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Empresário, Estado e Democracia: uma avaliação dos dois primeiros anos do governo Lula ** Eli Diniz * O Brasil quer mudar. Mudar para crescer, incluir, pacificar. Mudar para conquistar o desenvolvimento econômico que hoje não temos e a justi- ça social que tanto almejamos. Há em nosso país uma poderosa vontade popular de encerrar o atual ciclo econômico e político (...) O sentimento predominante, em todas as classes e em todas as regiões é o de que o a- tual modelo esgotou-se (...) O povo brasileiro quer mudar para valer. Re- cusa qualquer forma de continuísmo, seja ele assumido ou mascarado. Luiz Inácio Lula da Silva, Carta ao Povo Brasileiro. Estas foram as palavras através das quais o então candidato à presidência do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, dirigiu-se ao país através da Carta ao Povo Brasileiro, em 22 de junho de 2002, quando enfrentava uma violenta campanha, prevendo uma forte crise de ingovernabilidade, caso fosse eleito em outubro daquele ano para o cargo de presidente do país. Pouco depois, já eleito presidente, em seu discurso de posse, reiterou essa visão do mandato que lhe fora conferido pelos eleitores: “Mudança; esta é a palavra-chave, esta foi a grande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro. A esperança, finalmente, venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novos caminhos (...) Vamos mudar, sim. Mudar com coragem e cuidado, humildade e ousadia, mudar tendo consciência de que a mudança é um processo gradativo e continuado, não um simples ato de vontade, não um arroubo voluntarista.” 1 Para que se compreenda o significado destas palavras é preciso recuar um pouco no tempo para que se faça um balanço das mudanças que o Brasil experimentou, ao longo das duas últimas décadas do século passado. Tal como os anos 30, a fase que se estende de 1985 ao ano 2000, representou um marco em nossa já secular trajetória republicana. Tais mudanças levaram à ruptura com o antigo modelo de desenvolvimento, realizando a desmontagem da arquitetura político-institucional que, durante 50 anos, entre 1930 e 1980, sustentou a estratégia da industrialização por substituição de importações, em suas várias versões, desde a Era Vargas, passando pelo nacional-desenvolvimentismo dos anos 50, até o milagre econômico do regime militar, especialmente durante os anos 70, este último calcado no ** Trabalho apresentado no Seminário: “La Esperanza venció el miedo? Una evaluación de los primeros años del gobierno Lula en Brasil”, promovido pelo Centro de Estudios Brasileños (Ceb) de la Universidad de Salamanca, entre os dias 23 e 25 de fevereiro de 2005. Agradeço ao prof. Jose Manuel Santos, diretor do Ceb, e à prof. Márcia Ribeiro Dias, da PUC/RGS o convite para participar deste evento. * Professora Titular do Instituto de Economia da UFRJ. Pesquisadora associada do IUPERJ. 1 Luís Inácio Lula da Silva, Discurso de posse, 1/01/2003 em Bonfim (2004:442-443). 1

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Empresário, Estado e Democracia: uma avaliação dos dois primeirosanos do governo Lula**

Eli Diniz*

O Brasil quer mudar. Mudar para crescer, incluir, pacificar. Mudar para conquistar o desenvolvimento econômico que hoje não temos e a justi- ça social que tanto almejamos. Há em nosso país uma poderosa vontade popular de encerrar o atual ciclo econômico e político (...) O sentimento predominante, em todas as classes e em todas as regiões é o de que o a- tual modelo esgotou-se (...) O povo brasileiro quer mudar para valer. Re- cusa qualquer forma de continuísmo, seja ele assumido ou mascarado. Luiz Inácio Lula da Silva, Carta ao Povo Brasileiro.

Estas foram as palavras através das quais o então candidato à presidência do Brasil, LuizInácio Lula da Silva, dirigiu-se ao país através da Carta ao Povo Brasileiro, em 22 de junhode 2002, quando enfrentava uma violenta campanha, prevendo uma forte crise deingovernabilidade, caso fosse eleito em outubro daquele ano para o cargo de presidente dopaís. Pouco depois, já eleito presidente, em seu discurso de posse, reiterou essa visão domandato que lhe fora conferido pelos eleitores: “Mudança; esta é a palavra-chave, esta foi agrande mensagem da sociedade brasileira nas eleições de outubro. A esperança, finalmente,venceu o medo e a sociedade brasileira decidiu que estava na hora de trilhar novoscaminhos (...) Vamos mudar, sim. Mudar com coragem e cuidado, humildade e ousadia,mudar tendo consciência de que a mudança é um processo gradativo e continuado, não umsimples ato de vontade, não um arroubo voluntarista.”1

Para que se compreenda o significado destas palavras é preciso recuar um pouco no tempopara que se faça um balanço das mudanças que o Brasil experimentou, ao longo das duasúltimas décadas do século passado. Tal como os anos 30, a fase que se estende de 1985 aoano 2000, representou um marco em nossa já secular trajetória republicana. Tais mudançaslevaram à ruptura com o antigo modelo de desenvolvimento, realizando a desmontagem daarquitetura político-institucional que, durante 50 anos, entre 1930 e 1980, sustentou aestratégia da industrialização por substituição de importações, em suas várias versões,desde a Era Vargas, passando pelo nacional-desenvolvimentismo dos anos 50, até o milagreeconômico do regime militar, especialmente durante os anos 70, este último calcado no** Trabalho apresentado no Seminário: “La Esperanza venció el miedo? Una evaluación de los primeros añosdel gobierno Lula en Brasil”, promovido pelo Centro de Estudios Brasileños (Ceb) de la Universidad deSalamanca, entre os dias 23 e 25 de fevereiro de 2005. Agradeço ao prof. Jose Manuel Santos, diretor do Ceb,e à prof. Márcia Ribeiro Dias, da PUC/RGS o convite para participar deste evento.* Professora Titular do Instituto de Economia da UFRJ. Pesquisadora associada do IUPERJ.1 Luís Inácio Lula da Silva, Discurso de posse, 1/01/2003 em Bonfim (2004:442-443).

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binômio desenvolvimento-segurança nacional. Tais mudanças de grande amplitude foramdesencadeadas por um complexo de fatores externos e internos.

Entre os primeiros, os aspectos mais expressivos foram as restrições decorrentes doprocesso de globalização, as sucessivas crises internacionais, a pressão das agênciasmultilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, além do colapso do socialismo e do fim daguerra-fria. Por outro lado, os fatores internos desempenharam um papel não menosrelevante. As escolhas feitas pelas elites dirigentes, as características de suas coalizões deapoio político, a definição das prioridades, o ritmo e a forma de execução de taisprioridades, o comportamento dos atores estratégicos foram decisivos para definir oconteúdo das mudanças. Em outros termos, não se pode atribuir mecanicamente todas asmudanças às forças inexoráveis da globalização, sem levar em consideração as escolhas dosagentes em cada contexto histórico.

Sob o impacto deste conjunto de fatores, observou-se, sobretudo nos anos 90, uma drásticaredefinição da agenda pública, que provocou uma ruptura com os aspectos políticos eeconômicos da ordem anterior. Reformas políticas voltadas para a construção do regimedemocrático consagrado pela constituição de 1988, programas de estabilização econômica,reformas orientadas para o mercado, como as privatizações, a liberalização comercial e aabertura externa, converteram-se nas novas prioridades, traduzindo-se em uma reorientaçãodas políticas públicas postas em prática pelos governos de turno. Esta mudança de enfoquetrouxe como resultado o abandono das estratégias desenvolvimentistas do passado e suasubstituição por políticas monetaristas de teor ortodoxo, na busca do equilíbriomacroeconômico. As metas sociais, tão enfatizadas pelos líderes do processo de transiçãodemocrática, entre 1985-1988, foram progressivamente deslocadas da agenda. Esta veio aadquirir rigidez crescente em torno das metas de estabilização e ajuste fiscal.

Mas, para além das mudanças, cuja relevância não podemos subestimar, observou-se umaalta continuidade no que diz respeito ao quadro social do país, marcado peloaprofundamento da desigualdade, da violência urbana e da concentração da renda, barreiraque nos distancia cada vez mais dos países desenvolvidos. Efetivamente, a grande lacuna denosso percurso histórico está representada pela incapacidade dos governos de reduzirem aexclusão social e o grau extremo de iniqüidade característicos da sociedade brasileira.

Principais pontos de Inflexão: a ruptura com a antiga ordem

No período mais recente, que se desdobra entre 1985 e as eleições de 2002, alguns pontosde inflexão na trajetória da sociedade brasileira devem ser ressaltados. Trata-se demomentos que se caracterizaram por mudanças expressivas no modelo econômico e nopadrão de desenvolvimento em vigor, bem como nas coalizões dominantes e nas estratégiaspolíticas dos principais grupos em confronto.

O primeiro marco pode ser situado entre 1985 e 1988, quando se dá a ruptura com opassado autoritário. Neste período, observou-se a instauração dos mecanismos eprocedimentos do regime poliárquico, para usarmos a terminologia de Robert Dahl (Dahl,1971), conduzindo à consolidação das regras do jogo democrático e implicando a garantiada governabilidade pela gestão negociada dos conflitos políticos. As eleições presidenciais

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de 2002, com a vitória do candidato do PT, partido situado à esquerda do espectroideológico, revelaram o amadurecimento das instituições poliárquicas no Brasil, com aplena aceitação do princípio da alternância do poder2.

O segundo momento situa-se entre 1994 e 1995 com a implantação e o êxito do Plano Real,que representou a conquista da estabilização monetária sustentada. Este fato significoutambém um profundo corte com o passado recente, correspondente aos dois primeirosgovernos da Nova República, marcados por experiências estabilizadoras ineficazes e decurta duração, que, ao terminar, acarretavam taxas ainda mais elevadas de inflação. Aconsecução da meta da estabilidade levou à ruptura com a cultura inflacionária e airresponsabilidade fiscal, traços arraigados na tradição política do país. Articulou-se, apartir de então, um forte consenso em torno da preservação do equilíbrio macroeconômicocomo fundamento do crescimento sustentado, consenso que daria respaldo à execução daschamadas reformas estruturais.

E aqui chegamos ao terceiro ponto de inflexão, que resultou da profundidade das mudançasdesencadeadas pelo pacote das reformas orientadas para o mercado, ao lado das reformasconstitucionais, ambas executadas durante o primeiro mandato do Presidente FernandoHenrique Cardoso (1995-1999). Este pôs em prática um conjunto deliberado de políticasvoltadas para o que designou por desmonte da Era Vargas. A execução desta agenda abalouos fundamentos do padrão anterior de desenvolvimento, desestruturando o modelo do tripé,baseado num relativo equilíbrio entre empresas estatais, nacionais e estrangeiras. Sob oimpacto das privatizações e da abertura externa da economia, reduziu-se substancialmente opeso dos dois primeiros segmentos, ampliando-se, por outro lado, o espaço ocupado pelasempresas multinacionais. De forma similar, aprofundou-se a erosão do pacto corporativoentre o Estado e a chamada burguesia nacional, que, durante as décadas anteriores, deusuporte à industrialização por substituição de importações.

É verdade que a matriz estadocêntrica vinha sofrendo um processo de desgaste lento egradual desde meados dos anos 70 do século passado, em conseqüência das profundasmudanças desencadeadas pelo projeto desenvolvimentista posto em prática pela ditaduramilitar, o que, nas palavras de Santos (1985), levaria ao declínio da ordem regulada.Entretanto, a desarticulação desta matriz ainda não se constituíra em objeto de uma políticadeliberada do governo, passando a ser percebida como condição necessária para o ingressonuma nova fase. A meta do desmonte do legado do passado só seria claramente explicitadacom a ascensão de Fernando Collor de Mello à presidência da República, no limiar dosanos 1990. E só se tornaria prioritária, assumindo o primeiro plano da agenda pública, coma eleição, em 1994, do presidente Fernando Henrique Cardoso, à frente de uma amplacoalizão de centro-direita, num embate eleitoral durante o qual se desagregaria a antigacoalizão desenvolvimentista.

2 Em 2002, foi a quarta vez em que Lula disputou as eleições para a presidência do Brasil, depois da queda doregime militar em 1985. Na primeira, em 1989, todas as pesquisas eleitorais, destacaram o alto grau derejeição de Lula, sobretudo entre as elites. Naquele ano, o líder empresarial, Mário Amato, presidente dapoderosa FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), em declaração à imprensa, chegou aafirmar que uma eventual vitória de Lula provocaria uma “fuga em massa” de empresários para fora do país.Entre os militares e grandes proprietários rurais, também foi detectado um claro sentimento de rejeição.

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No limiar do terceiro milênio, as mudanças postas em prática pelas novas elites dirigentes,por sua amplitude e abrangência, tornaram-se irreversíveis. Em conseqüência, tornou-seanacrônica qualquer perspectiva de regresso ao passado3. De forma similar, perderamatualidade os velhos paradigmas para interpretar o presente e apontar novas alternativas.Resgatar antigos modelos tornou-se, portanto, uma saída historicamente descartada.Efetivamente, esgotaram-se os três paradigmas dominantes no passado recente, vale dizer, onacional-desenvolvimentismo, as diretrizes neoliberais consagradas pelo consenso deWashington e o modelo social-democrata. Desta forma, impunha-se a busca de novasestratégias para enfrentar os desafios pós-reformas orientadas para o mercado.

A profundidade das mudanças e sua irreversibilidade criaram a expectativa de que aestratégia neoliberal teria assegurado um largo futuro pela frente. Entretanto, o desgastedesta estratégia começaria pouco tempo depois da reeleição de Fernando Henrique Cardoso,cujo segundo mandato (1999-2003) transcorreria sob crescente perda de popularidade.

Assim é que o quarto ponto de inflexão pode ser localizado no ano de 2001, quando seobserva o aprofundamento do processo de erosão da coalizão neoliberal, cujos primeirossintomas remontam às eleições presidenciais de 1998. O resultado foi a ruptura do consensoem torno da estabilidade e do ajuste fiscal como prioridades absolutas da agenda pública.Difunde-se a percepção de que as políticas neoliberais tiveram um alto custo social,gerando efeitos perversos de grande impacto, como os altos índices de desemprego, arecessão, a redução do mercado formal de trabalho (eliminação de cerca de dois milhões deempregos formais na indústria) e a destruição do já precário sistema de proteção socialligado ao padrão anterior.

Verifica-se a partir de então uma forte demanda por um projeto de desenvolvimentosustentado como condição para a saída do impasse em que se encontrava o país, prisioneirodo falso dilema estabilização x desenvolvimento. A ênfase se desloca para temas como aretomada do crescimento econômico e políticas de geração de emprego. Persiste a defesa deuma política firme de estabilização, porém como âncora de um programa dedesenvolvimento mais eqüitativo, abrindo espaço para políticas de combate à desigualdadee à exclusão social. Observa-se gradualmente a formação de uma nova coalizão política ede um novo consenso em torno do imperativo de uma inflexão na política macroeconômica,tendo em vista a inclusão de novas prioridades na agenda: crescimento econômico egeração de emprego, associados à formulação de uma nova estratégia de inserçãointernacional, metas crescentemente percebidas como interdependentes de acordo com asnovas diretrizes.

Um outro fator relevante, embora nem sempre lembrado, foram as transformações nopensamento da esquerda em geral e, mais especificamente, nas formulações políticas dacorrente dirigente do PT (Partido dos Trabalhadores). Tal mudança pode ser situada entre1995 e 2002.

3 Em maio de 2000, em entrevista à revista Carta Capital, reproduzida em 1 de dezembro de 2004 pela mesmarevista, o economista brasileiro, Celso Furtado (falecido em novembro de 2004), indagado sobre asperspectivas de uma eventual vitória da esquerda nas eleições presidenciais de 2002, ressaltou que o governonão teria margem de manobra para alterar substancialmente os rumos da economia, dadas as restriçõesexternas e as políticas postas em prática a partir de meados dos anos 90. (Carta Capital, Ano XI 319:46-50).

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A execução do programa de reformas orientadas para o mercado, sob o governo FernandoHenrique Cardoso, alcançou, como foi ressaltado, uma grande amplitude em relação aoimpulso inicial dado por Fernando Collor, radicalizando-se, em conseqüência, o corte como passado. Tem início uma fase de intensa desconstrução legal e institucional, que abriria ocaminho para a refundação do Estado e da sociedade, de acordo com os novos parâmetrosconsagrados pelo mainstream internacional. No decorrer do processo de reestruturaçãoprodutiva que se verificou, uma parte expressiva do empresariado nacional foi duramenteatingida, o que se manifestou pelo grande número de falências e concordatas, levandoinclusive ao desaparecimento de empresas emblemáticas do período desenvolvimentista.Por outro lado, o segmento que se expandiu viu fortalecer-se sua posição aprofundandoseus vínculos com o setor transnacional. Para este segmento, o futuro estaria naturalmenteatrelado ao êxito da estratégia dominante. Entretanto, a incapacidade do governo de rompercom as amarras da estagnação e da vulnerabilidade externa da economia terminaria porabalar a confiabilidade daquela estratégia até mesmo junto a alguns dos novos gruposempresariais, aumentando a margem de descontentamento.

Ao mesmo tempo, o enfraquecimento dos sindicatos, no decorrer dos anos 90, levou aoesvaziamento da combatividade do movimento dos trabalhadores, eliminando um dosprincipais focos de resistência ao poder empresarial. O êxito das reformas produziu umaespécie de paz social forçada, pela perda de poder de fogo do sindicalismo. Ademais, asforças de centro-direita experimentaram um longo período de supremacia política, o quereforçou-lhes a auto-confiança no embate eleitoral. Sob tais condições, as flutuações daslides democráticas e a incerteza típicas de um processo eleitoral mais livre e competitivoaparecem para as elites como um jogo relativamente seguro (Weyland, 2002).

De forma similar, no plano internacional, a queda do muro de Berlim e o fim da guerra-friaprovocaram um retraimento da esquerda em escala mundial. Na mesma linha, internamente,as reformas liberais do governo Fernando Henrique impuseram à esquerda uma posturadefensiva. A posição do Partido dos Trabalhadores, que no início dos anos 80 era percebidacomo progressista, ou até mesmo de vanguarda, passa a ser vista com desconfiança, durantea hegemonia do pensamento neoliberal nos anos 90. O discurso modernizante passou a sero do governo, realizador das reformas liberais, única via capaz de inserir o país na ordemmundial globalizada. O discurso contrário foi insistentemente apontado como ultrapassado,expressão de um pensamento extemporâneo, sendo seus defensores identificados comoretrógrados. Segundo o discurso oficial, com amplo respaldo da mídia, os grupos deesquerda em geral seriam estigmatizados como “vanguarda do atraso”. Além disso, aoposição, incluindo o PT, não foi capaz de antepor ao pensamento dominante um projetoalternativo para o país.

Algumas lideranças do PT perceberam esta defasagem e defenderam a necessidade dopartido rever suas posições e formular uma nova estratégia. Instaurou-se uma polêmicaentre suas principais correntes. Alguns setores advogavam uma renovação interna profundapreconizando reformas sociais dentro dos marcos do sistema capitalista, abrindo mão dequalquer tentativa de ruptura. Outros insistiam na validade das teses socialistas, o que setornava, naquele contexto, uma postura pouco convincente, dado o colapso do socialismo

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em âmbito mundial. Efetivamente, àquela altura, a plataforma socialista pareciahistoricamente obsoleta, presa a um passado que não mais podia ser recuperado.

Estas transformações foram detectadas por um dos segmentos mais influentes do PT.Assim, por exemplo, em artigo publicado na revista Teoria e Debate, em 1997, Luiz Dulci,então secretário de cultura de Belo Horizonte e alto dirigente nacional do PT, pertencente àcorrente Articulação, reconhecendo as profundas mudanças pelas quais passara a sociedadebrasileira, defende a necessidade de uma nova postura do partido para enfrentar os desafiosdaquele momento: “(...) desde 89, carecemos de verdadeira estratégia global, naquelesentido forte, substantivo, de um projeto alternativo coerente e de um caminho sócio-político definido para tentar viabilizá-lo”4. A valorização da política, no contextodemocrático, a relevância da negociação e da tática de ampliação de alianças, aflexibilidade na busca de acordos diversificados foram alguns dos principais aspectos destamudança de percepção.

Um momento importante na luta interna entre as diversas correntes foi o ano de 1995,quando a liderança Lula/ José Dirceu vence as eleições para a direção do partido, cabendo aDirceu a presidência do PT, sendo Lula nomeado presidente de honra. Em síntese, comoargumenta Palermo (2003:25), “(...) já por volta de fins dos anos 90, levando em conta aevolução programática de longo prazo do partido que se expressa em documentos,declarações e tomadas de posição de dirigentes destacados, registrava-se um progressivodistanciamento da temática socialista (o que pode ser exemplificado) pelo documento UmOutro Brasil é Possível, de junho de 2001”. Efetivamente, neste documento, elaborado poruma equipe de economistas sob a direção de Guido Mantega, posteriormente designadopara o Ministério do Planejamento do governo Lula, o PT assumia publicamente um ideáriomais próximo da social-democracia européia.

Este processo de reformulação avançou progressivamente, evoluindo para uma visão maismoderada e gradualista da transição para um novo modelo. A ampla aceitação das reformasde mercado por segmentos expressivos da sociedade brasileira foi em parte responsável poresta mudança de postura. Além disso, os incentivos eleitorais agiram também no sentido deestimular o partido a caminhar para o centro, moderando suas posições políticas. Isto ficouclaro na campanha eleitoral para a presidência da República, em 20025, tal como se

4 Dulci (1997), http:// www.fabramo.org.br/td/nova_td/td34/td34_debate04.htm Consultado em 15/08/2003.5 Em junho de 2002, na Carta ao Povo Brasileiro, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, declarava seucompromisso com uma transição moderada para o novo modelo, combinando crescimento com estabilidadeeconômica e responsabilidade fiscal. Neste documento, defendia também o respeito aos contratos e acordosinternacionais, tal como se depreende das seguintes passagens: “O PT e seus parceiros têm plena consciênciade que a superação do atual modelo, reclamada enfaticamente pela sociedade, não se fará num passe demágica, de um dia para o outro. Não há milagres na vida de um povo e de um país. Será necessária uma lúcidae criteriosa transição entre o que temos hoje e aquilo que a sociedade reivindica. O que se fez ou se deixou defazer em oito anos não será compensado em oito dias. O novo modelo não poderá ser produto de decisõesunilaterais do governo, tal como ocorre hoje, nem será implementado por decreto, de modo voluntarista. Seráfruto de uma ampla negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo país, a um novocontrato social, capaz de assegurar o crescimento com estabilidade. Premissa dessa transição seránaturalmente o respeito aos contratos e obrigações do país. As crescentes turbulências do mercado financeirodevem ser compreendidas nesse contexto de fragilidade do atual modelo e do clamor popular pela suasuperação (...) Não importa a quem a crise beneficia ou prejudica eleitoralmente, pois ela prejudica o Brasil. Oque importa é que ela precisa ser evitada, pois causará sofrimento irreparável para a maioria da população.

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depreende da leitura de um dos principais documentos da campanha do PT, a já referidaCarta ao Povo Brasileiro. Para os partidos de centro-direita e os setores conservadores, odiscurso moderado, por sua vez, contribuiu para transformar os líderes petistas e o própriopartido num interlocutor mais confiável. Assim, ao longo deste período, o fosso entreesquerda e direita reduziu-se substancialmente6.

Dentro deste processo, podemos situar um último ponto de inflexão. Este fato, não menosimportante, foi a ruptura do pacto governo-empresários, entre os anos de 1998-2002. Apartir do início do segundo mandato de Fernando Henrique, um importante segmento doempresariado se afasta do governo e caminha para uma postura abertamente crítica.

Deste modo, a partir de meados de 2002, quando a campanha eleitoral se torna maisintensa, a insatisfação com o governo Fernando Henrique Cardoso já havia alcançadogrande amplitude. A rejeição do candidato situacionista torna-se também crescentementevisível. A opinião pública vinculou suas expectativas de mais emprego e crescimentoeconômico à reformulação da política econômica, associando-a, por sua vez, a umamudança de governo. Neste sentido, mudar o rumo, na percepção do eleitor, implicaria amudança das elites no poder.

O conjunto destes fatores expressa a profundidade das transformações que ocorreramdurante a última década do século passado. Como ressaltei em outro trabalho (Diniz:2004),é este processo de longo prazo, no decorrer do qual se tornou possível e viável a construçãode uma nova coalizão unida pela aspiração de mudança, o que explica a vitória de Lula naseleições de 2002. Esta não pode, portanto, ser entendida apenas como um fenômeno denatureza conjuntural, que se explicaria simplesmente pelas crises internas e externas domomento, ou pela estrutura de marketing utilizada na campanha eleitoral.

Para evitá-la, é preciso compreender que a margem de manobra da política econômica, no curto prazo, épequena (...) Estamos conscientes da gravidade da crise econômica. Para resolvê-la, o PT está disposto adialogar com todos os segmentos da sociedade e com o próprio governo, de modo a evitar que a crise seagrave e traga mais aflição ao povo brasileiro (...) A questão de fundo é que, para nós, o equilíbrio fiscal não éum fim, mas um meio. Queremos equilíbrio fiscal para crescer e não apenas para prestar contas aos nossoscredores. Vamos preservar o superávit primário o quanto for necessário para impedir que a dívida internaaumente e destrua a confiança na capacidade do governo de honrar os seus compromissos.” São Paulo, 22 dejunho de 2002: http:// www.iisg.nl/collections/carta_ao_povo_brasileiro.pdf (acesso em 6 de janeiro de2005). 6 A revista Veja, de ampla circulação no país, em sua edição de 25/09/2002:38-41, assim se referiu à posturamoderada de Lula e do PT, durante a campanha eleitoral: “ É cada vez menor o número de pessoas queduvidam dos compromissos democráticos do Partido dos Trabalhadores e de seu candidato à Presidência. Amaneira inequívoca com que Lula se comprometeu durante a campanha a manter intocados os fundamentos daestabilidade econômica também convenceu boa parte do eleitorado, conforme mostram as pesquisas deintenção de voto. Lula é aplaudido nos encontros com banqueiros, empresários e pecuaristas (...) Durante osúltimos meses, Luiz Inácio Lula da Silva foi muito firme na definição de suas posições. Ex-operário, ex-lídersindical a principal figura de um partido fundado com orientação socialista, Lula não hesitou em rever , pontopor ponto, vários itens de sua cartilha ideológica. Prometeu pagar a dívida externa, cumprir metas do FMI,manter as privatizações” (citado em Paulo, M. S. Trajetória do Partido dos Trabalhadores: Da fundação àvitória presidencial, dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, IFCS, UFRJ:90)

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Empresários e Estado sob a gestão Fernando Henrique Cardoso: a americanização darepresentação dos interesses empresariais

Entre as mudanças que marcaram a década de 1990, cabe destacar a alteração do padrão dearticulação Estado-empresariado. Desde os anos 30 e durante todo o processo deindustrialização por substituição de importações, predominou uma modalidade decorporativismo setorial e bipartite, através do qual os empresários tinham assento, ao ladode técnicos governamentais nos inumeráveis órgãos de natureza consultiva e deliberativainseridos na burocracia estatal, como o CDI (Conselho de Desenvolvimento Industrial), oCPA (Conselho de Política Aduaneira), o CDE (Conselho e Desenvolvimento Econômico)e muitos outros. A partir do governo Collor e prosseguindo durante a gestão de FernandoHenrique Cardoso, com o fechamento gradual das instâncias corporativas dentro daburocracia pública, esta estrutura foi desmontada, paralelamente ao reforço do estilotecnocrático de gestão (DINIZ, 1997 e 2000), concentrando-se no Executivo o poder dedecisão sobretudo no que se refere à política macro-econômica.

Deve-se destacar, porém, que a primazia decisória da alta tecnocracia e a relevância doCongresso não podem ser tratados como aspectos antagônicos da dinâmica governamental.As interconexões entre as arenas burocrática e parlamentar traduziram-se em ações deconflito e de cooperação, resultando favorável o saldo para o Executivo. Efetivamente,coube à instância congressual um papel crucial na implementação das propostas dogoverno. Caberia ainda ao Legislativo funcionar como instância ratificadora dos atos doExecutivo. Finalmente, representou a arena por excelência para o gerenciamento deconflitos, já que os diferentes grupos de interesse tenderiam crescentemente a canalizar suasdemandas para a instância parlamentar. A despeito do Presidente e seus ministros tereminsistido sistematicamente na versão de que governavam contra o Congresso, culpando estepoder pelo atraso na votação das reformas, na verdade Executivo e Legislativodesempenharam funções complementares, sendo sua forma particular de interação e denegociação parte constitutiva do estilo de gestão do governo. Neste sentido, o padrãoclientelista não pode ser considerado como um traço afeto exclusivamente ao Congresso,senão que faz parte da lógica de atuação do governo como um todo.

No que se refere ao setor privado, a ausência de canais institucionalizados de articulaçãocom a burocracia estatal induziu a classe empresarial a um estilo particularista e defensivode atuação nas suas relações com o Executivo. Configurou-se uma rede de conexões de teorpredominantemente informal à qual apenas um círculo restrito das elites empresariais teriacondições de incorporar-se.

Por outro lado, em contraste com o período nacional-desenvolvimentista, em que oExecutivo constituíra o espaço privilegiado de intercâmbio com os grupos privados, a partirde meados dos anos 80, observou-se um expressivo deslocamento da ação dos interessesorganizados do Executivo para o Legislativo, mediante a difusão da prática do lobby, que jávinha ganhando relevância desde a elaboração da Constituição de 1988. No decorrer dosanos 90, reforça-se a tendência à valorização do Legislativo como espaço de interlocução ecomo lócus legítimo para o exercício da influência e do poder de pressão dos gruposempresariais. A centralidade alcançada pela arena congressual revelou-se através deinúmeras iniciativas do empresariado no sentido de modernizar e adaptar sua estrutura de

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representação de interesses às mudanças do perfil institucional do país. Diversas entidadesintegrantes da estrutura corporativa, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), asfederações dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro (FIESP e FIRJAN), bem comoinúmeras associações civis setoriais, como a ABDIB, a ANFAVEA, a ABIFARMA, aABINEE7, entre outras, voltaram suas atividades para o Congresso, com o qual passaram amanter permanente intercâmbio, montando escritórios em Brasília e acompanhando atramitação dos projetos de interesses para o setor empresarial. Na mesma linha pode-sesituar a criação da Ação Empresarial, em 1991, que teve atuação destacada durante atramitação da nova legislação dos portos e da reforma tributária.

Mas a grande inovação associada à centralidade da atividade parlamentar foi a criação, noâmbito da CNI, da Coordenadoria de Assuntos Legislativos (COAL), assessoria paraassuntos legislativos, que tem por objetivo o acompanhamento dos trabalhos legislativos deinteresse para o empresariado industrial, fornecendo informações para as diferentesentidades de classe acerca dos principais projetos e ao mesmo tempo encaminhando aosparlamentares não apenas dados de pesquisas realizadas pelas entidades de classe, comotambém sugestões formuladas pelas diferentes organizações empresariais. Desde 1996, aCOAL edita e circula, nos meios empresariais, a Agenda Legislativa, divulgandoinformações sobre os vários projetos em tramitação, explicitando a posição das entidades declasse e suas principais propostas. Além disso, a CNI montou um banco de dadoseletrônico, o LEGISDATA, que é atualizado diariamente. Foi através desse conjunto deintrumentos que a entidade de cúpula dos industriais coordenou no Congresso, a partir demeados dos anos 90, uma intensa atuação para reduzir o custo Brasil, atividade esta queteve, no período em questão, um grau de sucesso considerável.8

Um terceiro fato indicativo do processo de adaptação das organizações empresariais aonovo contextos pós-reformas de mercado, foi a criação da ONIP (Organização Nacional daIndústria do Petróleo). Caracterizando-se como uma organização não governamental decaráter mobilizador, a ONIP reúne os interesses da cadeia produtiva do petróleo, uma dasmais dinâmicas do país. Propõe-se a atuar como um espaço de articulação e de cooperaçãoenvolvendo os principais atores, como a Petrobras, as empresas privadas, entidades declasse e órgãos governamentais do poder Executivo, na busca de estratégias comuns para aexpansão e o fortalecimento da cadeia produtiva como um todo9.

Tais mudanças deram à estrutura de representação dos interesses do empresariado industrialum caráter complexo, heterogêneo e diversificado, evoluindo para um sistema híbrido emultipolar, rompendo-se a rigidez do modelo corporativo tradicional. A consolidação daprática dos lobbies no Congresso, a modernização das entidades tradicionais e a criação deinúmeras organizações de caráter abrangente, como a Ação Empresarial, a CoalizãoEmpresarial Brasileira e a ONIP ampliaram os recursos de poder herdados do passado,

7 Associação Brasileira da Infra-estrutura e Indústrias de Base, Associação Nacional dos Fabricantes deVeículos Automotores, Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica e Associação Brasileira da IndústriaElétrica e Eletrônica.8 A atuação do lobby da indústria neste período foi objeto de uma detalhada pesquisa, que fornece inúmerasevidências sobre a importância da prática política do empresariado industrial nesta fase das reformasorientadas para o mercado (Mancuso. 2004). 9 Para uma análise mais detalhada desta e outras das novas organizações empresariais, ver Diniz e Boschi(2004)

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observando-se um processo de americanização da representação dos interesses empresariais(DINIZ e BOSCHI, 2004).

Empresário e Estado: a tensão entre continuidade e mudança nos dois primeiros anosdo governo Lula

Como foi ressaltado no início deste trabalho, a vitória de Lula, nas eleições presidenciais de2002, representou um marco na construção da democracia sustentada no Brasil, implicandoa plena aceitação do princípio da alternância do poder10. Ao contrário do que ocorreu naseleições anteriores, Lula adotou, com o respaldo da direção do PT, uma postura moderada,acenando com uma lúcida e ordenada transição para o novo modelo, sem ruptura doscontratos e compromissos internacionais. Importante nesta trajetória foi a busca deconfiabilidade junto às instituições financeiras internacionais e , internamente, a conquistada confiança do setor privado. Um passo fundamental nesta estratégia de moderação e deconquista do centro foi a decisão de aliar-se ao Partido Liberal (PL), convidando o entãosenador liberal mineiro, José Alencar, para o cargo de vice-presidente da chapa do PT.Empresário, dono da Coteminas, o maior complexo têxtil do país, a aliança com JoséAlencar Gomes da Silva significaria, na avaliação dos mentores da campanha, um primeiroesforço na estruturação do pacto capital-trabalho, meta do governo Lula, em caso de vitórianas urnas. Um segundo momento significativo foi a elaboração da já mencionada Carta aoPovo Brasileiro, que veio a público em 22 de junho de 2002, dando destaque aoscompromissos com a preservação da estabilidade econômica, responsabilidade fiscal erespeito aos contratos firmados com os credores internacionais, o que implicaria amanutenção de superávits primários elevados11. A seguir, em julho, foi apresentado oprograma de governo, de teor bem mais moderado do que os anteriores e, finalmente, emagosto, foi divulgada a Nota sobre o Acordo com o FMI, pela qual o partido secomprometia a respeitar o acordo com o FMI negociado no final do governo FernandoHenrique12.

Lula foi eleito por uma ampla coalizão, reunindo os votos tradicionais da esquerda e os deinúmeros outros setores descontentes com o modelo neoliberal posto em prática ao longodos anos 90, aí incluindo setores do empresariado e da classe média. Obtendo, no segundoturno, 61,3% dos votos (cerca de 53 milhões de eleitores), contra 38,7% de votosalcançados por José Serra, - o candidato do governo e seu principal adversário – emeleições caracterizadas por uma alta taxa de comparecimento às urnas, Lula canalizou asaspirações por mudanças nos rumos da economia e da política. Evidentemente, o grau e otipo de mudanças não seriam uniformes, apresentando distinções entre os vários segmentosdeste amplo e heterogêneo conjunto de eleitores.

Uma vez no poder, o governo Lula, em seus primeiros dois anos de mandato, estevemarcado por uma forte tensão entre continuidade e mudança, esta última manifestando-se10 Em 2002, Lula obteve 46,4% dos votos no primeiro turno e 61,3% dos votos no segundo turno contra23,2% e 38,7% dos votos obtidos por José Serra, seu principal adversário, respectivamente no primeiro e nosegundo turnos. Além disso, o PT conquistou o maior número de cadeiras na Câmara dos Deputados, 91cadeiras ou 17,7%.11 Ver nota 5.12 Ver Partido dos Trabalhadores-PT Programa de Governo 2002, julho, 2002 e Notas sobre o Acordo com oFMI, 8 de agosto de 2002.

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sobretudo no que tange à política externa, conduzida de forma eficiente pelo Ministro dasRelações Exteriores, embaixador Celso Amorim.13

Considerando a política macroeconômica - estratégica para definir os parâmetros a quedeve subordinar-se o conjunto do governo - prevaleceram as linhas de continuidade,sobretudo em relação ao segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso. Desta forma,sob a direção do Ministro da Fazenda, o médico Antônio Palocci Filho, à frente de umaequipe formada basicamente por técnicos de fácil trânsito nos círculos financeiros e doPresidente do Banco Central, Henrique Meirelles14, ex-presidente mundial do Bank Boston,ligado ao setor banqueiro, o governo adotou uma política monetária e fiscal austera paraenfrentar a chamada crise de credibilidade. Esta política manifestou-se pela prioridade àsmetas de estabilização, combinando câmbio flutuante com livre movimento de capitais, amanutenção do regime de metas de inflação e políticas fiscais altamente restritivas,aumentando inclusive a taxa básica de juros (SELIC) dos 25% vigentes no início dogoverno para 26,5% ao ano, tres meses depois. Na área fiscal, decidiu-se elevar osuperávit primário para 4,25% do PIB, um valor superior ao acordado com o FMI pelogoverno anterior15. Com respeito às reformas estruturais, comprometidas com o equilíbriodas contas públicas e a criação de um ambiente institucional favorável à operação dosmercados, foram aprovadas, no Congresso, as reformas previdenciária e tributária,encontrando-se ainda em tramitação, o projeto destinado a conferir autonomia ao BancoCentral. A meta, portanto, seguiria sendo a redução da dívida pública por meio da obtençãode superávits primários altos e continuados16.

A aproximação com o empresariado transparece não só pela presença de José Alencar navice-presidência do país, mas também pela indicação de dois outros empresários paraintegrar a equipe ministerial. Assim, a pasta da Agricultura ficou com Roberto Rodrigues,então presidente da ABAG (Associação Brasileira de Agribusiness, um dos segmentos maisdinâmicos da agricultura brasileira), enquanto para o Ministério do Desenvolvimento,Indústria e Comércio Exterior foi designado o empresário Luiz Fernando Furlan (presidentedo Conselho de Administração da Sadia, grande grupo fabricante e exportador, do ramoalimentício). Para a presidência do BNDES (Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social), principal órgão de financiamento público do Brasil, foi designado oeconomista e então reitor da UFRJ, Carlos Lessa, conhecido por suas posiçõesdesenvolvimentistas e favoráveis ao fortalecimento do parque produtivo nacional17. Este

13 Ver Diniz, Eli (2003), disponível em www.ie.ufrj.br/aparte e publicado em espanhol no número desetembro-outubro de 2004 do Boletín Brasil, do Centro de Estudios Brasileños Ortega y Gasset, dirigido peloprof. Julimar da Silva Bichara, 14 Deve ser ressaltado que o novo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, manteve, inicialmente,todos os integrantes da diretoria anterior do órgão, em mais uma demonstração de continuidade. 15 As linhas mestras da política econômica do governo estão contidas no documento Política Econômica eReformas Estruturais, do Ministério da Fazenda, de abril de 2003. Também estão explicitadas nas diversascartas de intenção encaminhadas ao FMI.16 O governo anunciou para os anos de 2003 e 2004 as metas de inflação de 8,5% e 5,5%, respectivamente, oque representou um acentuado declínio em relação à taxa observada em 2002, reforçando, portanto, a políticaantiinflacionária. Ordenou cortes do gasto público para viabilizar o objetivo fiscal e colocou na Lei deDiretrizes Orçamentárias o objetivo de manter a mesma meta fiscal, de 4,25% do PIB de superávit primário,para o período de 2004-2006 ( Giambiagi, 2005:206).17 Em entrevista à revista Caros Amigos (Ano VIII, Nº 93/dez.2004: 32-34), após ter sido demitido, o prof.Lessa assim se expressou: “(...) estou absolutamente convencido (...) de que o Brasil tem de mergulhar pesado

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permaneceu no cargo por dois anos, ao longo dos quais sua gestão foi objeto de muitapolêmica e alvo de muitas pressões, sendo sua provável demissão inúmeras vezesanunciada pelos meios de comunicação. Tendo sido finalmente demitido em 18 denovembro de 2004, apesar de sua gestão voltada para o fortalecimento do parque produtivobrasileiro e da importância atribuída à política industrial, Lessa não recebeu manifestaçõesde solidariedade da classe empresarial.

Em sua edição de 19 de novembro de 2004, a Folha de São Paulo publicou declarações deempresários mostrando como o setor estava dividido em relação à demissão de Lessa, sendopoucas as demonstrações de apoio. Assim, na avaliação do presidente da CNI, ArmandoMonteiro Neto, os atritos entre o ex-presidente do BNDES e alguns membros do governoLula teriam sido razão suficiente para o afastamento de Lessa do cargo: “Sempre tivemos,na CNI, um grande apreço pela diretoria do BNDES e pelo professor Lessa, mas entendoque não é possível existir, no âmbito da própria equipe do governo, discussões sobre osrumos da política econômica”. Em sua nota, também o novo presidente da FIESP, PauloSkaf, assumiu um tom neutro: “A passagem de Carlos Lessa pelo BNDES foi marcada porseu estilo próprio de trabalho, tendo cumprido sua missão (...) Por outro lado, já olhandopara o futuro, Guido Mantega (ex-ministro do Planejamento e o novo presidente doBNDES) é igualmente íntegro, preparado e com muito trânsito no governo”. Cláudio Vaz,presidente do CIESP (Centro das Indústrias do Estado de São Paulo), fez críticas à atuaçãode Lessa: “O Lessa é um acadêmico que tem história importante no pensamento modernodo país. Agora, como executivo, ele não tem experiência. O BNDES precisa de pensadorese operadores. O Guido Mantega já é mais integrado com a equipe econômica”. PauloGodoy, presidente da ABDIB, disse apenas que “ a troca de diretores e presidentes emórgãos públicos é natural”. Abram Szajman, presidente da Federação do Comércio doEstado de São Paulo, afirmou que “Infelizmente, há muitos anos, o BNDES vemfinanciando pouco o pequeno empresário do setor de comércio e serviços. Esperamos que ,com o novo presidente, o banco venha a dar mais atenção a esses empreendedores”.Finalmente, o presidente da ABIMAQ (Associação Brasileira da Indústria de Máquinas eEquipamentos), Newton de Mello, teve uma posição distinta e lamentou a substituição deLessa: “Era um nacionalista que defendia o investimento produtivo. Vemos compreocupação a sua saída”.

A preocupação com a incorporação política aparece ainda em outra iniciativa do governo.Assim que tomou posse, o presidente Lula anunciou a criação do Conselho deDesenvolvimento Econômico e Social (CDES), para institucionalizar um espaço denegociação entre Estado e sociedade civil. Um grande número de empresários foiconvidado para integrar o Conselho, que teve a seguinte composição: o Presidente daRepública, que o preside, o Ministro Tarso Genro, seu secretário-executivo18, e mais 11ministros, e 90 representantes da sociedade civil, entre os quais, 41 empresários, 13

na discussão da questão nacional e na discussão da questão popular (...) sou neonacionalista (....)Neonacionalista no seguinte sentido: Os interesses nacionais têm de prevalecer sobre todos os demais. Certasempresas são estratégicas. A Vale do Rio Doce é estratégica para o Brasil, então não podemos permitir queela vire uma multinacional. Essa foi uma das brigas enormes”. Em entrevista à revista Carta Capital(24/11/2004: 24-30), identificou como desenvolvimentistas no governo: “ (José) Dirceu, (José) Fritch, CelsoAmorim, José Alencar, Dilma Rousseff, o ministro da Saúde (Humberto Costa) e o ministro da Educação(Tarso Genro). Agora, onde é que está o poder? O poder está nos donos do “não”. O poder está na Fazenda,porque a Fazenda pode dizer não. E está com a Marina (Silva), porque diz o não ecológico.”

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sindicatos de trabalhadores, 11 movimentos sociais, 10 personalidades, 3 entidades declasse, 2 representantes da cultura, 2 religiosos e 7 representantes das regiões Norte eNordeste (www.cdes.gov.br). Entre os empresários, podem ser citados Antoninho MarmoTrevisan, da Trevisan Associados, Eduardo Eugênio Gouveia Vieira, presidente da FIERJ,Horácio Lafer Piva, então presidente da FIESP, Eugênio Staub, presidente da Gradiente emembro do Conselho do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI)19,Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do grupo Gerdau, Abílio Diniz, presidente do grupoPão de Açúcar, Benjamim Steinbruch, presidente da CSN (Companhia SiderúrgicaNacional e membro do Conselho do IEDI), Reinaldo Campos Soares, presidente daUsiminas, Pedro Jeressaiti, presidente da Telemar, todos grandes empresários devisibilidade nacional.

Nessa mesma linha, foi criado, em fins de 2004, o Conselho Nacional de DesenvolvimentoIndustrial (CNDI)20, órgão de caráter consultivo para formular as diretrizes da política dedesenvolvimento industrial, vinculado à Presidência da República e presidido pelo Ministrode Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Cabe ao CNDI subsidiar a formulaçãode políticas públicas voltadas ao desenvolvimento industrial, às atividades de infra-estrutura, à normalização de medidas que permitam maior competitividade das empresas eao financiamento das atividades empreendedoras. O Conselho, que iniciou informamentesuas atividades desde abril de 2004, é composto por 13 ministros e pelo presidente doBNDES, por 11 empresários e 3 representantes dos trabalhadores.21 As reuniões do CNDIderam origem a uma série de medidas de interesse do setor produtivo, entre as quais o18 Posteriormente, por ocasião da primeira reforma ministerial do governo, Tarso Genro foi deslocado para oMinistério da Educação e o Ministro Jacques Wagner assumiu a Secretaria do CDES. Em artigo publicado nojornal O Globo, em 08/01/2005, o novo Ministro ressalta os resultados do Conselho em seus dois primeirosanos de funcionamento e afirma: “A participação da sociedade é cada vez mais exigida como requisito aosfinanciamentos internacionais a projetos governamentais. A experiência brasileira com o Conselho foi relatadana Argentina e, agora, será apresentada ao novo governo uruguaio. Existe uma rede mundial em que osConselhos Econômicos e Sociais, em mais de 60 países, estimulam a interface entre a sociedade civil e osagentes públicos, como forma de projetar diretrizes para o desenvolvimento (...) a tarefa do CDES é,justamente essa, viabilizar um grande acordo social, via construção de uma agenda nacional dedesenvolvimento”. 19 O IEDI foi criado em 1989. Reune atualmente 45 empresários ligados a grandes grupos empresariaisnacionais. Teve seu auge entre 1989 e 1993, perdendo espaço entre 1994 e 1998, período correspondente aoprimeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, quando foi executada a maior parte da agenda das reformasorientadas para o mercado. A partir de 1998, voltou a adquirir maior visibilidade dando voz às posições dosgrandes empresários nacionais. Destacou-se produzindo estudos e propostas voltados para a formulação deuma política industrial capaz de orientar o processo de inserção do país no mercado global, preservando,simultaneamente, o espaço da produção interna. Ver Diniz e Boschi, 2004.20 O CNDI foi criado pela lei nº 11080, de 30 de dezembro de 2004 e regulamentado pelo decreto nº 5353, de24 de janeiro de 2005.21 São os seguintes os empresários integrantes deste Conselho: Armando Monteiro Neto (presidente da CNI),Marcos Vinícius Pratini de Moraes (presidente da ABIEC), Eugênio Staub (presidente da Gradiente econselheiro do IEDI), Jorge Gerdau Johannpeter (presidente do grupo Gerdau e conselheiro do IEDI), OsmarZogbi (Bracelpa e Ripasa), Luiz Carlos Delben Leite (presidente da ABIMAQ), Maurício Botelho (presidenteda Embraer), Josué Gomes da Silva (presidente da ABIT, da Coteminas, diretor-geral do Conselho do IEDI,membro do Conselho Superior Estratégico da Indústria da FIESP e vice-presidente do Conselho Superior doComércio Exterior/COSCEX), Paulo Godoy (presidente da ABDIB) e Amarílio Proença de Macedo(presidente da J. A. Macedo e conselheiro do IEDI). Pelos trabalhadores participam: Luiz Marinho (CUT),Antônio dos Santos Neto (CGTB) e João Carlos Gonçalves (Força Sindical).http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/ascom/noticias/noticia.php?cd_noticia=6297. Acesso em16/02/2005.

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Reporto, a desoneração de bens de capital mediante redução do prazo para aproveitamentode crédito de PIS/Cofins, a depreciação acelerada para bens de capital a ser descontada naCSLL e o projeto de lei complementar para microempreendedores com receita bruta anualaté R$ 36 mil. No mesmo período, foi criada a Agência Brasileira de DesenvolvimentoIndustrial (ABDI)22, integrada pelos ministros de Desenvolvimento; Ciência e Tecnologia;Planejamento; Casa Civil; Agricultura, além do ministro de Integração Nacional e dospresidentes do BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal. O objetivo destaagência é o de executar e articular ações e estratégias da política industrial por meio doapoio ao desenvolvimento do processo de inovação e do fomento à competitividade dosetor produtivo.

Na área da política exterior, a CNI está presente, dirigindo a Secretaria Executiva daCoalizão Empresarial Brasileira (Ceb), organização de caráter voluntário, criada em 1996,“que agrega empresários e organizações empresariais com o objetivo de coordenar oprocesso de influência do setor empresarial brasileiro nos processos de negociaçõescomerciais internacionais em que o Brasil está envolvido, buscando a formação doconsenso interno, o estabelecimento de canais de diálogo com o governo brasileiro e aatuação coordenada em foros empresariais internacionais”23. A Ceb age de diversasmaneiras, disseminando informações, organizando grupos de trabalho temáticos, realizandoreuniões para o diálogo com os negociadores brasileiros em acordos internacionais, ouainda para definir estratégias de atuação em fóruns internacionais, tais como o FórumEmpresarial das Américas e o Fórum Empresarial Mercosul-Europa. Em sua estrutura, estásob a direção do Conselho de Orientação Estratégica (COE), conselho composto por 24membros representando as organizações empresariais de cúpula e entidades setoriais comrelevante participação no comércio exterior brasileiro. Trata-se de uma importante instânciade articulação institucionalizada com as agências governamentais da área de relaçõesexteriores.

Os empresários avaliam de maneira positiva este esforço de aproximação. Assim, porexemplo, em entrevista realizada com o diretor-executivo do IEDI, em feveiro de 2005, esteressaltou que o governo Lula se distingue bastante do anterior no que se refere às relaçõescom o empresariado, sobretudo o setor dos grandes empresários nacionais que fazem partedo IEDI. Em suas palavras: “Há uma diferença de visão deste governo com relação àeconomia do país e ao papel do empresário nacional. As portas que o governo abre sãomuitas. O diálogo é sempre muito bom. Para este governo, é importante manter uma boarelação com os empresários. O ministro José Dirceu, o Ministro Furlan, o ministro EduardoCampos (Ciência e Tecnologia), o ministro Celso Amorim ( relações Exteriores), o ministroRoberto Rodrigues (Agricultura), o ministro Luiz Gushiken (Secretaria de Comunicação deGoverno e Gestão Estratégica), todos têm uma visão muito mais clara da importância daempresa e do empresariado nacional. O Presidente Lula está sempre pronto ao diálogo comos empresários, muitas vezes procura os empresários (...). O diálogo do governo com osempresários, hoje, é mais institucionalizado do que no passado recente (...) O Presidente,além disso, tem a visão da importância do comércio exterior para o desenvolvimento do

22 A ABDI foi criada pela lei nº 11080, de 30 de dezembro de 2004 e regulamentada pelo decreto nº 5352, de24 de janeiro de 2005. Verhttp://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/ascom/noticias/noticia.php?cd_noticia=6297 Acesso em 16/02/2005.23 http://www.negociaçoesinternacionais.cni.org.br/negocia.nsf/ceb.htm Acesso em 02/03/2005.

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país. O Presidente tem uma agenda comercial a que efetivamente atribui relevância (...) OIEDI está totalmente favorável à política externa do país e concorda que o interessecomercial do país deve estar em primeiro lugar”.24

Retomando a análise da política macroeconômica, a partir de meados de 2003, asautoridades monetárias iniciaram uma gradual redução da taxa básica de juros, que foireduzida em 10 pontos percentuais, chegando a 16,5% no final daquele ano. Estadiminuição não foi, porém, suficiente para estimular os investimentos e o aumento daprodução, ou ainda para reduzir o desemprego e manter estável a renda dos trabalhadores.O crescimento da economia em 2003 foi de apenas 0,5%, frustrando as expectativas deretomada do desenvolvimento e melhoria das condições de vida da população. Além disso,a dívida externa permaneceu em patamares muito elevados e o país persistiriaextremamente vulnerável às condições externas.

A idéia de que, uma vez superadas as tormentas da crise de 2002, se iniciaria uma “fase 2”,em que o crescimento seria a meta do governo, desfez-se em virtude do agravamento darestrição monetária, de maneira mais intensa do que aconselharia uma visão moderada ecautelosa. Sob esse aspecto, o governo não ofereceu sinais consistentes com umareorientação de conteúdo desenvolvimentista. O BNDES, em seu documento “A retomadado desenvolvimento - diretrizes para a atuação do BNDES”(www.bndes.gov.br) definiuum conjunto de políticas favoráveis ao desenvolvimento econômico do país. Na mesmalinha, pode ser situado o Plano Plurianual do Governo (www.planalto.gov.br), reafirmandoa meta de recuperação do crescimento com inclusão social e preservação da estabilidadebaseada em sólidos fundamentos fiscais. Esse tipo de orientação não encontrou respaldo nojá referido documento do Ministério da Fazenda “Política econômica e reformasestruturais” (www.fazenda.gov.br), o qual não apresenta nenhuma referência a qualquerflexibilização da política macroeconômica em seus fundamentos de austeridade fiscal, nemmenciona a política industrial como preocupação do governo.

Alguns indícios posteriores eliminaram, aliás, qualquer dúvida sobre a possibilidade de umaatenuação da rigidez fiscal. Assim, em abril de 2004, o governo anunciou através daimprensa que o superávit acumulado pelo setor público no primeiro trimestre daquele anoalcançara R$ 20,528 bilhões de reais, valor equivalente a 5,41% do PIB, superando, assim,a meta de 4,25% do PIB definida anteriormente pelas autoridades monetárias.

Ademais, qualquer tentativa de mudança mais expressiva esbarraria no enfoqueconservador da equipe econômica concentrada nos altos escalões burocráticos do Ministérioda Fazenda, Tesouro Nacional e Banco Central. Esta equipe se mantém insulada nocomando da política macroeconômica, permanecendo relativamente impermeável àsdemandas e críticas dos setores favoráveis à flexibilização das políticas monetária e fiscalde forma a tornar viável a meta do desenvolvimento sustentado. Como superar as amarrasdos superávits primários elevados, ser mais agressivo na redução dos juros e da cargatributária e criar as condições para aumentar os investimentos públicos e privados, eis asquestões principais da pauta de demandas de diferentes setores da sociedade, incluindosegmentos expressivos do empresariado do setor produtivo e da intelectualidade do país25.Em outros termos, na discussão pública, ganhou destaque a idéia de que, a despeito da24 Entrevista com o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, diretor-executivo do IEDI, 15/02/2005.

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necessidade de o governo cumprir os compromissos externos, seria possível adaptar-se àscircunstâncias mundiais sem abdicar das mudanças indispensáveis para corresponder aomandato conferido pelas urnas. Para tanto, uma flexibilidade maior na condução da políticafiscal e monetária seria necessária, mantendo-se um equilíbrio entre a preocupação com ascontas públicas e a estabilidade monetária, por um lado, e a preocupação em não perderuma oportunidade de retomar o desenvolvimento, por outro26.

Durante o primeiro ano do mandato, o alto custo social da política macroeconômica foi,aliás, um dos principais fatores de desgaste do governo diante da opinião pública, apesar dapopularidade do Presidente ter continuado relativamente alta. Nos últimos meses de 2003,as pesquisas de opinião divulgadas pelos principais jornais do país deram destaque àpreocupação crescente com o aumento do desemprego. Assim, por exemplo, no dia 2 denovembro, A Folha de São Paulo publicou os resultados da pesquisa Datafolha, levada aefeito em 130 municípios de todo o país, reforçando as conclusões a que haviam chegadolevantamentos anteriores, indicando o desemprego como a principal preocupação dapopulação. Entre os entrevistados, 46% apontaram o desemprego como o principalproblema do país, superando a fome (apontada por 12%), a violência (indicada por 10%), ea saúde (também 10%). Além disso, para 25% dos entrevistados, esta foi apontada como aárea de pior desempenho do governo em seu primeiro ano, atingindo 54% os que avaliaramruim ou péssima a atuação do governo no combate ao desemprego, em comparação com50% no mês de agosto, e 43% em março de 2003. Em outros termos, na percepção dapopulação, este se destacaria como o aspecto mais negativo do desempenho do governo, oque não parece ser mitigado pelos efeitos de políticas emergenciais, como o programaFome Zero e demais políticas sociais compensatórias. 27

No segundo ano de mandato, durante o primeiro semestre de 2004, observou-se a reduçãoda taxa básica de juros de 26,5%para 16%. A persistência da estabilidade macroeconômica,a redução da taxa de juros, o bom desempenho do setor exportador e as condições25 Intelectuais ligados ou não ao PT, notadamente no campo da economia e das ciências sociais, vêmmanifestando críticas à política macroeconômica do governo. Veja-se, por exemplo, o livro recém-lançado,organizado pelos professores João Sicsú, José Luis Oreiro e Luiz Fernando de Paula, Agenda Brasil, políticaseconômicas para o crescimento com estabilidade de preços, no qual os autores defendem uma formaalternativa de controle da inflação, sem o recurso sistemático à elevação da taxa de juros e demaismecanismos do receituário ortodoxo, que bloqueiam os investimentos e impedem o crescimento.26 Assim, por exemplo, em sua coluna publicada toda quinta-feira, na Folha de São Paulo, o economista PauloNogueira Batista Júnior, em diferentes momentos, criticou o excesso de conservadorismo da políticamonetária e fiscal e, em particular, a rigidez do Banco Central. Também em vários de seus artigos publicadosna Folha de São Paulo, o economista Bresser Pereira, ex-ministro da Fazenda no governo Sarney e ex-ministroda Administração e Reforma do Estado, no governo Fernando Henrique, alertou as autoridades monetáriaspara os riscos da política de altas taxas de juros do Banco Central (www.bresserpereira.org.br). Na mesmalinha de crítica e destacando a existência de alternativas à política macroeconômica, podem ser citados osartigos do economista João Sabóia (www.ie.ufrj/aparte). 27 Alguns economistas chamaram a atenção para os efeitos perversos da política governamental no que serefere aos índices crescentes de desemprego, sobretudo nas regiões metropolitanas. Como ressaltou PauloNogueira Batista Jr, o desemprego total (que inclui o subemprego, o emprego precário e o desemprego pordesalento) aumentou consideravelmente entre agosto de 2002 e agosto de 2003, alcançando nesta última data,18% da população economicamente ativa de Porto Alegre, 20% em São Paulo, 21% em Belo Horizonte, 24%no Distrito Federal, 24% em Recife e 28% em Salvador. A pesquisa mensal de emprego realizada pelo IBGE(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), que mede apenas o desemprego aberto nas seis principaisregiões metropolitanas do país, confirmou a tendência à deterioração do mercado de trabalho com o aumentoexpressivo do desemprego ( Batista Jr. 2003).

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extremamente favoráveis do cenário internacional impulsionaram um forte crescimento daeconomia neste período, a partir de início de 2004. Os dados publicados pelo IBGE, emdezembro de 2004, indicaram um crescimento de 6,6%, no terceiro trimestre, frente aomesmo período do ano anterior. Em março de 2005, o IBGE divulgou os dados sobre odesempenho da economia. Assim, em 2004, os dados oficiais mostraram que o crescimentodo PIB foi de 5,2%, o melhor resultado desde 1994 (época do lançamento do Plano Real),quando este crescimento foi de 5,9%28. O PIB per capita cresceu 3,7% em 2004. A indústriateve um crescimento de 6,2%. Para 2005, as expectativas para o crescimento do PIBoscilavam entre 3,5% e 4,0%. Observou-se um forte crescimento da formação bruta decapital fixo (20,1%) e da demanda externa. As exportações cresceram 18,2%, enquanto asimportações cresceram 17,7% (Bichara e Cunha, 2004). Segundo dados do Ministério deDesenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, em 2004, o ritmo de crescimento dasexportações surpreendeu as previsões mais otimistas: no ano passado, as empresasbrasileiras embarcaram o recorde de US$96,475 bilhões, o que significou alta de 32% emrelação a 2003. As importações também aumentaram em ritmo forte: foram para US$62,779 bilhões, 30%, em relação a 2003. Esse desempenho garantiu ao país um superávit deUS$ 33,696 bilhões.

De acordo com declarações à imprensa do ministro Luiz Fernando Furlan, “em valores, aexpansão das exportações significou geração adicional de divisas de US$23,391 bilhões de2003 para 2004, uma evolução inédita. A corrente de comércio brasileira atingiu US$ 159,2bilhões em 2004, 31,2% acima de 2003. Dessa forma, a participação do comércio exteriorno PIB deve subir de 24,6% em 2003 para 26,6% em 2004. Estamos nos aproximando dameta de ter uma corrente de comércio exterior equivalente a 30% do PIB, o que mudará opatamar do risco Brasil”.29 No dia 21 de janeiro de 2005, a imprensa anunciou que o Brasilteve saldo positivo recorde na conta de transações correntes (US$ 11,669 bilhões, o maiordesde que essa estatística passou a ser calculada em 1947)30.

Entre os setores com maior êxito no mercado internacional e que apresentavam altasperspectivas de investimento, sobressaíam os de minério de ferro, siderurgia(principalmente a CSN e a Vale do Rio Doce), celulose e petroquímica.31 O comérciointerno também teve um melhor desempenho. Segundo levantamentos divulgados pelaimprensa, o ano de 2004 “foi o melhor do comércio varejista desde que o IBGE (InstitutoBrasileiro de Geografia e Estatística) começou a pesquisar dados sobre o setor. O volumede vendas cresceu 8,98% no acumulado de janeiro a novembro – em contraste, em 2003,houve uma retração de 3,67%”.32 Assim, em dezembro de 2004, segundo pesquisaDatafolha, a avaliação positiva do governo Lula havia subido dez pontos percentuais, nosúltimos 4 meses daquele ano, chegando a 45%. Em setembro de 2004, a avaliação positivado governo foi de 35%, seu pior resultado. Quando se estratifica por nível de renda,

28 Entre 1994 e 2004, a variação anual do PIB em porcentagem foi a seguinte: 5,9%(1994); 4,2%; 2,7%; 3,3%;0,1%; 0,8%; 4,4% (2000); 1,3%; 1,9%; 0,5% e 5,2% (2004).29 Valor, 04/01/2005:A430 Folha de São Paulo, 21/01/2005: B1.As transações correntes são formadas pela soma de três outras contas: abalança comercial (exportações menos importações); a balança de serviços e rendas (pagamento de juros dadívida externa, remessas de lucros para o exterior, entre outros ítens) e as transferências unilaterais (dinheiroenviado ao Brasil por residentes no exterior e vice-versa)31 O Globo, 23/01/2005: 32.32 Folha de São Paulo, 19/01/2005: B3.

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verifica-se que os mais ricos são os mais satisfeitos (renda superior a dez saláriosmínimos33), entre os quais 50% disseram considerar a administração federal do PT ótima ouboa.34

Como os empresários em geral avaliaram o desempenho do governo Lula em seus doisprimeiros anos de mandato? Segundo a visão do diretor-executivo do IEDI, não houve umaavaliação uniforme. Podem ser destacados quatro tipos de avaliações. Em primeiro lugar,para os empresários que pensavam que o governo seria um desastre, que não teria condiçõesde gerir a crise de forma eficiente, que poderia adotar uma postura radical de rompimentocom o FMI e de desrespeito aos contratos internacionais, seguindo uma política deirresponsabilidade na área monetária, para estes, a situação foi de verdadeiro alívio. Parauma segunda categoria de empresários, por exemplo, os grandes empresários do IEDI, estesnunca temeram atitudes radicais por parte de Lula, caso vencesse as eleições. Jamaisacharam que o governo Lula iria romper com os credores internacionais, colocando o paísnuma rota de confronto com o FMI. Desta forma, para o IEDI, ao contrário, o governo agiude forma excessivamente cautelosa. Foi, na verdade, pouco ousado, faltou-lhe arrojo emface das possibilidades que tinha para mudar a economia do país, já que teria apoio paratanto. Entre o medo e a esperança, preferiu o primeiro. Ademais, o IEDI avalia equivocadaa política de câmbio valorizado e juros altos. Para um terceiro segmento, representado pelasorganizações mais tradicionais e que espelham as diferentes posições dentro da indústria,como a CNI, é preciso olhar para os aspectos negativos e positivos, criticando os primeiros,como as altas taxas de juros, mas apoiando os esforços de política industrial e a postura deabertura ao diálogo. Por outro lado, um ponto é consensual, qual seja, a crítica àincapacidade do governo diminuir o chamdo custo Brasil, reduzindo a carga tributária e ocusto do trabalho35.

Acompanhando-se o debate pela imprensa, nos últimos meses de 2004, percebe-se que osindicadores positivos alimentavam o otimismo do governo e de diversos setoresempresariais. Especulava-se sobre a possibilidade de deixarmos para trás o período delonga estagnação (1980-2003), marcado por curtos período de crescimento, seguidos debruscos retrocessos. Entre os economistas, havia interpretações muito distintas, tanto entreos críticos do governo, como entre os mais favoráveis36. Neste contexto, vale destacar a33 Na época referida, o salário mínimo era R$ 260,00.34 Folha de São Paulo, 26/12/2004: A3.35 Entrevista com o diretor-executivo do IEDI, 15/02/2005. Ver também entrevista de Julio Sérgio Gomes deAlmeida ao Jornal Gazeta Mercantil, divulgada pela Carta IEDI, nº 129, de 12 de novembro de 2004, na qualo economista ressalta que o crescimento do PIB brasileiro, em torno de 5%, é inferior à média mundial eabaixo da média dos países em desenvolvimento, cujo crescimento deveria ficar entre 6,5% e 7%, abaixo daIndia (6,5%) e da China (9%).36 Entre as análises críticas, veja-se, por exemplo, o artigo de Paulo Nogueira Batista Jr, em sua coluna de27/01/2005, na Folha de São Paulo : (...) “no ano passado (2004), o crescimento econômico brasileiro (cercade 5,2%), foi inferior à média das economias em transição (7,1%), inferior à média dos países emdesenvolvimento (6,2%) e ligeiramente menor do que a média latino-americana (5,4%), segundo estimativasapresentadas em relatório publicado anteontem (25/01) pelas Nações Unidas. Para que o mercado de trabalhono Brasil melhorasse de maneira expressiva, a economia precisaria crescer bem mais, provavelmente 6% aoano no mínimo, ao longo de vários anos (...) A vontade de investir e gerar empregos esbarra sempre namentalidade anticrescimento que predomina na área econômica do governo, especialmente no Banco Central.A combinação de juros altos e câmbio valorizado já está fazendo estragos e irá prejudicar a expansão daeconomia, especialmente se se confirmarem as previsões de uma deterioração do cenário mundial.”Para umaanálise recente do mercado de trabalho no Brasil, ver artigo de JoãoSabóia (2005), publicado em livro lançado

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análise de Antônio Barros de Castro, então assessor do Ministro de Planejamento,Orçamento e Gestão, Guido Mantega. Em conferência no Instituto de Economia da UFRJ,em novembro de 2004, Antônio Castro destacou o equívoco de muitas das interpretaçõespessimistas, qual seja, a tendência a ignorar as possibilidades de reposicionamento dosatores estratégicos, inclusive do setor empresarial, em momentos de melhoria das condiçõesgerais da economia.

A instabilidade dos tempos difíceis e as crises podem gerar reações criativas de busca denovas saídas, de esforços para por em prática conhecimentos desenvolvidos ao longo dasucessão de crises. Em suas palavras, “O mais importante reposicionamento ocorrido emmeio às frustrações verificadas de 2001 a 2003 foi a incorporação das exportações naestratégias de empresas industriais que, até então, pouca atenção davam à construção deposições no exterior. Esta reorientação em direção ao mercado externo, obviamentefacilitada por sucessivas desvalorizações (e pela reanimação do mercado internacional) veioa ser um dos fatores que mais contribuíram para a explosão exportadora dos anos 2003 e2004”37. O segundo grande reposicionamento teria a ver com o próprio Estado e odesenvolvimento de novas competências na esfera pública. Desde o segundo governoFernando Henrique, o Estado abandonaria as concepções minimalistas e passaria adesenvolver esforços no sentido da promoção das exportações, do apoio ao agro-negócio,da criação de programas como o Moderfrota (1997), da implantação dos Fundos Setoriais,através dos quais foram lançadas as bases de uma possível política industrial e tecnológica.O governo Lula teria dado continuidade a esta nova visão do papel do Estado, inaugurandouma atitude mais claramente negociadora, não só frente ao Congresso, como também pelacriação e intensa utilização de vários colegiados ou Câmaras, e ainda junto aos movimentossociais: “No âmbito dos colegiados, em particular, parece haver se estabelecido um climade cooperação com o setor privado (especialmente o agro-negócio e a indústria),impensável no primeiro governo FHC - e que, seguramente ultrpassa o alcançado no finaldo segundo FHC”.38

Entretanto, a ambivalência do governo voltaria à tona. A partir de setembro de 2004, apostura conservadora do governo revelou-se mais uma vez pelo retorno da trajetória altistada taxa básica de juros, com o aumento da Selic de 16% para 17,25% . Em janeiro de 2005,o ministro Palocci acenou com novo aumento da taxa de juros para manter a inflação sobcontrole39. No dia 19 de janeiro de 2005, todos os jornais deram destaque à notícia de que oBrasil era o país campeão dos juros reais mais altos do mundo, após a Turquia ter baixadoseus juros em dezembro, segundo o ranking elaborado pela consultoria GRC Visão. AFolha de São Paulo assim se referiu ao tema: “O aumento da taxa real (com base naexpectativa do mercado em relação à reunião a ser realizada no dia seguinte pelo Copom -Comitê de Política Monetária, formado pelos 8 diretores e o presidente do BC) pode ter umefeito perverso sobre o humor dos empresários, pois serve de referência na hora do setorprivado planejar investimentos futuros (....) A taxa real brasileira está distante da médiageral. Considerando os 40 países que aparecem na pesquisa realizada pela GRC Visão, a

em janeiro de 2005.37 Antônio Barros de Castro, A Hipótese do Crescimento Rápido e Sustentável, Brasília, 2004.38 Idem, ibidem: 1839 O Globo, 17/01/2005: 17.

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taxa média de juro real é de 1,6%. O México, por exemplo, tem taxa real de 4,4%”. Otemor de uma alta da inflação seria o motivo da esperada elevação.

Em declarações à imprensa, o presidente da CNI, Armando Monteiro Neto, consideroumuito ortodoxa a política monetária do Banco Central e afirmou que ela poderia atrapalharo crescimento econômico40. As expectativas se confirmaram e no dia seguinte, 20 dejaneiro, a imprensa noticiava que, na reunião do dia anterior, o Banco Central decidiraaumentar os juros básicos da economia pela quinta vez consecutiva, de 17,75% ao ano para18,25%, indicando ainda que a trajetória de alta poderia prosseguir. Foi a quinta elevaçãoseguida da Selic, que atingiu o maior nível, desde novembro de 2003.41 Em sua coluna, naFolha de São Paulo, o economista Paulo Nogueira Batista Jr, assim se referiu às declaraçõesde Henrique Meirelles, em entrevista à revista Veja, na qual o presidente do Banco Centraldefendia a política de austeridade do governo: “O presidente do Banco Central declara-semuito satisfeito com os resultados da política monetária e do regime de metas para ainflação. Não lhe passa pela cabeça, aparentemente, que a política de juros altos tem tidoum custo extraordinário. Ela sobrecarrega tremendamente as finanças públicas, contribuipara a sobrevalorização cambial, beneficia os mais ricos, e concentra a renda nacional,dificulta o investimento produtivo e o crescimento da economia”.42

Empresários e sindicalistas uniram-se no repúdio à decisão do Copom de reajustarnovamente para cima a taxa de juros. Além dos presidentes da CNI, da FIRJAN, da ABDIBe de outras entidades empresariais, o recém-eleito presidente da FIESP, Paulo Skaff,afirmou que o governo, ao invés de conter seus gastos, valia-se mais uma vez, do “Impostodos juros” para tirar dinheiro da sociedade para financiar seus aumentos de gastos: “ OCopom perdeu excelente oportunidade de estimular a economia e renovar o ânimo de quemproduz e trabalha no sentido de fazer de 2005 um ano bom para a economia. Sem falar quea alta de juros atrai apenas capitais especulativos para o país, causando a queda do dólar eprejudicando nossas exportações”.43 Também os presidentes da CUT (Central Única dosTrabalhadores), da Força Sindical e outras lideranças sindicais criticaram a política doBanco Central. O presidente da Sociedade Brasileira de Estudos das EmpresasTransnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), Antônio Correa de Lacerda,

40 Folha de São Paulo, 19/01/2005: B4.41 Folha de Saõ Paulo, 20/01/2005: B1. Entre setembro de 2004 e 19 de janeiro de 2005, a Selic aumentou 5vezes, alcançando 16,25%, 16,75, 17,25, 17,75 e, finalmente, 18,25%. O Copom foi instituído em 1996, como objetivo de estabelecer as diretrizes da política monetária, definir a taxa de juros. É presidido pelopresidente do Banco Central e é formado pela diretoria colegiada do BC. Realiza 12 reuniões por ano. ASelic é a taxa básica de juros da economia. É usada nos empréstimos que o Banco faz às instituiçõesfinanceiras. Ela serve de referência para a formação de todas as outras taxas de juros do país. 42 Folha de São Paulo, 20 de janeiro de 2005: B2. No interior do governo, o vice-presidente da República, oempresário José Alencar, desde o início do governo Lula tem sido um crítico tenaz da política de juroselevados. Como salientou no Prefácio à coletânea Novo Desenvolvimentismo , lançada em janeiro de 2005,“Em várias oportunidades, tenho chamado a atenção para a insustentabilidade das taxas de juros no Brasil.Tenho falado como cidadão, como empresário e, principalmente, como político. Na realidade, é a longaexperiência empresarial que me autoriza a condenar esse despropositado regime de juros que emprobecenossa economia, levando milhares de empresários à falência e milhões de trabalhadores ao desemprego” (JoséAlencar Gomes da Sila, 2005: XXII).43 O Globo, 20/01/2005: 30.

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considerou ainda a medida desnecessária, além de ter um impacto negativo sobre osinvestimentos produtivos e de encarecer a dívida pública.44

Finalmente, no interior do próprio governo, observou-se a retomada de divergências, destavez entre o Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior , Luiz FernandoFurlan e o presidente do Banco Central. O primeiro, em entrevista ao jornal O Estado deSão Paulo (13/01/2005), defendendo o setor produtivo, fez críticas à política monetária,excessivamente restritiva45. Em contrapartida, Henrique Meirelles, diante de uma platéia deempresários cariocas, defendeu a política de juros altos e metas de inflação reduzidas.

Outro ponto de discórdia foi a crescente valorização do real frente ao dólar. Empresários,economistas e articulistas, de diferentes tendências, desde fins de 2004, já vinhamsugerindo a intervenção do BC para deter a contínua desvalorização do dólar frente aoreal46. Na já referida entrevista, o diretor-executivo do IEDI assim se referiu a esta questão:“ O IEDI considera que nossa política de juros e câmbio está errada. Mantemos um diálogopermanente com o governo, nossos empresários são muito ouvidos pelo governo, o trânsitocom o governo é muito grande, o trânsito com o Presidente da República é muito grande(...) , mas temos uma posição crítica com relação aos juros e ao câmbio, pois achamos queesta política não é favorável ao desenvolvimento do Brasil (...) a política de juros éexcessivamente conservadora (...) o crescimento de 2004 poderia ter sido maior se a políticaeconômica não fosse tão dura, tão restritiva”47. Em contrapartida, em longa entrevista aojornal Valor, o banqueiro, Olavo Egydio Setúbal, declarou considerar o governo Lulaextremamente eficiente por conseguir manter a estabilidade econômica, bem como o regimede metas de inflação: “Temos que aceitar a premissa de que a estabilidade da moeda éfundamental para o desenvolvimento. Fora da estabilidade da moeda não hádesenvolvimento viável e sustentável”.48

44 O Globo, 20/01/2005: 3045 O IEDI apoiou a argumentação do ministro Furlan, acerca da política de juros considerada por esteineficiente, já que “a maior parte da inflação é causada pelas tarifas e preços administrados”. “ Além do mais,adverte também acertadamente o ministro, os juros altos agem para a excessiva valorização da moedanacional, o que desestimula o fator primordial que levou aos números recordes da economia em 2004, valedizer, as exportações.” (Carta IEDI, 17 /01/2005).46 Ver, por exemplo, Jornal do Brasil, 15/01/2005: A17 e O Globo, 17/01/2005: 17. Entre os economistas,Bresser Pereira assim se expressou acerca articulação perversa de altas taxas de juros e de câmbio valorizado:“Não haverá verdadeiro desenvolvimento para o Brasil enquanto duas mudanças macroeconômicasfundamentais não ocorrerem: mudanças na política de câmbio e na política de taxa básica de juros. Ou o paíspassa a pensar na taxa de câmbio da mesma maneira que os países asiáticos dinâmicos, como uma taxaestratégica que deve ser administrada para permanecer relativamente desvalorizada. E se dá conta de que aSelic mínima de 9% representa uma armadilha da qual o país precisa escapar, ou não haverá como o Brasilvoltar a se desenvolver de forma sustentada” (Bresser Pereira, 2005: 137). Na mesma linha, pode-se situar aavaliação do economista Luiz Gonzaga Belluzzo, da Unicamp, para quem: “ a combinação de taxa de jurosreal alta, em torno de 11% ao ano, segunda maior do mundo, (...) e câmbio valorizado forma uma misturamortal aos investimentos para a fabricação de bens para exportação.” (Jornal do Brasil, 13/02/2005: A19).Entre os empresários, pode-se destacar o artigo do presidente da FIESP, Paulo Skaf, publicado na Folha deSão Paulo (10/02/2005: B2): “No cenário do mundo em 2005, o câmbio torna-se absolutamente estratégicopara o sucesso da política brasileira de exportações (...) Não é fortuito o persistente apelo do empresariado nosentido de que a política cambial seja revista, racionalizando-se o valor relativo do real em relação ao dólar(...) A verdade é que a política cambial, agravada pelos juros e pelos impostos elevados, continua sendo fontede incertezas para o empresariado e podem influir nas decisões de investimento”. 47 Entrevista realizada em 15/02/2005.

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Foi dentro deste contexto de aumento do grau de incerteza da economia, contrastando ascondições extremamente favoráveis do mercado internacional com uma postura internaconservadora das autoridades monetárias, que se deu o resultado inesperado das eleiçõespara a presidência da FIESP, em agosto de 2004, quando se esgotou a gestão do presidenteHorácio Lafer Piva (1998-2004), durante dois mandatos à frente da mais poderosafederação industrial do país.

As Eleições de 2004 na FIESP: A politização recente das relaçõesempresário-Estado49

A eleição, em 25 de agosto de 2004, para a presidência da FIESP de um candidato deoposição, Paulo Skaf, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e deConfecções (ABIT), que venceu o candidato da situação, Cláudio Vaz, diretor doDepartamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da FIESP/CIESP e ex-presidente doSindipeças (Sindicato Nacional da Indústria de Autopeças), numa das eleições maisdisputadas da história recente da entidade, suscitou, segundo comentários divulgados pelaimprensa, indagações distintas e contraditórias.

Teria sido um fenômeno conjuntural, isto é, um fato episódico, rompendo com a sistemáticada situação fazer seu sucessor, sem ter que enfrentar uma chapa concorrente? Representariao conflito mera disputa por poder, sem qualquer significado mais profundo em termos deestratégias empresariais alternativas, refletindo, portanto, meramente divergênciassuperficiais? Significaria a vitória da estrutura arcaica da FIESP, na qual os sindicatosmenos expressivos e os chamados sindicatos fantasmas têm o mesmo peso que ossindicatos representativos dos setores mais dinâmicos da economia?50 Ou, ao contrário, oembate poderia se interpretado como uma sinalização no sentido da construção dahegemonia da burguesia na nova ordem econômica em construção, expressando projetosempresariais distintos em busca de respaldo político? Neste último caso, poder-se-ia dizerque a recente fratura representaria um ponto de inflexão na estrutura organizacional e naconcepção do papel das associações empresariais na política nacional?

Antes de mais nada, cabe ressaltar que este não foi um fenômeno isolado ou episódico. Apartir de uma perspectiva de mais longo prazo, pode-se verificar que, ao longo dos últimos25 anos, houve vários momentos de ruptura com o padrão histórico de eleições consensuais,controladas por um mesmo esquema político tradicional, em que a regra era a vitória,sistemática e sem concorrente, da chapa apoiada pelo presidente em exercício.51 A prática

48 Valor, 17/01/2005: C8. Olavo Setúbal foi prefeito de São Paulo e ministro das Relações Exteriores; épresidente do Conselho de Administração do grupo Itaúsa, holding que controla o banco Itaú e mais 184empresas. 49 Esta parte baseia-se, em parte, no texto que escrevi em colaboração com Renato Boschi para serapresentado no Seminário Temático Instituições, Idéias e Desenvolvimento, durante o XXVIII EncontroNacional da ANPOCS, realizado em Caxambu, MG, 26 a 29 de outubro de 2004. Gostaria de agradecer àprof. Maria Antonieta Leopoldi o acesso a notícias de jornais de seu arquivo pessoal.50 Figueiredo, Ney (2004: 216-220)51 Foram os seguintes os presidentes da FIESP durante o período em questão: Luís Eulálio Bueno Vidigal(1980/1986); Mário Amato (1986/1992); Carlos Eduardo Moreira Ferreira (1992/1998); Horácio Láfer Piva(1998/2004).

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da continuidade na linha de sucessão, sem disputa interna, só teve vigência uma única vezneste período de tempo.52

Nas últimas eleições, realizadas em 25 de agosto de 2004, mais uma vez, houve conflitoentre situação e oposição. Venceu o candidato da oposição, Paulo Skaf, que foi eleito com70 votos entre os 122 sindicatos filiados à FIESP com direito a votar, concorrendo com oempresário Cláudio Vaz, apoiado por Horácio Láfer Piva, então presidente da entidade53.Por outro lado, Cláudo Vaz venceu o pleito para a presidência do CIESP, obtendo 2235votos diretos da indústria contra 1816 obtidos por Paulo Skaf.54 Desta forma, nesta eleição,observou-se uma inflexão ainda maior em relação ao padrão histórico de eleiçõesconsensuais, com a vitória da chapa de oposição para a FIESP e a da situação para o CIESP.Como é sabido, tradicionalmente, desde o início da industrialização do país, as duasentidades, configurando o sistema FIESP/CIESP, têm a mesma diretoria.

Tais dados mostram que efetivamente não se trata de um fato isolado. Ao contrário, oconflito pela sucessão da principal entidade empresarial do país deve ser interpretado comoparte de um processo que se instaurou desde a abertura política nos anos 80, intensificando-se a partir de início da década de 1990, quando se dá a implementação da agenda dasreformas orientadas para o mercado, durante os governos dos presidentes Fernando Collor eFernando Henrique Cardoso. Tais reformas levaram à reconfiguração do regime produtivo,o que, por sua vez, desencadou alterações nas coalizões de apoio ao modelo econômico.Nesse processo, dois momentos podem ser destacados com nitidez.

O primeiro, correspondente ao primeiro mandato do presidente Fernando Henrique,caracterizou-se, como foi destacado, pelo consenso entre as elites empresariais em torno daprimazia dos princípios neoliberais, ainda que se tenha constatado uma expressivadivergência quanto à forma de execução da agenda governamental, notadamente no que serefere à liberalização comercial, considerada excessiva e sem controle, e à privatização,levada a efeito sem impor compromissos em termos de investimentos futuros e concedendovantagens unilaterais ao capital estrangeiro (Diniz e Boschi. 2004, especialmente cap IV).Apesar de tais divergências, as principais entidades de classe do empresariado industrial, aí52 Foram quatro as eleições em que se observou o enfrentamento situação x oposição: 1980, em que LuizEulálio Bueno Vidigal derrotou a chapa da situação apoiada por Theobaldo de Nigris, que presidira o sistemaFIESP/CIESP durante 14 anos; 1992 e 1998, em que houve disputa, embora a chapa da situação tenha sidovitoriosa e, finalmente, 2004, quando não só venceu a chapa de oposição nas eleições para a FIESP, como,pela primeira vez, a chapa concorrente (da situação) venceu as eleições para o CIESP. 53 São 131 os sindicatos filiados a FIESP, porém 122 são os delegados com direito a voto.54 Como é sabido, para a direção da FIESP votam os sindicatos afiliados, enquanto para o CIESP votam asempresas afiliadas (cerca de 8.500 empresas associadas). O currículo de Paulo Skaf destaca os seguintesaspectos: empresário do setor têxtil, 48 anos, presidente da ABIT, vice-presidente da FIESP, presidente doSinditêxtil/SP (Sindicato da Indústria Têxtil do Estado de São Paulo), membro do Conselho deDesenvolvimento Econômico e Social (CDES), da presidência da República, membro do Conselho Estadualde Relações Internacionais e Comércio Exterior (CERICE), do governo do Estado de São Paulo, Membro doConselho Deliberativo da Ong Apoio Fome Zero, membro do Conselho de Orientação Estratégica da CoalizãoEmpresarial da CNI, entre outros cargos (http://www.pauloskaf.com.br/currículo.asp, consultado em30/10/2004). O currículo de Cláudio Vaz ressalta as seguintes informações: economista e industrial, ligado aosetor de auto-peças, 55 anos, ex-presidente do Sindipeças, cuja participação na Câmara Setorial Automotivaliderou, entre 1992-1994, tendo tido ainda participação ativa no sistema FIESP/CIESP desde os anos 80,ocupando, na época da campanha, o cargo de diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos daFIESP/CIESP (http://www.claudiovaz2004.com.br/currículo.asp, consultado em 30/10/2004).

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incluindo a FIESP e a CNI (Confederação Nacional da Indústria), manifestaram, emdiferentes oportunidades, um claro apoio ao governo pelo menos até 1998.

O segundo momento, localizado no período 1997-2002, que engloba o segundo mandato dopresidente Fernando Henrique Cardoso, assistiu à erosão da unidade do empresariado emtorno da agenda neoliberal. Aliás, desde as eleições presidenciais de 1998, como foiressaltado, observou-se o aprofundamento das divergências, que se transformariam no finaldeste processo numa clara cisão entre duas posições.

De um lado, constituiu-se um núcleo, envolvendo entidades de peso, como a FIESP e oIEDI expressando uma visão crítica daquilo que foi considerado o ponto frágil das políticasliberais, qual seja, a incapacidade de retomar o crescimento econômico e definir estratégiasde longo prazo para o país. Esta corrente, que contou ainda com o apoio de outrasfederações, como a FIEMG e de sindicatos, como o Sindipeças e o Sinditêxtil, revelou-sefavorável a uma redefinição de prioridades em prol de uma estatégia de desenvolvimentosustentado, enfatizando a necessidade de uma ruptura com a rigidez fiscal e a estabilizaçãoa qualquer preço, características da política econômica em vigor.

De outro lado, uma segunda corrente, reconhecendo embora o agravamento do quadro dodesemprego e da estagnação, manteve a identificação básica com a agenda liberal,atribuindo as dificuldades conjunturais à timidez na condução das mudanças ereivindicando o aprofundamento das reformas, e não o seu abandono, para sanar aspossíveis falhas. Nesse grupo, podem ser incluídas, entre outras, algumas organizaçõesigualmente importantes, como a própria CNI, o IBS (Instituto Brasileiro de Siderurgia), oSINICON (Sindicato Nacional da Indústria de Construção Pesada) e a ABDIB (AssociaçãoBrasileira da Infra-estrutura e da Indústria de Base).

A referida cisão, desencadeada a partir da crise asiática de 1997, acomodou-se após areeleição de Fernando Henrique Cardoso, mas voltou a intensificar-se entre 2001-2002,contribuindo para aprofundar a insatisfação com o governo. Este chegaria à campanhaeleitoral de 2002 já bastante desgastado. O aprofundamento da divisão no interior doempresariado alcançou seu auge quando um grupo de empresários, tendo à frente EugênioStaub, do IEDI, declarou apoio à candidatura Lula, apostando numa agenda de mudança,incluindo a revisão de prioridades da política econômica e a necessidade de ir além daestabilidade econômica e do ajuste fiscal, tendo em vista a conquista da meta dodesenvolvimento sustentado.

Desta forma, a interpretação da vitória do candidato de oposição, Paulo Skaf para asucessão da presidência da FIESP, em 2004, não pode deixar de levar em conta que estaeleição insere-se em um quadro marcado não pela unanimidade, mas pela heterogeneidadede posições entre as lideranças empresariais integrantes da principal federação industrial dopaís. Ademais, a modernização da FIESP, levada a efeito pelo então presidente HorácioLafer Piva, havia gerado muitas resistências e descontentamento entre os que tiveram queperder espaço dentro da organização.55

55 Figueiredo, Ney (2004: 216-219).

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Paulo Skaf foi apoiado, entre outros, pelos sindicatos paulistas das indústrias têxtil e deconfecções, de cerâmica, da indústria de abrasivos, da indústria de madeiras, das indústriasde tintas e vernizes, de fabricação de açúcar, de produtos de cimento, por alguns setoesexportadores, por algumas associações de abrangência nacional, como a própria ABIT(indústria têxtil e de confecções, setor que, entre 1999-2004 dobrou a receita obtida comexportações), ABIQUIM (indústria química), ABIC (indústria de café), ABIEC (indústriade exportadores de carnes)56, pelo empresário Benjamim Steinbrunch, presidente da CSN(Companhia Siderúrgica Nacional), 1º vice-presidente da chapa de Skaff, e ainda peloempresário Paulo Setúbal, presidente da Duratex e pelo empresário Ivan Zurita, presidenteda Nestlé. Segundo a grande imprensa, Paulo Skaf foi o candidato preferido de parteexpressiva do governo federal, como o vice-presidente da República, José Alencar, cujofilho Josué Gomes da Silva apoiou abertamente a chapa de Skaf57, além do líder do PT noSenado Aloisio Mercadante (SP), amigo de Benjamim Steinbruch.58

Por outro lado, Cláudio Vaz, o candidato da situação, além de Horácio Lafer Piva, contoucom o apoio de lideranças empresariais de alta projeção e visibililade. Entre outros, podemser citados, Antônio Ermírio de Moraes, presidente do grupo Votorantim, cujo sobrinho,José Ermírio de Moraes Neto, presidente do Banco Votorantim, integrou a chapa de Vaz,como um dos vice-presidentes, Jorge Gerdau, presidente do grupo Gerdau, David Feffer,presidente do grupo Suzano (sindicato da indústria de papel e celulose), Mário Amato, ex-presidente do sistema FIESP/CIESP, Luiz Carlos Delben Leite, presidente do Sindimaq(sindicato da indústria de máquinas), Benjamin Funari Neto (ABINEE e Sindicato daIndústria de Aparelhos Elétricos Eletrônicos e similares), Boris Tabacof (indústria de papele celulose), Synésio Batista da Costa (ABRINQ/indústria de brinquedos), MauroMarcondes Machado ( ANFAVEA/ fabricantes de veículos automotores) e Paulo RobertoButori (Sindipeças/indústria de autopeças). Entretanto, teve como candidato a 1º vice-presidente um empresário de menor expressão, comparativamente a Benjamim Steinbruch,da chapa de Skaf: o empresário Nildo Masini, do Sicetel (indústria de trefilação elaminação de metais ferrosos)59. 56 Éntre os empresários integrantes da chapa de Skaf, a maior parte, cerca de 37, pertence a diferentessindicatos paulistas de ramos industriais com pouca expressão na economia do Estado; 13 estão ligados a noveassociações de alcance nacional: quatro pertencem a ABIT, dois pertencem a ABIQUIM; finalmente umempresário a cada uma das seguintes associações: a ABILUX (indústria de iluminação), a ABIC, ANDA(Adubos), ABIMAQ (máquinas e equipamentos), ABIEC (exportadores de carne), CONIL (ConselhoNacional da indústria de Laticínios) e ANIB (indústria de biscoiros). 57 O empresário Josué Gomes da Silva, principal executivo do grupo Coteminas, após a vitória de Skaf, viria aintegrar o Conselho Superior Estratégico da Indústria, sendo ainda designado para o cargo de vice-presidentedo Conselho Superior de Comércio Exterior (COSCEX), ambos figurando entre os principais conselhos daFIESP (www.fiesp.com.br/popup_conteudo.asp?id=302&base=2 acesso em 10/02/2005) .58 O jornalista Kennedy Alencar, da Folha de São Paulo, em Brasília, assim se expressou a respeito da vitóriade Skaf: “ Apesar das negativas públicas, a cúpula do governo trabalhou arduamente pela eleição do novopresidente da FIESP, Paulo Skaf. Houve uma articulação a fim de deixar claro, para as principais liderançasempresariais da entidade, que Skaf teria mais trânsito no governo Luiz Inácio da Silva do que seu oponente.No momento em que o governo busca aprovar o projeto das PPPs (Parcerias Público-Privadas), essasinalização teve muito peso. Por meio das PPPs, o governo quer parcerias com as empresas para obras deinfra-estrutura.”(...) Segundo Mercadante, “há hoje uma visão de que é necessário haver parcerias entreempresários e setor público de forma mais transparente do que na base da troca de favores”. Fonte:http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u88259.shtml, consultada em 27/08/2004 – 05h31. Vertambém os jornais Valor 16/08/2004; Valor, 26/08/2004; Folha de São Paulo, 29/08/2004, entre outros.

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Comparando-se os programas dos dois candidatos, é possível perceber algumas distinçõesem termos da ênfase conferida por cada um deles a certos pontos, em detrimento de outros.Porém, os dois candidatos deram destaque à redução do custo Brasil: redução da cargatributária, redução do custo de financiamento das atividades produtivas, melhoria da infra-estrutura, principalmente nas áreas de portos, estradas e de energia. Paulo Skaf, porexemplo, deu muito destaque à necessidade da aprovação do projeto das PPPs (parceriaspúblico-privadas), na época em tramitação no Congresso60, cujo objetivo seria exatamenteincentivar parcerias entre os setores público e privado para viabilizar investimentos emobras de infra-estrutura. Ambos apoiaram a estabilidade econômica. Ambos solicitaramcom veemência a redução da taxa de juros. Em outros termos, o dado mais significativo é aausência de divergências de fundo entre os dois candidatos.

Desta forma, a vitória de Skaf expressa, antes de tudo, o realinhamento do empresariado emtorno, não de uma dimensão econômica, mas de uma dimensão propriamente política daestratégia empresarial. Mais especificamente, o que assume o primeiro plano é anecessidade do empresariado recuperar seu protagonismo na implantação do novo regimeprodutivo, no período pós-reformas orientadas para o mercado, tendo mais voz e maiorcapacidade de expressar e de fazer valer seus interesses no jogo político. Skaf ressaltou, emsua campanha, a relevância da maior proximidade em relação ao governo federal,reivindicando mais espaço para a defesa dos interesses industriais, de maneira a reverter odesequilíbrio que, desde o governo anterior, pesava a favor dos interesses financeiros,prejudicando a indústria doméstica. Destacou ainda a necessidade de criar e reforçar oscanais de interlocução do empresariado com o governo, tendo em vista expandir o campode ação da produção do país no comércio exterior e aumentar a competitividade da empresabrasileira no mercado internacional. Defendeu uma atuação de liderança da FIESP noproceso de articulação político-institucional para melhorar a posição da indústria brasileira.

59 Valor, 16/08/2004: A4; Valor, 26/08/2004: A6. Entre os integrantes da chapa de Vaz, o maior número éconstituído de empresários ligados a sindicatos paulistas: são 36 empresários ligados a 29 sindicatos daindústria de São Paulo. Compunham ainda a chapa 17 empresários ligados a 11 associações de abrangêncianacional: ABINEE\indústria eletro-eletrônica; ABRINQ/ brinquedos; ABIFINA/química fina e biotecnologia;ANFAVEA; ABRAVA/ refrigeração, ar condicionado, ventilação e aquecimento; ABIFA/ indústria defundição; ABICALÇADOS; ABIEF/ embalagens flexíveis; ABITRIGO e BRACELPA/ papel e celulose.Segundo o jornal Valor (16/08/2004), os aliados de Vaz representavam 39% da burocracia sindical, enquantoos de Skaf, representavam 53%; os aliados de Vaz representavam sindicatos com 52% da força de trabalho,enquanto os de Skaf, 35%; em termos de faturamento, as indústrias representadas na chapa de Vazrepresentavam 51%, em contraste com os 30% das indústrias representadas na chapa de Skaf. 60 Em entrevista, já eleito, Skaf afirmou que a FIESP ia participar do esforço do governo para aprovar noSenado o projeto das PPPs, que classificou de fundamental para enfrentar os gargalos da infra-estrutura (OGlobo, 03/09/2004). Em fins de 2004, o referido projeto foi aprovado pelo Congresso.

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Em entrevista, depois de ter sido eleito, Paulo Skaf61 afirmou que pretendia transformar aFIESP, de crítica irrelevante da política econômica, em agente do processo de decisão,criando e fortalecendo o que chamou de autoridade produtiva: “No Brasil, só se fala deautoridade monetária. O Banco Central do Brasil se preocupa apenas com moeda, enquantonos EUA, por exemplo, ele também se preocupa com emprego. Nosso modelo é europeu,voltado exclusivamente para a moeda. Só que existem outros interesses no país também.Eesses outros interesses precisam ser defendidos. Eu entendo que há necessidade de se criaruma autoridade produtiva, que defenderia os interesses de quem trabalha, de quem produz.A produção passaria a ter voz para valer”. Como se faria isso? “Num movimento no qual aFIESP, em parceria com a CNI e os setores do comércio e de serviços, junto com aagricultura e os trabalhadores, ajudaria a montar uma articulação no Congresso Nacional,lutando por uma cadeira no Conselho Monetário Nacional para trabalhadores e para aindústria. Tudo se constituiria na figura da autoridade produtiva. Ela é importante para quea gente participe da formulação das políticas econômicas e não fique sempre recebendopratos prontos e pagando o custo das decisões das quais não participou.”(...) “A mensagemque eu tenho levado é a de uma FIESP do diálogo, da parceria, preocupada com o país,buscando aproximação com todos os atores importante que compõem o Brasil. Não vamosficar sentados criticando. Vamos a campo.” E qual seria o clima entre os empresários e ogoverno, tendo em vista a fase de crescimento econômico que o país viveu em 2004,perguntou o entrevistador. “Varia”, respondeu Skaf: “Os exportadores e o agronegócioestão animados. Há outros setores que estão a pleno vapor, mas sentem que seus preços nãodão bons resultados. Em outros, voltados para o mercado interno, há dificuldades, apesar damelhora recente. Está bem variado, mas há um astral mais para o lado positivo do quenegativo.”62

Em síntese, o que se verificou foi a politização da disputa sucessória, bem como apolitização da forma de ação do empresariado, com ênfase na retomada da parceria com61 Eleito em 25 de agosto, Skaf tomou posse em 27/09/2004. Na festa em que anunciou sua diretoria, contoucom a presença do presidente da República, de dez ministros de Estado, entre os quais Luiz Fernando Furlan(ministro do Desenvolvimento) e Celso Amorim (ministro das Relações Exteriores), de seis governadores,vários parlamentares, além de empresários de diferentes setores industriais. Em seu discurso, reafirmou que aindústria “é a autoridade produtiva” e precisava retomar seu poder de influência na definição de políticaseconômicas: (...) ‘Perseguiremos sempre os resultados ascendentes e concretos”. Destacou ainda que osprincipais entraves da indústria são “a burocracia emperradora, as amarras da infra-estrutura, a alta cargatributária, os juros elevados e a falta de créditos (...)” . Anunciou os nomes do deputado federal Delfim Netto(PP-SP) para presidir o Conselho Superior de Economia da FIESP, do ex-embaixador Rubens A. Barbosa,para o Conselho Superior de Comércio Exterior e de Sidney Sanches, para o Conselho Superior de AssuntosJurídicos e Legislativos (www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro). Para a diretoria do Departamento dePesquisas e Estudos Econômicos (Depecon), um dos mais importantes da FIESP, foi designado o empresárioPaulo Francini, também conselheiro do IEDI. Roberto Giannetti da Fonseca, economista e empresário,presidente da Silex Trading, foi designado para o cargo de diretor titular do Departamento de RelaçõesInternacionais e Comércio Exterior ( www.fiesp.com.br/popup_conteudo.asp?id=302&base=2, acesso em 10/02/2005).62 Entrevista, Dinheiro, 06/10/2004:16-18. Em artigo, publicado na Folha de São Paulo, de 26/09/2004:A2,Paulo Skaf reiterou essa argumentação: “... a FIESP está pronta para se articular com os parceiros econômicos(...) e políticos (parlamentares e governantes) (...) numa imensa e patriótica parceria em favor da produção, dodesenvolvimento, do progresso (...) Queremos ocupar nosso lugar na formulação das políticas nacionais(..) Osindustriais paulistas estão unidos para assegurar que a FIESP desenvolva seu novo papel – uma entidade pró-ativa, de resultados palpáveis (...) O resultado da histórica eleição ocorrida no último dia 25 de agosto mostraque nós, empresários, estamos prontos a participar, oferecendo idéias e projetos viáveis de desenvolvimento(...) e equilibrando a autoridade monetária com a autoridade produtiva a ser implementada”.

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setores e áreas institucionais de decisão, incluindo não apenas a atuação no CongressoNacional, mas também a participação em arenas estatais, como os conselhos e comisõeseconômicos, numa linha similar ao estilo do período desenvolvimentista, porém sem atutela estatal e em sintonia com um discurso favorável ao predomínio do mercado sobre apolítica. Observa-se, portanto, certa mudança da lógica de ação coletiva do empresariadoem direção a uma estratégia política de independência, porém sem isolamento do ator-empresário, mas, ao contrário, estreitanto os vínculos e redefinindo alianças com os centrosde poder.

Ademais, retomou-se o tema da necessidade de mudança da política econômica. Em artigopublicado na Folha de São Paulo, em 09/01/2005, o novo presidente da FIESP afirmou: “Épreciso ir além, muito além (da estabilidade econômica e do ajuste fiscal), revertendo omais rapidamente possível os equívocos do passado e alguns conceitos teimosos da políticaeconômica do atual governo e de seu antecessor. Além de promover um ciclo duradouro decrescimento, é necessário que os benefícios da expansão do PIB sejam sentidos de formamais efetiva pela população (...) Para 2005, é possível vislumbrar dois cenários, segundoestudo da FIESP. O primeiro, cujas premissas são a redução dos gastos públicos e da taxade juros e a conseqüente desvalorização do real em relação ao dólar, deverá apresentarcrescimento de 4%, fomento industrial de 5% e investimento de 22% do PIB. O segundo,com a manutenção da atual política fiscal do governo, dos juros altos e do câmbiovalorizado, terá como resultados máximos incremento econômico de 3%, expansãoindustrial de 4% e inversões de 20% do PIB. A diferença entre os dois cenários pareceínfima? Mas não é! Um ponto percentual no décimo maior PIB do mundo significa muitono destino de cada um dos 2,7 milhões de brasileiros que virão à luz em 2005.”

Concluindo, se ainda é cedo para prever como evoluirão as relações empresário-Estado sobo governo Lula, há sinais claros de que o tema da retomada do crescimento sustentado seráum fator de conflito ou de cooperação, dependendo dos rumos da política macroeconômicadurante os próximos anos, bem como da possibilidade de se articular uma ampla coalizãopolítica em torno de uma nova estratégia de desenvolvimento para o país. Há também fortesindícios de que a disposição para o diálogo com os empresários e suas organizações declasse será um ponto importante na aliança empresário-governo.

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