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Emma Wildes

Uma Paixão Escandalosa

Maria José SantosTradução

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Capítulo 1

Vivian Lacrosse levantou ‑se e em vão sacudiu a terra das saias, só fazendo que a situação piorasse. O sorriso que esboçou era pesaroso.

– Suponho que tenho de ir trocar de roupa.– Vou mandar subir a vossa criada imediatamente. – O branco, como

de costume, era imaculado, sem um único fio de cabelo grisalho fora do sítio, a expressão neutra. Se discordava de que a filha de um baro‑nete cavasse num canteiro de flores, tal não lhe transparecia das feições austeras. Estava habituado aos seus hábitos excêntricos.

– O vosso pai solicita que vos junteis a ele na sala de visitas formal, senhora. Informá ‑lo ‑ei de que estareis lá dentro em pouco.

Na sala de visitas? Era um pouco surpreendente. Não a chamada – ela soubera que isso iria acontecer, mas o local. Em geral, quando o duque de Sanford visitava o pai dela, desapareciam ambos para o escritório para tomarem brande e fumarem, sem qualquer formalidade. Ela espe‑rara uma conferência entre os dois amigos e, mais tarde, uma reunião com ela para a informarem do escândalo iminente.

Não seguiu de imediato o mordomo em direcção à casa, deixando ‑se ficar ali e inspirando fundo. Estava um dia bonito, sem nuvens, o arco do céu azul por cima era perfeito. Os jardins mostravam ‑se promisso‑res da forma que ela adorava: as roseiras a ostentarem minúsculas folhas verdes, os rododendros a resplandecerem com minúsculos botões que começavam a despontar e os lilaseiros floridos, os ramos carregados de delicadas flores fragrantes. Os pássaros chilreavam no pano de fundo.

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Fora muito mais fácil distrair ‑se a colher ervas daninhas do que estar sentada no seu quarto à espera da tempestade que sabia estar prestes a rebentar em resultado das acções impetuosas de Charles. Impetuoso era um adjectivo que descrevia muito bem o seu noivo.

Talvez eles pensassem que era adequado darem ‑lhe a má notícia num cenário mais refinado, embora ela não tivesse contado ter de encarar o duque. Presumia que o pai seria informado do desastroso acontecimento e que ele, por sua vez, a informaria.

– Não havia necessidade – murmurou em voz alta e endireitou os ombros.

Vinte minutos mais tarde, com um vestido de dia de musselina cor de marfim debruado a fita verde ‑clara, o cabelo entrançado num simples carrapicho, as mãos lavadas com meticulosidade de forma a remover toda a terra do jardim, encontrava ‑se à entrada, detendo ‑se por momentos, à medida que os homens na sala de visitas se levantavam educadamente quando ela apareceu. Não eram dois, mas três homens. Dizer que estava surpreendida era pouco.

Isso só piorava as coisas, pensou taciturna, na esperança de que as suas feições estivessem disciplinadas de modo a revelarem apenas uma curiosidade moderada e nada mais. Fez uma vénia.

– Boa tarde, Vossa Graça. Marquês, meu senhor.– Vivian. – O duque era uma versão mais velha dos filhos, alto, de cabelo

castanho, mas com vestígios de prata junto às têmporas, as feições aris‑tocráticas e de uma beleza clássica, embora lhe faltasse a abordagem de joie de vivre com que Charles encarava a vida, e não possuía nenhuma da reserva educada do filho mais velho, Lucien.

Que estava ali a fazer o irmão mais velho de Charles?– Por favor, minha querida, senta ‑te. – Com um gesto, o pai de Vivian

indicou ‑lhe uma cadeira forrada a seda.Obediente, a filha afundou ‑se nela, descobrindo que tinha as batidas

do coração um pouco aceleradas. Não havia dúvida, Charles colocara ‑a numa posição diabólica.

O duque e o pai dela sentaram ‑se. Lucien Caverleigh, marquês de Stock ton, resolveu ficar em pé, observando ‑a da sua pose junto à lareira, um ombro negligente encostado à cornija de mármore italiano, um copo

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de clarete na mão de dedos longos. Estava vestido com despreocupada elegância, com um casaco escuro comprido, que lhe caía com perfeição nos ombros largos, um colete safira, que condizia com a cor invulgar dos seus olhos, bragas amareladas e hessianas polidas. Ela olhou ‑o por breves instantes, ainda a perguntar ‑se por que motivo ele ali estaria, quando o canto da boca do marquês subiu um tudo ‑nada num meio sorriso irónico.

Na verdade, a presença de Lucien não ajudava nada. Quanto menos pessoas houvesse para assistirem à sua reacção melhor – e muito menos ele.

Lucien fora sempre um enigma. Com pouco mais de trinta anos, era dez mais velho do que Vivian, sério em excesso, a contrastar com a forma descontraída com que Charles encarava a vida. O papel de herdeiro ducal assentava ‑lhe bem, mas, na generalidade, era demasiado perspicaz. Quando eram pequenos, ela e Charles raramente tinham conseguido escapar impu‑nes com uma traquinice sem que ele parecesse ter dado por isso. Seria capaz de o enganar com isto?, perguntava ‑se Vivian. O raio do homem sabia ler mentes. Como devia agir?

Uma onda de pânico cresceu nela, mas esmagou ‑a com rapidez. Já deci‑dira agir como se nada soubesse. Isso salvaria a sua participação no drama, mas não sabia se o conseguiria fazer de forma convincente, e isso era antes de Lucien aparecer na cena do crime, por assim dizer.

Que embaraçoso.– Receio que tenhamos um pequeno problema.Na aparência, o pai era a antítese do duque. Tinha o cabelo louro a

tornar ‑se ralo à frente, já se lhe notando as entradas, os olhos azuis que Vivian herdara e costumava usar óculos, embora estivesse sempre a pô ‑los e a tirá ‑los e a perdê ‑los. Mas, tanto quanto podia ver, ele e o duque tinham o mesmo temperamento, o que poderia justificar o facto de se darem tão bem. Voltados para si próprios, só se interessavam pela obsessão pela botâ‑nica e viagens. Eram amigos desde que se lembrava, o que era o problema – o problema dela –, em especial neste momento. Nos últimos tempos, tinham abandonado o hobby que partilhavam durante o tempo suficiente para conceberem um plano para casarem os filhos um com o outro.

Ela esperou, o olhar em inocente inquirição – pelo menos estava espe‑rançada de que a ideia transmitida fosse essa.

Foi o duque quem lhe disse, com uma tosse leve, em jeito de desculpas:

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– Receio que Charles tenha fugido.Fez ‑se silêncio, ouvindo ‑se apenas o tiquetaque do relógio de caixa

alta que se encontrava ao canto da bonita sala. Vivian não tinha a cer‑teza se era boa actriz para arfar, como era adequado, e agir como que abalada, com três homens a observarem o espectáculo e a tentarem ava‑liar o seu nível de perturbação. Afinal, devia ter acabado de saber que o noivo a deixara por outra mulher. Assim, limitou ‑se a baixar o olhar para as mãos entrelaçadas e balbuciou:

– Eu… compreendo.Estava longe de ser uma representação digna de aplausos, mas era

adequada, esperava ela.– Eu não – murmurou o duque. – Aquele idiota irresponsável!– Todos nos sentimos gratos pelo facto de o anúncio do vosso noi‑

vado não ter sido ainda formalmente passado ao papel nem os convites para a boda enviados. Pelo menos seremos poupados a esse embaraço. – O pai dela falou com pragmática vivacidade, decerto grato por Vivian não ter desatado a chorar perante a notícia.

Mal ele sabia que ela não só ajudara Charles a preparar a sua viagem à pressa para a Escócia como também encorajara a corte secreta que fizera a outra mulher. Afinal, que amiga seria ela se não o quisesse ver feliz? E que mulher seria ela se não tivesse o mesmo sonho para si própria?

– Claro, peço desculpa pelas acções do meu filho e pela dor e emba‑raço que ele vos causará, querida Vivian. – O duque também parecia ali‑viado por ela não estar a ter um ataque de histeria.

Sim, seria um pouco humilhante ser a futura noiva abandonada, mas já se habituara à ideia semanas antes, quando se apercebeu de que Charles tinha um fraquinho pela jovem e bonita menina Clifton. Na melhor das hipóteses, a filha de um vigário era inadequada, a nível social, para esposa do filho de um duque, e não havia dúvidas de que o pai dele jamais a aprovaria. Vivian era amiga de Charles desde que se lembrava e com‑preendia o seu dilema.

O recente noivado entre ambos não fora escolha de nenhum deles. Isso forçara ‑o a agir e, na verdade, Vivian estivera lá para o encorajar a seguir o seu coração. Talvez pela primeira vez na vida, Charles tivera uma atitude séria em relação a alguma coisa. Quando viera ter com ela

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e lhe confessara que tinha uma paixão pela menina Clifton, declarara tam‑bém que sabia que era um romance sem esperança e que iria em frente com o casamento arranjado.

Isso estava longe de ser o que ela queria. De qualquer maneira, Vivian não estivera assim tão entusiasmada com o casamento, mas Charles era importante e pelo menos conheciam ‑se bem. Após quatro temporadas fracassadas, ela sentia ‑se apenas grata por não ter de aguentar outro baile excruciante ou, ainda pior, a corte de homens que estivessem dispostos a ignorar a sua reputação pouco elegante de intelectual excêntrica por causa do seu dote ou da sua aparência.

Mas… casar com um homem apaixonado por outra pessoa? Não. Ainda por cima, também não estava apaixonada por Charles. Amava ‑o, sim; mas só porque eram amigos desde crianças. A inesperada paixão dele pela filha do vigário proporcionou ‑lhe uma saída de um acordo que, para começar, nunca fora escolha dela. Ser solteirona – tinha, afinal, vinte e dois anos – e depois abandonada aos olhos da sociedade não era uma ideia assim tão agradável, mas, em comparação com uma vida inteira passada com alguém que queria outra pessoa… ela recusava essa honra dúbia. Assim, parecia que o melhor a fazer era sugerir que ele suportasse a ira do pai e fugisse.

Nalguns aspectos, era tudo muito semelhante a um romance, mas a personagem dela era a da noiva indesejada. Por outro lado, se se sentia mais feliz pelo facto de as coisas terem acontecido dessa maneira, que assim fosse.

– Não há necessidade de vos desculpardes, Vossa Graça – presenteou o duque com um sorriso trémulo que não era, de forma alguma, fingido, pois se a mãe alguma vez descobrisse que ela ajudara Charles e Louisa Clifton a encontrarem ‑se às escondidas, haveria uma cena de eriçar os cabelos, coisa que preferia evitar, e, afinal, poderia ser despachada de volta a Londres. – Toda a minha vida conheci Charles. Ele pode ser um pouco impulsivo de vez em quando.

– Estou contente por estares a ser sensata em relação a isto, Vivian. – O pai olhou ‑a com calorosa aprovação, o que era um pouco surpreen‑dente, dadas as circunstâncias. A mãe ficara encantada, aliás, mais do que encantada, com o noivado, e este revés seria para ela uma amarga decepção.

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Foi então que lhe ocorreu. Tendo em conta que aquele casamento malogrado era algo que as famílias de ambos tinham desejado, ninguém parecia tão transtornado como ela esperava. De facto, a atmosfera na sala era estranha. E Lucien ainda não dissera uma palavra; limitava ‑se a estar ali presente, a bebericar o seu vinho com uma expressão enigmá‑tica no rosto bonito.

– Nem é desastre nenhum, graças a Lorde Stockton – continuou o pai, quase a parecer alegre –, que propôs uma solução perfeita para este pequeno dilema.

Então agora era pequeno? Ela esperava uma reacção muito mais explo‑siva da parte de todos.

– Propôs? – disse ela de modo vago, perguntando ‑se que diabo pode‑ria ser. Com certeza que Charles tinha um avanço demasiado grande para ser detido agora.

Na realidade, o pai dela sorria.– Na verdade, propôs ‑te, ele próprio, casamento.

Tanto quanto ele sabia, apesar da fama que tinha de herdeiro ducal soli‑tário e aborrecido, ainda era considerado um dos solteiros mais elegíveis do haut ton. Afinal, cogitou Lucien Caverleigh, era dono de uma fortuna, de um título, ia herdar um ducado e a linhagem da sua família era irrepreen‑sível. Mas Vivian não se impressionava com títulos nem riquezas, pensou com amargo divertimento, assimilando a expressão de espanto que domi‑nava o rosto formoso da jovem sentada perto dele. A reacção de Vivian à revelação do pai não era nada lisonjeira. Numa palavra, parecia chocada.

– O quê? – Vivian fixava o pai, os ombros elegantes numa pos‑tura rígida, e os olhos, de pestanas longas, eram de um verde invulgar, complementando ‑lhe a compleição física vívida. As mãos, que tinham estado entrelaçadas desde que se sentara, apertaram ‑se até os nós dos dedos se tornarem brancos. No seu vestido claro, o cabelo negro e bri‑lhante apanhado na nuca num simples carrapicho, já não se assemelhava em nada à criança desajeitada de que ele se lembrava, tendo desabro‑chado e adquirido uma beleza pouco convencional, as feições delicadas

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e o corpo bem proporcionado a bastarem para chamarem a atenção de qualquer homem.

Não restavam dúvidas de que tinham chamado a atenção dele. Tratava‑‑se de uma jogada arriscada. Até agora, antes do noivado com Charles, ela recusara todas as propostas de casamento. Para alguém que despre‑zava mexericos, quando se tratava da adorável menina Lacrosse, ele pres‑tara atenção e registara cada recusa.

Estaria prestes a ser um desses rejeitados?Numa voz calma, o pai de Vivian disse:– Ele deseja casar contigo.– Não. – Vivian abanou a cabeça. Com veemência, uma leve expres‑

são de pânico no rosto.Não? Aquela não era a reacção por que Lucien ansiara, mas, por outro

lado, não tinha a certeza do que esperava daquele momento.– O marquês compreende a importância da obrigação familiar.O que o marquês compreendia era a singularidade do encanto único

que a distinguia. Lucien nunca se interessara por beldades superficiais, flirts levianos nem por encontros amorosos sem significado. Vivian não era superficial nem coquete e jamais consideraria uma relação despro‑vida de significado.

A jovem engoliu em seco de tal forma que ele, que estava muito atento, pôde ver ‑lhe os músculos a ondearem no pescoço esbelto. Passado um momento, ela balbuciou:

– Não. Sim, eu… eu… tenho… a certeza… de que valoriza a obriga‑ção familiar. O que eu queria dizer era que não, que não deve sentir neces‑sidade de me propor casamento porque Charles… fugiu. Tenho vinte e dois anos, não sou nenhuma menina piegas. Não há nenhuma obrigação.

No entanto, aqui estou eu, pensou Lucien, o olhar fixo na linha gra‑ciosa do pescoço dela, a sugestão de uma pele ebúrnea a elevar ‑se ‑lhe no corpete, a forma como as pestanas leves como penas lhe lançavam sombras suaves sobre as maçãs do rosto. Compreendia muito bem por que motivo ela ainda não casara, mas não compreendia de todo. Sim, ela interessava ‑se por algumas actividades pouco próprias de uma senhora e que eram de natureza intelectual, mas fisicamente era muito atraente. Não de uma maneira convencional, era verdade, mas a beleza não se

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definia pela simetria de feições nem pela cor do cabelo de uma mulher. No caso de Vivian, era uma feminilidade intrínseca, apesar dos seus pas‑satempos pouco ortodoxos.

– Permiti ‑me discordar. – A voz do pai de Lucien era afectuosa. Não era segredo que a fuga de Charles não era apenas uma traição mas tam‑bém uma fonte de embaraço pessoal. – O meu filho mais novo raras vezes evidencia um comportamento responsável, mas pelo menos o mais velho tem sentido de honra.

Ele também não era um santo e houvera bastantes mulheres no seu passado, mas, por natureza, era mais discreto do que Charles alguma vez sonhara ser, já para não dizer que o facto de ser herdeiro ducal inspirava um certo nível de cautela quando se tratava do sexo oposto.

Talvez isso fosse parte da atracção de Vivian. Ela jamais casaria com o seu título ou com a sua fortuna. Na verdade, pensou com amargura, pode não casar comigo, a julgar pela forma como as coisas estão neste momento.

Mais do que nunca, Vivian parecia não saber que dizer e talvez esti‑vesse na hora de ir em seu socorro e, quiçá, usar um pouco de persua‑são. Ficara calado tempo suficiente. Numa voz neutra, disse, arrastando as palavras:

– É possível que Vivian e eu discutamos isto a sós?Em quaisquer outras circunstâncias, Lucien duvidava que o pai dela

alguma vez concordasse, mas, neste caso, Sir Edwin acenou com a cabeça, parecendo algo grato. Foi o seu próprio pai quem lhe lançou um olhar desconfiado, mas em seguida levantou ‑se.

– Talvez isso seja o melhor.E Lucien leu a mensagem inferida. Faz o que puderes para remediares

esta situação; convence ‑a, sedu ‑la para que concorde, mas certifica ‑te de que este casamento se vai realizar.

Depois de terem saído da sala, Lucien fitou a sua possível futura noiva com um olhar avaliador, esperando que levantasse os olhos, à medida que o silêncio se alongava, para falar. Com voz suave, disse:

– Presumo, uma vez que vós e Charles sois amigos quase desde o berço, que fostes companheiros incorrigíveis de brincadeiras e que vos encontrastes com regularidade desde o noivado, sabíeis muito bem que isto ia acontecer. Para onde foram eles? Para Gretna Green?

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Vivian adoptou uma postura rígida.– Claro que não sabia… Eu não… Quer dizer, bem…Lucien ergueu o sobrolho, ainda numa pose negligente, encostado

à cornija da lareira. Ela não sabia mentir. Na verdade, agradava ‑lhe esse atributo numa pessoa.

Ela interrompeu ‑se e expirou de forma audível.– Muito bem, sim, eu sabia. Por favor, não conteis à minha mãe.Como sempre, ele considerava a candura dela cativante. A resposta

que deu foi seca:– Nesse aspecto, podeis estar descansada, pois a vossa mãe e eu não

temos conversas privadas. – Não acrescentou que, enquanto admi‑rava muito Sir Edwin, pensava que a mãe de Vivian era dominadora e conhecia muito bem a filha. Verdade fosse dita, ele evitava a mulher ao máximo.

Vivian riu. Foi um riso curto e um pouco abafado, mas, ainda assim, um riso.

– Não, não imagino que as tenhais. Ela não quer falar de mais nada a não ser dos últimos mexericos e não vos estou a ver interessado nisso, senhor. Sois demasiado prático para desperdiçardes o vosso tempo dessa maneira. – Ainda sentada na cadeira do outro lado da sala, o cabelo lus‑troso a revelar rebeldia suficiente para que alguns fios se lhe tivessem soltado do carrapicho para lhe emoldurarem o rosto, Vivian fitava ‑o em franca inquirição. – Quer dizer que estais a tentar abafar este escândalo por causa de Charles. Penso que agora compreendo.

Aquela não era a verdade. Lucien endireitou ‑se e o sorriso que esbo‑çou era eivado de ironia.

– Os meus motivos por norma não são assim tão puros, embora Char‑les seja uma preocupação, é claro. Se eu tivesse de resumir a minha pro‑posta, penso que diria que, se o nosso noivado se tornasse público, isso pouparia ambas as nossas famílias a muito embaraço e permitiria que a fuga não produzisse a sensação que, de outra maneira, poderia produzir. Contai ‑me, como foi que ele vos convenceu a ajudá ‑lo?

Um momento depois, Vivian comprimiu os lábios macios, as saias claras dispostas à sua volta, a expressão do rosto ao mesmo tempo vul‑nerável e resoluta.

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– Ele contou ‑me sobre Louisa no próprio serão em que a conheceu. Para ser franca, nunca o vi tão… tão eufórico. Foi tudo muito român‑tico, na verdade. Foi amor à primeira vista. Sempre duvidei de que tal fosse sequer possível, sobretudo com um libertino como Charles, mas parece que é.

De facto, o irmão era um libertino de primeira ordem. Agradável, ale‑gre e descontraído; mesmo que não fosse bem ‑parecido nem oriundo de uma família proeminente, as mulheres não lhe teriam resistido na mesma e ter ‑lhe ‑iam agraciado a cama de bom grado.

Num tom neutro, Lucien disse:– É muito generoso da vossa parte ajudardes o vosso noivo a fugir

com outra mulher.– Como poderia não o ajudar? Ele é o meu amigo mais estimado.

– Uma afirmação simples para uma relação que não era nada simples.– Sei que ele sente a mesma coisa em relação a vós. – Lucien sempre

achara isso único e, se bem que não fosse incompreensível, era, ainda assim, um pouco difícil de entender. Não que ele próprio não tivesse tido amigas platónicas. Havia algumas, muito poucas, mas que qualquer homem adulto saudável pudesse sentir isso em relação a Vivian Lacrosse…

A admiração que nutria por ela era tudo menos platónica.– Por favor, compreendei, senhor – um laivo de rubor aflorou ‑lhe às

faces formosas –, fui apenas um pouco apanhada de surpresa há bocado. É muito… ahh… nobre da vossa parte tentardes salvar as aparências para me protegerdes – terminou de uma forma pouco convincente.

Lucien não pôde evitar: teve de rir.– Tenho trinta e dois anos, Vivian, e penso que até este momento

nunca me tinham chamado nobre. Tenho sempre um motivo para tudo o que faço e, muitas vezes, receio, não sou movido pela virtude altruísta. Por isso, deixemos de parte os meus motivos e voltemo ‑nos para a ques‑tão em si. Como referistes, sou um homem prático.

Confusa, Vivian fixou ‑o.– A proposta de casamento – lembrou ‑lhe.– Ah. – Os dedos esbeltos de Vivian agarravam com força o tecido da saia.– Há um argumento sólido que indica que este seria um bom casa‑

mento para ambos. Conhecemo ‑nos há muito tempo, as nossas famílias são

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bastante chegadas, e embora eu não partilhe a vossa paixão pela botâ‑nica, compreendo ‑a. Afinal, toda a minha vida conheci o meu pai fasci‑nado pelo mesmo passatempo.

As últimas palavras foram o coup de grâce. O seu interesse muito pouco elegante por melhorar e cultivar plantas era parte da razão por que ela não tivera mais êxito no mercado de casamento.

Como estratagema, podia dar resultado. Ele nunca lhe propusera casa‑mento – nunca pensara nisso sequer até saber da fuga do irmão mais novo –, e se estivesse a propor casamento a outra pessoa, poderia ter usado uma táctica diferente. Mas com Vivian, dar ‑lhe a conhecer que não se importava que ela passasse tempo na estufa poderia ganhar as suas boas graças.

Vivian não fazia ideia do quanto queria que ela concordasse em ser sua esposa, assim como também não fazia ideia de que o amor à pri‑meira vista não era para ele um conceito novo. Afinal, fora dessa forma que se apaixonara por ela.

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