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ENCONTRO INTERNACIONAL PARTICIPAÇÃO, DEMOCRACIA E
POLÍTICAS PÚBLICAS: APROXIMANDO AGENDAS E AGENTES
23 a 25 de Abril de 2013
FCLar/UNESP -Faculdade de Ciências e Letras do campus de
Araraquara/SP
A GESTÃO LOCAL E A ESCOLA
ENQUANTO ORGANIZAÇÃO SOCIAL COMUNITÁRIA:
alguns apontamentos para o fortalecimento da gestão participativa
Adriana Marques Guimarães Dias
Edson do Carmo Inforsato
FCLar/UNESP - Faculdade de Ciências e
Letras do câmpus de Araraquara
I – Apresentação
Este trabalho tem como objetivo analisar algumas ideias em torno das
possibilidades de se efetivar a gestão participativa nas unidades de ensino
como metodologia para se recuperar a concepção comunitária da escola.
Para tanto, buscou-se compreender, em linhas gerais, a crise da
modernidade, do Estado e das instituições, enquanto organização social e a
constituição da identidade brasileira no contexto moderno.
A partir da gestão social, apontaram-se alguns caminhos revelados nos
estudos em torno da gestão local, mais especificamente pela regulação da
instituição escolar, recuperando a função do Estado, dos profissionais de
ensino e das famílias de modo articulado e integrador.
Todas as análises aqui expostas são indicativas para se considerar as
possibilidades e limites da democracia brasileira e da cidadania negada pelos
processos históricos de formação da Nação por meio da concretização de um
modelo de gestão das escolas que possibilite a participação de todos os
segmentos nela envolvidos.
II - A crise da instituição escolar, da modernidade, do Estado e a identidade
brasileira: alguns apontamentos.
O modelo atual de instituição escolar é fruto de um longo processo de
modernização que se iniciou no século XV. Com o advento do Estado-Nação e
a necessidade premente de integração social, a escola foi o veículo ideológico
mais propício para empreender valores universais como a democracia e
atender às exigências do mercado. Nesse contexto, os professores foram a
personificação dos ideais modernos e os protagonistas de uma história da
educação com características próprias de estatização, fundadas na
racionalidade técnica: centralismo, formalismo e segmentação. Contudo, a
escola tem enfrentado vários desafios nas últimas décadas, gerando uma crise
da educação.
Essa crise extrapola a simples questão de objetivos a serem alcançados
(melhorar o desempenho dos alunos, diminuir a repetência e a evasão escolar,
modificar o método utilizado na aprendizagem e etc), pois as transformações
sócio-econômicas e culturais modificaram as relações sociais a ponto do
modelo institucional escolar se encontrar obsoleto para enfrentar a realidade
contemporânea. Portanto, se há algumas décadas a crise era conjuntural, pois
se acreditava que a escola possuía objetivos sociais, atualmente a crise é
estrutural, já que a incerteza da contemporaneidade não garante que a escola
e demais instituições continuem exercendo o seu papel social original.
(TEDESCO, 1998)
Segundo Touraine (1994), o modelo de organização social calcado na
modernização entrou em crise, pois há uma contradição entre os seus dois
pilares de sustentação: a racionalidade e a subjetividade. A racionalidade
garantiria o processo de modernização caracterizado pela busca idealizada de
uma coerência lógica entre a produção eficiente (proveniente da Ciência e da
Tecnologia), a organização social e sua regulação por meio das Leis. Por outro
lado, a subjetividade garantiria o desenvolvimento integral da personalidade,
pois só a modernização promoveria a libertação de todas as limitações sociais
ou culturais. No entanto, durante o processo de modernização a ênfase se deu
no primeiro aspecto, ou seja, na racionalidade e nos seus imperativos: a
universalidade por meio de regras impessoais (vida pública). Essa
característica procurava eliminar qualquer particularismo, sentimento ou paixão
natural da vida privada, já que só o coletivo e seus aspectos sociais poderiam
garantir a “igualdade e a fraternidade”, tão apregoada pela Revolução
Francesa. Porém, a “liberdade”, que também era um dos lemas da vida
moderna, ou da modernidade, não poderia se dar sem considerarmos os
aspectos individuais da personalidade. Desse modo, a objetividade (racional) e
a subjetividade (individual) se encontram em posições antagônicas e por isso
não se completam e nem podem atender à intenção de ordem e totalidade,
almejada pela modernização.
Nesse contexto, a Escola foi a instituição que protagonizou o embate
entre a racionalidade (Razão) e a subjetividade (Sujeito).
O objetivo central da instituição escolar no início da modernidade foi
promover a coesão social por meio de valores universais, deixando os
aspectos próprios da personalidade e dos sentimentos a cargo da família, já
que essa deveria responsabilizar-se pela socialização primária da criança.
Sendo assim, havia um modelo idealizado de articulação entre essas duas
instituições para que cada uma cumprisse o seu papel. Contudo, essa
premissa de impingir maior impessoalidade ao ensino é alterada com as ideias
de Rousseau e seus seguidores (Pestalozzi, Froëbel, etc), pois o modelo de
educação familiar e da vida privada invade a pedagogia, apontando a
necessidade de educação integral das crianças e jovens. Por isso, as
“pedagogias ativas” e as teorias modernas sobre a aquisição do saber
enfatizaram a importância dos aspectos afetivos para o processo de
aprendizagem, buscando a síntese entre o cognitivo e as condições pessoais e
de personalidade de cada pessoa. Assim, observa-se que os movimentos
progressistas em educação apontaram a contradição ou incompatibilidade
existente entre a reivindicação por uma educação que em primeiro plano
priorizou a quantidade (acesso da população aos bancos escolares),
culminando com a democratização do ensino, mas que desconsiderou a
importância da qualidade enquanto máxima de uma pedagogia que atualmente
considera as ‘diferenças’ como mote.
Atualmente, a função da escola pauta-se no respeito às diferenças, ou
seja, é preciso considerar as individualidades e as subjetividades como
elementos indispensáveis para aprendizagem, mas o sistema continua
burocratizado e regido pela racionalidade.
Para Nogueira (2007), o Estado e as organizações padecem de um
“sofrimento institucional” proveniente de todas as transições modernas,
gerando uma modernidade radicalizada que nos países periféricos da
economia mundial ganha uma angústia própria. Essa tese considera o
momento contemporâneo como o resultado dos anseios por modernidade, já
que o universalismo abstrato, o individualismo, o racionalismo, a produtividade
e a competitividade se impõem em novas formas que se reorganizam sem
cessar. Nesse sentido, a mudança e o movimento constante do “vir-a-ser”
promove uma reflexividade da própria modernidade. A auto-afirmação da
modernidade se vê sob o signo do excesso. Há uma hipermodernidade (apud
Lipovetsky, 2004), na qual o capitalismo se radicalizou na tradução da
globalização liberal, sem deixar de enfrentar suas contradições e as
tecnologias, que também se hiperdimensionalizaram. Porém, se constata um
acentuado valor no indivíduo e por isso as antigas bandeiras, como a justiça
social, a distribuição de renda e o controle da propriedade privada, cedem
espaço a anseios como o direito, identidade, privacidade, prazer,
desarticulando os objetivos das organizações e instituições que
tradicionalmente se fundaram no bem comum e na coletividade.
Esse contexto se torna ainda mais complexo e radical nos países da
América Latina e África, pois a modernidade radicalizada “ ... passa então a
conviver com formas “pré-modernas” de autoridade e a interagir com uma
sociabilidade explosiva, pouco cívica e pouco democrática. A radicalização do
moderno se objetiva de modo inevitavelmente paradoxal, desigual e
contraditório.” (NOGUEIRA, 2007, p. 47)
A relativização do poder permitiu que tudo fosse questionado, criticado,
mas isso promoveu uma crise nas referências sociais. Sendo assim, o projeto
moderno calcado na democracia não encontra atores em contextos e com
objetivos comuns, já que a participação requer o envolvimento pessoal de cada
indivíduo por um tempo considerável e uma construção ou concepção da
democracia brasileira. Nesse cenário, as práticas sociais e os relacionamentos
se encontram sem controle, promovendo a desordem e fragmentação das
ações institucionais.
Para Touraine (apud Nogueira, 2007), é preciso um novo paradigma que
possa superar a concepção econômica e social do Estado que ainda tem a
industrialização como modelo de ordenação da sociedade por um que
considere as demandas culturais dos sujeitos como norte.
A realidade contemporânea nos países ocidentais aponta para as
possibilidades da autonomia e ao mesmo tempo de anomia na configuração de
uma nova organização social. Também se observa alta dose de
fundamentalismos, violência e de medo como ingredientes da vida cotidiana.
O Estado brasileiro e sua ação calcada em um modelo de
desenvolvimento capitalista dos antigos países europeus, no qual a
modernidade originou-se, se concebeu a partir de uma história colonial de
dependência. Desse modo, a burguesia brasileira não conseguiu atualizar os
ideais da modernidade europeia no contexto do país.
As ideias universais modernas provenientes da cultura dos países
centrais quando chegam em determinada localidade dos países periféricos
sofrem continuamente um tipo de atualização que não eliminam a tradição
local, gerando um outro paradigma que não deixa de ser moderno, porque é
novo, mas não tem o mesmo significado que aquele do contexto europeu. Esse
paradoxo revela que o novo e o antigo são também as antíteses que
constituem o moderno:
A modernidade enquanto moda e momento é também a permanência
do transitório e da incerteza, a angústia cotidiana da incerteza em face
do progresso linear e supostamente infinito: a vida finita posta em face
da realidade social, do futuro, supostamente sem fim. A modernidade
não está apenas nem principalmente na coleção dos signos do
moderno que atravessam de diferentes modos a vida de todos nós.
Modernidade é a realidade social e cultural produzida pela consciência
da transitoriedade do novo e do atual. (MARTINS, 2008, p. 19)
Analisar a modernidade nos países latino-americanos torna-se um
grande desafio, já que eles estão historicamente datados depois da
modernidade europeia e por isso sua História começa na própria modernidade.
Sendo assim, tem-se a sobreposição de temporalidades. Ao mesmo tempo, é
um espaço, um contexto bem diverso da Europa, o que também causa uma
sobreposição de contextos, pois uma das características da nossa tradição foi
transplantar a cultura europeia. Além disso, o sentido futurista também dá uma
característica bastante particular a qualquer país latino-americano, já que sua
constituição também está ligada à ideia de nação jovem que futuramente
poderá efetivar seu projeto moderno.
O significado de futuro, de início já nos conduz a outra concepção do
que seja a modernidade brasileira, metáfora do paradigma que sintetiza o
particular e o universal, o novo e o antigo, o ontem e o amanhã, que se revelam
na História atual, nos conflitos cotidianos ou na existência de vários Brasis por
meio da transitoriedade e simultaneidade de tempos e espaços que ganham
configurações próprias.
O contexto brasileiro e sua situação periférica na cultura das sociedades
ocidentais confere um caráter inconcluso para o sentido da modernidade
padrão, já que a miséria ainda persiste nos seus contornos mais cruéis e em
vários níveis da consciência brasileira. Mas, é fundamental apontarmos que a
modernidade é continuamente o movimento da sociedade entre o possível,
aquilo que as sociedades centrais realizaram, e o impossível, aquilo que está
posto, mas parece inalcançável para a sociedade brasileira. Esse descortinar
das condições brasileiras no contexto mundial só foi possível porque a
modernidade sobrevive da sua autocrítica, do seu movimento dialético que
mostra o antimoderno do moderno e vice-versa. Nesse sentido, a modernidade
é:
(...) também a consciência crítica do moderno, isto é, a recusa da
transitoriedade e da impotência que ele implica. A modernidade só o é
na perspectiva da História e da historicidade do homem; na perspectiva
da certeza, e não da incerteza, de que a vida e a práxis conduzem à
constituição do humano, à humanização do homem, e não
simplesmente e permanentemente à sua coisificação. Essa realidade
só pode se constituir onde as virtualidades da racionalidade do capital
se propõem plenamente e abertamente; por certo, não se propõem no
Terceiro Mundo senão de modo inacabado, incerto e dissimulado.
(MARTINS, 2008, p.21)
O contexto brasileiro e a eterna busca por uma atualização moderna
desafiam o paradigma moderno justamente porque no Brasil suas contradições
são exacerbadas.
Segundo Martins (2008), de modo mais intenso e dinâmico que a
racionalidade da cultura ocidental, o pensamento moderno promoveu a reflexão
sobre as irracionalidades da sociedade capitalista.
A compreensão sobre a constituição da identidade dos brasileiros na
contemporaneidade não poderia se dar sem a reflexão sobre a tradição, que a
modernidade buscou eliminar, pois representava o conservadorismo, e sobre o
novo. Como se deu a incorporação do modelo estrangeiro e em especial do
poder do capital sobre o cotidiano num país marcado pela dominação e
exploração? Quais são as nossas raízes, nossa tradição, já que a racionalidade
colonial também conseguiu importar os primeiro prenúncios modernos, dos
quais as grandes navegações são a expressão mais evidente?
Para interpretarmos os sentidos da modernidade brasileira para os
brasileiros, é necessário que alguns pontos essenciais da modernidade
europeia possam ser repensados quando atualizados no Brasil: crença no
progresso científico e garantia dos direitos individuais, por meio da presença de
um sistema econômico (Capitalismo).
Fernandes (2006) analisa as estruturas do capitalismo brasileiro a partir
de uma questão que busca compreender a lógica do capital, tendo como
modelo a sociedade europeia. Nesse sentido, observa-se que no Brasil não
houve uma revolução burguesa como se deu na Europa, já que a burguesia
local optou por se unir às forças oligárquicas que ainda sobreviveram após a
Proclamação da República. Desse modo, os valores próprios de uma
sociedade liberal, que fundamentalmente deve ser uma ordem social
competitiva, encontram-se totalmente comprometidos.
A ausência de uma revolução, ou seja, de disputas pela instauração do
ideário capitalista impediu a apreensão dos seus princípios básicos:
empreendedorismo, liberdade individual, cidadania. Esse processo de
legitimação da burguesia e do modelo capitalista que encontrou sua expressão
maior com a Revolução de 30 sentenciou um processo de consenso e não de
ruptura na História brasileira. Assim, assumimos de fato nossa condição
moderna sem negarmos o passado, a tradição política, econômica e social,
mas também sem desconsiderarmos as irracionalidades que o capitalismo
instaura quando privilegia poucos em detrimento de interesses de um grupo
social que possui um discurso moderno, mas que não descarta seu perfil
conservador.
A industrialização do país anunciava que o capitalismo comercial estava
convalescente e o capitalismo industrial representava a recuperação desse
modelo econômico. Mas o rearranjo não se deu basicamente no plano
econômico, embora essa forma social tenha prevalecido na modernidade
brasileira, traduzida pela modernização, que viria a ser ideologicamente
justificável para todos os grupos sociais. O que se observou foi que havendo
um ambiente político favorável para a burguesia manifestar sua habilidade de
se articular em torno de seus interesses, o Estado passou a ser o caminho
viável para a institucionalização do ideário moderno brasileiro.
Ao contrário de outras burguesias, que forjaram instituições próprias de
poder especificamente social e só usaram o Estado para arranjos mais
complicados e específicos, a nossa burguesia converge para o Estado
e faz sua unificação no plano político, antes de converter a dominação
sócio-econômica no que Weber entendia como ‘poder político indireto’.
As próprias ‘associações de classe’, acima dos interesses imediatos
das categorias econômicas envolvidas, visavam a exercer pressão e
influência sobre o Estado e, de modo mais concreto, orientar e
controlar a aplicação do poder político estatal, de acordo com seus fins
particulares. (FERNANDES, 2006, p. 240).
Nota-se, contudo, que a burguesia adotou em sua forma uma
característica moderna, já que se legitimou por meio de uma base comercial-
financeira, mas continuou em seu conteúdo com a visão agrária-exportadora,
própria do pensamento oligárquico. Esse contexto analisado por Fernandes
(2006) aponta para o processo de consolidação conservadora da dominação
burguesa no Brasil, pois tal processo impediu a expansão da ordem social
competitiva externa, que por sua vez ganhou reflexos internos.
O contexto da economia brasileira no início do século XX pode ser
caracterizado como neocolonial, pois se baseava num modelo de exportação e
importação que fortalecia o mercado interno, mas não era suficiente para
competir com o mercado externo, levando o país a se tornar mais um eixo
periférico no contexto do capitalismo monopolista. Essa situação de economia
dependente autorizou a burguesia a refrear os movimentos sociais em nome da
estabilização econômica que colocaria o Brasil no jogo do mercado
internacional via Estado. Desse modo, em nome da estabilidade da ordem
mundial, a Revolução Burguesa de fato não aconteceu no Brasil, já que não se
garantiu direitos sociais básicos que pudessem oferecer uma cidadania que
colocasse o país de igual para igual na base competitiva com outras nações.
As oligarquias brasileiras legitimaram-se por meio de práticas sociais
que empreenderam uma cultura baseada no mandonismo. Isso se deu porque
a configuração da vida rural baseada no modelo econômico latifundiário
possibilitava que as relações sociais estivessem todas sob o comando
hierárquico do Senhor de Engenho, por exemplo.
Desse modo, os ideais liberais, que garantiam a liberdade foram
traduzidos em um populismo que facilmente foi aceito pela população
brasileira, já que o mito do herói salvador, presente no imaginário social, deu
espaço para que o paternalismo e o clientelismo se instaurassem na República.
(CARVALHO, 2001).
A consolidação de um modelo de cidadania, que não considera o
indivíduo a partir de um contrato social que deve reger as relações sociais,
confere ao Brasil um modo peculiar de sua cultura e da sua modernidade, ou
seja, nossa cultura é extremamente personalista e se expressa pela ausência
ou camuflação de conflitos, mas não deixa de apresentar algumas resistências
inerentes ao comportamento típico do brasileiro. Entender a acomodação entre
a nossa tradição, mais mística e popular e orientada pelo racionalismo liberal, e
o novo é entender a nossa identidade frente a uma cultura moderna importada,
na qual o nosso nacionalismo nos parece mais moderno que de fato promotor
da modernidade (MARTINS, 2008).
Segundo Martins (2008), a década de 1930, expressa com mais vigor a
concepção moderna de Estado, na qual a ausência de experiência democrática
e de um espírito de luta reivindicatório da população alia-se ao despreparo das
elites e governantes no exercício da democracia plena, uma vez que fraudar as
eleições ou controlá-la passa a se justificar por uma visão paternalista de
acesso e não de conquista dos direitos sociais via direitos políticos. Desse
modo, instala-se uma cidadania regulada, na qual “Os trabalhadores foram
incorporados à sociedade por virtude das leis sociais e não da sua ação
sindical e política independente". (CARVALHO, 2001, p. 124).
Nesse sentido, segundo o autor, houve uma inversão da hierarquia dos
direitos conquistados, já que a liberdade civil é a base para se conquistar os
direitos políticos e na sequência os sociais. Como consequência, o país
fortaleceu o Estado por meio do poder Executivo que se tornou maior que os
demais. O Legislativo, por usa vez, é encarado como vínculo entre eleitores e o
executivo, provocando o que o Carvalho (2001) denomina como ‘esquizofrenia
política’, já que vereadores e deputados recebem cargos em troca de favores
ao executivo. Ao mesmo tempo, a população acostumou-se a ansiar por
soluções rápidas e por líderes messiânicos. Nesse contexto de individualização
e de ausência de luta coletiva, o corporativismo se instala entre os servidores e
trabalhadores de modo geral, no qual "Os benefícios sociais não são tratados
como direitos de todos, mas como fruto da negociação de cada categoria com
o governo". (CARVALHO, 2001, p. 223).
A saída para essa crise, há longo prazo, seria o fortalecimento da
democracia com a ampliação dos direitos civis e a consolidação dos direitos
políticos.
O contexto da globalização contribuiu para acirrar a crise de autoridade
do Estado e da nação e a sua legitimação representativa. Assim, o controle das
decisões foge do âmbito micro e torna-se uma questão supranacional. Ao
mesmo tempo, há uma convicção de que a democracia é o melhor sistema,
inclusive em um âmbito internacional.
Ser cidadão, na contemporaneidade, é ser consumidor. Nesse sentido,
os direitos sociais perdem cada vez mais espaço para o mercado e o Estado
entra em crise de identidade, já que atualmente precisa resolver os conflitos
particulares das minorias. Assim, a possibilidade de efetivação da democracia
passa pelo fortalecimento da organização social e da democratização do poder
por intermédio das Organizações não governamentais (ONGs) e pela ideia do
orçamento participativo.
Segundo Requejo (1999), atualmente a democracia requer uma
participação diversa da ideia tradicional de nacionalismo, que passou a
caracterizar a função do Estado e demais instituições, pois a cidadania liberal-
democrática não atende às demandas multiculturais da contemporaneidade e
por isso não pode integrá-las.
O pluralismo cultural presente nas democracias liberais caracteriza-se
por alguns movimentos: movimentos que defendem uma “questão única”
(feminismo, minorias sexuais, etc); movimentos de natureza nacionalista;
movimentos que representam imigrantes; e aqueles que defendem os direitos
dos povos indígenas.
A identidade dos cidadãos está intimamente ligada a sua cultura e todas
as características subjetivas que a mesma possui. Por isso, as diferenças são
um traço fundamental dos grupos. Então, os direitos e a justiça social tornam-
se mais complexos em sua efetivação, pois o universalismo que norteia o
liberalismo não pode atender às necessidades particulares dos grupos. Nesse
contexto, os liberais consideram que tudo que atende ao particular não é
racional e por isso não é democrático. Sendo assim, em nome dos direitos
individuais sufocam-se as possibilidades de efetivação da identidade cultural
própria do momento que vivemos e da participação integral e mais humanizada
de cada pessoa. (REQUEJO, 1999)
III – Estado, gestão social e cidadania: algumas considerações
A necessidade moderna de avançar na prerrogativa democrática de
participação social e a crise do modelo estatal apontaram outros horizontes em
torno da regulação tradicional que o Estado promovia. Esse norte se propõe a
superar o modelo weberiano de administração dominante baseado na
administração científica de Taylor e Fayol.
É nesse contexto que a gestão social e a cidadania deliberativa surgem
como perspectivas para que o Estado volte a ter importância na vida social.
Segundo Braga (1998), o tema da gestão permite que uma lógica
participativa se coloque entre o Estado e o cidadão, a sociedade. Ao mesmo
tempo, permite que o dilema entre Estado e Mercado seja superado, pois o
modelo da gestão abarca as instituições públicas, privadas ou estatais que são
submetidas ao controle social. Nesse sentido, o autor aponta alguns passos
necessários para se efetivar um sistema de gestão no setor público:
diagnóstico da situação; estabelecimento de metas com objetivos e finalidades
claras da administração pública; a definição dos atores (usuários, servidores e
administradores) e de seus papeis, bem como da função dos poderes
legislativos e judiciários; organização de grupo de trabalho e coordenação
técnica do projeto para coordenar a questão orçamentária e de infraestrutura, a
participação de entidades interessadas, além de articular o conhecimento
desenvolvido na área; a configuração do sistema e a formalização dos
resultados.
Para Kliksberg (1997), a gestão pública tornou-se uma demanda
principalmente porque as mudanças aceleradas das sociedades tornaram as
relações mais complexas e incertas, de modo que o gestor enfrenta questões
muito diversas entre si e daquelas de décadas passadas. Tais mudanças foram
impulsionadas pelas tecnologias e outras são de ordem contextual.
No caso da América Latina, questões como a estabilização da
democracia, a desigualdade social, o desenvolvimento econômico, a
competitividade e a promoção da integração econômica são alguns fatores que
configuram o contexto brasileiro.
A gestão pressupõe que os recursos humanos de qualquer organização
sejam revalorizados por meio da participação criativa de cada pessoa,
valorizando assim a autonomia de cada individuo em seu grupo para
estabelecer metas e avaliá-las continuadamente. É com essa perspectiva que
Kliksberg (1997) aponta a necessidade da modernização do Estado baseada
no desenvolvimento humano.
A gestão moderna não pode se basear nos elementos tradicionais e
mecânicos da implantação das políticas públicas. Essa perspectiva
fundamenta-se na dicotomia política-instrumentação, na qual a
institucionalização baseia-se no planejamento e na formulação de estratégias.
Nessa lógica, a fase de implantação seria a próxima etapa, na qual qualquer
problema é resolvido com um ajuste organizacional, desconsiderando-se as
disputas internas do setor público e também relegando os servidores das
grandes decisões.
Kliksberg (1997) também considera outras deficiências que imperam a
gestão social para o estado moderno: a existência de “metapoderes” que
subtrai poder e recursos dos programas sociais; obscurantismo na participação
da comunidade; um modelo organizacional centralizador; ausência de
flexibilidade; profissionais com especialização setorial; dificuldade para
aprender a partir da própria experiência, com seus próprios sucessos e
fracassos; esforços de diversas entidades, avaliando-se continuamente.
Em relação aos aspectos organizacionais, o autor traz o conceito de
rede como uma perspectiva promissora para se avançar na promoção de um
Estado moderno, em substituição ao modelo hierárquico e centralizador.
Segundo Kliksberg (1997), a rede pressupõe contatos, envolvimento pessoal, a
flexibilidade e a inovação. Ela foge do modelo hierárquico e burocratizado, já
que permite que qualquer pessoa possa conhecer o funcionamento do sistema
e interferir nele com suas ideias e avaliações.
Nesse sentido, de acordo com Nogueira (1998), a reforma do Estado
passa necessariamente por outra lógica do que seria a política, que
tradicionalmente fundamentou as ações do sistema e nos levou à crise
democrática que assistimos.
Assim entendida, a reforma do Estado é a expressão sintética de um
amplo programa de ação. Exatamente por isso, também há nela um
componente de reforma cultural: uma espécie de refundação do conhecimento,
ou, em termos menos dramáticos, o estabelecimento de novos estilos de
pensamento e análise científica, a re-criação dos conceitos e categorias com
que se conhece o mundo, a superação dos formalismos, dos especialismos e
das “neutralidades” de que está impregnada a ciência contemporânea. Nesse
sentido, é fundamental o engajamento dos intelectuais, isto é, sua paixão pela
verdade e sua disposição de manter em circulação projetos e utopias
direcionadas para a justiça social e a emancipação de todos. Em suma, sua
atuação não ocorre com assessores mais ou menos qualificados do poder, mas
com homens de ideias, difusores de pensamento crítico e conscientização.
IV – A crise da organização e administração escolar e a gestão local: limites e
possibilidades
A crise do modelo estatal responsável pela implantação do sistema
público nacional de ensino levou suas principais características para o interior
das escolas: hierarquia, burocracia, impessoalidade, neutralidade,
centralização e etc. Por isso, a educação escolar pública manifesta suas
contradições e paradoxos que culminaram em uma saída política:
descentralização, autonomia das escolas, contratualização da administração,
avaliação do sistema e das escolas (BARROSO, 2002)
De modo geral, a busca pela autonomia das instituições foi concretizada
por meio de iniciativas como a municipalização do ensino. Mas, isso não tem
garantido a construção de um sistema mais democrático, pois a cultura local,
inerente ao processo histórico de cada país, tem mais influências sobre as
concepções educativas dos professores, atores principais do processo
educativo, do que as reformas ou políticas públicas, pois quase sempre essas
iniciativas são incorporadas formalmente e não atingem de fato a gestão
escolar, já que são incorporadas como regras gerais. Além disso, respondem
mais à lógica economicista do que às necessidades reais sentidas pelos
docentes. Sendo assim, para vislumbrarmos as possibilidades e os limites de
uma gestão educacional que tenha como mote a autonomia, faz-se necessário
revermos alguns pontos do contexto em que foram geradas.
Segundo Tedesco (1998), o discurso sobre a autonomia das escolas
nasce com as teorias modernas de aprendizagem e as teorias das
organizações escolares.
As teorias modernas baseadas na psicologia do desenvolvimento
transferiram a decisão do currículo e da aprendizagem para o aluno, que então
se torna sujeito e parte essencial do processo ensino-aprendizagem. Desse
modo, a autoridade é redistribuída para os discentes e também para os demais
membros das unidades escolares, como os familiares, já que se difundiu a
ideia de que o currículo deve ser avaliado coletivamente. Nesse contexto, a
questão da centralização das decisões também aparece como uma barreira,
pois a burocracia impede que os serviços prestados à comunidade sejam
eficientes, já que o sistema provocou corporativismo e pouca responsabilização
dos funcionários públicos sobre os resultados. Por isso, a autonomia das
instituições aparece como o mecanismo que revolucionará a escola. Contudo,
as intenções que estão implícitas no discurso da autonomia institucional só
podem ser reveladas em um contexto determinado e durante o processo de
efetivação das políticas públicas, pois isso depende dos atores do jogo social e
de suas reais necessidades e força política.
Em princípio ou no nível discursivo, a implantação do sistema visava
oferecer uma educação basicamente igual em qualidade e quantidade a todos
os cidadãos. O dogma tradicional da educação visava tratar a todos
igualmente, mas isso se apresentou como algo extremamente discriminatório,
pois desconsiderava as diferenças de classe e as capacidades pessoais
inerentes a cada um. Nessa perspectiva, o sistema apoiou-se na visão
positivista e portanto, racionalista, na qual as subjetividades deveriam ser
eliminadas, já que também dificultavam um maior controle do sistema. Sendo
assim, oferecer a todos a mesma educação era um modo de estabelecer
regras uniformes que foram responsáveis pela socialização ou coesão social,
na qual o atendimento às necessidades pessoais dos cidadãos representava
uma ameaça à Nação, pois essa conduta comprometia o projeto modernizador,
calcado na racionalização científica e em regras universais e impessoalizantes.
Os movimentos populares, os meios de comunicação de massa, a
globalização aceleraram os processos de individualismo. Por isso, como
aponta Tedesco (1998), o princípio da vida social transferiu-se da solidariedade
para a tolerância e da imparcialidade para a igualdade e equidade. Desse
modo, as responsabilidades e a justiça precisam estar pautadas no coletivo,
pois a transparência do jogo social cria uma instabilidade, colocando nas mãos
de cada pessoa a necessidade de se resolver os conflitos sociais.
Esse contexto gerou um maior questionamento sobre a eficiência do
Estado para gerir a educação e inflamou os discursos que apontavam a
necessidade da privatização do ensino.
Tedesco (1998) analisa as políticas educacionais de alguns países para
comparar a educação pública e privada quanto aos níveis de desenvolvimento
social e também apresenta alguns sistemas que procuram combinar o setor
público e o privado, particularmente do Chile e do Uruguai. Nesses países, o
Estado oferece um subsídio às escolas particulares com a justificativa de que
financeiramente compensa manter o setor privado ao invés do público.
Todavia, no interior do sistema a lógica discriminatória é perpetuada, pois os
alunos das classes altas e baixas frequentam as escolas não-subvencionadas
e apresentam resultados nas avaliações bem superiores aos alunos dos
setores sociais baixos. Esse fenômeno ocorreu devido às escolas
subvencionadas carregaram as mesmas características das escolas públicas,
ou seja, uma cultura escolar que segrega os alunos. Nesse contexto, as
escolas uruguaias que agregam alunos de origem socioeconômica baixa e que
apresentaram os melhores resultados de aprendizagem possuem
características institucionais que conferem ao trabalho do professor mais
responsabilidade no processo unidade. Por isso, uma gestão escolar eficiente
não pode ser determinada apenas pela definição de um sistema público,
privado ou misto, mas sim pela construção da identidade da instituição:
... os resultados fornecidos pelos dados sobre a atividade educativa
pública e privada indicam que a explicação de bons resultados de
aprendizagem não está no caráter estatal ou privado dos
estabelecimentos escolares, mas em sua dinâmica institucional. Os
melhores rendimentos estão associados à possibilidade de elaborar um
projeto educativo do estabelecimento escolar, definido pela consciência
de determinados objetivos, pela existência de certas tradições e
metodologias de trabalho compartilhadas, pelo espírito de equipe e
pela responsabilidade diante dos resultados, ou seja, pela identidade
institucional. (TEDESCO, 1998 p. 114)
Barroso (2002) aposta em uma política de regulação e administração da
escola pública que promova a gestão local baseada no reforço da autonomia
das escolas a partir de uma visão comunitária. Essa perspectiva busca superar
a aparente dicotomia que se estabeleceu entre dois modelos: administração
estatal centralizada e hierarquizada versus administração do mercado
descentralizada e autônoma.
De modo geral, embora se observe uma tendência para se transferir as
decisões para os órgãos de gestão das escolas com a transferência de
recursos, poderes e competências para as instituições educativas, tais medidas
podem ser traduzidas em uma “autonomia dura” com a introdução da lógica do
mercado ou “autonomia mole” em que a pressão sobre o Estado é aliviada a
partir de medidas setoriais que transferem os objetivos convenientes às
escolas e preserva o controle central ao Estado. Os estudos de Barroso (2002)
revelam que as políticas que privilegiam a atuação do mercado, basicamente
as anglo-saxônicas, não têm reforçado a autonomia das escolas e sim
combinado a livre-escolha dos pais para matricularem seus filhos a partir da
concorrência entre as escolas públicas, o que gera uma concepção empresarial
e gerencialista das unidades de ensino ao privilegiar os alunos da classe
média, já que esses possuem um capital cultural e material diverso de outros
grupos sociais ou étnicos, levando a uma valorização de princípios como o
interesse individual, a competição e a não-equidade do serviço público
educacional.
Do ponto de vista organizacional, as escolas subvencionadas reforçaram
o papel do diretor, a independência das autoridades locais e aumentaram as
vantagens financeiras. Contudo, os Conselhos Escolares apresentaram “ ...
pouca democraticidade, dominados por um minoria da pais e administradores
não docentes que se fazem perpetuar nos cargos; a selecção de alunos com
base em relatórios, entrevistas, exames e critérios familiares (irmãos na
escola); a maior interferência do governo central, chamado a intervir para
corrigir os desvios, regular conflitos e impor padrões de resultados; o facto de o
director da escola fazer mais gestão que educação.” (BARROSO, p. 178, 2002)
A partir do exposto, Barroso (2002) apresenta a redistribuição dos
papeis na regulação da escola que deve ser equilibrado entre a participação do
Estado, dos profissionais de ensino e das famílias dos alunos.
Na evolução da história da administração da educação concernente aos
modos de regulação da escola houve alterações dos papeis dos entes
supracitados. O Estado tem oscilado sua intervenção com maior ou menor
atuação, funcionando ora como centralizador ora como regulador. Os
professores também oscilam sua participação com um estatuto que ora atente
ao funcionalismo e ora ao profissionalismo. Nesse sentido, há formas
intermediárias que configuram sua função como ‘funcionário público’,
‘assalariado’ e o ‘profissional’ ou ‘quase-profissional’. Os pais dos alunos, por
sua vez, atuam variando entre uma situação de dependência (súdito), de
interesse coletivo (cidadão), de individualismo (cliente) ou numa relação de
confiança (consumidor). Quando um dos entes predomina na atuação das
políticas públicas educacionais, há uma maior estatização, ou
profissionalização ou privatização. (BARROSO, 2002)
A partir do ponto de vista empírico, observa-se que há articulações
bipolares entre os entes, no qual em determinado momento predomina a
regulação burocrática (Estado se une aos professores em detrimento da
participação dos pais); a regulação pelo mercado (Estado se une aos pais em
detrimento da participação dos professores) e a regulação comunitária
(professores se unem aos pais em detrimento da participação do Estado). De
acordo com Barroso (2002), é necessário que se supere essas relações
bipolares por outra que considere tanto o Estado, quanto os profissionais de
ensino e os pais na regulação das políticas públicas de ensino.
Historicamente, quando houve uma aliança entre Estado e professores,
como apontam os estudos de Barroso (2002) em Portugal, e o Estado passou a
controlar o sistema de ensino (XIX), surgiram conflitos entre os entes dessa
articulação, que culminaram na tensão entre a ‘racionalidade administrativa’ e a
racionalidade pedagógica’. Isso porque houve uma intervenção da
administração central por meio de inspetores ou do próprio diretor de escola
que tinha como função controlar o trabalho dos professores por meio da
regulação burocrática e administrativa. O contraponto dessa força se deu com
uma regulação corporativa e profissional e pedagógica, na qual a escola tem
uma autonomia pedagógica e financeira e o diretor ocupa um lugar de líder
pedagógico.
A participação dos pais no controle das escolas em Portugal aparece de
forma reduzida, nos estudos de Barroso, acentuando-se a partir de 1970. A
partir da predominância de uma lógica baseada no mercado, a participação das
famílias é acentuada pela atuação do Estado, como já expusemos, embora a
classe média seja a privilegiada. Essa articulação diminuiu a participação dos
professores na definição e regulação das políticas públicas.
Nos estudos de Barroso (2002), a articulação entre os professores e as
famílias dos alunos aparece em Portugal ora com uma dimensão mais cívica
por integrar projetos políticos-pedagógicos ou uma dimensão mais corporativa
por defender interesses de grupos ou classe, como foi o caso das ‘escolas
operárias’ do início do XX em Portugal. Nesse sentido, a literatura que o autor
traz apresenta empiricamente experiências em que há uma exclusão das
minorias dentro das unidades de ensino, já que elas não atendem aos
interesses da maioria das famílias e professores, como se evidenciou nos
movimentos da Escola Nova.
A aliança entre o Estado e os professores não coseguiu garantir a
qualidade e eficácia do funcionamento global do sistema de ensino. Já a
articulação entre o Estado e as famílias e a tentativa de se criar um ‘mercado
educativo’ não conseguiu garantir a equidade e coesão social do ensino
público. Enquanto isso, o movimento comunitário de articulação entre
professores e os pais dos alunos pode levar à desagregação do sistema
público nacional, já que as escolas podem se fechar nelas mesmas e ainda
excluir os alunos que não atenderem à cultura da maioria das famílias de cada
unidade de ensino. Sendo assim, Barroso (2002) propõe uma nova articulação
entre o Estado, os profissionais e as famílias.
Nessa perspectiva, o Estado deve assegurar a defesa do direito e a
igualdade de todos os cidadãos à educação e a equidade do serviço público
por meio de um projeto nacional que contemple as demandas locais, mas sem
cair no particularismo (DEROUET e DUTERCQ, 1997 apud BARROSO, 2002).
De acordo com Barroso (1997), é preciso reconhecer que os órgãos
representativos das escolas podem, em certas ocasiões, gerir certos recursos
de modo mais eficiente que a administração central.
A busca pela construção conjunta do projeto da unidade escolar deve
considerar a importância de manter uma coesão interna com as demais
unidades de modo que ela não se atomize. Contudo, esse desafio requer do
sistema uma implantação tecnológica com vistas a atender o intercâmbio de
todos os atores. Isso requer iniciativas que fomentem um projeto coletivo
comum com todas as unidades do sistema, formando aquilo que Tedesco
(1998) analisa como rede.
... a característica fundamental de uma rede, em comparação com os
sistemas hierárquicos tradicionais, é que ela pode ser mobilizada pelas
iniciativas de cada um dos participantes e usuários, e não só de sua
cúpula, de seu proprietário ou de seu construtor. A lógica da rede é,
desse ponto de vista, potencialmente muito mais democrática que a
lógica do sistema. Essa democratização refere-se, em particular, ao
funcionamento interno, aos mecanismos de comunicação e de
intercâmbio. (TEDESCO, 1998, p. 117)
A implantação de uma rede não garante que o sistema será mais
democrático e atenderá os anseios para uma educação integral, pois é
necessário que a participação efetiva da comunidade local supere a dicotomia
posta pelos modelos de participação que concebem os pais como ‘súditos’ ou
‘consumidores’. Para isso, é fundamental que o controle social se efetive com a
integração horizontal da comunidade local por meio de dispositivos. Um
voluntariado social que promova a participação de vários grupos sociais que
compõem as unidades de ensino.
O profissionalismo dos professores não pode ser reduzido a um produto
de mercado, pois como aponta Mckevitt (1998 apud BARROSO, 2002), a
relação entre o fornecedor e o cliente exige um grau de confiança dos pais e de
ética por parte dos professores que se tornam os responsáveis diretos pelo
bem-estar dos alunos, já que são portadores de um conhecimento restrito a
sua profissão. Nesse sentido, a alteração de uma estrutura burocrática que
tradicionalmente pautou a organização das escolas depende da
descentralização das decisões e controle sobre o trabalho docente dos órgãos
que afetam diretamente a profissão com a participação formal ou informal dos
docentes.
Para concluir, é importante que algumas medidas sejam adotadas de
modo articulado no desenvolvimento de um modelo que equalize a participação
do Estado, das famílias e dos cidadãos e dos professores enquanto
profissionais do ensino: reforçar os poderes locais, territorializando as políticas
educativas por meio da transferência de competências para as autarquias;
valorizar a autonomia das escolas por meio da dimensão política, pedagógica e
sócio-organizacional, extrapolando a regulamentação jurídico-administrativa;
levar os professores a articularem a dimensão técnica de especialistas para
organizar o seu trabalho com a dimensão ética de agentes sociais; promover a
participação (interna e externa) e a liderança (individual e coletiva) com vistas à
construção de um pacto educativo para organização da escola; alterar o
modelo tradicional de atuação do Estado por outros mecanismos que
considerem um processo integrado e interdependente entre a ‘modernização
administrativa’, a ‘descentralização política’ e a autonomia do estabelecimento
de ensino’. (BARROSO, 2002)
V – Conclusões gerais
Os entraves para a efetivação de um Estado moderno brasileiro nos
moldes europeus revelam a complexidade do contexto brasileiro e as formas
de atualização de cada processo histórico. Nesse sentido, observa-se que a
racionalidade científica e o desenvolvimento econômico eram os principais
objetivos da nação e representavam a busca do bem comum. Contudo, esses
motes não incluíram todos os brasileiros no projeto de nação, já que a
Revolução Burguesa não se efetivou no Brasil, tornando-se uma promessa a
ser cumprida por um líder missionário e não pela conquista coletiva dos direitos
civis. Atualmente, o que se observa é que a garantia dos direitos e a cidadania
são representadas pelo direito de ter acesso aos bens materiais, ao consumo.
Essa possibilidade se sobrepõe a aceleração e radicalização das
desigualdades, que acentuam as diferenças sociais no Brasil.
A possibilidade de superação da ideologia do consumo que se impõe via
mercado aponta para a inclusão das pessoas por meio de seus direitos
culturais, já que os direitos sociais e políticos foram suplantados utilizando
mecanismos de cooptação, que historicamente os governos brasileiros
empreenderam com o apoio da burguesia, ou melhor, com a participação
efetiva da mesma na administração do Estado em detrimento da participação
popular para a conquista de seus direitos.
Nesse cenário, a participação dos cidadãos na gestão das escolas torna-
se uma utopia, já que não há cultura instalada nas instituições que permite um
engajamento dos vários segmentos e do próprio Estado enquanto o fomentador
desse paradigma.
Enquanto utopia, a participação fomenta um dos aspectos da
modernidade e do seu movimento de eterno ‘vir-a-ser’. Ao mesmo tempo,
atualiza seu discurso de inclusão e de participação popular enquanto um dos
lemas modernizantes, no qual a finalidade é o fortalecimento da democracia.
Nesse sentido, a construção de mecanismos e de instrumentos que promovam
a gestão democrática nas escolas deve ser perseguida e analisada, nos quais
a investigação científica encontra sua razão de ser.
A participação deve considerar o Estado, seus profissionais e os
cidadãos, que se valem dos serviços públicos, como aqueles que atualizarão
os sentidos contemporâneos da democracia, enquanto acesso aos direitos
sociais fundamentais.
A democracia representativa encontra-se em crise de legitimação, já que
a relativização dos poderes não responde mais a tantas demandas
momentâneas e seus modos de funcionamento não conseguem incluir as
subjetividades das consciências e de seus grupos cada vez mais carentes de
justiça social e equidade. Por isso, as pessoas parecem clamar pela
participação direta ou por formas de democracia direta que de certo modo são
possíveis nas redes sociais via internet, por exemplo, mas que carece de novos
instrumentos e métodos nas instituições públicas. Sendo assim, esse novo
contexto pode representar outras possibilidades de articulação para a
composição de novas formas de poder e funcionamento no interior da escola,
de modo que possa devolver o sentido comunitário que a educação pública
perdeu e assumir sua função social na contemporaneidade.
VI – Referências Bibliográficas
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gestão escolar em Portugal. In: FERREIRA, Naura S. Carapeto (org.) Gestão
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Interpretação Sociológica. 5ª Ed. – São Paulo; Globo, 2006.
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