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• TECNOLOGIA ENGENHARIA DE MATERIAIS Plásticos mais competitivos Parceria entre OP P e Ipen produz polipropileno de alta resistência e fácil de reciclar U m processo para tor- nar os produtos plásti- cos mais fáceis de pro- duzir e de reciclar é o resultado de um proje- to entre o Instituto de Pesquisas Ener- géticas e Nucleares (Ipen) e a OPP Química, uma empresa do grupo Odebrecht, dentro do Programa Par- ceria para a Inovação Tecnológica (PITE), da FAPESP.Em conseqüência da pesquisa conjunta, já foram depo- sitadas três patentes que envolvem os procedimentos e os produtos obtidos. O foco do projeto é um processo de síntese do polipropileno de alta resis- tência do fundido. Esse nome refere- se à fase liquida desse material depois que a resina original sólida é transfor- mada, em uma máquina chamada ex- trusora. Isso acontece antes da mol- dagem final do produto plástico. O que os pesquisadores conseguiram foi proporcionar mais elasticidade ao polipropileno na fase fundida. Esse tipo de material, conhecido por HMS- PP (high melt strength poly- propylene), vem ganhando mercado sobretudo na Europa, por motivos ambientais, onde a indústria passou a empregá-lo na fabricação de espumas para vários usos, principalmente, em painéis de veículos, porque são mais fáceis de serem reciclados. "As peças produzidas a partir da mistura de di- versas outras resinas plásticas ofere- cem muitos obstáculos à reciclagem, 68 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP podendo inviabilizá-la', explica Ade- mar Benévolo Lugão, coordenador do projeto e do Departamento de Enge- nharia Química e Ambiental do Ipen. No Brasil, os painéis dos automó- veis ainda combinam componentes de polipropileno com elementos em polietileno, poliuretano, PVC e ABS. Todos esses materiais são termoplásti- cos, que, com os termofixos - como a resina epoxi, por exemplo - e os elas- tômeros, categoria que abrange todas as borrachas, constituem a família dos polímeros. Ou seja: são compostos

ENGENHARIA DE MATERIAIS Plásticos mais competitivos · rio da indústria da construção de se ... a bus-ca constante da inovação tecnológica é uma de suas marcas registradas

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Page 1: ENGENHARIA DE MATERIAIS Plásticos mais competitivos · rio da indústria da construção de se ... a bus-ca constante da inovação tecnológica é uma de suas marcas registradas

• TECNOLOGIA

ENGENHARIA DE MATERIAIS

Plásticos maiscompetitivosParceria entre OP P e Ipenproduz polipropileno de altaresistência e fácil de reciclar

Umprocesso para tor-

nar os produtos plásti-cos mais fáceis de pro-duzir e de reciclar é oresultado de um proje-

to entre o Instituto de Pesquisas Ener-géticas e Nucleares (Ipen) e a OPPQuímica, uma empresa do grupoOdebrecht, dentro do Programa Par-ceria para a Inovação Tecnológica(PITE), da FAPESP.Em conseqüênciada pesquisa conjunta, já foram depo-sitadas três patentes que envolvem osprocedimentos e os produtos obtidos.O foco do projeto é um processo desíntese do polipropileno de alta resis-tência do fundido. Esse nome refere-se à fase liquida desse material depoisque a resina original sólida é transfor-mada, em uma máquina chamada ex-trusora. Isso acontece antes da mol-dagem final do produto plástico. Oque os pesquisadores conseguiram foiproporcionar mais elasticidade aopolipropileno na fase fundida.

Esse tipo de material, conhecidopor HMS- PP (high melt strength poly-propylene), vem ganhando mercadosobretudo na Europa, por motivosambientais, onde a indústria passou aempregá-lo na fabricação de espumaspara vários usos, principalmente, empainéis de veículos, porque são maisfáceis de serem reciclados. "As peçasproduzidas a partir da mistura de di-versas outras resinas plásticas ofere-cem muitos obstáculos à reciclagem,

68 • ABRIL DE 2002 • PESQUISA FAPESP

podendo inviabilizá-la', explica Ade-mar Benévolo Lugão, coordenador doprojeto e do Departamento de Enge-nharia Química e Ambiental do Ipen.

No Brasil, os painéis dos automó-veis ainda combinam componentesde polipropileno com elementos em

polietileno, poliuretano, PVC e ABS.Todos esses materiais são termoplásti-cos, que, com os termofixos - como aresina epoxi, por exemplo - e os elas-tômeros, categoria que abrange todasas borrachas, constituem a família dospolímeros. Ou seja: são compostos

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por macromoléculas orgânicas, que, agrosso modo, é constituída pelo en-cadeamento de unidades básicas cha-madas meros, com aparência seme-lhante à de um cordão ou de umacorrente. Os polímeros são sintetizadospelo entrelaçamento desses cordões,formando uma espécie de novelo, emimensos reatores industriais.

No polipropileno, originado domonômero propeno, a força de liga-ção entre as moléculas é baixa. Sua es-trutura totalmente linear determinaque o material seja altamente fluido ede difícil proce~amento no estadofundido, o que inibe sua aplicação emalgumas técnicas de moldagem e naprodução de espumas especiais. "Deinício, chegamos a pensar em tornar opolipropileno fundido mais elásticoaumentando o tamanho da moléculae criando, assim, um emaranhado mo-lecular", lembra Lugão. "Conseguimosobter resultados melhores, porém, en-xertando fragmentos de polipropile-no no próprio polipropileno por irra-

diação com fonte de cobalto 60. Essasramificações de cadeia longa criaramum nível muito elevado de emara-nhamento. É quase como um prato deespaguete de fios compridos. Quantomais compridos e ramificados, maisenrolados eles ficam, facilitando o pro-cessamento da resina."

Na primeira fase do projeto, queteve início em 1999 e foi concluído háalguns meses, foram utilizadas fontesde radiação de cobalto de pequenoporte, típicas dos laboratórios de en-saios. Depois, quando os testes ganha-ram maior escala, o Ipen recorreu aosserviços da Empresa Brasileira de Ra-diações (Embrarad), de Cotia (SP),que fornece radiação gama com co-balto 60 a diversos segmentos econô-micos. ''A contribuição da Embraradfoi fundamental", diz Lugão.

Segundo o pesquisador, conside-rando-se como referência o índice defluidez, a resistência do polipropilenofundido multiplicou-se por 15 até 30,quando as tecnologias atualmente

,

disponíveis nos países desenvolvidossurtem efeito multiplicador entre oitoe dez. "Do ponto de vista da qualidadedo material, estamos perfeitamente pre-parados para suprir a futura demandados mais exigentes usuários': celebraAlexandre Elias, engenheiro de produ-to da OPP Química e representante daempresa na parceria com o Ipen. Eliasacredita que a procura por HMS- PPserá uma tendência absolutamente con-solidada no mercado brasileiro dentrode, no máximo, cinco anos.

Mercado e escala - "Pretendemos ini-ciar a produção comercial antes dis-so", observa ele. Por ora, a OPP e oIpen continuam empreendendo es-forços para aprimorar métodos e re-duzir o custo do processo, que, paraLugão, ainda é alto. Na visão da OPP,o desenvolvimento do mercado parao HMS- PP no Brasil depende dasmontadoras de automóveis. ''A utili-zação em veículos dará a escala neces-sária para a disseminação de outrasaplicações possíveis': prevê Elias.

Entre elas, estão, por exemplo, aschapas extrudadas - aquelas que pas-sam pelo processo líquido e são solifi-ficadas antes do molde - usadas paraa fabricação de peças de grande portecomo cestas de lixo, móveis, caixasetc. "Na verdade, há oportunidadesem todos os segmentos nos quais opolipropileno não consegue conquis-tar participação expressiva devido àsua constituição semicristalina, queimpõe limites à transformação e àbaixa resistência': postula Lugão.

O polipropileno, comercializadodesde a década de 1960, vem regis-trando o maior crescimento merca-dológico entre os polímeros plásticos.Produzido em quase 50 países, temvolume de vendas anual de mais de30 milhões de toneladas. Dados daSolvay, gigante internacional da pe-troquímica, indicam que 33% dessetotal é utilizado na fabricação de em-balagens.

Polipropileno: maiselasticidade, resistênciae facilidade em reciclar

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Nos países desenvolvidos, asaplicações para as quais o HMS-PP tem potencial consomem cer-ca de 1 milhão de toneladas depolímeros a cada ano, tomando-se em conjunto as vendas físicasde poli estireno, poliestireno dealto impacto, PVC, polietilenosde baixa e de alta densidade eABS,entre outros, afirma Lugão.No Brasil, este mercado repre-senta, pelo menos, algo em tor-no de 30 mil toneladas por ano,segundo estimativa da OPP. Ovalor do HMS- PP pode superarem US$ 100 o preço da toneladado polipropileno convencional.

Ele destaca, também, a emer-gência de novas aplicações naárea de embalagens de alimentospré-cozidos para forno de mi-croondas, na qual o HMS- PP po-de concorrer com o polietilenotereftalato (PET) mais conhe-cido como matéria-prima das gar-rafas plásticas de refrigerantes."As regulamentações ambientais Irradiação de cobalto no laboratório do Ipen

estão desenhando duas tendên-cias: a de redução do lixo sólidoe a de aumento da fração reciclá-vel desse lixo': diz. "O HSM -PPpode contribuir para a consoli-dação de ambas, porque ao per-mitir maior controle da espessu-ra, pode propiciar a produção deembalagens com paredes mais fi-nas, e oferece bem menos pro-blemas de reciclagem que o PVC,amplamente utilizado na produ-ção de tubos e conexões, esqua-drias prediais, pisos e forrações."

Produto avançado - Na área dePVC, obtido pela polimerizaçãodo cloreto de vinila, a OPP tam-bém está preparada para darconta de incrementos na deman-da - pode, aliás, dobrar sua pro-dução, que hoje gira em tornode 400 mil toneladas anuais, cer-ca de 60% do volume comercia-lizado no país.

Em novembro passado, a OPPrecebeu o Prêmio FINEP de Ino-

-:

A OPP Química deve passar achamar-se Braskem até o final doano, com a formalização da incorpo-ração da Companhia Petroquímicado Nordeste (Copene), de Carnaçari,que o Grupo Odebrecht adquiriu em2001, em associação com o GrupoMariani. Ao mesmo tempo em que atrajetória da empresa pode ser descri-ta como uma sucessãode fusões e aqui-sições nitidamente orientadas pelaestratégia do conglomerado originá-rio da indústria da construção de sefazer presente em toda a cadeia pro-dutiva do setor petroquímico, a bus-ca constante da inovação tecnológicaé uma de suas marcas registradas.

"Com atividades de pesquisa vol-tadas para a multiplicação de resulta-dos, a redução dos custos e o aumentoda produtividade, investimos mais deUS$ 70 milhões em P&D ao longo dosúltimos dez anos': afirma Antônio Bra-

gança, diretor de tecnologia da OPP.A companhia emprega 117 pesquisa-dores, dos quais seis são doutores ecerca de 20 têm nível de mestrado.Mantém acordos para.o desenvolvi-mento de tecnologias com diversosinstitutos de pesquisa e universidades.

Além do Ipen e do IPT, sua exten-sa lista de parcerias com instituiçõesacadêmicas inclui, por exemplo, aUniversidade Estadual de Campinas,a Universidade Federal de São Car-los, o Instituto Alberto Luiz Coimbrade Pós-Graduação e Pesquisa (Cop-pe), da Universidade Federal do Riode Janeiro, e a Pontifícia Universida-de Católica do Rio Grande do Sul."Algumas vezes trabalhamos tam-bém com universidades estrangeiras,como a de Wisconsin, nos EstadosUnidos, e a de Waterloo, no Canadá."

De acordo com Braga, a OPP nãoenfrenta problemas em função da

No rumo .das fusões e da inovação

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diferença de ritmo entre a academiae as empresas. "Desde que o planeja-mento seja bom e as diferenças res-peitadas, há entendimento e as duaspartes saem ganhando': ressalta. Lu-cien Rebello dos Santos, responsávelpor desenvolvimento de processosda divisão de PVC, afirma que, dapolítica de P&D da OPP, faz parterecorrer a universidades e institutosde pesquisa para a realização de pro-jetos de domínio de tecnologias alongo prazo, mesmo que não geremresultados imediatos. "Esse inter-câmbio traz conhecimentos que emalgum momento serão utilizados:'

Líder sul-americana na produçãode polímeros termoplásticos e soda-cloro para fabricação do PVC e ou-tros produtos como parafinas e adi-tivos a OPP, que detém 27,3% docapital da Copesul, centro do pólopetroquímico de Triunfo (RS), tem

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vação Tecnológica, na categoriaprocesso, pelo desenvolvimento,em conjunto com o Instituto dePesquisas Tecnológicas (IPT), deum sistema automatizado de con-trole da temperatura nos reatoresde Pvc. Outro aspecto do proje-to foi o acoplamento de conden-sadores de refluxo automatica-mente acionáveis quando o calorultrapassa limites previamente de-finidos, conforme as caracterís-ticas a ser obtidas no produto.

O processo, que já foi imple-mentado em três reatores da em-presa, em Camaçari, na Bahia, re-duziu o tempo da síntese do PVCde 12horas para apenas 3,5 horas,proporcionando um incremen-to de produtividade da ordem de80%. ''Além disso, registramosganhos de qualidade, porqueaprimoramentos no controle doprocesso obviamente facilitam aconformação a padrões': afirmaLucien Rebello dos Santos, res-ponsável por desenvolvimento Cobalto na Embrarad: maior escala nas irradiações

seis unidades operacionais naquelaregião, três no Estado da Bahia,duas em Alagoas e uma em SãoPaulo. Para realizar testes de pro-dutos e de tecnologias em larga es-cala, a OPP utiliza quatro plantaspiloto - três no Rio Grande do Sule uma na Bahia.

A OPP foi assimilada pelo Gru-po Odebrecht em meados dos anos90, logo depois da aquisição docontrole acionário da Trikem, anti-ga Companhia Petroquímica deCamaçari, em 1995. Posteriormen-te, as duas empresas unificaram suaadministração. A compra da Cope-sul e da Copene consolida a impor-tância do grupo no cenário petro-químico brasileira.

A OPP não divulga seus resul-tados financeiros desde o fecha-mento de capital do Grupo Ode-brecht, em maio de 2000. ABraskem será uma companhia decapital aberto, com ações nas bol-sas de valores.

de processos da divisão de PVC daOPP. "Outro aspecto em que há me-lho rias sensíveis é o da segurança:conseguimos reduzir riscos para aspessoas e os equipamentos."

A aproximação entre a companhiae o instituto paulistano teve início em1994 e cresceu de maneira cuidadosa-mente planejada. Naquele ano, Mar-cos Alberto Castelhano Bruno, hojediretor executivo do IPT e responsá-vel pela administração das parcerias

o PROJETO

Desenvolvimento de umNovo Processo de Síntesede Polipropileno comAlta Resistência do Fundido

MODALIDADEParceria para Inovação Tecnológica(PITE)

COORDENADORADEMAR BENÉVOLO LUGÃo - Ipen

INVESTIMENTOR$ 36.500,00 eUS$ 67.360,00 (FAPESP)E R$ 136.000,00 (oPP)

com empresas, estudou o casoda Companhia Petroquímica deCamaçari, em sua tese de douto-rado em Administração de Em-presas, que tratou da interaçãoentre os meios acadêmico e cor-porativo, com suas vantagens eseus desafios. O controle acioná-rio passaria às mãos do GrupoOdebrecht em 1995, quando ogoverno deu início à privatiza-ção do setor petroquímico (leiaquadro sobre a OPP).

Bom senso - ''Aparceria consoli-dou-se em 1997,com um progra-ma de formação gerencial dostécnicos da empresa para habili-tá-los ao intercâmbio com ins-titutos e universidades", lembraBruno. Esse primeiro passo, dizSantos, foi fundamental para adefiniçãodas responsabilidades decada uma das partes e para a gera-ção de conhecimentos a partir doesforço comum. "Sem essa base,provavelmente não teríamos con-seguido evoluir tanto': reflete ele.

Do ponto de vista da companhia,um ingrediente importante da receitado sucesso do projeto foi a preservaçãodos aspectos da tecnologia tradicionalde polimerização - a instalação doscondensadores de refluxo foi a única al-teração a que os equipamentos foramsubmetidos. "Usamos o bom senso, evi-tando tanto a necessidade de fazer gran- /des investimentos em bens de capitalquanto o aumento do consumo ener-gético do processo", observa Santos.

Na fase de conclusão do projeto,que no total teve duração de aproxima-damente um ano e meio, dois pesqui-sadores do IPT passaram em torno deum mês em Camaçari, acompanhan-do o trabalho da OPP, primeiro emuma planta piloto e, por fim, nos rea-tores industriais da companhia. Umdos grandes desafios foi transformaras medidas de um reator de labora-tório para a fase industrial. "Um se-gundo protótipo é dez vezes maiorque o produzido em laboratório, e oindustrial multiplica seu tamanho pordois. Juntos, aprendemos a mudar deescala", conclui Santos. •

PESQUISA FAPESP • ABRIL DE 2002 • 71

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