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Anais do X Seminário de Literatura Brasileira – Literatura, Memória, Esquecimento, realizado na Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, de 08 a 10 de junho de 2016. ISSN: 1984- 0497 1 1 ENEIDA DE MORAES: A TESTEMUNHA DOS TEMPOS SOMBRIOS Edimara Ferreira Santos 1 Quando pensamos nos tempos sombrios e nas pessoas que neles viveram e se moveram, temos de levar em consideração também essa camuflagem que emanava e se difundia a partir do establishment — ou do “sistema”, como então se chamava”. (ARENDT, 2008, p. 05) O Intelectual e os Tempos sombrios Para abrir a discussão da ideia do intelectual como testemunho dos tempos sombrios, nada mais apropriado do que trazer a reflexão da autora Hannah Arendt (2008) que apresenta as inquietudes de filósofos e literatos como Rosa Luxemburgo (1871-1919), Walter Benjamin (1892-1940), Bertolt Brecht (1898-1956), Herman Broch (1886-1951), entre tantos outros que viveram em espaços-tempo adversos, mas não deixaram de mover suas vozes roucas, suas convicções, seus testemunhos de “manter-se empenhados com o mundo”. Dessa maneira, figuras como estas são desenhadas por Arendt (2008) como pessoas que compartilharam suas vidas, suas experiências e suas situações de uma época “afetadas pelo tempo histórico” em um “tecido afetivo”. São dessas perspectivas que torna importante pensarmos o lugar do intelectual no espaço-tempo da sociedade brasileira imersa a um período marcado por estado de exceção, de ditadura, de repressão, de assassinados e de perseguições políticas explícitas, tendo o intelectual como testemunho desse tempo. Por isso, apresentar a trajetória da escritora paraense Eneida de Moraes (1904-1971) como um intelectual no período do Estado Novo já representa um testemunho desses tempos difíceis 2 . 1 SANTOS é Graduada e Especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Estudos Literários pela mesma instituição. É doutoranda do curso de pós-graduação em Letras, Literatura Comparada, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), sob orientação da professora doutora Carmem Lucia Negreiros Figueiredo Souza. É professora de Literatura Aplicada à Educação do Campo (FECAMPO), da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). 2 O Estado Novo brasileiro, iniciado em novembro de 1937, foi um golpe político de Getúlio Vargas, que já estava no poder desde a Revolução de 1930, para continuar a governar o país e sob o pretexto de que o Brasil precisava de um líder firme contra as ideias comunistas vindas da URSS. Com a nova Constituição, conhecida como A Polaca, Getúlio aboliu o poder legislativo, extingui os partidos políticos e cancelou as eleições marcadas para o ano seguinte (DE LUCA, 2008).

ENEIDA DE MORAES: A TESTEMUNHA DOS TEMPOS … · Eneida da Costa Morais (sic), conhecida agitadora comunista, possuía em sua residência um custoso mimeógrafo, adquirido pelo ‘Socorro

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Anais do X Seminário de Literatura Brasileira – Literatura, Memória, Esquecimento, realizado na

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ENEIDA DE MORAES: A TESTEMUNHA DOS TEMPOS SOMBRIOS

Edimara Ferreira Santos1

Quando pensamos nos tempos sombrios e nas pessoas que neles viveram e se moveram, temos de levar em consideração também essa camuflagem que emanava e se difundia a partir do establishment — ou do “sistema”, como então se chamava”. (ARENDT, 2008, p. 05)

O Intelectual e os Tempos sombrios

Para abrir a discussão da ideia do intelectual como testemunho dos tempos

sombrios, nada mais apropriado do que trazer a reflexão da autora Hannah Arendt

(2008) que apresenta as inquietudes de filósofos e literatos como Rosa Luxemburgo

(1871-1919), Walter Benjamin (1892-1940), Bertolt Brecht (1898-1956), Herman

Broch (1886-1951), entre tantos outros que viveram em espaços-tempo adversos, mas

não deixaram de mover suas vozes roucas, suas convicções, seus testemunhos de

“manter-se empenhados com o mundo”.

Dessa maneira, figuras como estas são desenhadas por Arendt (2008) como

pessoas que compartilharam suas vidas, suas experiências e suas situações de uma

época “afetadas pelo tempo histórico” em um “tecido afetivo”.

São dessas perspectivas que torna importante pensarmos o lugar do intelectual

no espaço-tempo da sociedade brasileira imersa a um período marcado por estado de

exceção, de ditadura, de repressão, de assassinados e de perseguições políticas

explícitas, tendo o intelectual como testemunho desse tempo. Por isso, apresentar a

trajetória da escritora paraense Eneida de Moraes (1904-1971) como um intelectual no

período do Estado Novo já representa um testemunho desses tempos difíceis2.

1SANTOS é Graduada e Especialista em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Estudos Literários pela mesma instituição. É doutoranda do curso de pós-graduação em Letras, Literatura Comparada, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), sob orientação da professora doutora Carmem Lucia Negreiros Figueiredo Souza. É professora de Literatura Aplicada à Educação do Campo (FECAMPO), da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA). 2O Estado Novo brasileiro, iniciado em novembro de 1937, foi um golpe político de Getúlio Vargas, que já estava no poder desde a Revolução de 1930, para continuar a governar o país e sob o pretexto de que o Brasil precisava de um líder firme contra as ideias comunistas vindas da URSS. Com a nova Constituição, conhecida como A Polaca, Getúlio aboliu o poder legislativo, extingui os partidos políticos e cancelou as eleições marcadas para o ano seguinte (DE LUCA, 2008).

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Eneida Vilas Boas Costa de Moraes nasceu em Belém do Pará, a 23 de outubro

de 1904, filha de Joaquim da Costa, comandante de navio gaiola da antiga Amazon

River, e da professora Júlia Vilas Boas. Estudou no Colégio Sion de Petrópolis, no Rio

de Janeiro, e, aos treze anos, retornou à terra natal, a fim de cursar o preparatório, no

Colégio Gentil Bittencourt. Posteriormente, formou-se em cirurgiã-dentista pela

faculdade de Odontologia do Pará.

Inicia a carreira literária nos jornais de Belém, quando publica suas primeiras

produções em crônicas e em forma de poemas. Neste período, contribui para a formação

de duas revistas literárias, no Pará: A semana, em 1920, e Guajarina, em 1921, nas

quais colaboravam intelectuais paraenses do momento, como Peregrino Júnior, Abguar

Bastos, Bruno de Menezes e Paulo de Oliveira (SANTOS, 2009, p. 107), despontando

um olhar sensível de vida, de experiências de mundo, de vivência em sociedade, de

entrega às questões femininas e políticas nas décadas 30 e 70. Com isso, rompe silêncio

de “significado”, em que os sujeitos formam e deslocam, mesmo sob forte censura,

sentidos múltiplos e plurais de lugar e de sociedade.

O ano de 1929 marca a sua estreia como autora, com o volume de versos Terra

Verde, livro composto de poemas fortemente influenciado pela paisagem e pelos

temas da Amazônia. Três anos depois ela entra na militância política e passa a residir

no Rio de Janeiro e, a seguir, em São Paulo, quando ingressa no Partido

Comunista Brasileiro. E nesse momento ser comunista não era apenas participar

ou ser integrante do partido, mas se entregar, profundamente, às causas sociais e

políticas da década de 30. Em 1932, foi presa, ficando quatro meses na detenção.

Eneida da Costa Morais (sic), conhecida agitadora comunista, possuía em sua residência um custoso mimeógrafo, adquirido pelo ‘Socorro Vermelho Internacional’ e a ela entregue para confecção de boletins de propaganda subversiva-comunista”. (Prontuário apud SANTOS, n. 23.797).

Nat era o codinome de Eneida que volta em 1936 para o Rio de Janeiro,

onde é presa novamente por causa de suas atitudes e atividades “subversivas”; e

passa por sofrimentos e humilhações, no Pavilhão dos Primários, junto com

outros intelectuais do País, em que a sua prisão é narrada com maestria pela

autora Eunice dos Santos:

Chovia copiosamente na noite em que Eneida foi presa. Na cidade, já se encontravam bonés e camisas listradas e ouvia-se, cada vez mais forte, o

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ruído dos tamborins e dos pandeiros. Nos fios elétricos, algumas serpentinas precoces se embalavam e, aqui, e acolá, restos de confetes anunciavam o carnaval de 1936. Era janeiro. (...) Chegou ao pavilhão dos Primários em março de 1936 e foi encarcerada na Sala 4, onde já se encontravam Maria Werneck de Castro, Nise da Silveira, Rosa Meireles, Beatriz Bandeira, AntoniaVenegas, Eugênia Álvaro Moreyra, Francisca Moura, Armanda Álvaro Alberto, Valentina Bastos, HaidéeNicolucci, Catharina Besouchet e Carmem Ghioldi. Dias depois, vieram Olga Benário e Elise Ewert (Sabo Berger). As presas políticas viviam ali, algumas itinerantes outras fixas, sufocadas pelos maus tratos e limitação de movimentos dentro da cela (SANTOS, 2009, p. 39).

No período de um ano e cinco meses que manteve presa escreve o livro

de contos intitulado Quarteirão esua passagem por lá desperta a curiosidade do escritor

Graciliano Ramos que indagava aos seus companheiros perguntando: “quem é aquela

mulher de voz forte e poderosa?"3.

Durante o ano de 1939, Eneida passa uma “temporada” em Paris, de onde

enviava, semanalmente, sua colaboração para o Diário de Notícias, do Rio de

Janeiro, órgão da imprensa em que assinava as crônicas da coluna Encontro Matinal.

Nesse período que fica em Paris, Eneida continua fiel aos ideais marxistas e atua como

informante para um contingente brasileiro que, estimulado pela convicção leninista do

fazer revolução, incorporou-se às lutas em defesa da Espanha à resistência francesa

(SANTOS, 2009, p. 56).

Além disso, o exílio na França, também, é percebido e sentido por Eneida

como uma etapa de parênteses e de isolamentos, desterritorializando e

reterritorializando suas experiências, seus costumes, seus valores, suas culturas que lhe

custou muito caro, como é relatado por ela em uma das cartas:

tudo isso teve um preço altivamente confessado quando a noite chegava, minha solidão era enorme. Sentava e deixava uma frase para mim mesma, mas a voz se perdia na garganta... o melhor então era flanar pelos boulevards já que as multidões são para sempre uma boa companhia” (ENEIDA, 1950).

Figueiredo (2010), pontua que o exílio apresenta duas conotações

importante para pensar esse signo: a primeira, abrange a ideia de território

perdido, país natal que ficou para traz; a segunda, revela a relação com o país de

adoção, em que personagem/autor não se percebe, sentindo segregado por razões

3Segundo Eunice Ferreira dos Santos a escritora paraense era locutora na Rádio Liberdade, órgão informativo que funcionava no Pavilhão dos Primários. Nessa rádio transmitia resumos jornalísticos escritos por Otávio Malta e declamava poema como, por exemplo, Essa Negra Fulô, de Jorge de Lima.

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de etnicidade ou razões econômicas, ou ainda questões políticas, para o caso de

Eneida.

Esses movimentos estão presentes nas escritas de Eneida, pois a autora foi

ativista e presa políticas na Era de Vargas e foi exilada para França em

consequência da participação na Revolução de 30, convivendo com sessões de

interrogatórios, com rituais de torturas, sufocada pelos maus-tratos, exilada em

seu próprio país e fora dele. Entretanto, o território perdido e o país de adoção são

sempre ressignificados nas crônicas da autora paraense, pois esses movimentos

são sentidos dentro do próprio país e fora dele através de “pedaços esparsos” ou

“vestígios” que simbolizam um jogo dicotômico de passado/presente.

Os livros que projetaram Eneida, no terreno e no universo da crônica

brasileira, e despertaram as atenções dos críticos literários foram: Cão da Madrugada,

publicada em 1954, contendo as suas produções escritas para o Diário de Notícias

e para o Diário Carioca; e Aruanda, publicado em 1957, classificado por Veloso

Leão como "uma obra excelente" (1973, p.34).

Nestes dois livros têm-se uma Eneida memorialista que recorda seu

passado, sua infância, em Belém, e seus sofrimentos na prisão. Nas duas obras, a

escritora deixa transparecer, em cada assunto abordado, seus sentimentos, a sua

maneira de ver o mundo e a crítica ao sistema político-social, escolhendo a crônica

meio para jogar com os elementos psicológicos e subjetivos e transformar seu material

escrito, crônica jornalista, em textos literários. Alimenta de emoção as linhas de seu

texto sem deixar de registrar, de combater, de denunciar e de propor alternativas e de

transformar os artistas em experiências vivas e substanciais.

Ainda nesse viés de apreciações e olhares sobre a autora de Belém do Pará, que

Raquel de Queiroz e Aníbal Fernandes traçaram comentários latentes a respeito do livro

Cão da Madrugada (1954):

o que ele nos revela é uma personalidade de mulher que tem vivido, sofrido, entendido, ajudado. Mulher de coração humilde mas alegre, que deve com reconhecimento, paga com alegria, luta com lealdade e sofre o seu quinhão com dignidade tranquila(QUEIROZ, 1954). o livro de Eneida que certamente agrada a todos, porque a sua prosa é sempre uma poesia, particularmente é um livro para nós do Recife, que gostamos de ver a nossa cidade e o nosso rio tão amorosamente tratados (FERNANDES, 1954).

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A escritora paraense desperta, também, atenções de críticos literários como

Brito Broca que deixa suas impressões e seus substratos a respeito da escrita

cosmopolita de Eneida, com “muita alegria, muita saúde, grande ternura pelas crianças,

as árvores, o mar, a cidade, o sol... acaba de publicar o livro de crônicas “Cão da

Madrugada”- um cartaz literário do momento. E quem não gosta de Eneida? Pois ela

também gosta de tanta gente” (BROCA, 1954)

Além dos autores de Memórias do Cárcere e Memorial de Maria Moura, a

escritora paraense estreitou laços de amizades com notáveis nomes da nossa literatura

brasileira como Jorge Amado, Murilo Mendes, Manoel Bandeira, Aníbal Machado,

Mário Cabral, José Condé, Carlos Drummond de Andrade, entre outros (SANTOS,

2009, p. 109).

A peregrinação de Eneida de Moraes ganha conotações especiais,

principalmente quando se tratam das cidades de Belém do Pará e do Rio de Janeiro,

sendo intitulada por Eunice dos Santos de “caixeira viajante”. Essa simbologia foi

marcante na vida da autora por representar momentos felizes e tristes. Felizes, porque

sabia que cada chegada à cidade das Mangueiras sempre trazia consigo histórias,

acontecimentos, episódios a serem revisitados com os seus pais, filhos e irmãos. Tristes,

porque sabia que a sua chegada representava logo em seguida a sua partida. Mas para

ela as andanças e viagens pareciam tão distantes e infinitas no seu imaginário de

escritora; e que jamais poderia pensar ou imaginar que um dia teria o título de “caixeira

viajante”.

A participação de Eneida como colaboradora nas revistas e jornais brasileiros

merece uma atenção especial, apesar de informações ínfimas que possuímos, a entrada e

saída desses universos são definidos e marcados pela posição política e social frente à

discussão de atuação partidária e conotações feministas; lembrado por Carlos

Drummond de Andrade no episódio em que Eneida foi punida pelo Partido Comunista

Brasileiro em não compactuar com o apoio ao governo de Vargas.

Ao fazer uma resenha de textos marxistas sobre literatura popular e arte, de Fréville, para ser publicada no Tribuna Popular, registrei os créditos de tradução a Eneida, sendo esta referência cancelada pelo editor do jornal (DRUMMOND apudSANTOS, 2009, p. 60)

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Para além desse episódio, é importante pontuar que Eneida teve algumas

crônicas censuradas no período da ditadura militar da década de 60, como adverte

Eunice Santos (2010):

Mesmo publicando em jornais da chamada grande imprensa, manteve o tom contestatório sob a forma de “crônica- militante”. Exemplos disto vão ao longo de 1957-1970, quando, inúmeras vezes, teve seus textos censurados porque aproveitou o espaço do Diário de Notícias para fazer denúncias. Entre outras, são representativas desta fase as crônicas: Censura (1957); Aplaudindo (1961); Minha Solidariedade (1964); Carnaval e Censura (1965); Protesto (1966); Impugnados (1967) (SANTOS, 2007, p. 36)

No que se refere à questão feminina, a escritora paraense participou de maneira

ativa aos movimentos sociais de solidariedade e de liberdade às mulheres sob regime de

opressão, potencializando um discurso coletivo de luta divulgado pelos jornais, revistas

e crônicas.

O problema de união das mulheres brasileiras pertencentes aos mais diversos partidos democráticos, em defesa da Constituição, não foi ainda inteiramente compreendida por todas. Não quisemos ainda sentir o quanto valemos, não consideramos ainda – como deveríamos – a necessidade imediata, urgente, dessa união. Apregoamos que no Brasil a mulher tem sido sempre uma lutadora valente, mas ficamos apenas na declaração. Esquecemos que os vultos femininos do passado são como lições que não bastam ser aprendidos, precisam ser canalizados. Nossos problemas femininos estão aí claros, esperando soluções que só a nossa força unida poderia encontrar. (Momento Feminino, ENEIDA, 1947, p.02)

É interessante, também, pontuar que Eneida contribui ativamente no jornal O

Momento Feminino que circulou no Rio de Janeiro entre 23 de junho de 1946 até fins de

1956. Tinha uma coluna chamada Mundo de Hoje que colaborou por aproximadamente

um ano, de 1947 a 1948, sendo uma das principais idealizadoras desse periódico. Nessa

coluna, Eneida trazia informações e impressões de ser mulher no mundo e, também,

como ser mulher no Brasil em um momento de saída do Estado Novo.

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Capa do jornal O Momento Feminino Coluna Mundo de Hoje

Ano 1- 25 de julho de 1947 Jornal: O Momento Feminino

Foi um jornal de cunho político, revolucionário e comunista e pautava, em

particular, as questões femininas da época, imprimindo as subjetividades femininas em

um momento em que já estavam inseridas no mercado de trabalho, bem como ligadas,

ainda, aos afazeres domésticos. Assumiam diversos espaços sociaise imperavam as

sensações de mulheres em movimento. Essa jornada cotidiana foi destaque nas

disposições gráficas do periódico como é observada na capa emblemática de Paulo

Werneck4, de 25 de julho de 1947, em que as multiplicidades de atividades e

representações das mulheres são claramente expostas.

O jornal O Momento Feminino sempre ressaltava as palavras de mulheres

como as das Alice Tibiriça:

[...] a mulher entrou numa fase ativa, trazendo, para o cenário político, forças novas. Aqui no Distrito Federal, há uma palpitação de grande interesse pelos problemas que de perto, afetam a vida da própria mulher. Em todos os bairros as Uniões Femininas contra a carestia defendem interesses e pugnam pela melhoria de seu lar. O seu amadurecimento está a exigir um congresso de mulheres de onde sairá um órgão que, se ligando todas as associações femininas do Distrito Federal e de outros estados, possa traçar um plano geral de trabalhos, com tarefas apropriadas a cada união, a cada estado a cada mulher (Momento Feminino, 10/10/1947, p.5).

4Paulo Werneck foi artística da década de 40 que imprimia um olhar realista, muitas vezes seguindo uma tendência extremamente crítica de denúncia, em seus desenhos e imagens que marcaram as folhas dos periódicos de cunho comunista na imprensa brasileira.

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A participação de Eneida no movimento feminista focaliza um engajamento

nas ações políticas do governo brasileiro interferindo na liberação das líderes políticas

espanholas Mercedes Gomes, Isabel Saens, Maria Tereza Toral e GilbertaTalavera,

entendendo que esse tipo de ação fortalecia as lutas pela causa das mulheres. Integra a

Comissão Feminina de Intercâmbio e Amizade, na Conferência pelas Liberdades

Democráticas e Direitos Sindicais dos Trabalhadores Espanhóis, e participa da Mesa

Diretora da I Convenção Feminina do Distrito Federal, juntamente com três outras

comunistas: Alice Tibiriçá, Nuta Bartlet James e ArcelinaMochel (SANTOS, 2009).

São nessas mediações culturais, sociais, e literárias que Eneida de Moraes faz

de suas narrativas espaços de valorização do seu lugar, das substâncias políticas e

militantes de sua geração, construindo uma literatura que perpassa pela representação do

folclore paraense, com as crônicas Banho de Cheiro e Tanta Gente5; às tensões e

represálias do período da Era Vargas, com a crônica Companheiras, edificando, assim,

uma escrita de multiplicidade de olhares literários e temáticos.

O Testemunho nas escritas eneidianas

Na crônica Companheiras, Eneida apresenta como cenário de sua narrativa a

sala da Casa de Detenção, Pavilhão dos Primários, que reúne vinte cinco histórias, vinte

cinco consternações, vinte e cinco mulheres presas políticas do regime da década de 30,

pois “havia louras, negras, mulatas, de cabelos escuros e claros; de roupas caras e trajes

modestos. Datilógrafas, médicas, domésticas, advogadas, mulheres intelectuais e

operárias. ” (ENEIDA, 1957, p.105-106).

É nessa diversidade de identidades e de representações, que ora dialogam e ora

não, que essas mulheres compartilham tristezas, angústias, saudades, alegrias e torturas,

fazendo de suas memórias espaços de presença e ausência de suas histórias, de suas

confissões, de seus mundos, ou seja, tornando a memória um elemento que desencadeia

a literatura. Assim são as descrições das experiências de Maria, de Valentina, de

Beatriz, de Antonia, de Nise, entre tantas outras que, na sala da casa de Detenção,

apareciam e desapareciam naquele pequeno espaço compartilhado por elas.

5Nessas crônicas, a escritora paraense mostra o olhar tradicional das festas juninas e dos sujeitos que representavam o seu lugar, Belém do Pará, fazendo dessas narrativas, também, espaços da memória coletiva de um povo.

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Maurice Halbwachs (2003) nos ajuda a compreender o conceito de memória

como um lugar coletivo, em que os sujeitos constroem as suas experiências, as suas

vivências, as suas “escrevivências” nos espaços da memória. Por isso, ela é a

rememoração, o testemunho e a construção de um patrimônio social e cultural de um

lugar. Assim é a crônica de Eneida de Moraes:

Vinte e cinco mulheres, vinte e cinco camas, vinte e cinco milhões de problemas. [...] Havia as tristes, silenciosas, metidas dentro de próprias; sempre prontas ao riso, aproveitando todos os momentos para não se deixarem abater. Os filhos de Rosa eram nossos filhos. Sabíamos as graças e as manhas com que embalavam aquela mulher forte, arrogante, atrevida sempre mas tão doce, tão enlevada pelos "meninos". Quando Rosa falava nos "meninos" ficávamos todas em silêncio. Onde andariam eles? A polícia arrancara-os daquela mãe, negava-se a informar onde se encontravam, não admitia que Rosa soubesse notícias da família: o marido foragido, a irmã distante. E os "meninos"? No silêncio das noites, Rosa fazia com que assistíssemos aos nascimentos, aos primeiros passos, à primeira gracinha, ao primeiro sorriso, e depois o crescer rápido, a escola, os livros, idade avançada. (ENEIDA, 1957, p. 105-106)

É dessa experiência de coletividade que Halbwachs anuncia e apresenta em seu

livro A memória coletiva (2003), dizendo que as nossas lembranças não são construídas

e lembradas sozinhas, mesmo porque não estamos sós. Ainda que uma pessoa esteja

sozinha no meio físico, ela não está, porque junto dela estão as suas lembranças e as

suas recordações que só ganham forças, sentidos e significados, compartilhadas com os

outros, mesmo que esses outros estejam próximos ou distantes.

E é justamente essa construção ou conceito de memória coletiva que Eneida

traz nessa crônica e reproduz no fragmento citado, fazendo das histórias de vida e das

experiências da personagem Rosa as representações e o reconhecimento das outras

mulheres da sala do Pavilhão.

Assim acontece com as vinte e cinco presas políticas que encontram no lugar

físico ou não, da sala das mulheres, espaços para rememorar suas vidas, suas casas, suas

gentes, seus mundos, tornando “a memória coletiva um conjunto de lembranças ativadas

pelo filtro do presente [que] vivenciad[a] por um grupo de pessoas, se atualiza no

momento de cada rememorização” (HALBWACHS, 2003).

Essa noção de memória individual e coletiva permeia por quase toda as partes

do texto aqui estudado e das crônicas eneidianas, pois é inere não sentir ou perceber nos

escritos da autora traços de sua memória, de suas saudades, de seu passado, de seus

tempos idos, de sua mocidade, apontados e vivenciados por suas narradoras, como nas

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crônicas Capítulo dos Relógios, Conversas de Mulher, Pé de Cachimbo,Revolução de

30, entre tantas outras que no livro Aruanda deixam rastos e pistas de suas invenções e

reinvenções.

Assim a escrita de Eneida na sua essência é paradoxal e dicotômica, oscilando

entre fúria e calmaria, entre dramático e lírico, entre revolta e aconchego. E esses traços

são percebidos explicitamente nas entrelinhas da narrativa em questão.

Sabo para mim foi uma revelação; jamais conheci mulher tão culta, tão humana, tão valente. Uma mulher tão bela. Nunca a esquecerei. Na noite que ela partiu com Olga Benário para o navio que as levaria a Hitler, era inverno e tiritávamos de frio. Sofríamos ainda mais, porque tínhamos aprendido a amá-la. (ENEIDA, 1957, p.111- 112)

A partir desse fragmento, pode se comprovar o que fora abordado

anteriormente, a respeito do processo de entrelaçamento que se refere à memória

coletiva e individual. No trecho, é notável o entendimento da memória coletiva, quando

se refere às personagens Sabo Berger e Olga Benário, personalidades importantes na

luta contra os horrores e medos do Nazismo. Mas também é notória a presença da

memória individual no primeiro momento do trecho, quando a narradora revela que

“jamais conheci mulher tão culta, tão humana, tão valente”.

Nessa seara de discussão, é importante também salientar que as vozes

femininas são acentuadas e valorizadas nessa crônica de Eneida, pois a narradora

descreve os sofrimentos, as agonias e os percalços das mulheres que fizeram parte do

momento histórico do Estado Novo, como Maria Werneck de Castro, Olga Benário,

Beatriz Bandeira, Nise da Silveira, Eugênia Moreyra, Elise Ewert, Carmem Ghioldi,

Rosa Meireles, Armanda Álvaro Alberto e Valentina Leite Bastos, nomes e prenomes

importantes para a construção da História das revoluções. Apontando a participação

ativa, a valorização das histórias e a relevância das lembranças do sexo feminino nesse

cenário de horror e repressão:

Problemas de uma, problemas de todas. O noivo de Beatriz era o nosso noivo. Queríamos saber suas notícias, coisas que nem a própria noiva conhecia. Problemas comuns, destinos comuns. Os filhos de Antônia estavam em Natal, mas onde andaria o marido de Nininha, preso do Rio Grande do Norte? – Aquele eu conheço muito. É um cabra da peste. Ninguém dobra ele, não. Nininha alourada, de voz cantante, opunha às cenas de doçura suas palavras de energia. Contava a vida do marido como a de um herói. Pobres mulheres jogadas numa prisão infecta, sem o menor conforto. Maria pensava no seu chuveiro elétrico, Valentina ensinava literatura inglesa (como

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Universidade Estadual de Montes Claros – Unimontes, de 08 a 10 de junho de 2016. ISSN: 1984-

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estudava e lia Valentina) e queríamos à viva força que Nise desse lições de Psicologia. (ENEIDA, 1957, p, 106 – 107)

Percebe-se, nesse fragmento, que estão nas falas femininas as representações e

as traduções desses nomes próprios em que a autora vai alinhando o discurso de sua

história e da História Oficial, os quais não podemos e nem devemos apagar, ocultar ou

silenciar vidas tão complexas, biografias tão marcantes, existência tão lapidar nas

problematizações de ser mulher nesse período.

Por isso, a participação e as vozes masculinas são secundárias, silenciadas e

invisibilizadas, uma vez que no percurso da História Oficial percebemos a edificação

dos papéis dos homens como uma relação de poder que ficam cristalizadas nas figuras

de Henry Berger, Getúlio Vargas e Hitler, o que na narrativa e na linguagem eneidianas

são apenas figuras oficiais míopes e invisíveis.

Ainda conduzida pelas memórias como testemunha do espaço-tempo que

Eneida narra na crônica Capítulo dos Relógios duas estórias que se cruzam e se

entrelaçam a partir da presença do relógio que para as grandes literaturas nacionais ou

internacionais é símbolo que marca as ocorrências do presente e que se misturam a

outras do passado.

No entanto, as estórias desses relógios não são de grandes feitos, de grandes

acontecimentos, de grandes dramas, nada disso. As estórias são de “relatos banais” ou

“fatos do cotidiano” que foram protagonizados por Eneida:

Um dia quebrei um relógio e isso só teve realmente importância porque aconteceu num momento em que eu vivia longe de minha pátria. Os acontecimentos também obedecem às cores das bandeiras, têm íntima ligação com o chamado “país natal”. [...] Entre mim e o relógio de pulso houve um contacto mais demorado, mais afetivo, mais direto. Sentia minha pele com o mesmo carinho com que ela gostava de sentir sua capa de aço. Sempre fora preguiçoso e sonolento, mas mudando de sua má vontade. Não gostava de sair, andar, ver coisas, conhecer gentes, descobrir fatos (ENEIDA, 1957, p. 89).

Fala do momento da “partida” de Eneida do Rio de Janeiro à Paris e da

importância que o relógio teve em sua vida. Fouzinho, como assim chamava, foi seu

companheiro nas horas tristes e solitárias que passara em Sorbona. As badaladas do

Fouzinho alertavam para fechar os olhos, para escrever, para comer, para dormir, para

pensar, para sonhar, no compasso da solidão de Eneida em lugar distante e estranho.

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Em confluência com a estória do Fouzinho, Eneida traz para cenário de sua

narrativa outra estória com a temática voltada para o símbolo relógio; novamente, para o

momento em que passou na prisão:

Quando cheguei ao sombrio prédio da Rua da Relação, puseram-me num cubículo onde já havia alguém. Era noite; estava escuro demais naquele pedacinho frio. Não consegui ver a pessoa presente. Perguntei: - Quem é você? Ouvi um soluço e uma voz feminina começou a contar: - Não sou política, nunca me meti nisso, mas me prenderam. E você quem é? Não entendo de nada. Só se foi porque andei dizendo, na repartição, que precisamos ter liberdade no Brasil. Tenho também uns parentes que foram presos, mas eu sou eu (e soluçava) ... Que horas são? [...] Chorava e falava; a todo momento, uma vez atrás da outra, ela perguntava as horas. Os ponteiros mal andavam. Impacientava-se com aquela noite parada no espaço. O relógio não andava, com certeza. A cada hora pedida por ela e dada por mim, a môça se irritava: – Não pode ser. Ainda duas horas? Ainda três horas? Não dormimos um minuto sequer. As horas se arrastavam com tanta lentidão que eu me sentia exausta ao responder: - 3 e 15; 3 e 20; 3 e 40 (ENEIDA, 1957, p. 92-94)

Naquele tempo, viver minuto a minuto no Brasil representava sofrimento,

desespero ou supressão de quaisquer vestígios que levassem a testemunhar as

“memórias do mal”.Assim, as duas mulheres foram unidas para sempre através das

badaladas do silêncio do relógio.

Então, essas estórias não estão impressas nas grandes literaturas nacionais ou

estrangeiras sobre a temática do relógio, mas foram marcadas pelas linhas impressas de

Eneida através dos “outros relógios, [pois] muitos morreram, apenas esses têm estórias

para se contar” (ENEIDA, 1957, p. 95).

Algumas considerações

Dentre as crônicas lidas e estudadas neste trabalho, observamos que o alicerce

de sustentação das temáticas envolvidas em Companheiras e Capítulos do Relógio é a

memória. A memórianas crônicas ou as crônicas na memória é a grande aliada de

Eneida para entender e embrenhar nos assuntos e nas indagações que envolvem o seu

universo de escritora, de mulher e de ativista política, testemunhando tempos sombrios.

Referências

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