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Enid Blyton
Gémeas
Volume I
As gémeas no Colégio de Santa Clara
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1
I
AS GÉMEAS TOMAM UMA RESOLUÇÃO
Numa tarde de Sol, quatro raparigas encontravam-se
sentadas na relva, junto de um campo de ténis, bebendo
limonada. As suas raquetas repousavam no chão e as seis
bolas brancas estavam espalhadas pelo campo.
Duas das pequenas eram gémeas. Isabel e Patrícia
O'Sullivan eram tão parecidas que poucas pessoas
conseguiam distinguir uma da outra. Ambas tinham cabelo
castanho escuro, ligeiramente ondulado, bonitos olhos azuis,
um sorriso simpático e um ligeiro sotaque irlandês que lhes
dava certa graça.
As gémeas estavam a passar quinze dias em casa das
suas amigas Maria e Francisca Waters. As quatro pequenas
conversavam e a Patrícia franzia o sobrolho enquanto falava.
Pegou na raqueta e bateu com ela na relva.
- É uma pena que a mãe não nos deixe ir para o mesmo
colégio que vocês, já que saímos do Colégio Redroofs, onde
sempre andámos juntas. Somos amigas há tantos anos e
agora, indo para colégios diferentes, vamos estar muito
tempo sem nos vermos.
- É uma pena que o Colégio Redroofs só admita alunas
até aos catorze anos - disse a Isabel. De contrário
poderíamos continuar juntas e seria muito mais divertido.
Gostei imenso de ser chefe de turma, no ano passado, com a
Patrícia. E também gostei de ser capitão da equipa de ténis e
a Patrícia de hóquei. Agora temos que ir para outro colégio,
onde voltamos ao princípio. Em vez de chefe de turma,
seremos caloiras.
- Gostaria tanto que vocês fossem connosco para o
Colégio Ringmere! - disse a Francisca. A nossa mãe diz que é
um colégio muito bem frequentado. Só vão para lá filhas de
pais ricos e de boas famílias, por isso conseguem-se óptimas
amizades. Teremos um quarto só para nós duas e a nossa
sala de estudo. À noite é obrigatório vestido de cerimónia
para jantar e dizem que a comida é esplêndida.
- E nós vamos para o Colégio de Santa Clara, onde toda a
gente pode entrar e os dormitórios são para seis ou oito
alunas, com uma mobília inferior à dos quartos das nossas
criadas! - exclamou a Patrícia, com voz lamentosa.
- Não percebo por que razão a mãe resolveu mandar-nos
para ali, em vez de irmos para o Colégio de Ringmere - disse
a Isabel. - Não tenho a certeza que a mãe já esteja
completamente decidida. Amanhã voltamos para casa e
ambas faremos o possível para a convencer a deixar-nos ir
para o vosso colégio, Maria e Francisca! À noite telefonamos
a contar o resultado.
- Ficaremos radiantes se nos derem boas notícias - disse
a Maria. - Na verdade, depois de se ter sido capitão num
colégio maravilhoso como o Redroofs, ter cada qual o seu
lindo quarto, sala de estudo com óptima vista e ser
considerada por uma centena de colegas, é horrível mudar
para outro colégio e ainda por cima sem nenhuma
vontade!...
- Bem, façam o possível por convencer os vossos pais a
mudarem de opinião - disse a Francisca. E agora vamos jogar
mais uma partida de ténis antes do lanche!
Todas se levantaram, combinando-se os pares. A Isabel
jogava muito bem e ganhara o campeonato do Colégio
Redroofs. Tinha um certo orgulho nisso. Patrícia jogava
quase tão bem como a irmã, mas preferia o hóquei em
patins.
- Não jogam hóquei no Colégio de Santa Clara. Só jogam
o lacrosse - disse a Patrícia, aborrecida.
- É um jogo mesmo idiota, que se joga com uma rede nos
estiques, apanhando a bola durante todo o tempo, em vez
de lhe batermos! Será uma das coisas que eu direi à mãe.
Não quero jogar lacrosse depois de ter sido capitão da
equipa de hóquei.
As gémeas fartaram-se de pensar em todas as razões
que apresentariam aos pais quando voltassem para casa, no
dia seguinte. Tornaram a falar no assunto durante o
regresso, no comboio.
- Eu digo uma coisa e tu dizes outra - decidiu a Patrícia. -
Afinal nós é que devemos saber qual o colégio que mais nos
convém. Confesso que o de Santa Clara me parece
detestável!
Na tarde seguinte, em casa, as gémeas começaram a
falar sobre colégios. A Patrícia, como era seu hábito, foi
direita ao assunto, dirigindo-se ao pai e à mãe:
- A Isabel e eu temos pensado muito no colégio para que
desejamos ir, e por favor não nos mandem para Santa Clara.
Todos dizem que é horrível.
A mãe riu-se e o pai, surpreendido, afastou o jornal que
estava a ler.
- Não sejas pateta - disse a senhora O'Sullivan.
- É um óptimo colégio.
- Mas estão resolvidos a mandarem-nos para lá?
- perguntou a Isabel.
- Ainda não decidimos - disse a mãe. - Mas o pai e eu
achamos que é o colégio mais conveniente para vocês. O
Colégio de Redroofs estragou-as bastante, pois é muito caro
e luxuoso. Hoje em dia é preciso aprender-se a viver com
mais simplicidade. O Colégio de Santa Clara é muito mais
modesto, além de que conheço a directora com quem
simpatizo muito.
A Patrícia protestou.
- Um colégio modesto! Detesto as coisas modestas; são
sempre horríveis e feias, estúpidas e desconfortáveis. Ó
mãe, deixe-nos ir para o Colégio de Ringmere, com a Maria e
a Francisca.
- De maneira nenhuma - cortou logo a senhora
O'Sullivan. - É um colégio muito snob e não estou disposta a
que as minhas filhas fiquem umas toleironas e petulantes.
- Não ficamos nada - observou a Isabel, fazendo um sinal
à Patrícia para que não continuasse a discussão. Patrícia
irritava-se com muita facilidade e isso não dava resultado,
sobretudo na presença do pai.
- Querida mãezinha, seja um amor, e deixe-nos ir para o
Ringmere só por um ou dois períodos e se nessa altura achar
que estamos a tornar-nos umas toleironas, então pode tirar-
nos. Mas deixe-nos experimentar. Ali jogam hóquei, tanto do
nosso agrado. Não nos apetece nada aprender outro jogo,
agora que nos tornámos tão boas no hóquei!
O senhor O'Sullivan martelou com o cachimbo na mesa.
- Minha querida Isabel - disse - acho que só vos pode
fazer bem aprender uma coisa nova, desde o princípio.
Parece-me que no último ano escolar vocês tornaram-se
bastante vaidosas, considerando-se umas maravilhas! Se
forem obrigadas a aprender coisas novas e perceberem que
não são assim tão fantásticas como julgam, só lucrarão com
isso.
As gémeas ficaram muito vermelhas. Sentiam-se
zangadas e feridas no seu amor próprio e estavam quase a
chorar. A mãe teve pena delas.
- O pai não quis ser antipático - disse-lhes. Mas ele tem
toda a razão, minhas queridas. Sei que gostaram imenso do
tempo que passaram em Redroofs. Tudo lhes correu bem,
distinguiram-se em muitas coisas e viveram num ambiente
luxuoso. Porém, agora devem mostrar-nos a vossa
verdadeira categoria ao entrarem numa escola em que as
mais novas têm a vossa idade, e as alunas das últimas
classes dezoito anos e mais!
Patrícia mostrou-se muito aborrecida e o queixo de Isabel
tremia, quando respondeu:
- Não seremos felizes e nada faremos para o ser!
- Muito bem, então sejam infelizes à vontade! - disse o
pai, severamente. - Se foram essas atitudes idiotas que
aprenderam em Redroofs, lamento que as tenhamos lá
deixado estudar durante tanto tempo. Há dois anos que quis
tirá-las, mas pediram-me tanto para continuar que lhes fiz a
vontade. Agora nem mais uma palavra sobre o assunto. Eu
próprio escreverei para Santa Clara, ainda esta noite,
pedindo para que sejam matriculadas. Se querem que eu
tenha orgulho nas minhas filhas, alegrem-se e decidam
desde já serem boas rapariguinhas, trabalhadoras e alegres
no vosso colégio. O pai acendeu o cachimbo e voltou à
leitura do jornal. A mãe pegou na costura. Nada mais havia a
dizer. As gémeas saíram da sala e foram para o jardim.
Dirigiram-se ao seu habitual esconderijo, atrás duma
espessa sebe e deitaram-se na relva. O Sol da tarde
espalhava os seus raios dourados em redor e elas piscavam
os olhos devido à luz intensa. Nos olhos da Isabel brilhavam
algumas lágrimas.
- Nunca pensei que a mãe e o pai fossem tão duros -
disse. - Nunca!
- E afinal parece-me que a nossa opinião neste assunto
também é importante - reforçou a Patrícia, furiosa. Pegou
num pauzinho e enterrou-o com força na terra. - Só me
apetece fugir!
- Não sejas parva! - disse a Isabel. - Bem sabes que é
impossível. Além disso, uma fuga é sempre uma cobardia.
Não temos outro remédio senão ir para Santa Clara. Mas vai
ser horrível!
- Vamos ambas detestar - disse a Patrícia. E ainda mais,
tenciono ser antipática com tudo e com todos! Não quero
que elas pensem que somos umas miuditas de catorze anos,
acabadas de sair duma escola preparatória qualquer. Em
breve saberão que éramos chefes de turma e capitães da
equipa de ténis e hóquei. Que injusto o pai dizer que somos
toleironas! Não somos mesmo nada! Não podíamos deixar
de verificar que nos distinguíamos em quase tudo, além de
sermos consideradas bonitas e muito divertidas.
- Olha que a falares dessa maneira realmente pareces
um pouco toleirona - disse a Isabel. Acho melhor não
contarmos demasiadas coisas quando estivermos em Santa
Clara.
- Tenciono dizer tudo o que me apetecer e tu deves fazer
coro comigo - teimou Patrícia.
É preciso que as pessoas saibam quem nós somos e o
que valemos! E as professoras também hão-de olhar-nos
com deferência. As gémeas O'Sullivan são ALGUÉM! Não te
esqueças disto, Isabel.
Isabel fez um sinal afirmativo com a sua cabeça de
cabelo escuro e ondulado.
- Não me esquecerei - disse. - Hei-de apoiar-te em tudo!
II
AS GÉMEAS CHEGAM
AO COLÉGIO DE SANTA CLARA
Chegou finalmente a altura em que as gémeas tiveram
de partir para Santa Clara. A mãe recebera uma lista do que
deviam levar e as duas irmãs examinaram-na com cuidado.
- Não se compara com o número de coisas que
precisávamos em Redroofs - disse a Patrícia. Santo Deus, só
nos permitem levar pouquíssimos vestidos! A Maria e a
Francisca contaram-nos que para Ringmere podem levar os
que quiserem! E até vestidos de baile, como os das
senhoras. Quando voltarem a ver-nos devem mostrar-se bem
importantes...
- E repara, estiques para lacrosse em vez de estiques
para hóquei - observou a Isabel, aborrecida. - Podiam pelo
menos jogar hóquei. A mãe comprou-os para nós? Olha para
isto, até indicam o que devemos ter nas nossas caixas de
costura. Em Redroofs podíamos levar o que quiséssemos.
- Espera até chegarmos a Santa Clara. Nessa altura
saberão que só faremos a nossa vontade disse a Patrícia. - A
que horas é o comboio, amanhã?
- Às dez - respondeu Isabel. - Vamos ter o primeiro
contacto com as alunas de Santa Clara!
A senhora O'Sullivan acompanhou as filhas até Londres.
Ali dirigiu-se à estação donde partia o comboio que
pretendiam. Lá estava ele! Na plataforma viam-se muitas
raparigas conversando animadamente umas com as outras,
despedindo-se dos pais, cumprimentando as professoras e
comprando chocolates.
Uma professora vestida com toda a simplicidade foi ao
encontro das gémeas. Sabia tratar-se de alunas de Santa
Clara, pois vestiam já o uniforme cinzento do colégio. Sorriu
para a senhora O'Sullivan e olhou para a lista que tinha na
mão.
- São alunas novas? - perguntou. - Calculo que devem ser
a Patrícia e a Isabel O'Sullivan, pois são parecidíssimas. Sou
miss Roberts, a vossa responsável, e tenho muito prazer em
conhecê-las.
O acolhimento não podia ser mais simpático e as
gémeas gostaram do aspecto. de miss Roberts. Era magra,
nova, bonita e sorridente, mas tinha uma expressão
decidida. Isabel e Patrícia calcularam que não devia ser
indulgente com as alunas ao seu cuidado.
- A vossa carruagem é esta; vão com as outras alunas da
vossa classe - disse miss Roberts. Despeçam-se da vossa
mãe e subam para o comboio que deve estar quase a partir.
A professora afastou-se para falar com outra aluna e as
gémeas abraçaram a mãe.
- Adeus - disse a senhora Sullivan. - Sejam cumpridoras
durante este período e tenho esperanças que gostarão do
vosso novo colégio. Escrevam-me brevemente.
As gémeas entraram num compartimento onde três ou
quatro outras alunas estavam sentadas a conversar. Não
disseram uma palavra, mas observavam com interesse as
colegas que passavam no corredor.
No outro colégio, as gémeas tinham sido as mais velhas,
mas agora estavam entre as mais novas. Em Redroofs todas
olhavam para Patrícia e para Isabel com respeito e
admiração, mas agora não despertavam nenhum interesse
especial.
Raparigas altas e elegantes de classe mais adiantada,
passavam, a conversar. Vozes alegres chamavam umas
pelas outras, enquanto corriam a ocupar os seus lugares.
Pequenas mais novas entravam na carruagem, à medida que
eram prevenidas de que o comboio ia partir.
A viagem era um divertimento. Todas levavam
sanduíches para comerem ao meio-dia e compraram no
comboio garrafas de refrescos ou de leite. Às duas e meia o
comboio parou em frente duma pequena estação. Via-se
uma tabuleta a dizer Apeadeiro para o Colégio de Santa
Clara.
As grandes camionetas do colégio estavam à espera e as
alunas ocuparam os lugares, conversando e rindo. Uma
delas voltou-se para Patrícia e para Isabel.
- Ali está o colégio, reparem! No alto daquele monte!
As gémeas olharam. Viram um bonito edifício, de pedra
branca, com duas torres, uma em cada extremidade. Estava
virado para o vale, cheio de campos de jogos e jardins.
- Não é nada tão bonito como Redroofs - disse a Patrícia
à Isabel. - Lembras-te como o nosso outro colégio ficava
lindo à luz da tarde? O telhado vermelho brilhava, parecendo
querer dar-nos as boas-vindas. Não tinha este aspecto
branco e frio de Santa Clara.
Durante alguns minutos as duas raparigas tiveram
saudades da anterior escola e das suas amigas. Não
conheciam ninguém em Santa Clara. Não podiam dizer Olá a
cada companheira, como acontecera sempre no princípio de
cada período.
Não gostavam do aspecto de nenhuma das colegas, que
pareciam muito mais barulhentas e faladoras do que as de
Redroofs. Era horrível!
- Ao menos sempre nos temos uma à outra disse a Isabel
à irmã. - Detestava vir para aqui sozinha. Ninguém parece
reparar em nós.
A culpa era das gémeas. Embora não o soubessem,
tinham ambas um ar embezerrado, como uma das alunas
segredara a outra.
Seguiu-se a azáfama do desfazer das malas, como
acontece em qualquer colégio interno.
Os grandes dormitórios estavam cheios de alunas que
arrumavam as suas coisas nas gavetas, penduravam os
vestidos e guarneciam as mesinhas de cabeceira com
fotografias.
Havia muitos dormitórios em Santa Clara. Patrícia e
Isabel ficaram no número sete onde se viam oito, camas
todas iguais. Cada cama era rodeada por cortinas que
podiam estar fechadas ou abertas, segundo o desejo das
alunas. A cama da Patrícia era ao lado da cama da Isabel,
para sua grande alegria.
Quando as gémeas tinham acabado de desfazer as
malas, apareceu uma rapariga muito alta e perguntou:
- Estão aqui algumas alunas novas?
Patrícia e Isabel fizeram um sinal afirmativo. Nós somos
novas - respondeu Patrícia.
- Olá, gémeas! - disse a rapariga alta, sorrindo ao ver as
duas irmãs tão parecidas. - Vocês são a Patrícia e Isabel
O'Sullivan, não é verdade? A roupeira quer falar convosco.
As gémeas acompanharam a colega mais velha até um
compartimento onde a roupeira se encontrava rodeada por
armários, cómodas e prateleiras.
Era uma senhora gorda, com olhar vivo e de aspecto
alegre.
- Não conseguem enganar a roupeira em nada segredou
a companheira. - Vejam se conseguem cair nas suas boas
graças.
A roupeira passou revista a todas as roupas das gémeas,
lençóis, toalhas e vestuário.
- Ficam sabendo de que serão responsáveis por coser
tudo o que lhes pertence - disse.
- Santo Deus! - exclamou a Patrícia. -No nosso anterior
colégio, havia costureiras para fazerem esse serviço.
- Que disparate! - disse a roupeira asperamente.
- Bem, aqui não há costureiras. Por isso tenham cuidado
com as vossas coisas e lembrem-se que elas custaram bom
dinheiro aos vossos pais.
- Os nossos pais não precisam de preocupar-se com as
roupas rasgadas - começou a Patrícia. - Uma vez em
Redroofs fiquei presa a um arame farpado e tudo o que
levava vestido ficou em tiras. A costureira disse que não
podia aproveitar-se nada e...
- Pois eu teria obrigado a menina a coser todos os
buracos, todas as tiras - disse a roupeira, irritada. - Se há
coisa que não tolero são descuidos e desmazelos. Por isso,
atenção... Que é isso, Emília?
Outra aluna entrara na rouparia com uma pilha de
toalhas e as gémeas ficaram muito satisfeitas de que a
atenção da roupeira se desviasse para outro assunto. Saíram
da rouparia, sem se fazerem notadas.
- Não gosto da roupeira! - disse a Patrícia. - E só me
apetece rasgar uma coisa de tal maneira que não possa ser
cosida. Isso talvez lhe desse uma lição!
- Vamos a ver que tal é o colégio - sugeriu a Isabel,
dando o braço à irmã. - Parece muito mais vazio e frio do
que o nosso querido Redroofs.
As gémeas começaram as suas pesquisas. As salas das
aulas pareciam iguais às de toda a parte e a vista das
janelas era magnífica. As duas irmãs espreitaram para as
salas de estudo. No antigo colégio tinham uma bonita sala
de estudo só para elas, mas aqui só as alunas do último ano
gozavam esse privilégio. As mais novas tinham uma sala de
estar comum, onde havia também uma telefonia, um pick-up
e um armário-biblioteca cheio de livros. Viam-se prateleiras
em volta da sala e a cada aluna cabia uma parte da
prateleira, colocando ali as suas coisas e ficando responsável
pela sua arrumação.
Havia pequenos compartimentos de música, com piano,
um belo estúdio, um enorme ginásio que também servia
para reuniões e concertos e um bem apetrechado
laboratório. As professoras tinham duas salas de estar e um
quarto de dormir para cada uma. A directora vivia numa
espécie de apartamento semi-independente numa das
torres.
- Não é muito mau - disse a Patrícia, depois de terem
bisbilhotado por toda a parte. - E os campos de jogos são
esplêndidos. Há aqui mais campos de ténis do que em
Redroofs, o que não admira, porque o colégio é maior.
- Não gosto de colégios grandes - disse a Isabel. - Prefiro
os mais pequenos onde todas sabem quem somos e não nos
sentimos umas insignificantes no meio de tanta gente!
Foram para a sala de estar. A telefonia estava ligada,
tocando música de dança que era quase abafada pela
conversa das alunas. Algumas olharam para as gémeas
quando estas entraram.
- Olá gémeas! - disse com ar trocista uma pequena de
cabelos louros encaracolados. - Como é que se chamam?
- Eu sou a Patrícia O'Sullivan e a minha irmã gémea
chama-se Isabel.
- Bem-vindas sejam a Santa Clara! - disse a pequena. -
Eu sou a lida Wentworth e estamos as três no mesmo
dormitório. Já alguma vez estiveram num colégio interno?
- Já estivemos no Redroofs - disse a Patrícia.
- Oh! O colégio das meninas bem - disse uma miúda
morena, entrando na conversa. - Esteve lá uma prima minha
e vocês nem calculam a toleima com que vinha quando de lá
saiu! Achava que todas lhe deviam prestar as maiores
honras e não era capaz de pregar um botão!
- Cala-te! - disse a lida, vendo que a Patrícia corara. - Tu
falas sempre demasiado, Joana. Bem, Patrícia e Isabel, este
não é o mesmo género de colégio do Redroofs. Nós
trabalhamos muito, brincamos muito, e ensinam-nos
sobretudo a sermos independentes e termos o sentido das
responsabilidades.
- Nós não queríamos vir para aqui - disse a Patrícia. -
Queríamos ir para o Colégio Ringmere, para onde foram as
nossas amigas. No Redroofs ninguém tinha grande opinião
sobre o de Santa Clara.
- Palavra?! - perguntou a Joana, levantando
de tal maneira as sobrancelhas que elas desapareceram
sob o seu cabelo negro. - O que importa, minhas queridas
gémeas, não é o que vocês possam pensar deste colégio,
mas o que este colégio possa pensar de vocês! É muito
diferente. Pessoalmente, parece-me que foi uma pena vocês
não terem ido para outro sítio. Acho que não calham aqui
nada bem!
- Joana, cala-te - disse a lida. - Não é bonito dizer coisas
dessas a novas colegas. Deixa-as à vontade. Venham, Isabel
e Patrícia. vou mostrar-lhes o caminho para a sala da
directora. Devem ir cumprimentá-la antes do jantar.
A Patrícia e a Isabel ficaram quase a rebentar de raiva
com o que dissera aquela Joana morena. A lida levou as
gémeas para fora da sala.
- Não liguem importância à Joana - recomendou.
- Diz sempre exactamente o que pensa, o que é muito
agradável quando pensa coisas simpáticas sobre as pessoas,
mas isso nem sempre acontece. Vocês hão-de habituar-se a
ela.
- Espero que não - disse a Patrícia secamente.
- Gosto de boas maneiras, uma coisa que se ensinava no
nosso antigo colégio, mesmo que aqui seja uma matéria
desconhecida!
- Não sejas assim - disse a lida. - É aqui a sala da
directora. Batam primeiro à porta e depois apresentem-se
com as vossas boas maneiras a miss Theobald!
As gémeas bateram à porta. Uma voz agradável, um
tanto forte, respondeu:
- Pode entrar!
Patrícia abriu a porta e as gémeas entraram. A directora
estava sentada à secretária, a escrever. Olhou para as
pequenas e sorriu-lhes.
- Não preciso perguntar-lhes quem são - disse. Tão
parecidas só podem ser as gémeas O'Sullivan! - e levantou-
se, contornando a secretária.
- Somos sim, minha senhora - disseram as pequenas,
observando a sua nova directora. Tinha o cabelo grisalho e
uma cara de pessoa séria e digna, onde, de vez em quando,
aparecia um bonito sorriso. Apertou a mão às duas gémeas.
- Tenho muito gosto em recebê-las em Santa Clara -
disse. - Espero que um dia nos viremos a orgulhar de vocês.
Façam o melhor que puderem e o Colégio de Santa Clara
fará também tudo o que puder por vocês.
- Faremos o possível - disse a Isabel e então ficou muito
surpreendida com o que acabara de dizer. Não tencionava
fazer mesmo nada naquele sentido! Olhou para a Patrícia.
Esta não disse nada e continuou a olhar em frente.
- Conheço muito bem a vossa mãe - disse miss Theobald.
- Fiquei radiante quando ela resolveu mandá-las para aqui.
Quando lhe escreverem mandem dizer-lhe que lhe envio
muitas saudades.
- com certeza, miss Theobald - disse a Patrícia. A
directora dirigiu-lhes um último sorriso e voltou para a sua
secretária.
- Que crianças tão estranhas! - pensou a directora. -
Parece que detestam aqui estar. Talvez seja apenas timidez
ou saudades de casa.
Mas elas não eram tímidas nem tinham saudades. Eram
apenas duas meninas teimosas, resolvidas a encarar tudo
pelo lado pior, só porque não tinham sido mandadas para o
colégio da sua preferência!
III
UM MAU COMEÇO
As gémeas em breve perceberam que Santa Clara era
muito diferente do seu anterior colégio. Até mesmo as
camas não eram tão confortáveis. E em vez de lhe
permitirem ter as suas próprias colchas e lindos edredões,
todas as alunas eram obrigadas a um modelo único.
- Detesto ter que ser igual a todas as outras disse a
Patrícia. - Se ao menos pudéssemos servir-nos das coisas
que gostamos, faríamos um vistão.
- O que eu mais odeio é ser uma das mais novas - disse a
Isabel, desanimada. - Detesto que me falem como se eu só
tivesse seis anos, quando alguma das mais velhas me dirige
a palavra: “Eh, sai da frente. Eh, vai-me buscar um livro à
biblioteca!”. Não há direito!
O nível dos estudos era mais elevado em Santa Clara do
que em muitos dos outros colégios e, embora as gémeas
fossem inteligentes, perceberam que estavam atrasadas em
relação às companheiras da mesma aula e isso também as
aborreceu. Tinham tantas esperanças em impressionar as
colegas e em nada conseguiam distinguir-se!
Em breve travaram conhecimento com as alunas, da
mesma aula. Além da lida Wentworth e da Joana de língua
afiada, havia uma pequena muito sossegada, de cabelo liso,
chamada Vera Johns e outra com ar superior, a Ester Nayler.
As gémeas não simpatizavam nada com esta última.
- Não percebo porque há-de ser tão vaidosa disse a
Patrícia à Isabel. - Na verdade tem uma linda casa, porque
eu vi uma fotografia na sua mesa de cabeceira, mas às
vezes fala como se fosse um padre a fazer um sermão.
Depois lembra-se que não deve ser assim e torna-se uma
idiota.
Havia ainda Catarina Gregory, uma pequena de quinze
anos, olhar assustado, a única que tentou tornar-se amiga
das gémeas logo na primeira semana. A maioria das outras
colegas não lhes ligava nenhuma importância, embora não
fossem mal educadas e lhes ensinassem os hábitos do
colégio. Todas achavam que a Patrícia e a Isabel eram muito
emproadas.
- A Catarina é engraçada - disse a Isabel. Parece ter
imensa vontade de se tornar nossa amiga, empresta-nos
livros e oferece-nos guloseimas. Está no colégio há um ano e
parece não ter nenhuma amiga. Está sempre a pedir-me que
vá com ela, quando saímos, mas eu respondo-lhe que não
posso, pois gosto de ir contigo.
- Tenho uma certa pena dela - disse a Patrícia.
- Faz-me lembrar um cão perdido à procura do dono.
A Isabel riu-se.
- É isso mesmo. Acho que de todas as da nossa turma, a
mais simpática é a lida. É natural e alegre e uma boa
camarada.
As gémeas sentiam uma grande admiração pelas alunas
mais velhas, que lhes pareciam crescidíssimas.
Principalmente as do último ano, chegavam a ter um
aspecto ainda mais imponente que as próprias professoras.
Na primeira semana, a Mónica James, uma das mais
velhas, disse algumas palavras às gémeas. Era uma rapariga
alta, de cara inteligente, olhos azuis e bonito cabelo sedoso.
O colégio tinha orgulho nela, pois passara em todos os
exames com óptimas notas.
- Vocês são alunas novas, não é verdade? - perguntou. -
Sejam bem comportadas e boas alunas. E se tiverem alguma
dificuldade, venham ter comigo, pois estou pronta a ajudá-
las.
- Oh, muito obrigado - disseram as gémeas, sentindo-se
um tanto embaraçadas. A Mónica afastou-se com as suas
amigas e as duas irmãs ficaram a observá-las.
- É bastante simpática - disse a Isabel. - Na verdade acho
que a maioria das alunas do último ano são simpáticas,
embora me pareçam muito sérias e compenetradas.
Gostavam também de miss Roberts, embora ela não
admitisse qualquer falta de comportamento.
Às vezes a Patrícia tentava argumentar contra qualquer
coisa dizendo; “Foi assim que me ensinaram no meu antigo
colégio”.
Então, miss Roberts retorquia: - Bem, faz como quiseres,
mas garanto-te que não irás longe. Lembra-te de que aquilo
que serve num colégio, pode não resultar noutro. No
entanto, se gostas de ser teimosa, isso é contigo!
Nessa altura a Patrícia apertava os lábios, a Isabel ficava
muito vermelha e o resto da aula sorria. Aquelas emproadas
tinham que aprender uma lição!
A professora de desenho, miss Walker, era uma senhora
alegre, muito competente no seu trabalho. Ficou satisfeita ao
verificar que tanto a Isabel como a Patrícia tinham jeito para
desenho e pintura. As gémeas adoravam as aulas de miss
Walker. Ela permitia-lhes uma liberdade nos trabalhos a que
não estavam habituadas no seu antigo colégio. Além disso
podiam conversar e rir, tornando-se às vezes uma aula
muito barulhenta.
A professora de francês, a mademoiselle, não era tão
indulgente. Era mais velha, severa e com mau génio. Usava
óculos que lhe escorregavam pelo nariz, sobretudo quando
estava zangada, o que acontecia muitas vezes. Tinha uns
pés enormes e uma voz áspera que as gémeas ao princípio
detestaram. Mas Mademoiselle tinha também um enorme
sentido de humor e quando qualquer coisa lhe dava vontade
de rir, desatava às gargalhadas no que era logo secundada
por toda a aula.
A Patrícia e a Isabel ao princípio tiveram grandes
dificuldades com a Mademoiselle, pois embora
compreendessem e falassem francês muito bem, nunca se
tinham ralado com a gramática e suas regras, e a professora
era intransigente nesse ponto!
- Vocês duas. Patrícia e Isabel! - exclamava ela. - Não
basta falarem a minha língua. Escrevem abominavelmente.
Vejam este exercício. É abominável, abominável!
“Abominável” era a palavra preferida de Mademoiselle.
Usava-a a respeito de tudo, do tempo, de um lápis mal
aparado, das alunas e dos seus próprios óculos quando lhe
escorregavam pelo nariz. Patrícia e Isabel chamavam-lhe, à
sorrelfa, Mademoiselle Abominável, e tinham no fundo um
certo medo daquela francesa de voz grossa.
A disciplina de História pertencia em todos os anos a
miss Kennedy e as suas aulas eram uma desordem. A pobre
miss Kennedy era uma solteirona mal vestida, não
conseguindo impor-se numa aula por mais de cinco minutos.
Era nervosa e muito séria, imensamente bem educada,
prestando atenção a todas as perguntas que lhe faziam,
mesmo às mais idiotas, e explicava tudo com grandes
pormenores. Parecia nunca compreender que metade do
tempo as alunas estavam a “gozá-la”...
- Antes de miss Kennedy, tínhamos a sua amiga miss
Lewis - disse lida às gémeas. - Era uma óptima professora.
Mas adoeceu no fim do último ano e pediu à directora para
ser substituída por miss Kennedy, até se encontrar
restabelecida. A miss Kennedy parece que tem vários cursos
superiores e dizem que é inteligentíssima mas, santo Deus!
é mesmo “gozável”!...
A pouco e pouco as gémeas passaram a conhecer bem
as colegas, as professoras e os hábitos do colégio.
No entanto mesmo passados os primeiros quinze dias
ainda não se conformavam de serem “ninguém em vez de
alguém”, como se lamentava a Patrícia.
Havia uma coisa que elas achavam insuportável. Era o
costume do colégio que mandava as mais novas fazerem
pequenos serviços às das classes mais adiantadas.
Nos últimos dois anos, tinham uma sala de estudos para
cada duas alunas. Estas podiam ser decoradas pelas suas
ocupantes, com muita simplicidade, e no tempo frio
acendiam o lume, podendo também lanchar ali, em vez de
irem ao refeitório.
Um dia uma aluna entrou na sala de estar das mais
novas, onde as gémeas estavam a ler, e chamou a Joana.
- Olha, Joana, a Kay Longdon precisa de ti. Tens que
acender o lume e fazer-lhe umas torradas.
Joana levantou-se sem um protesto e saiu da sala. As
gémeas ficaram muito surpreendidas.
- É fantástico! Mas que indecente a Kay Longdon mandar
chamar a Joana desta maneira! Garanto-te que eu nunca iria
acender o lume a ninguém! - exclamou a Patrícia.
- Nem eu! - concordou a Isabel. - Uma das criadas pode
acendê-lo ou então que o acenda a própria Kay!
A lida levantou a cabeça do seu bordado.
- A próxima vez serão vocês - disse ela. Devem estar de
serviço na próxima semana. Quando as mais velhas
precisam de qualquer coisa, contam connosco. É um
costume do colégio e ninguém se rala com isso. Quando nós
formos das mais crescidas também poderemos mandar nas
mais pequenas. - Nunca ouvi falar em tal coisa! - exclamou
Patrícia, furiosa. - Não tenciono fazer de criada das outras.
Os nossos pais não nos mandaram para aqui para sermos
criadas das preguiçosas mais velhas! Elas que acendam os
seus lumes e façam as suas torradas. A Isabel e eu nunca
lhes faremos nada e elas não poderão obrigar-nos!
- Patetices - disse a lida. - Nunca vi ninguém com tão
mau génio. É melhor afastares-te, Patrícia, tenho medo que
me batas!
Patrícia fechou o livro com força e saiu da sala. A irmã
seguiu-a. Todas as outras companheiras se riram.
- Idiotas! - disse a lida. - Quem julgam elas que são?
Porque não resolvem ser razoáveis? Não seriam nada
antipáticas se perdessem aquela proa. Temos que lhes dar
umas boas lições, para não acabarmos por as detestar.
- Combinado! - disse a Vera. - Vai ser bonito quando
tiverem que prestar serviços às mais velhas. Deus queira
que deparem com a Belinha Towers. No ano passado estive
às ordens dela e nem calculam como me pôs a trabalhar. Ela
estava convencida que eu era preguiçosa e garanto-lhes que
até emagreci, sempre numa roda-viva.
As pequenas riram-se. Ester Nayler falou com aquela sua
maneira superior.
- A pior coisa que têm as pessoas convencidas de que
são alguém, é que na maioria dos casos não passam de
ninguém. Garanto-lhes que não teria interesse nenhum em
me dar com as gémeas, se as tivesse conhecido lá fora.
- Não comeces com as tuas grandes frases, Ester - disse
a lida. - As gémeas não são más raparigas. Depois de
apanharem alguns “entalões verás como se modificam.
E na verdade os “entalões” começaram no dia seguinte.
IV
UM PEQUENO SARILHO PARA AS GÉMEAS
Um dia, por volta das cinco e meia da tarde, quando as
gémeas estavam a escrever para casa, uma aluna de outra
classe apareceu à porta.
- Meninas! - disse ela. - Vocês duas são as gémeas
O'Sullivan? A Belinha Towers precisa de uma de vocês.
Patrícia e Isabel entreolharam-se. A Patrícia ficou muito
vermelha.
- Que pretende ela de nós? - perguntou.
- Não faço ideia - disse a aluna. - Esta manhã esteve lá
fora no campo, por isso é natural que queira os sapatos
engraxados. De qualquer modo, é melhor apressarem-se,
para não se meterem em sarilhos.
A portadora do recado desapareceu. As gémeas não se
mexeram. A lida olhou para elas.
- Não sejam idiotas! - disse a lida. - Uma de vocês tem
que ir saber o que pretende a Belinha. Não a façam esperar.
Ela tem tão mau génio como tu, Patrícia.
- Vou eu - disse a Isabel, levantando-se. Mas a irmã
agarrou-a.
- Não faças isso! - disse ela. - Eu não engraxo os sapatos
de ninguém e tu também não!
- Ouve, Patrícia, não sejas presumida - disse a Joana. - A
Belinha pode querer apenas dizer-lhes qualquer coisa. Talvez
queira pedir-lhes para entrarem num desafio. Bem sabem
que é capitão de equipa.
- Não acredito - disse a Patrícia. - Nem eu nem a Isabel
sabemos jogar lacrosse.
- Mas por favor MEXAM-SE! - disse a lida. - Uma de vocês
tem que acabar por ir, porque não fazê-lo imediatamente?
Outra aluna apareceu à porta.
- Previno-as que a Belinha está furiosa! Onde estão as
irmãs O'Sullivan? Ela ainda perde a cabeça se uma das
gémeas não lhe aparecer sem demora!
- Vamos - disse a Patrícia à Isabel. - Vamos saber o que
ela pretende. Mas garanto-lhes que não lhe engraxarei os
sapatos, nem lhe acenderei o lume. E tu também não!
As duas levantaram-se e saíram da sala. As outras
desataram a rir.
- Quem me dera assistir ao que se vai passar disse a
Joana. - Adoro presenciar os ataques de fúria da Belinha.
Belinha Towers estava na sua sala de estudo com a
companheira que a compartilhava, a Paulina Harrison.
Patrícia abriu a porta.
- Não sabes bater à porta? - perguntou a Belinha,
zangada. - Isso não é maneira de se entrar! Sempre gostava
de saber onde têm estado metidas. Mandei chamar uma de
vocês há imenso tempo.
Patrícia sentiu-se bastante atrapalhada e Isabel não se
atreveu a responder.
- Então nenhuma de vocês tem língua? - perguntou a
Belinha. - Ó Paulina, já viste um par de parvas mais
completo? Bem, já que apareceram as duas, podem ambas
fazer-me umas coisas que preciso. Quero os meus sapatos
limpos e a Paulina também. Acendam o lume e ponham a
chaleira a aquecer. Encontrarão água ao fundo do corredor.
Vamos, Paulina, vamos fazer o nosso tema de inglês. quando
tivermos acabado, a chaleira estará a ferver e então
poderemos preparar o chá.
As duas mais velhas dirigiram-se para a porta. Mas a
Patrícia, muito vermelha e zangada, impediu-lhes a
passagem.
- Não vim para Santa Clara para trabalhar para as
colegas mais adiantadas! - disse. - Nem a minha irmã. Não
tencionamos limpar os vossos sapatos, nem acenderemos o
lume, nem nada.
A Belinha parou e até parecia que lhe tinham dado um
tiro. Olhou para a Patrícia como se esta fosse um pequeno
insecto desagradável. Depois voltou-se para a Paulina.
- Estás a ouvir isto? - disse. - Que descaramento! Está
bem, minha menina, ficas sem licença de ir à cidade. E não
te esqueças desta proibição!
As gémeas olharam para Belinha, aflitas. As alunas de
Santa Clara tinham licença de ir à cidade, duas a duas, para
comprar qualquer coisa que precisassem ou para ver as
montras e até mesmo ir ao cinema, se tivessem autorização
para isso. Certamente a Belinha não tinha poder para as
impedir de o fazerem.
- Acho que não tens o direito de dizer isso disse a
Patrícia. - vou ter com a Mónica James, contar-lhe o que tu
disseste.
- Só faltava mais esta - disse a Belinha, tão zangada que
até o cabelo ruivo parecia estar em chamas. - Tens assim
tanta vontade de ser humilhada? Então vai já a correr fazer
as tuas queixinhas à Mónica e verás o que acontece.
A Patrícia e a Isabel saíram da sala de estudo. Isabel
sentia-se muito aborrecida e queria fazer o que Belinha lhe
mandara, mas a Patrícia estava furiosa. Agarrou no braço da
irmã e conduziu-a à sala de estudo de Mónica. Patrícia não
se atreveu a entrar sem bater à porta.
- Pode entrar! - ouviu-se a voz da Mónica. As gémeas
entraram. Mónica estava a trabalhar, sentada a uma mesa. -
Que se passa? Estou bastante ocupada.
- Por favor, Mónica - disse a Patrícia. - A Belinha Towers
mandou-nos limpar os sapatos, acender-lhe o lume e
aquecer água na chaleira. E quando nós dissemos que não
queríamos obedecer-lhe, ela proibiu-nos de irmos à cidade.
Por isso viemos ter contigo.
- Estou a perceber - disse Mónica. - Sabem, é costume
deste colégio as mais novas prestarem serviços às mais
velhas. Isso não as choca. Vocês conhecem o provérbio: “Em
Roma sê romano”.
- Mas nós não queríamos vir para Santa Clara e por isso
também não estamos dispostas a seguir hábitos idiotas -
disse a Patrícia. - Não é verdade, Isabel?
A Isabel abanou a cabeça. Não conseguia perceber como
a Patrícia se atrevia a falar daquela maneira. Os seus joelhos
estavam a tremer. Nunca seria tão corajosa como a irmã.
- Acho que é melhor pensares um pouco, antes de
chamar idiotas aos nossos hábitos - disse a Mónica. - Agora
oiçam, não sabem limpar sapatos? Não sabem como se
acende o lume? Nunca puseram uma chaleira a ferver?
- Nunca tivemos que fazer nada disso em Redroofs -
disse a Patrícia, teimosamente. - E também nunca o fizemos
em nossa casa.
- Não faço bem ideia como se limpam sapatos cheios de
lama - disse a Isabel, calculando que com aquela declaração
a Mónica as mandasse embora.
- Santo Deus! - exclamou Mónica, desanimada.
- Pensar que têm quase quinze anos e não sabem limpar
uns sapatos. É fantástico! Ainda mais uma razão para
aprenderem imediatamente. Voltem para a sala de estudo
da Belinha e tentem fazer o que ela lhes mandou. Bem sei
que ela tem mau génio e há-de dar-lhes grandes
descomposturas, mas francamente acho que bem as
merecem. Vejam se conseguem arranjar um pouco de
sensatez.
Mónica voltou para os seus livros. As gémeas, muito
vermelhas, saíram da sala e fecharam a porta
cuidadosamente. Pararam lá fora e entreolharam-se.
- Eu não limpo os malditos sapatos, nem que me
obriguem a dormir lá fora durante todo o período e não vá à
cidade nem mais uma vez! - declarou a Patrícia, furiosa.
- Ó Patrícia! Preciso tanto de comprar uma fita para o
cabelo e uns chocolates - disse a Isabel, desconsolada. -
Anda, o melhor é fazermos o que nos mandaram. As outras
hão-de achar que nós somos umas palermas por fazermos
tanto barulho desnecessário. Já nos troçaram o suficiente.
- Podes ir, se quiseres, mas eu não vou! - declarou a
Patrícia e afastou-se, muito empertigada, deixando Isabel
sozinha.
Esta pôs-se a pensar: “Supondo que vou fazer os
serviços que a Belinha mandou, ela não me tirará a licença
de ir à cidade. E como a Patrícia é igualzinha a mim, também
poderá ir, de outras vezes, acompanhada por uma qualquer.
Ninguém descobrirá. É uma boa partida para pregar à
Belinha!
Isabel dirigiu-se à sala de estudo da Belinha. Não estava
lá ninguém. No chão viam-se dois pares de sapatos cheios
de lama. As raparigas teriam andado com certeza sobre
terra molhada. Isabel examinou-os. Como seria que se
limpavam sapatos naquele estado?
Ouviu alguém passar no corredor e foi à porta. Viu a
Catarina Gregory e chamou-a.
- Catarina! Olha para estes horrorosos sapatos! Como
devo limpá-los?
A Catarina ficou encantada. Agradava-lhe imenso que a
Isabel pedisse o seu auxilio.
- Tens que os raspar primeiro, para tirar toda a lama -
disse ela. - Eu vou ajudar-te.
Em breve as duas pequenas limpavam com todo o
cuidado os sapatos enlameados. Levaram bastante tempo.
Catarina falou sem descanso, dando toda a espécie de
informações sobre a maneira como era amimada em casa, a
quantidade de presentes que recebia dos pais e quanto
dinheiro lhe tinham mandado no dia dos anos.
Isabel ouvia por delicadeza, muito grata pela ajuda da
Catarina, mas achando que ela era bastante pateta. Afinal
todas recebiam presentes e dinheiro no dia dos anos!
Quando os sapatos ficaram prontos, colocou-os na prateleira
dos sapatos e foi acender
O lume. Catarina mostrou à companheira onde se ia
buscar água e pôs a chaleira a ferver. Nessa altura
encontraram a Belinha e a Paulina.
- Afinal resolveste tomar juízo - disse Belinha.
- Onde está a tua irmã gémea? Ajudou-te?
- Não - disse a Isabel.
- Então diz-lhe da minha parte que não poderá ir à
cidade enquanto não ajudar as mais velhas - disse a Belinha,
sentando-se numa cadeira. - Não quero ver as alunas mais
novas com ares de donas do colégio! A chaleira já está a
ferver? Ora, ora, a água está fria! Há quanto tempo está a
chaleira ao lume?
- Há menos de um minuto, Belinha - disse Isabel.
- Suponho que não te ocorreu que seria boa ideia
acender o lume e pôr a chaleira a ferver antes de limpares
os sapatos! - disse a Belinha, com ironia. - Naturalmente
achaste que era uma pena que a chaleira fervesse enquanto
limpavas os sapatos. Não percebo para que servem as
miúdas de hoje. Quando eu tinha a tua idade era muito mais
desembaraçada. Agora vai-te embora. E não te esqueças de
vir a correr quando te mandar outro recado.
Isabel saiu da sala de estudo. Quando ia a fechar a porta,
a Belinha chamou-a outra vez.
- E não te esqueças de dar o recado a essa teimosa da
tua irmã! Se ela desobedecer, farei queixa à senhora
directora.
A Isabel foi-se embora. Sentia-se aborrecida, zangada e
muito estúpida. Porque não havia de ter posto a água a
ferver antes de limpar os sapatos? Não admirava que a
Belinha a tivesse achado uma idiota.
A Isabel contou à irmã o que se passara.
- E ela diz que não podes ir à cidade enquanto não
fizeres a tua parte dos serviços, mas eu acho que podes,
Patrícia, pois ninguém saberá se és tu ou sou eu. Acho que,
por enquanto, ainda ninguém consegue distinguir-nos.
- Está bem - disse a Patrícia, aborrecida. Mas não fiquei
nada satisfeita por me teres abandonado daquela maneira,
Isabel. E fantástico como te resolveste a limpar aqueles
sapatos!
- Até foi divertido - confessou a Isabel. - A Catarina
ajudou-me. Primeiramente nós...
- Cala-te - interrompeu a Patrícia, com maus modos. - Vai
fazer uma redacção sobre a maneira de limpar sapatos e
ferver água, se estás interessada mas não me venhas com
sermões, por favor. Isabel ficou ofendida. Mas Patrícia não
conseguia estar muito tempo zangada com a irmã. Ainda
não tinha passado uma hora, deu o braço à Isabel.
- Desculpa, menina - disse. - Eu não estava realmente
zangada contigo. Estava furiosa com a Belinha e
descarreguei sobre ti. Não tem importância. Hei-de enganar
a Belinha e ir à cidade sempre que quiser, fingindo seres tu.
Patrícia assim fez. Foi à cidade com uma ou outra
companheira, tomando o lugar de Isabel e ninguém deu pela
diferença! Nem calculam como as gémeas se riam com a
façanha!
E então aconteceu uma coisa; A Patrícia fora à cidade
com a Catarina, depois do lanche, quando entrou uma aluna
na sala de estar. Isabel estava a pôr um disco no pick-up e
sobressaltou-se ao ouvir chamar pela Patrícia.
- Patrícia O'Sullivan! A Belinha quer falar contigo.
- Bem, tenho que fingir que sou a Patrícia pensou a
Isabel. - Mas que quererá a Belinha da Patrícia? Bem sabe
que só eu trabalho para ela.
Em breve soube o que queria a Belinha. O capitão de
equipa estava a fazer uma lista e olhou para a Isabel quando
esta entrou.
- Patrícia O'Sullivan, tu ontem jogaste lacrosse bastante
bem - disse ela. - Estive a observar-te. Tu és uma miúda
teimosa e palerma, mas isso não me interessa quando se
trata do lacrosse. Vais entrar no desafio de sábado.
A Isabel ficou surpreendida. Como a Patrícia iria ficar
satisfeita! Isabel murmurou um agradecimento e foi-se
embora, morta por que viesse a irmã para lhe dar a boa
novidade.
Quando Patrícia ouviu o que se passava, ficou quase sem
fala.
- Vou já entrar num desafio! - exclamou por fim. - Olha
que a Belinha foi formidável! Se fosse vingativa, tão cedo
não me deixaria entrar num desafio!
Depois calou-se e foi-se embora sozinha. A Isabel sabia
muito bem no que estaria a pensar, pois também ela se
sentia preocupada.
Em breve Patrícia voltou e deu o braço à irmã.
- Sinto-me uma idiota! - disse a Patrícia. - Tenho
consentido que tu faças todos os serviços, enquanto eu vou
à cidade sempre que quero, apesar da proibição da Belinha.
Pensava que tínhamos sido muito espertas por lhe termos
pregado uma tão grande partida. Mas agora já não sou da
mesma opinião.
- Nem eu - confessou a Isabel. - Sinto-me má e
desonesta. A Belinha foi formidável em ter-te incluído na
equipa, embora deva estar furiosa contigo, mas nós não
fomos decentes para com ela. E tu sabes, Patrícia, eu
realmente não me ralo de fazer serviços às mais velhas. Elas
são umas belas raparigas. A Belinha agora conversa imenso
comigo e gosto dela, embora tenha um medo do seu mau
génio!
Patrícia esfregou o nariz e franziu o sobrolho. Fazia
sempre assim, quando se sentia atrapalhada. De repente
levantou-se e dirigiu-se para a porta.
- Vou contar à Belinha que lhe preguei uma partida -
disse. - Não quero entrar no desafio de sábado com a
consciência de que não me portei bem.
Dirigiu-se à sala de estudo da Belinha e bateu à porta.
Belinha gritou: “Pode entrar”. Ficou surpreendida ao ver a
pequena.
- Olá, Isabel! - exclamou. - Não te mandei chamar.
- Não sou a Isabel, sou a Patrícia - disse a pequena. - Vim
falar-te por causa do desafio de sábado.
- Não há mais nada a dizer além do que te disse há
pouco - disse a Belinha.
- É por isso mesmo. Tu não falaste comigo, mas com a
minha irmã Isabel - disse a Patrícia. Eu tinha ido à cidade.
Bem sei que tu me tinhas proibido, mas sou tão parecida
com a minha irmã gémea que bem sabia que ninguém daria
por isso.
- Foi uma partida muito feia - respondeu Belinha.
- Bem sei - disse a Patrícia, perturbada. Venho pedir-te
desculpa. Quero agradecer-te por me teres posto na equipa
para sábado, embora saiba que não me deixarás jogar
depois do que te confessei. De qualquer maneira não podia
consentir que fosses tão simpática comigo, sem saberes a
partida que te estava a pregar. E a partir de hoje já não me
importo de fazer serviços para ti, como a minha irmã Isabel.
Sei que fui muito parva. E é tudo, Belinha. Desculpa.
- Não, não é tudo - disse a Belinha, numa voz
inesperadamente simpática. - Também tenho qualquer coisa
a dizer. Fizeste uma coisa bastante feia, mas tiveste a
coragem de a confessar. Não falemos mais nisso. Mas hás-de
entrar no desafio de sábado.
Patrícia foi a correr contar à irmã, radiante. Como a
Belinha fora formidável! Como é que até ali a considerara
má e antipática?
- Hei-de ferver-lhe a água para o chá, engraxar-lhe os
sapatos e até esfregar-lhe o chão - pensou a Patrícia. - E hei-
de meter uma dúzia de golos no sábado, vão ver...
Não meteu uma dúzia de golos, mas conseguiu meter
um, muito difícil! E como ela ficou contente ao ouvir a Isabel
e a Belinha gritarem: “Muito bem, Patrícia! Bravo! Bravo! “
V
UMA BATALHA COM A MADEMOISELLE
NA aula das gémeas, todas as semanas se tinha notas
nas diferentes disciplinas. Patrícia e Isabel, que estavam
habituadas a serem das melhores alunas em Redroofs, ali
emSanta Clara, sentiam-se envergonhadas e entristecidas
por se encontrarem mais próximo das piores do que das
melhores.
A lida percebeu a sua tristeza e tentou animá-las.
- Vocês devem lembrar-se que são as únicas alunas
novas na vossa aula - disse. - Todas as outras já aqui
estavam pelo menos há dois períodos, e habituamo-nos aos
métodos de Santa Clara. Por isso animem-se!
Mas era a mademoiselle “Abominável” quem mais
preocupava as gémeas. Não se mostrava nada
condescendente e quando faziam erros nos exercícios ficava
muito zangada.
Tinha um monte de cadernos de francês na sua
secretária, onde marcava “Muito Bem”, “Bem” ou “Óptimo”.
Mas, quando pegava nos cadernos da Isabel ou da Patrícia,
em ambos escrevia “Abominável”.
- Isto não pode continuar! - gritava Mademoiselle,
batendo com a mão enorme nos cadernos.
- C'est abominable! Voltam a fazer todo o exercício e
hão-de entregar-mo depois do jantar.
- Não podemos fazê-lo hoje, mademoiselle disse Isabel
com delicadeza. - Temos aula de desenho esta tarde e
depois do lanche temos autorização para irmos as duas ao
cinema. Não teremos tempo para mais nada. Poderemos
tornar a fazer o exercício amanhã?
- Oh, que vous êtes insuportáveis! - exclamou a
Mademoiselle, batendo com o pé no chão e fazendo com que
os cadernos empilhados na sua secretária começassem a
escorregar. - Como se atrevem a dizer uma coisa dessas?
Apresentam-me um exercício incrível, sim, incrível, e depois
ainda falam em ir ao cinema. Não podem ir. Ficarão no
colégio a fazer o exercício. E, se fizerem mais do que um
erro, voltarão a escrevê-lo novamente. Garanto-lhes!
- Mas... mas... já temos os bilhetes - disse a Isabel. -
Tivemos que marcar os nossos lugares e...
- Não me interessam os vossos lugares! - gritou a
Mademoiselle, fora de si. - Só me interessa que aprendam
um bom francês, pois é para isso que aqui estou. Hão-de
trazer-me os exercícios feitos, depois do jantar.
Isabel estava quase a chorar. Patrícia ficou furiosa,
mordendo os lábios. Todas as outras se divertiam com a
cena e algumas delas, no fundo, até sentiam satisfação por
verem as gémeas metidas noutro sarilho. Depois ninguém se
atreveu a não estar com atenção e a aula decorreu com
muita ordem, embora Patrícia estivesse furiosa e seguisse a
lição o menos que podia.
Quando a aula acabou, as gémeas trocaram algumas
palavras.
- Eu vou ao cinema! - disse a Patrícia.
- Oh, não, por favor! - exclamou Isabel, aflita. Não
podemos ir. Metíamo-nos num grande sarilho. É melhor
ficarmos a fazer o exercício.
- Eu vou ao cinema! - declarou a Patrícia, teimosa. - Hei-
de conseguir fazer a porcaria do exercício em qualquer outra
altura e tu farás outro tanto. Podemos escrevê-lo depois do
jantar. Não me ralo que fique mal feito.
Mas depois do jantar tinham que ir a uma reunião da sua
classe para planearem uma excursão, por isso nessa altura
não haveria tempo.
A lição de desenho ocupou-as toda a tarde. Isabel
começou a sentir-se preocupada. E se Patrícia insistisse em ir
ao cinema, mesmo sem terem feito os exercícios? Nem
queria pensar o que diria a Mademoiselle!
- Podemos não lanchar - propôs a Isabel à irmã,
enquanto corria pela escada abaixo, depois da aula de
desenho. - Aproveitaremos o tempo para escrever o
exercício.
- Não lanchar! Nem penses nisso! - declarou a Patrícia. -
Estou cheia de fome. Não sei por que motivo a lição de
desenho me faz sempre fome, mas é verdade. E eu sei que a
Joana recebeu um grande boião de compota de ameixa que
vai abrir hoje ao lanche. Não quero perder a minha parte!
Isabel também tinha apetite e por isso desistiu, embora
contrariada. Bem sabiam que, se queriam chegar a tempo
ao cinema, não tinham um momento a perder depois do
lanche, quanto mais escreverem exercícios!
“Eu realmente não devia ir ao cinema - pensou ela. “Não
tenho coragem. A Mademoiselle Abominável era capaz de
ter um ataque se soubesse que tínhamos saído.”
Mas depois do lanche a Patrícia arrastou a irmã até ao
dormitório para irem buscar os chapéus e os casacos.
- Nós não podemos ir, Patrícia - exclamou a Isabel.
- Vamos com certeza! - teimou Patrícia, mordendo os
lábios. - Despacha-te!
- Mas, Patrícia, vamos meter-nos numa enorme
complicação - disse a Isabel. - E não vale a pena. Talvez a
Mademoiselle nos obrigue a ter mais uma hora de trabalho
por dia ou coisa assim. A Joana contou-me que uma vez ela
lhe tirou o recreio depois do lanche durante uma semana,
para escrever verbos em francês, só porque fez uma ligeira
troça da Mademoiselle. E olha que é um castigo muito
maçador.
- Não sejas cobarde, Isabel - respondeu Patrícia.
- Tenho um plano. A Mademoiselle mandou-nos
apresentar os exercícios depois do jantar, não foi? Mas não
disse a que horas! Assim, quando estivermos na cama e
calcularmos que as outras adormeceram, iremos até à sala
de estudo, em roupão, escreveremos os nossos exercícios e
vamos entregá-los à Mademoiselle.
- Patrícia, não tenho coragem! - exclamou a pobre Isabel.
- E incrível irmos procurar a Mademoiselle a essas horas da
noite, em roupão. Tu deves estar maluca.
- A Mademoiselle é que nos põe malucas! - disse a
teimosa Patrícia. - De qualquer modo não me importo com o
que possa suceder. Bem sabes que nunca quisemos vir para
Santa Clara e se vão continuar a tratar-nos desta maneira,
não quero cá ficar. Prefiro ser expulsa!
- Patrícia, não deves falar assim - disse a Isabel. - Pensa o
que diriam o pai e a mãe.
- Foram eles que nos mandaram para aqui respondeu
Patrícia, que estava realmente furiosa.
- Mas pensa como seria horrível se soubessem em
Redroofs que tínhamos sido expulsas de Santa Clara - disse a
Isabel em voz baixa.
Os olhos da Patrícia encheram-se de lágrimas. Nem
queria pensar em tal.
- Vamos - disse ela, decidida. - Não tenciono agora
mudar de ideias. Se queres vir comigo, decide-te. Caso
contrário, só tu serás a cobarde!
Mas a Isabel não queria ficar sozinha. Por isso vestiu o
casaco e pôs o chapéu. Joana entrou no dormitório quando
as gémeas iam a sair.
- Olha, olha! - exclamou ela. - com que então sempre vão
ao cinema! Quando é que arranjaram tempo para fazer o
exercício de francês?
- Ainda não o fizemos - declarou a Patrícia. Joana deu um
grande assobio e olhou para as gémeas, surpreendida.
- Não gostaria de estar na vossa pele, quando amanhã
tiverem de dizer isso à Mademoiselle disse ela. - Realmente
vocês são um par de idiotas. Não sei que prazer têm em
complicar tudo!
As gémeas não responderam. Desceram as escadas a
correr e em breve estavam na cidade. Mas nenhuma delas
apreciou realmente o filme, embora fosse muito bom.
Tiveram que sair um pouco antes do final, para chegarem a
tempo ao jantar. Seguiu-se uma reunião a que ambas
tiveram de assistir, embora muito lhes apetecesse faltar.
Mas era dirigida pela Mónica James e nenhuma das gémeas
se atreveu a pedir dispensa.
Às nove horas todas as alunas da sua classe, foram
deitar-se assim como dos dois anos seguintes. Conversando
e rindo, as gémeas e as companheiras encaminharam-se
para os dormitórios e despiram-se. Geralmente era uma
professora quem ia ver se as alunas estavam todas na cama
e apagava as luzes, mas naquela noite a lida participou que
estava encarregada desse trabalho.
- A miss Roberts está com a directora - disse. Por isso,
hoje estou de serviço. Despachem-se, porque daqui a cinco
minutos vou apagar a luz, e se forem vagarosas terão que se
despir às escuras.
Duas das pequenas, a Joana e a Dora, começaram uma
luta com as almofadas, ao ouvirem que a miss Roberts não
aparecia. Todas desataram a rir, ao verem as duas
almofadas a baterem uma na outra. Mas o caso não foi
assim tão divertido quando a cobertura de uma das
almofadas se rompeu e as penas que continha começaram a
espalhar-se por toda a parte.
- Valha-me Deus! - exclamou Joana. - Olhem para a
minha almofada. lida, peço-te por tudo que não apagues já a
luz. Tenho que apanhar as penas!
- Desculpa - disse a lida. - Terás que apanhá-las amanhã
de manhã. vou já apagar a luz. A miss Roberts deve passar
por aqui dentro de uma hora e espero que não veja as penas
espalhadas por toda a parte. Julgará que estivemos a
depenar galinhas no dormitório.
As luzes apagaram-se. Todas as pequenasse meteram
nas camas, excepto a Joana e a Dora que tentaram apanhar
algumas penas. Tinham que se acabar de despir e lavar os
dentes com as luzes apagadas. Joana deixou cair o copo dos
dentes e Dora bateu com o tornozelo na cómoda, o que a fez
resmungar, com a dor. A Joana riu-se e a Catarina Gregory
teve um tal ataque de riso que ficou cheia de soluços.
- Cala-te, Catarina - ordenou a lida. - Estás com soluços
de propósito. Já te conheço.
- Não estou nada! - exclamou a Catarina, indignada, e
deu um soluço tão grande que a cama até estremeceu. A
Joana não conseguiu conter o riso. Por mais que tentasse
parar, a pobre Catarina dava mais soluços e Joana
continuava a rir.
Até mesmo as gémeas, embora estivessem ansiosas por
que todas as outras adormecessem, não conseguiam deixar
de rir. A lida ficou zangada e sentou-se na cama.
- Vocês são muito más! - disse ela. - Se alguém aparecer
e as ouvir fazerem todo este barulho eu é que serei
repreendida, pois estou a tomar conta do dormitório. Cala-te,
Joana. E tu, Catarina, por favor bebe um pouco de água.
Como será possível adormeceres se continuares assim aos
soluços?
- Desculpa, lida - disse a Catarina, com mais um soluço. -
vou levantar-me para ir buscar água.
- Metam-se na cama, Joana e Dora - ordenou a lida,
preparando-se para dormir. - Não me interessa se já lavaram
os dentes e escovaram o cabelo! PARA A CAMA!
Daí a cinco minutos o dormitório estava em paz e
sossego, tirando uns espaçados soluços da Catarina,
seguidos de pequenas gargalhadas da Joana.
As gémeas permaneciam acordadas, esperando que as
outras adormecessem. Preocupava-as saberem que a miss
Roberts deveria aparecer daí a uma meia hora. Não podiam
esperar ainda uma hora até se escaparem para a sala de
estudo. Além disso, a Mademoiselle já teria ido deitar-se,
quando acabassem os exercícios.
- Isabel! - murmurou a Patrícia por fim. Isabel! Julgo que
todas adormeceram. Levanta-te e veste o roupão.
- Mas a miss Roberts ainda não apareceu! respondeu
Isabel em voz baixa.
- Poremos os travesseiros dentro das camas, para
parecerem os nossos corpos - disse a Patrícia.
- Vamos.
Levantaram-se sem fazerem barulho e vestiram os
roupões. Enfiaram os travesseiros dentro das camas,
esperando que a miss Roberts não notasse nada de anormal,
quando aparecesse. Depois saíram e desceram as escadas
mal iluminadas até à sala de estudo, que ficava mesmo por
baixo do dormitório.
A Patrícia fechou a porta e acendeu a luz. As gémeas
sentaram-se e abriram os cadernos de francês. A
Mademoiselle marcara todos os erros, e com cuidado, as
duas pequenas voltaram a escrever os exercícios já
corrigidos.
- O meu tinha quinze erros, espero que desta vez não
tenha mais de cinco! - disse a Isabel. Diabos levem a
Mademoiselle Abominável! Estou cheia de sono. Ó Patrícia, e
achas que agora temoscoragem para ir procurar a
Mademoiselle? Sinto-me a tremer, só com a ideia!
- Não sejas palerma - disse a Patrícia. - Que mal nos pode
fazer? Voltámos a escrever os exercícios e ela mandou-nos
entregar depois do jantar.
Os exercícios estavam prontos. Agora era preciso
encontrar a Mademoiselle. Onde estaria? Numa das salas de
estar das professoras, no seu próprio quarto ou onde?
- Bem, vamos lá - disse a Patrícia por fim. - Temos que a
descobrir. Anima-te, Isabel.
As gémeas saíram da sala de estudo e dirigiram-se para
a primeira das salas das professoras. A luz estava apagada e
não se encontrava ali ninguém. Quando se dirigiam para
uma das outras salas, ouviram a voz da Mademoiselle, que
vinha de uma das aulas. Que sorte!
- Está na aula número 3 - murmurou a Patrícia.
- Não sei quem lá estará com ela, mas também não
interessa. Naturalmente é a professora de desenho, que é
muito amiga da Mademoiselle.
Bateram à porta da aula número três. Uma voz
surpreendida disse:
- Quem é? Entre!
A Patrícia abriu a porta e as gémeas entraram. Santo
Deus, quem haveria de estar com a Mademoiselle,
examinando um grande mapa francês? Miss Theobald, a
directora.
As gémeas ficaram tão atrapalhadas, que pararam sem
dizer uma palavra, e os olhos muito abertos. A Mademoiselle
exclamou:
- Viens! - em voz alta e admirada, e miss Theobald não
disse nada. Mademoiselle foi a primeira a refazer-se da
surpresa.
- Que se passa? Estão doentes, mes petites?
- Não, Mademoiselle - disse a Patrícia, numa voz um
tanto trémula. - Não estamos doentes. Trouxemos os nossos
exercícios escritos. A Mademoiselle mandou-nos entregá-los
depois do jantar.
- Mas porque os trouxeram tão tarde? - perguntou miss
Theobald, na sua voz séria e profunda. Deviam ter percebido
que a Mademoiselle queria que os entregassem antes de
irem para a cama.
- Não tivemos tempo para os escrever mais cedo - disse
a Patrícia, sentindo-se de repente muito parva. - Levantámo-
nos da cama e fomos para a sala de estudo escrevê-los.
As gémeas ficaram tão atrapalhadas, que pararam sem
dizerem uma palavra, os olhos muito abertos.
- Ah! Que crianças tão teimosas! Afinal foram ao cinema
em vez de ficarem a fazer os exercícios disse a
Mademoiselle, percebendo tudo imediatamente. - Oh, miss
Theobald, estas gémeas fazem-me cabelos brancos. Os
exercícios que apresentam! Dá ideia que nunca estiveram
num colégio antes de virem para aqui. O seu trabalho é
abominável.
- Nós estivemos num colégio que era óptimo afirmou a
Patrícia, indignada. - Muito melhor do que Santa Clara.
Seguiu-se um prolongado silêncio. A miss Theobald
parecia pensativa. Mademoiselle dava ideia que perdera a
fala.
- Acho que é melhor não decidir nada esta noite sobre o
assunto - disse finalmente a directora. Já é muito tarde. Vão
para a cama, meninas, e amanhã de manhã, às dez horas,
vão procurar-me. Peçam à miss Roberts que as dispense por
um quarto de hora.
Assim as gémeas voltaram para a cama, agarradas aos
seus cadernos de francês, aborrecidas e desanimadas. Que
pouca sorte terem logo esbarrado com a própria directora!
Agora que lhes iria acontecer? Nem queriam pensar na
manhã seguinte!
VI
POBRE MISS KENNEDY!
A lida estava acordada quando as gémeas voltaram para
a cama e perguntou-lhes onde tinham ido.
- Miss Roberts veio cá, acendeu a luz e eu acordei - disse
a lida. - Percebi logo que vocês tinham posto os travesseiros
dentro das camas, mas a miss Roberts não reparou. Que
estiveram a fazer?
A Patrícia contou-lhe. lida ouvia muito admirada.
- Essa é fantástica! - exclamou. - Vocês são malucas!
Parece impossível que tenham sido chefes de turma no
vosso colégio. Portam-se como bebés.
As gémeas ficaram aborrecidas com a lida, sobretudo
porque muito no fundo, lhes parecia que ela tinha razão.
Foram para a cama e puseram-se a pensar. Na verdade era
muito bonito ser-se refilona e atrevida, mas no fim não tinha
lá muita graça!
Às dez horas da manhã seguinte pediram a miss Roberts
que as dispensasse. Era evidente que miss Roberts já sabia
do que se tratava, pois fez um sinal de assentimento e nada
perguntou. As gémeas dirigiram-se juntas para o escritório
da directora.
Miss Theobald estava a fazer uns horários e mandou-as
sentar e esperar um pouco. Era terrível estarem ali sentadas,
em expectativa. As duas gémeas sentiam-se muito mais
nervosas do que queriam aparentar.
Patrícia começou a pensar se a directora escreveria aos
pais, a contar o que se passara. Embora tivesse protestado
tanto com a ida para Santa Clara, não queria que a directora
mandasse dizer que eram indisciplinadas.
Finalmente miss Theobald ficou pronta a atender as
pequenas. Fez com que a cadeira desse meia volta e
encarou-as. Estava muito séria, mas não parecia zangada.
- Estive a examinar as notas e informações que o vosso
pai me mandou, pertencentes ao vosso antigo colégio -
começou a directora. - São muito boas e parece que vocês
eram umas alunas excelentes, de comportamento exemplar.
Acho difícil que tenham mudado de maneira de ser em tão
pouco tempo, por isso não irei tratá-las como meninas
insubordinadas e inconscientes. Estou certa que deve haver
alguma razão fundamental, para se terem portado de
maneira tão extraordinária ontem à noite. Na verdade,
minhas queridas, pregaram-nos um grande susto, à
Mademoiselle e a mim, quando entraram na sala de aula,
com os vossos roupões.
A directora sorriu. As gémeas sentiram-se muito
aliviadas e Patrícia começou a contar o que se passava na
aula de francês.
- O francês não é ensinado da mesma maneira do que no
nosso antigo colégio. E nem vale a pena tentarmos fazer os
exercícios bem, porque no final estão sempre errados. Nós
não temos culpa. E ontem a Mademoiselle estava
simplesmente furiosa connosco, e...
A miss Theobald ouviu Patrícia, cheia de paciência até ao
fim.
- Bem, as vossas dificuldades no francês podem acabar -
disse a directora. - Já falei com a Mademoiselle e ela
informou-me que vocês falam bastante bem e percebem
tudo, mas não têm bases na escrita e gramática. A
Mademoiselle ofereceu-se para lhes dar meia hora de lição
extraordinária todos os dias, até estarem no mesmo
adiantamento que as vossas colegas. Foi uma grande
amabilidade da sua parte, pois tem imenso que fazer. Todo
este aborrecimento provém de vocês estarem atrasadas e se
ajudarem, trabalhando com toda a boa vontade com a
Mademoiselle, não há mais nada a dizer sobre o vosso
comportamento pateta da noite passada.
As gémeas olharam para miss Theobald um tanto
confundidas. Por um lado sentiam um grande alivio que ela
não lhes desse nenhuma descompostura mas por outro lado,
santo Deus! Como seria horrível terem que aturar a
Mademoiselle todos os dias, mais meia hora! E no entanto
Mademoiselle Abominável fora simpática em se ter oferecido
para as ajudar.
- Muito obrigada, miss Theobald - disse por fim Patrícia. -
Vamos fazer os possíveis. Quando conseguirmos alcançar as
outras, já não nos sentiremos tão revoltadas nem
envergonhadas, ao apanharmos descomposturas em frente
de toda a classe.
- Ninguém se zangará convosco, se a Mademoiselle
perceber que estão a esforçar-se por ser boas alunas - disse
a miss Theobald. - Agora vão ter com a Mademoiselle e
combinem qual a melhor hora para as lições extraordinárias.
E por favor não voltem a andar pelos corredores, em roupão,
às dez e meia da noite.
- Com certeza, miss Theobald - disseram as gémeas em
coro, sorrindo para a directora. Agora tudo aparecia com
melhor aspecto. O que tinham feito já não tomava as
proporções de uma horrível falta de comportamento,
necessitando de ser punida por processos terríveis, mas
apenas um disparate de que ambas se sentiam muito
envergonhadas. Saíram do gabinete e dirigiram-se à sala de
estar das professoras. A Mademoiselle encontrava-se ali,
corrigindo enormes pilhas de cadernos, falando para consigo
enquanto os lia.
- Três bien, ma petite lida! Ai, esta terrível menina Joana!
Ah... entrem!
As gémeas avançaram. A Mademoiselle sorriu-lhes e
bateu-lhes no ombro, afectuosamente. Embora tivesse muito
mau génio e se irritasse com facilidade, tinha bom coração e
era generosa.
- Agora vamos a ver essa coragem, para apanharem as
outras! - disse. - Trabalharão todos os dias comigo e vamos
tornar-nos boas amigas, n'est cê pás?
- Obrigada, Mademoiselle - exclamou a Patrícia.
- Ontem fomos umas palermas. Mas não queremos voltar
a sê-lo!
- E muito obrigada por se ter oferecido para nos ajudar -
disse a Isabel.
E assim, daí em diante, a aula de francês tornou-se mais
suave. A Mademoiselle era mais paciente com as gémeas e
elas esforçavam-se o mais que podiam.
Só ninguém se esforçava por ser boa aluna com a pobre
miss Kennedy! Joana era por temperamento muito trocista e
brincalhona e tornava-se impossível na aula da professora
de História. A Joana tinha uma bela colecção de lápis de
carnaval e com todos eles obtinha enorme êxito em relação
a miss Kennedy.
Um dos lápis tinha uma ponta feita de borracha, e por
isso toda se dobrava, quando a professora tentava escrever
com ele. Outro tinha uma ponta que se enfiava para dentro
mal tocava no papel. As alunas divertiam-se imenso,
enquanto a pobre miss Kennedy se esforçava por se servir
dos lápis e os observava, muito surpreendida.
Depois Joana arranjou um lápis que não escrevia mesmo
nada, embora mostrasse um bico bem afiado. Ao ver a pobre
miss Kennedy tentando por escrever “Muito bem” com o tal
lápis, toda a classe desatava às gargalhadas.
- Meninas! Meninas! Por favor façam menos barulho -
dizia miss Kennedy. - Abram os vossos compêndios de
História na página oitenta e sete. Hoje vou-lhes explicar
como viviam as pessoas no século XVII.
As alunas punham-se todas a abrir os livros na página
oitenta e sete, de tal maneira que faziam um barulho que
mais parecia uma ventania. Continuavam assim,
murmurando “Oitenta e sete, oitenta e sete” durante todo o
tempo.
- Que número disse, miss Kennedy? - perguntou a
Catarina, com um ar muito inocente, embora estivesse farta
de saber que página procurava.
- Eu disse “página oitenta e sete” - repetiu a miss
Kennedy, delicadamente. Era sempre delicada, nunca se
enfurecendo como a Mademoiselle, ou tornando-se trocista
como a miss Roberts.
- Oh, oitenta e sete! - disseram as alunas todas em coro,
e imediatamente recomeçaram a virar as folhas, agora em
sentido contrário, muito atarefadas e com ar seríssimo.
Então Joana não conseguiu conter uma gargalhada e toda a
aula se pôs a rir. Miss Kennedy bateu com a mão na
secretária.
- Por favor, por favor - disse ela. - Peço-lhes por tudo que
estejam caladas e vamos continuar com a nossa lição.
- Miss Kennedy, as pessoas usavam fatos no século XVII
ou apenas peles? - perguntou a Joana, fingindo-se muito
séria. Miss Kennedy ficou surpreendida.
- Com certeza sabias que usavam fatos - disse ela. -
Tenho aqui um desenho das roupas que então usavam.
Devias saber, Joana, que nessa altura já não se usavam
peles.
- Nem mesmo as suas próprias peles? - perguntou a
Joana. Na verdade a pergunta não tinha grande graça, mas a
classe já estava em tal estado que tudo as fazia rir e
desataram às gargalhadas.
- Talvez não gostassem de “estar nas suas peles” e por
isso é que não as usavam - disse a lida. Seguiram-se mais
gargalhadas, embora metade das alunas nem tivesse
percebido o que lida dissera.
- Meninas, isto não pode continuar, palavra que não pode
- disse a miss Kennedy. - Tenho que participar das meninas.
- Oh, por favor, POR FAVOR, miss Kennedy! gritou toda a
classe, em coro e uma ou duas alunas fingiram chorar.
Pobre miss Kennedy! Acontecia o mesmo em todas as
aulas, embora as classes mais adiantadas se comportassem
melhor. As alunas das classes menos adiantadas não
queriam ser más nem desagradáveis, mas gostavam de se
divertir e nem pensavam no que a pobre miss Kennedy
poderia sofrer com isso. Achavam-na apenas muito divertida.
Uma manhã, quando a aula estava especialmente
insubordinada, Joana fez um sinal. Catarina riu-se, pois sabia
o que estava combinado. Quando Joana fez o segundo sinal
todas as companheiras deitaram ao chão o compêndio de
História.
Pam! Miss Kennedy sobressaltou-se e logo a seguir a
porta abriu-se e entrou miss Roberts! Ela estava a dar uma
aula na sala ao lado e ao ouvir o barulho de vinte livros a
cair no chão ao mesmo tempo, parecendo um tiro, resolveu
que era altura de investigar o que se passava.
- Miss Kennedy, não sei se quer participar de algumas
alunas - disse a miss Roberts numa voz muito fria. - Terei
todo o prazer em recebê-la depois das aulas da manhã.
Certamente considera muito difícil ensinar, no meio de todo
este barulho.
Miss Roberts olhou para a classe e as pequenas ficaram
muito caladas e algumas coraram. Miss Kennedy também
ficou vermelha.
- Peço desculpa pelo barulho, miss Roberts disse ela. -
Bem vê...
Mas miss Roberts desaparecera fechando a porta com a
sua maneira decidida.
- A Kenny não fará queixa de ninguém - murmurou a
Joana â Isabel. - Se o fizesse teria que participar de toda a
aula e para isso não teria coragem.
Miss Kennedy não acusou ninguém, mas nessa noite,
bem fechada no seu quarto, não conseguia dormir. Fora para
Santa Clara porque a sua amiga miss Lewis, que tanto a
elogiava, estava doente e agora miss Kennedy percebia que
estava a deixá-la ficar mal, pois não conseguia ter mão nas
alunas e tinha a certeza que naquele período nada tinham
aprendido de História. Miss Roberts entrara na aula daquela
maneira e mais tarde quase não lhe falara, na sala das
professoras. E se fosse participar dela a miss Theobald? Era
horrível sentir que falhara, mas a pobre Kennedy não sabia
como conseguir impor-se.
“Tenho medo das pequenas, essa é a questão principal”,
pensou miss Kennedy. - E não quero acusá-las porque depois
ficam a detestar-me e isso ainda tornaria as coisas piores.
Entretanto no dormitório, Joana planeava novas partidas
a pregar a miss Kennedy! Joana tinha vários irmãos, todos
tão brincalhões como ela, que lhe mandavam toda a espécie
de objectos de que já se tinham servido nas suas próprias
classes.
- Patrícia! Isabel! Estão a dormir? - perguntou Joana em
voz baixa. Os meus irmãos vão mandar-me uns estalinhos
para lume. Já viram alguns?
- Nunca - responderam as gémeas. - Que é isso?
- Deitam-se para o lume e desatam a estalar e a assobiar
- explicou a Joana, rindo. - O meu lugar na aula fica perto da
lareira. Por isso vocês verão como será divertido, na próxima
semana. Espero que a encomenda chegue amanhã.
As gémeas riram-se. O que diria a Kenny quando o lume
começasse a estalar e a assobiar? Já anteviam a expressão
alarmada da professora.
- Joana! - murmurou Patrícia. - Vamos...
Mas a lida, encarregada do dormitório, acabou a
conversa.
- Calem-se! Conhecem o regulamento, não conhecem?
Por favor, já dormir!
VII
JOANA CONTINUA A PREGAR PARTIDAS
O embrulho para Joana, com os estalinhos, chegou. Ela
riu-se quando o tirou do cesto do correio e piscou o olho às
gémeas.
- Vou abri-lo no dormitório, depois do pequeno almoço -
disse. - Façam de conta que se esqueceram de qualquer
coisa e vão lá acima antes de rezarmos.
Assim, Joana e as gémeas correram ao dormitório logo a
seguir ao pequeno-almoço e durante cinco minutos
examinaram o conteúdo do embrulho. Havia uma caixa e lá
dentro uns cinquenta estalinhos pequeninos e com aspecto
inofensivo, amarelos e vermelhos.
- Achas que farão assim tanto barulho? - perguntou a
Patrícia, pegando num deles. - Dá ideia que só conseguem
dar um pequeno salto.
- Não te preocupes! vou atirar para o lume mais de uma
dúzia ao mesmo tempo - disse Joana. Há-de parecer uma
autêntica explosão, garanto-lhes. Vai ser divertidíssimo.
Não parando de rir, as três pequenas desceram as
escadas, no momento em que tocava a campainha para as
orações. Estavam mortas por que chegasse a hora da lição
de história. Era a seguir ao recreio da manhã. Joana contara
a mais algumas colegas o que tencionava fazer e toda a
classe se encontrava na maior expectativa. Até mesmo miss
Roberts percebeu que se passava qualquer coisa, embora as
alunas se esforçassem por prestar atenção.
No fim da aula de matemática, mesmo antes do
intervalo, miss Roberts disse-lhes em tom severo:
- Após o intervalo terão a aula habitualmente. Espero
que estejam na aula da miss Kennedy como na minha.
Se isso não acontecer, terão que me ouvir. Não te portes
mal esta manhã, ESTÁS A OUVIR, JOANA?
A Joana sobressaltou-se. Não percebia porque motivo
miss Roberts se dirigia a ela em especial. Também não sabia
que estava com cara de culpada.
- Sim, miss Roberts - disse Joana, pensando que afinal
não conseguiria fazer a partida dos estalinhos.
Mas as colegas da mesma classe rodearam-na durante o
intervalo e insistiram para que cumprisse a sua promessa.
Não queriam perder o espectáculo de miss Kennedy toda
assustada, olhando para o lume, sem perceber o que se
passava.
- Está bem - disse Joana por fim. - Mas por favor não me
acusem à miss Roberts se ela der pelo barulho. E prometam
não rir muito alto. Olhem que nos metemos num grande
sarilho, se miss Roberts nos ouvir.
- É impossível - disse a Catarina. - Ela vai falar com o
sexto ano, não sei porquê e como sabem essa aula fica na
outra ponta do colégio. Não ouvirá nada.
- Óptimo! - exclamou Joana, sentindo-se mais à vontade.
- Vocês verão como vai ser animado!
Todas as alunas estavam sentadas nos seus lugares,
caladas como ratos, quando miss Kennedy entrou para lhes
dar a habitual lição de História. Sentia-se ainda mais nervosa
do que de costume, pois não podia esquecer o modo como
as alunas se haviam comportado na última lição. Ficou muito
satisfeita ao vê-las tão sossegadas, sentadas nos seus
lugares.
- Bom-dia, meninas - disse, sentando-se à sua secretária.
- Bom-dia, miss Kennedy - respondeu a aula em coro e a
lição começou. Miss Kennedy precisou de virar-se para o
quadro, para traçar um esquema e imediatamente todas as
pequenas se voltaram para a Joana. Chegara a grande
oportunidade!
O lugar da Joana era mesmo ao lado do lume. A caixa
dos estalinhos encontrava-se na sua carteira. Ela retirou a
tampa cuidadosamente e escolheu cerca de uma dúzia.
Depois atirou-os para o meio do lume que ardia na lareira.
Todas ficaram em enorme expectativa. Por um momento
nada aconteceu, só as chamas se elevaram um pouco mais.
Depois começou a animação!
PAM! PIM! PAM! BZZZZ! BZZZ! Metade dos estalinhos
explodiam. Viam-se faúlhas subindo pela chaminé ou
saltando do lume para o chão da aula.
PAM! BZZZ! Todas ouviam, com os olhos pregados na
pobre miss Kennedy, que se mostrava a criatura mais
surpreendida e assustada do mundo.
- Miss Kennedy! Ó miss Kennedy! Que é isto?
- exclamou a Patrícia, fingindo-se assustada.
- Não é nada, Patrícia. Não tem importância disse miss
Kennedy. - Pronto, já acabou, mas realmente também fiquei
assustada.
PAAAM! PAAAM! Mais alguns estalinhos explodiam e uma
chuva de faúlhas saltava do lume. Joana deu um salto,
agarrou no pano com que se limpava o quadro e começou a
bater nas faúlhas com grandes gestos, desnecessários.
- Joana! Joana! Pára com isso! - exclamou a miss
Kennedy, receando que na aula ao lado ouvissem o barulho.
Nessa altura as pequenas começaram a rir, apesar dos
esforços para se manterem sérias e abafarem as
gargalhadas. Quando os estalinhos recomeçaram a explodir
já riam sem se conterem, sobretudo ao verem a Joana
fingindo mais uma vez que batia nas faúlhas com o pano do
quadro, espalhando nuvens de pó.
Miss Kennedy tornou-se muito pálida. Calculou que lhe
estavam a pregar uma partida, embora não percebesse qual.
Ficou de pé, muito direita, parecendo de repente
extraordinariamente séria, embora umas madeixas de
cabelo estivessem fora do seu lugar.
- Meninas! - disse ela. - Esta manhã não haverá lição de
História. Recuso-me a dar aula a uma classe como esta.
E saiu da sala, muito pálida, com os olhos cheios de
lágrimas.
Teria que ir falar com a Directora e pedir a demissão. Não
era possível receber um ordenado por dar aulas a meninas
que passavam o tempo todo a brincar. Mas não iria naquele
momento, pois sentia-se muito deprimida. Esperaria pela
hora do almoço. Escreveu à pressa um bilhete a miss
Roberts e mandou-o entregar por uma das criadas do
colégio.
Sinto-me muito mal disposta e tive que interromper a
lição, dizia o bilhete.
Miss Roberts ficou surpreendida ao lê-lo.
Hesitou se devia ir ver o que se passava na classe, mas
calculava que miss Kennedy certamente dera às alunas
qualquer trabalho para fazerem. No entanto acabou por
resolver deixar escritas algumas perguntas no quadro,
tentando imaginar o que se passaria com as outras
pequenas.
Todas tinham ficado um tanto perturbadas quando miss
Kennedy saira da sala. Algumas das alunas sentiram-se
culpadas e embaraçadas mas quando o lume mais uma vez
começou a explodir, voltou a alegria e a Dora, a Catarina, a
Joana e as companheiras de novo se riram com vontade.
- Vocês repararam na Kenny quando explodiu o primeiro
estalinho? - perguntou Joana. - Julguei que morria, com o
esforço para não me rir. Até fiquei com uma dor aqui ao
lado!
- Ó Joana, esses estalinhos são uma maravilha! -
exclamou a lida. - Deita mais uns para o lume. A Kenny já
não volta. Só espero que ela não vá contar à directora.
- Ela não foi para o lado dos aposentos da miss Theobald
- disse Joana. - Está bem, vou deitar mais uns estalinhos.
Atenção!
Joana agitou a caixa perto do lume, tencionando lançar
mais uma dúzia de estalinhos, mas de repente todos os que
se encontravam na caixa saltaram para as chamas! Joana
riu-se.
- Olhem! Saltaram todos! Vamos - divertir-nos muito.
Dora estava de guarda à porta da aula, para o caso de
aparecer alguma professora. De repente soltou uma
exclamação.
- Oh! Cuidado! Vem aí a miss Roberts! Vão depressa para
os vossos lugares.
Todas correram para as respectivas carteiras. Abriram os
livros de História e na altura em que a miss Roberts entrou, a
aula parecia muito sossegada, embora fosse um pouco
suspeito ver tantas cabeças baixas. Miss Roberts ficou logo
de pé atrás. Geralmente as pequenas olhavam todas para
ela, quando entrava.
- Parecem muito ocupadas - disse secamente. Miss
Kennedy deu-lhes algum trabalho de História para fazerem?
Ninguém respondeu. Joana olhou para a lareira cheia de
ansiedade. Os estalinhos! Como desejava não ter deitado
tantos para o lume!
As chamas tornaram-se um pouco mais vivas.
Miss Roberts disse com severidade:
- Ninguém me responde? A miss...
Mas não acabou a pergunta, porque cerca de vinte
estalinhos puseram-se a explodir quase ao mesmo tempo,
fazendo um barulho terrível! As faúlhas espalhavam-se por
toda a parte e enormes labaredas subiam pela chaminé.
- Santo Deus! - exclamou miss Roberts. - Que se passa
com o lume?
Mais uma vez ninguém respondeu. Agora ninguém se ria.
Todas pareciam assustadas.
barn! barn! BZZZ! barn! BZZZ! Alguns estalinhos
explodiam no ar, fazendo com que se desprendesse uma
autêntica chuva de fuligem. Era fuligem muito quente, que
se espalhava por toda a sala. Joana e as colegas sentadas
mais perto do lume começaram a tossir, engasgadas.
- Afasta-te do lume, Joana - ordenou a miss Roberts. -
Essas faúlhas ainda te pegam fogo ao uniforme.
A fuligem continuava a espalhar-se e partículas negras
iam pousando nos livros, papéis, carteiras e cabelos. Miss
Roberts mal podia conter a fúria.
- Alguém deitou estalinhos para o lume! exclamou. -
Podem sair da aula. vou para o meu gabinete. Espero que a
menina que resolveu pregar esta estúpida e perigosa partida
vá imediatamente ter comigo.
Saiu da sala. As pequenas entreolharam-se, aflitas. Era
muito engraçado pregar uma partida a miss Kennedy, mas
com a miss Roberts o caso era muito diferente. Miss Roberts
conhecia muitos castigos desagradáveis!
- Santo Deus! Agora estou servida! - disse Joana,
aborrecida. - O melhor é ir já tratar do assunto.
Dirigiu-se para a porta. As gémeas olharam para Joana.
Então Patrícia também correu para a saída da aula.
- Joana! Espera! Eu também vou. Eu tenho tanta culpa
como tu, pois incitei-te. Teria atirado os estalinhos para o
lume, se tu não o fizesses.
- E eu também vou - disse logo a Isabel.
- Vocês são formidáveis! - exclamou Joana, dando o
braço a Patrícia e dando a outra mão a Isabel. Depois foi a
vez da lida.
- Também vou convosco. Na verdade todas nós
merecemos o mesmo castigo. Foste realmente tu que
arranjaste os estalinhos e os deitaste para o lume, mas
todas participámos na brincadeira e por isso não é justo que
só tu sejas castigada.
Finalmente toda a classe se dirigiu à sala da professora,
com um ar cabisbaixo e envergonhado. Miss Roberts ficou
surpreendida por ver tantas alunas entrando na sala.
- Que vem a ser isto? - perguntou, severamente.
- Miss Roberts - começou a chefe de turma. Posso ser eu
a explicar?
- Quero que se acuse a menina que fez a partida disse a
miss Roberts. - Quem foi?
- Fui eu - disse a Joana, bastante pálida. Sentia as pernas
a tremer e olhava para o chão. Não conseguia encarar miss
Roberts, nem os seus olhos cor de avelã.
- Mas todas tivemos culpa! - continuou lida. Fomos nós
que convencemos a Joana a deitar os estalinhos para o lume.
- Posso perguntar-lhes se fizeram a mesma coisa a miss
Kennedy? - perguntou miss Roberts num tom sarcástico.
- Fizemos - respondeu Joana, em voz baixa.
- Então está tudo explicado! - disse miss Roberts,
pensando no bilhete que miss Kennedy lhe enviara. - Bem,
todas contribuirão para a despesa da limpeza da chaminé e
passarão duas horas cada uma lavando as paredes,
esfregando o chão e limpando as carteiras. Isso significa que
trabalharão em turnos de cinco, durante o vosso tempo livre,
depois da vinda do limpa-chaminés.
- Sim, miss Roberts! - respondeu toda a aula em coro,
com o mesmo sentimento de culpa.
- Claro que irão também pedir desculpa a miss Kennedy -
continuou miss Roberts. - E quero que saibam que me sinto
envergonhada por vocês, visto abusarem do facto de a vossa
professora de História ser branda convosco.
As pequenas saíram da sala. Miss Roberts telefonou ao
limpa-chaminés e miss Kennedy ficou surpreendida ao
deparar com sucessivos grupos de alunas que iam pedir-lhe
humildes desculpas pelo seu mau comportamento. Não lhe
contaram o que se passara, por isso não fazia a menor ideia
que miss Roberts também assistira às mesmas
extraordinárias explosões do lume, mas tratara do caso com
firmeza. Pensou que as pequenas tinham ido pedir-lhe
desculpa de seu moto próprio e quase se sentiu feliz.
“Já não peço a minha demissão à miss Theobald”
pensou. “Se o fizesse teria que explicar o motivo, e não
quero acusar as pequenas depois de serem tão simpáticas
em virem-me pedir desculpa.”
Por isso o assunto ficou por ali. Grupos de pequenas
muito maçadas tiveram que passar o dia a esfregar o chão e
a limpar paredes, em vez de jogarem lacrosse e assistirem a
um concerto!
Uma boa coisa se conseguiu com toda aquela história. As
companheiras das gémeas ficaram a gostar mais das duas
irmãs, pois tinham sido elas as primeiras a acompanhar a
Joana.
- A Patrícia e a Isabel foram formidáveis em quererem
acompanhar a Joana, dizendo que também tinham a culpa -
comentou a lida. - Ficou-lhes muito bem!
VIII
A GRANDE CEIA DA MEIA-NOITE
NAS semanas seguintes miss Roberts manteve-se
bastante severa para com a classe das gémeas, fazendo-
lhes observações extraordinariamente ásperas. Patrícia e
Isabel detestavam que lhes falassem como se fossem umas
insignificantes, mas não se atreviam a ripostar.
- É horrível sermos tratadas como se ainda estivéssemos
no jardim infantil, depois de em Redroofs nos termos
habituado a mandar em todas - disse a Isabel. - Nunca me
conformarei com isto.
- Também me parece detestável - concordou Patrícia. -
No entanto não consigo deixar de gostar da miss Roberts.
Tenho-lhe imenso respeito e as pessoas gostam de quem
merece ser respeitado.
- Então também gostava que ela nos respeitasse um
pouco mais - disse a Isabel, tristemente. Assim talvez
passasse a ter-nos mais amizade e talvez não nos desse
tantas descomposturas. Quando esta manhã me esqueci de
lhe entregar o caderno dos exercícios de matemática, até
me deu ideia que ia telefonar para a esquadra pedindo que
viessem prender-me. Patrícia riu-se.
- Não sejas palerma - disse. - A propósito, não te
esqueças de dar cinco escudos para a compra de um
presente para os anos de miss Theobald. Eu já entreguei o
dinheiro.
- Valha-me Deus! - exclamou a Isabel. – Não sei se terei
dinheiro suficiente. Tive que pagar a minha parte ao limpa-
chaminés e dei dez escudos à criada para me limpar o
uniforme, receando que a roupeira se zangasse comigo.
Além dos vinte e cinco tostões que entreguei a semana
passada para a Casa das Crianças Convalescentes. Estou
quase sem um tostão!
A Isabel foi à sua prateleira, na sala, e tirou o porta-
moedas. Estava vazio!
- Que é isto? - disse admirada. - Estou convencida que
ainda tinha oito escudos. Tiraste-os daqui, Patrícia?
- Não! - disse Patrícia. - Se o tivesse feito, avisava-te.
Devem ter ficado na algibeira do teu casaco.
Mas os oito escudos não estavam em parte nenhuma.
Isabel acabou por concluir que os perdera e pediu
emprestado algum dinheiro à irmã, para entregar a sua
contribuição para o presente da directora.
Depois a Joana fez anos e todas foram à cidade para lhe
comprar uma lembrança. Todas menos a lida, que descobriu
com grande tristeza que a nota de cinquenta escudos que a
avó lhe enviara, desaparecera do seu bolso.
- Vejam lá, logo cinquenta escudos! - lamentava-se a
rapariga. - Tencionava comprar tantas coisas! Preciso de uns
atacadores novos e o meu estique de lacrosse necessita ser
arranjado. Para onde teria ido a minha nota?
Susana emprestou dez escudos à lida para comprar um
presente à Joana e esta, no dia dos seus anos, ficou
encantada ao receber numerosas lembranças. Joana era
muito popular, apesar da sua franqueza rude. O melhor
presente que recebeu foi da Catarina Gregory que lhe
ofereceu um “barrette” de ouro, com o nome gravado.
- Não devias ter comprado uma coisa tão cara! disse
Joana, admirada. - Isto deve ter-te custado um dinheirão,
Catarina! Não me atrevo a aceitá-lo. É um presente
demasiado generoso.
- Mas tens que o aceitar, pois mandei gravar teu nome -
disse Catarina. - Não serve para mais ninguém.
Todas admiraram o alfinete de ouro com o nome gravado
atrás. Catarina estava delirante com o êxito que o seu
presente suscitara e quando Joana voltou a agradecer-lhe,
dando-lhe um grande abraço, ficou muito corada, tal a
alegria que sentiu.
- A Catarina foi muito generosa - disse a Joana às
gémeas enquanto seguiam para a aula. - Mas não
compreendo porque gastou tanto dinheiro comigo.
Geralmente ela oferece umas insignificâncias ou então não
dá mesmo nada. Por outro lado tenho a impressão que nem
simpatiza comigo, pois meto-me com ela muitas vezes, por
ser um bocado palerma!
Joana recebeu uma enorme encomenda, de casa, pelo
seu aniversário. Desembrulhou-a, ajudada pela lida e pelas
gémeas.
- Todas as coisas de que eu mais gosto! exclamou Joana.
- Um grande bolo de chocolate, biscoitos de manteiga,
sardinhas de lata com molho de tomate. Leite condensado! E
reparem nestas pastilhas de hortelã-pimenta! Devem ser
deliciosas.
- Vamos fazer uma ceia à meia-noite - propôs a Patrícia. -
Uma vez fizemos uma em Redroofs, ainda não estávamos no
último ano. Não percebo porque certas guloseimas sabem
muito melhor a meio da noite do que durante o dia, mas
garanto-lhes que é assim mesmo. Ó Joana, não achas que
seria divertido?
- Também me parece - disse Joana. - Mas não estão aqui
coisas suficientes para todas nós. Vocês também têm que
comprar mais qualquer coisa. Cada uma trará um pequeno
bolo, umas bolachas ou uns chocolates. Quando fazemos a
festa?
- Amanhã à noite - disse Isabel, rindo. - Miss Roberts vai
a um concerto, ouvi-a eu dizer. Passa a noite em casa de
uma amiga e só volta no dia seguinte à hora das orações.
- Óptimo! Então fica marcada a festa para amanhã à
noite - disse Joana. - Vamos avisar as outras.
Assim, avisaram toda a classe da próxima ceia e todas as
raparigas prometeram levar qualquer coisa. Patrícia comprou
uma torta recheada de compota. Isabel, que mais uma vez
teve que pedir dinheiro emprestado à irmã, comprou uma
tablette de chocolate. A Joana comprou velas, pois as alunas
estavam proibidas de acender a luz-eléctrica depois de ser
apagada, a não ser por uma razão muito forte, tal como uma
doença.
A contribuição mais importante foi a de Catarina que
apareceu com um lindo bolo, todo coberto de branco,
enfeitado com rosinhas cor de rosa e azuis. Todas ficaram
encantadas.
- Ó Catarina, deves ter recebido uma herança! exclamou
Joana. - Este bolo deve ter-te custado todas as tuas
economias para este período! É uma maravilha.
- É o bolo mais bonito que ainda vi - declarou a lida. -
Foste muito simpática, Catarina.
A Catarina corou de felicidade. Acolheu com a maior
alegria os elogios das companheiras sobre o seu bolo.
- Gostava de ter arranjado qualquer coisa melhor do que
um insignificante chocolate, mas mesmo assim ainda tive
que pedir dinheiro emprestado à Patrícia - disse Isabel.
- E eu só lhes trouxe umas bolachas que ainda restavam
numa lata que a mãe me mandou há quinze dias - disse a
lida. - Estou completamente “falida” desde que perdi a
minha nota de cinquenta escudos.
- De qualquer modo, temos muitas coisas acrescentou
Joana, muito ocupada a esconder tudo no fundo de um
armário que ficava mesmo junto do dormitório. - Bem,
espero que a roupeira não resolva de repente vir limpar este
armário. Ficaria bastante surpreendida com o que aqui
encontrasse! Olhem, quem trouxe esta empada de carne?
Tem um aspecto formidável!
Todas as alunas, naquele dia, se sentiam entusiasmadas.
Era muito animado compartilharem um segredo, sem que as
outras classes o soubessem, lida descobriu que o terceiro
ano também já fizera uma ceia naquele período. Fora um
grande êxito e desejaria que a da sua classe tivesse um
êxito ainda maior!
Miss Roberts não conseguiu compreender por que motivo
as alunas naquele dia estavam tão desatentas. Mas a
Mademoiselle percebeu que escondiam qualquer coisa e
ficou irritada.
- Então, mes petites, que se passa? - perguntou quando
as pequenas fizeram todas o mesmo erro na tradução de
francês. - Em que estão a pensar? Estão a planear qualquer
coisa, não é verdade? Contem-me o que se passa.
- Oh, Mademoiselle, porque diz isso? - perguntou Joana. -
Que poderíamos estar a planear?
- Sei lá! - exclamou a mademoiselle. - Só sei que estão
distraídas. Se fazem mais algum erro, mando-as para a
cama uma hora mais cedo do que habitualmente.
A Mademoiselle disse aquilo sem nenhuma intenção
especial, mas as pequenas tiveram vontade de rir, pois
naquela noite estavam todas ansiosas por ir para a cama.
Joana deu uma gargalhada e ia sendo expulsa da aula.
Finalmente chegou a hora de se deitarem.
- Quem vai tirar as coisas do armário? - perguntou a
Patrícia.
- Tu, eu, a lida e a Isabel - decidiu Joana. E por favor
tenham cuidado. Se deixarmos cair a empada de carne no
chão, ficará tudo sujo.
Todas se riram. Meteram-se na cama, mas queriam
conservar-se acordadas. Resolveram então que a melhor
maneira era, cada uma por sua vez, ficar sentada na cama
durante meia hora, e depois acordar uma companheira para
a substituir. Assim, à meia-noite todas estariam acordadas e
começaria a grande festa.
Joana foi a primeira a ficar de vela durante meia hora,
pensando em todas as coisas que estavam dentro do
armário. Não tinha sono nenhum. Acendeu a sua lanterna de
algibeira para ver as horas. Terminara a sua meia hora.
Inclinou-se para a cama seguinte e acordou a lida.
À meia-noite todas dormiam profundamente, excepto a
Patrícia que era a aluna de vela. Quando ouviu soar as
badaladas do enorme relógio de uma das torres do edifício,
Patrícia saiu da cama. Foi acordando todas as companheiras,
abanando-as e segredando:
- lida! São horas! Acorda! Isabel, é meia-noite! Joana, a
ceia vai começar. Catarina, Catarina, acorda! É meia-noite!
Por fim todas as alunas estavam acordadas e com risos
abafados vestiram os roupões e calçaram as chinelas.
O colégio estava às escuras. Patrícia acendeu duas velas
e colocou-as numa das mesinhas de cabeceira, mesmo ao
centro do dormitório. Mandara a Isabel acordar o resto da
classe, no dormitório ao lado, e muito entusiasmadas todas
se reuniram. Sentaram-se nas camas mais próximas das
velas e esperaram que Patrícia e as outras três fossem
buscar as coisas ao armário.
Patrícia acendeu a sua lanterna de algibeira e virou-a
para dentro do armário, enquanto as outras retiravam as
guloseimas. Uma lata de caramelos caiu no chão. Todas se
sobressaltaram, ficando muito quietas, a escutar. Mas não se
ouviu nada, nenhuma porta se abriu, nem se acendeu
qualquer luz.
- Idiota! - exclamou a Joana para a Isabel. Por amor de
Deus não deixes cair esse bolo de chocolate. Para onde rolou
a lata dos caramelos? Oh, está aqui!
Finalmente levaram tudo para o dormitório e fecharam a
porta com cuidado. Olharam para as guloseimas e sentiram
imenso apetite.
- Empada de carne e bolo de chocolate, sardinhas e leite
Nestlé, chocolate e pastilhas de hortelã-pimenta, uma lata
de ananás, biscoitos, bolachas.
- Ih, tantas laranjadas! - exclamou Joana. - Que grande
ceia! Até garanto que vamos bater a ceia do terceiro ano!
Vamos começar. Eu parto o bolo.
Em breve todas as pequenas comiam com apetite,
achando que nada lhes soubera tão bem. Joana pegou num
abridor de garrafas e começou a distribuir as laranjadas. A
primeira abriu-se com facilidade e encheu dois copos. Mas a
laranjada seguinte tinha imenso gás e ensopou a cama onde
a Joana estava sentada. Todas se riram. A terceira garrafa
deu um estalo ao abrir-se, o que, no silêncio da noite,
pareceu muito sonoro.
- Não se preocupem! Ninguém nos ouvirá! disse Joana. -
Olha, Patrícia, abre a lata das sardinhas. Também trouxe pão
e manteiga para fazermos sanduíches.
Desembrulharam o pão e a manteiga. A Joana arranjara
as duas coisas à hora do lanche. Cada pequena escondera
uma fatia e entregara-a à Joana.
- Tirem uma sanduíche de sardinha, uma fatia de
empada de carne e uma colher de leite Nestlé - disse a
Patrícia. - Sabe lindamente.
O chocolate ficou para o fim. Nessa altura já não
conseguiam comer mais nada e então puseram-se a chupar
caramelos e saborear chocolate. Riam-se por tudo e por
nada.
- O melhor de toda a ceia foi o lindo bolo da Catarina -
disse a lida. - A capa de açúcar era formidável.
- Tens razão e eu comi uma das rosinhas concordou
Joana. - Achei-a muito gostosa. Quanto pagaste por aquele
bolo, Catarina? Foste realmente muito simpática!
- Oh, não teve importância - respondeu Catarina.
- Ainda bem que vocês gostaram.
Catarina estava muito feliz. O bolo maravilhoso não
chegara para todas e ela nem sequer o provara. Mas não se
importara nada com isso. Era-lhe bastante ouvir os elogios
que as outras faziam.
Então todas começaram a insistir com a Dora, para que
fizesse a sua dança a imitar um palhaço. Aprendera aquela
dança muito engraçada durante as férias. A Dora era muito
espirituosa e com toda a facilidade fazia rir as outras. A
dança do palhaço era muito ridícula. Dora dava saltos e caía,
fazendo umas expressões esquisitíssimas e dando enormes
suspiros, o que punha toda a assistência a rir.
- Agora não se riam muito alto - pediu ela, levantando-
se. - Da última vez fizeram tal barulho quando dancei na
nossa sala, que a Belinha Towers entrou e deu-me uma
descompostura.
Começou a dançar com uma cara muito séria. Depois
caiu aos pés da cama, de propósito, e esfregou uma perna,
fingindo ter-se magoado.
As colegas começaram a rir-se, tapando as bocas com as
mãos.
Dora adorava fazer com que as outras se rissem. Pôs-se
a andar de um lado para o outro, fazendo umas expressões
muito cómicas, depois fingindo que tropeçava, caiu,
agarrando-se à Patrícia, com um grito profundo e abafado.
Patrícia caiu também, sufocando uma gargalhada e
bateu na mesinha de cabeceira. A mesinha abanou e tudo
quanto estava em cima dela espalhou-se no chão! Uma
escova, dois pentes, várias molduras com fotografias, copos
de dentes, uma garrafa de limonada. Santo Deus, que
barulho!
As pequenas ficaram assustadas. O barulho parecia
simplesmente terrível!
- Depressa! Guardem tudo e metam-se na cama disse
Joana, aflita. - Daqui a pouco aparecem aí todas as
professoras.
As alunas que pertenciam ao outro dormitório fugiram
logo. As outras começaram a guardar tudo à pressa e em
breve perceberam que se acendia a luz do corredor.
- Para a cama! - murmurou a lida. E todas se enfiaram na
roupa, puxando-a até às orelhas.
Ficaram muito quietas, à escuta. lida lembrou-se de que
haviam deixado duas garrafas de laranjada no meio do chão
e não tinham tido tempo de esconder as sobras da empada
de carne. A empada esmigalhara-se imenso, cada vez que se
cortara uma fatia!
A porta abriu-se e uma pessoa apareceu, recortada na
luz do corredor.
Patrícia viu quem era: Miss Kennedy!
Que pouca sorte! Se descobrisse o que se passara,
certamente faria queixa delas, depois do mau
comportamento da classe na aula de História. Mas talvez
não chegasse a acender a luz do dormitório.
Miss Kennedy parou, a escutar. Uma das pequenas
ressonou um pouco, para fazer crer que dormia
profundamente. Mas Catarina não conseguiu aguentar-se,
pois já estava perdida de riso. Soltou uma gargalhada
abafada e a miss Kennedy ouviu-a. Então acendeu a luz.
A primeira coisa que lhe chamou a atenção, foram as
duas garrafas de laranjada no meio do chão. Depois viu as
sobras da empada de carne. Viu também o papel de prata do
chocolate. Percebeu imediatamente o que as pequenas
haviam estado a fazer.
Um sorriso bondoso apareceu no seu rosto. Mas que
miúdas terríveis.
Recordou-se de uma ceia em que participara, no seu
colégio, muitos anos antes, e como ela e as colegas tinham
sido apanhadas e severamente castigadas. Disse em voz
baixa para lida, a encarregada do dormitório.
- Ilda! Estás acordada?
Ilda não se atreveu a fingir o contrário. Respondeu em
voz ensonada:
- Miss Kennedy! Passa-se alguma coisa?
- Pareceu-me ouvir barulho neste dormitório disse miss
Kennedy. - Esta noite sou eu que tomo conta de vocês, pois
miss Roberts saiu. Mas, naturalmente, enganei-me...
Ilda sentou-se na cama e viu as duas garrafas de
laranjada. Olhou de relance para a miss Kennedy e notou
que ela piscava um olho.
- Naturalmente enganou-se, miss Kennedy disse a
pequena. - Talvez... talvez... fossem ratos.
- Talvez... - disse miss Kennedy. - Bem... sendo assim,
acho que não há nada a participar a miss Roberts, mas como
tu és a responsável pelo dormitório, deves ver se tudo fica
bem arrumado antes da roupeira fazer a sua habitual
inspecção.
Apagou a luz, fechou a porta e voltou para o seu quarto.
As pequenas sentaram-se logo nas camas e começaram a
falar em voz baixa.
- Olhem que a Kenny foi formidável!
- Viu logo aquelas malditas garrafas de laranjada! E teve
a coragem de concordar que o tremendo barulho foi feito
pelos ratos!
- E foi tão boa que até disse que devíamos arranjar tudo
para não deixar vestígios da ceia e prometeu não fazer
queixa a miss Roberts.
- A miss Roberts também é estupenda, à sua maneira -
disse a Dora.
- Mas não se esqueçam que anda zangada connosco e se
soubesse o que se passou, era um grande sarilho - lembrou
a Isabel. - A Kenny foi fantástica!
IX
UMA PARTIDA DE LACROSSE
E UM ACONTECIMENTO MISTERIOSO
A única consequência da ceia da meia-noite foi no dia
seguinte a Isabel, a Dora e a Vera não se sentirem muito
bem. Miss Roberts observava-as com atenção.
- Que comeram ontem? - perguntou.
- O mesmo que as outras - respondeu a Dora, não
faltando à verdade.
- Vão à enfermaria para se tratarem - disse miss Roberts.
As três pequenas saíram, mal dispostas e contrariadas.
Na enfermaria havia remédios de sabor muito desagradável.
E eram obrigadas a tomar tudo o que lhes mandavam.
Depois Joana e Catarina também se sentiram doentes e
foram por sua vez mandadas à enfermaria.
- Já conheço estes sintomas - disse a enfermeira. -
Fizeram uma ceia esta noite! Ah, não vale a pena fingir o
contrário! Quando comerem empadas de porco e
sanduíches, chocolates e laranjadas a meio da noite, bem
podem ver-se obrigadas a tomar umas boas doses de
remédio.
As pequenas ficaram aterradas. Como teria ela sabido?
- Quem lhe disse tal coisa? - perguntou a Joana,
pensando que miss Kennedy, afinal, não ficara calada.
- Ninguém! - respondeu a enfermeira, rolhando com
firmeza uma enorme garrafa. - Mas não ocupo este lugar há
mais de vinte e cinco anos sem ter aprendido algumas
coisas. Também já tive que dar o mesmo remédio à tua mãe
e à tua tia, Joana, pois também não lhes caiu bem uma
refeição a meio da noite. E agora vão-se embora. Não
fiquem embasbacadas a olhar para mim. Descansem que
não direi nada a ninguém. Acho que não vale a pena castigar
as meninas que tomam parte numa ceia, pois a má
disposição que sentem no dia seguinte já é o suficiente.
As pequenas foram-se embora. Joana olhou para a
Catarina.
- Sabes, eu ontem adorei a empada de porco e as
sardinhas - disse. - Mas só pensar nelas, põe-me enjoada.
Tenho a impressão que nunca mais serei capaz de comer
uma sardinha.
Mas em breve todas se tinham esquecido da indisposição
daquele dia e a ceia foi contada e recontada por todo o
colégio. Até mesmo a Belinha Towers teve conhecimento do
que se passara e riu-se ao saber como tudo acabara com a
queda de quanto se encontrava sobre a mesa de cabeceira.
Foi a Catarina quem contou à Belinha. Era bastante
estranho como Catarina se modificara nas últimas semanas.
Já não parecia nervosa, pedindo desculpas por tudo e por
nada, e notava-se que se sentia muito mais feliz,
conversando e rindo como as outras.
Até conseguia conversar com a Belinha Towers sem
gaguejar! Naquela semana era Catarina quem prestava
serviços à Belinha e lá ia, toda contente, fazer torradas,
dando recados e nem mesmo protestando quando a Belinha
a mandava chamar a meio de um ensaio musical.
Catarina e Isabel deviam entrar naquela semana, num
importante desafio de lacrosse. Eram as duas mais novas
das escolhidas. Todas as outras pertenciam ao ano seguinte.
Ao princípio Patrícia fora a melhor jogadora das gémeas,
mas em breve Isabel aprendera a apanhar e atirar a bola
com toda a facilidade, ultrapassando a irmã. O jogo seria
contra as alunas de um externato vizinho e as pequenas
estavam muito entusiasmadas.
- A Catarina jogará como guarda-redes - contou a Patrícia
a Isabel. -A Belinha disse-lhe hoje.
Não achas que a Catarina está diferente? Tornou-se
muito mais simpática.
- E é tão generosa! - lembrou Isabel. - Comprou ontem
uma caixa de bombons e dividiu-os todos entre as colegas,
sem ter provado nem um! E trouxe uns crisântemos à Vera,
que lhe devem ter custado uma fortuna!
A Vera estava na enfermaria, com gripe. Ficara muito
surpreendida e sensibilizada quando a Catarina lhe oferecera
dois lindos crisântemos! Nem parecia a mesma rapariga que
em tempos fora tão pouco generosa.
Catarina levou a Isabel para praticar o lançamento da
bola quando ela defendia a baliza, aperfeiçoando-se como
guarda-redes. Ela era muito rápida. Depois treinaram-se a
atirar e apanhar a bola, correndo também.
- Se eu conseguisse no sábado meter dois ou três golos!
- não se cansava de repetir a Isabel, lida riu-se. Isabel
perguntou-lhe porque se ria.
- Estou a rir-me de ti - disse a lida. - Quem é que franzia
o nariz ao lacrosse há bem pouco tempo? Eras tu! Quem
dizia que o único jogo que valia a pena jogar era o hóquei?
Eras tu! Quem declarava que nunca aprenderia a jogar uma
coisa tão parva como o lacrosse? Tu! É por isso que me estou
a rir. Agora passas o dia a falar de lacrosse! e não tens outro
assunto. Isso é que eu acho graça.
A Isabel também achou graça e, um tanto vermelha,
afirmou:
- Na verdade devo ter parecido bastante idiota.
- Vocês eram umas presumidas - disse Joana, entrando
na conversa. - As gémeas emproadas. Era assim que nós
costumávamos chamar-lhes.
- Ah! - exclamou Isabel, envergonhada. E resolveu logo
que no próximo sábado jogaria tão bem que toda a sua
classe se orgulharia dela! As gémeas emproadas! Que
alcunha horrível. Na verdade era preciso que ela e a patrícia
fizessem qualquer coisa para que as outras esquecessem
aquele terrível nome.
Chegou sábado, um belo dia de Inverno. A classe das
gémeas estava entusiasmada. As alunas do externato
tinham sido convidadas para o almoço e as internas
recebiam-nas o melhor que podiam. Ao almoço havia
salsichas com puré de batata, seguindo-se pudim de
caramelo, uma refeição muito apreciada.
- Olhem, Isabel e Catarina, não comam demais disse a
lida. - Queremos que vocês joguem o melhor possível.
Lembrem-se que são as únicas a jogar, da nossa classe. Mas
vamos fazer com que as alunas do outro colégio comam
imenso para depois nem conseguirem apanhar a bola.
- Tens razão. Não posso comer duas salsichas? -
perguntou a Isabel, decepcionada. - E costumo sempre
repetir o pudim...
- Hoje não - ordenou Joana com firmeza. - Mas se vocês
jogarem bem e ganharem, a nossa classe oferece-vos
merengues à hora do lanche. Estão de acordo?
A Isabel ficou mais animada e de boa vontade deixou de
repetir o pudim. Foi um almoço muito divertido. As alunas
convidadas eram simpáticas e alegres e riram-se imenso
quando lhes contaram a história da ceia da meia-noite.
- Nós não nos podemos divertir como vocês disse uma
das alunas do externato. - Porque à noite vamos para casa.
Que tal é a vossa equipa de lacrosse? Temos sempre ganho
quando jogamos contra vocês.
- E até aposto que as vamos bater mais uma vez - disse
a capitã da equipa, uma rapariga alta, de cabelo ruivo.
- Quantos merengues quiseres, se não deixares entrar
golos, Catarina! - exclamou a Joana e todas se riram.
As alunas dos três primeiros anos estavam autorizadas a
assistir ao desafio. O quarto ano tinha ido jogar fora e as
mais velhas raramente se incomodavam a assistir aos jogos
das mais novas. Só algumas do quinto apareciam, entre elas
a Belinha Towers, pois organizava todos os desafios e
escolhia as jogadoras, por ser a dirigente dos desportos, e
além disso porque tinha um grande interesse em que Santa
Clara ganhasse o maior número de jogos possível.
As jogadoras tomaram os seus lugares. Isabel sentia-se
bastante nervosa. Catarina parecia serena, diante da baliza.
O desafio começou.
A equipa das alunas externas estava bem treinada e
todas corriam muito bem. Ficaram logo com a bola em seu
poder e passavam-na umas às outras. Mas Isabel deu um
salto e apanhou a bola no trajecto, entre duas adversárias.
Depois começou a correr a toda a velocidade. Uma das
pequenas tentou tirar a bola da rede de Isabel, mas esta
conseguiu atirá-la para outra jogadora de Santa Clara e esta
continuou o jogo. Isabel correu mais para a frente e
novamente apanhou a bola.
Mas uma adversária muito rápida foi atrás da Isabel e
conseguiu ficar de posse da bola. Voltou logo para o outro
lado, tentando marcar um golo. Passou a bola a uma colega
que, por sua vez, a passou a uma terceira, que fez pontaria à
baliza onde se encontrava Catarina. Esta, rápida como um
relâmpago, conseguiu apanhar a bola com a sua rede e
atirou-a à Isabel que a esperava, não muito longe.
- Bem defendida, Catarina! - gritaram as alunas de Santa
Clara e a Catarina ficou toda vermelha de alegria e
entusiasmo.
O jogo foi seguindo até ao intervalo, quando distribuíram
quartos de limão pelas jogadoras cansadas e cheias de calor.
Como sabia bem chupar o sumo fresco e azedo do limão.
- Três a um - disse o árbitro. - Três para as alunas do
Externato de S. Cristóvão e um para as alunas de Santa
Clara.
- Animem-se! - gritava Belinha. - Vê se consegues mais
uns golos, Isabel!
Começou a segunda parte do desafio. Agora as
jogadoras não mantinham a mesma velocidade, pois
estavam cansadas. Mas o entusiasmo foi enorme,
principalmente quando o Santa Clara conseguiu mais dois
golos, um deles marcado por Isabel.
Catarina dava pulos de contentamento, enquanto o jogo
se passava no outro meio campo.
Já defendera sete jogadas. As pequenas continuavam a
correr, atirando a bola umas às outras, com graça e
facilidade. Catarina esperava com toda a atenção, sabendo
que iriam tentar meter mais um golo na sua baliza.
A bola chegou até ela com força e rapidez. Tentou
defender mas a bola entrou disparada, mesmo pelo canto
superior. GOLO! Quatro a três e só faltavam cinco minutos
para acabar a partida.
Então Santa Clara meteu um golo inesperadamente a
dois minutos do fim, conseguindo o empate.
- Só falta um minuto e meio! - gritou Isabel a outra
jogadora de Santa Clara, quando lhe passou a bola. - Temos
que meter outro golo e ganhar!
A bola voltou para ela. Uma rapariga do externato correu
na direcção de Isabel. Era uma pequena alta e forte. Isabel
conseguiu evitá-la, dando meia volta com a bola sempre na
sua rede. Passou-a a uma colega que voltou a atirar-lha, logo
que a encontrou em posição. Então Isabel olhou de relance
para a baliza adversária que, embora um tanto longe, estava
mesmo em frente. Valia a pena tentar! E atirou a bola com
força, atravessando o campo.
A guarda-redes tomou posição, mas não conseguiu
apanhar a bola que entrou na baliza um momento antes de
tocar o apito que terminava o desafio. As alunas de Santa
Clara gritavam a plenos pulmões! Patrícia dava voltas, como
se tivesse enlouquecido, Belinha gritava até ficar rouca e
lida e Joana batiam nas costas uma da outra, embora nem
dessem pelo que faziam.
- Viva Isabel! Ganhou o desafio mesmo a tempo! -
gritava Patrícia. - Merece todos os merengues!
Cheias de calor, cansadas e felizes, as pequenas saíram
do campo para se lavarem e prepararam-se para o lanche.
Joana correu a buscar o seu porta-moedas para ir num
instante, de bicicleta, comprar os merengues.
Mas o seu porta-moedas só tinha lá dentro algumas
moedas de cobre! Que estranho! Joana sabia muito bem que
ainda naquela manhã estavam ali guardados vinte e tal
escudos, e não gastara nada.
- Olhem! O meu dinheiro desapareceu! - exclamou,
decepcionada. - Já não posso comprar os merengues. Para
onde teria ido?
- Que esquisito! - disse a Isabel. - O meu também
desapareceu ainda há bem pouco tempo e o mesmo
aconteceu com a nota de cinquenta escudos da lida. Agora
chegou a tua vez.
- Bem, não vale a pena discutirmos o assunto neste
momento! - volveu Joana. - É preciso fazermos as honras da
casa às alunas convidadas. Mas é uma pena, por causa dos
merengues.
- Eu posso comprá-los! - disse Catarina. - vou dar-te o
dinheiro, Joana.
- Oh, não! - respondeu Joana. - Somos nós que os
queremos comprar para ti e para a Isabel por se terem
portado tão bem no desafio. Não podemos consentir que os
compres!
- Por favor, faz-me a vontade - pediu a Catarina, tirando
algum dinheiro do bolso. - Aqui tens! compra merengues
para todas!
- Tu és muito amável - disse a Joana pegando no
dinheiro. - Muitíssimo obrigada.
Joana foi-se embora de bicicleta, enquanto as outras
ficavam a preparar-se para o lanche.
- Jogaram muito bem, meninas - disse Belinha Powers. -
Defendeste alguns golos bem difíceis, Catarina. E tu
conseguiste o golo mais necessário, Isabel, embora todas as
outras jogassem igualmente muito bem.
Ficaram radiantes com os elogios da capitã da equipa.
Depois sentaram-se para o lanche e em breve como que por
encanto desapareciam as grandes pilhas de pão com
manteiga, arrufadas e bolo de chocolate. A Joana voltou daí
a pouco com uma quantidade de merengues de aspecto
delicioso. As pequenas receberam-na com grande animação.
- Obrigada, Catarina! És um amor, Catarina! exclamavam
todas e Catarina sorria encantada.
- Hoje foi um dia óptimo! - disse Isabel à Patrícia, quando
seguiam juntas para a sala, depois de terem assistido à
despedida das alunas do externato. - Foi simplesmente
maravilhoso. Tudo formidável!
- Nem tudo! - disse a Patrícia, bastante séria. Que teria
acontecido ao dinheiro da Joana? Alguém o tirou, Isabel. E
isso é tremendo. Quem poderia ter sido?
- Não consigo imaginar... - disse Isabel.
Nem as outras conseguiam. As pequenas conversaram
sobre o assunto, pensando quem se aproximara do casaco
da Joana. Ela pendurara-o num cabide no pavilhão dos
desportos e quase todas as alunas do primeiro e segundo
ano ali haviam estado. Mas não era possível que uma aluna
do Colégio de Santa Clara fosse capaz de fazer uma coisa
dessas!
- É um roubo, um verdadeiro roubo - disse a lida. - E já
não é o primeiro, pois sei de mais algumas, além da Isabel,
da Joana e de mim, a quem tem faltado dinheiro. A Belinha
também perdeu vinte escudos. Fartou-se de falar no caso,
mas nunca mais encontrou o dinheiro.
- Será alguma das criadas? - lembrou Joana.
- Não me parece... - disse a lida. - Elas já aqui estão há
vários anos. Bem, agora temos que ter cuidado com os
nossos porta-moedas.
X
UMA ALUNA CHEIA DE PROBLEMAS
Uma tarde a Rita George, uma das alunas mais velhas,
mandou chamar a Catarina para lhe dar algumas instruções
sobre uma excursão que estava a organizar. Catarina pediu a
Patrícia para acabar de dobar a lã que a Isabel lhe fizera o
favor de segurar entre as duas mãos e correu para a porta.
- Não me demoro -disse e saiu. Patrícia dobou a lã num
novelo e depois colocou-o no cesto de costura da Catarina.
Viu as horas.
- Espero que a Catarina não se demore - disse
- Temos lição de ginástica daqui a cinco minutos. É
melhor ir preveni-la. Vens comigo, Isabel?
As gémeas saíram da sala e dirigiram-se à sala de estar
da Rita, para verem se Catarina ainda ali se encontrava. Mas
quando chegaram à porta pararam, aflitas.
Alguém estava a chorar. Depois ouviram dizer:
- Peço-te por tudo que me perdoes! Por favor não digas a
ninguém! Peço-te por tudo! Por tudo!
- Meu Deus! Não te parece a voz da Catarina? - disse
Patrícia, perturbada. - Que terá acontecido?
Não se atreveram a entrar. Ficaram à espera, ouvindo
mais soluços, que faziam partir o coração, e depois a voz da
Rita, parecendo muito zangada. Mas não conseguiram
perceber o que ela dizia.
Então a porta abriu-se e a Catarina saiu, com os olhos
muito vermelhos e a cara cheia de lágrimas.
Não parava de soluçar e nem mesmo viu as gémeas.
Correu para as escadas que levavam ao seu dormitório. A
Patrícia e a Isabel ficaram a olhar
para ela.
- Deve ter-se esquecido da ginástica - disse Patrícia. -
Mas não me apetece ir avisá-la, pois é capaz de não gostar
que a vejam a chorar.
- Acho que devemos ir consolá-la - disse Isabel. -
Apanharemos uma descompostura por chegarmos tarde à
ginástica, mas não sou capaz de ver uma pessoa aflita e não
tentar ajudá-la.
Assim, resolveram subir as escadas e entraram no
dormitório. Catarina estava deitada sobre a cama, com a
cara metida na almofada, a soluçar.
- Catarina! Que aconteceu? - perguntou Isabel, pondo
uma mão sobre o ombro da Catarina. Ela sacudiu-a.
- Vão-se embora! - disse. - Vão-se embora! Não quero
que me venham espreitar.
- Não viemos espreitar-te - disse Patrícia delicadamente.
- Que se passa? Bem sabes que somos tuas amigas.
- Mas deixariam de o ser; se lhes contasse o que
aconteceu - respondeu Catarina a soluçar. - Por favor, vão-se
embora. vou fazer as malas e deixar Santa Clara ainda hoje!
- Catarina, por favor, conta-nos o que aconteceu! -
exclamou Isabel. - A Rita deu-te alguma descompostura?
Não te preocupes com isso.
- Não é por causa da descompostura que eu estou
preocupada, é por causa daquilo que eu fiz e que mereceu a
descompostura - disse Catarina. Sentou-se na cama, com os
olhos muito vermelhos e inchados. - Bem, vou-lhes contar e
depois podem ir dar a novidade a toda a gente, se lhes
apetecer. Todas farão troça de mim, mas nessa altura já aqui
não estarei!
Pôs-se de novo a chorar. Patrícia e Isabel estavam muito
preocupadas. Isabel deu um abraço à amiga. - Vá, conta-nos
- disse. - Prometo-te que não diremos nada a ninguém.
- Não acredito, não acredito! O que eu fiz é horrível! -
disse Catarina entre soluços. - Vocês nem podem acreditar.
Eu sou... eu sou... uma ladra!
- Catarina! Que ideia é essa? - perguntou Patrícia,
chocada. Catarina olhou para ela, em ar de desafio, e limpou
os olhos com as mãos, a tremer.
- Tirei todo o dinheiro que lhes tem faltado disse ela. -
Todo, até mesmo o teu, Isabel. Não suportava nunca ter
dinheiro e ver-me obrigada a dizer sempre que não, quando
se fazia um peditório; e não lhes oferecer presentes bonitos,
nos dias dos anos, e todas julgarem que eu era má, egoísta
e sovina. Tinha tanta vontade de ser generosa com todas e
que todas se tornassem minhas amigas! Gosto tanto de
oferecer coisas bonitas e ver as pessoas contentes!
As gémeas olharam para Catarina, surpreendidas e ao
mesmo tempo horrorizadas. Mal podiam acreditar no que
ouviam. Ela continuou a contar a sua desgraça, entre
soluços.
- Não tenho mãe que me mande dinheiro, como vocês
todas. O meu pai está no estrangeiro e só cá tenho uma tia
velha que me manda vinte e cinco tostões por semana.
Detesto só ter tão pouco dinheiro e um dia encontrei dez
escudos que pertenciam a uma de vocês e comprei um
presente. Aquela que o recebeu ficou tão satisfeita que eu
me senti verdadeiramente feliz. Vocês não podem imaginar
como é horrível uma pessoa querer ser generosa e não
poder!
- Pobre Catarina! - exclamou Isabel, dando-lhe um
abraço. - Ninguém se importaria nada, se tivesses dito com
franqueza que não tinhas dinheiro. Nós teríamos repartido o
nosso contigo.
- Mas eu era demasiado orgulhosa para consentir tal
coisa - disse Catarina. - E contudo não fui demasiado
orgulhosa para roubar! Agora já nem sei como tive coragem
para o fazer! Tirei o dinheiro da lida e da Belinha. Foi sempre
muito fácil. Mas esta tarde... eu... eu...
A Catarina recomeçou a chorar convulsivamente e as
gémeas sentiram-se apreensivas. - Não contes mais nada, se
não te apetece - disse a Patrícia.
- Agora que comecei, quero contar-lhes tudo. É um alívio
confessar-me - disse a pobre Catarina.
- Bem, esta tarde quando fui ao quarto de estudo da
Rita, ela não estava lá. Vi o seu casaco pendurado no cabide
e o porta-moedas meio a sair do bolso. Resolvi abri-lo, mas a
Rita entrou sem fazer barulho e apanhou-me! Agora vai fazer
queixa à directora, todas as alunas do colégio saberão que
eu sou uma ladra e eu serei expulsa, e...
Continuou a soluçar e as gémeas entreolharam-se sem
saberem o que fazer. Recordavam-se de todas as repentinas
generosidades da Catarina, os seus presentes, o lindo bolo
com rosinhas de açúcar, os belos crisântemos para a Vera, e
também se lembraram das faces coradas de Catarina e os
olhos brilhantes de felicidade quando via as amigas
apreciarem as coisas que lhes comprava.
- Catarina, vai lavar a cara e vamos todas para a aula de
ginástica - disse por fim Patrícia.
- Não quero ir - respondeu a Catarina, obstinada.
- Vou fazer as malas. Não quero ver mais ninguém. Vocês
duas foram muito boas para mim, mas bem sei que no fundo
me desprezam!
- Estás enganada, querida Catarina! - disse a Isabel. -
Temos muita, muita pena de ti e compreendemos
perfeitamente porque procedeste dessa maneira. Querias
tanto ser generosa que fizeste uma coisa mal feita para
fazer outra bem, e isso nunca é processo conveniente.
- Por favor, agora vão-se embora! - pediu a Catarina.
As gémeas saíram do dormitório. A meio do ginásio,
Isabel parou e puxou pelo braço da irmã.
- Patrícia, vamos procurar a Rita. Talvez consigamos
desculpar a pobre Catarina.
- Está bem - concordou Patrícia.
As gémeas foram à sala de estudo da Rita, mas não
estava ali ninguém.
- Que pouca sorte! - exclamou a Patrícia. - Talvez já tenha
ido falar com a miss Theobald.
- Vamos ver - disse a Isabel. Assim, dirigiram-se para os
aposentos da directora e encontraram a própria Rita George,
que ia a sair com um ar muito sério.
- Que fazem vocês aqui? - perguntou. E, sem esperar
pela resposta, continuou o seu caminho.
Patrícia olhou para Isabel.
- Foi fazer queixa a miss Theobald - murmurou.
- Tens a coragem de ir lá dentro falar com a directora
sobre o assunto? Eu acho que a Catarina não é uma
verdadeira ladra, mas se for tratada como tal, ainda um dia
roubará sem jamais se emendar. Vamos, vamos entrar.
- Bateram à porta e a directora mandou-as entrar. Ficou
surpreendida ao ver as gémeas.
- Que se passa? - perguntou. - Parecem muito graves e
sérias.
Patrícia não sabia como começar. Mas de repente as
frases sucederam-se umas às outras, contando toda a
história de Catarina, a razão por que roubara, etc...
- Mas, miss Theobald, a Catarina não gastou nem um
tostão com ela - disse Patrícia. - Tudo o que comprou foi para
nós. Na verdade tirou o nosso dinheiro, mas devolveu-o
transformado em presentes e outras coisas. Não é uma ladra
vulgar, que rouba por vício. Ela está muito aflita. Não seria
possível, miss Theobald, fazer qualquer coisa por ela e não a
expulsar do colégio? Tenho a certeza de que se esforçaria
para repor todo o dinheiro e nós duas ajudá-la-emos no que
pudermos para que nunca mais repita tão feia acção.
- Foi só por não receber quase dinheiro nenhum, que
tudo isto aconteceu. Catarina é demasiado orgulhosa para
contar o que se passava e não queria ser considerada
egoísta e sovina, pois na verdade é extraordinariamente
generosa - acrescentou a Isabel.
Miss Theobald sorriu com muita doçura.
- Minhas queridas, a vossa história é completamente
diferente da da Rita e estou satisfeita por conhecê-la. Como
é natural, a Rita considera a Catarina uma ladra vulgar.
Vocês vêem-na como ela é. Uma pequena cheia de
problemas que deseja ardentemente ser generosa e para
isso escolhe um caminho fácil, mas perfeitamente errado.
Estou convencida que nunca conseguiria que a Catarina me
desse a verdadeira explicação e seria obrigada a escrever à
tia para a vir buscar. E depois, tudo podia acontecer àquela
menina tão sensível!
- Oh, miss Theobald, então a Catarina continuará
connosco? - perguntou Patrícia, encantada.
- Claro que sim! - respondeu a directora. Primeiro preciso
falar com ela e fazer com que me confesse tudo isso. Não se
preocupem, que saberei tratar do assunto. Onde está a
Catarina?
- No dormitório, a fazer as malas - informou a Patrícia.
Miss Theobald levantou-se.
- Vou ter com ela. Agora voltem para a aula em que
deviam estar a esta hora e peçam desculpa à professora por
chegarem atrasadas, mas expliquem-Lhe que estiveram
comigo. E quero dizer-lhes mais uma coisa. Estou muito
satisfeita convosco! Vocês são bondosas e compreensivas,
duas coisas muito importantes.
Corando de satisfação, as gémeas abriram a porta para
deixar passar a directora e saíram também.
Olharam uma para a outra, radiantes.
- Não é fantástico? - disse Patrícia. - Como estou
contente por termos tido coragem de aqui vir contar tudo!
Estou convencida que agora as coisas hão-de tornar-se mais
fáceis para a Catarina.
Foram a correr para a ginástica e pediram desculpa por
chegarem atrasadas. Fartaram-se de pensar no que se
estaria a passar entre a miss Theobald e Catarina. Só
souberam à hora do lanche, quando a Catarina, com os olhos
ainda vermelhos, mas parecendo muito mais satisfeita, foi
ter com elas.
- Não me vou embora - disse. - vou aqui ficar para
mostrar a miss Theobald que sou tão bem comportada como
qualquer de vocês. Ela vai escrever à minha tia, pedindo-lhe
para que me mande mais algum dinheiro por semana e eu
devolverei tudo o que tirei. E se não puder ser tão generosa
como me apetece durante algum tempo, esperarei
pacientemente até o conseguir.
- Tens razão, e não receies que as outras não te
considerem, se não tiveres dinheiro para gastar - disse
Patrícia. - Ninguém se importa com isso. É um orgulho pateta
não se ter coragem de confessar que não se tem dinheiro. O
Catarina, estou tão contente por não te ires embora! A Isabel
e eu gostamos imenso de ti.
- Vocês têm sido umas boas amigas! - disse a Catarina
dando-lhes o braço, enquanto caminhava entre as duas. -
Deus queira que algum dia também lhes possa ser útil.
Vocês voltaram a ter confiança em mim, não é verdade? Era
horrível se assim não fosse. Não o suportaria.
- Claro que confiamos em ti - afirmou Patrícia. - Se assim
continuares, hei-de levantar cem contos do Banco e
entregar-tos-ei, para os guardares!...
XI
NOVAMENTE MISS KENNEDY
As gémeas estavam na verdade a começar a ser bem
acolhidas no Colégio de Santa Clara. Tinham-se habituado a
ser das mais pequenas em vez das mais crescidas, e já não
lhes chamavam as gémeas emproadas. A Mademoiselle
ajudara-as imenso no estudo do francês e tinham
conseguido chegar ao adiantamento das outras. Miss
Roberts achava que elas eram inteligentes e já lhes fazia
alguns elogios, o que ambas muito apreciaram.
Catarina continuava a ser a sua grande amiga. Na
verdade era uma pequena muito bondosa e, apesar de não
ter muito dinheiro para gastar, ajudava todas com a maior
generosidade. Passajara umas meias da Patrícia, colarauma
jarra da Mademoiselle que se partira, e passara o maior
tempo que pudera na enfermaria, com a Dora e a lida,
quando estiveram com gripe. Sabia perfeitamente que
nunca mais tornaria a ser desonesta e esforçava-se por não
se acabrunhar e esquecer as coisas tão feias que fizera.
Miss Kennedy passara a ter um pouco menos de
dificuldades, pois desde que fora tão simpática na noite da
ceia do dormitório, as alunas da classe das gémeas
portavam-se melhor. Mas as alunas do ano seguinte
continuavam impossíveis.
Descobriram que miss Kennedy tinha medo de gatos e
era surpreendente o número de gatos que apareciam
naquela aula.
As alunas do segundo ano agarravam todos os gatos em
que punham a vista e escondiam-nos na sala de aulas antes
da lição de História. Tinham um grande armário, que era um
esconderijo perfeito para os gatos.
Uma manhã miss Roberts sentiu-se mal. Percebeu que ia
ter gripe e foi para a cama, para se curar depressa. Por isso
a pobre miss Kennedy teve que leccionar ao mesmo tempo o
primeiro ano e o segundo. As alunas do primeiro ano foram
para a sala de aula das alunas do segundo, que era bastante
maior.
Entraram em formatura. Miss Jenks, que era a
encarregada do segundo ano, encontrava-se ali a distribuir
os lugares. - Agora fiquem sossegadas até chegar a miss
Kennedy - disse ela, e foi-se embora dar uma lição de
costura a outra classe.
Logo que miss Jenks saiu, começou uma confusão e um
barulho ensurdecedor e, com grande espanto da classe das
gémeas, apareceu um enorme gatarrão preto, vindo do
corredor, onde a Teresa, uma aluna do segundo ano, o
escondera num armário.
O gato era muito manso. Arqueava o corpo e ronronava,
levantando a cauda. As gémeas olharam para ele,
surpreendidas.
- Donde veio o gato? - perguntou a Patrícia - também é
aluno da vossa classe?
- Ah! Ah! Boa piada - disse a Paulina, fazendo uma festa
ao bichano. - Não, Patrícia, é só para assustar a Kenny. Não
sabias que ela tem imenso medo dos gatos?
- Vamos fechá-lo no nosso armário dos trabalhos
manuais e depois, quando aparecer uma boa oportunidade,
a Teresa, que fica sentada perto do armário, abre a porta e
solta o gatarrão. Vais ver como correrá direito à Kenny!
As alunas do primeiro ano começaram a rir-se. Aquilo era
uma maravilha, ainda melhor do que estalinhos no lume!
- Shiu! Ela vem aí! - disse a pequena que estava de
guarda à porta. - Todas para os seus lugares. Mete depressa
o gato no armário, Teresa!
O gato encontrou-se, de repente no armário, para sua
surpresa. Fecharam a porta. Catarina, que adorava animais,
começou a argumentar:
- Vocês acham que o gato consegue respirar bem, ali
dentro? Talvez nós...
- Cala-te! - murmurou Teresa, Nesse momento entrou
miss Kennedy, com vários livros debaixo do braço. Saudou as
pequenas e sentou-se.
Sentia-se muito nervosa, pois não gostava de dar aula a
duas classes ao mesmo tempo. Também percebeu que havia
qualquer coisa no ar, e não lhe agradaram uma ou duas
gargalhadas abafadas que lhe chegaram aos ouvidos vindas
da última fila. Um dos seus livros caiu ao chão e ela curvou-
se para o apanhar. Nessa altura o cinto abriu-se e também
caiu.
Na verdade isto não era muito engraçado, mas as alunas
das primeiras filas ficaram perdidas de riso e baixaram as
cabeças, esforçando-se por não se rirem. Miss Kennedy no
entanto percebeu que elas se estavam a rir e decidiu
mostrar-se severa, pela primeira vez.
- Qualquer aluna que perturbe a aula por se rir ou
brincar, ficará de pé durante toda a lição anunciou na voz
mais firme de que foi capaz. Todas se admiraram de ouvir a
tímida miss Kennedy fazer tal declaração e por alguns
momentos ficaram muito sossegadas.
Teresa devia soltar o gato quando a aula chegasse ao
meio, mas o bicho não esteve de acordo. Deitara-se sobre os
trabalhos guardados no armário e enrolara-se numa ráfia de
cores vivas que as pequenas usavam para fazer cestos.
Tentou desembaraçar as patas traseiras da ráfia, mas não
conseguiu.
Pôs-se em pé e agitou-se. Deu voltas e mais voltas, mas
quanto mais voltas dava mais emaranhada ficava a ráfia e
por fim sentiu-se assustado.
Desatou aos pulos na prateleira e começou a ouvir-se na
sala um barulho estranho, vindo do armário. Ao princípio
miss Kennedy não conseguiu perceber de que se tratava. As
alunas sabiam perfeitamente que era o gato e inclinaram as
cabeças sobre os cadernos, fazendo os possíveis para não
rirem.
O gato ficou excitado. Deu um salto e bateu com a
cabeça na prateleira de cima. Então começou a tentar a todo
o custo libertar-se da ráfia.
- Que está dentro daquele armário? - perguntou por fim
miss Kennedy.
- Os nossos trabalhos manuais - respondeu Teresa.
- Bem sei - disse a miss Kennedy impaciente. Mas os
trabalhos manuais não fazem barulho. Que está a causar
todo este barulho? Devem ser ratos.
Claro que não eram ratos. Tratava-se apenas do pobre
gato que estava completamente desvairado. Corria de um
lado para o outro, na prateleira, prendendo a todo o
momento as patas na ráfia.
- Isto é demais! - exclamou a miss Kennedy, zangada.
Dirigiu-se ao armário e abriu a porta. O gato assustou-se e
deu um salto, miando. Miss Kennedy deu um grito quando
viu o enorme gato preto a saltar e correu para a porta. O
gato seguiu-a, calculando que ela o ia deixar sair. Roçou
pelas suas pernas e a miss Kennedy ficou pálida de medo,
pois realmente os gatos aterravam-na.
O gato e miss Kennedy saíram juntos e fugiram em
direcções opostas. As pequenas encostaram as cabeças às
secretárias e quase choravam a rir. Os olhos da Catarina
estavam cheios de lágrimas enquanto ria às gargalhadas e
as gémeas começaram com soluços de tanto rir.
A Teresa foi fechar a porta, não fosse passar no corredor
qualquer outra professora. Durante uns bons cinco minutos
não pararam de rir. Quando paravam, uma delas
recomeçava e seguiam-se gargalhadas de todos os lados.
Era uma autêntica paródia.
- Vocês repararam quando o gato saltou? - disse a
Teresa, e todas se riram ainda mais.
- Devem ser ratos - disse a Dora, imitando a voz da miss
Kennedy. Novas gargalhadas.
- Shiu! - fez a Teresa, limpando os olhos. - Podem ouvir-
nos. Que terá acontecido à Kenny? Desapareceu
completamente. Acham que volta para continuar a lição?
Mas miss Kennedy não voltou a aparecer. Estava sentada
numa das salas de estar, deserta àquela hora, bebendo um
copo de água, ainda muito pálida. Tinha tanto medo de
gatos como certas pessoas de baratas ou morcegos, mas
não era só isso que a fazia sentir-se tão aborrecida e
desesperada. Era a ideia de que as alunas lhe haviam
pregado mais uma partida, sabendo que ela cairia na
armadilha com toda a facilidade.
“Não tinha jeito nenhum para dar aulas”, pensou miss
Kennedy, pousando o copo. “Tudo se passa muito bem,
quando só tenho uma ou duas alunas mas este lugar não é
para mim. No entanto o ordenado faz-me imenso arranjo,
agora que a minha mãe está doente. Mas não posso
continuar. Tenho que desistir...”
Decidiu ir à cidade, lanchar com uma amiga. Falaria com
ela no assunto, depois voltaria ao colégio, pediria a
demissão a miss Theobald, confessando-lhe que não
conseguia ensinar nem manter a disciplina.
Assim, foi até à cidade às quatro horas, telefonando
primeiro à sua amiga miss Roper, para se encontrarem numa
pastelaria.
E nessa mesma pastelaria estavam a lanchar as gémeas
e a Catarina. A pastelaria estava dividida em pequenos
compartimentos, separados por cortinas vermelhas e as
pequenas já ali se encontravam saboreando scones com
manteiga, quando miss Kennedy entrou com miss Roper.
As senhoras escolheram o compartimento ao lado do das
pequenas. As alunas não podiam ver a professora mas
ouviam-na perfeitamente.
E reconheceram logo a voz de miss Kennedy!
- Atenção! É a Kenny. Até aposto que vai contar a história
do gato preto! - murmurou Catarina. As pequenas não
tinham intenção de escutar, mas não podiam deixar de ouvir
o que se dizia. E, tal como pensavam, miss Kennedy pôs-se a
falar dos acontecimentos daquela manhã.
Mas também falou de outra coisa, da sua velha mãe,
doente e necessitada; do dinheiro que o lugar de professora
lhe rendia; das contas que tinha de pagar. Falava com
tristeza na sua falta de jeito para se impor às alunas.
- É desonesto - disse ela à amiga. - Recebo um ordenado
para ensinar as alunas do colégio e elas não aprenderam
nada, só porque não consigo discipliná-las. Pregam-me
partidas e fazem troça de mim durante todo o tempo. Não te
parece que devo confessar isto à directora, Clara? Não é leal
da minha parte deixar uma aula, só porque fazem pouco de
mim. A miss Lewis, a professora de História que substituí,
não deve poder voltar até ao fim do próximo período, e não
vejo como possa ocupar o seu lugar até essa altura.
- Mas precisas tanto do dinheiro para ajudares a tua mãe
enquanto ela estiver doente! - lembrou a miss Roper. - É
pouca sorte, minha querida amiga. As tuas alunas devem ser
insuportáveis.
As três pequenas ouviam, sem proferirem uma palavra.
Estavam muito aflitas. Aquilo que até ali só lhes parecera
uma divertida brincadeira, significava para a professora o
perder um lugar, não podendo ajudar a mãe doente, além de
sofrer o seu sentimento de incapacidade como professora.
- Vamo-nos embora - disse a Patrícia, em voz baixa. - Não
devemos ouvir esta conversa.
Conseguiram sair sem serem vistas por miss Kennedy,
pagaram a conta e voltaram para o colégio. Sentiam-se
bastante tristes. Não podiam consentir que miss Kennedy
pedisse a demissão. Era fraca e tímida em muitas coisas,
mas boa pessoa e cheia de qualidades. E elas, as alunas,
eram insuportáveis.
- Sabem, sinto-me péssima! - declarou Catarina,
sentando-se na sala de estar. - Não estou a gostar nada de
mim, neste momento. Achei imensa graça à brincadeira
desta manhã, mas uma brincadeira deixa de o ser, quando
significa tristeza e infelicidade para alguém.
- Temos que evitar que miss Kennedy vá ter com miss
Theobald - disse Patrícia de repente. Seria horrível. É preciso
fazer qualquer coisa. Pensem bem!
Isabel olhou para as companheiras. - Só há realmente
uma coisa a fazer - disse ela. - Devemos pedir a toda a nossa
classe para assinar uma carta e o segundo ano também,
pedindo desculpa da partida que fizemos e garantindo que
nunca mais seremos endiabradas na aula de História. E
teremos que cumprir o prometido.
- Não é nada má ideia! - concordou Patrícia. Catarina, vai
ao segundo ano, que deve estar numa reunião e conta
resumidamente o que se passou. vou escrever a carta e
depois cada uma de nós deve assiná-la.
Catarina saiu. Patrícia pegou numa caneta e num bloco
e, com a ajuda da Isabel, escreveu a carta. Dizia assim:
Querida miss Kennedy,
Estamos muito envergonhadas por causa do nosso
comportamento desta manhã e pedimos-lhe que aceite as
nossas mais humildes desculpas. Não sabíamos que o gato
lhe ia saltar para cima. Por favor, perdoe-nos. Se assim
acontecer, prometemos que nunca mais pregaremos
partidas, portar-nos-emos bem e estudaremos com atenção.
Nós achámos que foi formidável por não ter feito queixa
de nós acerca “daquilo que sabe”. Com toda a consideração,
e seguiam-se os nomes das alunas, cada qual assinado pela
própria.
Depois chegaram as alunas do segundo ano e uma a
uma, todas assinaram os seus nomes.
- O que é “aquilo que sabe”? - perguntou a Teresa, com
curiosidade.
- A nossa ceia da meia-noite - explicou Patrícia. - Ela
sabia o que tínhamos feito e não disse a ninguém. Agora, já
todas assinaram? Faltas tu, Lena. Escreve o teu nome aqui
no fim.
Todas as pequenas se tinham sentido envergonhadas
quando Catarina lhes contou, o que soubera na pastelaria.
- Vocês não deviam ter ficado à escuta - disse lida,
censurando. - Não é bonito escutar seja o que for.
- Bem sei! - concordou Patrícia. - Mas na verdade não
podíamos proceder de outra maneira, lida. E de qualquer
forma ainda bem que o fizemos. Assim podemos impedir que
miss Kennedy perca o seu lugar.
Realmente conseguiram impedir que a miss Kennedy
fosse falar com a directora, quando chegou da cidade. Viu a
carta na secretária e abriu-a. Quando a leu, grossas lágrimas
saltaram-lhe dos olhos.
“Que carta tão simpática”, pensou. “Afinal as pequenas
não são tão insuportáveis como parecem. Se ao menos
mantiverem a sua promessa... Bem gostaria então de as
ensinar.”
Na manhã seguinte agradeceu a cada uma das classes e
disse que lhes perdoava. E pela primeira vez naquele
período, a sua aula decorreu tão bem como a de qualquer
outra professora, pois as pequenas não tinham intenção de
quebrar a sua palavra.
De vez em quando ainda se ouvia uma ou outra
gargalhada, uns papelinhos voavam de umas carteiras para
as outras, mas não havia partidas organizadas nem faltas de
educação.
Miss Kennedy sentia-se feliz. Agora ensinava muito
melhor, pois já não tinha que pensar nas partidas e as
alunas passaram a interessar-se pela matéria e a prestarem
atenção.
- Estou satisfeita por termos feito aquilo que devíamos -
disse Patrícia, um dia, depois da aula de História. - Hoje
perguntei a miss Kennedy como estava a mãe. Ela
respondeu-me que está muito melhor e amanhã já sai da
casa de saúde. Seria horrível se ela tivesse morrido por
termos feito com que a Kenny perdesse o emprego e a mãe
não pudesse ser tratada convenientemente.
- Horrível! - concordou Isabel. E todas as companheiras
pensaram o mesmo.
XII
UM VIDRO PARTIDO E UM CASTIGO
Uma certa manhã lida entrou na sala de estar, muito
entusiasmada.
- Já sabem que vai armar-se um circo mesmo na entrada
da cidade? Vi há pouco o anúncio!
- Esperemos que nos deixem lá ir - disse Patrícia que
adorava circo.
- É o Circo Galliano - contou lida e tirou um prospecto da
algibeira. - Ora vejam, palhaços, acrobatas, cavalos, cães,
tudo! Queira Deus que miss Theobald nos deixe lá ir.
A Directora deu autorização. Decidiu que cada noite
poderiam ir duas classes, com as respectivas professoras. O
primeiro ano ficou entusiasmado. Patrícia, Isabel, Catarina e
Joana foram à cidade e leram os grandes cartazes coloridos,
que se viam afixados por toda a parte.
Parecia um óptimo programa. As pequenas foram
observar as enormes barracas armadas no campo.
Debruçaram-se sobre a cancela e estiveram a ver os cavalos
de pêlo acetinado a galoparem em círculo e viram cinco
ursos a passearem com o seu treinador. Viram também um
grande chimpanzé vestido com calças e camisola dando a
mão a um rapazinho, seguido por um cão.
- Olhem para aquele enorme macaco! - exclamou Isabel.
- O Sam não é um macaco, é um chimpanzé - disse o
rapaz, sorrindo. - Aperta a mão a estas meninas, Sam!
O grande chimpanzé estendeu a mão às pequenas.
Isabel e Catarina tiveram medo, mas Patrícia estendeu logo
a sua. O Sam apertou-a com vivacidade.
- Vêm assistir ao nosso espectáculo? - perguntou o rapaz.
- Vimos - respondeu a Patrícia. - Também faz parte do
circo? Qual é o seu papel?
- Sou o Quim Brown e faço um número com o meu
famoso cão, o Lucky. Aqui está ele. Sabe escrever e contar.
- Oh, não! Os cães não podem fazer isso! disse Isabel.
O Quim riu-se. Mas o meu sabe. Hão-de vê-lo quando cá
vierem. Olhem, estão a ver aquela rapariga ali, montada no
cavalo preto? É a Lotte. Também a hão-de aplaudir no
espectáculo. Consegue montar o cavalo mais bravo do
mundo.
As pequenas olharam para Lotte. Galopava pelo campo,
num lindo cavalo negro. Quando se aproximou, pôs-se de
repente em pé em cima do cavalo e disse adeus às três
pequenas que ficaram muito admiradas!
- Mas que habilidosa! - exclamou Patrícia. Gostava
imenso de saber montar assim. Ela nunca cai?
- Nunca! - disse o Quim. - Bem, tenho que me ir embora.
Vamos, Sammy! Nós havemos de procurá-las às quatro,
quando vierem assistir ao espectáculo.
Afastou-se com o chimpanzé e o cãozinho.
As pequenas voltaram para o colégio. Estavam mortas
porque chegasse a noite em que o primeiro e o segundo ano
iriam ao circo.
- Há dois espectáculos todos os dias - lembrou Patrícia. -
O primeiro, das seis e trinta às oito e trinta, e o outro das
oito e quarenta e cinco às dez e quarenta e cinco. Gostava
que fôssemos ao segundo. Seria divertido irmos para a cama
às onze horas.
- Não teremos essa sorte - disse Isabel. Caminhemos
depressa, para não chegarmos atrasadas.
Mas um enorme aborrecimento esperava o primeiro ano
na manhã seguinte. Entraram na sala da aula, conversando
como de costume, e viram que um grande vidro da janela do
meio estava todo partido! Miss Roberts encontrava-se
sentada à secretária, com ar severo.
- Santo Deus! Como é que a janela está partida? -
perguntou Joana, surpreendida.
- É isso mesmo que eu quero saber! - disse a miss
Roberts. - Quando estava na sala das professoras ouvi
barulho e vim ver de que se tratava, ouvi passos a correr
pelo corredor e quando aqui cheguei vi o vidro partido!
- Quem foi? - perguntou Patrícia.
- Não sei! - respondeu a miss Roberts. - Mas foi isto que
quebrou a janela.
- E a miss Roberts mostrou uma bola de borracha dura,
daquelas com que jogavam o lacrosse. - Encontrei-a ainda a
rolar pelo chão, quando entrei. Alguém deve ter estado a
brincar com ela na sala da aula, partindo o vidro. Como
sabem é contra o regulamento tirar bolas de lacrosse do
armário do ginásio, a não ser quando vão jogar uma partida.
Todas ouviram em silêncio. Sentiram-se um tanto
culpadas quando miss Roberts mencionou que era contra o
Regulamento as bolas de lacrosse saírem do ginásio, pois
ninguém respeitava essa regra. Todas as alunas iam de vez
em quando ao ginásio buscar uma bola para brincar no
recreio.
- Agora - disse miss Roberts - quero saber quem foi a
menina que partiu o vidro. Que se apresente já ou vá ter
comigo no intervalo. Claro que ela se devia ter acusado logo
que quebrou o vidro, mas é muito natural que, num
momento de susto, tenha fugido.
Ninguém disse nada. Todas ficaram sentadas, imóveis.
Nem olharam umas para as outras. Miss Roberts examinava
cada uma das filas de alunas, para ver se descobria uma
expressão de culpa.
Mas como metade das pequenas coraram, de nervoso,
nada conseguiu. Praticamente toda a classe parecia culpada
e pouco à vontade. Sempre assim acontecia quando
qualquer coisa corria mal.
- Bem - disse por fim miss Roberts. - É evidente que a
culpada não se vai agora acusar. Deve ir ter comigo sem
falta, no intervalo. Sei que todas vocês têm o sentido da
honra e nenhuma é cobarde. Por isso tenho a certeza que a
culpada terá coragem suficiente para ir ter comigo. Estarei
na sala sozinha.
Ninguém disse uma palavra. Uma ou duas olharam em
volta e todas queriam saber quem seria a culpada. Patrícia e
Isabel sorriram nervosamente, uma para a outra. Tinham
andado juntas desde o pequeno-almoço, por isso bem
sabiam que nenhuma delas partira o vidro!
Começou a primeira lição. Era matemática. Miss Roberts
não estava nada bem disposta e ninguém se atreveu a
trocar uma palavra. Cabeças loiras e escuras inclinavam-se
com atenção sobre os cadernos e quando a professora dava
qualquer ordem, era prontamente obedecida. Todas sabiam
como era perigoso contrariar miss Roberts quando estava de
mau humor.
Depois da aula de matemática, tiveram francês.
Mademoiselle entrou na sala e exclamou, ao ver a janela
quebrada.
- O vidro está partido. Como é que isto aconteceu?
- Não sabemos, Mademoiselle - disse a lida. Ainda
ninguém se acusou.
- Isso é abominável! - exclamou a Mademoiselle, olhando
em redor, com os seus grandes olhos negros.
- Que cobardia!
As alunas não responderam. Sentiam-se pouco à
vontade. Era desagradável saberem que entre elas se
encontrava uma cobarde. Mas talvez a culpada se fosse
acusar no intervalo. Quem seria?
Patrícia e Isabel fartaram-se de pensar. Não podia ser a
Joana, nem a lida, pois eram as duas muito corajosas e
acusavam-se logo, quando faziam qualquer disparate. Não
podia ser a Catarina, porque estivera sempre com elas. Seria
a Vera, ou a Célia, ou a Dora ou a Josefina? Não, certamente
não seria nenhuma delas! Não eram cobardes!
No intervalo as alunas do primeiro ano reuniram-se para
discutir o assunto.
- Não fomos nós - disse a Patrícia. - A Isabel e eu
estivemos juntas desde o pequeno-almoço, até entrarmos na
aula. E a Catarina esteve connosco.
- Eu também não! - disse a lida. - Estive a fazer um
trabalho para a Rita.
- Eu não fui - disse a Joana. - Estive a limpar a gaiola dos
passarinhos e a Dora ajudou-me.
Uma por uma, as alunas do primeiro ano foram dizendo o
que haviam estado a fazer entre o pequeno almoço e a
primeira aula. Dava ideia que nenhuma delas podia ter
quebrado o vidro da janela, embora alguma pudesse não
estar a ser verdadeira!
Depois do intervalo as pequenas ocuparam os seus
lugares na aula. Miss Roberts entrou, apertando os lábios e
com uma expressão fria nos seus olhos cor de avelã. Olhou
em redor.
- Tenho muita pena de dizer que ninguém se foi acusar -
disse ela. - Por isso tive que pôr miss Theobald ao corrente
do assunto. Ela concordou em que o vidro deve ser pago
entre todas, visto a culpada não se acusar. A janela tinha um
vidro especial e a sua substituição custa duzentos escudos.
Miss Theobald decidiu que em vez de as deixar ir ao circo, o
que lhes custaria dez escudos a cada, o dinheiro servirá para
o vidro da janela.
Todas as pequenas soltaram uma exclamação de pesar.
Não irem ao circo! Era uma notícia terrível! Olharam umas
para as outras, aborrecidas e contrariadas. Porque havia de
sofrer toda a classe, quando uma só aluna fizera uma coisa
mal feita? Não parecia justo.
- Estou convencida que quem quebrou a janela não quer
ver a classe toda castigada - continuou miss Roberts. - Por
isso espero que ainda se acuse antes de chegar a noite em
que esta classe deveria ir ao circo, ou seja na próxima
quinta-feira. E confio em que se alguma de vocês sabe quem
é a culpada, deve insistir com ela para que cumpra o seu
dever perante a sua classe.
- Mas, miss Roberts, suponha que ninguém se acusa -
começou a lida. - Podemos dar dez escudos cada uma para o
vidro e mesmo assim irmos ao circo?
- Não! - disse miss Roberts. - Não quero discussões, lida.
O que eu disse não será alterado. Abram os livros na página
oitenta e dois, por favor.
Nem se pode imaginar a agitação que se produziu depois
das aulas da manhã, no recreio antes do almoço! As
pequenas estavam indignadas!
- É uma vergonha! - exclamou Joana. - Eu não fui, nem tu
Patrícia, nem a Isabel. E nós bem o sabemos. Então porque
havemos de também ser castigadas?
- É costume nos colégios fazer com que toda a classe
seja castigada em casos semelhantes - disse a lida. - Passou-
se o mesmo no colégio do meu irmão, embora não aconteça
muitas vezes. Não percebo muito bem a lógica deste
procedimento, mas é assim mesmo. Se ao menos
soubéssemos quem é a culpada! Garanto-lhes que a
agarrava pelo pescoço e abanava-a toda!
- E se uma de nós se fosse acusar, para as outras
poderem ir ao circo? - propôs de repente Catarina. - Não me
importo de pôr as culpas para cima de mim. Assim todas
vocês podem ir.
- Não sejas palerma! - exclamou Patrícia, dando o braço
a amiga. - Como se nós consentíssemos que fizesses uma
coisa dessas!
- Suponho que não foste tu, Catarina! - disse a Célia, a
brincar.
- Claro que não foi! - exclamou Isabel. -Esteve comigo e
com a Patrícia toda a manhã. É muito simpático da parte da
Catarina querer ficar com toda a culpa, mas nem pensar em
tal coisa. Se eu soubesse que ela se tinha acusado para nos
salvar, iria logo ter com miss Roberts e garantia-lhe que a
Catarina não podia ter feito nada!
- Está bem - disse Catarina. - Não me acusarei claro, se
vocês não concordam. Se conseguíssemos saber qual de nós
é a culpada!
Passou-se toda a terça-feira e toda a quarta. Ninguém se
acusou. Quando chegou a quinta-feira, miss Roberts
informou a classe de que o segundo ano ia ao circo, mas o
primeiro não. As pequenas protestaram.
- Tenho muita pena - disse miss Roberts. - É pouca sorte.
Espero que a culpada se sinta extraordinariamente infeliz e
cheia de remorsos. Agora não quero ouvir mais protestos.
Vamos continuar a lição de geografia!
XIII
AS QUATRO ENDIABRADAS
Naquela tarde, depois do lanche, quatro alunas do
primeiro ano tiveram uma reunião num dos pequenos
compartimentos das lições de música.
Tratava-se das gémeas, a Catarina e a Joana. Estavam
todas furiosas por não poderem nessa noite assistir ao
espectáculo de circo.
- Temos que ir! - repetia Joana, - Conseguiremos escapar-
nos às oito menos um quarto e, se montarmos nas nossas
bicicletas sem ninguém dar por nós, seguiremos pelo lado do
campo de lacrosse. Voltaremos sem novidade a meio da
noite.
- Mas as portas do colégio são todas fechadas à chave,
às dez horas - lembrou Catarina. - E se arranjássemos uma
escada de mão? Está uma encostada à arrecadação do
jardineiro. Será fácil, servindo-nos dela, entrarmos pela
janela do nosso dormitório.
- Pois sim, mas na manhã seguinte todos veriam a
escada encostada à parede do dormitório - lembrou Isabel.
- Valha-me Deus, para que lhes servem os miolos? -
suspirou Joana. - Uma de nós pode subir pela escada e
depois abrir a porta das traseiras, para as outras. Iremos pôr
a escada no seu lugar, junto da arrecadação, antes de
entrarmos. Perceberam ou é preciso repetir tudo outra vez?
Todas se riram. A Joana era engraçada quando ficava
impaciente.
- Estou a perceber - disse Patrícia. - Mas se somos
apanhadas? Nem quero pensar no que nos poderia
acontecer!
- Então não penses - ripostou Joana. - Porque não
seremos apanhadas! Miss Roberts nunca acende a luz
quando vai à noite ao nosso dormitório. Por esse lado
estaremos em segurança. No entanto, é preciso prevenir a
Lida. Ela não poderá vir connosco porque é a chefe de turma
e não pode infringir as regras, mas não nos impedirá de
sairmos.
Na verdade lida não as impediu.
- Está bem - disse ela. - Arrisquem-se, se assim o
desejam. Mas peço-lhes por tudo que não sejam apanhadas!
O segundo ano saiu para o circo, com a miss Jenks. O
primeiro ano ficou no colégio, todas aborrecidas e um tanto
revoltadas. Só as quatro amigas que tinham resolvido
assistir à segunda sessão, pareciam animadas e divertidas. A
maioria das alunas do primeiro ano sabia do plano da Joana,
mas mais ninguém se atreveu a acompanhá-las.
- Se forem apanhadas, são capazes de ser expulsas -
avisou a Dora. - Não me admirava nada.
- Não seremos expulsas e não seremos apanhadas -
disse Joana com firmeza.
Quando chegou a altura, as quatro amigas vestiram os
casacos, puseram os chapéus e saíram à sucapa pela porta
das traseiras. Lá fora estava escuro, mas o céu não tinha
nuvens. Quando voltassem deveria haver luar. Foram de
mansinho até a arrecadação das bicicletas.
- Que barulho que fazem as bicicletas! - murmurou
Joana, enquanto montavam. - Agora descemos pelo caminho
que passa pelo campo de lacrosse.
Lá foram elas, com os faróis das bicicletas brilhando na
escuridão. Quando chegaram perto do circo, viram muitas
pessoas a sair. Deviam ter assistido à primeira sessão.
- Cuidado! Escondam-se atrás da cerca até ter passado
toda a gente! - ordenou a Joana - Não podemos esbarrar com
miss Jenks!
Esconderam-se, até passar o perigo. Depois deixaram as
bicicletas encostadas à cerca e dirigiram-se ao portão por
onde já estavam a entrar pessoas, à luz de lâmpadas de
acetilene. As pequenas pagaram os bilhetes e dirigiram-se à
enorme barraca do circo. Em breve se sentavam nos seus
lugares, lá muito no fundo, para não serem vistas. Tiraram
os chapéus do uniforme.
O espectáculo era óptimo. Viram a tal rapariga chamada
Lotte, agora com um vestido todo a brilhar, montando sem
selim, pondo-se em pé em cima do cavalo, ajoelhando-se,
saltando, sempre a sorrir. Viram o Quim com o seu cão Lucky
e nem percebiam como o cão podia ter sido treinado para se
mostrar tão habilidoso. Riram-se imenso com as graças dos
palhaços e com os espantosos acrobatas. Também
simpatizaram com o senhor Galliano;com o seu chicote a
estalar e grandes bigodes. O espectáculo era excelente e as
quatro pequenas divertiram-se desde o princípio ao fim.
- É melhor sairmos um pouco antes de acabar disse
Joana, observando o Sara Chimpanzé, que se despia com
toda a serenidade e enfiava um pijama. Não é engraçado?
Olha, agora vai meter-se na cama!
Um pouco antes do espectáculo terminar as pequenas
saíram, sem darem nas vistas. Toda a gente estava muito
interessada a observar os cinco ursos que jogavam às
estátuas com o seu domador.
- Todos deitados no chão! - gritava o domador, e no
momento em que as pequenas saíram, os cinco ursos
deitaram-se no chão, como se fossem crianças!
- Que belo espectáculo! - disse Joana, enquanto se
dirigiam ao sítio onde haviam deixado as bicicletas. - Onde
está a minha bicicleta? Oh, aqui está!
Montaram e pedalaram na direcção do colégio. A lua
brilhava, iluminando o caminho. Em breve chegavam ao seu
destino. Guardaram as bicicletas, fazendo o menor barulho
possível e depois, com os corações a bater com força, foram
até à arrecadação do jardineiro onde se encontrava, junto à
parede, a tal escada de mão.
Sentiam-se bastante nervosas. E se fossem apanhadas
naquela altura? Seria horrível! Mas não, não apareceu
ninguém. Via-se apenas uma luz pálida, vinda do quarto de
uma das professoras no lado direito do edifício. Eram cerca
das onze horas e todas as alunas e professoras deviam estar
a dormir.
Procuraram a escada. Encontraram duas, uma mais
pequena e outra muito maior. Joana apontou para a mais
pequena.
- Acho que esta deve chegar! - disse ela. As quatro
companheiras levaram-na até ao sitio onde as janelas do
dormitório brilhavam à luz do luar.
Encostaram a escada à parede, mas com grande
decepção verificaram que nem chegava ao parapeito da
janela!
- Que azar! - exclamou Joana. - Ora reparem! è
demasiado perigoso tentarmos trepar para o parapeito, do
cimo da escada, pois fica muito abaixo da janela. Bem,
vamos levá-la para o seu lugar e é preciso trazermos a
outra. Acho que essa até chega ao telhado!
Levaram a escada pequena e deitaram-na no sítio donde
a haviam retirado, sem fazerem barulho, mas então
perceberam que não conseguiam carregar com a escada
grande! Era terrivelmente pesada e precisava de dois ou três
jardineiros para a transportar! As quatro amigas mal
conseguiam erguê-la, quanto mais porem-na a pino e
encostarem-na à parede!
Entreolharam-se, muito embaraçadas.
- Que vamos fazer agora? - perguntou Isabel, com a voz
a tremer. - Não podemos passar a noite aqui fora.
- Claro que não, pateta! - disse Joana. - Vamos
experimentar todas as portas. Talvez uma delas não esteja
fechada à chave. Animem-se!
Foram andando à roda do edifício, experimentando todas
as portas, mas encontraram-nas todas fechadas à chave e
bem trancadas. As criadas não eram descuidadas!
Catarina começou a chorar. Não queria ser apanhada,
pois esforçava-se por merecer a consideração de miss
Theobald, desde que fora perdoada pela sua grave falta. E
de repente pareceu-lhe horrível estar lá fora, enquanto as
outras dormiam.
- Seremos descobertas de manhã - murmurou ela. - E
apanharemos umas constipações de morte, se ficarmos aqui
fora.
- Cala-te e não sejas tão acriançada - disse Joana,
zangada.
- Já sei o que vamos fazer! Vamos atirar umas pedrinhas
à janela do nosso dormitório - lembrou Patrícia. - Hão-de
fazer barulho e talvez uma das nossas companheiras acorde.
Então poderá descer as escadas e abrir-nos a porta.
- Boa ideia! - aprovou Joana. - Apanhem todas as
pedrinhas pequenas.
Escolheram várias pedrinhas e começaram a atirá-las.
Mas Catarina tinha muito má pontaria e as suas pedrinhas
foram bater noutra janela, a que ficava por cima do
dormitório, onde dormia a Mademoiselle! E a professora de
francês acordou!
- Depressa! Escondam-se na sombra! - murmurou a
Joana, aflita. - Idiota, acertaste na janela da Mademoiselle!
A cabeça escura da Mademoiselle apareceu à janela e
ouviram-na dizer qualquer coisa para consigo. Estavam
todas juntas, a um canto, mal se atrevendo a respirar,
aterradas com a ideia que a Mademoiselle as pudesse
descobrir. Mas as sombras eram muito escuras e a
Mademoiselle não viu nada de anormal. Intrigada e
bocejando, voltou para a cama. As pequenas ficaram no
mesmo sítio durante alguns minutos e depois começaram a
falar baixinho.
- Isto é horrível! Simplesmente horrível. Que vamos
fazer?
- Quem me dera não ter ido ao circo!
- Tenho tanto frio que sinto os dentes a bater. De repente
Patrícia agarrou o braço da Isabel e murmurou:
- Repara, repara, não está alguém a espreitar pela janela
do nosso dormitório?
Todas olharam para cima e na verdade via-se a cabeça
duma companheira a espreitar pela janela. Patrícia saiu da
sombra e mostrou-se à luz do luar. Ouviram então a voz da
lida, num murmúrio:
- Patrícia! É tardissimo! Onde estão as outras?
- Aqui - murmurou Patrícia. - As escadas não podem
servir. Vai abrir a porta das traseiras para nós entrarmos!
Depressa! Estamos cheias de frio!
A cabeça da lida desapareceu. Um minuto mais tarde as
pequenas ouviram a chave da porta das traseiras dar a
volta, a tranca a ser retirada e a porta abriu-se! Entraram
sem fazer barulho e a lida voltou a fechar a porta à chave e
a trancá-la.
Todas subiram as escadas, tão silenciosas como ratinhos,
com os sapatos na mão, acabando por entrar no dormitório.
Uma vez ali, atiraram-se para cima da cama da Joana, e
começaram os risos abafados, sentindo-se nervosas e ao
mesmo tempo aliviadas.
Contaram à lida tudo o que se passara. A Dora acordou e
juntou-se ao grupo. As quatro endiabradas sentiam-se muito
melhor, agora que já estavam fora de perigo e gabavam-se
da sua aventura.
- Ouviste as nossas pedrinhas baterem na janela, lida? -
perguntou Joana. - Porque apareceste à janela?
- As vossas pedrinhas foram bater no chão - disse lida,
rindo-se. - A janela tinha ficado aberta para vocês entrarem
com facilidade. Acordei com o barulho das pedras a baterem
no encerado. Ao princípio não percebi do que se tratava.
Depois acendi a minha lanterna de algibeira e vi as
pedrinhas. Temos que as varrer de manhã.
Joana bocejou.
- Estou cansadíssima - disse ela. - O circo foi fantástico.
Só tenho pena que não tenhas ido, lida.
- Também eu - concordou lida. - Agora dispam-se
depressa. E não façam barulho, para não acordarem a
Mademoiselle. Lembrem-se que o seu quarto fica mesmo
aqui por cima. - Bem o sabemos! - disse Patrícia, rindo,
recordando a cabeça da Mademoiselle a espreitar na janela.
- Onde está a minha camisa de dormir? Para onde teria ido?
- Como a podes encontrar na minha cama, idiota? - disse
Isabel que já se despira e enfiara o roupão.
- Estás cheia de sono. A tua cama é ali, e a tua camisa
de dormir está em cima da almofada.
- Tens razão - disse Patrícia, bocejando. Apetece-me
dormir mesmo vestida!
Em breve o dormitório estava novamente em silêncio e
todas as alunas adormeceram. As quatro amigas
endiabradas dormiam em paz, mas no dia seguinte iriam ter
uma grande surpresa!
XIV
UMA GRANDE DECEPÇÃO
No dia seguinte as quatro endiabradas estavam cheias
de sono. Custou-lhes imenso a acordar. Quando tocou a
campainha nenhuma se levantou.
- Joana! Catarina! Não tencionam mexer-se? - disse a
lida. - Vão chegar atrasadas. E olha para aquelas gémeas
preguiçosas. Ainda nem abriram os olhos!
- Só mais cinco minutos - murmurou Patrícia, ensonada.
Mas os cinco minutos prolongaram-se até dez e as quatro
continuavam deitadas. A lida fez um sinal à Dora e as duas
foram de mansinho até as camas das outras e puxaram pela
roupa de maneira que elas caíram no meio do chão!
- Ooooh! - exclamaram as pequenas arrepiadas, pois
estava uma manhã muito fria. - Vocês são más!
- Depressa, levantem-se, se não querem apanhar uma
descompostura - disse a lida. E cheias de preguiça as quatro
amigas arranjaram-se, sempre a bocejar. Animaram-se um
pouco quando as colegas as rodearam perguntando-lhes o
que acontecera na noite anterior. Então sentiram-se quase
umas heroinas, ao contarem a sua aventura.
- Esta manhã não me apetece nada ir às aulas disse
Joana. - Hoje temos lição de álgebra com a miss Roberts, não
é? Sempre foi uma coisa para que não tivesse jeito nenhum,
então hoje não devo perceber mesmo nada. Espero que ela
esteja bem disposta.
As alunas foram para a sala de aula e ocuparam os seus
lugares. Joana abriu o livro de álgebra na página que devia
ter estudado e leu apressadamente o capitulo que lhe
interessava. Dava-lhe a impressão que se esquecera de
tudo, mas era devido ater dormido tão pouco.
- Lá vem a miss Roberts - disse a Dora, que estava à
porta. As pequenas puseram-se em pé. Miss Roberts entrou.
O que teria acontecido? Estava muito contente, com os olhos
brilhantes, até parecia mais bonita.
- Sentem-se, meninas - disse ela e as pequenas
obedeceram, intrigadas por a professora parecer tão
satisfeita. Teriam feito algum exercício maravilhoso ou
qualquer coisa assim?
- Meninas - começou miss Roberts. - Esta manhã sinto-
me muito contente. Descobri que não foi nenhuma aluna da
minha classe que quebrou o vidro da janela.
As pequenas olharam para a professora, admiradas. Miss
Roberts sorriu.
- Foi uma aluna do segundo ano - disse ela. Parece que a
bola saltou para dentro desta sala, a pequena correu atrás,
tentando apanhá-la, mas bateu com força na janela,
partindo-se o vidro.
- Mas porque não se acusou? - perguntou a lida,
indignada. - Foi indecente! Deixámos de ir ao circo por causa
dela!
- Esperem - disse miss Roberts. - A culpada foi a Joaquina
Hobart, que como vocês sabem está na enfermaria com uma
forte gripe. Ficou assustada quando partiu o vidro, mas
tencionava acusar-se no fim da manhã. Mas a meio da
manhã sentiu-se doente e mandaram-na para a enfermaria,
onde tem permanecido desde então. Hoje está melhor e a
sua professora miss Jenks foi visitá-la.
- E então? o! Acusou-se? - perguntou a Joana.
- A miss Jenks contou-lhe que o segundo ano fora ao
circo na noite passada, mas o primeiro ano ficara de castigo.
A Joaquina quis saber o motivo - continuou miss Roberts. -
Quando soube que todas vocês tinham sido castigadas por
uma coisa que ela tinha feito, ficou muito aflita e pôs-se a
chorar. Claro que confessou tudo a miss Jenks e esta veio-me
contar.
- Estou satisfeita por não ter sido ninguém da nossa
classe - disse lida. - Detestava pensar que entre nós havia
uma tão grande cobarde!
- Também eu não compreendia tal coisa - disse miss
Roberts. - Julgo conhecê-las bastante bem e, embora às
vezes sejam muito estúpidas, muito irritantes, enfim,
insuportáveis, custava-me a crer que alguma se mostrasse
cobarde.
Miss Roberts riu-se enquanto dizia as últimas frases e
toda a classe se riu também. Sentiam-se todas muito
aliviadas.
- Então agora já podemos ir ao circo? - perguntou a lida. -
Ainda há espectáculo hoje e amanhã.
- Sem dúvida - disse miss Roberts. - Miss Theobald
decidiu que irão amanhã. E para compensar o castigo que
realmente não mereciam, iremos primeiro tomar chá a uma
pastelaria da cidade, um chá oferecido pelo colégio. Que tal
lhes parece?
As pequenas acharam uma óptima ideia. Soltaram
exclamações de alegria, esfregaram as mãos de
contentamento, e mostraram-se radiantes. Primeiro um
belíssimo lanche e depois um espectáculo de circo! Seria
divertidíssimo! Logo na última noite do circo! Que sorte a
Joaquina se ter acusado a tempo!
Mas havia quatro alunas que se sentiam muito pouco à
vontade, ou seja, as gémeas, Catarina e Joana. Já tinham
visto o espectáculo.
Olharam umas para as outras e sentiram-se cheias de
culpas! Porque não tinham esperado?
Foram falar no assunto à lida depois da aula. Estamos
bastante atrapalhadas. Achas que também devemos ir
amanhã? - perguntou Patrícia.
- Bem, se não forem, que desculpa conseguem arranjar?
- lembrou a lida. - Mas já que me perguntam, quero dizer-
lhes que acho que não deviam ir. já se divertiram, indo
contra o regulamento. Claro que toda a gente de vez em
quando faz uma coisa contra o regulamento, por isso não
estou a censurá-las, mas parece-me que não é justo que se
vão divertir outra vez. Eu também me sentiria tão
atrapalhada como vocês. Mas se disserem a verdade a miss
Roberts, nem sei o que lhes pode acontecer.
- Poderemos dizer que não nos sentimos bem? lembrou
Isabel. - Na verdade hoje não me sinto lá muito bem, por ter
dormido tão pouco.
- Então dá essa desculpa amanhã - disse a lida. - Mas
olha que tiveram pouca sorte! Vão perder um óptimo lanche
e toda a gente sabe que os espectáculos de sábado à noite
são os melhores.
- Agora estou arrependida de termos sido tão
impacientes - disse Catarina, com um suspiro. Gostava tanto
de ir convosco, amanhã!
As quatro estavam muito tristes. Conversaram juntas
sobre o assunto.
- Acho que de toda a maneira podemos ir! - disse Joana,
mas mudou logo de opinião. - Não, não podemos. Havia de
me sentir mal durante todo o tempo. E as nossas colegas
também ficariam com pouca consideração por nós.
- Só espero que a miss Roberts não nos mande à
enfermaria tomar um daqueles detestáveis remédios,
quando amanhã lhe dissermos que não nos sentimos bem -
disse Catarina, que era terrível para tomar qualquer
medicamento.
Mas no dia seguinte não tiveram o problema de dizer
que se sentiam mal, pois as quatro estavam
constipadíssimas! Tinham apanhado imenso frio enquanto
esperavam por entrar no colégio, na noite de quarta-feira
anterior, e fartaram-se de espirrar e tossir.
Miss Roberts reparou logo.
- É melhor irem para a cama - disse ela. - Naturalmente
estão a caminho de apanhar uma gripe. Vão à enfermaria e
peçam que lhes tirem a temperatura. Vão as quatro
imediatamente. Onde teriam apanhado tão tremendas
constipações?
Não responderam. Foram à enfermaria, sentindo-se
muito aborrecidas. Catarina tinha temperatura e a
enfermeira, calculando que naturalmente todas quatro iam
ficar com gripe, mandou-as para a cama. Deu-lhes uma dose
de um dos seus enormes frascos e deixou-as juntas na
enfermaria, com algumas recomendações.
- Atchiim! - espirrou Catarina. - Fomos umas grandes
palermas por termos saído à noite. Não é nada agradável ter
uma tremenda constipação.
- E perder o lanche - lembrou a Patrícia. lida disse que
miss Roberts telefonou para a pastelaria recomendando que
guardassem daqueles bolos de chocolate que tanto
apreciamos.
- Não vale a pena lamentarmo-nos - disse Isabel,
sensatamente. - Tivemos o castigo que merecíamos. Agora
calem-se, que eu quero ler.
O primeiro ano saiu às cinco, com miss Roberts.
Saborearam um óptimo lanche. Miss Roberts comprou quatro
bolos de chocolate para levar às alunas que haviam ficado
na enfermaria.
- Elas foram uns amores por se terem conformado com
tanta facilidade - disse miss Roberts à lida. Não tiveram um
queixume, nem uma palavra de revolta.
Ilda não respondeu. Miss Roberts ficaria admiradíssima
se soubesse a verdadeira razão por que as quatro
endiabradas não tinham ido ao circo! Mas claro que não lho
iriam contar.
O circo naquela noite estava na sua melhor forma e no
final as pequenas tiveram autorização para irem aos
bastidores falar com os artistas. O chimpanzé Sam ficou
encantado ao vê-las e, muito bem educado, não parava de
lhes tirar o chapéu. Jumbo, o enorme elefante, soprou para o
pescoço da lida e despenteou-a toda, como se se tratasse de
uma rajada de vento. Lotte consentiu que fizessem festas ao
seu magnifico cavalo, o Beleza Negra. Foi um fim de tarde
maravilhoso e, quando as pequenas voltaram, sentiam-se
um pouco cansadas, mas felizes e cheias de entusiasmo.
Miss Roberts foi à enfermaria para ver se as quatro
doentes estavam acordadas. A enfermeira estava a medicá-
las para a noite.
- Não tem nada de grave - disse ela a miss Roberts. - A
temperatura da Catarina já baixou. Têm apenas umas fortes
constipações. Como amanhã é domingo, ficarão na cama
mais um dia.
- Trouxe-lhes uns daqueles bolos de chocolate que vocês
gostam muito - disse miss Roberts. Não sei se os podem
comer agora.
- Se lhes apetecer, não lhes farão mal - respondeu a
enfermeira, sorrindo.
As quatro sentiram logo imensa vontade de provar os
bolos de chocolate e sentaram-se nas camas. Ficaram muito
sensibilizadas por miss Roberts não as ter esquecido.
Saborearam os bolos, enquanto a professora lhes ia
contando o que se passara.
- Não achou graça ao chimpanzé quando ele se despiu e
se meteu na cama? - perguntou a Catarina cheia de
vivacidade, esquecendo-se completamente que a professora
não fazia ideia que elas tinham ido ao circo. Miss Roberts
ficou muito surpreendida.
- A Catarina viu os cartazes na cidade - apressou-se a
explicar Patrícia, olhando furiosa para a Catarina.
- Acho que agora são horas das pequenas dormirem -
disse a enfermeira, entrando naquele momento, para grande
alívio das quatro amigas. Miss Roberts despediu-se e foi-se
embora. As pequenas deitaram-se para baixo, enquanto a
enfermeira arrumava umas coisas. Depois apagou a luz e
saiu.
- Que idiota, Catarina! - exclamou a Joana. Quase nos
deixaste ficar mal!
- Desculpem - disse Catarina cheia de sono. Ia-me
esquecendo!
- Nada de conversas! - ralhou a enfermeira, da porta. -
Mais uma palavra e faço-as engolir uma colherada de um
dos meus remédios menos agradáveis.
E com aquele aviso, mais ninguém abriu a boca!
XV
UMA TERRÍVEL DISCUSSÃO
AS semanas iam passando rapidamente. O período
chegou a meio. A mãe das gémeas foi visitá-las nessa altura
e levou-as a dar um passeio de automóvel. Ficou satisfeita
de ver as filhas tão felizes e bem dispostas.
- Então como se têm dado por cá? - perguntou a
senhora. - Espero que não achem Santa Clara tão mau como
julgavam.
As gémeas coraram.
- Não é mau colégio - disse Patrícia.
- É bastante agradável - acrescentou Isabel. A mãe
sorriu. Conhecia as filhas tão bem, que sabia por aquelas
poucas palavras que se sentiam felizes e satisfeitas no
Colégio de Santa Clara.
Todas as semanas havia desafios de lacrosse. Ums vezes
eram disputados pelas classes mais atrasadas, outras pelas
mais adiantadas. As gémeas interessavam-se imenso pelo
jogo e costumavam assistir aos desafios das mais velhas
com enorme entusiasmo. Consideravam Belinha Towers
maravilhosa. Ela era rapidíssima e apanhava a bola duma
maneira muito elegante.
- Lembras-te como fomos antipáticas para ela no
princípio do período? - disse Patrícia à irmã. Nem sei como
tivemos coragem para tal.
- Éramos umas grandes idiotas - respondeu Isabel. -
Palavra que nem sei como nos podiam aturar!
- Agora só há uma pessoa que realmente eu não suporto,
é a Célia Naylor - tornou Patrícia. Que se passa com ela? É
tão vaidosa e altiva, sempre a falar da sua maravilhosa casa,
do número de criados que tem, do seu cavalo e dos seus três
automóveis. Tem que se meter em todos os assuntos e dar a
sua opinião sobre todas as coisas, que em geral nada
interessam!
Na verdade todas as colegas achavam a Célia muito
maçadora. Fazia sempre o possível por impressionar as
presentes e levá-las a pensar que era extraordinária. Na
verdade ela era uma rapariguinha sem nada de especial, um
tanto mal educada e que fazia erros de gramática ao falar.
Vestia-se com roupas muito boas, preocupando-se imenso
que fossem do melhor que havia e no entanto nunca
escovava o cabelo com esmero e, se pudesse, até se
esqueceria de lavar o pescoço!
A aluna menos paciente do primeiro ano era a Joana. Não
suportava vaidades estúpidas e os grandes ares e frases da
Célia, irritavam-na extraordinariamente. Não tinha paciência
para discutir com ela e, em geral, como a Célia sabia isso,
evitava-a.
Uma tarde, antes do lanche, o primeiro ano esteve a
descansar na sua sala de estar. Tinham ligado o gira-discos e
tocaram a mesma música quatro vezes a seguir. A Joana
protestou:
- Por favor! Tencionas aprender a música de cor, Patrícia?
Tira o disco e quebra-o! Se me obrigas a ouvi-lo outra vez,
começo a gritar.
- Não adevias falar assim! - começou a Célia, na sua voz
cortante. A Joana levantou os olhos de um livro que estava a
ler, irritada.
- É fantástico! “Não adevias!”. Por Deus, Célia, onde é
que nasceste? Ainda não conseguiste aprender que as
pessoas não dizem adevias? Passas a vida a gabar as tuas
criadas, os teus Rolls-Royce, o teu cavalo, o lago do teu
jardim, não sei quantas coisas mais, e afinal falas como a
filha dum cavador!
Célia ficou muito pálida. Patrícia apressou-se a mudar de
disco. Joana voltou ao seu livro, ainda irritada, mas um tanto
envergonhada. Se a Célia não tivesse dito mais nada, o
episódio ficaria esquecido. Mas um pouco depois Célia
dirigiu-se à Joana.
- Tenho a certeza que se a minha família soubesse que
eu aqui no colégio tenho que me dar com meninas como tu,
Joana, nunca me mandariam para Santa Clara - começou ela.
- Não tens maneiras e...
- Maneiras! Olha quem fala! - exclamou Joana, furiosa,
voltando a desviar o livro. - Santo Deus! Sempre gostava que
me dissesses que tais são as tuas maneiras! É melhor só
falares sobre as outras, quando já souberes lavar o pescoço,
escovar o cabelo e comer à mesa decentemente! E ainda
tens o descaramento de fingir que és demasiado fina para
nós! Pfff!...
Joana saiu da sala. Célia ficou parada, como uma estátua
e muito pálida. As gémeas olharam-na de soslaio e Patrícia
pôs outro disco a tocar, com toda a força. Que terrível
discussão!
Pouco depois Célia também saiu da sala. Patrícia
desligou o gira-discos.
- Não achas que ela ficou terrivelmente ofendida? -
perguntou Patrícia à irmã. - Era melhor que a Joana não
tivesse dito tudo aquilo. Na verdade é o que todas pensamos
e que temos dito umas às outras, fazendo troça. Mas é
terrível pôr assim o “preto no branco”.
- Em parte foi por culpa da Célia - disse a lida. - Se não
andasse sempre a gabar-se, tentando convencer-nos que é
maravilhosa, não notaríamos com tanta facilidade as
parvoíces que diz e faz. Quando uma pessoa se gaba de ter
cinco casas de banho diferentes, uma cor de rosa, outra
azul, outra verde, outra amarela e outra preta, e anda com o
pescoço mal lavado, isso nota-se muito mais.
- Na verdade é muito ridícula aquela sua história das
casas de banho! - disse Isabel. - Toda ela é ridícula. E parece-
me que é a única aluna do nosso ano que eu não conheço
mesmo nada. Quero dizer, não sei se é generosa ou sovina,
boa ou má, honesta ou desonesta, verdadeira ou mentirosa,
brincalhona ou triste, pois está sempre a fingir e a “armar”,
com os seus grandes ares, gabando-se de tudo quanto há
como se estivesse a representar um papel. Até pode ser que
seja simpática, mas nós não damos por isso.
- Simpática, não acredito - disse a lida, que estava farta
da Célia e das suas parvoíces. Francamente, acho-a uma
maçadora.
Célia não apareceu à hora do lanche, mas ninguém
sentiu a sua falta. Como não apareceu na sala de estudo,
miss Roberts mandou a Patrícia procurá-la. Patrícia correu
todo o colégio, e acabou por ir encontrá-la sentada sozinha
num dos pequenos e frios compartimentos para o estudo de
música.
- Célia! Que fazes aqui? - perguntou Patrícia. Não sabes
que estamos na hora do estudo?
Célia continuou sentada, muito quieta, e não respondeu.
patrícia observou-a com mais atenção. Parecia doente.
- Não te sentes bem? - perguntou Patrícia. Se quiseres,
acompanho-te à enfermaria. Que se passa, Célia?
- Nada! - respondeu Célia.
- Então porque estás aqui sentada, com tanto frio? -
perguntou Patrícia. - Não sejas palerma. Se não estás
doente, vem para o estudo. Miss Roberts fica preocupada e
aborrecida contigo.
- Não vou! - declarou Célia. - Não quero voltar a vê-las,
depois do que a Joana me disse.
- Ora, ora! Não ligues meia ao que a Joana diz! -
exclamou Patrícia, sentindo-se atrapalhada. Bem sabes
como se irrita com todas nós e diz coisas que não sente.
Agora já se deve ter esquecido de tudo. Vem comigo.
- Ela não disse coisas que não pensava. Aí é que está a
diferença - tornou Célia, na mesma voz calma, mas bastante
estranha. - Disse coisas que realmente pensava. Oh,
detesto-a!
- Não é possível detestar a Joana - protestou Patrícia. - E
muito irritável e tem mau génio, mas é muito boa rapariga.
Não seria capaz de te ferir propositadamente, Célia. Olha,
tenho a impressão que não te sentes bem. vou levar-te à
enfermaria. Naturalmente tens febre.
- Deixa-me em paz - disse Célia, teimosamente. Patrícia
deixou-a, sem saber como consolá-la, sentindo-se muito
preocupada. Que pena a Joana ter-se irritado tanto e ter dito
coisas tão terríveis! Patrícia calculou que também se sentiria
pessimamente se alguém a tivesse troçado de maneira
semelhante, em frente das companheiras. Não sabia que
fazer. Deveria contar a miss Roberts?
No caminho para o estudo, passou pela sala da Mónica
James. A porta estava entreaberta e a Patrícia viu a sua
ocupante, lendo um livro. Hesitou um pouco, pois tivera uma
ideia.
Não era possível contar a miss Roberts a terrível
discussão. Mas talvez pudesse revelá-la â Mónica. Era
preciso fazer qualquer coisa pela Célia, embora não
soubesse bem como ajudá-la. Bateu à porta.
- Entre! - disse a pequena, levantando a cabeça com a
sua expressão séria ao ver Patrícia. Perguntou:
- Olá! Que se passa? Não devias estar a estas horas no
estudo?
- Devia- concordou Patrícia. - Mas miss Roberts mandou-
me procurar uma colega. E eu estou preocupada com ela por
causa duma coisa que não posso dizer a miss Roberts. Posso
contar-te a ti?
- Claro! - disse a Mónica. - Desde que não seja qualquer
queixinha pateta.
- Garanto-te que não é, Mónica! - afirmou Patrícia. -
Nunca faço queixas. Mas de repente lembrei-me que tu e a
rapariga em questão vivem as duas na mesma terra, por
isso pensei que talvez a possas ajudar um pouco.
- Mas que grande mistério! - disse Mónica. De que se
trata?
Então Patrícia contou toda a discussão e o que
acontecera depois.
- A Célia agora está esquesita e até parece doente
acrescentou. - Parece que o caso tomou proporções
demasiadas para uma simples discussão.
A Mónica ouviu, em silêncio. - Ainda bem que vieste ter
comigo - disse ela. - Parece-me que sou a única pessoa que
a pode ajudar um pouco, pois conheço a história da Célia. Tu
és uma menina sensata, Patrícia, por isso posso contar-te
uma coisa e talvez entre as duas consigamos ajudar a Célia.
- Assim o espero - disse Patrícia. - Confesso-te que não
simpatizo nada com ela, Mónica, na verdade mal a conheço,
pois está sempre escondida sob uma capa de vaidade e
gabarolice, não sei se me faço compreender. Mas sente-se
muito infeliz e isso é horrível.
- Os pais da Célia foram em tempos muito pobres - disse
a Mónica. - A mãe era filha do nosso jardineiro. O pai tinha
uma pequena loja. Conseguiu ganhar muito dinheiro, uma
enorme fortuna, por isso subiram imenso na escala social.
Agora têm uma linda casa, quase um palácio, não sei
quantos criados e automóveis e mandaram a Célia para um
bom colégio, pois querem que a filha se torne uma senhora.
- Ah! - exclamou a Patrícia, compreendendo de repente
uma porção de coisas. - É por isso que a pobre Célia passa a
vida a gabar-se e é tão toleirona. Receia que façamos troça
dela.
- Sim, e a sua estúpida vaidade é uma espécie de cortina
de fumo para esconder a pessoa vulgar e um tanto
amedrontada que ela realmente e - disse Mónica. - Agora tu
viste o que aconteceu. A Joana soprou a cortina de fumo e
apontou em frente de todas aquilo que a Célia tenta
esconder a todo o custo, tal como os modos e maneiras de
falar que aprendeu quando era ainda muito pequena.
- Mas que parvoíce ter andado todo este tempo a fingir! -
exclamou Patricia. - Se nos tivesse contado francamente que
a família ganhara imenso dinheiro, como estava contente
por ter vindo para Santa Clara e outras coisas no género,
teríamos compreendido e simpatizado com ela. Mas toda
aquela estúpida vaidade e gabarolice! com franqueza,
Mónica, era detestável.
- Quando as pessoas percebem que não são tão
inteligentes, nem tão boas, nem tão bem nascidas como as
outras, muitas vezes comportam-se assim, para esconder os
seus complexos de inferioridade disse a Mónica, parecendo
muito experiente. Só nos resta ter pena dessas pessoas e
tentar ajudá-las.
- E como posso ajudar a Célia? - perguntou Patrícia. - Na
verdade não sei.
- Vou falar com ela - disse a Mónica, levantando-se. - A
única coisa que eu quero que faças, e a Isabel também, é
serem extraordinariamente simpáticas com ela durante uma
ou duas semanas e não a troçarem, nem lhe apontarem
qualquer coisa que a possa ferir. Agora que a Joana dissipou
a cortina que a Célia punha à sua volta e mostrou toda a
vulgaridade que a encobria, precisará de amizade e de
compreensão. Se ela for um pouco sensata, abandonará os
seus ares superiores e vocês terão oportunidade de
descobrir como é a verdadeira Célia. Mas dêem-lhe uma
oportunidade, sim?
- Claro que daremos - prometeu Patrícia. - Muito
obrigada, Mónica. Agora volto para o estudo.
O que Mónica disse a Célia nunca as gémeas souberam.
Mónica tinha a sensatez de uma pessoa mais velha e lidou
com a infeliz pequena com compreensão e simpatia. Nessa
noite Célia apareceu na sala de estar, pálida e nervosa, não
olhando para ninguém. Mas Patrícia foi logo em seu auxilio.
- Célia! Estava mesmo a precisar de ti! Vê lá, por favor,
onde é que me enganei nesta camisola que estou a tricotar.
Tu tens tanto jeito para seguir os modelos! Achas que me
enganei aqui ou ali?
Célia foi logo sentar-se ao lado da Patrícia e em breve lhe
mostrava como desfazer o engano na sua malha. Quando o
trabalho acabou, a Isabel, por sua vez chamou-a.
- Ó Célia, és capaz de me emprestar as tuas aguarelas?
Não sei o que aconteceu às minhas.
- com certeza - disse Célia, indo buscar as suas
aguarelas. Joana olhou para as amigas, logo que a Célia saiu
da sala.
- Mas que súbitas amizades são essas com a importante
Célia? - perguntou.
- É para compensar um pouco as coisas desagradáveis
que lhe disseste - explicou Patrícia. Dá-lhe uma
oportunidade, Joana. Feriste-a nos seus sentimentos mais
profundos.
- Foi muito bem feito! - disse Joana.
- Está bem, mas agora dá-lhe uma oportunidade pediu
Patrícia. - Não sejas mesquinha, Joana!
- Não sou! - disse Joana. - Garanto-lhes que estou
arrependida do que lhe disse, embora vocês possam pensar
o contrário. Está bem, podem contar comigo. Mas não vou
pedir-lhe desculpa. Se o fizesse levantaria outra vez o
assunto. Mas não me importo de mostrar que estou
arrependida.
- Ainda melhor - disse Isabel. - Atenção, lá vem ela.
Célia entrou, com a caixa de aguarelas. - Muito obrigada
- disse Isabel. - Mas que linda caixa!
Normalmente Célia diria logo quanto custara e outras
coisas no género. Mas desta vez não disse nada. Joana olhou
de relance, reparando que continuava pálida. A Joana tinha
bom coração e era generosa, embora tivesse mau génio e
não poupasse ninguém. Foi buscar uma caixa de caramelos
à sua prateleira e ofereceu-os às colegas. Célia calculou que
a Joana nada lhe oferecesse e olhou para outro lado.
- Não queres um caramelo, Célia? - perguntou a Joana
com a sua voz agradável. Célia olhou para Joana e hesitou.
Continuava aborrecida e zangada com ela. Mas os olhos
castanhos de Joana tinham uma expressão doce e amável e
Célia percebeu que ela tentava fazer as pazes. Conseguiu
dominar-se e estendeu a mão para tirar um caramelo.
- Obrigada, Joana! - disse ela, com a voz um pouco
trémula. Depois todas as pequenas se meteram na
discussão sobre uma peça que iriam representar no Natal e
com o entusiasmo Célia esqueceu-se do sucedido, chupou o
seu caramelo e sentiu-se mais feliz.
Fartou-se de pensar, quando foi para a cama, nessa
noite. Não devia ter sido tão gabarola e vaidosa, mas só o
fizera por saber que não era do nível das outras e não queria
que elas o percebessem. Sempre que as colegas tinham
dado pelos seus pontos fracos, deviam ter feito imensa troça
das suas gabarolices. Se ao menos fossem simpáticas com
ela e não a troçassem, faria o possível por não se importar.
Não era uma rapariga corajosa, nem muito sensata, mas
naquela noite foi suficientemente corajosa e sensata para
ver que o dinheiro, as criadas e os automóveis não
interessam nada. O que na verdade interessa é a própria
pessoa.
- E agora vou seguir o conselho da Mónica, mostrando às
outras a pessoa que realmente sou pensava a pobre Célia,
às voltas na cama. - Na verdade não valho grande coisa,
mas de qualquer modo sou melhor do que aquela horrível e
vaidosa criatura que me pretendi mostrar desde o princípio!
E assim se acabaram as gabarolices de Célia.
As outras alunas seguiram o exemplo da Joana e das
gémeas, tornando-se simpáticas com a Célia, dando-lhe uma
oportunidade. Ela aproveitou-a e embora, como receara, não
fosse uma pessoa extraordinária, a Célia um tanto apagada
de agora, era muito mais agradável do que a anterior. com o
andar dos tempos tornar-se-ia uma rapariga com
personalidade e, como disse a Patrícia, valeria a pena tê-la
como amiga.
- Agora hei-de sempre dar uma oportunidade a toda a
gente - disse Patrícia à Isabel. - Repara na Catarina. Como se
tornou um amor! E a Célia também já está muito mudada.
- Bem - disse Joana que ouvia a conversa. Acho que
fazem lindamente em dar uma oportunidade às outras
pessoas. Nós também vos demos uma a vocês duas! Quando
chegaram aqui ao colégio, eram mesmo insuportáveis, mas
agora até já escapam!
Patrícia e Isabel pegaram nas almofadas que enfeitavam
um sofá e correram para a terrível Joana. Esta, rindo às
gargalhadas, tentou fugir, mas as gémeas começaram a
bater-lhe com as almofadas, sem dó nem piedade.
- A ti não te daremos nenhuma oportunidade, minha
malvada! - disse Isabel, rindo. - Não a mereces! Nada de
beliscões!
- Então não me batam no estômago! - gritou a Joana. -
Esperem até que eu apanhe uma almofada.
Mas as gémeas não esperaram! Fugiram para o ginásio
com Joana a persegui-las. Esbarraram pelo caminho com
uma meia dúzia de pequenas.
- Estas miúdas do primeiro ano! – comentou a Teresa
com ar penalizado. - Deviam ir para o Jardim Infantil! Portam-
se como criancinhas!
XVI
CÉLIA TAMBÉM TEM O SEU PAPEL
Só faltavam mais quatro semanas para o fim do período.
As alunas andavam muito ocupadas com o ensaio de peças
e canções e com os desenhos, que deviam ficar prontos
antes das férias.
O primeiro ano estava a fazer uma peça histórica com
miss Kennedy, o que muito as divertia.
Miss Kennedy escrevia a peça com a ajuda das alunas
em tudo o que podiam. Miss Ross, a professora de lavores,
ajudava a fazer os fatos. Era muito animado.
- Acho a Kenny uma boa pessoa - disse Patrícia, que
estava muito ocupada a decorar o seu papel da peça. - É
engraçado, agora nem me passa pela cabeça brincar
durante a lição de história. Naturalmente é por estarmos tão
interessadas na peça.
- Também gostava de estar assim interessada na nossa
peça francesa - lamentou-se a Dora, cuja pronúncia francesa
era o desespero da Mademoiselle.
- Não consigo pronunciar os “erres” como vocês.
Todas se riram dos esforços da Dora para dizer a letra “r”
à francesa. A Dora não tinha ouvido nem Para música, nem
para línguas e era o desespero tanto da professora de canto
como da Mademoiselle. Mas dançava maravilhosamente e o
seu sentido de humor fazia com que todas se perdessem de
riso mais de uma dúzia de vezes por dia.
Era muito animado prepararem-se para a festa do Natal.
Todos os diversos anos estavam a ensaiar qualquer coisa e
havia discussões sobre a ocupação do ginásio para os
ensaios.
Miss Thomas, a professora de ginástica, queixava-se de
que o ginásio, naqueles dias, servia para tudo menos para o
seu verdadeiro fim!
Como é evidente, as aulas continuavam e miss Roberts
recusava-se a consentir que os preparativos do Natal
transtornassem de qualquer modo, o trabalho que marcava
às suas alunas. Ficou muito zangada com a Patrícia quando
descobriu que ela estava a estudar às escondidas o seu
papel da peça, quando devia estar a aprender umas regras
de gramática.
Patrícia copiara o seu papel e metera-o dentro da
gramática. Era bastante comprido e a pequena desejava
sabê-lo perfeitamente no ensaio daquela tarde.
- Tenho a impressão, Patrícia, de que abriste a gramática
numa página errada - disse de repente miss Roberts. - Traz-
ma cá.
Patrícia ficou muito vermelha. Deixou o livro cair ao chão,
propositadamente, para que se fechasse, depois apanhou-o,
esperando que miss Roberts não reparasse no papel da peça
que estava dentro. Mas claro que miss Roberts reparou.
Nunca lhe escapava nada.
- Já esperava isto - disse ela, secamente, pegando no
papel em que Patrícia copiara as suas palavras da peça. -
Quando é o ensaio?
- Esta tarde, miss Roberts - respondeu Patrícia.
- Então vais ficar a aprender as regras de gramática em
vez de ires ao ensaio - disse miss Roberts.
- Parece-me bastante justo e espero que concordes
comigo. Se estudas o teu papel da peça durante a lição de
gramática, é natural que aprendas as regras de gramática
durante o ensaio da peça.
Patrícia olhou para a professora, aflita.
- Ó miss Roberts! Por favor não me obrigue a faltar ao
ensaio. Como sabe, desempenho um papel importante na
peça!
- Pois sim, mas no próximo ano esta turma também terá
um exame importante - disse miss Roberts. - Bem, Patrícia,
perdoo-te por esta vez. Mas não repitas! Aprende as regras
agora e vem dizer-mas no fim da manhã. Se as souberes
bem, deixo-te ir ao ensaio. E agora volta para o teu lugar.
Patrícia foi ao ensaio! Não valia a pena tentar qualquer
estratagema na aula de miss Roberts e viu-se obrigada a
aprender as regras de gramática no intervalo, para as dizer
sem se enganar.
Mas todas gostavam daquela professora. Era severa, por
vezes sarcástica, mas era sempre perfeita e justa e nunca
faltava ao que dizia ou prometia. A Mademoiselle nem
sempre era justa, mas tinha tão bom coração que só poucas
alunas realmente não simpatizavam com ela.
Com os preparativos para os exames de fim de período e
para a festa, as raparigas tinham pouco tempo livre, mas
divertiam-se como nunca. Dora iria dançar sozinha uma
dança que ela própria criara. Vera tocaria piano, para o que
tinha muitíssimo jeito. Cinco alunas entravam na peça
francesa e a maioria na peça histórica. Todas faziam
qualquer coisa.
Excepto uma aluna! A Célia não entrava em nada! Isso
aconteceu absolutamente por acaso.
Ao princípio a Mademoiselle escolheu-a para ser o
Monsieur Toc-Toc na peça francesa, por isso miss Kennedy
não a pôs na peça histórica. Mas depois a Mademoiselle
mudou de opinião e substituiu-a pela Joana. Por isso a Célia
não ficou em nenhuma das peças e, como não sabia tocar
piano nem viola, não tinha nenhum jeito para recitar e era
muito má bailarina, sentiu-se posta de parte.
Não disse nada. Ao princípio ninguém reparou que ela
não entrava em nada, pois tudo acontecera acidentalmente.
Depois Isabel notou que a Célia andava cabisbaixa e
perguntou-lhe o motivo.
- Que se passa? Recebeste más noticias de casa?
- Oh, não! - disse ela. - Não se passa nada. Isabel não fez
mais perguntas mas, durante os dias seguintes, observou a
colega. Em breve reparou que ela não entrava nas peças,
nem fazia qualquer número sozinha.
- Olha, acho que andas triste porque não entras na festa!
- disse Isabel. - Julgava que representavas na peça francesa.
- Fui escolhida, mas depois a Mademoiselle substituiu-me
por outra - disse Célia, atrapalhada.
- Não entro em nada, e todas vão reparar nisso, Isabel.
Detesto ser deixada de fora.
- Mas não foi de propósito, pateta - respondeu Isabel,
rindo.
- Mas eu sinto como se fosse! - disse Célia. Bem sei que
não tenho grande jeito para nada, mas também não posso
esforçar-me se não me derem oportunidade para fazer
qualquer coisa.
- Não sejas palerma! - exclamou Isabel.
Mas Célia não mudava de ideias. Como a maioria das
pessoas com pouca personalidade, era muito teimosa.
- Estou farta! - disse ela. - Como não tenho ensaios,
passo a vida sozinha.
- Ao menos podias interessar-te pelo que estamos a
fazer, mesmo não entrando em coisa nenhuma disse Isabel,
indignada. - Assim é uma estupidez.
- Então serei estúpida! - exclamou a Célia, quase a
chorar e foi-se embora.
Isabel contou à Patrícia.
- Que maçada! - disse Patrícia. - Agora que a Célia
começava a tornar-se simpática! Acho melhor não nos
preocuparmos com o caso. Se quer pensar que foi
propositadamente que ficou sem nenhum papel, deixá-la!
Joana aproximou-se e ouviu a conversa. Fora muito
amável para a Célia nas últimas semanas pois na verdade
sentia-se culpada do seu mau génio em relação à
companheira. Ficou pensativa.
- Parece-me que não devemos escangalhar o bom
trabalho que temos vindo a fazer - disse ela. Vamos arranjar
qualquer coisa. Lembro-me que uma vez não tomei parte
num desafio em que muito queria participar e, embora não
seja tão palerma como a Célia, senti-me muito desesperada.
Julguei que todo o colégio devia estar a fazer troça de mim,
tentando adivinhar o que eu teria feito para não entrar no
jogo! Foi para mim uma coisa horrível! As gémeas riram-se.
Joana era tão sensata e- alegre que não conseguiam
imaginá-la a preocupar-se com uma coisa tão insignificante.
- Vocês não podem perceber bem o caso, por isso se
riem - disse Joana. - Como são gémeas, têm-se uma à outra
para se consolarem e rirem, mas quando se é acanhada
como a Célia, é diferente. Pequenas coisas tomam grandes
proporções.
- Estás a defender a Célia com unhas e dentes disse
Patrícia, surpreendida.
- Não, não estou. Mas acho que não devemos estragar o
que já fizemos - respondeu Joana, impaciente.
- Então dá lá uma ideia - disse Isabel. - Eu não consigo.
As gémeas foram-se embora. Joana sentou-se, a pensar.
Era impaciente e impulsiva, mas quando resolvia tratar de
um assunto, não desistia. A Célia precisava de ajuda outra
vez e Joana estava pronta a oferecer-lha.
- Pronto! Tive uma ideia! - disse para consigo.
- Será o nosso ponto. Precisamos de alguém nos ensaios,
com o texto, alguém pronto a auxiliar aquelas que se
esquecem de uma palavra ou frase. E então eu, esqueço-me
imensas vezes! vou perguntar à Célia se quer ser o ponto
nos ensaios e no dia da festa.
Foi procurar a Célia. Custou-lhe bastante encontrá-la e
acabou por a descobrir na sala de pintura, a arrumar os
armários.
- Célia! Queres fazer-nos um favor? - perguntou Joana. -
Queres ser o ponto, nas peças? Há sempre confusões,
porque tentamos fazer de pontos umas das outras e seria
uma grande ajuda ter alguém com o texto, seguindo as
frases e ajudando-nos quando nos enganamos.
- Não tenho jeito nenhum para isso - disse Célia,
bruscamente.
- Tens sim, pateta! - contrariou Joana. - Seria uma
enorme ajuda, Célia. Por favor, faz-nos a vontade. Algumas
de nós devem estar nervosíssimas na noite da festa e seria
um descanso saber que tu estavas escondida ali perto,
pronta a ajudar-nos nas nossas falhas.
- Está bem - disse Célia, de má vontade. Como não
entrava nas peças tinha resolvido não ajudar em nada. Mas
isso seria muito mesquinho e Célia fazia agora os possíveis
para se mostrar com verdadeira categoria.
Assim, passou a ser o ponto e assistia a todos os
ensaios, com os textos na mão. Em breve começou a achar
aquilo muito divertido e a gostar das peças. Não fazia mais
do que se sentar ou ficar de pé, com o texto,
auxiliandoaquelas que se esqueciam, enquanto
representavam, muito animadas. Mas nunca se queixou nem
se mostrou aborrecida e as gémeas, no fundo, acharam que
se comportava bastante bem.
- Ainda bem que a Joana teve esta ideia - disse Patrícia.
- Ainda pensou que a Célia ia recusar - contou Isabel. - E
não sei se eu aceitaria, se o caso se tivesse passado comigo!
- Obrigar-te-ia a aceitares! - declarou Patrícia. Duas
semanas antes do fim do período, aconteceu um acidente. A
Vera, uma menina muito bem comportada do primeiro ano,
caiu na aula de ginástica e partiu um braço. Partiu-o mesmo
no pulso e teve que ser levada ao hospital para tirar uma
radiografia. Puseram-lhe gesso e como o período escolar
estava quase no fim, os pais da Vera resolveram levá-la para
casa, em vez de continuar em Santa Clara as últimas duas
semanas.
- É o braço direito, por isso não poderá escrever - disse a
mãe a miss Theobald. - Parece-me que lhe fará melhor estar
sossegada, em casa.
Assim, a pobre Vera despediu-se das companheiras e
partiu, prometendo voltar no período seguinte com o braço
outra vez bom! A classe ficou então bastante aflita, porque
Vera desempenhava um papel importante na peça histórica.
- Quem vai ter o papel dela agora - perguntou a Patrícia
decepcionada. - Mais ninguém conseguirá aprender o papel
em tão pouco tempo. A Vera tinha um papel compridíssimo.
Todas se sentiam desanimadas. Aquelas que não
entravam na peça, declararam logo que não eram capazes
de aprender o papel em tão pouco tempo. E então Joana
teve outra ideia.
- Há uma aluna que sabe com certeza todo o papel de
cor! - exclamou. - És tu, Célia! Tens feito de ponto em todos
os ensaios e por isso sabes todos os papéis! És a única que
tem seguido o texto todo, pelo livro, página por página. Não
podes fazer o papel da Vera?
Célia ficou muito corada. Todas olharam para ela, em
expectativa.
- Vá, diz que sim - pediu Patrícia. - Tenho a certeza que o
podes fazer tão bem como a Vera!
- Gostava imenso - disse Célia. - Estou convencida que
consigo fazê-lo. Sei-o todo de cor. Como devem calcular,
acabei por saber todos os papéis, mas aquele de que mais
gostava era o da Vera.
- Óptimo! - exclamou Patrícia. - Então fica o caso
arrumado. - Temos que arranjar outra aluna para fazer de
ponto e tu ficarás com o papel da Vera.
Assim, no ensaio seguinte Célia já não fez de ponto,
ficando com um dos papéis principais. Disse tudo lindamente
e, como vira tantas vezes a Vera a representá-lo, saiu-se
muito bem.
Todas ficaram satisfeitas. Sabiam que Célia se sentira
magoada por não entrar na festa, o que acontecera por
acaso, e haviam-na admirado por ter aceitado o maçador
cargo de ponto. Agora que tivera uma recompensa tão
inesperada, as companheiras estavam muito contentes.
Mas ninguém ficara mais contente do que a própria
Célia. Estava entusiasmada com a sua sorte!
Andava de um lado para o outro, muito sorridente e tão
alegre que as colegas mal reconheciam a antiga Célia.
Mas a Célia não se esqueceu de escrever à Vera,
mostrando-lhe como tinha pena de que ela tivesse partido o
braço. Mostrou lembrar-se da tristeza que a companheira
devia sentir, quando todas estavam tão contentes. Na
verdade Célia estava a tornar-se uma belíssima rapariga!
XVII
CATARINA TEM UM SEGREDO
Uma tarde, quando Catarina, Patrícia e Isabel vinham da
cidade, através do campo, ouviram ganir, junto da cerca.
- É um cão! - disse logo Catarina e correu para ver o que
se passava. As gémeas seguiram-na e ali mesmo, na valeta,
viram um terrier de pêlo ruço e mal tratado, com o focinho e
o corpo a sangrar.
- Deram-lhe um tiro! - exclamou a Catarina, indignada. -
Reparem nas suas patitas! Oh, foi com certeza aquele
horrível lavrador que vive no alto do monte. Anda sempre a
dizer que mata todos os cães que aparecerem na sua
propriedade.
- Mas por que motivo? - perguntou Patrícia, surpreendida.
- Os cães andam sempre por toda a parte.
- Mas ele tem um grande rebanho e devem estar a
nascer vários cordeirinhos. Como sabem, os cães gostam de
perseguir e assustar os carneiros e ovelhas.
- Pobre animalzinho que levou um tiro! - exclamou
Patrícia. - Que vamos fazer-lhe?
- Vou levá-lo comigo para o colégio, para o tratar - disse
a Catarina, que adorava animais.
As gémeas olharam para a amiga, muito admiradas.
- Não consentirão que fique com ele - lembrou Patrícia. -
De qualquer modo terás que telefonar à polícia, contando o
que se passa. Supõe que o dono anda a procurá-lo?
- Então telefonarei perguntando se alguém se queixou -
disse Catarina. - Mas se pensam que eu vou deixar Um cão
aqui abandonado, assim ferido, estão muito enganadas.
- Está bem, está bem - concordou Isabel. Mas como o
levas para o colégio? Ficarás toda suja de lama.
- Não me ralo nada com isso! - declarou Catarina,
pegando no cão ao colo, com todo o cuidado. O animal
voltou a ganir, mas aconchegou-se nos braços da pequena,
percebendo que tinha ali uma amiga.
Voltaram para o colégio, com o cão. Começaram a
pensar onde deviam escondê-lo. As alunas não tinham
licença para levarem cães para o colégio e, se algum fosse
descoberto, seria mandado embora. Mas Catarinaestava
perfeitamente resolvida a tratar do cão até ele estar melhor!
- Talvez o pudéssemos esconder na arrecadação das
bicicletas - lembrou a Patrícia.
- Não, porque é demasiado fria - disse Catarina, que
tinha parado atrás de uns arbustos com o cão ao colo, e
procurava a melhor maneira de o levar para o colégio, sem
ser descoberta. - Vamos pensar.
Puseram-se todas a pensar. De repente Patrícia teve uma
ideia.
- Já sei! E se o metêssemos no sótão, na casa das malas
que fica junto da caldeira da água quente? Ninguém lá vai e
ali não teria frio.
- Nós também não devemos lá entrar - lembrou Isabel. -
Santo Deus, passamos a vida a fazer coisas proibidas.
- Mas desta vez é para bem do cão - disse Catarina. -
Estou resolvida a fazer seja o que for. Coitadinho! Não
estejas a ganir! Prometo-te que hei-de fazer com que
melhores!
Joana apareceu, descobrindo as três amigas atrás do
arbusto.
- Olá! - exclamou. - Que se passa? Que têm aí? Um cão!
Coitado, que lhe aconteceu?
- Levou um tiro - explicou Catarina. - Vamos levá-lo para
a arrecadação das malas, lá em cima no sótão, até que
esteja melhor. Tu vais à cidade, Joana? Então sê camarada e
pergunta na polícia se alguém se queixou de ter perdido um
cão. Se assim tiver acontecido, pede o nome e a morada da
pessoa interessada e informa de que eu estou a tratá-lo.
- Está bem - disse Joana. - Mas vê se consegues que ele
não faça barulho, pois se for descoberto, metes-te num
grande sarilho. Tu és louca por animais, Catarina! Adeus!
Joana foi a correr buscar a sua bicicleta. A Catarina virou-
se para as gémeas. - Vão ver se o caminho está desimpedido
- pediu. - E vamos pensando o modo de lhe arranjarmos uma
cama.
- Vi um caixote no alpendre do jardineiro - disse Isabel. -
Acho que serve perfeitamente. vou buscá-lo.
Foi a correr buscar o caixote. Patrícia entrou no colégio,
para ver se Catarina podia levar o cão lá para dentro. Deu
um assobio e Catarina correu, com o cão ao colo. Foram
subindo as escadas sem encontrarem ninguém, mas antes
de dobrarem uma esquina do corredor, ouviram passos que
se aproximavam e as vozes da Mademoiselle e da miss
Jenks, conversando.
- Oh, que pouca sorte! - exclamou Catarina, dando meia
volta. Mas alguém vinha agora a subir as escadas. Patrícia
abriu a porta de um grande armário onde se guardavam
vassouras e empurrou lá para dentro a Catarina e o cão.
Fechou a porta e depois baixou-se, fingindo atar um
atacador do sapato. Exactamente na altura em que a
Mademoiselle e miss Jenks passavam, o cão, dentro do
armário, soltou um ganido. A Mademoiselle olhou em volta,
surpreendida.
- Tiens! Que ideia é essa de ganires como um cão? -
perguntou a Patrícia e foi andando, concluindo que as
pequenas às vezes tinham ideias muito estranhas! Patrícia
riu-se e abriu a porta do armário, quando as duas
professoras desapareceram.
- Ouviste o que disse a Mademoiselle? - perguntou a
Patrícia. - Vamos, já passou o mais difícil. Podemos num
instante chegar às escadas para o sótão.
O sótão ficava mesmo por baixo do telhado e os vários
compartimentos tinham uma forma engraçada, com o tecto
inclinado, sendo quase impossível ficar-se de pé. Guardavam
ali as malas e malões pertencentes às alunas. O
compartimento das malas só era visitado duas vezes por
ano: Quando as alunas chegavam e levavam para ali as suas
malas vazias e quando se iam embora e era preciso ir buscá-
las para as encher com as respectivas roupas.
Pouco depois chegou Isabel com o caixote e um velho
cobertor que encontrara no armário do ginásio. As pequenas
escolheram o compartimento contíguo à caldeira de água
quente. Puseram o caixote num canto e ajeitaram lá dentro o
velho cobertor. Ficou uma cama muito confortável. Então
Catarina começou a tratar das feridas do cão. Levou muito
tempo e o animal conservou-se deitado pacientemente, até
o tratamento ter acabado. De vez em quando lambia as
mãos de Catarina.
- Tens imenso jeito para animais - disse Patrícia,
observando a amiga. - Olha como ele gosta de ti!
- Tenciono ser veterinária quando for crescida disse
Catarina. - Ora aí tens, meu pequenino. Agora vais ficar bom.
Faz o possível por não lamberes essa pomada. Se estiveres
quieto, em breve ficarás bom. vou trazer-te água e
alimentos.
Tocou a sineta para o estudo e as pequenas desceram as
escadas apressadamente, tendo deixado a porta do sótão
bem fechada. Encontraram Joana à entrada da aula.
- Fui à polícia - contou Joana em voz baixa. Informaram-
me de que ninguém se queixou de ter perdido um cão. Tive
que explicar como era o teu cão e dar o teu nome e morada.
- Santo Deus! Foste uma idiota! - murmurou Catarina,
sentando-se no seu lugar. - Que dirá miss Theobald se
telefonarem da esquadra, à minha procura! Tens cada uma,
Joana!
- Fui obrigada! - disse Joana, sempre em voz baixa. - Não
se pode negar uma coisa dessas à polícia, não achas? No
entanto parece-me que ninguém irá ali procurar o cão, por
isso não te preocupes.
Mas Catarina ficou muito preocupada. Quando à tardinha
ouviu o telefone tocar, convenceu-se que era da esquadra,
chamando pela directora. Mas não era. As pequenas deram
um suspiro de alivio ao saberem que se tratava de um
recado para miss Roberts.
Deram água e comida ao cão que continuava muito
quieto no seu caixote e era muito mansinho.
- Devia correr um pouco, antes de irmos para a cama -
disse a Catarina. - Como será isso possível?
- Vamos metê-lo numa trouxa de roupa que vestiremos
na nossa peça - lembrou Patrícia. - Se alguém nos encontrar,
ficará convencido que levamos um monte de vestidos para o
ensaio.
Cinco minutos antes da hora de irem deitar-se, as
pequenas subiram até ao sótão com uma trouxa de roupa. O
cãozito, surpreendido, foi escondido com cuidado entre os
vestidos, só com o nariz de fora, para poder respirar.
Depois Catarina desceu as escadas com ele, sempre a
falar-lhe em voz baixa, para que não ganisse.
Mas o cão não queria estar quieto. Felizmente só
encontraram a roupeira que estava com muita pressa e mal
reparou nas pequenas.
- Se não se apressam não irão a tempo para a cama! -
comentou. As pequenas riram-se e foram até ao jardim,
passando por uma pequena porta de serviço. Soltaram o cão
num patiozinho onde os jardineiros partiam a lenha, e ele
desatou a saltar, muito contente. Depois voltaram a
embrulhá-lo nos fatos da peça e foram para dentro.
Desta vez não tiveram tanta sorte. Encontraram Belinha
Towers! Ela parou a olhar para as pequenas.
- Não sabem que já tocou para irem para a cama? Que
andam a fazer por aqui? E que coisa é essa, escondida entre
as roupas?
O cão fazia o possível para se libertar e de repente
apareceu o focinho no meio da roupa.
- Oh, tivemos tanto cuidado para o esconder! - exclamou
Catarina, quase a chorar. - Belinha, ele levou um tiro e...
- Não me contem mais nada e eu faço de conta que não
sei - disse Belinha, que também gostava muito de animais. -
Vá, guardem essas roupas e vão depressa para o dormitório.
- A Belinha é estupenda! - declarou Patrícia enquanto as
três corriam pelas escadas acima, até ao sótão. - Foi uma
boa camarada. Despacha-te, Catarina. Olha que não
podemos demorar-nos mais. Meteram o cão no caixote. Ele
lambeu as mãos das pequenas e soltou um latido abafado.
- Não é inteligente? - disse Catarina, encantada.
- Até sabe que não pode ladrar alto!
- Não se pode dizer que fosse um latido em segredo -
comentou Patrícia. - Vamo-nos embora. Deus queira que a
lida não ralhe connosco. É a primeira vez que chegamos
atrasadas ao dormitório. Esperemos que o cão não desate a
ladrar durante a noite.
- Nem penses nisso! - disse Catarina, fechando com
cuidado a porta do quarto das malas. - Há-de dormir toda a
noite e amanhã, muito cedo, vou levá-lo novamente a
passear.
Correram para o dormitório e encontraram a lida
desesperada com elas.
- Onde estiveram? - perguntou. - Bem sabem que tenho
obrigação de fazer com que todas aqui estejam ás nove
horas em ponto. Não há direito!
- Fomos deitar o cão - murmurou a Catarina. A lida olhou
para ela, muito surpreendida.
- Que estás a dizer? - perguntou. - Deitar quem?
- Devo contar às outras? - perguntou Catarina, e as
gémeas concordaram. Era agradável ter um segredo mas
também era muito divertido contá-lo e surpreender as
colegas!
Por isso Catarina contou a história do cãozinho ferido e
todas ouviram, admiradas.
- Que extraordinário, levarem o cão para o quarto das
malas! - exclamou a Dora. - Nunca me atreveria a tal!
Suponham que a roupeira resolve lá ir. Encontra logo o cão!
- Só ali estará mais um dia ou dois, até ficar muito
melhor - disse Catarina. - Depois é preciso descobrir a quem
pertence e entregá-lo ao dono.
Mas não foi assim tão fácil!
XVIII
O SEGREDO É DESCOBERTO
O cão não fez barulho nenhum durante a noite.
Catarina conseguiu acordar muito cedo e ir ao sótão
buscá-lo para o soltar no pequeno pátio da lenha. Mas o cão
recusou-se a ser levado outra vez escondido na trouxa de
roupa, por isso teve que lhe atar uma corda à volta do
pescoço e descer as escadas com ele. As suas patitas faziam
um certo barulho a descer os degraus, mas ninguém
apareceu para ver de que se tratava.
Era maravilhoso como as patas do bicho, o corpo e o
focinho tinham melhorado durante a noite. Catarina ficou
muito contente. O cão começou aos pulos no pátio, tentando
lamber as mãos da pequena. Catarina achou que ele era um
cão maravilhoso e só esperava ardentemente que ninguém o
reclamasse.
“Se ao menos pudesse conservá-lo até ao fim do
período, “pensou. “Seria estupendo! “
Levou-o outra vez para o quarto das malas. Desta vez o
cão não queria separar-se da pequena e depois dela ter
fechado a porta e voltado para o dormitório, começou a ouvi-
lo arranhar a porta e ganir.
A aula do primeiro ano não ficava mesmo por baixo do
quarto, mas um pouco mais para a direita. Catarina escutava
ansiosamente, receando que ele fizesse barulho durante o
tempo de aulas. O seu ouvido apurado deu conta de uns
ganidos, mas felizmente miss Roberts parecia não ter
ouvido.
Quando a Mademoiselle foi dar a sua lição de francês,
ouviu o cão distintamente. Também tinha muito bom ouvido.
Da primeira vez que o cão ganiu, ela olhou em roda,
surpreendida.
- Donde virá este barulho? - perguntou.
- Que barulho, Mademoiselle? - perguntou Isabel, com ar
inocente.
- Os latidos de um cão! - disse Mademoiselle, impaciente.
- Está um cão a ganir e a ladrar! Será possível que tu não
ouças, Isabel?
Toda a classe fingiu pôr-se à escuta. Depois as alunas
abanaram as cabeças.
- Deve estar enganada, Mademoiselle - disse a Dora,
muito séria.
- Não há nenhum cão no colégio - acrescentou Joana. -
Só se forem os gatos da cozinha.
A Mademoiselle ficou verdadeiramente surpreendida por
ser a única pessoa a ouvir os estranhos latidos.
- Naturalmente tenho qualquer coisa nos ouvidos - disse
ela, abanando a cabeça com força. - vou pedir ao médico
para me fazer uma lavagem com seringa. É desagradável
ouvir cães a ladrar e a ganir sem razão.
A classe, que se esforçava por não se rir, não conseguiu
conter-se por mais tempo e ouviram-se várias gargalhadas.
A Mademoiselle bateu com a mão na secretária.
- Caladas! Não tem graça nenhuma. Vamos fazer ditado,
por favor.
A lição continuou. No sótão, o cão devia andar de um
lado para o outro e a avaliar pelo barulho, fartava-se de
arranhar com as patas, a porta e as paredes.
A Mademoiselle voltou a mostrar-se admirada mais uma
ou duas vezes e olhava para as alunas, para ver se elas não
teriam ouvido nada de especial, mas as pequenas
continuavam serenamente a fazer o seu ditado, por isso a
Mademoiselle apalpou os ouvidos, apreensiva, e resolveu
que iria ao médico mesmo naquele dia.
As gémeas e Catarina passavam a maior parte do tempo
livre no quarto das malas, com o cão. Este ficava encantado
quando as via e as pequenas tornaram-se muito suas
amigas. A única coisa terrível era que, ao deixá-lo, ele
desatava a ladrar e a ganir, arranhando a porta para a abrir.
Tinham sempre - medo que nessas alturas alguém o ouvisse.
Mas passaram-se dois dias e o cão não foi descoberto.
As pequenas alimentavam-no, davam-lhe água e
levavam-no a passear às escondidas, ao pátio da lenha. A
Catarina adorava o animalzinho e na verdade era um cão
muito inteligente e meigo.
- Como ninguém o reclamou, penso ficar com ele, não
lhes parece bem? - perguntou ela, enquanto faziam- festas
ao cão, num intervalo. - Gosto tanto dele. É mesmo um
amor! Não sou capaz de o entregar agora na esquadra.
Vocês sabem que, se ninguém o reclamar, a polícia manda-o
matar.
- Então fica com o cão - disse Patrícia. - Já não falta muito
para o fim do período. Mas tens que o tirar daqui quando as
criadas cá vierem buscar as nossas malas. Não sei o que
faremos nessa altura.
No entanto as gémeas e a Catarina não precisaram de se
preocupar com o que deviam fazer, porque o cão resolveu o
caso por si próprio.
Uma manhã, quatro dias depois de ter sido encontrado,
estava deitado a apanhar uma nesga de sol que entrava
pela janela do sótão. Depois correu para a porta e começou
a cheirá-la. Pôs-se aos saltos, querendo chegar ao puxador.
Daí a pouco, absolutamente por acaso, conseguiu baixar
o fecho e a porta abriu-se!
O cão ficou encantado. Abriu-a mais, com o focinho, e
pulou pelas escadas abaixo.
Tudo isto teria acabado bem, se um dos gatos da cozinha
não estivesse a dormir no corredor por baixo de um dos
radiadores. O cão farejou o gato e correu para ele,
encantado. Um gato e ainda por cima a dormir!
Com um latido, o cão saltou por cima do gato, a brincar.
Embora o cão fosse pequeno e não o tivesse magoado, o
gato assustou-se imenso e, miando com toda a força, fugiu
pelo corredor, com a cauda no ar. O cão começou logo a
persegui-lo. E nessa altura a directora encontrou-se com o
cão!
A senhora dirigia-se para uma das salas de aula quando,
primeiro o gato e depois o cão, esbarraram com as suas
pernas. Ficou muito admirada. Havia gatos no colégio, para
perseguirem algum rato, mas como aparecera ali um cão?
O gato saltou pela janela. O cão parou, admirado por o
gato ter desaparecido tão de repente. Então resolveu ir
procurar Catarina. Lembrou-se que a farejara em qualquer
sítio por onde passara. Por isso lá foi ele e em breve chegava
à aula do primeiro ano. Pôs-se em pé, nas patas traseiras,
arranhando a porta e ganindo.
A Mademoiselle estava novamente a dar lição de francês
e todas as alunas se encontravam muito ocupadas a corrigir
um exercício. Quando o cão se pôs a arranhar a porta e a
ganir, a Mademoiselle teve um sobressalto.
- Tiens! Desta vez não são os meus ouvidos! É mesmo
um cão.
Dirigiu-se para a porta e abriu-a. E lá entrou o cãozito a
correr, com a cauda a abanar, direito a Catarina. As alunas
ficaram todas em suspenso!
Logo atrás apareceu miss Theobald, resolvida a
desvendar o mistério do cão. Olhou para dentro da aula e viu
a Mademoiselle dando grandes passadas de um lado para o
outro e Catarina fazendo os possíveis para acalmar o cão!
- Que vem a ser isto? - perguntou miss Theobald na sua
voz calma. A Mademoiselle virou-se logo para a directora,
com grandes gestos, enquanto contava como ouvira um cão
a ganir uns dias antes e como ele agora aparecera ali, a
arranhar a porta.
- Talvez a Catarina saiba mais sobre este assunto do que
qualquer outra - disse miss Theobald, reparando como o
animalzinho fazia festas à pequena, e como ela o
acarinhava. - Catarina, vem comigo e talvez me possas dar
uma explicação.
Catarina, um tanto pálida, levantou-se. Seguiu a
directora para os seus aposentos sempre acompanhada pelo
cão. Miss Theobald mandou-a sentar.
- Não quis fazer nenhum mal - disse Catarina começando
a sua história. - Mas encontrei-o tão ferido, miss Theobald, e
gosto tanto de cães, de mais a mais nunca tive nenhum só
meu, que...
- Vamos começar pelo princípio - pediu a directora.
Catarina contou então toda a história e miss Theobald
ouviu-a com atenção. No fim pegou no auscultador do
telefone e pediu que lhe ligassem para a esquadra. A
Catarina sentia-se muito aflita. Que iria dizer a directora?
Miss Theobald perguntou se tinham recebido alguma
queixa sobre um cão desaparecido. Parecia que não. Depois
perguntou o que acontecia quando se ficava com um cão
encontrado ferido.
- Não trazia coleira quando foi encontrado. Pouco depois
desligou e voltou-se para a Catarina, que tinha agora o cão
ao seu colo.
- Não percebo como conseguiste esconder o cão durante
todos estes dias - disse ela. - E também não vou perguntar-
te. Sei que gostas muito de animais. Aparentemente parece
não haver nenhum motivo pelo qual não possas ficar com o
cão para ti, se ninguém o reclamar dentro de um certo
prazo. Por isso proponho-te que o conserves até às férias do
Natal e, se a tua tia autorizar, podes então levá-lo para casa.
Mas é preciso que fique lá fora, Catarina. Por uma vez sem
exemplo vou contra o regulamento, autorizando que uma
aluna conserve um animalzinho no colégio até às férias.
Se Catarina não tivesse tanto respeito pela directora
Certamente lhe teria saltado ao pescoço! Mal conseguia
dominar a comoção que sentia e foi-lhe difícil dizer qualquer
coisa, conseguindo por fim formular umas frases de
agradecimento. Contudo o cão não tinha vergonha de miss
Theobald e foi ter com ela, lambendo-lhe as mãos como se
soubesse o que a directora acabara de dizer!
- Leva-o para a cavalariça e pede a um dos criados que
lhe arranje um lugar abrigado – disse miss Theobald. - E para
a próxima vez que quiseres fazer qualquer coisa especial,
Catarina, vem primeiro pedir autorização, a mim ou a miss
Roberts. Assim pouparás imensas maçadas!
Catarina despediu-se, com os olhos a brilhar. O cão
seguiu-a. Antes de ir à cavalariça, a pequena voltou à aula,
entrando de rompante muito vermelha, esfusiante de
alegria.
- Oiçam! - exclamou. - Posso ficar com o cão. vou levá-lo
para casa se a minha tia...
- Catarina! Não consinto que interrompas a minha lição
desta maneira incrível! - gritou a Mademoiselle, levantando-
se da secretária, furiosa.
Catarina olhou para a professora e desapareceu. Foi à
cavalariça e encontrou um dos jardineiros. O homem
indicou-lhe um lugar para o cão e ela ali o deixou, feliz ao
pensar que agora poderia ir passeá-lo sempre que tivesse
tempo livre.
Ao voltar para a aula encontrou Belinha Towers, que ia
para um treino no campo de lacrosse.
- Belinha! - exclamou. - O cão fugiu e foi ter comigo à
aula! Perseguiu um gato, miss Theobald viu-o e agora deixa-
me ficar com ele.
- Ainda bem! - disse Belinha. - Agora vai direitinha para a
tua classe. Estas miúdas do primeiro ano passam a vida a
meter-se em coisas extraordinárias!
Catarina não perdeu tempo. Entrou muito
sossegadamente na aula de francês e sentou-se no seu
lugar. A Mademoiselle pregou-lhe uma enorme
descompostura, mas as palavras entravam-lhe por um
ouvido e saiam pelo outro. Sonhava com o cão que passaria
a pertencer-lhe.
- E se não me prestares atenção mando-te fazer um
exercício de três páginas, sobre cães! - ouviu de repente a
Mademoiselle dizer. Então fez o possível por se acalmar. As
companheiras sorriram. A Mademoiselle estava meio
zangada, meio divertida, pois na verdade a pequena não
ouvira até ali, nem uma palavra.
Mas a Catarina não tinha nenhuma vontade de fazer
uma redacção de três páginas em francês.
Se assim acontecesse não teria tempo de ir passear com
o seu cão! Por isso nos vinte minutos que se seguiram,
trabalhou com toda a boa vontade e a Mademoiselle não
disse mais nada.
No intervalo entre as aulas da manhã e o almoço, quatro
pequenas rodearam o cãozito, discutindo que nome lhe
deviam chamar.
- Eu é que escolho! Sou a dona! - declarou Catarina com
firmeza. - vou chamar-lhe Binks. É um nome bonito.
E por isso ficou a ser o Binks e assim continuou até ao
fim do período, quando a Catarina o levou para casa. Nem
calculam como ele se divertiu até então, com dúzias de
pequenas à sua volta, que o passeavam e lhe levavam
tantas guloseimas que ficou gordo como um texugo! Até
mesmo as professoras gostavam dele e faziam-lhe festas,
quando o encontravam lá fora, com a Catarina.
Todas, menos a Mademoiselle, que achava que um
colégio não era lugar para cães.
- Ele é abominável! - dizia sempre que o via. Que cão!
Nem calculam como perturbou a minha aula! Mas ao mesmo
tempo piscava o olho, por isso, ninguém a levava a sério!
XIX
ISABEL PASSA UM MAU BOCADO
Começaram os exames. As gémeas tinham uma grande
vontade de responder bem, pois gostariam de ser as
primeiras classificadas, pelo menos numa disciplina. Tinham
conseguido pôr-se no mesmo adiantamento que o resto da
classe, mas como a maioria das colegas já estavam no
colégio há muito mais tempo do que elas, miss Roberts
avisou-as que era melhor não esperarem ser das primeiras,
pelo menos naquele período.
O exame de matemática foi o primeiro. Era bastante
puxado, pois miss Roberts preparara-as bem e esperava pôr
à prova os conhecimentos das alunas. Patrícia e Isabel
acharam o ponto difícil, mas fizeram o melhor que puderam.
- Já sei que tenho erradas as perguntas 3, 4 e 5 - disse
Isabel, quando no fim compararam os resultados. - Julgo que
fiz os problemas certos, mas demorei tanto tempo a
descobrir como se faziam, que não os fiz todos.
- Eu vou ser uma das piores - declarou Patrícia,
desgostosa.
De vez em quando ainda se lamentava por não ser
“alguém”, embora depressa se tivesse esquecido das ideias
de superioridade, que sustentara ao princípio.
Os pontos de francês já lhes pareceram mais fáceis.
Graças às explicações da Mademoiselle Abominável, as
gémeas tinham passado a ser umas alunas regulares na
parte escrita. A Dora é que se tinha ido abaixo em francês.
No exame oral enganara-se e gaguejara várias vezes, o que
fez com que a Mademoiselle perdesse a cabeça.
- Será possível que depois de tantas lições ainda fales
francês como uma miúda de quatro anos, do jardim infantil?
- perguntou, furiosa. - Agora recita-me uma das poesias
francesas que aprendeste neste período.
Quanto mais a Mademoiselle se zangava, pior respondia
a pobre Dora. Olhou para as companheiras como se lhes
pedisse ajuda e piscou o olho às gémeas.
- Ainda por cima a piscares o olho! Talvez chores depois!
- gritou Mademoiselle. - Terás um zero na prova oral de
francês!
Como Dora já esperava ter uma má nota, não se
perturbou e foi sentar-se no seu lugar, muito aliviada.
Seguiu-se Joana. Como era boa aluna em francês, a
Mademoiselle acalmou-se.
Os exames continuaram e só faltava o de Geografia. As
gémeas todas as manhãs examinavam as pautas com as
notas e ficavam tristes ao verificar que em nada eram as
primeiras. Patrícia conseguiu ser a terceira em Ciências
Naturais e Isabel a quinta em História, mas foi o melhor que
conseguiram!
- As nossas notas não farão vista nenhuma disse Patrícia,
suspirando. - Quando estávamos em Redroofs éramos as
melhores alunas em quase tudo, mesmo antes de sermos
chefes de turma. A mãe e o pai vão ficar decepcionados por
não sermos as melhores em nenhuma disciplina.
- Julgarão que fizemos o que tencionávamos, não nos
esforçando nada - disse a Isabel. - E olha que nos
esforçámos a valer! Que pena termos dito tantos disparates
antes de virmos para Santa Clara. Não sei o que pensará o
pai, ao julgar que cabulámos durante todo o período! Está
tão habituado a receber as nossas cadernetas com notas
formidáveis...
- Bem só falta a prova de Geografia - disse Patrícia. -
Gostaria que fôssemos as melhores ao menos nessa
disciplina, mas duvido. Acho que não sei o suficiente sobre
África, embora tenhamos passado o tempo a estudar essa
maçada de terra! Em que parte vivem os Zulus? Nunca me
lembro.
- Quem me dera que tivéssemos a melhor nota!
respondeu Isabel, abrindo o seu compêndio de Geografia e
virando as páginas. - Patrícia, vamos estudar isto até nos
deitarmos, para vermos se conseguimos fazer uns bons
pontos. Vamos!
As duas gémeas começaram a estudar com toda a
atenção, fazendo revisões pormenorizadas. Observaram os
mapas que haviam desenhado e tornaram a copiá-los em
esboço, mais quatro ou cinco vezes. Fizeram listas das
cidades e dos portos, interrogando-se uma à outra. Também
reviram os nomes dos rios e leram o que havia a respeito
das populações africanas, flora e fauna.
- Agora parece-me que já sei mais qualquer coisa - disse
Isabel, com um suspiro. - Mas até aposto que não nos farão
perguntas sobre o que estivemos a estudar. Parece que as
perguntas de exame tratam sempre de assuntos que não
sabemos bem, porque estivemos doentes ou que nos
esquecemos de estudar ou que por qualquer motivo não
conseguimos recordar, embora esforçando-nos!
- Esta noite já não estudo mais - declarou Isabel. - Quero
acabar com a minha camisola. Só me faltam umas carreiras
para acabar a última manga. Onde é que eu pus o livro que
tem o modelo?
- Não faço ideia - respondeu Patrícia. - Estás sempre a
perdê-lo. Parece-me que o levaste para a sala de aulas, esta
tarde.
- Foi isso mesmo! - disse Isabel. - Que maçada!
Levantou-se e saiu da sala. Esqueceu-se completamente de
que tinham prevenido todas as alunas que não deviam
entrar na sala de aula do primeiro ano, porque as perguntas
do exame ficariam ali. Dirigiu-se à aula, abriu a porta e
entrou. Foi até à sua secretária e levantou o tampo.
Lá estava o livro das malhas. Ainda bem! Tirou-o e pegou
também num lápis que pertencia a miss Roberts. Foi até à
secretária da professora e colocou-o no seu lugar, junto dos
outros lápis e canetas.
Então, reparou que mesmo a olhar para ela, estavam ali
os pontos de exame para o dia seguinte. Isabel observou-os,
com o coração a bater. Era uma lista de perguntas de
geografia, escritas com toda a clareza numa folha de papel.
Se soubesse que perguntas eram, poderia estudar o
assunto tão bem, que teria a melhor nota da classe! Sem
mesmo pensar no que fazia, leu apressadamente as
perguntas. “Diga o que sabe sobre o clima da África do Sul.
Que sabe sobre uma raça chamada Pigmeus? O que
conhece...” Leu as perguntas do princípio ao fim e depois
saiu da sala. Tinha a cara muito vermelha e o coração a
bater.
- Todas as perguntas são sobre os assuntos que
estivemos a estudar hoje - disse para consigo. - Afinal não
teve importância eu ter lido o ponto. Acho que sei todas as
respostas.
- Patrícia olhou para a irmã quando ela entrou na sala de
estar.
- Encontraste o livro? - perguntou.
Isabel reparou que trazia as mãos vazias. Afinal
esquecera-se do livro das malhas.
- Não estava lá? - perguntou Patrícia.
- Estava sim - disse a Isabel. - Mas acabei por o deixar na
aula outra vez.
- Então não o vais buscar? - perguntou Patrícia cada vez
mais surpreendida. Isabel hesitou. Não suportava a ideia de
voltar à aula.
- Que se passa, Isabel? - perguntou Patrícia, com
impaciência. - Emudeceste? Que aconteceu?
- Patrícia, as perguntas de geografia estavam em cima
da secretária de miss Roberts - disse Isabel. - E eu li-as!
- Isabel! Isso é indecente! - exclamou Patrícia.
- Nem pensei se era bem ou mal - confessou Isabel,
perturbada. - Mas não teve importância, Patrícia, pois as
perguntas eram todas sobre o que estudámos hoje.
Patrícia olhou para a irmã, que baixou os olhos.
- Isabel, não sei como vais conseguir amanhã fazer o
exame de geografia, lembrando-te que já viste as perguntas
- disse por fim, - Calculo que pudesses responder a todas as
perguntas perfeitamente sem as teres lido hoje. Mas, se
alguém soubesse o que se passou, pensaria que és uma
intrujona. E não és, sempre foste séria e leal. Não estou a
compreender-te.
- Eu fiz tudo precipitadamente - disse a Isabel.
- É melhor ires contar a miss Roberts - aconselhou
Patrícia.
- Oh, não sou capaz! - disse Isabel, aterrada. Bem sabes
como é severa. Não sou capaz!
- Então deves responder mal a todas as perguntas, de
maneira que miss Roberts se zangue contigo e então
poderás explicar-lhe porque o fizeste disse Patrícia. - Se ela
souber que não tiraste nenhuma vantagem de teres visto as
perguntas, não te pode chamar intrujona, nem dizer que
copiaste. Terás que te acusar antes ou depois. Acusa-te já,
acho preferível.
- Não, acuso-me depois - decidiu Isabel. vou fazer o
exame e responderei a tudo tão mal que hei-de ter a pior
nota de todas. Depois, quando miss Roberts se zangar
comigo, explico-lhe tudo.
Que aborrecimento! Porque fui tão palerma? Foi tudo
muito precipitado. Até podia ter sido a melhor, pois todas as
perguntas tratam de coisas que eu sei perfeitamente.
- Não me digas quais são - pediu Patricia. Não quero
saber, para me sentir à vontade a responder. Anima-te,
Isabel. Conheço-te o suficiente para saber que não
tencionavas fazer batota. Todas nós às vezes somos muito
parvas.
Isabel nessa noite não se sentia nada satisfeita. Fartou-
se de dar voltas na cama, muito arrependida de ter visto as
perguntas de Geografia. Poderia com tanta facilidade ter
respondido certo e apanhar uma boa nota! Como fora idiota!
O exame de Geografia seria logo no primeiro tempo da
manhã. Às nove horas todas as alunas do primeiro ano
entraram na aula e ocuparam os seus lugares. Isabel reparou
que as perguntas continuavam sobre a secretária. Patrícia
também as viu, embora fosse impossível lê-las àquela
distância.
Miss Roberts entrou.
- Bom-dia, meninas! - disse ela.
- Bom-dia, miss Roberts! - respondeu a classe em coro. E
sentaram-se.
- Esta manhã temos ponto de Geografia - disse miss
Roberts, apressadamente. - Por favor prestem atenção!
Joana, vem aqui, para distribuíres as perguntas.
Isabel viu a Joana ir buscar as folhas de papel. Sentiu-se
muito triste. Não era nada agradável ter que responder
errado de propósito, mas não havia mais nada a fazer.
No momento em que Joana ia pegar nas folhas de papel,
miss Roberts soltou uma exclamação e mandou-a parar.
- Espera! Parece-me que estas não são as perguntas
para vocês. Pois realmente não são. Que estupidez! São os
pontos do segundo ano, que também esteve a rever a África.
Vai ter com a miss Jenks, leva estas folhas e pede-lhe as que
eu deixei na sua secretária. Explica-lhe que são as do
primeiro ano e estas correspondem ao segundo.
Joana pegou nas folhas e saiu da aula. Isabel olhou para
a irmã. Patrícia sorria, muito contente. Quando miss Roberts
se voltou para escrever qualquer coisa no quadro, Patrícia
inclinou-se para Isabel e murmurou:
- Que sorte! Agora podes fazer o melhor possível, em vez
de responderes errado. Afinal viste as perguntas do segundo
ano! Viva!
Isabel fez um sinal afirmativo. Também estava muito
satisfeita. Até parecia demasiado bom para ser verdade!
Miss Roberts virou-se de repente.
- Não quero ninguém a falar! Se eu apanhar alguma
menina a falar durante a prova, tiro-lhe um valor na
classificação. Estás a ouvir, Patrícia?
- Estou sim, miss Roberts - disse Patrícia.
Joana voltou com as perguntas certas e distribuiu-as por
toda a aula. Isabel, leu-as rapidamente. Eram muito, muito
diferentes das que ela lera na véspera. Que bom!
Agora podia começar a responder, fazendo os possíveis
por acertar em tudo. Nunca mais voltaria a ser palerma. Não
quisera ser trapaceira, mas sentira-se como tal.
Mas a pobre Isabel, depois de tudo o que se passara,
estava bastante nervosa e realmente não fez o ponto tão
bem como a Patrícia. Tinha a mão a tremer enquanto
desenhava os mapas pedidos e fez alguns erros. Por isso
quando as provas foram corrigidas, Isabel não teve de
maneira nenhuma a melhor nota. Foi a sexta classificada,
mas Patrícia foi a melhor! Isabel ficou tão satisfeita ao ver o
nome da irmã à cabeça da pauta como se fosse ela própria a
melhor. Deu um grande abraço à sua gémea.
- Estou radiante, Patrícia! - exclamou. - Agora já uma de
nós foi a melhor em qualquer coisa!
Patrícia também estava satisfeitíssima. Era maravilhoso
ver o seu nome em primeiro lugar! Miss Roberts aproximou-
se.
- Fizeste uma prova excelente, Patrícia - disse, ela. - Só
fiquei admirada que o ponto da Isabel não fosse melhor. Que
aconteceu, Isabel?
Mas Isabel não contou o que acontecera e a professora
afastou-se, sorrindo. Nos exames acontecem às vezes coisas
surpreendentes e talvez no próximo período as gémeas
O'Sullivan fossem as melhores classificadas em quase tudo!
XX
A FESTA
E agora o fim do período já estava mesmo a chegar. A
directora e as professoras andavam muito ocupadas a
preencher cadernetas, a fazerem listas, ajudando as alunas
nos preparativos para a festa e corrigindo provas de exame.
As pequenas também não paravam, fazendo planos para
férias, preparando-se para a festa, tentando adivinhar que
observações seriam escritas nas cadernetas e pondo a
Mademoiselle fora de si, por estarem desatentas.
Miss Roberts mostrava-se mais calma mas mesmo assim
perdeu a paciência quando a Isabel lhe respondeu que um
quilo tinha cem gramas.
- Bem sei que vocês se tornam sempre um pouco
desatinadas no fim do período - disse ela. - Mas tudo tem
limites. Isabel, se este ano houvesse uma classe mais
atrasada, mandava-te para lá o resto da manhã.
As duas últimas semanas eram na verdade muito
divertidas. Entre outras coisas todos os armários tinham que
ser esvasiados, lavados, limpos e arrumados de novo.
As gémeas nunca haviam feito aquele trabalho no
Colégio Redroofs e ao princípio pareceu-lhes desagradável
semelhante tarefa. Mas quando viram as outras a cobrir o
cabelo com lenços e a porem aventais, não puderam deixar
de concordar que o trabalho devia ser divertido, apesar de
feito durante as horas livres.
- Vem, Patrícia! Vem, Isabel! Não se ponham aí
embezerradas, como antigamente - disse Joana percebendo
logo que as gémeas nunca tinham feito aquele serviço. - Vão
ficar todas sujas, mas depois podem tomar banho e lavar a
cabeça! Venham, toleironas!
Toleironas era um nome com que as gémeas nada
simpatizavam, por isso resolveram-se logo, a seguir as
outras. A lida estava encarregada de dirigir as limpezas do
primeiro ano.
Na verdade era muito animado. Esvaziaram os armários
e havia exclamações de alegria quando se encontravam
coisas há muito desaparecidas.
- Ah, julgava que tinha perdido este canivete! - exclamou
Dora, pegando num pequeno canivete de madrepérola. -
Onde teria estado todo este tempo?
- Olha, a caneta de tinta permanente de miss Roberts! -
exclamou a lida daí a pouco. - Estava metida no meio desta
ráfia. Ah, já sei como veio aqui parar! Lembras-te, Joana,
quando puseste uma enorme porção de ráfia em cima da
secretária de miss Roberts, durante a aula de trabalhos
manuais? Ela não gostou e tu voltaste a meter a ráfia no
armário. com certeza levaste a caneta juntamente. Depois
fartámo-nos de a procurar!
- Por amor de Deus não lhe lembres que a culpa deve ter
sido minha - pediu Joana. - Anda agora muito mal disposta.
Ouve, Isabel, leva-lhe a caneta e diz-lhe apenas que a
encontrámos no armário dos trabalhos manuais. Como ela
hoje se zangou contigo, talvez agora te faça um sorriso.
Isabel foi entregar a caneta. Miss Roberts ficou
encantada ao vê-la e agradeceu com um grande sorriso.
Isabel calculou que ela estava de bom humor e resolveu
pedir-lhe um favor.
- Miss Roberts, peço-lhe desculpa por ter feito tantos
erros no meu exercício de matemática desta manhã. Se lhe
prometer que amanhã prestarei mais atenção, não pode
dispensar-me de fazer todas aquelas contas outra vez? Hoje
estou tão ocupada!
Mas Miss Roberts não se deixava levar assim com tanta
facilidade.
- Minha querida Isabel, estou muito satisfeita por teres
encontrado a caneta - disse ela. - Mas certamente concordas
que não é razão para te perdoar o teu péssimo exercício. E
mesmo que me encontrasses o meu melhor chapéu, que no
domingo passado me voou da cabeça de repente e
desapareceu completamente nos campos, continuaria a
dizer que é preciso fazeres as contas outra vez.
As colegas riram-se. Miss Roberts era muito sarcástica
quando queria. Isabel também se riu e voltou às suas
limpezas e arrumações.
- Gostava de lhe encontrar o chapéu! - disse ela. - É
muito severa mas também muito justa. Quando chegou a
noite da festa, o entusiasmo era enorme. Nos últimos dias as
pequenas andavam muito excitadas, dando os últimos
ensaios e encarregando-se dos últimos retoques. Cada
classe apresentava os seus números e a festa deveria durar
três horas, com um intervalo ao meio, para tomarem
refrescos.
A Mademoiselle ensinara peças e canções em francês a
todas as classes e importunava as alunas continuamente,
para se certificar da sua pronúncia. O sexto ano
representaria uma pequena peça grega. O quinto levava à
cena uma absurda comédia que as próprias alunas haviam
escrito, chamada “A senhora Jenks faz uma visita”. Tinham
pedido emprestados todo o género de chapéus e vestidos
das professoras, e até mesmo um vestido da cozinheira! O
quarto ano ensaiara uma música de Jazz, que todas
achavam uma maravilha, embora a Mademoiselle repetisse
que o tambor não fazia falta nenhuma, porque se ouvia de
uma ponta à outra do colégio, às horas mais inconcebíveis.
O terceiro ano levava uma parte de uma peça de
Shakespeare e o segundo e o primeiro tinham números
especiais, tais como o bailado da Dora e a recitação da
Teresa. A Célia andava entusiasmadissima. Sabia que se lhe
tivessem distribuído um papel no princípio dos ensaios da
peça histórica, nunca teria a oportunidade de ser um assim
tão importante. Agora, por causa do acidente da Vera,
representaria um papel de grande responsabilidade.
Ensaiava-o continuamente, pensando nele, dando-lhe uma
interpretação em que a Vera nunca pensara e admirando
todas com a sua maneira de representar.
- Ela vai lindamente! - disse Joana à Patrícia.
- Estou a simpatizar muito mais com a Célia. Quem havia
de dizer que ela era assim trabalhadora e conscienciosa,
quando se encobria com uma capa de basófias e altivez!
Patrícia e Isabel também se preparavam com todo o
entusiasmo para a festa. Todas as professoras assistiriam e
as alunas estariam todas presentes. Ninguém se poderia
esquecer do seu papel ou dizer qualquer asneira. Cada
classe teria que mostrar o que valia.
Chegou a grande noite. Durante todo o dia houve
gargalhadas e segredos. Não houve aulas, a não ser as de
francês. A Mademoiselle não deixaria de dar lições nem que
houvesse um tremor de terra! Não admirava que as alunas
fossem tão boas em francês, quando chegavam ao último
ano.
A professora de lavores trabalhara a toda a velocidade
para fazer as emendas do último momento nos vestidos. A
ecónoma foi muito simpática, mandando preparar uma
verdadeira refeição para uma das peças, em vez dos
alimentos a fingir que a lida arranjara.
- Que simpática! - comentou a lida, olhando para o jarro
da limonada e para os bolinhos que a ecónoma lhe
fornecera. - Agora o meu papel na peça torna-se muito mais
divertido.
- Não enchas tanto a boca que não possas falar
recomendou Joana, rindo. - E se nós pedíssemos à
Mademoiselle para nos deixar servir uma refeição a valer na
peça francesa?
Mas ninguém se atreveu a fazer tal pedido à
Mademoiselle.
Às seis horas começou a festa. Todas se acomodaram no
ginásio onde tinham posto muitas filas de cadeiras. O palco
com cortinas e luzes, estava muito bonito. Aos lados viam-se
vasos com flores, provenientes da estufa de miss Theobald.
As professoras sentaram-se nas três filas da frente,
deixando por uma vez as alunas à sua vontade.
O pessoal da cozinha e da copa sentou-se atrás das
professoras. As alunas ocuparam os bancos seguintes
enchendo completamente o ginásio.
A todas era oferecido um programa desenhado e pintado
pelas próprias alunas. Patrícia ficou encantada ao ver que
miss Theobald ficara com o programa que ela desenhara.
Viu a directora observar cuidadosamente a pintura e
ficou cheia de vontade de saber se miss Theobald tinha visto
o seu nome, num canto. “Patrícia O'Sullivan”.
Cada classe sabia quando chegava a sua vez e quando
devia levantar-se, sem fazer barulho, e vestir-se atrás do
palco para entrar em cena.
O quinto ano era o primeiro a representar a sua peça e
quando se abriram as cortinas e as pequenas apareceram
vestidas da maneira mais ridícula, com chapéus incríveis,
toda a assistência desatou às gargalhadas.
A cozinheira do colégio gritou: - Olha o meu vestido!
Nunca pensei que ainda o veria num palco!
A comédia era realmente muito engraçada e a
assistência aplaudiu-a. Depois seguiu-se a peça grega,
representada pelo sexto ano, que era uma coisa séria e
difícil de perceber. As alunas do primeiro ano prestaram
atenção por delicadeza e no fim bateram palmas, mas no
fundo acharam que a peça do quinto ano era muito melhor!
Seguiu-se o quarto ano com a sua orquestra de Jazz, que
foi um êxito retumbante. A baterista era estupenda e a
Mademoiselle até se esqueceu do estado de irritação que o
tambor lhe havia produzido. Tocaram várias músicas de
dança e a assistência cantava o refrão. Bateram muitas
palmas, pedindo bis, mas como chegara o intervalo, a
orquestra de jazz teve finalmente que se despedir!
As pequenas apreciaram imenso os biscoitos, bolos de
creme, as sanduíches e a limonada! Quando chegaram ao
refeitório, ficaram pasmadas ao ver tantas iguarias.
- Tanta coisa! Não será possível comermos isto tudo! -
exclamou Patrícia.
- Patrícia O'Sullivan, não sabes o que estás a dizer -
respondeu Joana, pegando num prato com sanduíches de
espargos. - Fala só por ti. Tira uma ou duas sanduíches,
enquanto aqui estão.
E na verdade Patrícia não sabia o que estava a dizer,
pois em vinte minutos, nada ficou nos pratos! As alunas
tinham comido tudo! E escondido por baixo da toalha estava
alguém com tanto apetite como as pequenas: era o cãozito
Binks.
Catarina levara-o para ali e prendera-o a um pé da mesa.
Foi-lhe dando pedacinhos de salsichas, de que ele muito
gostou. Teve o cuidado de não pôr o focinho de fora, para
não ser descoberto, e ninguém percebeu que ele ali estava,
excepto a Isabel que ficara surpreendida com a enorme
quantidade de pãezinhos com salsicha que a Catarina
conseguia comer.
Mas de repente percebeu o que se passava. Oh,
Catarina, és terrível! Trouxeste o Binks para aqui!
- Shiu! - fez a Catarina. - Não digas nada. Fez-me pena
que ele perdesse a festa. Não achas que se porta bem?
O Binks depois ainda foi melhor tratado, pois teve duas
pessoas a alimentá-lo em vez de uma só.
A festa recomeçou. O primeiro ano apresentou as suas
duas pequenas peças. A Célia representou tão bem que a
assistência gritava o seu nome para a aplaudir
especialmente. Nunca Célia se sentira tão feliz e ficava
muito bonita ali no palco, corada e animada. A Mónica sorriu
à Patrícia, para que ela percebesse como estava satisfeita
por terem dado à Célia a oportunidade que pedira.
A peça francesa também foi um êxito e a Mademoiselle
ficou radiante quando ouviu aplaudi-la com entusiasmo.
- Estas miúdas do primeiro ano não são nada más - disse
para a Belinha Towers e a Isabel ouviu, gravando a frase na
memória, para depois contar às outras.
Dora executou o seu bailado, que era excelente. Também
lhe pediram bis e ela voltou, vestida de palhaço. Executou a
dança do palhaço, a mesma que terminara tão
desastradamente na noite da ceia, mas desta vez foi muito
aplaudida. No momento em que acabava de dançar, passou-
se um episódio extraordinário.
O Binks roeu a corda com que estava preso e foi ter com
a dona. Catarina encontrava-se escondida num dos lados do
palco a ver a Dora dançar. O Binks saltou para o palco muito
contente, para ir ter com ela e tropeçou na Dora, como se
fizesse parte da dança!
A Dora caiu logo e a música acabou. Toda a assistência
se riu imenso e aplaudiu com agrado. O Binks voltou-se ao
ouvir as palmas, com a língua de fora e a cauda a abanar.
Catarina, receando que se zangassem com ela, foi logo
levar o cão para o jardim.
Mas ninguém se zangou, nem mesmo a Mademoiselle
que não se cansava de dizer que achava “abominável” e
“insuportável” consentir aquele cão no colégio.
A festa acabou com todas as alunas a cantar o hino do
colégio, uma música muito ritmada e bonita, que as gémeas
ouviram pela primeira vez. Eram elas as únicas que não a
conheciam.
- Na próxima vez também já a cantaremos murmurou a
Patrícia à irmã. - Ó Isabel, que bela tarde! Não achas que
esta festa bateu as do Colégio Redroofs?
Depois, começando a bocejar, pois passava uma hora do
costume, as alunas do primeiro ano foram deitar-se. Riram e
conversaram enquanto se despiam, demorando o tempo que
lhes apetecia, pois era a última noite daquele período e no
dia seguinte iriam para férias.
2
XXI
O ULTIMO DIA
No dia seguinte as malas e malões foram retirados do
sótão. Cada qual tinha o nome da sua dona, em letras
brancas, e em breve estavam a encher-se de roupa. A
roupeira andava de um lado para o outro, muito ocupada,
distribuindo roupas e esforçando-se porque as malas
ficassem pelo menos relativamente bem feitas. Obrigou a
Dora a tirar tudo para fora e recomeçar do princípio.
- Mas depois não tenho tempo! - objectou Dora, rindo-se
do ar escandalizado da roupeira.
- Nem que demores uma semana inteira, a mala há-de
ficar como deve ser - disse a roupeira, severa. - Ouve, Dora
Eldward, a tua mãe e as tuas tias estiveram aqui no colégio
em tempos e nunca consegui ensiná-las a fazer uma mala.
Mas tu hás-de aprender! Não faz sentido colocar coisas que
se partem no fundo, e sapatos e botas sobre as tuas
melhores roupas! Recomeça tudo de novo!
- Catarina! Qual é a tua morada? - perguntou Patrícia. -
Disseste que ma tinhas dado, mas não a tenho. Quero
mandar-te as Boas Festas.
Catarina ficou encantada. Até ali ninguém se lembrara
de lhe pedir a morada. Escreveu-a num papel e entregou-o à
Patrícia. Seguiu-se uma troca de moradas, promessas de
telefonemas, convites para festas depois do Natal.
O colégio nem parecia o mesmo. Por toda a parte se
ouviam conversas e risos e mesmo quando as professoras
entravam nas salas de aula ou nos dormitórios, ninguém
pensava em calar-se. As professoras também estavam
entusiasmadas e conversavam umas com as outras, rindo
com a alegria das alunas.
- Estou muito satisfeita com a minha turma, este período
- disse miss Roberts ao ver a Célia atirar qualquer coisa à
Patrícia. - Duas ou três alunas mudaram tanto para melhor,
que mal as conheço.
- Que tal são as gémeas O'Sullivan? - perguntou miss
Jenks. - Pensei que iam ser um caso sério, quando chegaram.
Chamavam-lhes as “gémeas emproadas e ao princípio não
suportava olhar para as suas caras descontentes.
- Oh. são muito boas pequenas - disse logo miss Roberts.
- Adaptaram-se bem. Têm óptimo estofo. O Colégio de Santa
Clara ainda se há-de orgulhar delas, note bem o que eu digo.
No entanto são bastante endiabradas. Tome cuidado quando
elas forem para a sua classe, no próximo ano.
- Oh, não terei problemas, depois de passarem mais dois
períodos entregues aos seus ternos cuidados! - disse miss
Jenks, rindo. - Nunca tenho aborrecimentos com as alunas
que vêm das suas mãos. As alunas novas que vão
directamente para a minha classe é que me dão
preocupações.
A Mademoiselle andava de um lado para o outro, toda
satisfeita. Apontava sempre as moradas das alunas num
pequeno caderninho de capa preta e escrevia a todas, nas
férias.
- Querida Mademoiselle Abominável! - murmurou
Patrícia, quando ela passou. A Mademoiselle, com o seu
ouvido apurado, percebeu o que a Patrícia dissera.
- O que foi que me chamaste? - perguntou, dirigindo-se à
Patrícia, ajoelhada junto do seu malão.
- Oh, nada, Mademoiselle - disse Patrícia muito
atrapalhada, ao pensar que a Mademoiselle podia ter ouvido.
As companheiras disfarçavam o riso. Todas sabiam a alcunha
que as gémeas haviam posto à Mademoiselle.
- Fazes o favor de me dizer. Sou eu que te peço - insistiu
a Mademoiselle, começando a irritar-se.
- Bem - começou Patrícia de má vontade. Chamei-lhe
Mademoiselle Abominável porque ao princípio considerava
sempre abomináveis os meus exercícios e os da Isabel. Por
favor não se zangue!
A Mademoiselle não se zangou. com o seu sentido de
humor habitual, achou até imensa graça e fartou-se de rir.
- Com que então Mademoiselle Abominável? É um lindo
nome para chamar à vossa professora de francês. E no
próximo período os vossos exercícios serão tão bons que os
hei-de classificar de “Magníficos” e então passarei a ser a
“Mademoiselle Magnifica”, n'est cê pau?
Finalmente as malas ficaram prontas. As alunas foram
despedir-se de miss Theobald. Quando as gémeas entraram
no seu gabinete, míss Theobald sorriu com muita ternura.
- Julgo que não queriam vir para Santa Clara disse a
directora. - Mas agora parece-me que mudaram de opinião.
- Sim, na verdade mudámos de opinião! - concordou
Patrícia, com sinceridade, porque nunca se importava de
confessar que mudara de opinião. Nós detestámos vir para
aqui. Tínhamos resolvido portarmo-nos o pior possível, e
ainda o tentámos. Mas na verdade o Colégio de Santa Clara
é óptimo.
- E temos a maior vontade de voltar no próximo período -
acrescentou Isabel - Aqui trabalha-se mais e os costumes
são muito diferentes do nosso antigo colégio. É esquisito
sermos das mais novas, depois de nos termos habituado a
ser das mais velhas em Redroofs, mas agora já não nos
importamos.
- Talvez um dia sejam das mais velhas em Santa Clara -
disse miss Theobald.
Mas pensar que um dia seriam tão importantes como a
Mónica James, parecia às gémeas demasiada ambição.
- Oh, não! - exclamou Patrícia. - Nunca, nunca
conseguiremos chegar a chefes do último ano.
Mas miss Theobald sorriu misteriosamente. Conhecia
melhor as alunas do que elas se conheciam a si mesmas.
Aquelas gémeas um pouco endiabradas eram boas raparigas
e tanto a directora como Santa Clara esperavam que elas
não as desiludissem.
- Aqui estão as vossas cadernetas, dentro destes
sobrescritos - disse miss Theobald, entregando às gémeas
dois envelopes. - Dêem saudades minhas à vossa mãe e
digam-lhe que por enquanto não precisei de as expulsar.
- Deus queira que tenhamos boas notas! exclamou
Patrícia. - Declarámos ao nosso pai que não nos
esforçaríamos nada e se tivermos más notas deve julgar que
foi de propósito.
- Logo verão, quando chegarem a casa - respondeu miss
Theobald, sorrindo. - Mas, se eu fosse vocês, não me
preocupava muito! Adeus!
As gémeas despediram-se de toda a gente e a
Mademoiselle deu-lhes dois grandes beijos pois naquele dia
mostrava-se muito amiga de todas as alunas. Miss Roberts
apertou-lhes a mão e recomendou-lhes que não comessem
demasiado peru. Miss Kennedy estava um tanto triste, pois a
sua amiga, miss Lewis, já se encontrava completamente
restabelecida e no próximo período retomaria o seu lugar.
- Não voltarei a vê-las - disse a miss Kennedy, quando se
despediu das gémeas. - vou ter muitas saudades vossas.
- Adeus, miss Kennedy - disse a Patrícia. Ao princípio
fomos muito más para consigo, mas espero que nos tenha
perdoado. Hei-de escrever-lhe. Não me esquecerei.
- Nem eu! - acrescentou Isabel e então a Joana e a lida e
as outras aproximaram-se, rodeando a miss Kennedy que
ficou muito comovida quando as pequenas se despediram,
desejando-lhe felicidades. Ainda bem que afinal conseguira
ensinar alguma coisa.
Naquele dia, quem estava mais animado era o Binks.
Andava sem trela de um lado para o outro, comendo o
chocolate que as suas amigas lhe ofereciam, lambendo-lhes
as mãos e até as caras, quando se ajoelhavam para fazer as
malas. Nenhuma professora teve coragem de protestar e o
Binks divertiu-se imenso.
- Vai ser horrível ter que deixá-lo em casa quando voltar
para o colégio - disse Catarina, fazendo-lhe festas. - Mas não
faz mal. Agora teremos um mês de férias para estarmos
juntos. Miss Theobald escreveu à minha tia e ela vai ver que
tal o Binks se porta.
- Há-de portar-se bem - afirmou Joana. Mas tenho
impressão que vai seguir o teu exemplo, Catarina, umas
vezes há-de portar-se melhor e outras pior.
Catarina riu-se e deu à Joana uma palmada amigável. Ela
não vivia muito longe das gémeas e por isso tinham
combinado visitar-se, de bicicleta. Sentia-se muito feliz.
Tocou o sino, significando que chegara a primeira
camioneta para levar as alunas à estação. Era a camioneta
destinada ao primeiro ano. Dizendo adeus às professoras, as
alunas correram pelas escadas e meteram-se em tropel
dentro da camioneta.
Que divertido irem para férias! Que divertido pensar nos
presentes de Natal que deviam comprar e deviam receber! E
os cartões de Boas Festas que tencionavam enviar.
Patrícia e Isabel entraram juntas para o comboio,
esperando que as alunas dos outros anos chegassem na
camioneta. Daí a pouco a máquina apitou e as carruagens
deram um solavanco. Partiram!
As gémeas foram à janela para verem mais uma vez o
grande edifício branco de que agora tanto gostavam.
- Adeus! - disse Patrícia. - Detestámos-te, quando te
vimos pela primeira vez, Santa Clara! Mas agora pareces-nos
encantador!
- Ficaremos satisfeitas ao ver-te outra vez! murmurou
Isabel. - Oh, Patrícia, que bom termos à nossa frente um mês
de férias. Até à vista, Santa Clara!
O comboio foi seguindo no seu barulho monótono, que
parecia dizer: “Queremos voltar p'ra Santa Clara” Uma
cantiga muito verdadeira, pensaram as gémeas!
Fim
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