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EMBLEMÁTICA MARIANA NA IGREJA DO ANTIGO RECOLHIMENTO DE N. S. DA CONCEIÇÃO DE OLINDA (PERNAMBUCO) E SEUS MODELOS EUROPEUS Rubem Amaral Jr. A igreja de N. S. da Conceição de Olinda 1 , que pertenceu, do século XVI ao XIX, a um dos primeiros recolhimentos de mulheres criados no Brasil, é uma das mais vetustas instituições religiosas da primitiva capital de Pernambuco 2 . 1 O povoado de Olinda, fundado em 1535 por Duarte Coelho Pereira, primeiro donatário da Capitania de Pernambuco, foi elevado a vila em 1537 e permaneceu como capital até 1827, quando a sede do governo foi transferida para o Recife. 2 As informações anteriores ao século XX sobre o Recolhimento de N. S. da Conceição são muito escassas, imprecisas e, por vezes, contraditórias, por não se terem conservado seus arquivos coloniais. Há dúvidas sobre a data de sua construção. O portal do IPHAN sobre Olinda na Internet indica o ano de 1569. Segundo Suely de Almeida, que a considera seguramente a mais antiga casa de reclusão feminina do Brasil, suas origens devem remontar a iniciativa dos Jesuítas quando desejavam auxiliar as índias e órfãs pernambucanas por volta de 1560, tendo a mesma ficado sob a responsabilidade da Irmandade de N. S. da Conceição. É certo, porém, que o templo já existia em fins de 1585, quando essa congregação reuniu-se para lavrar escritura de doação de sua igreja, da mesma invocação, mais algumas casas a ela contíguas, utilizadas para serviço da confraria, e terrenos anexos, à Terceira regular D. Maria da Rosa, abastada viúva de Pedro Leitão, altura em que teria sido edificado o recolhimento, mediante ampliação das casas existentes, à custa de Maria Rosa, com a cooperação de amigas e companheiras de hábito da Ordem Terceira de S. Francisco, que com ela ali se recolhem a partir de então, transferindo-se do retiro de N. S. das Neves, também por ela fundado e onde já vivia reclusa desde que enviuvara, o qual doara Fig. 1. Igreja do antigo Recolhimento de N. S. da Conceição de Olinda (Pernambuco), Brasil

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EMBLEMÁTICA MARIANA NA IGREJA DO ANTIGO RECOLHIMENTO DE N. S. DA CONCEIÇÃO DE OLINDA

(PERNAMBUCO) E SEUS MODELOS EUROPEUS

Rubem Amaral Jr.

A igreja de N. S. da Conceição de Olinda1, que pertenceu, do século XVI ao XIX, a um dos primeiros recolhimentos de mulheres criados no Brasil, é uma das mais vetustas instituições religiosas da primitiva capital de Pernambuco2.

1 O povoado de Olinda, fundado em 1535 por Duarte Coelho Pereira, primeiro donatário da Capitania de Pernambuco, foi elevado a vila em 1537 e permaneceu como capital até 1827, quando a sede do governo foi transferida para o Recife.

2 As informações anteriores ao século XX sobre o Recolhimento de N. S. da Conceição são muito escassas, imprecisas e, por vezes, contraditórias, por não se terem conservado seus arquivos coloniais. Há dúvidas sobre a data de sua construção. O portal do IPHAN sobre Olinda na Internet indica o ano de 1569. Segundo Suely de Almeida, que a considera seguramente a mais antiga casa de reclusão feminina do Brasil, suas origens devem remontar a iniciativa dos Jesuítas quando desejavam auxiliar as índias e órfãs pernambucanas por volta de 1560, tendo a mesma ficado sob a responsabilidade da Irmandade de N. S. da Conceição. É certo, porém, que o templo já existia em fins de 1585, quando essa congregação reuniu-se para lavrar escritura de doação de sua igreja, da mesma invocação, mais algumas casas a ela contíguas, utilizadas para serviço da confraria, e terrenos anexos, à Terceira regular D. Maria da Rosa, abastada viúva de Pedro Leitão, altura em que teria sido edificado o recolhimento, mediante ampliação das casas existentes, à custa de Maria Rosa, com a cooperação de amigas e companheiras de hábito da Ordem Terceira de S. Francisco, que com ela ali se recolhem a partir de então, transferindo-se do retiro de N. S. das Neves, também por ela fundado e onde já vivia reclusa desde que enviuvara, o qual doara

Fig. 1. Igreja do antigo Recolhimento de N. S. da Conceição de Olinda (Pernambuco), Brasil

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Do ponto de vista arquitetônico, é bastante modesta, com uma só torre qua-drada recuada ao lado com pilastras terminadas em coruchéus nos quatro ângulos e coroamento em forma de bulbo, entrada com pórtico de três arcadas frontais e uma a cada lado, janelas frontais e laterais sobre os arcos, frontão rococó recortado em curvas e contracurvas com volutas e dois coruchéus nas extremidades, e apenas uma nave (Fig. 1). Os antigos altares laterais foram suprimidos. Embora seja a única em Olinda com esse estilo, não sobressai numa cidade que conta com numerosos edificios religiosos coloniais imponentes e artisticamente mais bem dotados, razão pela qual não tem despertado maior atenção dos estudiosos, que pouco se lhe re-ferem. Maior destaque tem sido dado às outras poucas obras de arte que contém3.

Sob o prisma da emblemática aplicada, na qual concentra-se nosso especial enfoque e, pelo que se conhece até agora, conta com pouquíssimos exemplos na arquitetura brasileira, reveste-se de especial importância o forro da nave (Figuras 2 e 3), sobre o qual só encontramos geralmente referências muito superficiais quanto ao seu significado, ainda hoje por vezes descrito, erroneamente, como cenas da vida de Nossa Senhora. Seu muito menor impacto visual de conjunto, se compa-rado, por exemplo, às extraordinárias pinturas ilusionistas, de perspectiva, de outras

no referido ano aos frades capuchinhos, então chegados a Olinda para fundar uma Custódia. (Maria José Rosado Nunes considera que a Capela das Neves teria sido o primeiro recolhimento erigido pela ação de mulheres no Brasil, em 1575/76, contra a opinião de Fr. Antônio de Santa Maria Jaboatão, que diz que «esta casa [...] nunca foi, nem era Recolhimento em forma»). Assim, o humilde recolhimento para índias e mulheres pobres passa a acolher mulheres nobres virtuosas. Jaboatão atribui a Maria Rosa a fundação do Recolhimento da Conceição, datando-a de 1585. Quando os holandeses invadiram Pernambuco em 1630, as recolhidas fugiram, abandonando a casa que foi parcialmente destruída no incêndio de Olinda de 1631. Expulsos os holandeses em 1654, foi o recolhimento anos depois recons-tituído por iniciativa do Mestre-de-Campo João Fernandes Vieira, herói da restauração pernambucana. Os historiadores atuais divergem quanto à sua destinação a partir dessa época. Segundo o Pe. Antônio Barbosa, passou a funcionar como casa religiosa de recolhimento para mulheres abandonadas. Suely de Almeida, por sua parte, crê que a instituição ficou desativada de 1631 até 1676. Em 1666, em decorrên-cia de dificuldades financeiras, foi ela confiada à administração da Santa Casa de Misericórdia, à qual a Irmandade de N. S. da Conceição transferiu seu patrimônio, pois a doação de 1585 havia caducado. Em 1676, enquanto para o Pe. Barbosa teria ela voltado à sua finalidade de recolhimento de mulheres que desejavam viver uma vida de penitência e oração, Suely de Almeida afirma que passou a ser prisão de mulheres consideradas de mau comportamento pelos padrões do tempo. À época, tentativas de obter autorização régia para transformá-la em convento de freiras, tanto da parte de Fernandes Vieira quanto do primeiro Bispo de Olinda, D. Estêvão Brioso de Figueiredo, que também fez consideráveis despesas para sua reedificação, não lograram obter a permissão do monarca português. Já na segunda década do século XVIII, no episcopado de D. José Fialho, foram feitos diligentes consertos na casa, que se encontrava em decadência, e impôs-se uma nova ordem para as recolhidas, fazendo-as todas Terceiras do Carmo, recebendo orientação dos carmelitas. Segundo Pereira da Costa, por muitos anos regeu-se o estabelecimento pelo estatuto do recolhimento da Glória do Recife, na parte que lhe era exequível, até que teve um regulamento próprio dado pelo bispo diocesano D. João da Purificação Marques Perdigão, em 18.01.1862. As recolhidas trajavam o hábito de N. S. da Conceição, em virtude de um breve do núncio apostólico D. Lourenço, arcebispo de Nisibi, dado no Rio de Janeiro em 22.04.1811, e placita-do pelo governo no dia 27 do mesmo mês. Em 1914, a convite do Bispo de Olinda e Recife D. Luiz de Brito, as Irmãs Dorotéias, vindas do Recife, instalaram seu Noviciado no Convento da Conceição, onde permaneceu até 1972. Foi desde então convertido em centro de reuniões, estudos, retiros e outras atividades pastorais e sociais dessa ordem. Cf. Almeida, 2005, pp. 26-28, 159 e 206-215; Nunes, 1997, p. 485; Jaboatão, 1858, pp. 383-386; Barbosa, 1983, p. 7; Pereira da Costa, 1983, pp. 551-556; Müller, 1945, pp. 91-92 e 154.

3 Barbosa, 1983, pp. 7-8.

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igrejas barrocas e rococós brasileiras, terá sido responsável pela pouca atenção que lhe tem sido dedicada, ao ponto de um historiador das igrejas de Olinda, no capí-tulo sobre arte sacra, a propósito do Convento das Noviças Dorotéias (Conceição) limitar-se a reproduzir parcialmente um breve comentário de especialista local, no sentido de serem dignas de observação as pinturas do teto «pelo senso de arbi-trário e de simultâneo», desprezando o restante da frase, que prosseguia: «somente comparáveis às concepções suprarrealistas de nossos dias, despertam curiosidade» ; bem como a transcrever trecho de relato da visita de outro especialista, segundo o qual havia no referido convento «um ar de profundo recolhimento e de paz interior... E esse recolhimento e essa paz interior, com o Santíssimo exposto, va-leram por qualquer outra sugestão de arte» . O grande sociólogo Gilberto Freyre, certamente fazendo eco aos testemunhos dos franceses Louis Léger Vauthier e Louis-François Tollenare, que visitaram o recolhimento respectivamente em 1817 e 1840, só lembrou-se de exaltar os célebres e muito apreciados ‘doces-de-freiras’ que ali se vendiam desde os princípios do século XIX. Vauthier chegou a dizer: «Nada de notável no convento» . Mas nenhuma indicação assegura que os painéis já existissem à época de sua visita.

Em contraste com essas manifestações pouco animadoras, Géo-Charles, desig-nando o antigo Recolhimento da Conceição apenas como «convento das religio-sas de Olinda», considerou-o notável, sobretudo por algumas telas [sic] ingênuas que possui a capela e, embora não tenha atinado com o seu significado, as des-crições que faz de seus temas coincide exatamente com as representações de certas

Fig. 2. Forro da Igreja do antigo Recolhimento de N. S. da Conceição de Olinda (vista parcial desde o coro)

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invocações da Ladainha nos painéis4. Por sua vez, Germain Bazin, que incorre par-cialmente no frequente engano de se descrever esses quadros como «cenas da vida da Virgem e Litanias», considera-as uma das mais belas obras da pintura do século XVIII em Pernambuco5.

Compõem o forro dezessete painéis planos de tipo caixão, retangulares bilo-bados, pintados a óleo sobre madeira, sendo três maiores (aprox. 3 m x 1,5 m), dispostos em sequência no centro, longitudinalmente ao eixo da nave, e quatorze menores (aprox. 2 m x 1 m), na cercadura, assim distribuídos: dois em cada uma das extremidades, acima do coro e do arco da capela-mor, e cinco ao longo de cada parede lateral, encaixilhados individualmente em molduras tríplices lineares douradas, de diferentes larguras, bastante simples.

Embora o historiador pernambucano Pereira da Costa, nas primeiras décadas do século passado, já houvesse reconhecido que se tratava da representação sim-

4 Géo-Charles, 1956, p. 72. É a seguinte a tradução do texto francês: «O convento das religiosas de Olinda é notável sobretudo por algumas telas ingênuas que sua capela possui. São de uma admirável poesia e de um colorido muito seguro. Elevam-se ali, para nossa alegria e nosso amor, Virgens floridas pousadas numa árvore, ou na lua, um galo maior do que a árvore que o sustenta, um sol poente, ver-melho e redondo como um queijo da Holanda». Não sei se o termo ‘telas’ constitui tradução exata do original francês.

5 Bazin, c. 1983, p. 127. A edição original francesa é de 1956.

Fig. 3. Forro da Igreja do antigo Recolhimento de N. S. da Conceição de Olinda (vista parcial desde o altar)

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bólica da Ladainha6, a única referência recente que a eles encontrei, com a correta identificação, embora parcial, do tema e dos modelos em que se basearam, ainda assim muito sucinta, deve-se a Myriam de Oliveira, em seu belo e pioneiro estudo sobre o rococó religioso no Brasil, onde, porém, só menciona «duas das Ladainhas da Virgem calcadas na Letaniae Lauretanae de Franz Xaver Dornn» . Na realidade, dos dezessete painéis, quatorze simbolizam invocações seguramente modeladas nas gravuras feitas pelos irmãos Klauber sob a inspiração teológica do Pe. Ulrich Pro-bst, S.J., que ilustram a referida obra, publicada inicialmente em 17507. Dos três restantes, penso que os dois sobre o coro representam, respectivamente, s. José com o Menino Jesus ao colo e sta. Catarina de Sena recebendo de Jesus Crucificado o anel de suas núpcias espirituais, enquanto que o painel lateral contíguo ao dela retrataria a Virgem com o Menino entregando o rosário a s. Domingos de Gusmão.

Nada consegui apurar com certeza acerca da autoria dos painéis, da época em que foram executados e por conta de quem. No entanto, a evidência de sua fi-liação a uma determinada versão das gravuras da Litaniae Lauretanae estabelece naturalmente um limite a quo, ou seja, o da segunda edição dessa obra em 1758, mas nada garante haver sido esta a que serviu de modelo. No restante do século

6 Pereira da Costa, 1983, p. 556.7 Carrasco Terriza, 2001, pp. 17-26.

Fig. 4. Agnus Dei Qui Tollis Peccata Mundi: Painel do forro

Fig. 5. Agnus Dei qui tollis Peccata Mundi: Gravura da Paraphrase des Litanies…, Augsburgo, 1781

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XVIII, e ainda durante o XIX, as estampas dos Klauber ou de outros artistas nelas calcadas, com textos de Dornn ou de outros autores, em especial, a partir de 1850, as meditações do abade Eduardo Barthe, tiveram seguidas reimpressões e reedições no original latino (1754, 1758 e 1771), em alemão (1754, 1763, 1768, 1809, 1831 e 1840), em castelhano (1763, 1768, 1798, 1834, 1852, 1853, 1856, 1865, 1883, 1899 e 1900), em francês (1781, 1850, 1851, 1853, 1858, 1866 e 1895), em inglês (1853, 1856 e 1878), em italiano (1845, 1855 e 1860) e em neerlandês (1760). Assim sendo, dependendo da edição utilizada, o ano inicial avançará, podendo alcançar provavelmente as primeiras décadas do século XIX, período em que a pintura de forros em estilo rococó religioso ainda estava em plena voga no Brasil8, não obstante, como vimos, Bazin a considere do século XVIII, como também o frontão da igreja. Entretanto, como se pode perceber até pelas variadas maneiras como os artistas susbscreveram as lâminas, houve mais de uma versão das gravuras assinadas pelos Klauber, muitas delas apresentando grandes diferenças. Uma dessas versões foi claramente a que serviu de modelo9, de forma que as edições que não

8 Oliveira, 2003, pp. 274 e ss. O Pe. Antônio Barbosa certamente não é exato ao dizer que «o teto da igreja é o primitivo, com importantes pinturas sobre a vida da Virgen Maria», porquanto os painéis não devem ser anteriores a 1758 e a construção remonta ao final do século XVI. Teriam eles sido pintados pelos frades do Carmo a exemplo do que teriam feito com os quadros do seu próprio convento? Cf. Barbosa, 1983, pp. 7 e 15. Entretanto, não figura nos painéis nenhuma das invocações privativas dos Carmelitas.

9 As edições setecentistas e oitocentistas desse livro são em geral raras e poucas bibliotecas públicas as possuem, o que torna muito difícil uma comparação entre elas para fins de determinação da que poderá ter servido de base aos painéis de Olinda. Do que me foi possível apurar, os modelos que se ajustam a

Fig. 6. Vas Insigne Devotionis, Painel do forro

Fig. 7. Vas Insigne Devotionis, Gravura da Paraphrase des Litanies…, Augsburgo, 1781

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sigam a mesma versão devem ser descartadas, entre elas as que contêm as estampas reelaboradas por Varin e outros, para as edições do abade Barthe, a partir de 1850. Para ilustrar este artigo, escolhi as gravuras das sete invocações em que a adesão à segunda linha de ilustrações transparece claramente, tiradas da primeira edição dos Klauber em francês10.

Segundo informa Myriam de Oliveira, as populares estampas religiosas, entre as quais as da Litaniae Lauretanae, gravadas pelos irmãos Joseph Sebastian (1710-1768) e Johann Baptist Klauber (1712-1787), gravadores oficiais do bispo de Augsburgo, foram um veículo importante de divulgação internacional do rococó religioso germânico, atingindo não apenas os grandes centros, mas também pequenos po-voados de província em regiões de grande afastamento geográfico, penetrando na Península Ibérica e, atravessando o Atlântico, alcançando as Américas hispânica e portuguesa11. Seu influxo fez-se sentir até na decoração de arquitetura civil12.

De acordo com o texto da apresentação da reprodução digitalizada da 1ª edição

esses painéis parecem ter surgido com a 2.ª edição em latim, de 1758. 10 Paraphrase des Litanies de Notre Dame de Lorette, 1781. 11 Oliveira, 2003, pp. 94, 151 e 309, nota 24. Ver também, Oliveira, 1979; Sebastián, 1972, pp. 61-74;

Péres Guillén, 1991, sobre o painel de azulejos representando s. Francisco e s. Domingos intercessores ante a Virgem e Cristo (1780) na portaria do Convento da Madalena de Massamagrell (Valença); Roig Torrentó, 1983, pp. 1-18; e Rivera, 2006, pp. 347-357.

12 P. ex., os dois jarrões que encimam o pórtico da Casa da Moeda de Sevilha esculpidos por Cayetano de Acosta na segunda metade do século XVIII, inspirados num que aparece na invocação Vas Insigne Devotionis. Ver Pozo Ruiz.

Fig. 8. Rosa Mystica, Painel do forro

Fig. 9. Rosa Mystica, Gravura da Paraphrase des Litanies…, Augsburgo, 1781

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do livro do pregador do Estado de Friedberg Franz Xaver Dornn13, no proje-to Digitalisierung von ausgewählten Emblembüchen der frühen Neuzeit da Biblioteca Estatal da Baviera, em Munique, este devocionário pertence ao tipo de ilustração emblemática da Litania Lauretana. As ilustrações assinadas pelos Klauber consti-tuem uma aproximação formal aos emblemas, assim como a constatação da to-mada de motivos emblemáticos individuais. Desta perspectiva, a invocação deve ser entendida como moto, enquanto que a citação bíblica deve ser colocada como «versos epigramáticos» (Lechner). Os quadros são completados por meio de três considerações que concluem numa oração. O livro de Dornn destina-se também à meditação através das imagens, já que a compreensão das complexas gravuras não pode ser totalmente explorada mediante uma análise superficial. Podem-se reconhecer dois diferentes padrões na criação de cada figura: na maioria das vezes, motivos individuais de emblemas ordenam-se no centro, através de uma apre-sentação de Maria (frequentemente com o Menino Jesus ao colo), enquanto na parte inferior da imagem mostram-se cenas do Velho ou do Novo Testamento, que muitas vezes são substituídas por uma ou mais figuras da Bíblia; como cenário de fundo, na maioria dos casos escolheu-se uma paisagem. A obra foi incluída por Cornelia Kemp no verbete «Emblem» do Marienlexikon14.

Os painéis da Igreja da Conceição constituem, quase sempre, versões muito simplificadas das gravuras dos Klauber, limitando-se, na maioria das vezes, à imi-tação mais ou menos fiel da figura de Maria do medalhão ou cartela central ou

13 http://mdz1.bib-bvb.de/~emblem/emblanzeige.html?Auswahl=77&inpBitmuster=2 (acesso em 20.11.2009).

14 Kemp, 1998-1994, p. 333. Cf. Harms, Hess e Peil, 1999, item 31, pp. 29-30.

Fig. 10. Stella Matutina, Painel do forro

Fig. 11. Stella Matutina,Gravura da Paraphrase des Litanies…, Augsburgo, 1781

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superior, acompanhada de alguns dos atributos que a cercam, essenciais para a simbologia da invocação de que se trata. Excetuam-se dois dos três painéis centrais, os quais, por seus formatos e suas maiores dimensões, copiam todas as imagens circundantes. As pinturas não reproduzem nenhuma das legendas das gravuras to-madas por modelo.

Passemos, pois, a referir a invocação correspondente a cada painel do forro da nave a partir da entrada do templo, com indicação numérica de sua atual posição na ladainha loretana15. Na parte central, estão representadas, nesta ordem, as seguin-tes invocações: 53 – Regina Confessorum (Rainha dos Confessores); 61 - Agnus Dei qui tollis Peccata Mundi (Cordeiro de Deus que tirais os Pecados do Mundo) (Figura 4 e 5); e 17 - Mater Inviolata (Mãe Imaculada) respectivamente. Na cercadura, em sentido horário a partir do painel com a presumível figura de s. Domingos de Gusmão, vêm os correspondentes a 36 - Vas insigne devotionis (Vaso Insigne de Devoção) (Figura 6 e 7); 42 - Ianua Coeli (Porta do Céu), 37 - Rosa Mystica (Rosa Mística) (Figura 8 e 9); 15 - Mater Purissima (Mãe Puríssima); 13 - Mater Christi (Mãe de Cristo); 43 - Stella Matutina (Estrela da Manhã) (Figura 10 e 11); 44 - Salus Infirmorum (Saúde dos Enfermos); 16 - Mater Castissima (Mãe Castíssima); 5 - Christi Exaudi Nos (Cristo Atendei-nos) (Figura 12 e 13); 27 - Virgo Prædicanda (Virgem Louvável); e 30 - Virgo Fidelis (Virgem Fiel) (Figura 14 e 15)16.

15 A ordem numérica atual difere um pouco da que tinha no tempo das gravuras dos Klauber, apro-vada pelo Papa Clemente VIII em 1601, em virtude de, posteriormente, terem sido entremescladas, nas 56 originais, 7 novas invocações, por diferentes pontífices.

16 Agradeço a meu sobrinho Marcelino de Andrade Amaral a obtenção das fotografias que ilustram este trabalho, tomadas em condições técnicas pouco favoráveis. As gravuras que lhes serviram de mo-

Fig. 13. Christe Exaudi Nos,Gravura da Paraphrase des Litanies…, Augsburgo, 1781

Fig. 12. Christe Exaudi Nos, Painel do forro

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A escolha das invocações reproduzidas parece não ter obedecido a um propó-sito claramente discernível e sua disposição não segue a ordem da ladainha em nenhuma direção que se tome.

Afora alguns painéis que apresentam manchas devidas a infiltrações, que ainda não os prejudicam consideravelmente, os demais estão em geral bem conservados, apresentando as pinturas cores vivas e figuras nítidas. Ignoro se alguma vez fo-ram submetidos a restauro ou limpeza. Pereira da Costa, escrevendo já ao tempo da ocupação do estabelecimento pelas Dorotéias, isto é, depois de 1914, informa que, «com as suas novas obras, e particularmente da capela-mor e dos seus altares laterais, que por completo fizeram desaparecer o que havia de originário, antigo e artístico, o seu ladrilho de um belo mosaico, e outros trabalhos de remodelação, apresenta o templo uma feição quase que no seu todo modernizada, e no qual foi também atingida a parte exterior» .

Não entro aqui na análise da complexa simbologia que acompanha as invoca-ções, por não ser este o propósito do presente estudo. Entretanto, é evidente que segue a iconografia tradicional de inspiração bíblica associada à Virgem Maria e à ladainha lauretana17.

delos são reproduzidas da Paraphrase des Litanies de Notre Dame de Lorette, 1781. 17 A esse respeito, ver Monterroso Montero, 2004.

Fig. 14. Virgo Fidelis, Painel do forro

Fig. 15. Virgo Fidelis, Gravura da Paraphrase des Litanies…, Augsburgo, 1781

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