ENRIQUEZ Eugene Homem.do.Seculo.xxi Sujeito.autonomo.ou.Individuo.descartavel

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    O HOMEM DO SCULO XXI: SUJEITO AUTNOMO OU INDIVDUO DESCARTVEL

    Por:

    Eugne Enriquez, Universit Paris VII

    RAE-eletrnica, v. 5, n. 1, Art. 10, jan./jun. 2006

    http://www.rae.com.br/eletronica/index.cfm?FuseAction=Artigo&ID=4263&Secao=PENSATA&Volume=5&numero=1&Ano=2006

    Copyright, 2006, RevistaRfractions. Artigo originalmente publicado sob o ttulo Lhomme duXXIe sicle: sujet autonome ou individu jetable, de Eugne Enriquez, na revista Rfractions, n. 12,abr.-maio 2002, p. 125-136. Publicado com autorizao do autor e da revista Rfractions. Todos osdireitos, inclusive de traduo, so reservados. http://refractions.plusloin.org

    A RAE-eletrnica a revista on-line da FGV-EAESP, totalmente aberta e criada com o objetivo deagilizar a veiculao de trabalhos inditos. Lanada em janeiro de 2002, com perfil acadmico, dedicada a professores, pesquisadores e estudantes. Para mais informaes consulte o sitewww.rae.com.br/eletronica.

    RAE-eletrnicaISSN 1676-56482006 RevistaRfractions

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    O HOMEM DO SCULO XXI: SUJEITO AUTNOMO OU INDIVDUO DESCARTVEL

    Por que escolher um tema como esse: simplesmente porque o vnculo social, no momento atual, se

    desfaz cada vez mais rapidamente e porque vemos aumentar uma violncia que no a violncia

    fundadora do direito, nem a violncia necessria s relaes humanas (Kant notou que, sem

    discordncia, seramos apenas carneiros balindo), mas uma violncia por excesso, um mal radical

    elementar, como diria Levinas, que visa suprimir no somente o indivduo, mas o sentido, fazendo com

    que nada na vida tenha sentido.

    J antes da Segunda Guerra Mundial, Freud e Valry nos preveniram. Em O mal-estar da

    civilizao (1930), Freud notou que ns, nas sociedades ocidentais, tnhamos chegado a um nvel de

    tenso intolervel, tenso poltica e psquica, e que a humanidade seria capaz de se destruir

    definitivamente, de forma que aquilo que lhe havia permitido progredir tornar-se-ia a causa de seu

    desmoronamento. Paul Valry, por seu lado, em suas Reflexes sobre o mundo atual (1945) sublinhava

    o fato de que as civilizaes sabem que so mortais e a tendncia das sociedades europias a

    renunciar sua misso.

    Acrescentamos duas frases mais recentes: a primeira, de Georges Bataille: A humanidade

    inteira est ameaada a reduzir-se a um imenso sistema de escravido para todos; a segunda, de D.

    Rousset: Os homens normais no sabem que tudo possvel.Proponho, pois, uma viso trgica da vida, no para nos deixar invadir pela fatalidade, mas para

    examinar lucidamente se uma outra via possvel, se podemos fazer prevalecer a civilizao, apesar

    das ambigidades, sobre a barbrie. Partimos de uma constatao:

    1. De um lado, a partir do sculo XIX, com o discurso sobre a emancipao e o progresso

    humano, e mais particularmente durante todo o sculo XX, vimos se afirmar a idia de que o indivduo

    devia e podia tornar-se um sujeito autnomo, sujeito histrico (como disse Walter Benjamin: Todo

    indivduo um ser histrico), sujeito de direito, sujeito psquico e sujeito moral, portanto, sujeito de

    suas aes.

    Pela Declarao de Direitos do Homem e do Cidado, de 1789, e pela Declarao Universal dos

    Direitos do Homem, da ONU, de 1948, o homem reconhecido, na sua eminente dignidade, como

    tendo direito a ter direitos.

    Vou traar rapidamente essa emerso do sujeito.1 O sujeito histrico, ou seja, aquele que

    intervm no nvel poltico, que contribui para definir a orientao da sociedade e que participa

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    diretamente das decises essenciais relativas vida e morte, apareceu na aurora do sculo V a.C., em

    Atenas.

    O cidado ( certo que algumas pessoas no eram consideradas como tal: os escravos, os

    imigrantes, as mulheres, as crianas) utilizava sua liberdade para tomar parte ativa, se desejasse, do

    funcionamento da comunidade. Todos os cidados tm o mesmo direito palavra e devem ser ouvidos

    no espao pblico do debate, ainda que sejam os sofistas que cativem a ateno por mais tempo. Se,

    aps o desaparecimento da democracia ateniense, esse tipo de sujeito apagou-se (a tal ponto que La

    Botie pde se perguntar se no existiria um desejo de submisso, uma servido voluntria, permitindo

    ao Um governar, sem freios, todos os demais) durante os perodos feudais e monrquicos, ele

    reaparece na Inglaterra quando do estabelecimento da Bill of Rights (Carta de Direitos) e das

    revolues Americana e Francesa. certo que nem todas as pessoas receberam, imediatamente e sem

    resistncias, os atributos da soberania (as mulheres, na Frana, tiveram direito ao voto apenas em

    1945), mas progressivamente os diversos segmentos de uma nao puderam intervir no debate pblico

    e influenciar o caminho da nao na direo que eles consideravam a melhor.

    Para que o indivduo pudesse tornar-se um ser histrico, foi preciso naturalmente que ele se

    tornasse um ser de direito, ou seja, algum que desfrute de direitos (direitos polticos, direitos civis e,

    mais recentemente, direitos sociais) e sobretudo que seja reconhecido como tendo o direito, como ser

    humano e como cidado de um pas, de gozar da totalidade dos direitos acordados (ou arrancados) ao

    conjunto dos cidados nacionais ou ao conjunto dos homens residentes num territrio. O sujeito de

    direito , pois, um indivduo considerado, respeitado frente a todos os outros e que est sob a proteode uma lei semelhante para todos.

    o direito que funda a liberdade real dos homens, como pensava Rousseau. Sem o direito, cada

    um estaria merc do arbtrio do tirano, do Estado, da casta ou da classe. Mas no se trata apenas de

    usufruir o direito. Ser um sujeito de direito significa, igualmente, assumir-se como um ator no

    estabelecimento das leis (seja diretamente, seja por intermdio de representantes) e agir ativamente

    para fundar e refundar a lei e para fornecer ao mbito legal, assim formado, as suas fontes de

    legitimao. O sujeito de direito constitudo lentamente no debate contnuo contra as formas de

    dominao e, na maior parte do tempo, se consolida por meio de aes coletivas exemplares, que

    mostram sua fora. Assim, no se pode esquecer que no fundamento do direito reside sempre a fora,

    mas uma fora que tende a se negar, visto que est na origem das obrigaes sociais e da armadura

    jurdica nas quais se funda.

    O nascimento do sujeito psquico mais recente. psicanlise que o homem moderno deve

    no apenas a descoberta crucial do inconsciente e, portanto, de sua diviso estrutural, mas sobretudo do

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    reconhecimento em si de uma atividade psquica intensa e contnua (que no se reduz s faculdades

    cognitivas), outorgando um grande lugar ao jogo das pulses, dos sentimentos, dos desejos, das

    fantasias e dos processos de recalque, de idealizao, de projeo, etc., que animam tanto a vida dos

    indivduos como a do socius. Ser reconhecido como sujeito psquico ser respeitado em seu frum

    interior, no seu trabalho de pensamento, na sua atividade de sublimao, ser protegido das mortes

    psquicas, realizadas pelos adversrios que so, s vezes, os pais, e aparecer como o mais

    insubstituvel dos seres, dando s imagens de intimidade todo o seu vigor. Reconhecer-se como sujeito

    psquico , por outro lado, aprender a se defender da fantasia da dominao total (o famoso mestre e

    dono da natureza) e se perceber como um indivduo clivado, submetido perda, falta, ao trabalho de

    luto e ao sofrimento, dvidas a pagar para poder realizar, pelo menos em parte, o programa do princpio

    do prazer. O sujeito psquico , assim, um ser que reconhece as suas contradies e os seus conflitos,

    sabendo que no totalmente senhor de sua prpria casa pelo fato de existir o inconsciente, submetido

    vacilao e ao medo do despedaamento, mas capaz de fazer de suas falhas o trampolim para chegar

    posio de sujeito humano e de sujeito social, estando ambos intimamente ligados, providos de uma

    membrana protetora (de um eu-pele, conforme D. Anzieu) e capazes de abrir-se ao mundo. 2 Pode-se,

    pois, concluir que o homem est no caminho de sua autonomia, de ditar a si mesmo as prprias regras e

    de ter uma viso otimista do futuro. O homem no teria mais necessidade de grandes transcendentes

    para conduzir a sua prpria vida.

    2. Mas, por outro lado, ao mesmo tempo, v-se surgir trs problemas fundamentais: a) o reino

    do dinheiro, tornado um fetiche sagrado; b) o aumento do poder do Estado; c) um retorno identitrio*

    ao grupo a que se pertence, e crena nos seus fundamentos.

    Vou tentar ser mais preciso sobre esses trs pontos e ver em que medida essa evoluo favorece

    a evoluo da autonomia do sujeito ou, ao contrrio, a sua submisso ainda mais forte. A partir disso,

    tentarei verificar a possibilidade de algumas portas de sada.

    A. O REINO DO DINHEIRO

    Est ligado submisso cada vez mais clara de todas as naes lei do mercado mundial, produzida

    pela vitria da racionalidade instrumental.

    Com efeito, o que triunfou a partir do sculo XIX e, de maneira mais evidente ainda, ao longo

    do sculo XX, no foi a racionalidade do homem tal qual fora vislumbrada no sculo das Luzes e pela

    Revoluo Francesa, racionalidade dos fins ltimos e dos valores irrigados pelos sentimentos e pelas

    paixes, tal como nos ensinaram Rousseau e Goethe, mas somente a racionalidade instrumental, aquela

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    que se interessa apenas pelos meios a serem utilizados e que responde s questo: como? Jamais

    questo: por qu?Essa predominncia se traduz pelo surgimento apenas da racionalidade econmica,

    aquela que permite o clculo dos melhores meios e dos melhores mtodos, clculo de custos e de

    vantagens, e que submete todo mundo ao reino do dinheiro.

    Essa racionalidade deformada, limitada, sinaliza o advento de uma forma de pensamento e de

    um estilo de ao perverso, j antecipado no sculo XVIII pelo marqus de Sade, ao dizer que, se o

    homem fosse totalmente livre, seria livre para se vender, conduzido venalidade generalizada. E que,

    se todos os homens fossem iguais, alguns poderiam usar o seu poder e a sua riqueza que so

    desigualmente distribudas para intimidar outros, para rebaix-los ao nvel de objetos, para us-los

    como instrumentos de seu prprio gozo.

    De certa maneira, podemos afirmar, sem risco de sermos contraditados, que o mundo atual se

    tornou sdico. Os antigos valores de mrito, trabalho, honra, prestgio e a herana histrica, usada pelo

    capitalismo, inclusive a honestidade, a integridade, a responsabilidade, o cuidado no trabalho, o

    respeito aos outros (Castoriadis, 1996), foram desvalorizados em prol de um nico valor: o dinheiro.

    Tudo se compra e tudo se vende. O axioma de L. Walras o de nossa sociedade, de onde deriva a

    possibilidade de corrupo generalizada, tanto dos grandes como dos pequenos, comportamento

    perverso por excelncia. Um novo impulso foi dado a essa tendncia pela predominncia

    contempornea das estratgias financeiras. O dinheiro deve criar dinheiro, de acordo com a

    necessidade, sem passar pela mercadoria, e assim criar novas riquezas, passando por cima das

    estratgias industriais que visam o desenvolvimento. Assiste-se a um aumento contnuo dasdesigualdades internas e externas, a um papel preponderante dos acionistas e dos titulares de fundos de

    penso em relao quele dos administradores e trabalhadores; globalizao das trocas que

    beneficiam essencialmente aos paises ricos que sabem como se proteger quando lhes parece

    necessrio; aos avanos tecnolgicos dos pases j desenvolvidos (as outras naes se encontram em

    situao de dependncia crescente, apesar das resistncias), que se tornam instrumentos das grandes

    potncias. A guerra econmica se intensifica a cada dia.

    Conseqncias ao nvel coletivo: dissoluo do vnculo social, excluso ou desvinculao

    social (R. Castel, 1995), competio exacerbada, pilhagem do planeta, enfraquecimento dos

    movimentos sociais, diminuio das lutas sindicais, e, por outro lado, importncia crescente das

    empresas, que querem ser as instituies divinas, e de suas conseqncias ao nvel individual: os

    indivduos devem se integrar, ou melhor, se identificar s organizaes das quais fazem parte, idealiz-

    las, colocando os valores organizacionais seu prprio ideal do ego no lugar dos seus prprios

    valores, transformar-se em instrumentos submissos, dceis mesmo, e sobretudo acreditar, se lhe

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    disserem e se eles se sentirem responsveis enquanto sujeitos, que esto a caminho da autonomia. a

    psicologizao dos problemas que se coloca em prtica. Uma instituio e uma organizao no so

    menos organizadas ou geridas dentro dessa concepo. Se elas fracassam, sempre ao indivduo que a

    responsabilidade imputada. Assim, os indivduos esto sempre em situao de prova, em estado de

    estresse, sentem queimaduras internas, tomam excitantes ou tranqilizantes para dar conta da situao,

    para ter bom desempenho, para mostrar sua excelncia (entramos numa civilizao de dopping); e,

    quando esses indivduos no so mais teis, eles so descartados apesar de todos os esforos

    despendidos. O homem tem, cada vez mais, a solido como companheira. Ele pode se transformar em

    algum intil ao mundo, para retomar uma velha expresso da Idade Mdia, um excludo definitivo,

    sem esperana de um dia voltar a ser includo. No sculo XIX, as pessoas que formavam o exrcito

    de reserva do capital eram excludas temporariamente do processo produtivo, mas sabiam que um dia

    poderiam voltar a fazer parte do grupo de includos, o que no o caso atualmente. Para dizer algo

    sobre o futuro, que parece bem sombrio a esse respeito, as novas tecnologias favorecem a eliminao

    de milhares de pessoas no mercado de trabalho.

    A racionalidade instrumental e as estratgias financeiras atingem, pois, o objetivo: utilizar o

    sujeito, que acredita ser em grande parte autnomo, para superexplor-lo e alien-lo. O processo de

    alienao to mais insidioso que muitas pessoas colaboram com a prpria alienao. Tornam-se

    utenslios manuseados pelos dominantes no alto de sua potncia. Estes ltimos tornam-se cada vez ou

    mais perversos ou mais paranicos porque tm o gosto pelo poder desmedido. A perverso pode, alis,

    assumir duas formas: a) uma forma ativa, na qual o perverso utiliza, com gula, os demais para torn-losdependentes e submissos, e contribuir sua prpria servido e humilhao; b) uma forma passiva, a

    apatia, tal como j observada no sculo XVIII por Sade. O aptico um indivduo que no sente

    nenhuma emoo. insensvel, e v os demais apenas como coisas abstratas, que podem, portanto,

    ser eliminadas fsica ou psiquicamente, se necessrio, sem que ele se sinta nem alegre nem incomodado

    (esse tipo de pessoa se desenvolve em nossas sociedades, que dizem que os chefes no devem ter tats

    dme,** e devem apenas fazer o seu trabalho da maneira mais perfeita). Esses indivduos (paranico,

    perverso ativo, perverso aptico) so naturalmente hostis s pessoas desviantes, no-conformes, aos

    sujeitos que pensam que so causa de si, como indicou M. Enriquez (1984). O mundo atual tende a

    tornar-se o do crescimento do desprezo, da generalizao da desconsiderao, do desrespeito, da recusa

    da diferena a que tem direito todo ser humano.

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    B. AUMENTO DO PODER DO ESTADO

    Se o indivduo submetido s estratgias financeiras, ele o igualmente ao Estado do qual cidado.

    A esse respeito preciso apontar, com H. Arendt (1973), para uma contradio entre os direitos do

    homem, que visam o universal no homem, e os direitos do cidado, que insistem na especificidade

    desse homem e seu sentimento de pertencer a uma nao, o que faz surgir e desenvolver o aptrida, o

    refugiado. certo que ele tem direitos no seu pas, mas direitos que dependem apenas da boa vontade

    do Estado, mesmo daquele que democrtico. Deve respeitar e submeter-se a todas as leis, mesmo

    quelas que lhe parecem injustas ou arbitrrias, e mesmo se for tratado como cidado de segunda

    classe, como o so os trabalhadores informais da Amrica Latina.

    Ele tambm submetido vontade de seu Estado de fazer guerra s demais naes (que foi no

    sculo XX, na maior parte do tempo, uma guerra ideolgica, total e de massa) ou suas prprias

    determinaes (guerra civil, genocdios do tipo que se viu no Camboja, em Ruanda, por exemplo). O

    homem no deve ser apenas um trabalhador que contribui para a riqueza de sua nao, ele deve ser e

    querer ser um guerreiro. No sem motivo que E. Jnger, em seu livroLe travailleur et la mobilisation

    totale (1930), unificou as figuras do trabalhador e do guerreiro: todo trabalhador permite sua nao

    ganhar, portanto ele um guerreiro; todo guerreiro realiza um trabalho necessrio nao preserv-la

    de outras ou de levantes internos ; ele , portanto, um trabalhador. De qualquer forma, o Estado pode

    exigir dele uma identificao completa aos seus valores como no caso da Alemanha nazista e do

    sistema totalitrio sovitico e definir quem tem o direito e o dever de fazer parte do Estado-nao equem deve ser descartado, rejeitado ou eliminado. Algumas pessoas tornam-se indivduos cuja vida

    indigna de ser vivida. Aquele que no incluso no discurso do amor comum no digno de viver, da

    os campos de concentrao e os campos de morte.

    Michel Foucault escreveu estas linhas que nos convidam a meditar: O homem, durante

    milhares de anos, era aquilo que dele pensava Aristteles, um animal vivo e cada vez mais capaz de

    uma existncia poltica. O homem moderno um animal vivo cuja vida constantemente questionada,

    no importa o que ele faa.3Ele mostra, assim, que nascia a biopoltica, ou seja, que a vida tal como

    ela era, tornara-se uma questo poltica. O que leva G. Agamben, autor de Homo sacer(1997) a dizer:

    A politizao da vida constitui o acontecimento decisivo da modernidade.

    Assim, o homem dito autnomo, o homem sacralizado e sagrado dos tempos modernos, pode

    vir a ser como o Homo sacerdo antigo direito romano, um indivduo no sacrificvel pois isso

    significaria que ele ainda parte da espcie humana , mas sim um indivduo passvel de ser morto sem

    sano. O Estado total (ou totalitrio), que coloca em prtica essa biopoltica, funciona sob o modo da

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    exceo que se torna a regra (o que leva C. Schmitt, terico do Estado total, a dizer: a fonte da lei a

    palavra do Fhrer quanto aos stalinistas e aos maostas, sabemos que ambos tinham sempre razo).

    O homem pode ser assim rebaixado condio de sub-homem.

    V-se, ento, que o homem levado em considerao enquanto homem (e no enquanto o que ele

    era antes: campons, arteso, comerciante, etc.) pode ser totalmente sujeitado. Retire-se dele a

    cidadania, e ele no mais um homem; rebaixe-o condio de animal, e ele no mais um homem. E

    tornado igual a todos, ele pode tornar-se um idntico, um clone, e pode ser substitudo por um outro

    idntico (a racionalidade instrumental, que considera cada um apenas um objeto, refora essa

    tendncia). Quanto aos dominantes, cresce a tentao de serem paranicos, perversos ativos e perversos

    apticos (carrascos que se habituam a tudo). certo que no estamos mais nos tempos do Estado total

    ou totalitrio. A democracia representativa triunfou. Mas, de fato, como vimos, a regra do dinheiro

    que adveio. O que torna o sujeito menos dominado pelo Estado (exceto nas ditaduras) substitudo

    pela sua sujeio ao dinheiro. Os indivduos tornam-se meros consumidores ou mercenrios. O

    cinismo se desenvolve. Os polticos parecem cada vez menos crveis, pois um bom nmero deles se

    deixa corromper.4 Um novo mal-estar est em vias de aparecer.

    C. OS RETORNOS IDENTITRIOS

    Contra todas as formas de violncia (do dinheiro, do Estado), contra esses monstros frios (na

    expresso de Nietzsche), o que possvel instaurar para se recriar um mundo caloroso, agradvel, eviver, no qual cada um possa ser reconhecido? Dois tipos de reaes podem ser aventados.

    Uma reao no nvel coletivo

    Muitas pessoas tentam reencontrar suas razes. O tema enraizamento, caro a Simone Weil, retoma o

    seu vigor. Ele se traduz por um interesse, e s vezes por uma idealizao, do regional, do local, do

    grupo a que se pertence. Retorno a terra, s msicas e linguagem local. Na Frana, percebe-se a

    importncia dada pelos bretes e pelos corsos utilizao da lngua deles, promoo de seu reduto e

    sua msica popular; retorno a alguns costumes, modos e danas de antigamente. Trata-se de

    reencontrar um convvio, o prazer de estar junto, de conversar longamente, de afirmar sua diferena

    cultural, assim como os afro-americanos e os afro-brasileiros podem reconquistar uma dignidade que

    perderam. Trata-se de uma reao normal e s que tem por objetivo restaurar um mundo passvel de ser

    vivido entre irmos e irms. Entretanto, essa reao envolve perigo, pois engendra perigos essenciais,

    tais como o retorno aos nacionalismos mais virulentos, por exemplo, o nacionalismo albans ou srvio,

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    para no falar dos nacionalismos da frica negra, que se traduzem pela eliminao e pelo massacre

    (Ruanda) de populaes inteiras; a renovao dos integrismos religiosos, a proliferao de seitas, de

    comunidades fechadas (dos guetos), gangues de bairro etc.; enfim, um esprito de corpo pervertido.

    Se importante respeitar as diversas culturas, como Lvy-Strauss sublinhou em Race et

    histoire, no qual demonstrou que nenhuma cultura pode se orgulhar de superioridade em todos os

    domnios sobre outra, essencial tambm que os povos no se refugiem em comunidades que se

    querem estticas. O comunitarismo afasta os homens uns dos outros, e pode fazer renascer aquilo que

    Freud (1930) chamou de o narcisismo das pequenas diferenas e que G. Devereux (1972) julga em

    termos severos: Se a gente apenas um capitalista ou um proletrio, um ateniense ou um espartano, a

    gente est bem perto de no ser grande coisa ou mesmo coisa alguma.

    Uma reao no nvel individual

    Vem-se cada vez mais pessoas que se voltam sua prpria identidade, que cuidam apenas de si, de

    sua vida privada, de seus investimentos cotidianos, de sua famlia. O homem, ento, no se sente mais

    fazendo parte de uma espcie humana e no participa mais do trabalho da civilizao. Considera os

    outros apenas obstculos ou objetos de prazer.

    Ademais, fora de ser s e responsvel, o homem acabou por considerar seu eu como um

    fardo, conforme observado por R. Sennett (1974). Ele est cansado de si mesmo (A. Ehrenberg, 1998)

    e se torna desamparado e deprimido, motivos para recorrer s drogas para manter-se de p e ter o

    sentimento de ser criativo. O estresse permanente que assalta os atores sociais lhes impede de seremcriativos (desenvolvimento do conformismo), e eles acabam por mergulhar na mediocridade, na

    insignificncia (Castoriadis, 1996), sinais incontestes da barbrie e de uma incapacidade para a

    transgresso.

    Se se reconhecer como sujeito essencial, ver-se apenas como um individuo indiferente aos

    outros e ocupado apenas com suas prprias preocupaes simplesmente mortfero.

    Existe uma sada? Pode-se reconstituir o vnculo social?

    Scott Fitzgerald dizia: preciso saber que o mundo sem esperana e, contudo, decidir mud-

    lo. Eu gostaria de retomar igualmente um verso do poeta alemo Hlderlin, do qual gosto muito: L

    onde crescem os perigos, cresce tambm a salvao.

    Atualmente as pessoas so cada vez mais capazes de fazer o diagnstico que acabo de

    apresentar. Podemos assinalar os sinais positivos: a famlia se reconstri, mesmo que o faa com

    mudanas. No se proclama mais a morte da famlia, como em 1968. Ela , apesar de tudo, um lugar de

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    calor e de intimidade. Surgem numerosas associaes (os restos du cur,*** as aes contra o

    desemprego, direito habitao, as redes SOS de amizade, etc.).

    Os grandes discursos ideolgicos desapareceram. Fracassaram porque se tornaram mortferos.

    Mas esse desaparecimento no impediu, apesar de tudo, a apario, h alguns anos, de movimentos

    sociais engajados, nos quais os objetivos no so sempre precisos, mas que questionam a sociedade

    atual. certo que no possvel dizer precisamente quais sero as conseqncias de suas aes. Isso

    no impede que esses movimentos existam e que j se faam ouvir. Progressivamente, as pessoas se

    pem a dizer que no querem mais um Estado totalitrio e que tampouco querem um Estado liberal que

    no se preocupe mais com a proteo social. Querem um Estado de outro tipo, que exponha os

    problemas em sua nudez, tentando resolver as questes urgentes, consultando as populaes e levando

    em conta suas opinies, e no seja um Estado estritamente gestor. Existe, pois, uma demanda pela

    formulao de novos ideais que no so grandiosos, mas que tambm no so puramente ideais de

    gesto. Ademais, como se sabe que no se pode pedir tudo ao Estado, vem-se aes assumidas cada

    vez mais por grupos e associaes (anti-racistas, auxlio aos clandestinos, de socorro aos carentes, etc.).

    Estamos assistindo a uma lenta mas real renovao da sociedade civil. Esse um ponto

    extremamente importante. No se pode pedir tudo ao Estado, ento preciso pr as mos na massa,

    tanto individual quanto coletivamente. O indivduo no deve se perder no coletivo, deve manifestar

    plenamente sua individualidade e ao mesmo tempo trabalhar com os outros para construir alguma

    coisa. Nada pode ser feito sem envolvimento individual forte nas aes polticas, que so pensadas,

    discutidas. E as pessoas comeam a crer.5

    Um outro ponto que me parece muito importante a renovao da noo de tica. Falou-se

    muito de tica nos negcios. No creio nela, e ela perigosa, pois se trata mais de uma deontologia do

    que de tica, mais uma prescrio do que propriamente princpios reguladores. Mas a preocupao tica

    torna-se importante em todos os lugares, no somente nos comits de biotica ou na vida das empresas,

    mas na vida de cada um de ns. Atualmente nos recolocamos algumas questes fundamentais que eram

    ocultadas.

    Eu gostaria de citar algumas delas, em particular as questes enunciadas por Max Weber: o que

    a tica da convico ou a tica da responsabilidade? At que ponto podemos ter convices slidas e

    discutir fortemente a partir do que pensamos, e ao mesmo tempo nos sentir responsveis pelas

    conseqncias de nossas aes? Podemos tambm nos interrogar sobre o fato de que, mesmo que

    tenhamos convices estabelecidas, elas no so necessariamente justas, e que, pois, preciso coloc-

    las prova da comunicao e da discusso. por isso que parece muito importante que se desenvolva o

    que Habermas chamou de tica da discusso (1983). O importante que as pessoas tenham o mximo

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    possvel de informaes, e que possam discutir no espao pblico para permitir que os problemas sejam

    verdadeiramente tratados. Estamos longe disso. A informao que temos no nem total nem

    pertinente. Porm, a demanda por informao aumenta.

    O indivduo comea a perceber que no apenas base de estimulantes que ele pode encontrar

    sadas, que no somente adotando todas as prteses possveis que ele pode se adaptar, mas que

    principalmente se interrogando sobre as suas capacidades, seus limites, sua mortalidade,

    individualmente e com os demais. O indivduo ento se confessa capaz de um trabalho de luto, de um

    trabalho de interrogao, que pode lev-lo a analisar-se, a trabalhar o seu frum interior, no para

    fazer anlise pela anlise, mas para tentar saber por que faz tal coisa e que sentido lhe atribui. dizer

    que retorna de maneira fundamental a algo que estava em vias de desaparecer: a questo do sentido. Os

    seres humanos so seres em busca de sentido. a definio fundamental de ser humano e ser social. De

    outro modo, seramos apenas animais totalmente programados.

    Os sujeitos se do cada vez mais conta da identidade dos problemas com os quais se defrontam.

    So capazes de comear a se interrogar. necessrio que haja pessoas que possam ajud-los a analisar

    o que esto fazendo, a fim de que possam pensar novos projetos, construir novas instituies,

    transgredir as regras que no valem nada e guardar aquelas que valem algo, retomar o que haviam

    esquecido, fazer experimentao social e, talvez, um dia formar um novo paradigma social e humano.

    Esse paradigma implicaria ter-se maior considerao pelos outros. Atualmente nos perguntamos: Em

    que consiste a dignidade do ser humano? O que o respeitar o ser humano?

    Existe um esforo nesse sentido. A renovao da tica, a emergncia de um desejo dereencontrar a alegria em trabalhar e em viver junto, o desejo de amizade, de convvio pode reconstruir

    o tecido social (Freud viu isso): o amor mtuo (a libido associativa), que est no fundamento do

    vnculo social, e no somente a morte mtua. graas a ele que se pode vislumbrar o

    enfraquecimento do Estado.

    Existem em nossas sociedades muitas mortes, mortes fsicas, mortes psquicas, mas o amor

    seja como amor total, seja como ternura, amizade, camaradagem, solidariedade, fraternidade que

    deve nos animar. preciso pensar no apenas na liberdade e na igualdade. A fraternidade tambm

    alguma coisa de essencial. a percepo real de que as sociedades no podem se fundar nem perdurar

    se no desenvolvem um mnimo de prazer, at o regozijo de estar junto. Eu diria que preciso re-

    instaurar o que Freud dizia: preciso, mesmo assim (e muito difcil), poder seguir o programa do

    princpio do prazer. E, naturalmente, a realidade sempre contra. Mas o programa do princpio do

    prazer , levando em conta a realidade, tentar se reconhecer mutuamente, fazer as coisas junto, e me

    parece que as pessoas mais mortferas, sempre mais numerosas, j comeam a desencantar um pouco.

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    O vnculo social no se construir a no ser que queiramos constru-lo, e se esse desejo for

    compartilhado por um grande numero de pessoas. O voluntarismo, naturalmente, no suficiente, mas

    sem ele nada possvel. A revoluo no pode ser feita em um dia, mas se faz todos os dias nas

    relaes cotidianas que mantemos, como j pensava W. Reich. E a est a entrada para um convvio

    verdadeiro, a edificao de uma democracia que merea esse nome, na qual o amor e a alegria estejam

    e continuem a estar presentes. Resta, pois, trabalhar nesse projeto, tentando afastar as tendncias

    mortferas (sempre reconhecendo-as, pois a pulso de morte sempre operante), e fazer triunfar, tanto

    quanto possvel, o prazer e o amor mtuo. Isso pode parecer utpico, mas como eu j disse tempos

    atrs: As sociedades que no sonham so sociedades que morrem. Certamente a diviso originria

    no cessar, e importante que permanea para lanar os movimentos sociais, instituir os desejos. Caso

    contrrio, h o risco de recriar as sociedades holistas, fusionais, sem conflitos e sem contradies. De

    qualquer forma, preciso lembrar do conselho de Maquiavel: E muitas se imaginaram repblicas e

    monarquias que nunca foram vistas nem conhecidas como verdadeiras. Com efeito, o que vivemos se

    distancia tanto do que deveramos viver que aquele que abandona o que est fazendo para dedicar-se ao

    que deveria fazer acaba mais por se destruir do que se preservar.

    Os profetas se enganaram: no h o fim da historia, no h sociedades felizes nem futuro

    radioso. Aqueles que acreditaram nisso destruram os homens e as sociedades em que viveram. E, no

    entanto, nem por isso preciso renunciar viso de sociedades mais justas, menos alienantes, nas quais

    os homens seriam mais inclinados sublimao que idealizao ou ao recolhimento em si mesmos.

    Se, como pensava Castoriadis (1997), falar j sublimar, estamos prontos para dar vida ao aforismode Nietzsche: uma bela loucura, falar com isso, o homem dana sobre e acima de todas as coisas,

    e poderemos, ao aceitar a diviso originria no social e no individual (o inconsciente e o consciente

    permanecem clivados), encontrar aquilo que Nietzsche chamou de caos; ou seja, favorecer a criao de

    uma sociedade que dana e no a de uma sociedade que pesa. 6

    NOTAS

    1 Retomo aqui uma passagem de meu texto mergence du sujet et formes dautorit, publicado na

    revista Pour, n. 165, GREP, 2000.2 Fim da reproduo do artigo citado.3 Citado por G. Agamben.4 No se pode esquecer que, se a virtude est no fundamento da democracia, ela sempre corruptvel.

    Tanto Maquiavel quanto Montesquieu insistiram nesse ponto.

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    5 Giordano Bruno j afirmava: Descobrirs em ti mesmo o meio de progredir medida que descubras

    uma identidade distinta a partir da pluralidade [...] A partir de mltiplos elementos, adaptar a si mesmo

    tudo aquilo que tenha forma e unidade. Citado por U. Eco (1965).6 Nietzsche escreveu: preciso ter o caos em si para dar luz uma estrela que dana, e ele opunha a

    msica de Carmen, de Bizet, de Wagner, qualificando a primeira de msica que dana e a segunda,

    de msica que pesa.

    Notas da tradutora* No original repli identitaire, que pode significar um recurso de isolamento do grupo de referncia

    ou um fechamento do indivduo em si mesmo. Estamos traduzindo como ato de retorno a si e/ou ao

    grupo, em detrimento do mundo exterior e do social.** Literalmente, estados de alma. Usamos o termo para significar algum que no sente e/ou expressa

    emoes, empatia, estresse ou sensibilidade ao outro; ou ainda, que completamente indiferente ao que

    possa acontecer ao outro afetado por sua ao ou deciso.*** Refere-se literalmente cadeia de Restaurantes do Corao, formada, sustentada e gerida por

    voluntrios, que atendem a populaes carentes em toda a Frana.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

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    FREUD, S.Malaise dans la civilisation. Paris: PUF, 1971.

    HABERMAS, J.La thorie de lagir communicationnel. Paris: Fayard, 1983.

    JNGER, E.La mobilisation totale. Paris: Gallimard, 1990.

    LVINAS, E. Quelques rflexions sur la philosophie de lhitlrisme. Paris: Rivages Poche, 1997.

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    SENNETT, R.Les tyrannies de lintimit. Paris: Seuil, 1979.

    VALRY, P.Regards sur le monde actuel et autres essais. Paris: Gallimard, 1945.

    WEBER, M.Le savant et le politique. Paris: Plon, 1959.

    Artigo convidado. Aprovado em 12.02.2006.

    Artigo originalmente publicado com o ttulo Lhomme du XXIe sicle: sujet autonome ou individu

    jetable, de Eugne Enriquez, na revistaRfractions, n. 12, abr.-maio 2002, p. 125-136. Publicado com

    autorizao do autor. Tambm disponvel em

    Traduo para o portugus de Maria Ester de Freitas.

    Eugne Enriquez

    Professor Emrito da Universit Paris VII e do Laboratoire de Changement Social. Doutorado em

    Psicossociologia e Sociologia Clnica. Membro fundador da ARIP Association pour la Recherche et

    lIntervention Psychosociologiques. Redator-chefe da revista Connexions e co-redator da RevueInternationale de Psychosociologie.

    Interesses de pesquisa nas reas de psicossociologia das organizaes e filosofia poltica e moral.

    Contato (telefone): 33 1 42490555

    Endereo: 56, quai de jemmaps, bat. A 75010, Paris France.