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1 Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas: aproximando agendas e agentes 23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP) Planejamento governamental em obras de grande impacto na Amazônia: reflexões sobre alternativas e eficácia da participação social Autora: Raimunda Monteiro UFOPA-Universidade Federal do Oeste do Pará

Encontro Internacional Participação, Democracia e ... · A rodovia BR-163 no trecho Cuiabá Santarém é o eixo central do Plano, mas a visão de dinâmicas socioambientais encadeadas

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Encontro Internacional Participação, Democracia e Políticas Públicas:

aproximando agendas e agentes

23 a 25 de abril de 2013, UNESP, Araraquara (SP)

Planejamento governamental em obras de grande impacto na

Amazônia: reflexões sobre alternativas e eficácia da participação

social

Autora: Raimunda Monteiro

UFOPA-Universidade Federal do Oeste do Pará

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Resumo

Este artigo analisa práticas recentes de planejamento regional para (e na)

Amazônia, com enfoque no Plano BR-163 Sustentável e Plano de

Desenvolvimento Sustentável do Xingu, ambos elaborados de forma

participativa, no âmbito de projetos de infra-estrutura de geração de energia

e de transportes com grande impacto regional. O artigo analisa esses

instrumentos que, na sua conformação macro, são efetivos no ordenamento

dos usos dos territórios, instituindo um novo marco de gestão territorial em

que as distâncias entre Governo e Sociedade, aparentemente se diluem nos

comitês gestores das políticas públicas. Embora haja mudanças substanciais

no enfoque de planejamento governamental em relação às regiões objeto de

investimentos, colocar os planos em prática requer a efetividade dos fóruns

de decisão colegiada; a estruturação de uma densidade institucional local e

regional capaz de intervir e protagonizar os processos de fato; imunização

dos planos aos reveses políticos de mudanças de comando no governo

central e estruturação de capacidades locais para promover mudanças

duradouras nas estruturas econômicas e sociais com base no planejamento

nas escalas locais.

Palavras-Chave: Participação social, planejamento regional, políticas

públicas e desenvolvimento.

1. Introdução

A Amazônia brasileira e sul-americana passa por mudanças estruturais de

forte impacto de futuro nas escalas continental e intra-regional. A

consolidação de um processo de integração com as atividades econômicas

dinâmicas desencadeadas há cerca de 50 anos, se intensifica e se estende

em uma malha intrincada de corredores de logística, comunicações e

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intercâmbios comerciais que conectam a região aos portos mais

movimentados da Europa, estados Unidos e Ásia. Nesse contexto, os

espaços amazônicos passam por um processo rápido de transfiguração e

reconfiguração. A novidade é que, ao lado de uma dinâmica de

intensificação da ocupação humana e de grandes obras de infra-estrutura de

geração de energia que modificam os espaços em larga escala e junto com

a ampliação dos aglomerados urbanos de vários portes, pode vir a se

consolidar também um ambiente de macro-ordenamento territorial.

O ordenamento territorial promovido na década passada impôs um marco de

gestão que possibilita um desenvolvimento regional compondo um grande

mosaico de paisagem e de oportunidades, com diferentes modalidades de

uso dos recursos naturais.

“A palavra ordenamento é um derivativo da ordem. E sempre

se refere ao que a ordem pretenda vir como ordem. Diz-se

então que a sociedade está territorialmente ordenada no

sentido de uma certa ordem de direção, querendo-se dizer com

isto, que as relações da sociedade arrumam-se na forma de

um arranjo do espaço que leve a que seus movimentos

convirjam para uma finalidade predeterminada, esse arranjo

organizando e orientando o rumo da sociedade no sentido

dessa finalidade” (MOREIRA, 2007).

Os arranjos combinados que juntos conformam novas territorialidades na

região resultaram da ação do Governo Federal ao assumir protagonismo no

planejamento e na gestão de vastos territórios destinados a proteção integral

e ao uso sustentável. No caso das florestas, o Estado brasileiro saiu da

posição de conivência com a incorporação privada de grandes estoques

florestais, contendo, de forma estrutural uma onda de desmatamentos

incontrolável até os anos 1990.

Após duas décadas de refluxo de investimentos em infra-estrutura, o Estado

Nacional retomou uma agenda de construções de usinas hidrelétricas

acompanhadas de redes de distribuição e de logística de transporte

(asfaltamento das rodovias federais, portos, mineração de gás e petróleo,

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entre outros). A retomada dos investimentos coincide com o avanço da

consciência crítica e com a intensificação da ação de movimentos

ambientalistas nacionais e estrangeiros com foco na agenda de florestas e

mudanças climáticas.

O projeto de asfaltamento da BR-163, pautada pelo agronegócio do Centro-

Oeste enfrentou grande reação de setores ambientalistas e de organizações

da sociedade civil local e ensejou o Plano BR-163 Sustentável, no início da

década de 2000. No caso do setor elétrico, a construção da Usina

Hidrelétrica de Belo Monte, enfrentou a reação dos mesmos setores em

nível local, com repercussão nacional e internacional e ensejou o PDRS do

Xingu - Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável1. De iniciativas

setoriais, as duas obras resultaram em dois planos que preconizam a gestão

integrada do território, visando resultados que induzam ao desenvolvimento

endógeno e internalização de benefícios, evitando os clássicos efeitos de

enclave verificados em outras intervenções de infra-estrutura na Amazônia.

Este trabalho faz uma análise da efetividade desses planos como produtos

de uma dada pactuação entre os atores privados e seus planos setoriais e

os atores locais, mediados por movimentos ambientalistas que influenciam a

opinião pública e os governos e pelo Estado nacional em torno dos projetos

de uso de recursos naturais e da construção de logística de transporte na

Amazônia Central.

2. Planos de Desenvolvimento Regional em contexto de conflitos

territoriais

As obras de integração viária, como a rodovia Transoceânica (em nível

continental) ou o asfaltamento das rodovias federais abertas na década de

1970 na Amazônia brasileira (BRs-230, 319 e 163) foram concebidas como

vias de integração de mercados. Corredor de exportações pelo Pacífico ou a

interligação de logística portuária no interior da Amazônia aos portos

europeus, essas obras tiveram como um forte indutor, o crescimento

exponencial da extensão territorial agregada pelos segmentos produtores de

1 Decreto 7.340\2010.

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grãos no Centro-Oeste brasileiro. Sistemas viários interligando polos

produtores de commodities aos mercados globais. Tradicionalmente, a

reprodução da lógica de exportação de produtos in-natura atravessando

vastos territórios empobrecidos sem lateralizar efeitos encadeados de

geração de riqueza e de benefícios sociais e culturais. Uma integração

conservadora e pouco capaz de produzir em sua rota a diversificação

produtiva e a integração econômica e social das populações que passaram a

ter seus territórios transfigurados.

Nesse contexto, as denúncias de desmatamento ganharam força na opinião

pública, como resultado inercial da consciência ambiental referendada e/ou

despertada pela Rio'92, mas também pelo acirramento de conflitos

territoriais que emergiram com novas frentes econômicas de privatização de

recursos naturais (solos e florestas) nas mais remotas regiões da Amazônia,

especialmente com a incorporação de grandes áreas planas pelo

agronegócio de grãos.

Nas duas últimas décadas, o rebatimento desta dinâmica na Amazônia

Central foi definidora de um novo ciclo de expansão tão voraz como os

primeiros movimentos em torno da construção das grandes rodovias federais

nos anos 1960 e 1970. Porém, com o agravante de uma velocidade inédita

de apropriação de terras públicas, favorecido por tecnologias como satélite,

aviões e informações privilegiadas de órgãos de Estado.

A retomada dos investimentos que ocorre neste contexto reproduz um tipo

de planejamento que orientava os investimentos em energia, asfaltamento

de rodovias, extensão das telecomunicações e construção de portos de

forma setorial, sem integrar os aspectos social e ambiental em escala

regional e local. A filosofia neoliberal prevalecente considerava esses

aspectos secundários ou uma consequência direta do aumento da

competitividade do país. Para os agentes econômicos dependentes das

atividades agropecuárias e florestais, em regime de informalidade com a

incorporação de terras públicas na região intensificaram a especulação de

terras aptas para a agricultura e pecuária, tendo o desmatamento como

mecanismo de legitimação de posses.

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A forma como os agentes se movimentaram, corrompendo dirigentes de

órgãos públicos, abrindo e plaqueando estradas e florestas, intimidando

populações tradicionais e indígenas, aliciando camponeses estabelecidos e

estabelecendo controle armado privado sobre grandes áreas, deflagrou uma

verdadeira guerra territorial no interior da Amazônia no final dos anos 1990

e na década seguinte com rebatimentos na atualidade (CASTRO, E.

MONTEIRO, R. CASTRO,C, 2004)

A retomada da construção da UHE Belo Monte e o asfaltamento da BR-163

se deram nesse contexto e foram interpretadas pelos setores críticos da

sociedade local e pelos movimentos ambientalistas como deflagradores da

intensificação do desmatamento.

Como resposta, o Governo Federal, ainda na Transição do período

Fernando Henrique Cardoso para os governos Lula, liderou a elaboração do

PAS- Plano Amazônia Sustentável, que estabeleceu as diretrizes para um

novo modelo de desenvolvimento da Amazônia, incorporando uma

concepção amadurecida nas proposições de movimentos sociais rurais, de

ambientalistas e de intelectuais, mas também com uma certa pactuação com

governos estaduais incomodados ou engajados em ações de feições de

sustentabilidade.

O PAS foi lançado pelo Presidente Lula em 2004, tendo como

“...objetivo maior implementar um novo modelo de desenvolvimento

na Amazônia brasileira, pautado na valorização das potencialidades

de seu enorme patrimônio natural e sociocultural, voltado para a

geração de emprego e renda, a redução das desigualdades sociais, a

viabilização de atividades econômicas dinâmicas e inovadoras com

inserção em mercados regionais, nacionais e internacionais e o uso

sustentável dos

recursos naturais com a manutenção do equilíbrio ecológico” (PAS,

2004.p. 65)

As diretrizes do PAS são: i) produção sustentável com inovação tecnológica;

ii) fortalecimento da inclusão social e a cidadania, por meio de processos

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participativos de gestão das políticas públicas; iii) implementar e manter

obras de infra-estrutura nos setores de transporte, energia e comunicações

na Amazônia; iv) estabelecer um novo padrão de financiamento na

Amazônia; v) Promover a gestão ambiental e o ordenamento territorial em

bases sustentáveis (PAS, 2004, p. 66).

O Plano BR-163 Sustentável2 derivou da concepção do PAS e se tornou um

instrumento de mobilização social sob liderança do Governo Federal, com

grande participação social para compatibilizar o asfaltamento da BR-163

com ações de contenção do desmatamento e movimentos especulativos em

torno da obra que expunha as contradições de um modelo de

desenvolvimento rural baseado na informalidade e na violência. Este Plano

foi concebido como integrante da Política Nacional de Desenvolvimento

Regional, reabilitada pelo Decreto 6.047\20073, tendo como objetivo geral

“Implementar um novo modelo de desenvolvimento na área de

influência da BR- 163 com base na valorização do patrimônio

sociocultural e natural, capaz de melhorar a qualidade de vida,

viabilizar as atividades econômicas dinâmicas e inovadoras e o uso

sustentável dos recursos naturais”. (Plano BR-163 Sustentável, 2007,

p. 29).

2 Instituído pelo Decreto 6.290\2007

3 Art. 1o A Política Nacional de Desenvolvimento Regional - PNDR tem como objetivo a

redução das desigualdades de nível de vida entre as regiões brasileiras e a promoção da

eqüidade no acesso a oportunidades de desenvolvimento, e deve orientar os programas e

ações federais no Território Nacional, atendendo ao disposto no inciso III do art. 3o da

Constituição; Art. 2o A redução das desigualdades regionais se norteia pelas seguintes

estratégias:I - estimular e apoiar processos e oportunidades de desenvolvimento regional,

em múltiplas escalas; e II - articular ações que, no seu conjunto, promovam uma melhor

distribuição da ação pública e investimentos no Território Nacional, com foco particular nos

territórios selecionados e de ação prioritária. Parágrafo único. As estratégias da PNDR

devem ser convergentes com os objetivos de inclusão social, de produtividade,

sustentabilidade ambiental e competitividade econômica.

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A rodovia BR-163 no trecho Cuiabá Santarém é o eixo central do Plano, mas

a visão de dinâmicas socioambientais encadeadas em múltiplas escalas foi

incorporada pelo Plano, utilizando o conceito de Área de Influência. Desta

forma o Plano envolveu 72 municípios do Pará, Mato Grosso e Amazonas.

Com o licenciamento da construção da UHE de Belo Monte e diante do

acirramento dos conflitos de opinião que tomaram corpo em nível nacional e

internacional, o Governo Federal optou por criar o PDRS- Plano de

Desenvolvimento Regional Sustentável do Xingu, como um desdobramento

do Plano BR-163, centrado na gestão dos impactos da construção da Usina.

Este plano tem como objetivo

“Promover o desenvolvimento sustentável da região com foco na

melhoria da qualidade de vida dos diversos segmentos sociais a partir

de uma gestão democrática, participativa e territorializada garantindo

um meio ambiente ecologicamente equilibrado” (PDRS Xingu, 2010,

p.129).

As diretrizes do PDRS Xingu seguem a mesmas do PAS, regionalizando as

ações por áreas temáticas e incorporando as demandas dos municípios e

dos movimentos sociais organizados, tornando-se assim um programa de

ações multisetoriais que passa a ser a orientação de todas as políticas

públicas para a região.

A área de abrangência do PDRS Xingu compreende os municípios de:

Altamira, Anapu, Brasil Novo, Medicilândia, Pacajá, Placas, Porto de Moz,

Senador José Porfírio, Uruará e Vitória do Xingu, no Estado do Pará. Todos

esses municípios compõem a Área de Influência da BR-163.

Com estes planos que praticamente abrangem toda a Amazônia Central, os

governos federal e estadual e a sociedade local, dispõem de diagnósticos e

formulações que permitem uma agenda de ações de curto, médio e longo

prazos, com estratégias claras e ajustáveis para a implementação de

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políticas capazes de promover um cenário de desenvolvimento inovador em

relação ao que foi realizado nas regiões da borda da Amazônia Legal.

A efetivação desses planos e a sua articulação de forma articulada

nos territórios em que estão situados, assim como a gestão de impactos

agregados de forma continuada e com plena governança, são os desafios do

presente e do futuro. Este trabalho pretende fazer uma avaliação política da

implementação desses planos buscando uma leitura do conjunto dos

territórios contidos em suas áreas de abrangência.

3. Considerações teóricas e metodológicas sobre a

implementação dos planos

A orientação teórica e metodológica deste trabalho se ampara no

propósito de realizar uma Avaliação Política da implementação de

planos de desenvolvimento regional em bases territoriais. A avaliação

Política em políticas públicas é vista como etapa inicial ou mais geral de

processos de Avaliação de Políticas. Como Avaliação Política se

entende

“a análise e elucidação do critério ou critérios que fundamentam

determinada política: as razões que a tornam preferível a qualquer

outra (...) estas razões têm que ser relevantes, ou seja, devem

estar referidas a princípios cuja realização irá, presumivelmente,

contribuir para uma desejável quantidade e distribuição de bem-

estar” (FIGUEIREDO, 1986).

Como critério orientador se propõem a análise da efetividade dos propósitos

dos planos, nos seus contextos de implementação, considerando a forma

como estão sendo executados. Partindo deste entendimento quanto à

abordagem desta análise, espera-se uma avaliação política da

implementação dos Planos de desenvolvimento em bases territoriais (BR-

163 Sustentável e PDRS Xingu). Uma avaliação da efetividade das políticas

merece um tratamento metodológico específico, não sendo o caso do

presente trabalho. As informações que sustentam a análise são colhidas na

interlocução com lideranças de governo, empresas e movimentos sociais

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nos diversos eventos de discussão dos Planos. Trata-se de uma

abordagem, sobretudo exploratória, trazendo para a análise informações

para futura consubstanciação quantitativa.

As razões e a relevância que motivam essa análise estão no fato desses

planos representarem i) uma inovação nas políticas de desenvolvimento

regional por terem sua principal motivação na demanda dos atores locais; ii)

um grande potencial de coordenação de políticas com capacidade de gerar

impacto na realidade regional promovendo condições de equidade social e

econômica; iii) uma experiência concreta de gestão compartilhada de uma

agenda de desenvolvimento regional em que a sustentabilidade está

pautada como concepção e objetivos estratégicos.

A co-gestão entre governo e sociedade nas decisões que influenciam

políticas públicas é um aspecto vastamente estudado nas ciências sociais,

especialmente, na Ciência Política. Este trabalho assume o pressuposto de

que quaisquer formas de participação social que possam incidir nos rumos

das políticas públicas de modo a traduzi-las ou elaborar planos de ação

adequados à escala local são interessantes para ampliar a representação de

projetos locais nas políticas nacionais. A participação social, nos moldes de

representação em Comitês e Conselhos Gestores, não significa de per si, a

realização da democracia. A legitimidade das decisões é mais provável,

mesmo assim, quando avaliados qualitativamente. Muitos processos de

representação incorrem em desvios como a elitização das informações e o

distanciamento dos seus representados.

A participação social nas instâncias colegiadas de decisão, em casos de

baixa densidade institucional está sujeita a uma efetividade relativa. Vários

estudos têm demonstrado resultados neste sentido, principalmente,

considerando que esses instrumentos de deliberação são muito novos na

experiência democrática brasileira, havendo uma tendência de

representação mais formal que efetiva, ou seja, com baixa capacidade de

incidência. De acordo com Tatagiba ( 2002),

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“No geral, as avaliações mais comuns presentes na literatura são

de que os conselhos não estão cumprindo sua vocação

deliberativa. Embora os motivos apresentados sejam os mais

variados, a grande maioria dos estudos aponta a baixa

capacidade de inovação das políticas públicas a partir da

participação da sociedade civil nos conselhos, sugerindo que essa

participação assume contornos mais reativos que propositivos"

(TATAGIBA, 2002).

A autora está se referindo a Conselhos que decidem sobre políticas públicas

que, a rigor, não fogem ao escopo da natureza dos Comitês Gestores dos

Planos de Desenvolvimento Regional em análise. No caso do Plano BR-163

Sustentável e do PDRS Xingu, há qualidades diferentes nas intervenções

das instâncias colegiadas. Na BR-163, o Conselho Gestor não conseguiu

se afirmar como instância consultiva ou deliberativa, apesar de ser oriundo

de um rico processo de mobilização do conjunto da sociedade regional na

discussão do Plano. A Casa Civil coordena o Comitê Executivo do Plano de

Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da Rodovia

BR-163, que reúne nove representantes da União, três representantes dos

Estados e três representantes dos Municípios da sua área de abrangência.

Além do Comitê que media decisões entre os entes federativos, o Plano

também conta com um “Fórum composto pelos quinze integrantes do Comitê

Executivo do Plano BR-163 Sustentável, conforme definido no art. 3o-A do

Decreto no 4.793, de 23 de julho de 2003, e por mais quinze representantes

da sociedade local” (Lei 6.290\2007, artigo 4º).

Além dessas instâncias, as políticas de desenvolvimento rural e florestal

dispõem de instâncias colegiadas de gestão por meio dos Territórios da

Cidadania e dos Conselhos Gestores das Unidades de Conservação. Os

últimos são os que apresentam maior efetividade, embora com atribuições

mais restritas. Os Territórios da Cidadania que também dispõem de planos

elaborados com participação social padecem de baixa capacidade de gestão

tanto por parte do Ministério responsável, como por parte das organizações

rurais locais. Os Planos dos Territórios da Cidadania poderiam funcionar

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como detalhamento dos Planos mais abrangentes para o desenvolvimento

rural.

No PDRS Xingu há maior efetividade e organicidade do Comitê Gestor,

tendo realizado até fevereiro de 2012, doze reuniões. Este Comitê decide

sobre a aplicação de cerca de R$500 milhões de reais destinados a obras e

ações mitigatórias e, em tese, estruturantes para promover os objetivos do

Plano.

Essa diferença de atenção ao funcionamento dos órgãos colegiados de

gestão revelam a baixa densidade institucional da sociedade local (caso BR-

163) em exigir uma agenda e recursos para a implementação do Plano. O

asfaltamento da obra-eixo do Plano, a BR-163 está ocorrendo sem que o

Comitê Gestor seja constrangido ao atendimento das demais ações do

Plano. Da parte do Governo Federal, a atenção com o funcionamento do

Comitê Gestor do PDRS Xingu envolve a sustentabilidade política da

construção da UHE Belo Monte. Dois pesos, duas medidas.

As condições de baixa incidência da sociedade local nos rumos do Plano

BR-163 estão associadas a uma maior desagregação desta sociedade

dispersa em longas distâncias, com elevado custo de deslocamento e, em

muitos casos, com situação socioeconômica precária. A sobrevivência

assume o primeiro plano das preocupações, em detrimento da participação

na condução de questões públicas (GUTMANN E THOMPSON, 1996). Essa

é uma via explicativa que pode caber aos representantes da sociedade da

BR-163, mas principalmente, a ausência de um projeto de desenvolvimento

local que arregimente as vontades políticas com força para informar um

discurso com capacidade de influenciar, o que ocorre na região do PDRS

Xingu. Isso é o que caracteriza maior densidade institucional daqueles em

relação aos da BR-163.

O desenvolvimento em bases territoriais requer um esforço teórico

multidisciplinar, dado a complexidade de compreensão de dinâmicas sociais,

econômicas, políticas e culturais que confluem e conflitam para gerar

determinados cenários. Na ótica de políticas de planejamento público, esses

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fatores são acrescentados às questões de se ocupam a geopolítica e as

ciências do desenvolvimento regional (distâncias, fatores naturais,

vantagens comparativas, etc.).

O Plano BR-163 Sustentável e o PDRS Xingu representam uma nova

geração de planos de desenvolvimento regional no Brasil, tendo como um

diferencial básico resultarem de conflitos de demandas econômicas e sociais

entre grupos setoriais e a parte da sociedade organizada dessas regiões.

São, portanto, espaços, empoderamentos e recursos de investimentos em

disputa, em que o Estado se coloca no papel de mediador para que o projeto

legitimado como projeto nacional seja viabilizado.

A compreensão de espaço aplicada a este contexto é de um “conjunto

indissociável de sistemas de objetos e de ações” (SANTOS,1994). O

conceito de espaço significa dinâmica de interinfluências de ações (decisões

de políticas ou ações inerciais das sociedades em curso) e de objetos que

resultam dessas ações (empreendimentos que modificam as realidades

locais, com impacto regional e nacional). As Usinas Hidrelétricas, os portos,

as empresas mineradoras que se instalam, as plantas agroindustriais são

novos objetos que impõem suas dinâmicas e reconfigurando os espaços.

O conceito de região adotado nesta análise é também subsidiário da

compreensão de Milton Santos, entendido como um espaço derivado,

articulado e subordinado ao espaço nacional. Essa noção auxilia na

compreensão da região como um subespaço, cujas delimitações são dadas

arbitrariamente pelos interesses de quem a define, o que ocorre como

resultado de relações de poder. Nesse sentido espaço como dinâmica traz a

essência da visão de Celso Furtado, que vê não espaços, mas “estruturas

espaciais e sociais atuais e suas tendências e conjugá-las com os objetivos

econômicos, sociais e políticos da Nação” (DINIZ, 2009). Complementado

com a ideia de que “o espaço é, então, um verdadeiro campo de forças cuja

aceleração é desigual. Dai porque a evolução espacial não se faz de forma

idêntica em todos os lugares" (SANTOS,1986).

O que se observa no campo de forças em que são implementados os Planos

BR-163 Sustentável e PDRS Xingu, são forças setoriais que agem na defesa

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de projetos de infra-estrutura que se revestem da estatura de “projeto

nacional” e com este respaldo, impõem dinâmicas de elevado impacto

social, econômico, cultural e, por consequência, territorial no que passa a se

configurar como região, na acepção clássica de espaço sob o domínio

régio.

Desta forma, também se pode agregar a esta reflexão, a noção de que a

“economia atual necessita de áreas contínuas, dotadas de infra-

estrutura coletivas, unitárias, realmente indissociáveis quanto ao

seu uso produtivo. Mas esse equipamento chamado coletivo é,

na verdade, feito para o serviço das empresas hegemônicas.

Construídas com dinheiro público, essas infra-estruturas

aprofundam o uso seletivo do território deixando excluída ou

depreciada a maior da parte da economia a da população”

(SANTOS e SILVEIRA, 2001).

Os Planos de Desenvolvimento Regional (BR-163 e Xingu) são, portanto,

mediadores para evitar esse efeito de descompensação das sociedades

locais.

Esses conceitos dialogam com as concepções recentes de território como

que, seguindo a mesma linha de (SANTOS E SILVEIRA 2001) como o

sentimento de “pertencer àquilo que nos pertence”, o que diz respeito aos

movimentos locais e regionais que exerceram influência política pela

elaboração dos planos, com o objetivo de assegurar políticas públicas que

garantissem alguma equidade com os setores que dominam os

investimentos. Mas, a concepção de território, neste caso, ainda agrega a

compreensão clássica em que o território é determinado por relações de

poder de acordo com uma dada hierarquia econômica das empresas que

reconfiguram os espaços. O território é, portanto, expressão de poder

político.

O complexo de empresas que passa a comandar os investimentos públicos

e privados no espaço em Altamira, Vitória do Xingu e municípios afetados

pela obra da UHE de Belo Monte obedece a uma clara hierarquia

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descendente da empresa líder que é o Consórcio Norte Energia. O mesmo

ocorre com as tradings da produção de grãos, que protagonizaram a

reconfiguração da zona portuária de Miritituba, repartindo entre elas o

acesso ao rio Tapajós naquele trecho da rodovia Transamazônica. A

chegada de empresas deste porte representa uma força de dominação

sobre os poderes públicos locais, baseado em relações de dependência e

com trocas de legalidade questionável como a distribuição de caminhonetes,

computadores e milhares de litros de combustível sobre os quais não há

controle público.

Nesse sentido, se tem uma territorialização clássica e não inovadora, com a

consequente desterritorialização 4 de agentes econômicos e sociais que

perdem poder sobre o espaço. São o que Milton Santos chama de sistemas

de engenharia (SANTOS e SILVEIRA, 2001, p.22) que chegam

acompanhados dos sistemas técnicos (obras de infra-estrutura,

comunicações, etc.), que produzem novas territorialidades, no sentido em

que novos agentes tomam para si o sentido de pertencimento desses

territórios.

A participação social local ocorre com elevada contaminação de conflitos

derivados das relações de poder estabelecidas em que ameaças e

oportunidades parecem ocorrer de forma terminal. A urgência dos

acontecimentos não dá tempo para a troca e a apropriação de informações

críticas. Movimentos críticos aos processos tendem a ser identificados com o

“atraso do desenvolvimento”, com a “inevitabilidade da ação do mercado” e

com uma determinância da incorporação subordinada de regiões detentoras

de recursos por regiões detentoras de capital financeiro, técnico e

informacional. Essas formas de pré-conceituar os atores que exercem ação

crítica em relação à forma como os projetos são implementados, intimida

setores que poderiam contribuir para o aperfeiçoamento ou para um

processo democrático mais profundo e realmente inovador. A participação

nos fóruns de Comitês Gestores se dá então, com uma composição a priori 4 Sobre o conceito de Territorailização, Desterrritorializaçao e Reterritorialização ver Dallabrida, V.R.

e Becker, D. F. in Becker (in memoriam), Wittman, M. (Orgs.), Desenvolvimento Regional:

abordagens interdisciplinares, 2ª. Edição, Edunisc, Santa Cruz do Sul, RS.

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de setores que representam acordo ou resignação às regras estabelecidas

e com o escopo de plano pactuado.

Os planos BR-163 Sustentável e PDRS Xingu são, portanto, expressões de

uma nova abordagem de políticas de desenvolvimento regional, com a

pretensão de agregarem um conjunto de políticas públicas que, em tese,

concorreriam para promover um desenvolvimento mais equitativo no entorno

de grandes obras de infra-estrutura, no caso, o asfaltamento da BR-163 e a

construção da UHE Belo Monte.

O desenvolvimento regional passa a ter nos dois planos os seus principais

eixos dinamizadores. Essa concepção de desenvolvimento regional, em tese

está expressa nos objetivos dos planos, mas a sua efetividade caminha a

passos lentos, principalmente, nos investimentos sociais. Há dois ritmos

claros de efetivação dos planos, quais sejam, o ritmo do capital, das obras

que impactam diretamente nas metas de construção de obras de apoio às

obras-fim e o ritmo das demandas da sociedade local (a infra-estrutura

interna, as políticas sociais, a urbanização das cidades, a redução dos

déficits educacionais, de saúde...) Nesse ponto, a integração dessas

dinâmicas de desenvolvimento regional amparadas nos dois planos, tende a

repetir as lógicas de subordinação já vistas em outras experiências de

planos de desenvolvimento regional no Brasil.

Desprovido de uma institucionalidade que responda pela articulação dos

dois planos dentro das instâncias de Estado e de seu entorno geopolítico, os

planos tendem a ser geridos de forma separada, cada um respondendo a

uma dinâmica territorial segmentada espacialmente, embora se trate de

regiões contíguas. Instituições como a SUDAM, eu seria o órgão da política

de desenvolvimento regional com papel de coordenação, perdeu força

política e envergadura técnica para realizar essa função, cabendo à Casa

Civil da Presidência, chamar para si, o papel de coordenação interministerial

para que os planos se efetivem.

4. Análise da efetividade da implementação dos Planos BR-163

Sustentável e PDRS Xingu

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O critério de efetividade orienta a análise desta Avaliação Política da

implementação dos Planos BR-163 Sustentável e PDRS Xingu, de forma

preliminar, sem a sustentação de informações quantitativas, o que poderá

ser acrescentado posteriormente. Três categorias de qualificação da

efetividade das ações são adotadas para hierarquizar o desempenho das

ações.

Efetividade Alta

São ações consolidadas com base institucional e regulatória instituída e\ou

processo adiantado de implementação que sinalize a irreversibilidade da

ação. Nesta categoria de efeitos desencadeados a partir da implementação

dos planos, se destacam os seguintes aspectos:

• Macro ordenamento territorial efetivado, tendo como principais

instrumentos o ZEE-Zoneamento Econômico e Ecológico abrangendo

315.299,67 km², envolvendo 18 municípios no Estado do Pará; a

destinação de 19.022.363 hectares de área e 3.062.824 metros de

perímetro 5 para o Distrito Florestal da BR-163, colocando sob

governança áreas públicas em conflito transformadas em Unidades

de Conservação de proteção integral e de uso sustentável 6 .

Destinação de áreas para de assentamentos de 60.650 famílias.

Ordenamento e destinação de florestas públicas estaduais com a

consequente regularização fundiária de comunidades tradicionais em

áreas de conflito, envolvendo cerca de 1milhão e 300 mil hectares.7 O

ordenamento territorial e ambiental foi acompanhado de um novo

marco legal para o uso de florestas públicas (Lei de Gestão de

Florestas Públicas) e criou instrumentos de gestão para o

desenvolvimento econômico de base florestal e para conservação da

5 Decreto Presidencial de 13 de fevereiro de 2006, institui o complexo geoeconômico e social denominado

Distrito Florestal Sustentável - DFS da BR-163, e dá outras providências.

7 Áreas estaduais em conflito na região Mamuru-Arapiuns, cujo ordenamento dos usos das florestas

foi realizado por meio do ordenamento territorial com destinação de áreas para populações

tradicionais em conflito com empresas e áreas para concessões florestais, sendo as primeiras no

Brasil a serem concedidas neste regime de uso por governos estaduais.

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sociodiversidade da região, incluindo a obrigatoriedade de

regularização de áreas ocupadas por populações tradicionais para

seus ocupantes. O planejamento da atividade florestal possibilita um

mosaico de diversificado de usos da biodiversidade.

• O asfaltamento da BR-163 com estruturas de pontes de concreto, em

que pese o atraso no calendário inicial, em comparação com outras

ações do Plano, apresenta um rendimento alto de execução.

• As obras de construção da UHE de Belo Monte, em adiantada

execução, mesmo diante das muitas ações judiciais interpeladas pelo

MPF-Ministério Público Federal, questionando a regularidade

ambiental e social da obra.

As ações centrais dos dois planos seguem seus calendários, com ritmos

diferentes de execução, mesmo com interrupções pontuais. Essas ações

seguem seu curso independente dos ritmos de implementação das demais

políticas públicas de interesse regional, voltadas para a contenção de

impactos negativos e para a promoção do desenvolvimento regional em

condições de sustentabilidade social, econômica e cultural, associados aos

grandes empreendimentos.

Efetividade Relativa

O critério de identificação da Efetividade Relativa de implementação das

ações dos Planos considera a realização parcial de seus objetivos, bem

como, a falta de resolução de aspectos estruturais relacionados aos

problemas a serem superados.

• Governança insuficiente sobre processos complexos de economias

de baixo controle de regulação como a exploração madeireira e a

mineral. Mesmo com instrumentos reguladores em operação (caso da

madeira), a maior parte dos agentes econômicos ainda opera na

informalidade tanto na obtenção das matérias-primas, como em todo

o encadeamento dos negócios. A Lei de Gestão de Florestas Públicas

possibilitou exercícios relevantes de controle do uso dos recursos

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florestais, por meio das concessões florestais, mas esse

procedimento ainda tem um baixo alcance territorial, com apenas 144

mil hectares destinados, ou cerca de 1% do potencial da região.

• No caso da economia mineral, o retardamento do novo marco

regulatório do setor, associado à extensão social da população

dependente da economia informal dos garimpos, permite antever uma

crise social com profundos desencadeamentos na região, caso não

seja feito um plano específico de transição. A formalização das

atividades de garimpos exercida por cerca de 60 mil

microempreendedores e mão-de-obra familiar exige um plano de

transição deverá retirar desta atividade, grandes contingentes de

população, gerando alto impacto social.

• A agricultura familiar oriunda da colonização, nas duas BRs (163 e

230) encontra-se numa fase decisiva de afirmação como uma classe

média rural, caso seja fortalecida em seu processo de modernização

produtiva ou de enfraquecimento caso não consiga modernizar sua

base produtiva. Com o asfaltamento e as obras de Belo Monte houve

uma sobrevalorização da terra, sem um rebatimento de agregação de

valor a produção, o que torna o mercado de terras mais interessante

do que os investimentos produtivos.

• Necessidade de ajustes no macro ordenamento territorial que

contemple realidades locais afetadas pela ausência de estudos em

escalas locais, que determinaram a decretação de unidades de

conservação conflitos com usos consolidados. Esses são os casos da

FLONA de Jamanxin, REBIO de Cachoeira da Serra, FLONA do

Trairão, etc. Casos historicamente reivindicados pelas populações

locais para desafetação, como a sede do município de Aveiro e a Vila

de São Jorge, em Belterra, foram retiradas da FLONA do Tapajós,

criada pelos governos militares na década de 1970. Da mesma forma

que foi desafetada a área ocupada por agricultores no Parque

Nacional da Amazônia, em Itaituba, compensando áreas com a

extensão do Parque.

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• Conflitos dessa ordem também persistem sem resolutividade como o

caso da TI Arara, na Transamazônica, ocupadas por famílias, parte

delas assentadas pelo INCRA em terras reivindicadas pela FUNAI.

• O asfaltamento da BR-230 que, após 42 anos de abertura, mesmo no

contexto da obra de Belo Monte, ainda apresenta um ritmo lento tanto

no que se refere ao asfaltamento como na construção de pontes,

antes separadas da pavimentação da via.

Baixa efetividade

• A expansão e a relevância da agricultura familiar nas duas regiões

como sujeitos sociais e econômicos dependem da efetivação,

adequação e consolidação dos PAs - Projetos de Assentamento. As

modalidades decretadas pelo INCRA nem sempre coincidem com os

padrões culturais de uso da terra, a exemplo dos PDSs - Projetos de

Desenvolvimento Sustentável que preconizam a produção florestal como

prioridade, impondo restrições às culturas agropecuárias.

• O baixo desempenho da regularização ambiental dos projetos de

assentamento desacredita as propostas e iniciativas de manejo florestal

comunitário e outros usos sustentáveis de recursos da propriedade.

Expostos a pressão de setores madeireiros que conhecem os estoques,

controlam as rotas de acesso e se utilizam da precariedade social dos

assentados, estes ficam vulneráveis às cadeias ilegais de fornecimento

de matérias-primas.

• Baixa execução da regularização fundiária pelo Programa Terra

Legal. A manutenção da informalidade das posses ocasiona insegurança

na terra e vulnerabilidade dos pequenos proprietários, diante do assédio

externo, vendendo seus lotes a preços aviltantes. Contribui para a

concentração fundiária e para o desemprego urbano.

• Lentidão da implementação dos planos de manejo das FLONAS, de

onde se espera a oferta de madeira legalizada, legitima novas ondas de

saques em áreas ordenadas e nos Projetos de assentamentos. Sete

após a Lei 11.284, a maioria dos planos de manejo que servem como

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plano diretor dos usos dos recursos ainda não está concluído. Esse

atraso gera conflitos fundiários e insegurança aos empreendedores que

aguardam as concessões florestais nessas áreas.

• Baixa Perspectiva de encadeamentos locais da economia florestal.

Ausência de uma política completa (fomento a cadeia produtiva, à

inovação e à valorização de ativos em bases diversificadas e dos ativos

intangíveis da biodiversidade). Não existência de uma assistência

técnica florestal pública em quantidade. Pequenos e médios

empreendedores locais pouco competitivos. Segundo estudo do SFB-

Serviço Florestal Brasileiro, essa baixa competitividade se sustenta ainda

na lógica da oferta ilimitada de matérias-primas

• A Revolução tecnológica proposta por Bertha Becker, ainda está longe

de acontecer, pois prevalece a lógica da transposição de conhecimentos

das regiões dinâmicas, de forma vertical, com a lenta implementação

das redes de ensino superior, tecnológica e formal.

• Na saúde, a população da BR-163 não dispõe de nenhum hospital de

média e alta complexidade, recorrendo ao Hospital Regional de

Santarém, a até 700km ou para as cidades médias do Mato Grosso a até

500km.

• Relações de poder hegemonizadas por forças dependentes das

atividades econômicas em estado de não regulação.

• Baixa capacidade de governança para a reversão de quadros

consolidados de conflitos com setores resistentes ao novo marco

regulatório de acesso às florestas tende a cristalizar áreas já destinadas a

conservação como zonas de controle por especuladores (exp.: RESEX

Riozinho do Anfrisio, BR-230 trecho Itaituba- Jacareacanga, FLONA do

Trairão e FLONA do Crepori)

. Ausência de planos de logística interna e intra-regional, com apenas 150

km de vias estaduais asfaltadas em toda a região do Plano BR-163 e PDRS-

Xingu, sendo que a maioria da população rural vive em estradas vicinais. Na

BR-163 os acessos as FLONAS do Crepori e Jamanxin dependem da

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rodovia Transgarimpeira, que só foi reconhecida pelo Estado há apenas três

anos, com mais de 30 anos de existência. Não há estruturas portuárias nas

cidades ribeirinhas que organizem fluxos de mercadorias e passageiros. A

Zona Portuária de Itaituba está sendo loteada entre as grandes empresas do

agronegócio (Maggi, TDM, Bunge, Cargill), se antecipando ao planejamento

público nesta conexão portuária de grande impacto nos fluxos de negócios

do Centro-Oeste.

Em se mantendo a tendência de consolidação dos eixos de transporte para

a conectividade de exportação, sem um plano de logística interna, a

economia e fluxos locais de mercadorias permanecerão na marginalidade.

• Retardo na extensão de energia e infra-estrutura de

telecomunicações (telefonia e internet) resulta no enfraquecimento do

desempenho das instituições, no retardo da implantação de bancos,

agências governamentais e no desestímulo na permanência de

profissionais em setores públicos e privados que exigem alta

competitividade.

• A estrutura das cidades e redes de logística urbana tem sido

praticamente ignorada na implementação dos planos, sendo nas

cidades afetadas pela UHE Belo Monte, a infra- atende precária e

tardiamente ao plano de reacomodação de famílias atingidas, com

muitos conflitos sobre indenizações e realocações. Nas cidades do

Plano BR-163 sustentável, mesmo no eixo de asfaltamento da

rodovia, somente a cidade de Novo Progresso recebeu obras laterais

na zona urbana. Paralelamente, se amplia a especulação imobiliária

em todas as cidades média, tornando a moradia proibitiva para os

mais pobres.

Conclusões

As regiões abrangidas pelos Planos BR-163 Sustentável e PDRS Xingu

passam por transformações com grande impacto de futuro em seus

territórios e suas sociedades, com um processo de integração com

mercados dinâmicos, a uma velocidade que as estruturas socioeconômicas

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historicamente constituídas apresentam dificuldade de assimilação. Os

Planos BR-163 Sustentável e PDRS Xingu são instrumentos de

desenvolvimento regional em bases territoriais com grande potencial de

coordenação de uma extensa agenda de políticas públicas que pode criar

condições para que as estruturas econômicas, sociais, culturais e políticas

da região sejam robustecidas para uma inserção proativa nessas novas

dinâmicas.

Porém, os ritmos diferenciados de implementação das políticas estruturais

de efeito nas escalas locais, especialmente aquelas voltadas para superar

déficits sociais e a situação de informalidade da economia, pode afetar os

objetivos dos planos. Num cenário provável de conclusão das obras que

suscitaram a elaboração dos planos sem que as demais ações estruturantes

estejam concluídas, há o risco de esvaziamento dos planos, abandono das

agendas e aprofundamento de crises sociais de difícil governança. A

distância das mediações entre Brasília e as cidades da região, no caso da

BR-163, é um fator determinante para o esvaziamento das decisões

colegiadas antes mesmo da conclusão do asfaltamento da rodovia.

Um cenário de esvaziamento dos Planos acarretaria sérias dificuldades para

a alavancagem do desenvolvimento dessas regiões, pois a mesma depende

fundamentalmente dos investimentos federais, sendo secundarizada no

orçamento do Estado. Trata-se de outro estado e por isso se justifica em

grande medida a luta pela emancipação do Estado do Tapajós.

A infra-estrutura regional só chega se associada aos macro investimentos,

portanto os Planos BR-163 e PDRS Xingu se constituem na maior

oportunidade que essas regiões têm na atualidade para justificar

investimentos locais que venham melhorar a situação de vida de seus

habitantes.

Os Planos têm importância diferenciada no centro do Governo Federal com

a secundarização do Plano BR-163 e com a omissão dos impactos

agregados com a construção de sete UHEs em fase final de decisão a

serem construídas no rio Tapajós. Ou seja, na Área de Influência do Plano

BR-163 Sustentável, que não prevê essas obras.

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Na BR-163 os movimentos sociais historicamente, reproduziam as

características de baixa organicidade e vulnerabilidade de sustentação

política, marcados por ameaças e por assassinatos de lideranças nas áreas

ainda em disputa. Esta região precisa de investimentos em fortalecimento

institucional como está ocorrendo na região do PDRS Xingu para o

empoderamento da sociedade local em suas interlocuções com os governos.

A economia regional, marcada pela baixa tecnificação e agregação

tecnológica, baixa rentabilidade e baixa competividade necessidade de um

BIG-PUSH na economia em seu conjunto, que elevem as capacidades locais

combinadas para a emergência de um ambiente favorável ao

desenvolvimento sustentável.

Em relação à formação de uma base educacional que contribua para a

formação de capital profissional e tecnológico, os dois Planos poder atuar

como articuladores da expansão dos Campus das Universidades Federais

para as cidades do interior da região, bem como estender a rede de

educação por alternância na zona rural, projeto que tem sido bem sucedido

na Transamazônica e Xingu.

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