elizabete Mota e Mavi Rodrigues (2020), o conservadorismo moderno que surgiu

contrapondo-se ao Iluminismo do século XVIII35

vem se metaforseando e se adequando às

necessidades da manutenção do capitalismo diante das lutas de classes.

O pensamento conservador dominante nos anos 1980 já não se manifesta na

atualidade da mesma forma. Agora, ele expressa claramente o seu teor de conservantismo,

declara ódio aos negros, mulheres gays e demais segmentos denominados (de forma

equivocada) minorias sociais.

[...] o conservadorismo avançou em termos políticos, adensou-se ideologicamente,

expressa-se no cotidiano e nas instituições, avança sobre a produção de

conhecimento, demarca posições na batalha das ideias, confere conteúdo a decisões da política econômica dos estados capitalistas e entrelaça-se com outras matrizes

como o liberalismo e o pragmatismo. No debate filosófico, tenta se passar como se

fosse uma “forma de ser” própria de sujeitos “prudentes” (KIRK, 2014) e

preocupados com a “manutenção da ordem”. Essas características denotam a

ampliação e o aprofundamento da influência conservadora sobre o conjunto da

sociedade [...]. (SOUZA, 2018, p. 38-39 apud MOTA; RODRIGUES, 2020, p. 203).

O conservadorismo não se apresenta com um propósito ideológico próprio, pelo

contrário, ele se constitui de ideias diversas e mesmo controversas, a exemplo do

35 O Iluminismo surgiu no começo do século, e teve grande influência sobre os intelectuais e a burguesia daquele

período em toda a Europa. Esse movimento defendia valores do humanismo e da razão, colocando o ser

humano e a busca pelo conhecimento científico como as fontes das quais deveriam emanar todo o poder e as

decisões da sociedade. No pensamento iluminista, não havia mais espaço para monarcas com poderes

absolutos nem para a crença religiosa como a fonte para justificar estruturas de poder. (CORRADINI, 2019,

s/p).

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libertarianismo, fundamentalismo religioso e um anticomunismo reciclado36

. Mas essas ideias

convergem para ideários comuns nas questões morais e políticas, sobre a propriedade e o

mercado e santificação da família. Também menosprezam as conquistas e direitos sociais e do

trabalho.

Sua pauta comportamental retrógrada, sob o argumento da defesa da família

tradicional, monogâmica e cristã, contra a homossexualidade e os direitos da mulher

e dos negros, se integra perfeitamente à pauta econômico-social brutalmente

regressiva, através de contrarreformas do Estado, do ajuste fiscal e de medidas que

requerem o recrudescimento da coerção, do silenciamento das divergências e o

retrocesso no conjunto das práticas sociais. Essencialmente antimoderno no

conteúdo, mas moderno na forma, esse novo conservadorismo de tipo reacionário

faz uso de ferramentas e estratégias high techs e de inovações tecnológicas, como a

utilização intensa das redes sociais e robôs. (MOTA; RODRIGUES, 2020, p. 203-4).

Embora o conservadorismo seja manifestado pela classe dominante, ele consegue se

inserir também no meio das classes subalternas e no senso comum, atribuindo justificativas

para as dificuldades do cotidiano e da crise, com razões abstratas. Dessa forma, atrai para si

frações dos trabalhadores, uma porção da pequena burguesia e o lumpemproletariado.37

Assim, de forma moralmente legítima, as classes trabalhadoras tomam como suas os

costumes e ideias propagandeadas pelos aparelhos privados de hegemonia da direita. E

assistem ao que se tornou conveniente chamar de “arrumar a casa”, que em outras palavras

significa:

desregulamentar e flexibilizar a legislação do trabalho, desmontar as políticas

sociais, abrir e escancarar a economia e as riquezas nacionais ao capital

internacional, privatizar as empresas estatais, desmontar a Previdência Social,

desqualificar os servidores e os serviços públicos, destruir a educação superior e

cortar gastos de setores públicos essenciais. (MOTA; RODRIGUES, 2020, p. 205).

36O Libertarianismo é uma ideologia política que tem a liberdade enquanto seu objetivo político e principal

valor. É abraçada tanto pela direita quanto pela esquerda. Os libertários de esquerda associam de várias “formas

o socialismo com os ideais de liberdade e de abolição de instituições autoritárias”, e os de direita defendem o

livre mercado e a associação dos sujeitos de forma voluntária. (MATTOS, 2017). O conceito de

fundamentalismo religioso está na crença sobre a dominação e superioridade dos próprios valores religiosos

desrespeitando o do próximo. Ocasionando uma agressão ao direito individual de liberdade e fé, trazendo

conflitos como violência, discriminação, bullying e conflitos armados. (KIEFER, 2018). Sobre o termo

anticomunismo reciclado: Para muitas figuras da direita atual não existe diferença apreciável, eles veem o petismo como a última encarnação do perigo comunista, por isso a utilização da expressão comunopetismo. A

recusa integral e militante ao petismo em muito se assemelha à tradição anticomunista, da qual líderes da

direita atual se apropriaram para atacar os governos liderados pelo PT. Nesse sentido, os mitos e o imaginário

anticomunista têm sido reciclados para dar corpo a algumas representações antipetistas, de maneira a mobilizar

sentimentos de repulsa ao PT, a seus líderes e seus candidatos. (MOTTA, 2018, p. 432). 37De acordo com o dicionário do pensamento marxista, a expressão lumpemproletariado enfatiza que “em

condições extremas de crise e de desintegração social em uma sociedade capitalista, grande número de pessoas

podem separar-se de sua classe e vir a formar uma massa “desgovernada”, particularmente vulnerável às

ideologias e aos movimentos reacionários.” (GUIMARÃES, 1988, p. 223).

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A cultura profissional que ganhou forma a partir do Congresso da Virada vem

conseguindo manter-se fortalecida e perpetuada. Porém, diante do atual contexto político e

econômico que se apresenta a nível mundial e nacional, e tendo como destaque a crise

capitalista, os desafios que por ora se apresentam ao serviço social são complexos.

Dentre as inovações na forma de expressão deste conservadorismo que penetra a

profissão na atualidade, está a sincrética união de modernas ideologias mercadológicas, típicas da era neoliberal, como o individualismo, a concorrência, o

empreendedorismo dos cidadãos-consumidores e a filantropia empresarial. (MOTA;

RODRIGUES, 2020, p. 207).

O serviço social tem enquanto projeto ético-político a formação de uma sociabilidade

libertária e emancipatória, e é por meio da unidade entre as dimensões ética, teórica,

ideopolítica e técnica que pode ser assegurada a resistência ao projeto conservador, seja no

âmbito da pesquisa, formação e em seu processo de trabalho. Há de se reforçar também a

conexão com as entidades representativas da categoria dos assistentes sociais junto aos

movimentos socais – como os movimentos de mulheres, de negros e negras, LGBTI+, dos

povos originários e os atingidos por barragens, pela destruição ambiental urbana e rural, pelas

violências etc.

E, principalmente, unificar a luta política com a luta teórica, porque “sem política

não teríamos tido a renovação crítica do Serviço Social brasileiro, mas sem Marx também não

iríamos muito à frente do militantismo, do fatalismo e do messianismo que tanto seduziram e

seduzem o Serviço Social brasileiro”. (MOTA, 2019, p. 170 apud MOTA; RODRIGUES,

2020, p. 208).

Dado o exposto, e a partir deste Trabalho de Conclusão de Curso cuja maior parte de

sua produção se deu em meio à pandemia estabelecida pelo Covid-19, acho de extrema

relevância para futuras pesquisas, pensar nos novos desafios, limites e implicações colocados

ao estágio supervisionado dentro do contexto do ensino e trabalho remoto.

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