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Ensaios sobre Educação e Universidade

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Ensaios sobre Educação e Universidade

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Brasília | DFInep2006

Durmeval Trigueiro Mendes

Ensaios sobre Educação e Universidade

OrganizadoresMaria de Lourdes de Albuquerque Fávero

Jader de Medeiros Britto

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COORDENADORA-GERAL DE LINHA EDITORIAL E PUBLICAÇÕES (CGLEP)Lia Scholze

COORDENADORA DE PRODUÇÃO EDITORIALRosa dos Anjos Oliveira

COORDENADORA DE PROGRAMAÇÃO VISUALMárcia Terezinha dos Reis

EDITOR EXECUTIVOJair Santana Moraes

REVISÃOJader de Medeiros BrittoMaria de Lourdes de Albuquerque FáveroJair Santana Moraes

REVISÃO BIBLIOGRÁFICARegina Helena Azevedo de Mello

PROJETO GRÁFICO, CAPA, DIAGRAMAÇÃO E ARTE-FINALMarcos Hartwich

TIRAGEM1.000 exemplares

EDITORIAInep/MEC - Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I, 4º Andar, Sala 418CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFones: (61) 2104-8438, (61) 2104-8042Fax: (61) [email protected]

DISTRIBUIÇÃOInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio TeixeiraEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo II, 4º Andar, Sala 414CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFone: (61) [email protected]://www.inep.gov.br/pesquisa/publicacoes

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

Mendes, Durmeval Trigueiro.Ensaios sobre educação e universidade / Durmeval Trigueiro Mendes ;

organizadores, Maria de Lourdes de Albuquerque Fávero, Jader de MedeirosBritto. – Brasília : Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas EducacionaisAnísio Teixeira, 2006.

218 p.

ISBN 85-86260-29-0

1. Ensino superior. 2. Universidade. 3. Brasil. I. Fávero, Maria de Lourdesde Albuquerque. II. Britto, Jader de Medeiros. III. Título.

CDU 378.4

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SUMÁRIO

PrefácioO caminhar do educador:reflexões e propostas .......................................................... 7

1Realidade, experiência, criação .......................................... 17

2Fenomenologia do processo educativo .............................. 35

3Expansão do ensino superior no Brasil ............................ 73

4Governo da universidade ................................................... 105

5A Universidade e sua utopia ............................................. 133

6Pesquisa e ensino no mestrado de Educação ................... 143

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7Desenvolvimento, tecnocracia e universidade ................. 163

8Anotações sobre o pensamento educacionalno Brasil .............................................................................. 181

Biobibliografia do educador .............................................. 193

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PREFÁCIOO Caminhar do Educador:

reflexões e propostas

Para se falar dos escritos de Durmeval, será pertinenteressaltar que, em seus estudos e trabalhos, não há umaexposição linear. Em diversos momentos de sua atuaçãocomo pensador, professor, pesquisador, profissional queexerceu diversos cargos públicos, portanto, homem de ação,ele volta, de vez em quando, aos mesmos temas paraaprofundá-los, ampliá-los e enriquecê-los com novas re-flexões e propostas.

Feita essa ressalva, destacamos de sua produção teóri-ca alguns textos concernentes à educação e à universida-de, que certamente oferecerão subsídios para se pensar aeducação brasileira e as instituições educacionais, onteme nos dias atuais, a partir da visão teórica e do testemunhoconcreto de sua percepção dialética da realidade, quevivenciou com decisão, ciente de suas contradições e limi-tações, sem, no entanto, jamais perder a esperança.

Com vistas à elaboração desta edição, pareceu-nos tam-bém pertinente destacar alguns momentos-chave da atua-ção de Durmeval, ao longo de seu itinerário.

•••

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Em 1951, aos 24 anos, inicia sua vida pública, exercendo o cargo deSecretário da Prefeitura de Campina Grande, no Estado da Paraíba, e noano seguinte, o de Diretor do Departamento de Educação do mesmo Esta-do. No exercício desses cargos, inicia, também, sua carreira no magistério,como catedrático de Sociologia da Educação da Faculdade de Filosofia daParaíba e como professor de História e Filosofia da Educação no Institutode Educação. Tinha 26 anos, quando o governador José Américo de Almeidao convida para dirigir a Secretaria de Educação e Cultura dessa unidadefederativa.

Esse cargo marca os primeiros passos de uma carreira bastante ex-pressiva em organismos educacionais. Como Secretário de Estado, organi-za a Universidade da Paraíba, sendo escolhido, em 1956, como seu pri-meiro Reitor. Afastado desses cargos, em 1957, a convite da Alemanha,Durmeval realiza viagem à Europa, para observar o sistema educacionaldaquele país, assim como o da França, visitando também universidadesinglesas.

Em 1958, transfere-se para o Rio de Janeiro atendendo a convite de Aní-sio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), afim de exercer o cargo de Supervisor da Campanha de Educação Comple-mentar, em nível federal. Nesse ano, tem seu primeiro contato com a PontifíciaUniversidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), lecionando Filosofia daEducação no curso de Pedagogia. A partir daí, concentra suas atividades pro-fissionais como professor, pesquisador, administrador e sobretudo como edu-cador, no Rio de Janeiro. Por indicação de Anísio ao Ministro da EducaçãoOliveira Britto, é nomeado Diretor do Ensino Superior do Ministério da Edu-cação e Cultura (MEC), num período bastante conturbado (1961-1964), nahistória do País. De sua gestão nessa Secretaria, destacam-se várias iniciativascriadoras como as comissões de especialistas em todos os campos do saberuniversitário, tendo em vista a elaboração de currículos mais adequados àsnecessidades da sociedade brasileira e à evolução do conhecimento. Em 1964,um pouco antes do golpe militar, é indicado para integrar o Conselho Federalde Educação (CFE), onde permaneceu até setembro de 1969. Tem-se observa-do que é justamente ao longo desse período que seu pensamento educacionalatinge a maturidade, como se pode verificar nos pareceres que então emitiu.

Assume em 1965 a cadeira de História do Pensamento Econômico,na Faculdade de Ciências Econômicas, e mais tarde a de Sociologia, naFaculdade de Administração e Finanças da Universidade do Estado daGuanabara, atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Em1968, obtém a transferência da Universidade Federal da Paraíba (UFPB)para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), assumindo acadeira de Sociologia da Educação na Faculdade de Educação, da qualé afastado, em setembro de 1969, em pleno regime militar, quando oAto Institucional nº 5 (AI-5) o atinge, aposentando-o de suas funções

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públicas. Durante cerca de dez anos, não exerce qualquer atividade eminstituição ligada à esfera governamental. Somente em 1980, é reinte-grado como técnico do Ministério da Educação e professor universitá-rio. Nesse período, prestou assessoria à Universidade Cândido Mendese dedicou a maior parte de seu tempo aos Mestrados de Educação doInstituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação GetúlioVargas (Iesae/FGV) e da PUC-Rio.

Embora Durmeval afirmasse que "não sabia precisamente o fatodeterminante de sua aposentadoria", imposta pelo referido Ato, tudo levaa crer que deve ter pesado seu posicionamento, no CFE, explicitamentecontrário à inserção nos currículos da disciplina Educação Moral e Cívica,solicitada pelo Ministério do Exército. Segundo depoimento dele,

[...] o CFE capitulou frente ao poder, materializado pela presença intimidadora demilitares fardados assistindo a sessão plenária do Conselho. [...] Todos os conse-lheiros votaram favoravelmente à inserção no currículo dessa disciplina. Todos,

menos eu.1

Em 1980, juntamente com outras eminentes personalidades de nossomeio acadêmico-científico, que foram afastados pelo AI-5, é reintegrado noserviço público federal, em virtude da Anistia política então iniciada. Acei-ta o desafio de recomeçar a trabalhar no MEC, como Técnico em Educação,e na Faculdade de Educação da UFRJ, como docente-pesquisador, onde sem-pre se fez presente, especialmente na Pós-Graduação em Educação.

Para uma visão mais completa de sua trajetória pessoal e profissional,arbitramos, também, por colocar no final desta edição sua biobibliografia,contendo uma cronologia com seus dados pessoais e uma bibliografia desua produção.

•••

Num levantamento dos textos elaborados por esse educador, selecio-namos alguns publicados em periódicos. Esses textos contêm elementosdas matrizes teóricas, trabalhadas por Durmeval Trigueiro Mendes em seusestudos e oferecem subsídios valiosos para se pensar a educação e a uni-versidade no Brasil da década 60 aos dias atuais.

Dentre eles, chamamos a atenção para o primeiro texto, "Realidade,experiência, criação", publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagó-gicos, v. 59, n. 130, p. 227-240, jul./set. 1973, no qual o autor delineia umavisão filosófica de como se lhe apresenta o mundo e, nele, os percursos e

1 Ver Trigueiro Mendes, Durmeval. Depoimento concedido à Revista ANDE. São Paulo, n. 6, p.32, 1983.

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o papel dos seres humanos. Inicia com uma análise sobre os pressupostossocráticos da racionalidade e o pensamento carente de conteúdo. Faz umaanálise crítica ao fato de o método criado por Sócrates, a maiêutica, serconsiderado como criação livre, assinalando que [nos diálogos platôni-cos] acabava aprisionado [o discípulo] na verdade do mestre. Emcontraposição, Trigueiro Mendes defende a criatividade como liberdade efonte de renovação constante. Para ele, se com Sócrates o que se buscavaera descobrir o homem, com Heidegger o que se buscava era inventá- lo(p. 228). Assim sendo, o sujeito passa a ser entendido como um ser-aí, umser livre que escolhe e é responsável pela sua escolha. Para Durmeval,mais do que nunca, era preciso que o sujeito, ao usar a criatividade, pu-desse por meio dela se construir de maneira qualitativa. Observa, tam-bém, que a educação já tinha passado da fase do logos e se encontrava nafase da tecné e futuramente entraria na fase do eros , na qual se processa-ria a integração dialética entre logos e tecné. Em seu entender, a educaçãodo futuro deveria se caracterizar pela busca do humano. Busca essa quenecessariamente deveria passar pelo crivo da experiência.

Tendo presente essa concepção de homem, propõe uma didática edu-cacional que se apóie num conceito de educação em seu sentido maisprofundo: educere, que significa extrair, deixar sair de dentro, consentirque o aluno construa e junto com o professor interrogue a si mesmo e aomundo. Enfim, que use sua capacidade de criação.

O estudo "Fenomenologia do processo educativo", publicado, também,na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 60, n. 134, p. 140-172,abr./jun. 1974, contém uma análise sobre os temas: Faculdade de Educa-ção, metodologia educacional e legislação do ensino de 1º e 2º graus, vi-gente a partir do início dos anos de 1970. Nesse estudo, Durmeval apre-senta sua concepção de educação, entendida como uma atividade criado-ra vinculada ao desenvolvimento que favorece a "realização de um projetopedagógico", envolvendo vontade e colaboração de todos os integrantesdo grupo social, ou seja, uma "arte da práxis humana", viável einstrumentalizada pela consciência dos participantes. Reconhece que aeducação não deve ser isolada e distanciada da realidade social. Para tan-to, caracteriza a Faculdade de Educação como instituição responsável poresse fazer devendo constituir, no plano intelectual, uma das principaisfontes de planejamento.

Aqui, Trigueiro Mendes trabalha conceitos importantes, tais como:interdisciplinaridade, qualidade/quantidade do ensino; relações entre te-oria e prática; pesquisa como suporte ao ensino superior etc. Leitura aten-ta deixa perceber que a concepção do autor sobre educação, ensino e pa-pel da Faculdade de Educação no desenvolvimento educacional permite aramificação de outras idéias também relevantes. No entanto, paraDurmeval, qualquer ação da Faculdade de Educação necessitaria de um

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planejamento, pois no seu entender "qualquer sociedade moderna precisaplanejar sua educação reconhecendo nela a mais fecunda instrumentalidadepara o projeto de seu desenvolvimento. Por isso, a Faculdade de Educaçãodeveria ser uma das principais fontes de tal planejamento" (p. 141). Deforma reiterada, ao longo do estudo, há uma sugestão no sentido de distin-guir perspectivas futuras com os olhos do presente, sem nenhum tipo deacomodação, mas usando o que é permitido: o trabalho, o lazer, o agir e ofazer (p. 143-144), isso porque para ele: "o fazer e o agir se cruzamdialeticamente, de modo que os valores saem das mãos do homo fabertanto quanto entram no espírito do homo sapiens" (p. 144)

No tocante à pesquisa na Faculdade de Educação, considera que estadeveria basear-se em compromisso e responsabilidade, representando "oinstrumento de ligação entre as ciências da educação e a realidade social"(p. 165); deveria ser uma prática globalizante abrangendo sistema de ensi-no e sociedade e os resultados em termos de pesquisa seriam os deintegração entre teoria e prática (p. 166). Após analisar e considerar dife-rentes aspectos e conceitos concernentes à educação e ao ensino, além detecer algumas críticas ao processo educacional brasileiro, Trigueiro Men-des reconhece que "o maior problema da educação consiste em fazer ger-minar e formar profissionais sob padrões já estabelecidos, sem questionaraquilo que fazem, como fazem e para que fazem" (idem).

Num levantamento das matrizes teóricas que criaram as bases para sepensar a universidade no Brasil, incorporamos a esta edição algumas con-tribuições de Durmeval do período em que atuou como Diretor do EnsinoSuperior do MEC e, depois da segunda metade da década de 60, comomembro do Conselho Federal de Educação. Entre os estudos produzidosnesse período, destaca-se "Expansão do ensino superior no Brasil", publi-cado, inicialmente, na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 48, n.108, p. 209-234, out./dez. 1967. Nesse ensaio, Trigueiro Mendes sinaliza aexpansão do ensino superior alicerçada nestes postulados: a) constituium processo ambíguo capaz de dilatar mediocridades ou provocar a rup-tura do status quo, mediante novos marcos qualitativos, tornando-se ca-minho para o desenvolvimento; b) constitui fator de democratização, se-gundo a clientela a que vai beneficiar, com vistas à elevação dos padrõesde vida da comunidade; c) pode realizar-se sob forma de interiorizaçãogeográfica.

O eixo de sua tese consistia em articular a expansão universitáriacom o desenvolvimento nacional. Propõe duas condições para realizá-la:explorar até os limites as possibilidades de utilização dos núcleos de ensi-no superior qualitativamente sólidos e criar novos núcleos consistentesmediante implantação programada.

Defende, também, uma autonomia eficiente, a começar pelareformulação do planejamento do ensino superior, com a criação de novo

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sistema de articulação entre governo e universidades, sobretudo quantoao financiamento. Observa que a autonomia universitária deve ser res-peitada, evitando-se impor às universidades programas de trabalho, mas,por outro lado, o planejamento deverá ser obedecido com a fixação deobjetivos, segundo prioridades do desenvolvimento nacional. Adverteque "a expansão do ensino superior somente será legítima se se proces-sar sobre um lastro de qualidade, de efeito criador no sentido keynesiano.Fora disso, o que se faz é emitir sobre o vazio, é inflação negativa" (p.216). Assinala que o esforço de uma sociedade e democrática consisteem trocar o laissez-faire pelo planejamento. E deixa claro que a universi-dade deve ser como uma totalidade dinâmica que se forma pela conver-gência de todas as partes, distinguindo na educação permanente suaadequada expressão.

Outro estudo relevante do autor, que destacamos para incluir nestacoletânea, é intitulado "Governo da Universidade", publicado na RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 47, n. 105, p. 68-90,jan./mar. 1967. Fruto de conferência pronunciada pelo autor no Semináriosobre Ensino Universitário, de 3 a 5 de novembro de 1966, promovidopelo Conselho Federal de Educação, foi editado logo a seguir pela RevistaDocumenta, n. 64, p. 74-98, dez. 1966.

Trigueiro Mendes inicia esse trabalho assinalando que o "o problemado governo na universidade é o problema do poder no mais original dosregimes políticos" (p. 68) Focaliza o diálogo universitário, bem como asresponsabilidades do governo desse espaço, ao mesmo tempo que reco-nhece ser "a autonomia inerente ao governo da universidade e cujo sujeitoé a própria instituição, [devendo estender-se ] a todos os níveis da gestãouniversitária, não devendo constituir-se em monopólio de nenhum deles"(p. 69). Para Durmeval, "cada instância deve gozar de autonomia, no senti-do de autogoverno: as faculdades, os institutos, os departamentos." (idem),acrescentando: "A subordinação de cada um à instância superior não avincula ao arbítrio dos dirigentes desta, mas a uma vontade comum, ex-pressa numa política a que todos se subordinam, inclusive os órgãos maisaltos do poder universitário" (idem).

Analisando essa concepção de autonomia, inferimos que o autor pre-coniza a consolidação efetiva da autonomia e democracia nas instituiçõesuniversitárias, apoiando-se no pressuposto de que uma universidade apre-senta sempre diversos graus de poder, configurando o sistema político comouma pirâmide. Mas, para que uma instituição universitária seja de fato de-mocratizada, em sua visão, o poder deve fluir da base ao vértice. Ou seja, adefesa da universidade autônoma e democrática, segundo ele, deve apoiar-se no princípio da gestão democrática em todas as instâncias: reitoria, cen-tros, faculdades, escolas institutos, departamentos, etc. Assim sendo, im-põe-se que o governo da universidade traduza "uma concepção ministerial

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do poder, que é a antítese da vontade de poder" (p. 88). E complementa que"dessa forma, deverá subordinar-se a dois princípios: o da vontade comum,elaborada e executada através de métodos adequados, e o da gestão acadê-mica, pelo qual as instâncias de poder nos assuntos científicos serão provi-das por delegação do corpo acadêmico, segundo os interesses do ensino eda pesquisa" (idem).

No texto "A Universidade e sua utopia", publicado na Revista Brasi-leira de Estudos Pedagógicos, v. 50, n. 112, p. 223-231, out./dez.1968,Durmeval reflete sobre a multiplicidade dos saberes, assim como a possi-bilidade de sua conciliação, que constitui outro aspecto dramático da cri-se universitária (p. 223). Chama a atenção para a expressão "crise da uni-versidade", que no seu entender significa "a crise de uma instituição, ouseja de uma idéia" (p. 225). Nessa perspectiva, essa crise pode ser entendi-da como uma "fratura numa substância" (idem). Mas, "não se trata derearrumar os pedaços de uma estrutura decomposta, nem de compor novaestrutura para salvar velhas idéias" (idem). Para o autor, a crise de umainstituição universitária, "é uma questão de objetivos, de funções e demétodos". E, se não houver mudança nesses aspectos, nada mudará efeti-vamente. Como saída, ele observa que "o único instrumento apropriadopara tratar de uma crise, é a crítica, tomada no sentido filosófico, comoinvestigação fundamental da realidade, entendida como "saber radical ere-instaurador na ordem objetiva" (idem), acrescentando: "é preciso reco-nhecer que a universidade contemporânea tem vivido de ideologias, e queela precisa , urgentemente, construir sua utopia" (p. 225).

O autor conclui o texto tecendo alguns comentários e levantando ques-tões que ajudam a pensar a universidade no País: "No umbral da universi-dade se encontram os seus guardiães", e assinala: "dentro dos muros, háuma enorme e quase disparatada quantidade de coisas heterogêneas quelhe cabe reunir na unidade de seu comando" (p. 231). Em face dessa reali-dade, coloca as questões: "Que se deve deixar entrar? Como arrumar odesconexo que está lá dentro?", oferecendo elementos para se pensar auniversidade ontem e ainda hoje.

Entre os textos produzidos por Durmeval, especial destaque mereceser dado ao estudo "Pesquisa e Ensino no Mestrado de Educação", publica-do na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 68, n. 128, p. 249-264,out./dez., 1972, contendo a proposta inicial de um programa de pesquisa aser desenvolvido pelo Instituto de Estudos Avançados (Iesae/FGV), criadoem 1º de junho de 1971, mediante a Portaria nº 33, assinada pelo presi-dente da Fundação Getúlio Vargas.2

2 A respeito consultar Fávero, Maria de Lourdes de A. O autoritarismo institucional e a extinção do Iesae. Educação eSociedade, Campinas, v. 4, n. 85, p. 1257-1275, dez. 2003.

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Essa proposta, a ser desenvolvida pelo Instituto, abrangia três aspec-tos: "a filosofia, a estratégia e a articulação com o ensino" (Trigueiro Men-des, 1972, p. 250). Segundo esse pensador/educador, a pesquisa seria con-siderada a substância da pós-graduação, devendo priorizar a análise dapolítica educacional e do progresso das ciências da educação no país. Semmenosprezar a pesquisa empírica, Durmeval insiste que a pesquisa noIesae deveria caracterizar-se "pela reflexão filosófica, em busca de raízesde inteligibilidade da educação, de suas categorias e de seu processo, bemcomo pelo esforço de síntese", advertindo em seguida que: "Não imagina-mos, entretanto, a obra de pensamento separada da pesquisa teórica e dapesquisa empírica" (p. 252). A pesquisa educacional no Iesae, para ele,"deveria centrar-se nas áreas da pós-graduação: filosofia da educação (in-cluindo uma parte histórica), administração educacional (no sentidomacroestrutural) e psicologia educacional" (p. 253). Não significando po-rém três disciplinas, mas três campos bastante abrangentes, cuja integraçãopoderia oferecer uma base para o trabalho interdisciplinar, desde que pro-curasse incorporar, sempre que necessário, a contribuição de pesquisado-res de outros institutos, dentro e fora da FGV (p. 250 e 253).

Com base nesses pressupostos, Durmeval defende a existência de duasgrandes linhas de pesquisa: uma motivada pelas necessidades educacio-nais do País e pelas eventuais encomendas das instituições (por ele deno-minada "linha A") e a outra, requerida pelos programas dos cursos ("linhaB"). A primeira estaria ligada à realidade dos fatos, enquanto a segunda seordenaria de acordo com a lógica e o ritmo do currículo (idem).

Nesse texto, mostra também a necessidade de "substituir uma admi-nistração burocrática da educação, por uma educação técnica", assim comoem vez de um ensino alienado, se procurar oferecer "um ensino capaz deproduzir uma visão criadora da educação" (Trigueiro Mendes, 1972, p.249). Por essas razões, no seu entender, "há necessidade permanente dapesquisa educacional, que constitui a substância da pós-graduação" (idem).

Nessa proposta, para ele, a pesquisa em educação, no Iesae, deveriaobedecer a três postulados básicos: a) desenvolver-se em função da políti-ca educacional e do progresso das ciências da educação no País; b) com-preender, além da pesquisa empírica, a obra do pensamento, caracteriza-da pela reflexão filosófica; c) ser analítica mas também prospectiva, isto é,deverá se preocupar não somente com a explicação das estruturas exis-tentes, mas também com sugestões e indicações de outras formas e modosde funcionamento requeridos pelo desenvolvimento brasileiro (p. 250).

Quanto ao ensino, o autor observa "que a característica essencialda pós-graduação é a elaboração e não a informação" (p. 257),complementando: "o ensino, assim entendido, consiste no trabalho au-tônomo do aluno (mesmo em equipe), sob a orientação de docentes-pesquisadores, principalmente do professor orientador." Em suma, de

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forma clara nesse texto, Durmeval defende que na pós-graduação, emvez de o aluno receber um saber feito, deveria ser levado a fazê-lo porconta própria.

Outro estimulante ensaio de Durmeval Trigueiro Mendes sobre edu-cação e universidade é seu texto "Desenvolvimento, tecnocracia e univer-sidade", publicado na Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, ano 69, v. 49,n. 6, p. 5-18, 1975. O autor, de início, tece comentários que refletem suaspreocupações, como pensador dedicado, em diferentes momentos de suavida, às tarefas e às práticas da educação e da universidade. Observa que"o exame das instituições envolve necessariamente o exame da ação doEstado. A liderança deste tem como uma de suas vantagens decisivas an-tecipar-se à evolução espontânea das instituições ou das estruturas soci-ais e sobrepor ao jogo errático dos fenômenos uma vontade normativa" (p.5). No entanto, assinala que, naquela época, "a marcha do desenvolvimen-to – como idéia e como processo – vinha se realizando em cima de contra-dições e que nos últimos anos, de forma cada vez maior, tinha afetado ogoverno das universidades" (idem).

Ressalta que "o grande problema do governo da universidade é o daconciliação entre a autonomia e a heteronomia, entre sua vontade e a doEstado" (p. 6) e acrescenta: "simplificando os termos do problema, poderí-amos dizer que, teoricamente, se revestem de extrema importância, comoo confronto do que deveriam ser duas expressões de síntese nacional"(idem). Uma como estrutura de poder e a outra, como estrutura de saber.

Prosseguindo suas análises, assinala que "uma nação moderna nãopode viver de um pequeno grupo de superdotados, mas da eficiente edu-cação do povo" (p. 10). De forma clara, defende a "universidade pluralista"(p. 16) e indaga: até onde as universidades no País – públicas e privadas –caminham nessa direção? Finalizando seu trabalho, observa que o"facciosismo deve ceder lugar ao pluralismo. O método da violência ao dainvestigação racional" (idem). Finaliza seu texto com uma frase que refletesua concepção de pesquisa, quando observa: "a pesquisa universitária sig-nifica a busca de um novo cogito: instaurador" (p. 16).

Encerrando essa seqüência de estudos, incluímos um de seus últimosescritos, intitulado "Anotações sobre o pensamento educacional no Bra-sil", em que oferece uma perspectiva histórica de suas matrizes a partir daemergência do ideário da Escola Nova na educação brasileira e seus prota-gonistas mais eminentes, numa análise sempre independente. Em segui-da, considera tendências em curso nos anos 80 do século passado. Essetrabalho foi publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 68,n. 160, set./dez. 1987, logo após sua morte.

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Passadas quase três décadas, acreditamos que as reflexões e propos-tas desse pensador/educador continuam válidas, oferecendo subsídios paranovos estudos e pesquisas na área de educação e, especialmente, no quese relaciona à questão universitária, como parte expressiva da realidadebrasileira. Por essas razões, pareceu-nos oportuno incluir nesta edição abiobibliografia do educador, contendo sua cronologia que visualiza a tra-jetória pessoal e profissional nos sessenta anos de sua breve existência,completada pela bibliografia de sua produção acadêmico-científica.

Os estudos aqui reunidos visam recuperar, para a reflexão contempo-rânea, o pensamento de um educador brasileiro no auge de sua elaboraçãoteórica, alicerçada em sua experiência de trabalho, ao vivenciar as com-plexas realidades educacionais quando exerceu funções relevantes na ad-ministração pública, na jurisprudência do ensino, bem como na práticado magistério e da pesquisa.

Este trabalho é um dos produtos da pesquisa Durmeval Trigueiro Men-des e a questão da Universidade: 1960 a 1980, apoiada pelo CNPq. Nolevantamento e na ordenação da biobibliografia, bem como na digitaçãodos textos, foi de grande valia a contribuição dos bolsistas: Fabiana AlivatoGomes, Renata Antunes Gonçalves e Vinicius Neves Sabbadim.

Rio de Janeiro, junho de 2005.

Maria de Lourdes de Albuquerque FáveroCoordenadora do Proedes/FE/UFRJ e do

Mestrado em Educação/FE/ UCP

Jader de Medeiros BrittoPesquisador do Proedes/FE/UFRJ

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1Realidade, experiência,

criação*

O tema criatividade é próprio para com ele se proceder auma porção de desmistificações. Por exemplo: qual o valorreal da tradição, da autoridade, da norma externa, da socie-dade, do "nomos", enfim? Qual a significação de ensinar ede aprender, de educar e de educar-se, de alteridade e deautonomia? O que caracteriza a nossa época, do ponto de vis-ta histórico, é exatamente a necessidade de rever essas instân-cias. Não que o valor e a forma a elas atribuídas no passadoconstituíssem mistificação, pois, ao contrário, durante longoperíodo da história, esse valor e essa forma desempenharamuma função necessária. A sua perduração é que representauma impostura, agora que a criatividade foi finalmente erigidaem instância maior da cultura e da sociedade.

Sócrates, criação livre?

A nossa época adquiriu a consciência de que a cultu-ra e o próprio homem têm de ser re-inventados, enquanto

* Publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 9, n. 130, p. 227-240, jul./set. 1973.

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outras épocas acreditaram que devia ser conservada a cultura, e desco-berta – ou redescoberta – a imagem do homem segundo a qual ela foicriada. Sócrates inventou a razão, como já se disse, mas apenas paradescobrir, dentro dela, uma essência eterna, que o seu discípulo Platãoveio a consubstanciar, depois, nos Arquétipos. Razão para conhecer-se– "conhece-te a ti mesmo" – e, no fundo de si mesmo, sob a forma dereminiscência, o rastro das idéias. Para Platão, por isso mesmo, apren-der era recordar: não o legado do homem, mas a pegada das essências.O seu mestre, Sócrates, por mais que lhe devam a cultura e a educação,foi menos libertador do homem do que pode à primeira vista parecer: asua "maiêutica" representou muito mais o método de assimilação quede criação livre. Se era verdade que, no método socrático, nada eraapreendido sem a adesão livre do discípulo, também era verdade quese elaborava, através dele, muito mais que a criação de novas verdadesdo homem, a adesão à verdade do mestre, como instância intermediá-ria entre a razão individual do aluno e a razão universal. A razãosocrática abre o caminho para o absoluto, mas não para a história; elasoube ir do contingente ao transcendente, do concreto ao abstrato, doparticular ao geral, do homem aos arquétipos, mas não conseguiu com-preender que o absoluto se encarna na história, e que os indivíduos,como seres particulares, não se opõem ao absoluto, mas representamas suas multiplicadas aparições ao longo do tempo. Sócrates libertou oeducando da autoridade do educador, mas não dos valores que o edu-cador representa.

A grandeza do mestre estaria:

1º) em purificar-se para poder contemplar as idéias (nisso consistia adialética de Platão) e;

2º) em criar um método que permitisse aos discípulos seguir o mes-mo itinerário.

Os equívocos de Sócrates se devem às limitações inevitáveis da pers-pectiva de sua época. Antes de tudo, o mestre não chega, jamais, a ser atransparência dos valores que o transcendem, e ao aluno, como objetivode ambos na educação. A purificação do indivíduo, alçando-se ao absolu-to por cima da sociedade e da cultura constitui uma ilusão que a filosofiae a psicologia moderna desbarataram, como o demonstram, por exemplo,a teoria da personalidade básica, do antropólogo Kardiner, ou a teoria decampo, do psicólogo social Kurt Lewin.

Em segundo lugar, o absoluto não existe só fora de nós, nós o constru-ímos. Por isso, poderíamos dizer que Sócrates representou uma vertenteda cultura humana, e que nós estamos criando a outra. Ele descobriu o

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homem – nós estamos tentando inventá-lo. Este seria o significado maisprofundo, por exemplo, do existencialismo.

A Arte: busca do absoluto no particular

Redescobrimos o particular, o concreto, o corpo, o indivíduo. A arte é abusca do absoluto no particular, e mais: ela é a busca do absoluto no indiví-duo e não na esfera do universal em que ele se perde, Sócrates criou o si-mesmo (uma espécie de antecipação do pour-soi) e libertou o homem da au-toridade que não emerge da própria razão. Mas o si-mesmo do filósofo gregoera apenas o espelho em que as idéias se miravam. Para nós, hoje, o si-mesmoé fonte de valores e de essências. Para Sócrates o si-mesmo era o Universalque vinha habitar o homem; para nós ele é o particular que vai enriquecer ahistória. A liberdade que Sócrates criou tinha um nome: razão.A nossa sechama criatividade,que não só é fruto da razão (como instância da universa-lidade) mas da existência assumida pelo indivíduo como aventura de suaconsciência interrogativa. Para ele,a razão era a força necessitante por exce-lência. Entretanto, Freud descobre o eros, os filósofos modernos descobrem aexistência – isto que está contundentemente aí, o dasein de Heidegger, a vidatoda se abre em possibilidades que não são só as da liberdade, ancorada narazão, como também as da existência, como intencionalidade e como origina-lidade radical. O indivíduo é, em certo sentido, o absoluto. Santo Tomás ocompreendeu, ao dizer que o geral não existe, só o indivíduo; e, ainda, que oindivíduo é inefável pelas riquezas que encerra.

Se lhe dermos a solidão, o indivíduo redescobrirá a sociedade. Se lheassegurarmos a liberdade, o si-mesmo descobre a transcendência dentrode sua própria obra. Se o deixarmos fazer, ele faz o ser. Se lhe conceder-mos o lazer, ele realiza o único trabalho que muda a qualidade da vida. Selhe dermos a autonomia, ele reinventa o mundo. Por tudo isso, o imaginá-rio da criança – a ser preservado na idade adulta – constitui a única fontede renovação possível. Alfred Marshall - economista inglês do fim do sé-culo passado – com muito mais juízo que muitos dos economistas moder-nos, afirmava, sabiamente, que

[...] uma educação geral é preciosa, mesmo se não tem aplicação direta, porque

ela torna o indivíduo mais inteligente, mais preparado, mais seguro no seu traba-

lho corrente; eleva a qualidade de vida, durante e fora de suas horas de trabalho,

contribuindo, de maneira importante, para a produção das riquezas materiais;

[...] posta à parte a faculdade de percepção e de criação artística – acrescentava

ele – pode-se dizer que o que torna os trabalhadores de uma cidade ou de um país

mais eficientes que outros é, sobretudo, um nível superior de inteligência geral e

de energia, já que não são especializados numa função, qualquer que ela seja.

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Logos, tecné, eros

Muitos economistas modernos – embora não os mais lúcidos – só sepreocupam com a educação técnica, oposta à educação geral ou prepon-derante em relação a ela. Ora, a verdadeira significação da técnica, surgin-do prospectivamente, da cultura moderna, consiste em converter todo agirem fazer, e todo fazer em agir, mediante uma práxis integradora do espíri-to e da matéria. Se a técnica é o domínio do fazer, este, por sua vez, repre-senta o ponto de encontro entre a matéria e o espírito, o ser e o mundo, acontemplação e a ação. Por ele – o fazer – é que as coisas vêm a nós,devidamente apropriadas pela nossa práxis, e são depois devolvidas aomundo externo com o selo de nossa criatividade. Nós só sabemos o quefazemos e não fazemos senão o que sabemos.

O fazer é a experiência que retorna da percepção e se materializa nacriação. Percepção, concretização (isto é, redução do universo ao indivi-dual), expressão, eis o périplo realizado pelo processo criativo – na arte ena educação. Graças a ele, arte e educação, como processos, se tornamconceitos co-extensivos. Não existe arte na educação: existe arte-educa-ção, a educação como consciência artesanal, como opus, como identifica-ção do homo sapiens com o homo faber, do logos com a tecné. Enquanto aeducação tradicional se caracterizava como obra do logos, e a mais recentese assinala como obra da tecné, prenuncia-se a do futuro como integraçãodialética do logos, da tecné e do eros, este último reconciliando entre si osdois primeiros, e indo além deles, como busca do humano como criaçãogratuita, que não obedece aos a priori do logos, nem à mera funcionalida-de da tecné.

Nível experiencial

Dentro desse quadro, é extremamente importante a função da experi-ência. O nosso fazer tem sempre o nível de nossa experiência, seja elaqual for. Como o ser é a existência que se assume, a nossa praxis é a nossacriação. Isso, tanto no plano imaginário como no plano real, na medidaem que os dois são um só. Através do fazer, a nossa existência se assume,antes de mais nada, pela imaginação: o homo faber é o único em que o sere o fazer se confundem, imediatamente, com e pelo imaginário. Qualquerpessoa se movimenta num universo construído pelas suas imagens, e en-quanto alimentado por estas, num espaço de criatividade. É sempre novaa imagem, originariamente, isto é, no momento em que ela está rente, semqualquer intermediário, com a percepção, e entregue ao dinamismo desta.A imagem capta e ao mesmo tempo escamoteia o real; assimila-o e "falsifi-ca-o". A arte é uma falsificação na medida em que ela não reporta os seres

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como são na natureza, mas como os faz o nosso imaginário que é, por issomesmo, o homem acrescentado à natureza e, em certa medida, à própriacultura.1 Quando Fernando Pessoa julgava o poeta um mentiroso, e procu-rava "mentir" a si mesmo usando diferentes pseudônimos, em diferentesobras, ele sabia que cada um desses pseudos, desses falsos, era a verdade deuma fantasia múltipla e incansável. Quando Oscar Wilde dizia que a natu-reza imita a arte, mostrava a raiz desse processo pelo qual a natureza vista éa natureza na qual estamos nós próprios – seus contempladores – investi-dos como seus criadores. Nós somos criadores do que vemos. Daí nasce aambigüidade dialética da cultura, e os seus movimentos contraditórios, dedescobrir e de ultrapassar. A cultura é um sistema de significações repassa-das de tal ambivalência. Nós significamos o mundo que nos significa.

O mundo e o mito

Os mitos têm de comum a superfetação. A realidade é traída pelacultura, da mesma forma que na cultura a realidade se traduz. A consciên-cia dos fatos é imediatamente a superfetação dos fatos. A consciênciaaperceptiva engendra, na própria percepção, o processo gerador do mito.Toda obra de arte representa a reconquista da realidade fora dela, por as-sim dizer, no espaço da liberdade e da invenção que é a contribuição doartista à elaboração da própria realidade. A cultura também é dialética.Informa-a uma dupla intenção: a de descobrir e a de transcender; a derefletir fatos e a de projetar arquétipos; a de ser, ao mesmo tempo, reflexae tensional. O mito e o mundo de certa forma se confundem, em conseqü-ência do caráter ao mesmo tempo intencional e interrogativo da consciên-cia, simultaneamente reveladora escamoteadora da realidade.

Usando uma imagem de Sartre, a consciência é uma "pente glissante",pela qual ela corre, imantada, para o en-soi; o en-soi é o néant do pour-soi."O cogito conduz necessariamente fora de si; se a consciência é um decli-ve escorregadio sobre o qual não é possível instalar-se sem logo se acharinclinado para fora, sobre o se-em-si, é que ela não tem nenhuma suficiên-cia de ser como subjetividade absoluta, ela reencaminha, de saída à coisa".Mas, por outro lado, a realidade do pour-soi, é a neantização do ser "e opour-soi aparece como uma miúda neantização que toma a sua origem noseio do ser; e basta essa neantização para que um bouleversement totalaconteça no En-soi. Esse bouleversement é o mundo."

1 A cultura se refere ao imaginário que, entretanto, ultrapassa o próprio imaginário.

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Entretanto, a nossa concepção diverge da de Sartre. Ao bouleversement(o mundo), eu preferiria o mito (realidade e cultura), e a temporalidade(ser e tempo), com outra óptica. Voltaremos à análise da temporalidade.

Liberdade de olhar

Depois de tudo isso, temos de reconhecer que a pedagogia é, antes detudo, liberdade de olhar. Deixar ver, deixar expressar-se, consentir notateamento, na busca fora dos trilhos dogmáticos, reconhecer-se, cada um,enfeudado numa visão a longo termo viciada, que precisa libertar-se pelocontato com outras visões, especialmente as mais virgens, que são as maisjovens. Precisamos revolver a didática, substituindo o método queinstitucionaliza a indução professor-aluno, pelo método que promove oencontro dos dois no espaço da consciência interrogativa. Veremos que ainterrogação é mais vigorosa nos jovens porque sobre eles não se acumu-lou ainda a poeira das capitulações; o jovem é bravamente fiel ao universoque ele cria. Para reflorescer a árvore da civilização só a enxertia de suasinquirições cheias de radicalidade e originalidade na velha cepa ameaçadade apodrecer. Veremos que temos tanto de aprender com a pergunta dascrianças e dos jovens, quanto eles, com as nossas respostas. Terminamosnós próprios perguntando mais que respondendo, e isto é a vitória final dajuventude, de sua audaciosa ignorância, expressão apenas de sua procuraconfiante e enérgica do futuro. É isso o que quer dizer Margaret Mead, noseu livro mais recente, sobre a geração jovem em nossos dias, ao declararque, ao contrário do que a caracterizava noutros padrões de sociedade, elaestá destinada a ensinar e a conduzir as velhas gerações.

Voltemos à imaginação. Quando apenas reproduz, ela é, basicamente,memória. O que acrescenta a esta, em tal caso, é a subjetividade que acolore, que a singulariza, fazendo da própria imagem lembrada uma cria-ção nova, segundo o dinamismo que acabamos de assinalar. Imaginação,na raiz, é o que eu coloco de mim nas coisas e nas pessoas, no momento –e na medida – em que eu as assumi pela experiência.

As coisas são apropriadas criadoramente pela percepção. Depois, comotivemos a oportunidade de lembrar, elas são devolvidas ao mundo externo,modificado pelo nosso filtro. Acontece que esse filtro é constituído de per-cepção e de ação, a primeira completada pela segunda. Um exemplo do podermodificador da percepção pode ser extraído da aprendizagem de língua es-trangeira. No laboratório de sons, percebemos o som emitido, e o repetimos.As repetições são inicialmente defeituosas, mas vão-se aperfeiçoando até arepetição limpa e exata. Por que gravamos nossa voz, repetindo o som queouvimos? Porque só o falar dá eficácia ao ouvir. Toda experiência é decisivaquando é assumida pelo corpo segundo um processo operatório.

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Conceito de criatividade

Resumindo, podemos dizer que educação é, filosófica e sociologica-mente, criatividade, e que esta é um processo no qual estão envolvidosfundamentalmente os seguintes conceitos:

a) o da existência assumida;b) o da imaginação como força pela qual a existência assume os obje-

tos, assumindo-se a si mesma, modificando-os e modificando-se;c) o do nível experencial, como a linha de integração entre o exterior e

o interior, o objetivo e o subjetivo, o ser e o fazer;d) o do fazer, como um artesanato da consciência aperceptiva e operatória;e) o da dialética entre o agir e o fazer. O agir, na filosofia tradicional,

era o fazer, na ordem dos valores, e o fazer, o agir na ordem damatéria. Ora, segundo a fórmula há pouco enunciada, o fazer e oagir se fundem, de modo que os valores saem das mãos do homofaber tanto quanto entram no espírito do homo sapiens. O ser é ofazer;

f) finalmente, existência assumida é liberdade. Está associada a essaliberdade a confiança, por vezes uma confiança trágica. Depois queo aprovado, o estabelecido, o tradicional, trouxeram a estabilidadee a segurança por décadas ou séculos, elaborar uma nova imagemdo homem e sobre ela construir novas esperanças constitui um atode coragem, semelhante àquele "otimismo trágico" de que falavaMounier. É esse ato de coragem singela e trágica que pratica qual-quer artista, e como ele, todo criador autêntico.

A criança vê deformidades

A professorinha que tem medo dos elefantes ou das flores inventadaspela criança, porque destroem as suas harmonias, tem medo das imagensnovas que estão surgindo no único celeiro da criação – que é o imaginário.A professorinha que desenha primeiro, para a criança desenhar depois,segundo o seu risco – seja para reproduzi-lo, seja para colori-lo – é a autên-tica representante da sociedade, que só sabe trabalhar com o estabelecido,o que já aprovou, o que assegurou estabilidade. O medo às garatujas dacriança não é só o medo ao "feio" – embora também o seja – é o medo aonovo: é a crença inconsciente de que o feio de agora poderá ser o belo deamanhã; e também que as formas tortas saídas da mão da criança poderãoexprimir, amanhã, a recusa ao "certo" de hoje; mas também, algumas ve-zes, o medo de que as deformações sob o lápis da criança sejam as queexistem na realidade, escondidas nas formas "perfeitas" de uma arte

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escamoteadora. A criança vê fraturas, deformidades, aleijões, que existem,de fato, e que os bem-pensantes procuram dissimular. E, outras vezes, essasfraturas representam a sua rebeldia contra os linearismos com que se expri-me o estabelecido muito limado e polido pelo "senso comum", que é comoos bem-pensantes chamam o lugar-comum.

Os criadores não têm medo

Quando Picasso resolve fazer um rosto com dois rostos superpostos,ele não infringe só os cânones da arte acomodada: ele agride os restos dehipocrisia da sociedade vitoriana que, mesmo quando já tinha deixado deser bela, ou feliz, não teve a coragem de renunciar à aparência de queainda o era. Esse inconformismo de um pintor exige tanta coragem quantoa do estadista que muda os rumos da história. Picasso vale De Gaulle.

Pode parecer que exagero. A coragem do estadista ou do guerreiroseria infinitamente maior que a do pintor com o seu inofensivo exércitode pincéis. Sim, e não. Sim, porque os riscos aparentes do artista sãomenores: alguns têm ido parar na guilhotina ou na cadeia, é verdade, masa maioria apenas irrita os conformistas, sendo que muitos os divertem.Um fenômeno de nossos tempos (que aparentemente repete outros, comoo da Grécia do século V (a.C. ou a Renascença) é que o artista,freqüentemente, se tornou parte e cúmplice da alta sociedade, exatamentea camada mais densa do conformismo social. Para não ter de sofrer com osartistas, a sociedade os incorpora – mas tem o cuidado de, antes, etiquetá-los devidamente. Só porque são artistas, eles podem transformar a ima-gem do homem e do mundo. Com esse carimbo, adquirem o privilégio daimunidade, mas a própria sociedade se imuniza do contágio da criatividade.O emblema sorridente, colocado no peito dos artistas, na verdade ardecomo um estigma de uma chaga. A sociedade condecora os criadores paraque a deixem em paz.

Pode ser simpático a muita gente, inclusive artistas, que se atribua aestes o privilégio da criatividade. Mas a verdade é que a criatividade nãoé especialização, mas a condição do homem. Os comunistas na Rússiapromovem, com perfeita eficiência, essa especialização: ficham os seusartistas, escritores e intelectuais, separam-nos numa colônia ou numaassociação de escritores, e passam em volta dessas organizações, ama-velmente, uma barreira de arame farpado. A associação e a colônia cons-tituem, ao mesmo tempo, a caracterização da condição do artista e olimite de sua liberdade. A criatividade, ao contrário de tudo isso, precisaser resguardada em todos os níveis e modalidades da educação.

Abaixo a formação profissional que opera, por exemplo, com as "sériesmetódicas" – como as adotadas antigamente no Senai – pelas quais os

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adolescentes e jovens se tornavam escravos do projeto de seus patrões e,liminarmente, demitidos de seus próprios projetos. Abaixo a visão estereo-tipada de Deus, do Estado, do homem, da sociedade – e de todo o trivialem que nós gastamos esses valores supremos! Abaixo os caligrafistas, ospuristas, os burocratas! E bem haja as imperfeições que reconstroem aimagem do mundo. As pontes tortas desenhadas pelas crianças de 4 e 5anos – pontes que, entre uma margem e outra, têm a flexão do sonho;sabe-se lá que arquitetos elas darão!

Pedagogia: arte do re-começo

A nossa pedagogia deve ter a coragem de ser a arte do re-começo.Pedagogia da dúvida em relação ao constituído, da esperança em relaçãoao que se está constituindo. De companheirismo entre mestres e discípu-los, irmanados por essa dúvida de modéstia e de sabedoria. Ela deve in-centivar a solidão, a experiência, a coragem, e a autenticidade. Esta pala-vra de que se usou, durante tanto tempo, com uma freqüência epidêmica,essa palavra, autenticidade, significa existência assumida, para voltarmos,mais uma vez, a essa expressão.

Precisamos instaurar a pedagogia do projeto, o qual não se situa ape-nas na escola, mas em todos os engajamentos de nossa práxis. Abaixo ahegemonia da escola na educação. Somos a favor de uma paidéia secretadada própria politheia e por esta articulada.

A cultura antiga achava que a sociedade deveria ser conservada,

1º) porque julgava que suas raízes eram eternas (Deus ou princípiosemelhante – como as idéias de Platão – , representado pelo Prín-cipe, na ordem política, ou pela legalidade interna das coisas, naordem cósmica);

2º) porque a cultura, tal como estava constituída, representava paraos que eram os seus detentores exclusivos – as classes dominantes– a base dos privilégios em que se firmava essa dominação, e aprópria justificação deles; repasto de que eram os únicos usufru-tuários e instrumento de racionalização.

Hoje, certo tipo de ignorância deliberada e audaciosa substitui a de-pendência erudita. Fenômeno que só se tornou possível no momento his-tórico em que se arruinou no indivíduo a adesão aos valores constitutivosda sociedade. Nesse "corte espistemológico" (para usar a expressão deBachelard) vem a florescer a fé na criança como o mais descomprometidodos seres do universo histórico – e por isso mesmo o mais apto a inventar

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um outro. No mundo em que a Universidade agoniza, como instituição, asescolas maternais despontam como uma nova aurora do homem.

Ignorância criadora

Parece-nos, em certa medida, que os criadores ignoram o en-soi (oser), interessando-se, sobretudo, pelo pour-soi (a consciência). Entretan-to, na filosofia sartreana, brota a consciência como poder neantizante doen-soi. Être ce qu'on n'est pas et n'être pas ce qu'on est. A temporalidadesignifica projection de soi en evant de soi. Para Valery, o homem é o creuxtoujours future.

Há outro saber da "ignorância" criadora, um saber contra ab alio, noregistro nietzschiano. Em vez de saber, o homem inventa a vida (espíritodionisíaco).

A criatividade assinala a analogia, embora remota, entre o niilismo(Nietzsche) e a neantização (Sartre), mas inclui dois momentos diferentesda perspectiva existencial.

Nos séculos 18 e 19, a ignorância era a única coisa que não se perdo-ava ao indivíduo civilizado. Era exatamente importante saber tudo o queos outros tinham feito e pensado e, quase nada, sobre o que cada um seriacapaz de pensar e fazer a despeito dos outros. Atualmente, superada aobsessão erudita, e tida por arcaica a atitude que a gerou, nós vivemosuma época de ignorância criadora.

No campo da educação, Dewey compreendeu o valor positivo da ima-turidade. Ela não representa só ausência de acabamento (ilusório) – da-quilo que, em termos relativos, é próprio do adulto – como sobretudo apossibilidade de chegar a acabamentos diferentes e talvez melhores queos atuais. Rejeitam deliberadamente o en-soi, para afirmar o pouir-soi. Essetriunfo do si-mesmo se chama criatividade.

Todo o problema é o de saber como se faz a cultura de um homem. Dequanto ele precisa de si mesmo, dos outros e da norma que porventuratranscenda a ambos. Várias ideologias coexistem, com a predominânciaeventual de uma ou de outra, segundo o momento histórico, que sustentaa prioridade de cada uma dessas instâncias. Prioridade dos outros – Marxe Durkheim; ou do si-mesmo – Freud, de um lado, e os existencialistas deoutro; da Norma transcendente, Deus ou qualquer dos mitos que o masca-ram: a razão, o poder, a nação, a raça – como foi o caso do nazismo. Muitossão os que hoje tentam uma síntese dialética entre o eu, a sociedade e onomos. A grande significação da arte na educação consiste, a meu ver, emfixar, de modo concreto, o valor do indivíduo como fonte primária decriatividade.

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Pode parecer contraditória essa observação, tendo em vista o caráternotoriamente societarista de nossa época. Onde o valor do indivíduo numasociedade na qual ele está esmagado pela burocracia, pelo Estado, pelamassa? Antes de mais nada, não há necessariamente oposição entre o pro-cesso societário e o processo criativo que tem no indivíduo a sua fonte,como podemos ver no exemplo histórico da polis ateniense do século 5a.C. Quase todas as grandes filosofias sociais, de resto, procuraram essaconciliação. Há contradição, sim, com um estilo societário estabelecidode uma vez por todas e apoiado exclusivamente na autoridade das gera-ções adultas. A isso é que se chama, depreciativamente, o establishment.E a prova de que não se comete contradição ao se sugerir que a nossaépoca se caracteriza pela irrupção do indivíduo como fonte de criatividade– contra todo o aparato coletivista e totalitário que, no entanto, constituisua aparência mais ostentosa – é notar que a grande luta que enfrentamhoje todas as regiões do mundo é contra o establishment. O que se preten-de é dar chance à consciência original que só pode surgir do corte no"continuum" social, produzida pelo indivíduo e pela força aperceptiva dasnovas gerações. Acho significativo o caso do Brasil. A nossa cultura tem-se desenvolvido sobretudo nas artes, onde os jovens, desaparelhados deformação científica consistente, são impulsionados mais por forças vitaisque intelectuais. Como as gerações adultas se alienaram na cultura inte-lectual, em vez de a transformarem num meio de criação e de desenvolvi-mento, os jovens arrebataram-lhes, a liderança graças ao vigor de sua ima-turidade descobridora.

Os artistas e os "hippies"

A ruptura com o establishment, considerado como sufocação do novoe do original, do descomprometido e do gratuito, corresponde à ascen-são da juventude ao protagonismo da sociedade, e vem sendo dramati-zado pela rebelião dos hippies. O hippie, me parece, é o jovem que, nãotendo tido a chance de criar nada, tudo deseja destruir no establishment– para preservar o direito de criar um novo mundo. Um jovem a quemnão foi dada a possibilidade de criar uma ordem humana flexível, modu-lada pelas diferenciações individuais, é compelido a "criar" a desordem.Trata-se de uma criação, sim, do exercício de uma força que tentei defi-nir como uma espécie de vitalismo dionisíaco. Embora haja artistashippies, a diferença entre os artistas e os hippies, me parece, é que os pri-meiros conseguem articular a sua criatividade – articulando o mundo aoseu imaginário (assumir-se é assumir o mundo, convém reprisar), enquantoos outros vêem destroçada a sua criatividade, já que o seu imaginário estáabafado pelos destroços do mundo. Eles renunciaram à função construtiva,

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extremamente penosa, que está ligada ao novo protagonismo dos jovens – epor isso fazem como os kamikases japoneses na 2ª Guerra: destroem-se,contanto que destruam a carapaça desse velho navio que nos carrega a to-dos e do qual não conseguimos libertar-nos.

Individualismo comunicante

Indivíduo, entretanto, é um termo ambíguo. A afirmação de seu tri-unfo é perigosa sem a cautela de certas distinções. Há o individualismocomunicante e o individualismo isolante, segundo o indivíduo é entendi-do como um ser diferenciado ou como um ser fechado sobre si mesmo. Adiferenciação pede complementaridade, as visões nascidas do poder cria-dor de cada um se somam e se enriquecem mutuamente: através dos indi-víduos e de suas diferenças se restaura – diria melhor, se instaura a unida-de das coisas, não como unidade acabada mas como unidade tensional eem movimento incessante. Há um individualismo de posse e um indivi-dualismo de doação; um de ter, outro de ser. O economista F. Perrouxdistingue muito bem, a respeito do desenvolvimento econômico entre oavoir plus e o être plus. O individualismo possessivo deseja atrair os benspara usufruí-los no confinamento de seu casulo individual ou grupal, en-quanto o individualismo criador apropria o que recebe, para devolvê-lore-criado e enriquecido. O primeiro tem mão única, mas o segundo serealiza de acordo com o já referido vaivém dialético. Para usar imagens daBiologia, o primeiro opera por fagocitose – aprisionando tudo ao seu ape-tite; o segundo trabalha como a glândula, que retém a torrente sanguíneasó na medida em que pode mudar-lhe a qualidade, enriquecendo-a. Nocaso do individualismo possessivo, o indivíduo já está condicionado peloseu grupo, ou casta, que ele vê como projeção de si mesmo e de sua ambi-ção possessiva. Instituições como a família, a propriedade, a Igreja, etc.,para esse tipo de individualismo, não constituem instâncias intermediári-as entre o seu dinamismo criador e a totalidade social a ser fertilizada porele, e, sim, instrumentos de enfeudamento que o enquistam na totalidadee a desarticulam. Essas instituições, ao mesmo tempo que representam oindivíduo, o sufocam, e então a religião se torna sectária, a propriedadeopressiva, e a família, uma fonte de discriminações sociais.

No outro caso, o indivíduo mantém o diálogo direto com o universo.Ele é um ponto da circunferência, podendo contemplar toda a vastidão docírculo. Esse tipo de individualismo, paradoxalmente, leva à totalidade, àsociabilidade, à universalidade.

A filosofia da criatividade elabora novo padrão de sociabilidade atra-vés de redefinição do papel do indivíduo na sociedade. A sociedade, parasobreexistir, tem de negar-se, continuamente, pela incidência polêmica da

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consciência pessoal: pois a sua própria substância é dialética, formadaduma continuidade descontínua que nos faz lembrar o pólemos patérpánton, de Heráclito. Por isso é que o rio em que voltamos a entrar, parautilizar a sugestão pré-socrática, não é nunca o mesmo de antes. O filósofodo devenir, porém, estava atento ao fato de que a dialética não destrói acontinuidade do humano, o que importaria destruir o homem; e mostraem cada manifestação individual uma manifestação do humano mesmo,tão rico e profundo que não tem limites: "Não poderás, escreve Heráclito,descobrir os limites da alma, ainda que recorras a todas as direções, tãoprofunda é a sua medida." É que o infinito do homem é o infinito, indivisívelem si mesmo, se revelando e realizando no tempo, in-finitamente, pelamultiplicidade dos homens, os quais, todos, como lembrava Pascal, mar-cham através do tempo como se fossem um só Homem. A reiteração sui-generis que o in-finito faz do inteiriço e indecomponível infinito, é toda aambigüidade da história e o paradoxo do homem. É a realização do Eter-no, no modo do tempo, discursivo, ilimitado, suscetível de mudança ecrescimento contínuo. O tempo se tornou o método especial do homem,de realizar os valores eternos. A existência concreta do homem é permeadae fertilizada pelo eterno, não para concretizá-lo cumulativamente, maspara exercer incessantemente a aventura de sua interrogação; para viver aexperiência de ser, em todas as direções e em cada uma delas, como umaaventura válida, um caminho substancial, e não uma simples interroga-ção neantizante e frustrada. Não é só a aventura de interrogar, mas tam-bém a de responder por uma múltipla, diversificada e constantementerenovada resposta.

Outro conceito de temporalidade

Creio que o infinito existe como dimensão a ser percorrida dentro dotempo, pois está encarnado na pessoa. O infinito, insisto, é o in-finito, ailimitação, o "que é suficiente para todas as coisas, e as excede". Para nós,o finito é o aliado do infinito. E só pelo homem e no homem, esses doisplanos irredutíveis de certa forma se fundem numa mesma substância. Sópela pessoa humana se temporaliza o eterno, e o infinito se transforma emin-finito, isto é, o infinito em discurso, não mais a simplicidade inatingí-vel – insuscetível de ser medida pelo tempo – mas o ato puro transforma-do em fermento da história, fonte de sua permanente tensãotranscendentalizante. Eis o absoluto – entendido abstratamente como oantitempo – realizado historicamente no tempo, o tempo qualificado queé o da pessoa. O ilimitado, aqui, em vez de opor-se ao Infinito, é a suareiteração e como que a sua imitação temporal; o número deixa de ser aantítese da perfeição, para seguir-lhe humildemente as pegadas. Pitágoras,

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através de Heráclito, encontra o caminho de Parmênides. O número abstratode Pitágoras, dialetizado pelo movimento de Heráclito, encontrou o eterno deParmênides. O sonho de atingir o infinito pelo número, que a visão estática dePitágoras não permitiu realizar, passando a encará-lo como entidade válidaem si mesma e subtraída ao seu próprio dinamismo – como uma espécie denumerus clausus – se tornou possível pelo instrumento dialético do siracusano;e assim também, a intuição de movimento, ao cabo do qual se descobre o ser,ingressa na Filosofia, e faz com que a idéia generosa do Parmênides, do serperfeito, não precisa alimentar-se da ilusão escamoteadora do devenir.

A originalidade da experiência individual não impede, entretanto, queos homens se reencontrem no corpo da história, como membros da mes-ma durée, e este é o sentido da sentença do Mestre de Éfeso: "Os homensnão compreendem como o que difere está de acordo consigo mesmo; éuma harmonia de tensões opostas, como a do arco e a da lira. O contrárioé o que convém". E, de forma aparentemente mais desconcertante, acen-tua noutra passagem:

Comum é a todos o pensar. [...] Os que falam com inteligência devem apoiar-se noque é comum a todos, como uma cidade em sua lei, e muito mais firmemente,porque todas as leis humanas se alimentam duma só: a divina, que se impõequando quer e é suficiente para todas as coisas e as excede.

Aventura interrogativa

Sartre transforma a função catabólica e aventurosa do indivíduo emfunção destruidora da humanidade mesma. O en-soi se neantiza em cadanova aventura interrogativa. A liberdade destrói a humanidade, e o absolu-to do sujeito não tem condições de ingressar na história. Sartre opera aruptura entre o ser e o tempo. A solidão de Sartre é irremediável; o indiví-duo sartreano não se dá conta, como o de Heráclito, de que "o que difereestá de acordo consigo mesmo; e que há uma harmonia de tensões opostas."

Acreditamos que o indivíduo se encontra sempre no início de deci-sões instituidoras de seu ser. No existencialismo sartreano, a interrogaçãodo indivíduo não tem fecundidade no processo histórico consumindo-seem si mesma, ao mesmo tempo que o pour-soi se neantiza. O mundo mor-re em cada interrogação. Penso, ao invés, que o mundo se revigora, emcada interrogação.

A experiência segundo Dewey

Permanecer pela constantemente renovada inclusão do descontínuoé a condição do social. Divergimos de Sartre, que leva o corte dialético até

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a desarticulação da sociedade. E de Dewey discordamos exatamente pelarazão oposta, pelo seu contingencialismo, que é um fluxo experiencialsem corte, sem a possibilidade de ascensão, dentro do próprio indivíduo –emergente do cosmos mas acósmico por natureza, como lembrava Blondel– da contingência para o valor que a transcende. Falta a Dewey a tensãoverticalizadora que atravessa a horizontalidade do tempo e o transformaem temporalidade (no outro sentido da temporalidade, diferente do deSartre), tempo descontínuo, qualificado, heterogêneo. Ele não percebeuque o absoluto, no tempo humano, está inviscerado na contingência eemerge da contingência.

O Sujeito representa sempre o recomeço, enquanto a sociedade é umadurée contínua. O indivíduo é uma consciência original, eis um ponto aque desejaria chegar. O grande empreendimento, portanto, não é changerla vie, mas, como dizia Rimbaud, recommencer la vie.

Nosso discurso

Nós outros admitimos um fundo substancial contra o qual se recortamas nossas interrogações e no qual se situa o nosso discurso. O homem nãosaca apenas contra si, mas contra o ser. O pour-soi, a consciência, está sem-pre em suspenso, admitamos com Sartre; seu ser é um perpétuo sursis,concedamo-lo. Mas está em suspenso no sentido da incomplementação eda indeterminação criadora, não no da neantização; no sentido de que ja-mais se transformará num tout-fait, como pretendiam algunstranscendentalistas bisonhos. A insatisfação e o direito da aventura perma-necerão até o fim. O tempo envolve uma polpa rica, mas não pode abrir-nostodo o fruto. Mesmo na plenitude dos tempos, o Homem construído peloshomens, ao longo daquela marcha a que se refere Pascal, o homem plenonos limites da temporalidade, ainda estará ávido do absoluto.

A tensão da consciência individual não se comunica, a rigor, à cons-ciência coletiva: apenas se difunde, procurando, dentro dela, inserir-senoutra consciência individual. A estrutura da sociedade é cristalizada, é asedimentação dos instantes criadores do indivíduo, reduzidos, depois dacrispação, da incisão do absoluto, a gestos institucionais, de significaçãolimitada e puramente temporal.

O corte no tempo que produz a consciência individual rompe acontextura externa e contínua da sociedade, tendo esta, para sobreexistir,de recompor imediatamente a sua unidade compacta. A sociedade só assi-mila o que é temporalizável, condicionável ao espaço e ao tempo, e qual-quer fermento estranho a ele o digere – temporalizando-o – ou o sufoca.Ela só funciona no modo do tempo, por via do discurso, por partes limita-das que se integram cumulativamente. Em suma, ela é material, pesada,

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incapaz, no seu peso e opacidade, desse gesto leve e livre que nos fazcoincidir com o ato puro.

A tensão vertical e transcendente da consciência individual que, nummomento, apanha o eterno, se transmite à coletividade, mas corre sobre elacomo a água sobre a superfície lisa, até encontrar uma fenda em que seabrigue. Esse ângulo reentrante é outra consciência individual que a reco-lhe, não como sedimento mas como incitamento para a sua própria criaçãointerior. A vida ou o élan de uma alma jamais se transpõe a outra pela formade uma sedimentação: é uma semente que pode germinar em outro chão.Trata-se, sempre, de uma recriação. Donde o fato de que a verdadeira influ-ência do indivíduo só ocorre em relação ao outro indivíduo, cada um a suavez, pelo processo da conversão, no sentido socrático do conceito.

Privilégio da exemplaridade

Convém fixar-nos um pouco no problema da arte em relação à educa-ção. Lembremos, para continuar a nossa reflexão, o que já foi anterior-mente enfatizado: que a arte não tem, como processo criador, o privilégioda exclusividade, mas sim o da exemplaridade. Ela constitui, apenas, ummodo privilegiado do fazer humano ligado ao ser, não como essência mascomo existência assumida. Esse se assumir, realizado pela consciência, éparadoxalmente mais profundo onde esta é menos clara. Isso, no fim, por-que no início assumir-se é uma proeza da consciência aberta, um compro-misso desta que, no entanto, só se torna viável se, naquele húmus profun-do, outros compromissos tiverem sido forjados. Entre o consciente e oinconsciente, assim como entre o racional e o emocional, mas este só estána dimensão do homem quando atinge o nível da racionalidade. Freud,como se sabe, descobriu essa trama, sem contudo admitir plenamente areciprocidade dialética entre os dois planos. Na sua teoria das pulsões, arelação entre o psíquico e o somático é comparada à relação entre o man-datário e o mandante, donde a censura do biologismo feita a essa teoria.

Linguagem

Ora, a linguagem constitui a fronteira móvel entre o consciente e o in-consciente, o somático e o psíquico, o racional e o emocional, o voluntário eo involuntário. Ela não é uma construção da razão, como instância universale eterna projetada sobre o contingente das coisas. Não é a ordem do espíritoque o indivíduo consegue elaborar a despeito da ordem do mundo; não éfabricada na retorta de uma subjetividade divorciada das coisas que a envol-vem; nem uma razão separada, no interior do próprio indivíduo, de suas

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instâncias não-racionais (sejam quais forem as classificações que a estas atri-buam as diferentes doutrinas).

Não, a linguagem é fina, transparente e imaterial, e, ao mesmo tempo,carregada de todos os engajamentos espirituais e físicos que constituem onosso ser. É racional e irracional; nós e os outros; essência e existência,isto é: significação das coisas para uma existência que se assume comodestino e como história. A expressão é a experiência quando se torna cri-ação. Pela linguagem nós esculpimos os seres, mas simultaneamente, omundo dos seres – com os seus valores e estruturas, com a sua semânticae a sua sintaxe – nos modela a nós. O erro do estruturalismo, nos parece,consiste em interromper essa corrente dialética, acentuando, excessiva-mente, o poder estruturante da sociedade em detrimento da criatividadedo indivíduo e da própria sociedade.

A verdade da imaginação

O que gostaríamos de destacar, em conclusão, é a necessidade de en-sinar a ver, como fez admiravelmente Aldous Huxley em seu livro A artede ver. Aliás, alguns historiadores da filosofia têm acentuado a caracterís-tica da cultura ocidental de ser, antes de tudo, visual, a começar pelo tipode imagens que freqüentemente utiliza. Daí a tendência a espacializar oque não é espacializável – como o tempo – e, quem sabe, a tornar o enten-dimento prisioneiro do geometricamente claro. Não se pode esquecer,entretanto, que o fenômeno varia com as culturas e as épocas. Existemépocas "parnasianas", em que os objetos são recortados contra a claridade,e épocas românticas, em que o espírito volve à obscuridade e à esperançaem que reside o mistério das coisas. Há povos que não resistem à visãoconstante dos céus nublados e, como observa Mme. De Stäel a respeitodos escritores alemães, terminam fazendo da introspecção o seu própriométodo literário.

De qualquer modo, é preciso ensinar a ver, a ouvir, a tocar, a recolherno olfato, como fazia Proust, as imagens da própria durée. Às vezes, fica-mos pensando na pobreza dos que nunca ouvem música – eu digo músicaempaticamente, densamente, existencialmente. Temos pena, sobretudo,dos doutores, dos "técnicos", de toda a fauna dos pedantes que não sabemmúsica (saber significando sabor), e como é fácil ver claro essa lacunaonde se situa a sua esterilidade. A limitação dos especialistas a que sereferia, em termos mais polidos, Ortega Y Gasset, ou o linearismo dostécnicos, resultam de um logos sem raízes no mundo.

Porém, essas raízes estão plantadas nos sentidos, seja qual for a alti-tude da obra realizada pelo homem. A fórmula de Santo Tomás: "Nadaestá na inteligência que antes não tenha estado nos sentidos" representa o

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reconhecimento dessa verdade. A verdadeira dialética da educação não éda libertação do homem em relação aos seus sentidos – segundo a parábo-la da caverna, de Platão – mas a da encarnação, em que a infinita platitudedo espírito desce à anfractuosidade de um corpo através do qual ele setorna história e destino.

Agora, no fim, pode-se compreender melhor porque uma vertente doespírito nasceu em Sócrates e Platão, mas a outra está nascendo em nossaépoca. Entretanto, todos nós – os antigos filósofos e os homens de nossotempo – se quisermos sobreviver, precisamos reconhecer a mesma verda-de, expressa pelo poeta Keats:

Eu de nada tenho certeza, a não ser da santidade das afeições do coração e daverdade da imaginação. A beleza apreendida pela imaginação deve ser verdade.A imaginação pode ser comparada ao sonho de Adão. Adão despertou e viu queera verdadeiro.

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2Fenomenologia do processo

educativo*

A Faculdade de Educaçãonuma abordagem fenomenológica

A Faculdade de Educação é o órgão de educação daUniversidade, do mesmo modo que esta é o maiscategorizado órgão de educação da sociedade.1 Isto é,sua consciência aperceptiva e operativa: uma forma deintencionalidade estimulada e disciplinada por um pro-jeto. A educação é a arte da práxis humana: o métodode sua orientação e de sua eficiência. Vinculados, poressa forma, os conceitos de educação e do projeto social,de intencionalidade e de eficiência, é fácil compreenderpor que estão igualmente vinculados à educação e ao

* Publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 60, n. 134, p.140-185, abr./jun., 1974.1 Simplificando os termos do problema, poderíamos dizer que, teoricamente, as relações entre auniversidade e o Estado se revestem de extrema importância, como o confronto do que deveriamser as duas expressões da síntese nacional, porque são os dois "universos" que a representam demaneira mais global e mais ordenada: um, como estrutura de poder, e outro, como estrutura desaber. Um deve constituir a expressão suprema da Nação, como lembrava Deloz (La Nation sepersonnalise s'étatisant), e a outro, a suprema expressão da cultura, como a consciência que aNação forma de si mesma e do seu projeto (Trigueiro Mendes, Durmeval. O Governo da Universi-dade. Documenta, n. 64, Separata, n. 27, p. 25, 1966, com pequena alteração).

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desenvolvimento. Nessa perspectiva, cremos adquirir pleno sentido aafirmação de Dewey: "Educar é extrair do presente a espécie e a potênciade crescimento que este encerra dentro de si".

O desenvolvimento, com efeito, não consiste no simples movimentolinear da sociedade, mas na realização de um projeto cuja interiorizaçãona consciência dos que a integram e cuja viabilidade, através dos instru-mentos que essa consciência promove, constituem o objeto da educação.Está ligado, portanto, à idéia de planejamento, do mesmo modo que estásituado dentro deste, como seu núcleo, o projeto educacional.2

Qualquer sociedade moderna precisa planejar sua educação reconhe-cendo nela a mais fecunda instrumentalidade para o projeto de seu desen-volvimento. Ora, a Faculdade de Educação deve constituir, no plano inte-lectual, uma das principais fontes de tal planejamento, do mesmo modoque os órgãos político-administrativos o são no plano operacional. Ela se-ria, no nível mais radical da causalidade, o sistema gerador de idéias e detécnicas responsáveis pelo projeto educacional.

Temos, em várias oportunidades, enfatizado o problema da qualidadeno planejamento da educação. A qualidade, no caso, se confunde com aidéia fundante de uma categoria, o modelo pedagógico que há de inspiraro administrador e o planejador, cabendo especificamente a estes combiná-lo com as variáveis econômicas, sociais, culturais, que a condicionam,assim como encontrar os métodos e técnicas adequadas à sua concretização.Cabe à instituição encarregada de elaborar a ciência (lato sensu) da educa-ção fixar a qualidade do profissional que se chama, por exemplo, o profes-sor, e o tipo de formação que lhe corresponda. A qualidade, no caso, nãosignifica propriamente o mérito, mas a natureza da ocupação, a suatipicidade, aquilo que os escolásticos chamariam a quididade.

Ora, essa qualidade não é imutável, mas, ao contrário, acompanha asoscilações do tempo e do lugar, donde a necessidade de imprimir à ciênciada educação, que a define, um sentido não essencialista e intemporal, masdinâmico e histórico. É preciso estipular o tipo de professor segundo ascaracterísticas de cada nível de ensino, as peculiaridades de cada meiosociocultural e as técnicas de seu ofício. É preciso igualmente conter nossas

2 Tentamos criar o conceito de práxis normativa: a educação inscreve, entre outros fatos, a imagem da sociedade que sepretende formar (causa exemplar) e monta a práxis normativa para construí-la (causa eficiente) instaurando os modelos deação. Não se trata de uma forma mental impressa cartorialmente sobre educação, mas de uma verdadeira práxis. "Graçasao mecanismo da educação permanente, o sistema educacional se liga, incessantemente, com outros subsistemas dasociedade global: o econômico, o cultural, o político etc. Mas essas conexões entre os subsistemas, com suas funçõesespecíficas e complementares, não me parecem que devam ser colocadas na perspectiva funcionalista de um TalcottParsons, por exemplo. Pois, se é normal que os subsistemas se correspondam, mutuamente, resguardando a coerência dosistema, também o é que cada um deles apresente se desenvolve na linha da integração social; entretanto, preferiríamosnão só o sistema (ou subsistema), mas também a práxis criadora, que projeta o indivíduo na sociedade como instância deruptura e de inovação" (Trigueiro Mendes, D. Para uma filosofia da educação fundamental e média. Revista de CulturaVozes, n. 2, p. 6-7, 1974).

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idealizações, ao desenvolver o perfil de um educador, nos limites de nossaspossibilidades em recurso humanos e materiais, de modo que a qualidadeseja preservada, mantendo-se autêntica, mas se concilie com a quantidadepostulada pela democratização educacional.

Algumas conseqüências se deduzem, facilmente, da colocação queacabamos de fazer através de um exemplo.

Fundamentalmente, a Faculdade de Educação será uma Escola demúltiplo saber, retirando os estudos da educação do imantismo pedagógi-co que os esterilizou até agora na tradição das Faculdades de Filosofia.Nelas a pesquisa educacional deve ser ao mesmo tempo um saber para aciência e um saber para a política, para instaurar novos padrões de conhe-cimento, no campo que o especifica, como para instaurar nova paidéia,dentro de uma polis que ela ajuda a construir, a compreender ou a trans-formar. É inerente à Faculdade de Educação ser ao mesmo tempo acadê-mica e transacadêmica, preocupando-se com os fatos não apenas para es-pecular sobre eles, mas também para transformá-los, de acordo com umprojeto político, no sentido amplo da palavra.

Paidéia e politheia são indissociáveis; correlatamente, também o são,a educação e a práxis. Esse reconhecimento prático da Faculdade de Edu-cação não se situa apenas ao nível da formação profissional, mas tambémno âmbito da pesquisa básica. Saindo de uma pesquisa de arabescos, aFaculdade de Educação deverá inserir-se no processo substancial do nos-so desenvolvimento. Tais exigências que decorrem, a nosso ver, da pró-pria natureza do projeto educacional e das instituições que lhe servem desuporte, se tornam particularmente imperativas num país subdesenvolvi-do, onde todos os instrumentos de compreensão e transformação da soci-edade precisam funcionar com redobrada eficiência.

De acordo com nosso método, decorrente do conceito de educaçãoacima apresentado, faremos a análise da educação combinadamente coma da práxis, de que ela é ao mesmo tempo a expressão e a recta ratio.Estamos convencidos de que, sem uma correta definição da educação e deinstrumentalidade específica, não podemos compreender o papel da Fa-culdade de Educação, uma vez que a esta compete exatamente definir eassegurar tal instrumentalidade.

A educação gera uma forma de consciência: torna explícitos os valo-res e os projetos do indivíduo e da sociedade, isto é, o sistema de significa-ções em que ambos se sustentam, e as idéias normativas que polarizam orespectivo dinamismo em busca de novos valores ou do rejuvenescimen-to dos valores antigos. Como valores e projetos constituem o cerne dacultura do grupo ou da comunidade nacional, a consciência orientada nosentido de captar uns e outros representa, basicamente, uma consciênciada cultura, um meio de compreendê-la e de promovê-la. Trata-se de umaconsciência aperceptiva, mas também crítica, de uma função anabólica,

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mas também catabólica, integradora mas também desintegradora, emboraa desintegração, no caso, seja imposta pela percepção de novos valores,pelos quais o Sujeito histórico se ilumina (Trigueiro Mendes, 1973, p. 235).

Como instância de educação, a Faculdade de Educação gera esse tipode consciência, mas produz igualmente um tipo especial de ciência (daeducação). Entendido que os valores constituem a substância do projetopermanece íntegro esse duo – valores e projeto – significando o projetoexistencial e operativo de encarnar os valores.

Educação: intencionalidade radical

O estatuto da ciência da educação é, no fundo, de ciência aplicada; esua especificidade deriva do modo especial de ser aplicada. Trata-se defixar o modo correto de alguém dirigir sua ação segundo seu próprio pro-jeto: como estruturar sua visão, como situar-se, como adaptar-se a realida-des existentes, como transformar realidades novas, como tornar a existên-cia um ato de inteligência continuada. Trata-se de ordenar operativamentea visão da realidade em função do projeto pessoal ou social; um modo dever o mundo, colocando-se nele como parte ativa de sua criação ou de suaordem; um modo de ver-se como instância de sua própria criação na mes-ma medida em que desempenha um papel na criação e na origem do mun-do.3 Instrumento de seu próprio projeto, o homem o é desde o momentode formulá-lo.

Nesse plano, a ciência da educação constitui um saber/fazer radicalem que se baseia a existência e o conjunto de iniciativas que a instauramou a entretêm. A pesquisa significa a busca de um novo cogito instaurador;só na solidão artesanal que ela propicia isso é possível. Solidão da conver-são. Quem recebe uma verdade, precisa ficar só com ela e revesti-la de seupróprio ser: ao voltar para a comunicação com o nosso parceiro, ela vemembebida do que elaborou nossa intimidade solitária. E por isso, a verda-de, que se enriquece pela contribuição de todos, tem de alimentar-se na

3 Talvez uma certa analogia entre nosso conceito de intencionalidade radical (na educação), neste e em outros textos, porexemplo, o citado em nota anterior, e os conceitos formulados por Husserl (Méditations cartésiennes. Paris: Vrin, 1947) e E.Mounier (Lê personnalisme. Paris: PUF, 1955). Destaques de Méditations cartésiennes: "L'ego cogito comme subjectivitétranscendentale" (p. 16); "L'Originalité de l'analyse intentionelle (p. 40)"; "L'objet intentionelle" (p. 43); "L'explicationphénoménologique véritable de l'Ego cogito" (p. 70); "La transcendence du Monde objectif" (p. 88); "L'intentionalité mediatede l'expérience d'autrui" (p.91); "Analyse intentionnelle des communautés intersubjectives supérieures" (p. 112). Desta-ques de Le Personnalisme: "C'est oublier le caractère et la richesse complexe du Cogito. Acte d'un sujet autant qu'intuitiond'une intelligence, il est l'affirmation d'un être qui brise les cheminements interminables de l'idée et se pose avec autoritédans l'existence. Le volontarisme, d'Occam à Luther, préparait ces voies. La philosophie, désormains, n'est plus une leçonà apprende, comme il était devenu l'usage dans la l'usage dans la scolastique décadente, mais une meditation personnelleque l'on propose à chacun de refaire pour son compte. Elle commence, comme la pensée socratique, par une conversion,une conversion à l'existence." Em pé de página: "CHASTAING, Máxime Descartes, introducteur à la vie personnelle.Espirit, juillet, 1937".

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solidão de cada um. Na sua apropriação. O vínculo pedagógico é apenasisso – uma conversatio entre dois logos; de um a outro, o tempo da germi-nação. Um propõe, o outro acolhe, e ao devolver o que foi proposto, aresposta será a recusa, pela proposição de outro verbo, ou a adesão, naqual o verbo de quem recebeu se integra – enriquecendo-o – no verbo dequem deu. A conversatio é uma conversio (Trigueiro Mendes, 1968, p.229).

O indivíduo desenvolve sua cultura no e pelo trabalho: mas, ao mesmotempo, a cultura não é coextensiva com este; transcende-o como instânciacrítica e criadora. Por exemplo, a escola média dá a formação profissional,mas esta só é autêntica quando a tecné, na qual o indivíduo é instruído,constituir uma práxis autêntica, abrangente do seu projeto existencial glo-bal – o seu fazer que incorpora o seu ser, o fazer é fazer-se refazendo o seu"entorno" – e abrindo, dentro dele, espaço para sua própria e permanenterecriação. O indivíduo não cai dentro de uma profissão como um objetopassivo se encaixa dentro de um escaninho, ou um bicho-da-seda dentro deseu casulo. Ele se torna elemento ativo e criador, não só porque se movi-menta dentro de seu emprego, como também por que é capaz de olhar omundo, além deste, como um horizonte de possibilidades para sua promo-ção humana e social. Ele precisa estar armado de uma consciência crítica eprospectiva para não cair num emprego como uma pedra cai num poço,mas para mergulhar numa corrente que pode levá-lo sempre adiante. Suahabilidade fundamental é para exercer criadoramente seu ofício, aperfeiço-ando-o, extraindo dele uma consciência gratificante que está ligada só a umopus – e nunca a uma tarefa – e transcendendo-o sempre para outros, maispróximos de sua ambição criadora e de sua capacidade.

Entretanto, para que a cultura não pare no trabalho, é preciso dar-lhechances fora deste: no lazer. Lazer significa existência individual assumidapela consciência intencional, criadora. Existência como liberdade e projeto.Lazer significa a possibilidade de recuperar as forças originais, comprome-tidas, pelo trabalho, com o projeto coletivo, do mesmo modo que o trabalhorepresenta exatamente sua antítese dialética: o comprometimento dessasforças no projeto social. Entretanto, recompostas suas provisões criadoraspelo lazer, é no trabalho que o indivíduo vai utilizá-las, recomeçando tudode novo, cada uma das quatro categorias – educação, cultura, cidadania,lazer – gerando todas as outras (Trigueiro Mendes, 1974, p. 10-12).

De fato, o projeto existencial se desdobra numa sucessão de projetose iniciativas. Artesão de seu próprio ser, no começo, o indivíduo terá deser depois artesão de muitos e diversificados fazeres (no projeto existenci-al ele faz seu ser e, simultaneamente, seu ser faz seu fazer). Há uma espé-cie de dialética pela qual um fazer inicial instaura o ser, e depois o serinstaurado realiza os múltiplos fazeres através dos quais ele se enriquecee consolida.

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A educação é um artesanato: a arte de "tomar partido" no complexoinfinito de possibilidades que cercam a existência de cada um, fixandonele seu recorte individual. E depois, indefinidamente, ir "tomando parti-do" nas várias circunstâncias através das quais o projeto existencial sematerializa, ou seja, a intencionalidade radical do ser humano ganha cor-po, expandindo-se e diversificando-se no plano empírico da ação.

Lembrando a clássica distinção entre o agir e o fazer, o agir é a primei-ra disciplina fundamental do ser humano, frutificando na multiplicidadein-definida do fazer. O agir, na filosofia tradicional, era o fazer na ordemdos valores, e o fazer, o agir na ordem da matéria. Ora, o fazer e o agir secruzam, dialeticamente, de modo que os valores saem das mãos do homofaber tanto quanto entram no espírito do homo sapiens. O ser é o fazer.

O artesanato educacional apresenta um complicado processo de articu-lação. Em primeiro grau (grau entendido aqui como instância), a arte é a ciên-cia de modelar o projeto existencial de que já brota o agir; em segundo, a arteé a ciência de modelar o próprio agir, que frutifica em várias direções (estadode vida, profissão etc.); em terceiro grau, a arte é a ciência de modelar osvários fazeres que materializam o agir e de que ele se nutre, dialeticamente.

Vejamos, por exemplo, o que significa ser médico, do ponto de vista deum artesanato. No primeiro momento – de escolher uma profissão e situar-se nela – expressa uma opção coerente na linha da intencionalidade doindivíduo como ser no mundo e, portanto, um prolongamento do projetoexistencial; mas como materialização empírica do projeto existencial, essemomento já se insere na condição de fazer; quem vai ser médico chega a ummomento em que tem presente na consciência, simultaneamente, o perfilreal da atividade específica a que vai se dedicar e o projeto de toda suaexistência, condicionando-se mutuamente a esses dois fatores. Esse segun-do momento, correspondente ao segundo grau, portanto, é essencialmenteambivalente, porque é de mediação entre o projeto no nível da existência eo projeto no nível do fazer, entre o artesanato de primeiro grau (do ser) e odo terceiro grau (da ação empírica e materialmente definida).

Tal fazer, portanto, tem duas faces: uma, ligada ao sujeito como ins-tância criadora, e outra, vinculada ao objeto. Um terceiro grau de artesana-to educacional diz respeito, fundamentalmente, ao objeto. Por exemplo, amedicina, como objeto, tem seu recorte próprio, impõe suas próprias nor-mas, que não fluem somente no sujeito. Não se pode dizer que essas nor-mas o excluam, já que as qualidades subjetivas do médico colaboram comseu saber, mesmo no sentido operativo. Na verdade, há uma dialética, emcada fase, entre o valor preponderante que a caracteriza, e os valoressubjacentes que configuram as outras fases.

O modo mais eficiente e apropriado de apoderar-se do objeto – nocaso, a matéria que constitui a medicina – representa a educação médica,

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e aí temos o terceiro momento do artesanato educacional. Quais os pro-blemas de tal artesanato nesse grau e nesse exemplo? De um lado, importadefinir, através de métodos epistemológicos adequados, o saber necessá-rio a um médico, e de articulá-lo com outros saberes que o complementeme ampliem; de outro lado, trata-se de estabelecer as condições adequadas– quanto ao tempo e aos métodos – de apropriar esse saber. É claro quenesse processo de apropriação, colocado no terceiro momento do artesa-nato educacional – isto é, no momento regulado predominantemente peloObjeto – , o Sujeito não desaparece; apenas ele é focalizado mais comomatéria para um determinado fazer, que como fonte de agir, do "sentido","da consciência", da "intencionalidade", da "vocação" a ser manejada comvistas a produzir determinada "forma", e nisto consiste a aprendizagem.

Como operar essa massa de virtualidades que se concentram noindivíduo? Evidentemente, a matéria a que se aplica a técnica pedagógicaabrange todo o ser do educando, logo, também seu agir: não se pode tocarnesse objeto, nem tirar dele os efeitos desejados sem se acomodar ao jeitodele, que se expressa no seu agir. O que queremos dizer, contudo, é queesse agir, agora, nesse terceiro momento, é enfrentado, sobretudo comoObjeto. Embora esse Objeto seja de caráter excepcional, pois é impreg-nado da força criadora do Sujeito, sem reduzir-se nunca à passividade e àinércia. Nesse caso, há uma posição dialética. O indivíduo, ao educar-se,não porta, como simples instrumento, a ação de educador; ao contrário, oeducador o que faz, com seu toque estimulador, é transformar o educandono instrumento de sua própria força, isto é, de sua própria subjetividade.4

A ação do educador e do educando recai, sobretudo no agir, que é radical-mente criatividade; e o agir, convertido em instrumento, é um jorro inces-sante de diferentes fazeres. A educação consiste, basicamente, em acionaro agir; em desatar a potencialidade instrumental que este representa, emligar o homem-criador ao homem artífice.5 É despertar o agir, estimulando

4 Poder-se-ia aplicar, concretamente, o conceito de Objeto em relação à educação. "A nova objetividade, adquirida pelaeducação geral como resultado de sua encarnação pela práxis, impôs-lhe, primeiro, que, em vez de isolar-se do fazer ou datécnica, dos vários fazeres e técnicas, ela a) assuma a função de situá-los, de integrá-los, e sobretudo de vinculá-los aohomem como fonte transcendente de todo fazer, por isso mesmo capaz de recriá-los incessantemente, e b) que a própriaeducação geral seja concebida, ao lado de outros objetivos, como uma preparação para o fazer, enquanto proporciona umavisão do objeto muito mais ampla e flexível que a oferecida pelo saber técnico no sentido tradicional. Ela não ensina tantoa aplicação como os critérios que levam às mais diversas aplicações, eliminando a servidão destas a condições concretasde espaço, de tempo e de tecnicalidades." (Trigueiro Mendes, D. Um novo mundo, uma nova educação. Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos, v. 51, n. 113, p. 11, jan./mar.1969). Novamente, uma aplicação concreta do ensino do 2º grau. Nãose trata de determinar o momento de especialização, mas também, e sobretudo, o da aproximação das fontes mais ricas doeducando através de processos da educação geral. Em vez de dar-lhe um instrumento, é preferível a inesgotável e a in-finita instrumentalidade do Sujeito.5 Antes, opunha-se o homo faber ao homo sapiens. A verdade é que o homo faber carrega consigo o homo sapiens; seu fazerestá impregnado de essência criadora do Sujeito, o fazer é o agir do homem, inscrevendo-se como criação na ordem domundo. Dessa forma, cessa a oposição e desaparece igualmente a inferioridade do homo faber: o fazer não é atividadedegradada, mas se prende às fontes mais altas do ser e do agir. Desaparece o dualismo ser-fazer, educação-trabalho,educação geral – educação técnica. Ser, fazer e agir são a mesma coisa.

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sua intencionalidade própria, que se traduz como rumo e como força. Umhomem é um ser intencional na medida em que descobre um sentido parasua existência e emprega a força de que é capaz para objetivá-la. E a edu-cação não é senão a disciplina do ser intencional. Toda a tarefa do educa-dor reside apenas – e já é demais – em descobrir, preservar e corroborar aintencionalidade do ser do educando.6

A ciência da educação é, portanto, ciência aplicada: ciência do fazerhumano no sentido forte da intencionalidade prolongada nas manifesta-ções empíricas do fazer. Ela abarca toda a distância que vai da sabedoria àtécnica. Trata-se sempre de um saber fazer desde o mais radical, o saberfazer com o próprio ser, no primeiro momento do artesanato a que nosreferimos. Esse primeiro fazer, que instaura o ser, pressupõe um saber,embora esteja este ainda submerso em intuições que nascem, simultâneae inextricavelmente, do indivíduo e do contexto social que o condiciona.7

A ciência da educação constitui, a nosso ver, o objetivo fundamentalda Faculdade de Educação. Como saber e como fazer, e como um saberresulta de um novo fazer do homem, ela constitui hoje uma ciência nova,de cujo ineditismo poucos suspeitam, e a maioria não chega a conceberalém das palavras. Ela implica uma nova epistemologia, uma nova práxis– um humanismo novo.

É o sentido e a eficácia dessa nova "paidéia", surgindo nos céus histó-ricos do nosso tempo, que nos parece constituir a função radical de umaFaculdade de Educação na medida em que esta se encontra no ápice daUniversidade e do próprio processo cultural.

6 Aplicação concreta: a) "A comunicação cultural e pedagógica que cabe à universidade promover entre professores ealunos não é, de nenhum modo, a que se fixou na opinião geral: a que se produz entre o indutor e o induzido, o rico e opobre, o ato e a potência, o informado e o desinformado, o docente e o discente, o acabado e o inacabado. Em vez de oaluno reduzir-se ao ser do professor, ele reduz o ensinamento deste ao seu próprio ser; e mais, ele modifica o ser doprofessor, o conteúdo do logos magisterial, pela incidência nele de seu logos próprio, feito de imaturidade-abertura, e nãoapenas de imaturidade – tabula rasa. O erro da nossa visão costumeira é não concedermos ao jovem que ele tem o seu logose que, 1º) só a partir deste se pode engrenar sua comunicação verdadeira com o logos do mestre; 2º) o logos do aluno éválido por si mesmo, não por simples complacência – demagógica ou paternalista – dos adultos, embora seja menos ricodo que o deles, na medida em que o deles esteja enriquecido pela memória cultural. Deve-se atribuir aos jovens o direitode colocar no diálogo, que é o fundamento da universalidade, a novidade de sua indagação, a exigência de sua visão comnovas raízes, a realidade de sua apercepção (no sentido herbartiano do termo) na qual os elementos projetados de dentrosão mais poderosos que os elementos internalizados de fora." (Trigueiro Mendes, D. A Universidade e sua utopia. RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos, v. 50, n. 112, p. 226, out./dez. 1968); b) "Nisso se constitui imprescindível, a nosso ver,a adequada incorporação dos professores e alunos à práxis universitária. Não se trata de incluir os alunos no contextouniversitário com uma função meramente aquisitiva; o encontro deles com professores e mestres é o encontro de duascorrentes, de águas diferentes que vão formar o mesmo rio, cada um com conteúdo próprio, em uns se exprimindosobretudo como potencialidade antecipadora, e noutros com potencialidade formadora. Os dois papéis se cruzam, caben-do à universidade fixar métodos apropriados de reduzir a conteúdos válidos a contribuição de professores e alunos, domesmo modo que lhe cabe reduzir fenomenologicamente as diferenças ideológicas. A condição generacional é condiçãode visão, ao lado de outras como a doutrinária e a ideológica. Na antiguidade romana, Cícero traduziu a palavra paidéiapor humanitas, como lembra Marrou (Histoire de l'éducation dans l'Antiguité. Paris: Seuil, p. 144): como parte essencial deuma nova humanitas, as novas gerações, sobretudo no mundo dividido, constituem parte substancial da cultura". (Triguei-ro Mendes, D. O Governo da universidade. Documenta, n. 64, Separata, n. 27, p. 30).7 É claro que depois existe, consciente ou inconscientemente, a articulação ou conexão, entre indivíduo e sociedade, entresaber e fazer, através de inúmeras concepções filosóficas e científicas. Em relação à perspectiva educacional, filosófica esociológica da educação, ver Trigueiro Mendes, D. "A consciência artesanal da educação e o fenômeno da alienação" e "Asociedade problematizadora" no artigo A expansão do ensino superior. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 48, n.108, p. 218, out./dez. 1967.

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Como constituir uma nova "paidéia"? Esta nos parece constituir amissão de uma Faculdade de Educação, e a razão pela qual ela se colocano cume da Universidade. Ela é, repetimos, o órgão de educação da Uni-versidade e, por meio desta, o órgão de Educação da própria sociedade,constituindo consciência e disciplina de sua práxis.

Preliminares para uma teoria da Faculdade de Educação

A função "educação"

À Faculdade de educação está reservada a função-educação na Uni-versidade e, em grande parte, na própria sociedade.

Tal conceituação só por equívoco poderia ser considerada tautológica.Nossas Universidades transformaram o saber sobre educação numa especia-lidade autônoma, ministrada por um de seus cursos, quando esse saber deve-ria encarnar-se nas suas estruturas e dirigir permanentemente seus passos. Osaber pedagógico deve informar (sem constituir fator exclusivo, obviamente)a organização da própria Universidade e de seus cursos, o planejamento deatividades pedagógicas e, sobretudo, o modo pelo qual outros saberes –correspondentes às várias especializações científicas – se convertem de sa-ber-em-si em saber-para-outros, de saber objetivado em saber comunicado.Essa reconstrução de conhecimentos para efeito de comunicação didáticaconstitui a essência da pedagogia como ciência e como processo operacional.Isto é, como práxis. Do ponto de vista do saber, portanto, a pedagogia é cons-tituída das relações entre o educador, o educando e o saber propriamentedito. Ao conjunto dessas relações, com o que elas envolvem de ciência e deoperacionalidade, é que chamamos aqui a função educação.

Em certo sentido, poderíamos considerar a Faculdade de Educaçãouma faculdade de métodos, e a esse propósito cabe desde logo uma distin-ção fundamental. A tendência a hipostasiar o saber chega a atingir os pro-cessos mais estritamente ligados à experiência; o problema dos métodos,por exemplo, passa à ordem de uma didática que ignora, basicamente, asexigências de cada categoria do saber, determinadas pelo seu objeto espe-cífico e pela experiência dos que com ele estão identificados. Classificou-se a educação em objeto de estudo, deixando de ser uma práxis dirigidapela ciência dos educadores.

A análise dessa reificação do saber pedagógico parece indispensá-vel, não só à compreensão de graves deformações ocorrentes no Brasil,como também à instauração de um novo modo de pensar e fazer a edu-cação, devendo a Faculdade de Educação, como instituição nova, cons-tituir o ponto de origem desse processo instaurador. Faremos apenasalgumas indicações, a título de ilustração.

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Numa Universidade, todas as escolas são, em certo sentido, de edu-cação, já que o saber próprio que as especifica se transforma em objetode educação, mediante processos que são essencialmente pedagógicos.A Escola de Educação e, por exemplo, a de Medicina, são duas instânci-as educacionais, intimamente relacionadas entre si, uma como produto-ra de saber pedagógico, e a outra como um de seus consumidores. Mas,em compensação, esta última está inserida na própria práxis da Medici-na, pela qual se inspiram a profissão e o ensino correspondente. Daí nãopoder existir nenhuma pedagogia geral que, no ensino médico, possaprescindir da pedagogia médica, alicerçada na referida experiência. Oque resulta dessa consideração, entre outras coisas, é que a Faculdade deEducação, ocupando-se da função educação na Universidade, constitui-rá um centro de saber pedagógico haurido, sob o estímulo e direção deespecialistas nesse campo, da contribuição de todas as áreas de ensinouniversitário, e encarnado na práxis de todas as unidades integrantes daUniversidade.

Metodologia educacional

A especificidade de cada Escola ou Faculdade na Universidade é dematéria e de forma. A matéria, como campo de saber, e a forma de organizá-la e de transmiti-la impõem uma e outra, suas respectivas metodologias.As duas são determinadas pela natureza do Objeto e pela natureza doSujeito. O Sujeito, como fonte criativa, é capaz de alterar e multiplicar seudesempenho de acordo com as circunstâncias pessoais e sociais. A idéiado Sujeito está associada à do in-finito, um inacabado que incessante-mente supera os atuais acabamentos por força de sua própria e inesgotá-vel virtualidade. É o Sujeito que, primeiro, constitui o Objeto, transfor-mando a coisa opaca em algo significativo; e, depois, torna o Objeto, deestrutura fechada, em estrutura aberta a sua própria reestruturação.

A fim de ter uma aplicação bastante concreta, importa apenas lem-brar que a polivalência da educação só pode ser entendida a partir dessadialética: como operar em face da potencialidade do Sujeito e das deter-minações do Objeto.8 Uma educação puramente do objeto se esgota nosdesempenhos do educando ou de qualquer pessoa num momento dado.Esgota-se no praticalismo. Uma educação puramente do sujeito teria que

8 No artigo citado anteriormente, na nota 4, insistimos nesse tema: "Não esquecemos, nesse passo, quanto a noção decriatividade se confunde com a de indivíduo; mas tampouco omitimos quanto o Objeto representa para o indivíduo, aomesmo tempo, um limite e uma fonte fertilizadora; nem, sobretudo, que no real o Sujeito e o Objeto se implicamreciprocamente."

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derivar ou para uma nova aventura, um diletantismo da consciência so-litária numa linha "existencialista", ou para um vitalismo dionisíaco dotipo individualista na linha nietzschiana. Essas duas alternativas sãobelas, mas ineficazes, como é ineficaz o próprio diletantismo ou a cons-ciência do trágico. A educação autêntica é ao mesmo tempo do Sujeito edo Objeto.

Por outro lado, o Sujeito abriga condições psicológicas individuais etípicas, segundo condições socioculturais que ele interioriza, reduzindo-as a sua própria estrutura de Sujeito. O processo educacional está enqua-drado nas estruturas e funcionamento da subjetividade. O sujeito, comotal, não se resolve nos fatores psicológicos, concebidos como valores perse, imanentes ao indivíduo. O sujeito funde nesse lastro psicológico, querealmente existe, condições e valores socioculturais. Um conceito maisconcreto: a orientação educacional não é só a busca de preferências su-postamente existentes em estado puro dentro do espaço psicológico dacriança e do adolescente, porque não existe espaço psicológico puro: opsicológico é o social interiorizado. A orientação educacional parte doreconhecimento do confronto homem-mundo, sob a forma dialética domundo a fazer-se pela ação do homem, e do homem a fazer-se a si mesmoenquanto faz o mundo; o reconhecimento, portanto, de que as preferênci-as vocacionais resultam de um apelo de dentro e de fora, simultaneamen-te educacional e profissional: o indivíduo e a sociedade, o universo dacriação e o universo do trabalho. Por isso, em termos filosóficos, a orienta-ção é uma só, com diferentes nuanças segundo as etapas da educação.9

A subjetividade, ao mesmo tempo que apresenta identidade própria,já é representativa de um contexto que a ultrapassa. Mantém-se a unida-de, simultaneamente compósita e inteiriça, graças ao poder que tem a sub-jetividade de integrar termos contraditórios – por exemplo, o "interior" e o"exterior" – mas, ao mesmo tempo, de afirmar sobre a diversidade e a con-tradição a sua identidade fundamental. Essa tensão permanente entre asubjetividade e a objetividade, entre a apropriação da realidade exteriorpelo indivíduo e a sua permanente abertura ao dinamismo da ordem soci-al, constitui uma dialética de importância essencial na fenomenologia daeducação, tanto quanto da sociedade e da cultura.

A relação fundamental entre o indivíduo e a sociedade se realiza emforma de intersecção. O conceito geométrico – do ponto onde se cortamduas linhas ou duas superfícies – serve para definir essa intersecção pelaruptura; essa vida nova que surge de uma ferida aberta; essa combinação

9 TRIGUEIRO MENDES, D. Para uma filosofia da educação fundamental e média. Revista de Cultura Vozes n. 2, 1974(sobretudo p. 94-95) e Um novo mundo, uma nova educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 51, n. 113, p. 9-18, jan./mar. 1969, especialmente, p. 9.

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de continuidade e descontinuidade, em que esta se reconquista a si mes-ma, permanentemente, daquela, e a continuidade novamente se impõesobre a descontinuidade.

Inter e secção: abertura e recusa; comunicação e corte. O indivíduoingressa na sociedade, não para nela se amassar, mas para cindi-la, nela seengrenar pelo conflito – desencadeador de uma seqüência dialética – aocabo do qual a sociedade terá condições de acolher, ou não, uma novaforma de consciência, um novo ponto de partida; uma redefinição dassituações e dos problemas.

"A cultura também é dialética. Informa-a uma dupla intenção: a dedescobrir e a de transcender; de refletir fatos e de projetar utopias; de serao mesmo tempo reflexiva e tensional" (Trigueiro Mendes, 1973, p. 230).

Há uma racionalidade ex-vi do Objeto, outra, ex-vi do Sujeito. Aconciliação entre as duas – de um lado, as exigências do aluno/profes-sor, como Sujeito, e de outro lado, as exigências do Objeto – e o contro-le da interação dialética constituem a metodologia educacional. Daí aheresia generalizada, apesar de tudo, da didática separada como umsaber em si.

É próprio da dialética o apelo, sob forma tensional, de cada um deseus termos para o termo que o contradiz. Esse apelo não se manifestaapenas em momentos privilegiados (embora os tenha) como os do con-fronto entre as antíteses no processo de integração. Cada termo antitéticojá se encontra enredado no processo de complementaridade. Assim éque o Sujeito se liga ao Objeto, já dividido, tensionalmente, entre sujeitoe objeto, isto é, ao modo de um e de outro. O Pour-soi não configura umsaber do sujeito absoluto, como pretende, sem se dar conta, opsicologismo pedagógico. E o Objeto, por sua vez, não é uma matériainerte nem um En-soi absoluto, mas uma realidade já contagiada pelodinamismo do sujeito movendo-se dentro do processo em que se instau-ram o ser e seu comportamento.10 Sua realidade só se completa com oPouir-soi e o En-soi. Nem objetivismo absoluto, nem subjetivismo abso-luto. Nem o império da matéria da ciência, nem o do comportamento doaluno e do professor, nem, tampouco, o império do método. Nenhumadessas entidades é inteiramente válida por si. Elas formam uma tríadedialética cujas partes se articulam segundo um processo dinâmico decomplementaridade.

10 "Há uma "virada" do espírito humano, ou seja, de sua nova atitude, já que, antes, ele consumia sua riqueza naautocontemplação, enquanto hoje ele infunde toda sua força na pesquisa e na compreensão do Objeto, articulando-o aoseu próprio dinamismo criador. A partir do momento em que a educação passa a constituir um grande esforço paracompreender o Objeto para situar-nos diante dele, é óbvio que o Objeto fica totalmente imantado pela criatividade doespírito". (Trigueiro Mendes, D. Um novo mundo, uma nova educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 51, n.113, p. 9, jan./mar. 1969)

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Aspectos da Didática

Ora, o que ocorre com o nosso sistema educacional, especialmente naUniversidade, é exatamente a separação entre esses três aspectos. Separa-ção do ponto de vista estrutural e do ponto de vista funcional. Cada umdeles se organiza como um todo segundo sua própria lógica interna. Essefenômeno, com raras exceções, parece flagrante no caso da Didática, comoera ministrada pelas Faculdades de Filosofia e, mesmo, por algumas Facul-dades de Educação, as quais realizam, como há pouco acentuei, a hipótesedo processo pedagógico. O método substancializado. Com a agravante deexcluir quase tudo que deveria servir-lhe de base. Que vem a ser esse tipode Didática e como se organiza? Antes de mais nada, exclui as exigênciasmetodológicas de cada campo específico do conhecimento. Pois até mesmoas Didáticas especiais, em que se fragmenta a Didática Geral, guardam comas respectivas áreas científicas uma relação meramente extrínseca. A didá-tica de Física, por exemplo, não incorpora a metodologia científica própriadessa área do saber. Tal articulação, de resto, exigiria que o professor deFísica extraísse de sua matéria os elementos que, juntamente com outrasinstrumentalidades pedagógicas, deveriam compor a didática de Física; ouque o professor de Didática, além da formação especializada em Física, tra-balhasse em íntima conexão com o responsável por essa matéria.

É certo que se exige, pelo menos legalmente, que o professor de didá-tica de Física (ou de qualquer especialidade) tenha a formação científicacorrespondente. Mas isso não é suficiente: impõe-se colher a Didática dopróprio exercício da Física, em termos de elaboração metodológica dessaciência. Exatamente nesse ponto se verifica a ruptura do processo pedagó-gico. O didata de Física é o didata superposto ao físico, usando na Didáti-ca uma metodologia que não incorpora, intrinsecamente, a metodologiada Física. Persistem dois tipos de racionalidade, duas práxis distintas. Aprimeira razão desse fenômeno provém da unilinearidade da lógica quepreside a formação do saber, simétrica à que preside sua transmissão, ge-rando o paralelismo em vez da integração. A segunda, em parte derivadada primeira, é a formalização incorreta do campo de cada ciência. Elas sãoestruturadas muito mais de acordo com uma lógica formal "vazia" do quecom a lógica dialética capaz de captar os apelos de uma ciência para outra,da forma para a matéria, do conhecimento para a práxis (entendida, aqui,como forma de construção do conhecimento). Deixando de ser operativo,o conhecimento se converte em simples exercício de uma racionalidadevazia, mas cheia de ambição de controlar a realidade. Entre esse tipo deracionalidade e a realidade se interpõe, para iludir a primeira e sem queela o pressinta, um jogo de suposições não verificadas que funciona comosucedâneo da legítima reconstrução do saber pedagógico. Suposições de-rivadas, muitas vezes, do "senso comum"...

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Supressão das didáticas especiais

A Resolução nº 9 (6/9/1969), do Conselho Federal de Educação, supri-me as didáticas especiais e impõe a prática de ensino: "Será obrigatória aprática de ensino das matérias que sejam objeto de habilitação profissio-nal, sob forma de estágio supervisionado a desenvolver-se em situaçãoreal, de preferência em cada escola de comunidade".

Parecem corretas as duas normas da resolução, mas estimaríamos al-terar o arcabouço da Didática, ou melhor, da metodologia educacional, jáque está calcada, a nosso ver, em proposições consistentes.

Mais recentemente, algumas Faculdades de Educação começam a al-terar esse quadro com a introdução de cursos de didática do ensino supe-rior, em nível de aperfeiçoamento ou mestrado, destinados a professoresdas diversas áreas universitárias.

Pedagogia e Didática

O pensamento sobre a pedagogia brasileira, a nosso ver, provém decrenças cujas raízes não são pesquisadas. Além do "senso comum", já refe-rido, há pré-conceitos tradicionais, tão fortemente interiorizados que seapresentam como conceitos científicos. Subsiste, igualmente, a crença numcerto tipo apriorístico em relação à normatividade. Admite-se, sem exa-me, que a estrutura do pensamento corresponde à da verdade. Funcionan-do pelo seu próprio impulso, ele chega à verdade simplesmente por viaeducativa. É certo que não se trata, na maioria dos casos, de um apriorismoabsoluto. Há um pouco de matéria experiencial concorrendo no esforçode acionar a máquina lógica. Mas o que acontece é que tal matéria éintroduzida no pensamento pelos canais do "senso comum" ou da lógicaespontânea sem qualquer controle rigorosamente científico. O mais gra-ve, entretanto, convém insistir, é a pretensão de erigir-se em normatividadecientífica essa lógica inconsciente e arbitrária. Fenômeno tão inquietantequanto o da quantidade de mentes geométricas, seduzidas por esse tipode construção intelectual no campo da pedagogia.

É curioso observar a distância entre a pretensão reformista de muitosdesses pedagogos e o caráter rotineiro de seu pensamento. Apegam-se, fun-damentalmente, a conceitos correntes onde caberia criar novos conceitos,ou reformular os antigos, como já foi assinalado, segundo um modo opera-tório. Estão presos a uma clicheria intelectual tradicionalista,11 algumas vezes

11 Em 1971, a legislação do ensino de 1º e 2º graus mudou a "clicherie". Ver, neste trabalho, o tópico referente a essalegislação.

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importada, como demonstra significativamente seu arsenal lingüístico. Deresto, as crenças e as palavras se tornam cúmplice12 umas das outras, aspalavras projetando as crenças interiorizadas e, ao mesmo tempo, cristali-zando-as, para depois reintrojetá-las, revigoradas, pelo refluxo das idéias.

Em síntese, poderíamos dizer que a didática no Brasil, com honrosasexceções nos dá a impressão de um receituário elaborado pelo senso comum,sob a disciplina de uma racionalidade espontânea, não raro apoiada vaga-mente na racionalidade científica, extraída de certas ciências da educação,particularmente à Psicologia. Fenômeno análogo ao que ocorre, por exemplo,com a "Administração Escolar". São receituários que poderiam ter algum méritocomo tentativas pragmáticas, feitas modestamente em volta da experiência.Na verdade, é o contrário que acontece: esse conjunto de normas, muitasvezes nem pragmáticas nem científicas, pretende, com arrogância dogmática,controlar a práxis pedagógica com a autoridade da "ciência".

Do ponto de vista científico e prático, a Didática Geral só poderia exis-tir como ponto de confluência da metodologia do Objeto e da metodologiado Sujeito. O curso de Didática, sob um Coordenador, seria constituído,basicamente, de seminários de que participassem professores representan-tes das áreas científicas interessadas (engenharia, medicina etc.) e das ciên-cias aplicadas, sempre em termos de metodologia científica.

Fundada essencialmente na práxis em que três referidos elementos seinserem e com os quais se constituem, nada impediria à Didática Geral derealizar um certo esforço de teorização, ou melhor, de "decantação" teóri-ca. Ela procuraria identificar, por exemplo, o comum e o diversificado nasvárias metodologias setoriais; compor pelo critério da identidade ou se-melhança dos métodos, as "comunidades" científicas, ou, em sentido in-verso, deduzir das "comunidades" científicas um método típico; estabele-cer certas normas práticas do ensino, dentro de um espírito pragmático eflexível, infenso ao dogmatismo.

De qualquer modo, essa matéria "Didática Geral" deveria operar comopráxis, isto é, por tateamento, por contatos multidisciplinares, por aproxi-mações crescentes de uma metodologia teórico-prática do ensino.

O problema da interdisciplinaridade

O problema da interdisciplinaridade, aliás, se põe em cheio nessadiscussão. Não basta reconhecer que as ciências afins devem trabalhar

12 Sobre a relação entre a lingüística e a formação das crenças, ver CHRISHOLM, Roderick. Teoria do conhecimento. Rio deJaneiro: Zahar, 1969, cap. 5. Tivemos oportunidade de abordar esse problema no trabalho: A Universidade e sua utopia.Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 50, n. 112, p. 223-231, out./dez. 1968.

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integradamente. Há que pesquisar o método de integração no Brasil.13 Tra-ta-se de reunir as matérias e os professores num espaço do saber e numprograma solidários, mas, sobretudo, de construir um "objeto intencional".

Husserl configura o "objeto intencional" nas Méditations cartésienes:

La structure la plus générale qui, em tant que forme, embrasse tous les casparticuliers, est designée para notre schéma général ego-cogito-cogitatum. A ellese rapportent les descriptions très générales que nous avons tenté de faire del'intentationalité, de sa synthèse propre... etc. Dans la singularisation et ladescription de cette structure, l'objet intentionnel situé du côté du cogitatum joeu– pour des raisons faciles à saisir – le rôle d'un guide transcendental, partout où ils'agit de découvrir les types multiples de cogitationes qui, en une synthèse possible,le contiennent em tant qu'état de conscience d'un même objet. Le point de départest nécessairement l'objet "simplement" donné; de là, la réflexion remonte aumode de conscience correspondant et aux horizons de modes potentiels impliquésdans ce mode, puis aux autres modes d'une vie de conscience possible danslesquels l'objet pourrait se présenter comme "le même".

Imediatamente depois do "objet intentionnel", Husserl frisa ecomplementa a idéia da unidade universal de todos os objetos, bem comoo problema de sua elucidação constitutiva.

Parece-nos que existe certa convergência (ou certa analogia) entre o"objeto intencional", na ótica husserliana, e o "objeto" em nossa perspecti-va. Em programa para o curso de Filosofia da Educação (Fundação GetúlioVargas/Iesae, 1974), incluímos o tópico "Prospectiva", cujo roteiro abrangealgumas referências fundamentais: superação da educação rigidamenteestruturada em relação ao Sujeito ( escalonamento por idade e geração), eem relação ao Objeto. O "Sujeito histórico" na sociedade tende a ser um só,congregando as diferentes classes sociais e diferentes grupos etários e,dessa forma, a interessar-se cada vez mais pelo mesmo Objeto. Unidadede objetivos e de "intencionalidade" (projeto) num novo tipo de sociedadedemocrática. (Trigueiro Mendes, 1969, p. 10-12).

Só poderemos realizar o Saber se estivermos aparelhados pelametodologia inter e transdisciplinar. A Faculdade de Educação precisa ela-borar essa metodologia (aplicada à educação, é claro) para si própria, paraa Universidade e de modo geral, para o processo educacional.

13 Tentamos elaborar uma metodologia interdisciplinar em nosso curso de Planejamento Educacional (Mestrado da PUC-Rio, 1973), baseada nas seguintes categorias: circularidade das ciências, unidade do conhecimento, sujeito e objeto, tota-lidade, qualidade e quantidade, racionalidade política, racionalidade técnica e racionalidade econômica. No Mestrado doIesae (Fundação Getúlio Vargas, 1974), através do curso de Filosofia da Educação, procuramos pesquisar a metodologiatransdisciplinar. O tema fundamental consiste no Sistema (sobretudo na perspectiva de Michel Foucault) e na possibilida-de de ultrapassar o Sistema: ciência, filosofia e educação. Entre os instrumentos do curso, destaca-se, exatamente, essetipo de metodologia. Edgar Morin está elaborando a pesquisa transdisciplinar no sentido de um metassistema, ou de umametateoria. Ver Le Paradigme perdu: la nature humaine (Paris: Seuil, 1973) cap. 6: "L'homme péninsulaire", sobretudoScienza Nuova, p. 229 e ss.

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O problema das ciências aplicadas à educação

Seria de supor que as ciências, integrando o currículo da formação doprofessor ou do pedagogo, injetassem dinamismo na "razão" descritiva elinear da nossa pedagogia. Não é o que ocorre. Assim como acontece asuperposição do didata no físico, ocorre a do didata no psicólogo ou nosociólogo. O campo de cada um deles permanece autônomo, processan-do-se a vinculação de um com o outro por mera extensão metafórica. Deresto, é o que geralmente acontece com o ensino das ciências aplicadas,no Brasil. A aplicação não muda intrinsecamente, por "catabolismo", aciência a que se refere: cola-se a ela como um rabo postiço.

Temos na Universidade, do ponto de vista do ensino, as escolas deconteúdo (Engenharia, Direito, Ciências Sociais etc.), e a escola de método,14

sem que esta se articule sistematicamente com aquelas para assisti-lasdidaticamente, como seria sua vocação.

Cabe, portanto, à Faculdade de Educação, assistir a Universidade comoestrutura de apoio à racionalização do processo pedagógico, como instân-cia ao mesmo tempo científica (pesquisa e teoria da educação) e operativa(aconselhamento teórico). Lembramos, como exemplo, determinadas or-dens de problemas que receberiam o influxo direto de sua supervisão:seleção dos alunos; avaliação da aprendizagem; relação pedagógica entreprofessores e alunos; currículos e programas; relações entre educação,cultura geral e formação profissional etc.

É claro que a Faculdade de Educação está ligada não apenas à Univer-sidade, mas a todo o processo educacional, a todos os níveis de ensino e,de modo geral, à política da educação. Por exemplo, em relação ao ensinomédio: destina-se o Colégio de Aplicação à demonstração pedagógica e aotreinamento. Mas os resultados desse esforço não refluem para a própriaFaculdade como matéria de elaboração científica. Nem a Faculdade (comalgumas exceções honrosas) desempenha sua função de laboratório deexperiência sobre currículos, administração escolar, metodologia etc. Maso treinamento profissional deve estar calcado, simultaneamente, na expe-riência e na elaboração teórica, quanto aos conteúdos e aos métodos.

Quanto à política educacional, é ainda maior a omissão e a distância.São ignorados o planejamento e a administração da educação. Se a práxiseducacional está no centro da práxis social, a indiferença das instânciasteóricas da educação em relação à primeira explica, em parte, amarginalidade da própria educação em relação à segunda. E esclarece,

14 Pelo que já foi dito até aqui, entende-se claramente que não separamos o conteúdo do método. Distinguimos apenas apredominância de um e de outro, segundo a natureza de cada escola, tendo sempre presente que o conteúdo já abriga,virtual e dialeticamente, seu método, assim como este guarda referência essencial ao conteúdo.

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igualmente, seu empobrecimento contínuo, disfarçado pelas peripéciasdo nosso "escolasticismo" pedagógico.

A perda de substância transformou a Escolástica, nos fins da IdadeMédia, em formalismo pretensioso, minudente e dogmático. Era um fenô-meno de decadência. A incapacidade de agarrar a substância leva tambémao escolasticismo as ciências da educação entre nós: preponderância daforma sobre o conteúdo, dos meios sobre os fins, das "abstrações" sobre asrealidades, da verbiagem sobre as idéias, do exterior sobre o interior. Masnosso escolasticismo é outro: um fenômeno de imaturidade e não de deca-dência. Só que a imaturidade não decorre da cultura jovem, mas da alie-nação da inteligência desligada da práxis e privada do que esta pode ofere-cer de realismo e densidade.

Duas "escolásticas"

O que mais caracteriza as duas escolásticas é o dogmatismo. Umaaparatosa máquina de regras menores, muitas vezes cerebrinas, se conver-te numa máquina de poder. Os "teólogos" dessa escolástica tornam maté-ria de obediência o que deveria ser matéria de experiência. Com pressu-postos extraídos de uma mente geométrica, ou de experiências desenvol-vidas no exterior, em condições inexistentes ou ignoradas em nosso País,o pensamento dedutivo traça as leis. Às vezes são meros "divertissements"intelectuais que se convertem em normas. Vivemos, no Brasil, realmente,num clima de escolasticismo pedagógico.

Fins e meios

Por causa da distorção que acabamos de apontar, as reformasinstitucionais na educação se reduzem, quase sempre, a reformas admi-nistrativas, e estas, a remanejamentos superficiais na ordem dos meios. Ébastante curiosa a forma como alguns pedagogos se transformam em"administrativistas" graças à química sutil da alienação. Desinteressadosde rever as finalidades da educação tendo em vista ajustá-la à originalida-de de nosso País e, sobretudo, à irrupção de nova cultura no mundo, al-guns pedagogos deixam simplesmente de ser pedagogos quando pensama reforma da educação, tornando-se especialistas de "meios". A Lei nº 5.692,através da Resolução nº 8 do CFE, encampa os objetivos da Lei de Diretri-zes e Bases (Lei nº 4.024, de 20.12.1961). Ora, as filosofias das duas leissão quase antagônicas. Na verdade, a Lei nº 5.692 não encampa a consci-ência crítica e aperceptiva (finalidades e objetos), e sim, está encampadapelo próprio establishment.

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Imagine-se o pedagogo-tecnocrata, desobrigado de situar-se em refe-rência às finalidades reais da educação, terminando por colocar-se – in-conscientemente ou não – a serviço dos fins do establishment. O empenhode qualquer tecnocrata em buscar categorias "neutras" (uma contradição,de resto), e a troca, em decorrência disso, do plano político pelo planotécnico, resulta de uma justificação prévia da política estabelecida e dosvalores que a informam.

Para exemplificar, nos Estados Unidos das últimas décadas, otecnocrata não tinha consciência dos fins, já que o establishment estava,pelo menos aparentemente, consolidado. E, nesse caso, tendia mais a con-tentar-se com os meios do que a discutir os fins que o justificavam (mes-mo porque a vinculação ao establishment pelos que os integravam depen-dia cada vez mais de uma espécie de consciência mecânica e reflexa doque de uma adesão ativa e criadora).

Os meios isolados dos fins se afirmam exclusivamente em virtude desua "tecnicalidade", e os especialistas em política dos meios poderiam serutilizados para realizar qualquer empreendimento na política dos fins.Chega-se por esse caminho a admitir o que se poderia chamar detecnicidade formal das idéias, abstraídas de sua "matéria", de seu "conteúdo"e de sua intencionalidade. Novamente, uma cilada da alienação. Meioscoisificados, opacos, sem atravessar a consciência significante e intencionaldos fins.

Legislação do ensino de 1º e 2º graus

É certo que está alterada, substancialmente, a educação brasileira,mas se confirma essa "hipóstase". Por exemplo, o ensino profissionalizantenão é coerente com as exigências reais do mercado de trabalho, e tampoucohá coerência entre educação, tecnologia, perfil da demanda, sociedadeindustrial e cultura brasileira.

A Lei nº 5.692, art. 5º, § 2º, b (parte da formação especial) determina:"será fixada, quando se destina à iniciação e habilitação profissional, emconsonância com as necessidades do mercado de trabalho local ou regio-nal, à vista de levantamentos periódicos renovados". É muito pouco. Pri-meiro, restringe-se, exclusivamente, ao mercado de trabalho. Segundo, ospedagogos que elaboraram o projeto da Lei nº 5.692 e outros documentoslegais (por exemplo, a "habilitação profissional") deveriam se haver cerca-do de pesquisadores e especialistas nas diferentes áreas: Filosofia, Socio-logia, Economia, Antropologia, Ciência Política, Pedagogia (real) atravésdo planejamento interdisciplinar. Mas, no caso, existe apenas aterminalidade para cumprir a lei cartorial, já que a terminalidade real emeducação não existe.

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Os pedagogos aguardam da lei a expedição; não aguardam a pesquisa,o começo. Legislação prolífica, pesquisa escassa. Mais edito do que lei(embora se saiba que a lei contém uma parte específica – o edito, isto é, opreceito, o mandamento), já que a lei ordena a práxis.

A Lei do Ensino de 1º e 2º graus consiste na verbalização das solu-ções e não na sua viabilização. Qualquer lei deve fixar princípios bastanteprecisos, tanto mais precisos quanto mais gerais.15 Ora, a legislação do 1ºe 2º graus, em alguns pontos, é bastante detalhada mas imprecisa nas suasconceituações básicas. Não oferece inteligibilidade, dificultando, por issomesmo, sua aplicação. Alguns conceitos no relatório do Grupo de Traba-lho, como "matéria", "equilíbrio", "estudos gerais",16 "interpenetração" dastrês matérias (com estrutura distorcida: v. "O núcleo comum" – Parecer nº853/71 do CFE), escalonamento das séries e, por conseqüência, das idades(sem base consistente; v. Resolução do CFE nº 8, art. 5º, I; sabe-se bem quea base rigorosamente psicológica está pesquisada, por exemplo, por ArnoldGesell) e outros deixam a escola sem uma armação conceitual correta, emtermo operacionais, que permita a implantação da Lei.

O relatório do Grupo de Trabalho acena com a integração dos grausde ensino. Mas o capítulo I, art. 1º da Lei (e o relatório) perpetra o equívo-co em relação ao 1º e 2º graus. Ou um conceito só, e então não é precisosuperpor os dois graus, ou a integração do 1º e 2º graus com as proprieda-des específicas de cada um. Especificidade mas tambémcomplementaridade. Distinguir mas também unir. Além disso, o ensinodo 1º grau (Lei nº 5.692, cap. II, art. 17) não tem definição essencial, e sim,definição vagamente descritiva. Talvez definição protelatória para não secomprometer com a ciência.

Insistimos: essa Lei precisa ser trabalhada mediante a elaboração ci-entífica e técnica. O acolhimento de reivindicações da opinião pública eda cultura contemporânea é um gesto político fundamental e, conseqüen-temente, correto: o ponto de partida de tudo o mais, já que dele depende aintrodução de novas concepções e normas no processo instituinte. Ora, oque está acontecendo com o processo educacional entre nós é que o atopolítico das decisões instituidoras se dá como ato técnico que deveria pro-longar e complementar aquele. A decisão política estaria deflagrando,

15 É preciso distinguir "geral" e "vago". Sabe-se na lógica que "a extensão" de uma idéia implica a "compreensão", e dentrodos limites da "compreensão", a idéia deve ser rigorosamente precisa.16 O relatório e a Lei encampam a concepção dos "estudos gerais" do senhor Rudolph P. Atcon (Rumo à reformulaçãoestrutural da universidade brasileira. Rio de Janeiro: MEC/Diretoria do Ensino Superior, 1966, p. 19-22) mas: 1) o Autor serefere somente à Universidade ("campo básico do conhecimento humano") e 2) a concepção do Autor é bastante contestá-vel. A cultura tem de ser representada, na Universidade moderna, por um corte transversal que atravesse todos os momen-tos do curso mas que, sobretudo, integre o geral no particular, a cultura na técnica e a Universidade na Sociedade. Omodelo medieval que o professor Atcon procurou rejuvenescer é típico de uma sociedade estática. Tratamos do tema"estudos gerais", ainda, nos seguintes textos: Desenvolvimento, tecnocracia e educação; Ensino de Filosofia, e no ensaioSubsídios para a reformulação universitária no Brasil.

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imediatamente, o processo incessante de pesquisa e reflexão no planocientífico e técnico, visando oferecer os modelos educacionais.

Modelo educacional

Para valorizarem os resultados pedagógicos de um contexto que não éapenas pedagógico mas cultural, no pleno sentido da palavra, os pedagogosreincidem na hipóstase pedagógica transformando em entidade per semodelos educacionais de valor histórico e cultural específicos.

As tendências vegetativas que impulsionam o crescimento do ensinodeverão ser substituídas por um sistema normativo que o subordine à novaimagem do País fixada no plano nacional de desenvolvimento. O planeja-mento é um processo pelo qual a qualidade se transforma em quantidade,e esta novamente em qualidade, e assim sucessivamente.

Modelo educacional, como aqui entendemos, designa as decisõesqualitativo-quantitativas que constituem pontos de partida da políticaeducacional (práxis normativa). Mais explicitamente: modelo é o padrãoconsiderado, dinamicamente, através de suas conexões – dentro de cadasubsistema regional e (ou) estadual do ensino – com as necessidades polí-ticas, sociais, econômicas, culturais, que devem constituir as suas variá-veis. Segundo os pressupostos acima formulados, a expansão consiste nacriação de novos modelos educacionais, e a sua multiplicação condicio-nada às necessidades cívico-culturais e econômicas, à estrutura do merca-do de trabalho das ocupações e às peculiaridades do ramo profissional oucientífico de cada área geoeconômica do País.

No aspecto operacional, a quantificação representa a expansão ouretração do modelo em termos numéricos. Por exemplo, se concebermosuma nova idéia a respeito do ensino médio – no caso, o 2º grau – se tradu-zirmos num esquema operacional, e o convertemos em norma, teremos omodelo. São três, portanto, as etapas na ordem qualitativo/quantitativa:o conceito, a armação operacional e a normatividade.

A Faculdade de Educação e a Universidade: confronto de dois sistemas

Já assinalei, neste trabalho, que no sistema dominante nas Universidades:

1) as escolas dos conteúdos estão separadas da escola dos métodos;2) o método é hipostasiado como essência separada da matéria de que

ele deveria derivar; a didática pretende dispensar, ou substituir, ametodologia científica;

3) ficam igualmente excluídos da "escola de métodos" os fatorescomportamentais que devem integrá-la e que constituem o objeto

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das chamadas ciências do comportamento, embora a maioria delasseja ensinada nessa escola: Psicologia, Sociologia, Economia etc. Des-conhecendo o Objeto e o Sujeito – como se comportam um e outro –o Método cai no vazio e se converte numa construção arbitrária.

No sistema aqui visualizado para a Faculdade de Educação, ela seriabasicamente a Escola de Métodos, e, por isso mesmo, a escola central daUniversidade – na medida em que toda instituição educacional repre-senta, formalmente, um sistema a dar à experiência e ao saber a formapela qual eles possam ser comunicados: pelo modo da assimilação e pelomodo da criatividade que muda a própria experiência e o saber. Essa"redução" operada na experiência nos parece configurar a própria essên-cia da Pedagogia.

Entretanto, só deixando de hipostasiar o método pode a Faculdade deEducação realizar sua missão de escola central da Universidade. Integran-do-se na comunidade universitária, através de um jogo de interações en-tre os três processos básicos da educação: a Experiência, o Comportamen-to e, como ponto de ligação entre ambos, o Método.

Nossa análise nos leva, portanto, a opor a idéia de função à idéia decoisificação, e a constatar que no Brasil temos enveredado pela segundaalternativa. A necessidade da função pedagógica, nos termos definidosneste trabalho, ressalta diante de problemas como estes:

1) a estruturação do método segundo o objeto ao qual ele deveadequar-se;

2) a relação pedagógica, profundamente alterada pela participaçãocriadora de alunos e professores (v. nota 9b);

3) a unidade e pluralidade da cultura, refletidas no contextouniversitário;

4) a recolocação do problema da qualidade e quantidade da educa-ção de acordo com o modelo político;

5) os encargos da educação na construção e funcionamento da soci-edade tecnológica etc. Problemas dessa natureza fizeram surgir,como se sabe, disciplinas do tipo da Economia da Educação, revi-goraram outras, como a Sociologia da Educação, a Psicologia daEducação, a Filosofia da Educação etc., e ligaram profundamenteo planejamento educacional ao desenvolvimento.

Planejamento educacional

O problema do planejamento educacional é particularmente impor-tante, tanto pelo seu crescente prestígio quanto pelos equívocos que ele

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comumente suscita. A denominação técnico em planejamento educacio-nal, que se está generalizando, só poderá ser acolhida com reserva, pois oplanejamento educacional é a confluência de várias especializações atra-vés da metodologia interdisciplinar. Se o planejamento educacional podeser definido como uma especialização, o que deve caracterizar este será,exatamente, a arte de diferenciar e unir, ao mesmo tempo, isto é, de iden-tificar os diversos ângulos dentro dos quais a política educacional se situae de, simultaneamente, articulá-los num contexto estrutural coerente.

Poder-se-á perguntar se essa confluência não poderia processar-se noâmbito do próprio curso de Pedagogia (na graduação). Evidentemente não,pois a variedade das competências requeridas pelo planejamento não po-deria ser alcançada dentro de um curso especificado pelo objetivo peda-gógico, e com a duração que este, normalmente, deverá ter, a não ser me-diante a compreensão dessas especialidades confluentes até o ponto deperderem seu peso e autenticidade.

O planejamento requer dois tipos de saber: um, que tem a predomi-nância nos conteúdos, e outro, nas formas. No caso do planejamento edu-cacional, intervêm problemas de vários conteúdos, como os há pouco as-sinalados, e por isso há necessidade de especialistas em todas as áreascorrespondentes: cabe aos que, partindo de qualquer dessas especializa-ções, pretendam tornar-se especialistas em planejamento, completar suacompetência quanto ao conteúdo, com a competência quanto à forma, istoé, aos métodos mediante os quais esses conteúdos diversos possam comu-nicar-se entre si. Por outras palavras, há um saber científico especializadoque se prolonga em metodologia de articulações interdisciplinares, ou numaespécie de combinatória. Caberia indagar se não seria possível a especiali-zação em planejamento tout court, isto é, no sentido meramente formal,sem apoio em nenhum saber "material". Acreditamos que não; a compe-tência para compor as partes num todo coerente é atribuída, basicamente,aos políticos, administradores, e aos generalistas, que estão mais compro-metidos com a realidade objetiva do que com seus delineamentos formais,pois estes devem ser extraídos daquela. A formação do generalista (numatentativa de conceituar o "generalista") embora não possa, por definição,circunscrever-se a nenhuma área especializada, se desenvolve a partir deum campo especializado – e, nesse caso, são especialistas de 2º grau, istoé, os que ampliaram sua competência especializada até a incorporação,senão de outras competências, pelo menos de outras approaches.

Finalmente, a maturidade intelectual e técnica necessária às tarefasdo planejador e, conseqüentemente, o nível de sua formação, não se dedu-zem apenas do contexto multidisciplinar cujo domínio lhe é indispensável.Decorre, ainda e sobretudo, de uma conciliação mais difícil entre a teoriae a prática, "reduzindo" incessantemente a primeira à segunda, e da se-gunda retirando substrato para a primeira. Como instrumento de uma

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política, o planejamento não se reduz a manipular arquétipos, mas sobre-tudo a confrontar seus modelos com opções políticas, e a examinar a via-bilidade dessas opções nos diversos sentidos: o social, o cultural, o econô-mico etc. Tal pressuposto, se acentua as razões acima apontadas – de queo planejamento não pode prescindir dos instrumentos de avaliação daspossibilidades reais, retiradas sobretudo das ciências humanas e das ciên-cias formais – revela, por outro lado, a necessidade de uma formação con-sistente, longa, variada e, tanto quanto possível, enriquecida com experi-ências no campo profissional.

Educação e sociedade

E com relação à sociedade, como delinear a "função" educação? Basi-camente, trata-se de ajustar o "sistema educacional" ao "sistema de ação" asociedade, já que essa fórmula abrange todas as atividades essenciais aque se destina a Faculdade de Educação. Vamos enumerá-las, segundouma ordem lógica, e uma ordem de prioridades práticas nas atuais cir-cunstâncias do Brasil.

a) Antes de tudo, é preciso considerar que um novo nível histórico dacultura e da sociedade deve ser acompanhado de alterações corres-pondentes no plano das instrumentalidades educacionais. Impõe-se talhar a teoria da educação de acordo com as novas condiçõesemergentes no plano de trabalho de estruturas sociais (promoçãosocial, cultura de massas, educação permanente etc.), das estrutu-ras políticas e econômicas, desaguando tudo no processo do desen-volvimento. Incluem-se nessa linha de consideração alguns proble-mas (para exemplificar):

1) novos modelos e processos de formação profissional, confronta-dos com o mercado de trabalho, sua diversificação e fluidez;

2) conversão da Universidade num sistema aberto e flexível, não sóno sentido da educação recorrente e permanente, como no senti-do de sua conexão com as estruturas de trabalho vigentes, enri-quecendo as qualificações que estas promovem, ou propiciandohabilitações que se completam com o apoio daquelas estruturas;

3) criação e assimilação de novas tecnologias educacionais, como oensino programado;

4) desenvolvimento das ciências aplicadas à educação, sobretudoas que se relacionam com o planejamento (Sociologia, Econo-mia, Ciências Políticas etc.).

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b) Esse ajustamento da educação à práxis econômica, social, políticae cultural, impõe-se simultaneamente à própria práxis educacional.Temos insistido, repetidas vezes, na necessidade de criar categori-as de especialistas da educação, ou reformular a concepção de outrasáreas; por exemplo: Orientação Educacional e Profissional,Administração Educacional, Planejamento Educacional, Teoria e Prá-tica da Educação Fundamental, Teoria e Prática da Universidade,Teoria e Prática da Educação Permanente e da Educação de Adultos,Teoria e Prática da Faculdade de Educação.

c) Em relação à formação de professores do ensino médio, do ensinonormal e, em alguns casos, do ensino primário, acreditamos que sedeva incrementar, o mais possível, formas não convencionais deformação e treinamento de professores, institucionalizando-se mé-todos de complementação cultural e pedagógica já iniciados no País.

Ensino supletivo e educação permanente

O ensino supletivo é um arcaísmo sob o disfarce da educação perma-nente. O relatório do Grupo de Trabalho da Reforma do Ensino de 1º e 2ºGraus e a Lei nº 5.692 (11/8/1971), cap. IV,17 não distingue dois métodosfundamentalmente diferentes. No fundo, o ensino supletivo significa aescolaridade regular, acrescentada de um mecanismo de complementação.Cursos regulares da escola, mas atalhados através do ensino supletivo. Omesmo ensino, as mesmas águas que fluem no leito do rio, o mesmo estu-ário. O ensino supletivo recolhe, aparentemente, alguns rastros da educa-ção recorrente. No livro Apprendre à être (Faure, 1972, p. 214), encontra-mos a seguinte "Recomendação":

Abolir les barrières artificielles ou désuètes entre les différents ordres, cycles etniveaux d'enseignement, de même qu'entre l'éducation formelle et non formelle;introduire graduellement et d'abord pour certaines catégories de la populationactive, des possibilités d' éducation itérative (d' éducation récurrente).

Depois, o comentário:

Cella suppose: une circulation plus libre, plus ample, du sommet à la base, dedegré en degré et d'un établissement à l'autre ; l'aménagement, d'une part, demultiples issues, d'autre part, de libres voies d'accès latérales; la possibilité, pour

17 Lei nº 5.692, de 11/8/1971, capítulo IV. Do Ensino Supletivo. Art. 24: "O ensino supletivo terá por finalidade: a) suprira escolarização regular para os adolescentes que não a tenham seguido ou concluído na idade própria; b) proporcionar,mediante repetida volta à escola, estudos de aperfeiçoamento ou atualização para os que tenham seguido o ensino regularno todo ou em parte."

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chaque sujet, au terme de la scolarité obligatoire, soit de poursuivre des études,soit de s'orienter vers la vie active (sans perdre pour autant la perspective d'étudesultérieures), soit de remédier au résultat éventuellement défecteux du premierenseignement; la possibilité d'entreprendre des études supérieures sans avoirpréalablement suivi l'enseignement formel traditionnellement requis; une amplemobilité d'un type d'enseignement à un autre, ainsi qu'à destination et enprovenance des secteurs de production et de la collectivité; de larges possibilitéspratiques; offertes aux jeunes et aux adultes, de combiner emploi et éducation.

Entretanto, a educação recorrente é bastante tímida em relação a edu-cação permanente. E ainda mais tímido o ensino supletivo, absorvido pelavisão "pedagogística" e bitolada.

Há muito tempo insistimos na educação dos adultos e na educaçãopermanente.

Esse sistema apresenta um interesse especial num país como o Brasil, de autodi-datas e, se me permitem a palavra, de "adidatas". Somos um país, sem educaçãoescolar, onde a maioria aprende vivendo e pelejando como no famoso verso deCamões. Mas na verdade, esse tipo de experiência constitui um húmus de cultu-ra, sendo a idéia científica desse fato a mais importante novidade da educaçãomoderna. Então, se esse dado representa a maior parte de nossa realidade educa-cional, temos de começar por ele. Não se justifica que os processos de atualizaçãoe de completação da cultura não apareçam em nosso sistema educacional com omesmo prestígio das formas convencionais. [...] No regime liberal, o setor priva-do fazia tudo; nas sociedades comunistas, o Estado pretende fazer tudo; na demo-cracia moderna, a sociedade pela primeira vez na história procura concentrar odinamismo de todos os seus membros num projeto comum sob a ação do Estado.É o fenômeno, como lembrei há pouco, do povo como sujeito-objeto do desenvol-vimento (Trigueiro Mendes, 1968).

A política educacional não se realiza sem uma tremenda carga de re-cursos e esforços, a qual só se justificaria na medida em que se transferisseao povo o protagonismo de seu processo, em todos os planos. Nessa pers-pectiva, a nação se desenvolve como um corpo, inteiriçamente, pela estritasolidariedade de todos os seus membros; ou seja, qualifica-se pela qualifi-cação solidária de seus membros. Ora, para que isso aconteça, impõe-se umcontexto social consciente, unido. Pode-se obter uma intelligentsia política,ou técnica, ou burocrática, a baixo custo; não se pode, entretanto, elevartodo o povo ao nível da verdadeira inteligência e da verdadeira competên-cia sem um custo altíssimo, só admissível quando ela aparece identificada,em larga escala, como o próprio custo do desenvolvimento. Aí vem o gran-de paradoxo; antigamente, as elites preferiam produzir subempregados –contanto que o povo se mantivesse em seu status minoritário – a incorporá-los à práxis nacional através da elevação de suas qualificações e, pois, deseus níveis de eficiência. Parecia-lhes menos alto o preço da primeira op-ção, a de vender símbolos. Funcionários eram mal pagos, por exemplo, por-que incompetentes. A elite se irritava contra o parasitismo dos funcionáriospúblicos, fruto, na maioria das vezes, da incompetência; mas não se decidia

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a tomar as medidas que a eliminasse. Se a grande maioria fica excluídadessas responsabilidades, volta, então todo o círculo vicioso: meia-educa-ção para meia-responsabilidade que se transforma em justificativa, nova-mente, para a meia-educação.

Uma nação moderna não pode viver de um pequeno grupo de supereducados,mas da eficiente educação da maioria de seus integrantes. Eficiência econômica,social e cultural existe em cada nível de ensino, per se, correspondendo, simetri-camente, a cada um desses níveis, necessidades econômicas, sociais e culturaisespecíficas. É preciso compreender a nação como um "cheio" – uma totalidadecompacta e dinâmica, dentro da qual todos se distribuem somando eficiência,sendo igualmente necessário conceber a educação como o processo capaz de pro-ver essa eficiência plena ao longo do tempo e de suas exigências incessantementerenovadas.

Há um nítido processo de convergência de todas as técnicas como última etapada dialética da sociedade industrial, superando dualismos que ela própria, emcerta altura, exacerbara (sobretudo entre o trabalho e a educação), e ultrapassan-do o estágio de rígida divisão de trabalho à cuja sombra, igualmente, ela flores-ceu. Poderíamos dizer que as técnicas sociais caminham para uma crescente con-versibilidade mútua, as técnicas de trabalho confundindo-se com as de educa-ção, estas com as de comunicação etc. Em última análise, a ação humana encon-tra-se consigo mesma, capacitando-se o homem todo para a totalidade da ação.Ou seja, toda a educação para toda a ação; mas também toda a ação para toda aeducação. Expliquemo-lo mais claramente. Compreende-se, cada vez mais, a açãocomo um todo cujas virtualidades percorrem todas as suas manifestações comoartérias dentro das quais corre o mesmo sangue unificador. Isso leva o homem aencontrar-se consigo mesmo, com a plenitude de suas potencialidades, revelan-do-lhe a identidade profunda que não se encontra só ao lado do homo sapiens,sendo também do homo faber. A identidade da ação – como uma só – abriu cami-nho à nova identidade do homem, como um ser só.

Que é uma nação moderna, senão a que deixou de viver de um mandarinato – desábios na cúpula – e passou a depender da eficiência solidária da comunidadeque a forma? Senão aquela que não se fez uma vez para sempre, mas se faz todosos dias?

Orientação educacional e profissional

Uma filosofia da educação traça a orientação geral, flexível, cujainstrumentalidade do Sujeito acompanha, dialeticamente, ainstrumentalidade do Objeto. Estabelece-se a analogia entre o ensino de1º e 2º graus e a orientação educacional. A educação geral germina daeducação profissional, e a educação profissional se enraíza na educaçãogeral. Em termos filosóficos, na ótica bergsoniana, só podemos conhecer adurée, instituindo-a no momento global e único que compreende sua tra-jetória. Seu fracionamento em instantes separados – em "paradas" ou imo-bilidades sucessivas – representa a espacialização do que é temporal. Ora,

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o tempo é durée na medida em que ele próprio constitui a substância, istoé, na medida em que substância é alteração. Depois de estudar a altera-ção, através da qual a durée se diversificará, Bergson procurou identificaro processo oposto: o da unificação, o "reencontro do simples como umaconvergência de probabilidades."

Aliás, a "terminalidade" significa a durée pessoal e social, em corres-pondência com a educação geral e permanente. Mas a terminalidade, nalei, significa a postura mecânica, cartorial e estanque. Sabe-se bem que orelatório do Grupo de Trabalho proclama a conexão entre a continuidade ea terminalidade; entretanto, o que se nota é a desconexão deste documen-to, à luz da teoria e da realidade educacional brasileira.

Em outra perspectiva psicológica e sociológica, a orientação educacionalnão é só a busca de preferências supostamente existentes em estado purodentro do espaço psicológico da criança e do adolescente, porque não existeespaço psicológico puro: o psicológico é o social interiorizado. A orientaçãoeducacional parte do reconhecimento do confronto homem-mundo, sob aforma dialética do mundo a fazer-se pela ação do homem, e do homem afazer-se a si mesmo enquanto faz o mundo; o reconhecimento, portanto, deque as preferências vocacionais resultam de um apelo de dentro e de fora,simultaneamente educacional e profissional: o indivíduo e a sociedade, ouniverso da educação e o universo do trabalho. Por isso, filosoficamente, aorientação é uma só, com diferentes nuanças segundo as etapas da educação.

Aspectos do trabalho na Faculdade de Educação

Os métodos de trabalho adotados nas Faculdades de Educação (comhonrosas exceções), especialmente na formação de professores do ensinofundamental e médio, também devem ser totalmente reformulados.

No plano teórico, os cursos se limitam à transmissão de textos, àsvezes medíocres. Não se trata, a rigor daquela espécie de saber do saberque, segundo M. Foucault, caracterizou o século 17, como se estivésse-mos, residualmente, apegados a formas arcaicas de cultura. Trata-se, aocontrário, de um processo intelectual que impede o conhecimento. Lem-bra Piaget:

Conhecer um objeto é agir sobre ele e transformá-lo, apreendendo os mecanis-mos dessa transformação vinculados com as ações transformadas. Conhecer é,pois, assimilar o real às estruturas das transformações, e não as estruturas elabo-radas pela inteligência enquanto prolongamento direto da ação.

Mesmo que o conhecimento não parta do dado primário, este se en-contra presente na sua engrenagem, numa elaboração do dado secundá-rio. É o que esclarece novamente Piaget:

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O fato de a inteligência derivar da ação [...] leva a esta conseqüência fundamen-tal: mesmo em suas manifestações superiores, onde ela procede graças aos ins-trumentos do pensamento, a inteligência ainda consiste em executar e coordenarações, mas sob uma forma interiorizada e reflexiva.

Graças a esse mecanismo operatório, a inteligência se reencontra per-manentemente com o real. Sem ela, as idéias se geram umas às outras,como assinalamos no início deste trabalho, no espaço de uma lógica pura-mente formal ou geométrica; ou são apenas idéias copiadas, desprovidasda infra-estrutura empírica. É o que ocorre, por exemplo, com as discipli-nas de Sociologia da Educação ou de Psicologia da Educação em nossoscursos pedagógicos. Ignoram-se os fatos ligados à própria observação eexperiência: só exposição do manual sem qualquer contato com o fato e ateoria.

Nessa reformulação a que nos referimos (formação do professor doensino fundamental e médio), gostaríamos de destacar aspectos de algu-mas disciplinas. Por exemplo, a Sociologia da Educação servirá para situ-ar o professor – através da consciência aperceptiva, crítica e prospectiva,juntamente, com os seus instrumentos de trabalho na cultura e na socie-dade brasileira, em que deve intervir através, exatamente, desses instru-mentos. A Filosofia da Educação desenvolverá a consciência mais verticaldos valores e idéias subjacentes ao processo educacional (excelente ins-trumento, de resto, junto com a Antropologia, a Sociologia, a Ciência Polí-tica e a Economia para o estudo de nossa cultura).

Trata-se de reflexão destinada, antes de mais nada, a dar sentido e orientação àpesquisa empírica. Esta, com efeito, limita-se, na análise dos fatos e dos proces-sos, a determinar-lhes a significação imediata, no nível e na "zona" da realidadeem que se situam. Ela chega a verificar o comportamento de determinados fenô-menos, sem poder julgá-los ou alterá-los. Ora, nenhuma ordem de fenômenos étotalmente explicável fora do contexto de suas articulações com outras ordens defenômenos; nenhum fato ou processo, sobretudo na educação, adquire significa-ção por si, na sua pura materialidade empírica. O fato educacional só é compre-ensível à luz da filosofia e da política.

A Psicologia da Educação privilegia o Sujeito (na nossa concepção, jácitada neste trabalho) como protagonista, mas estabelece, dialeticamente,o trio Sujeito – Objeto – Método.

Em relação às "ciências da educação", é necessário reformular a estra-tégia baseada nos seminários interdisciplinares.

A pesquisa na Faculdade de Educação

Destacados educadores brasileiros, interessados no problema da Facul-dade de Educação, são contrários a que se crie, nesta, um setor específico de

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pesquisa educacional. Pesquisa, afirmam eles com toda razão, é inerente aoensino, devendo por isso mesmo integrar o conjunto de atividades desen-volvidas em qualquer disciplina ou departamento. Somos contrário à asso-ciação ensino-pesquisa nos termos da lei, por considerá-la pouco funda-mentada na ciência e na educação brasileira. Mas isto não vem ao caso nomomento. O que nos interessa aqui é saber se há lugar para um departa-mento de pesquisa educacional na Faculdade de Educação e, nessa hipóte-se, qual deveria ser sua estrutura e funcionamento.

A pesquisa nesse departamento, segundo nosso projeto, representa oinstrumento de ligação entre as ciências da educação e a realidade social.Admitindo-se a ambigüidade essencial da educação – ciência e práxis aomesmo tempo – o departamento de pesquisa e planejamento seria expres-são e instrumento de tal ambigüidade. Poder-se-ia objetar que esse tipo depesquisa poderia incluir-se, por exemplo, nas atribuições de um departa-mento de Sociologia da Educação. Pouco haveria, nele, que pudesse ultra-passar esse departamento.

Na verdade, o corte epistemológico adotado em nosso projeto é outro.A pesquisa que se desenvolve no interior de cada ciência, e sob o controleda respectiva lógica (ainda que alimentada pela realidade social), devealojar-se, normalmente, nos departamentos correspondentes.

A lógica da práxis envolve duas totalidades – a interdisciplinar, noplano das estruturas acadêmicas, e a intersetorial, no plano das estruturassociais; ela funde o "sistema de ação" da sociedade. Mas cremos que osistema de ação é insuscetível de ser "capturado"por uma disciplina só, oupelo conjunto das disciplinas acadêmicas, pois ele requer uma disciplinade práxis. E a práxis se constitui, basicamente – continuamos repetindo –por uma integração dialética entre o plano educacional propriamente ditoe o plano político no amplo sentido da palavra. A "paidéia" é parte da"politheia".

A Escola Nova, apesar de seu avanço na ciência e na prática pedagó-gica, não completou o empreendimento revolucionário que caberá, agora,à "educação permanente" levar a cabo. Ela fez da escola uma pequenaréplica da pólis cujos problemas deveriam ser vividos, naquela, em escalareduzida como forma "incoativa" de experiência social . Na verdade, aescola, assim como outras instâncias sociais, não são réplicas, mas partesda pólis, percorrida pela mesma torrente unificadora. Temos que encon-trar os modos de inserção da educação na sociedade, a qual se impõe pormotivos científicos, como acabamos de sugerir, mas também por argu-mentos estratégicos para corrigir, no nosso caso, por exemplo, a alienaçãodo processo educacional.

A educação não é totalmente "academizável". Ela faz parte do projetopolítico que, enquanto tal, precisa ser "capturado" fora dos quadros estritosda atividade científica ou acadêmica. A eficácia teórica de que se reveste a

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ciência significa apenas a consistência interna do pensamento – condiçãoindispensável para uma política da educação, mas insuficiente até que aciência venha a explodir na decisão política. A práxis, com o seu projetodinamizador, deve estar sempre em contato com esses quadros de referên-cia que a racionalidade científica oferece. Na medida em que é constituídapelas "razões de verdade" (no sentido epistemológico), a práxis educacio-nal – integrante da práxis política – deve ser por ela depurada. Há umainteração dialética entre o plano da racionalidade técnica e o da decisãopolítica.

Os tecnocratas parecem incapazes de reconhecer a legitimidade doprojeto político e a inserção neste do projeto educacional. Tanto ostecnocratas do lado econômico, quanto os do lado pedagógico. Entretan-to, o desdém que eles votam à práxis é o mesmo que esta lhes opõe.Todos os empenhos para mudar a educação por parte dessas duas cate-gorias de tecnocratas têm resultados inócuos, ou porque se pretende afas-tar da educação, como desvios da racionalidade, os obstáculos reais queela enfrenta, ou porque se tenta eliminar, como impureza, sua própriadensidade.

A necessidade do cruzamento entre práxis política e a elaboração cien-tífica transformará o departamento de pesquisa e planejamento em canalem que se opera o vaivém entre a racionalidade acadêmica, forjada nosoutros departamentos, e a racionalidade política, técnica e econômica.

Instituição educativa e contexto social

Raymond Aron, no prefácio ao livro de Philip Coombs, La CriseMondiale de l' Éducation, declara:

O descompasso entre as instituições educativas e o contexto social decorre darelativa autonomia dessas instituições, da diferença das temporalidades. As Uni-versidades tendem a perseverar em seu ser, a continuar o que elas foram ou são,a conservar valores próprios. É o planificador, não o professor, quem, mais oumenos explicitamente, põe a Universidade a serviço do desenvolvimento ou medea eficácia do sistema pela adaptação das sorties às necessidades da produção (1968,p. 6-7).

Parece-nos que Aron comete um equívoco. Pretende formular umateoria do deslocamento, mas na verdade descreve conjunturas educacio-nais, e também políticas, econômicas etc., no passado, ou no presente.Contudo há, também, o inverso: as conjunturas, algumas vezes, supri-mem o descompasso.

Algumas universidades (por exemplo, na Alemanha, na França e mes-mo nos Estados Unidos) provocam o apagamento das diferentestemporalidades, em relação ao "sistema da educação" e ao "sistema de ação".

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A educação da criança, do adolescente e do adulto situa-se dentro do mesmotempo e do mesmo espaço social. Isto é o mesmo que dizer que se torna cada vezmais irrelevante a fronteira entre a escola e a sociedade. Até agora, era o adulto,exclusivamente, que representava a sociedade (já que só se considerava socieda-de estabelecida, de que ele era o estereótipo), enquanto a escola era constituídapor aqueles que ainda se preparavam para integrar-se nela. Agora, começamos acompreender que a sociedade se estabelece, criadoramente – e não estaticamente– mediante o concurso das gerações no tempo e no espaço simultâneos. Por isso,os adultos voltam a freqüentar a instituição educativa, ou criam novasinstrumentalidades, paralelas ou até competitivas, ou conflitantes, com a escola(Trigueiro Mendes, 1974, p. 12).

No prefácio, Aron, interpreta, com certa condescendência, a "análisede sistema" na educação. Na verdade, a "análise de sistema" explica a fun-cionalidade ou disfuncionalidade das estruturas educacionais, mas nãotem condições de, por impulso próprio, formular novas estruturas. O pes-quisador corre o risco de tornar-se prisioneiro do sistema quando não temcondições de analisar, globalmente, o próprio sistema. Se ele se fixa numaparte, procurará explicá-la por comparação com outras partes, que por suavez se explicam segundo o método dentro do processo circular. A posiçãofuncionalista implica, simultaneamente, o establishment e a tecnocracia.

A Faculdade de Educação se integra nessa tarefa, concorrendo parapromover o nivelamento ou desnivelamento entre o sistema de educaçãoe o sistema de ação da sociedade. Ela detém parte substancial da respon-sabilidade da própria Universidade como instância encarregada de defi-nir, em cooperação com outras, o projeto nacional. Nessa linha de pensa-mento se inscrevem reflexões feitas em nosso trabalho sobre "O governoda Universidade" (1966). Poderíamos dizer, teoricamente, que

[...] as relações entre a Universidade e o Estado se revestem de extrema importân-cia, como o confronto do que deveriam ser as duas expressões da síntese nacio-nal: porque são os dois "universos" que a representam de maneira mais global emais ordenada: um, como estrutura de poder; e outro, como estrutura de saber.Um de constituir a expressão suprema da Nação, como lembrava Deloz (La Nationse personnalise s'étatisant), e o outro a suprema expressão da cultura, como aconsciência que a Nação forma de si mesma e do seu projeto.

Ora, essa análise nos leva mais longe no conceito de autonomia: a Universidadese inclui no Plano Nacional, mas é ao mesmo tempo uma instância crítica dopróprio Plano, além de dever contribuir para sua elaboração e avaliação, na medi-da em que vier interpretar validamente a realidade brasileira. Levando-se emconta o caráter global do desenvolvimento – traduzido pelo sociólogo e econo-mista francês, André Philip, como a elevação de "todo o homem em todo homem"– não seria compreensível, a não ser por abuso do Poder, ou deficiência do Saber,que a Universidade não fosse amplamente participante do Plano ou, ao invés,fosse acuada por ele. Em termos teóricos, esse conflito seria, no fundo, entre oesforço de racionalização que o Plano representa e o projeto nacional formuladopela fração mais qualificada de sua intelligentsia. A inferioridade em que estácolocada a Universidade em vários países do mundo com relação ao dinamismo

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do Estado, que o plano traduz, se deve ao caráter conservador das Universidadese à imobilização do saber acadêmico, desarticulado da práxis nacional. A inteli-gência universitária brasileira ainda não assumiu plenamente a realidade do país.Como instância crítica, a Universidade terá de procurar no Plano sua identifica-ção com a vontade comum. A multivisão – correlata da multiversidade – e osinstrumentos de análise de que dispõe concorrerão para que o Plano não venhaconsagrar opções e prioridades que traduzam a ética de um grupo, ou de umaclasse, ou de uma região, em detrimento das outras, ou se baseie em critériosdistorsivos pelos excessos da tendência tecnocratizante.

Processo intelectual da educação

Não compreendo que se pense em Faculdade de Educação, no Brasil,destinada à rotina, sem pensar, ao mesmo tempo, em Faculdades ou emCentros universitários que mudem a rotina. O maior problema da educa-ção consiste, a nosso ver, em fazer germinar novo pensamento.

Normalmente, a Faculdade de educação se reduz ao currículo míni-mo de pedagogia, determinado pelo CFE (Parecer nº 252/69). A Resoluçãodo Conselho, no art. 1º, estabelece:

A formação de professores para o ensino normal e de especialistas para as ativi-dades de orientação, administração, supervisão e inspeção, no âmbito de escolase sistemas escolares, será feita no curso de graduação em Pedagogia, de que resul-tará o grau de licenciado com modalidades diversas de habilitação.

O processo educacional no Brasil consiste em dar o saber já organizado.Trata-se apenas de formar profissionais da educação sobre padrõesestabelecidos. Padrões sociais, basicamente; sem questionar aqueles quefazem esses profissionais, como e para que fazem. Essas indagações, sen-do as mais difíceis, não podem deixar de ser as primeiras a serem levanta-das. Na medida em que se "petrificar" a adesão aos modelos constituídossobre uma "ciência" da educação, que não se originou de nossa práxis nemde nossa reflexão sobre ela, tornar-se-á impossível a restauração pedagógi-ca que seria a verdadeira revolução educacional.

Nesse ponto, temos de remar contra a corrente, para os lados dascabeceiras. É normal que se vá do menos para o mais complexo, da gradu-ação para a pós-graduação. Isso, quando se pretende apenas o amadureci-mento de uma forma já instituída. Porém, em nosso caso, não se quer oamadurecimento, mas a invenção, a troca do ser, da identidade. Não secogita de consolidar, mas de instaurar.

Por isso, somos favoráveis a que, sem prejuízo dos cursos convencio-nais – especialmente nos campos profissionais – mas simultaneamentecom eles, se introduzam no Brasil os estudos avançados em educação. Ocomentário tão freqüente, de que temos excesso de teoria e falta de práti-ca, é ingênuo. Nosso País precisa cada vez mais de reflexão crítica e

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instauradora no campo da educação. Reflexão que se confunde com a pró-pria elaboração de novas categorias para pensar o desenvolvimento, istoé, para pensar diacronicamente. É necessário elaborar uma nova inteli-gência no País, cheia de ambição prospectiva, mas que construa ardua-mente sua utopia. Cientificamente. Militantemente.

Não menos importante seria desenvolver esses estudos sob o estímu-lo da Filosofia (inclusive Filosofia da Educação), e das ciências sociais,cujo contato com a educação representa para esta, talvez, o mais urgentede seus imperativos.

Um caso concreto: os currículos mínimos do CFE, determinados poruma forma mais verbal (e arbitrária) que científica. Preparamos texto, noConselho, sobre Princípios e normas gerais para a elaboração de novoscurrículos mínimos de cursos profissionais. A intenção explícita eradeslanchar, imediatamente, o processo científico de dados, estudos e pes-quisas. Uma comissão especial aprovou o texto mas, depois, o CFE deci-diu substituí-lo por outro, com características completamente diferentes:em vez da pesquisa, a norma (cartorial), conforme se pode verificar naIndicação nº 8/68.18 A pedagogia autista , sem conexão com as coisas e omundo. Pedagogia estanque. Educação sem filosofia, sem ciência e, mes-mo, sem pedagogia. Freqüentemente, currículos reificados.

Em relação às Faculdades de Educação, com raras exceções, a descri-ção e análise que vêm sendo feitas no Brasil revelam a forma mais sutilcomo o pensamento residual, ou o statu quo, permanece sob a intençãomodernizadora.

Inteligência e realidade

Como é natural, a inteligência serve à realidade mas, simultaneamen-te, se diferencia dela, através do Sujeito individual e do Sujeito histórico,recusando-se portanto à condição meramente reflexa.

Nossa cultura tem sido tradicionalmente mitificante, mas tambémideologizante. Em parte, a mitificação – e a ideologização – é decorrênciada própria cultura, ou um de seus impulsos. E por isso mesmo, em todomomento de crise, em que o que se quer, famintamente, é a realidade,uma grande parte da intelligentsia de uma nação entra imediatamenteem desprestígio, inconscientemente ou não, para o povo. O povo não seencontra, quanto a suas necessidades e aspirações vitais, na falsaidealização ou na ideologização de seus intelectuais. Os que têm mais

18 Currículos mínimos dos cursos superiores. Documenta, 1968-1969, separata n. 33.

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chance de escapar, nesses momentos, são os poetas, artistas e romancis-tas, que permanecem em nível com os problemas reais da sociedade. "Todaobra da arte representa uma reconquista da realidade fora dela, por assimdizer, no espaço de liberdade e de invenção do artista – que é a sua contri-buição à elaboração da realidade" (Trigueiro Mendes, 1973, p. 230).

As grandes crises sociais, portanto, e os momentos críticos da consci-ência humana se assinalam pela desmitificação e pela desideologizaçãoda cultura, que é a revanche da realidade traída.

Aliás, é necessário

[...] reduzir as ideologias, fenomenologicamente; separar o trigo do joio, o puro doimpuro, como também o real do aparente: o permanente, do circunstancial; averdade, das falácias que a escamoteiam. Nesse nível, a universidade encontra aplenitude, como instituição da cultura, da continuidade e da vitalidade da cultu-ra, íntegra de passado e presente juntos, pois a integridade da universidade é,estranhamente, não a do acabado, com todas as suas peças – mas a do acabado atéagora, a plenitude do rio na superfície mais alta de suas águas. Uma plenitudeinacabada, eis o seu paradoxo (Trigueiro Mendes, 1968, p. 229).

Entretanto, a dialética – ideologização ou utopia de um lado, edesideologização ou desmistificação, de outro – reflete a própria dialéticaexistencial e, especialmente, a dialética política feita de positividade,institucionalidade e pragmatismo dionisíaco.

Novamente, realidade e diferenciação: na política e na pedagogia

No sistema democrático, há uma sucessão de delegações de autorida-de: do Povo para o Poder político e, neste, da vertente política para a ver-tente da racionalização, realizando-se, porém, todas elas, na linha política.Trata-se de uma ambigüidade inerente à própria política. Esta é a razãomais poderosa, a nosso ver, para invalidar a pretensão tecnocrática. Alinha política nasce de um "momento" instaurador do contrato social – omomento das opções e decisões fundamentais da "vontade geral" ou da"vontade do poder" – mas, simultaneamente, vê desenvolver-se dentro delauma espécie de diferenciação enriquecedora, como se seu fluxo tivesse dealimentar duas fontes, a do Poder como tal, e a da razão que, de certamaneira, o controla sem que o reino da Razão transcenda o da Política,que é o de sua viabilidade. Platão compreendeu a necessidade dessa con-ciliação quando sustentou, por exemplo, que a ação educativa só é possí-vel numa sociedade em que existe uma "possibilidade de moralidade". Nocontexto da filosofia platônica, em que a idéia do bem se identifica,ontologicamente, com a verdade, a racionalidade, assegurada pelo proces-so pedagógico (para essa filosofia, a sociedade deveria ser, basicamente,uma "sociedade pedagógica", era condição da própria viabilidade da pólis.

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A inteligência sobrepõe-se de alguma forma à realidade, mas tem doismodos de fazê-lo: procurar elevar a realidade a sua vocação mais profun-da, que não está no seu presente, mas no seu futuro; não no seu movimen-to mecânico e linear, mas no seu movimento criador e diacrônico. O queela possui a mais do que a realidade é tirado dela própria, e a ela se acres-centa, como uma utopia, indicando um caminho a ser seguido arduamen-te entre a realidade contingente de agora e a realidade a ser conquistada.

O ser da nação e o ser idealizado por alguns intelectuais se encon-tram no leito do mesmo rio, contrapondo o presente ao futuro, a inércia aodinamismo, o impulso vegetativo ao impulso criativo. Eles se encontramno tempo com duas dimensões: o tempo não é o mesmo, mas a nação é amesma, e esse tempo antecipado19 é que caracteriza simultaneamente aidealização do intelectual autêntico e a esperança do povo em que essaidealização se converte.

Enquanto isso, os intelectuais "alienados", o que possuem a mais so-bre a realidade presente não é uma antecipação do mesmo ser nacionalmas a transferência de outro ser. A esperança não se insere na linha daidentidade, como confiança nas potencialidades do ser nacional, mas nalinha da alienação, isto é, da salvação ab alio. Ao contrário disso, devemosbuscar a inteligência para os nossos problemas – o modo de pensar e defazer. Haveria aliança entre a inteligência e a polis, combinandodialeticamente expectação e descortino, incidente e transcendente, parti-cular e universal, refração e luz irrefratada.

Estamos, com efeito, diante de dois riscos, representados por duascategorias de pessoas:

1) As que se recusam a aceitar o plano contingencional, conscienteou inconscientemente, e a admitir que dele se deve tirar o projetonacional, substituindo-o por um arquétipo "abstrato", irreal oucartorial. São os que não percebem que os valores a serem atingi-dos por nós, como nação, não existem numa espera separada dosfatos, e julgam-nos trazidos para a ordem real de um mundo para-lelo a esta, o mundo ideal. Há, certamente, um tipo demaniqueísmo pedagógico na inteligência brasileira. Os que nãoadmitem a implicação dialética das duas ordens, e que a perfeita

19 Em relação a tempo antecipado, escrevemos alguns textos, como: 1) o prefácio do livro que iniciou a Coleção Universi-tária de Teatro, Os mistérios da missa, de Calderón de la Barca (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963); 2) O governoda Universidade (Documenta 64, 1966, separata 27, p. 30: "potencialidade antecipadora" – v. nota 9); 3) Educação e recur-sos humanos no planejamento integrado do Grande Niterói. (Rio de Janeiro: M. Roberto Arquitetos, 1969. Cópia datilogra-fada); 4) Mercado de trabalho para engenheiros, arquitetos e agrônomos do Estado de São Paulo – aspectos educacionais(São Paulo: Proagri, 1970); 5) Indicações para uma política de pesquisa educacional no Brasil (Rio de Janeiro: FundaçãoGetúlio Vargas, 1973, mimeo.)

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fidelidade às exigências do plano factual conduz ao planotransfactual – o do futuro, o das aspirações permanentes, e sóprogressivamente realizadas no decurso da história, o dos inte-resses universais.

2) A outra categoria é constituída, igualmente, de pessoas incapazesde fidelidade integral às exigências da situação concreta a queestamos vinculados, mas por motivo inteiramente diverso: o vezoabstracionista, ou a consciência deformada.

Mas a intelligentsia deve abrigar a visão prospectiva e a conquista dehorizontes contidos, pelo menos virtualmente, em cada situação concreta.A pedra de toque das elites autênticas é, de um lado, a consciênciaapercéptica e projetiva capaz de alcançar o desenvolvimento do processosocial e político, conseqüentemente educacional; de outro, a atitude delealdade ao que constitui o interesse profundo do povo, subjacentementeaos interesses particulares e ocasionais de pessoas e grupos e, algumasvezes, mal percebido pelo próprio povo enquanto subjugado à pressão doimediato. A consciência das elites é, portanto, a lucidez disciplinada pelafidelidade. Projeção e não distorção.

A consciência universitária, por exemplo, pela sua própria vocaçãooferece condições de ser ao mesmo tempo presente e futuro, mediata eimediatamente talhada pelos fatos mas não coincidindo inteiramente comeles: alongando-se, além deles, como consciência aperceptiva e judicativacapaz de mediá-los e julgá-los (Trigueiro Mendes, 1963).

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3Expansão do ensino superior*

Introdução

É preciso, ao analisar o problema da expansão univer-sitária, que se reduza o debate a seus termos essenciais,que são muito simples. Tão simples e tão claros que, sem aconfusão deliberada, ou atoleimada, sua verdade se impõetranqüilamente.

Devo dizer, antes de mais nada, que falo em nome deuma filosofia de expansão universitária consubstanciadanos seguintes postulados:

a) a expansão constitui um processo ambíguo, que tan-to poderá dilatar nossas mediocridades quanto pro-vocar a ruptura do statu quo, com a introdução denovos marcos qualitativos;

b) só na segunda hipótese a expansão representa ummeio de desenvolvimento, pela substituição de umequilíbrio social por outro;

* Texto publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 48, n. 108, p. 209-234, out./dez.1967.

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c) a expansão constitui um fator de democratização, segundo a cliente-la a que vai beneficiar, a mudança de papéis que ensejará a seusdestinatários – papéis na acepção esposada por sociólogos e antropó-logos como Nadel, enfim, segundo a elevação de padrões de vida dacomunidade, através dos serviços a serem desempenhados pelos no-vos quadros profissionais;

d) a expansão pode realizar-se sob a forma de interiorização geográfi-ca do ensino superior até o ponto em que, mediante um programapreparatório, se venha oferecer às populações do interior verdadei-ras escolas superiores, e em segundo lugar, até o ponto em que ascondições vigentes da área de inserção da escola permitam a absor-ção de profissionais por esta formados. Em suma, entendemos quea expansão do ensino superior é um empreendimento, e não umafesta. Nós a queremos, mas estamos dispostos a lutar por ela; mui-tos outros a querem, mas não a empreendem – limitam-se ao regis-tro no cartório e ao ritual das inaugurações.

Nós não pretendemos impor o ritmo lento em lugar do acelerado queo desenvolvimento reclama; mas o ritmo que desejamos é denso apesar derápido, enquanto o outro só de pressa é constituído. A pressa constróiuma nação quando os empreendedores estão dispostos a pagar o juro deseu redobrado esforço pelas etapas queimadas; isto é, quando tudo que sefaz normalmente em longo prazo se condensa, pelo zelo múltiplo, em umcurto período. Ora, o que se tem pretendido no Brasil nessa última décadaé fazer pouco esforço e, no entanto, muitas escolas.

Com atos formais e cartoriais: nomeações, efetivações etc. A rapidez,nesse saco, significa ligeireza, como de gato em cima de brasa: significainsubstancialidade, inocuidade, ingenuidade – às vezes, também, esperteza.

Nossa tese, portanto, consiste em ligar a expansão universitária aodesenvolvimento, fixando uma perspectiva de reforma da universidademediante a qual ela venha a oferecer respostas válidas à própria expansãoda sociedade e às suas transformações.

O que procuramos é a nota viva, o caráter próprio da política do ensi-no superior, escamoteado, seja por esquemas estruturalistas puramenteformais, seja por sofreguidões cegas – que pretendem criar cursos, semver mais nada, nem mesmo as condições de que dependa a sua eficácia.

É curioso notar que os órgãos de liderança educacional realmente nãoconduzem; são conduzidos. Não há uma vontade normativa que eles de-vam lucidamente exercer, mas o jogo de pressões tumultuárias que assu-mem a liderança do processo. Ora, essas pressões ou são do processomesmo, na sua força espontânea e vegetativa – e uma política que apenasconsagrasse tais tendências não seria uma política, mas a crença na sabe-doria imanente das coisas e dos fatos, numa espécie de "harmonia

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preestabelecida" leibnitziana – ou são de grupos sociais, de classes, ou depessoas, com seus interesses contraditórios, mas dessas contradições nãopoderia nascer a unidade – e a liderança que a encarna –, a qual constituia razão de ser da política.

Como fazer a expansão

A expansão, feita honestamente, requer duas condições, alternativas oucomplementares, segundo o caso. A primeira consiste em ampliar e exploraraté os últimos limites as possibilidades de utilização dos núcleos de ensinosuperior qualitativamente sólidos; e a segunda, na criação de novos núcleos,igualmente consistentes, mediante um processo de implantação programada.

A primeira fórmula foi justificada no Parecer nº 209 (junho de 1967)do CFE, por várias razões, a primeira das quais de ordem empresarial: nãose monta uma fábrica de sapatos, por exemplo, para produzir mil sapatospor ano. Lembrando que existem no Brasil 35 universidades (excluídas asrurais, só recentemente incorporadas ao MEC), perguntava o parecer qualo rendimento dessa grande máquina. Segundo os dados de 1965, oito uni-versidades [tinham] menos de mil alunos; sete, entre mil e mil e 500;cinco, entre mil e 500 e 2 mil; três, entre 2 mil e 3 mil; apenas cinco[contavam] com mais de 5 mil, e duas apresentavam uma matrícula emvolta de 10 mil. Vale, pois, ressaltar:

1) o ponto de vista do investimento e de sua rentabilidade, ligado aonível de produção; assim sendo, a mais adequada e mais econômi-ca política de expansão do ensino superior deveria consistir naampliação de sua capacidade produtiva, reduzida atualmente a ín-dices extremamente baixos;

2) o ponto de vista da poupança, por uma questão de economia deescala: acrescentar cem alunos a uma universidade de mil é muitomais barato que criar uma escola para os cem.

A segunda razão é de ordem sociológica, e se refere à escassez dosquadros científicos, técnicos e, conseqüentemente, de magistério no País:muito poucos para atenderem a uma multiplicidade de solicitações diver-sas. Dispersar-lhes as atividades em novas frentes de trabalho significariaesgarçar ainda mais o que já é tão tênue e, acima de certo limite, improvi-sar professores, pesquisadores e técnicos. A solução objetiva é a expansãona base da concentração: tornar cada vez mais consistentes os núcleosinstalados, para que eles possam multiplicar os seus serviços. Finalmente,uma razão técnico-administrativa, referente à organização do ensino. Aoinsurgir-nos contra o apelo fácil à escola isolada, declarávamos:

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A escola isolada vai-se tornando uma entidade cada vez mais inviável, se preten-de realizar bem suas finalidades. Falta-lhe a estrutura de apoio que é oferecidanormalmente pela universidade; a menos que a escola isolada disponha de recur-sos financeiros quase tão amplos quanto os da própria universidade, para realizaro que esta realiza. Entregue à própria sorte, sem o confronto estimulador e corre-tivo com o ambiente criado pelo complexo universitário, sem meios de formarseus próprios docentes, é muito difícil não resvalar na estagnação e na mediocri-dade. Nada comprova melhor essa observação que a crescente tendência de sereunirem as escolas isoladas em universidades por meio da agregação.

Entretanto, não dávamos às universidades um cheque em branco:

A idéia de que existem na universidade as potencialidades para um amplo e eco-nômico desdobramento de serviços, nos termos indicados no Parecer, não se apli-ca, obviamente, a qualquer instituição que tenha esse rótulo, mas somente às queestiverem organizadas, ou venham a organizar-se com estrutura realmente uni-versitária. Isto é, marcada pelo caráter ao mesmo tempo abrangente e integradode seus cursos, pesquisas e trabalhos em geral, e pelo seu nível de trabalho. Oalargamento da matrícula, facilitado no contexto universitário, ainda poderá ternovas chances com a instituição do ciclo básico destinado a abrigar a massa dosalunos que ingressam na universidade. Graças à flexibilidade deste dispositivo,crescerão as possibilidades de multiplicação e diferenciação dos cursos – e, con-seqüentemente, das opções profissionais – assim como de incremento de carrei-ras curtas, ao mesmo tempo que se criam novas disponibilidades de matrículasnas escolas profissionais.1

A autonomia eficiente

Toda essa política, indicada no Parecer 209, supõe, em relação às uni-versidades federais e, sob alguns aspectos, às demais, a reformulação ra-dical do planejamento do ensino superior, com a adoção de novametodologia que inclua, entre as providências básicas, a criação de novosistema de articulação entre o Governo e as universidades, sobretudo quan-to ao financiamento.

Impõe-se a criação no MEC de um órgão de exame dos planos univer-sitários, nos seus aspectos substanciais, um órgão com a altitude e flexibi-lidade que estes impõem; a reformulação do orçamento-programa, trans-formado, de mera disciplina formal que é atualmente, em expressão dapolítica universitária – que permita vislumbrar os objetivos e sua realiza-ção progressiva, através do planejamento plurianual, imposto pela atualConstituição; a institucionalização, nas universidades e no MEC, não só

1 Durmeval Trigueiro Mendes foi o relator do Parecer do CFE, nº 209/67, aprovado em 6 de junho de 1967, sobre "Expansãodo Ensino Superior", publicado na Revista Documenta n. 71, p. 10-21, jun. 1967 e republicado na Documenta n. 91, p. 122-131, set. 1968, como Anexo para o "III Seminário sobre Assuntos Universitários" promovido pelo Conselho Federal deEducação, realizado em setembro de 1968.

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do método de planejamento como também de instâncias adequadas paraoperá-lo; a verdadeira libertação da universidade, que não consiste ape-nas em deixá-la falando sozinha, sem condições financeiras e administra-tivas de desenvolver a sua política, o que nos faz lembrar a sátira deTocqueville, no seu livro clássico La démocratie em Amérique. Comentan-do o paradoxo da democracia liberalista, afirmava o grande pensador fran-cês que, dentro de tal sistema, o povo era rei, mas um rei nu e faminto.Deve-se ao recrutamento e movimentação de professores e funcionários –muito mais do que se prevê no Estatuto do Magistério – e entregando-lheos recursos financeiros nas épocas previstas e sem cortes.

Não se trata de deixar as universidades entregues ao próprio arbítrionas decisões que envolvem os recursos públicos e a política de desenvol-vimento nacional. Trata-se de instituir um sistema bilateral de responsa-bilidade que substitua o atual diálogo de surdos entre o Ministério e asinstituições universitárias. Como toda responsabilidade, a que deve presi-dir tais relações se basearia num ato intelectual de informação ediscernimento e, a partir daí, no dinamismo autônomo da universidade.

É curioso que o Governo não participe eficientemente do processo dedecisões da universidade no momento em que estas se elaboram, por re-conhecer-lhe a autonomia; mas intervenha no final do processo, ignoran-do as prerrogativas da autonomia e frustrando decisões já consagradas.

Com efeito, a universidade estabelece o seu programa de atividadesnuma proposta que não adquire validade a não ser depois de aprovadapelo Governo. Nessa etapa, caberia a este condicionar a aprovação da pro-posta ao exame da política empreendida pela universidade e refletida nodocumento orçamentário. Nesse exame, deveria apurar-se igualmente aintegração dessa política no projeto de desenvolvimento nacional, o cará-ter eqüitativo da distribuição dos recursos pelas diversas universidades, eo critério de discriminação que, acima de qualquer barganha política, ape-nas consagre diferentes níveis de eficiência.

A idéia da contabilidade nacional

Afinal de contas, o desenvolvimento se faz sobre uma contabilidadenacional, em que todos os esforços se somam dentro de uma economiaagregada. Não pode deixar de haver um órgão de cúpula para promover talagregação, lucidamente, sob a inspiração de prioridades bem definidas.Em nossa tradição, no entanto, cada universidade é um caso separado,incomunicável, em vez de parte de um agregado. Somadas as reivindica-ções financeiras de todas as universidades, o corte se impõe como únicaforma de ajustá-las à disponibilidade do tesouro público. Nesse caso, nãose forma senão um simples amontoado. Já constitui uma anomalia a mal

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planejada demanda de recursos. Mas anomalia maior é uma espada queapara aqui e ali, a esmo, brandida por funcionários ou órgãos que nãoconhecem, nem os problemas da política universitária nem as própriasuniversidades, e são guiados, na ação de ceifar, por um só critério: limitaro total dos orçamentos universitários ao teto orçamentário global.

Desse jeito, o Governo reconhece às universidades autonomia quenão lhes cabe, e nega-lhes a que merecem. E essa distorção decorre de nãose ter até agora fixado um regime adequado de responsabilidade.

A "técnica da negociação"

A intervenção do Governo cabe no início, e não no fim; no momentoem que pode ser útil, e não quando tem de resultar nociva; no momento emque é legal e democrática, e não quando se torne simplesmente abusiva.Como conciliar, entretanto, a intervenção coordenadora do Governo com aautonomia universitária? A autonomia deve ser respeitada, evitando-se imporàs universidades os seus programas de trabalho; mas também o planeja-mento deve ser obedecido, com a fixação prévia de objetivos, escalonadossegundo as prioridades do desenvolvimento nacional. A distribuição dosrecursos federais pelas universidades seria precedida da análise dos proje-tos, não só em relação ao conteúdo, mas também à existência de meios econdições adequadas, à utilidade social e à integração no plano nacional.Tal exame não poderia ser cartorial nem ditatorial; deveria engajar numesforço comum a instância julgadora e as universidades, até que, amadure-cidos os projetos, fosse celebrado o convênio que os consagrasse.

É nessa fase que se impõe a participação do Ministério. Depois disso,em todo o curso da execução, as universidades precisariam ter ampla li-berdade de movimentos e receber pontualmente as suas verbas. Se con-tingências excepcionais determinassem redução dos recursos, teria de res-tabelecer-se o mesmo mecanismo de engajamento acima sugerido, jamaisficando ao arbítrio de autoridades meramente cartoriais ou políticas a re-visão dos orçamentos. Orientada por instâncias técnicas, essa redução far-se-ia organicamente, sem mutilar a programação das universidades.

Se nos batemos pela liberação das universidades, é preciso se esclare-ça que não se trata da atual universidade brasileira, carente dos mecanis-mos adequados ao exercício de duas condições de que depende a autono-mia: a liberdade e a responsabilidade. Duas condições que formam umasó. O sistema que estamos propondo só terá sentido como coroamento deuma série de transformações no estilo de ação, na estrutura administrati-va e no funcionamento efetivo da universidade. Acreditamos, de resto,que a reforma universitária depende muito mais dessa mudança de atitu-des que de qualquer lei que lhe modifique o organograma.

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A autonomia das universidades é condicionada pelos fatoresinstitucionais, políticos e econômicos que lhe formam a moldura concre-ta. Significa o direito que têm elas de participar dos Conselhos de Estadoque elaboram a política nacional de educação superior e que decidem dadistribuição de recursos; de articular a sua vontade com a do Estado porconvênio, e não por imposição, dentro daquela estratégia que MichelCrozier, em artigo na Revue Française de Sociologie (número de abril/ju-nho de 1965), denominou "a técnica da negociação"; significa a prerrogati-va de ter iniciativas culturais e científicas que porventura não se incluamnas prioridades do plano nacional, desde que se recomendem pela suaexcelência no plano cultural; e, finalmente, a liberdade de, concluído oconvênio, encarregar-se de sua execução com inteira liberdade adminis-trativa. Não pode haver autonomia financeira da universidade para pro-mover, com recursos públicos, nem iniciativas suntuárias que ultrapas-sem as possibilidades do País, ou da região, nem qualquer iniciativa peda-gógica ou cultural inconsistente.

A política de pleno emprego

Tal política deve ser formulada com imaginação e com coragem dederrogar velhas estruturas e hábitos. Ela deve significar, sobretudo, a pos-sibilidade de estabelecer novo regime de trabalho na universidade. A pri-meira providência nessa linha seria instituir novos padrões de tempo e deremuneração dos professores – e, progressivamente, quanto ao tempo, tam-bém dos alunos, servidos, ambos, por um aparelho técnico-administrati-vo satisfatório. Do ponto de vista pedagógico, seja qual for a estruturaformal, o que faz sentido na universidade é transformá-la num lugar dedensos contatos, de assimilação cultural profunda, numa atmosferaimpregnante e formadora. Isto, sim, e não a aula doutoral e dissertativacomo método exclusivo de ensino, no qual o que propõe o professor recaisobre inteligências que não encontram meios nem tempo de aprofundá-lo, sequer de interiorizá-lo mais objetivamente.

Do ponto de vista dos recursos – humanos e materiais – não pareceevidente que o empenho mais eficaz do Governo seria o de concentrar-seno aumento de produtividade das universidades, através de uma políticade pleno emprego? A concretização de tal objetivo pressupõe a liberdadeda instituição para firmar contratos de trabalho, liberdade que lhe permi-tisse, por exemplo, acrescentar a um salário básico, fixado por lei, umsalário suplementar correspondente a encargos especiais, seja quanto àduração, seja quanto à qualidade do trabalho.

O problema da remuneração do magistério superior não pode ser tra-tado pelo Governo à maneira de círculo vicioso: os professores trabalham

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pouco, por isso ganham pouco, e porque recebem pouco, pouco rendem, eassim por diante. Não é o Estatuto do Magistério que resolve, na medida emque constitua um novo expediente formal pretendendo solucionar proble-mas reais. A solução realista tem de basear-se na qualificação do professor,no tempo de trabalho dado à Universidade e na remuneração, combinadosesses três elementos dentro de esquemas flexíveis, com uma margem devariação a critério das universidades, ainda que sob controle parcial de al-guma instância normativa fora dela.

Nossa sugestão, levando em conta as particularidades do nosso País esua limitada capacidade de mudança, seria instituir um salário compostode duas partes: uma, fixada por lei para todas as universidades,correspondendo a certas obrigações básicas, com tempo restrito; outra,estabelecida pela própria universidade, segundo projetos individuais detrabalho.

Efeitos e causas da mudança

As tentativas de forçar a mudança da universidade nesses últimosdez anos visam curiosamente a obter mudança nos efeitos, sem alteraçãodas causas. A expansão das matrículas e dos serviços significa e pressu-põe mudança, do mesmo modo que a transformação qualitativa visando àobjetividade e eficácia do ensino. Entretanto, que acontece? Todos exigemnovos resultados do ensino – os alunos, a opinião pública e o próprioGoverno – sem que tenham sido operadas as mudanças nas fontes de quedependem tais resultados. Ocorrem transformações na esfera abstrata dasleis, mas estas constituem uma espécie de causa exemplar, não a causaeficiente; representam o modelo ideal a ser alcançado, se forem alteradasalgumas condições reais. Vale evocar, aqui, a fórmula de Meyerson: "A leié uma construção ideal que exprime, não o que se passa na realidade,senão o que ocorreria, realizadas certas condições". Ora, em relação à ex-pansão do ensino superior, só se pode evitar a pululação de escolas supe-riores aviltadas se vier a ser adotado um esquema de concentração dosestudantes em núcleos eficientes de ensino superior, com apoio em medi-das inovadoras, tais como a institucionalização do sistema de bolsas e daresidência para alunos emigrados. Tivemos oportunidade de sugerir, noParecer que fixou diretrizes para o Plano Decenal de Educação, um esque-ma pragmático de regionalização do ensino superior, a partir do fato deexistir universidade em quase todos os Estados brasileiros:

O planejamento do ensino superior deverá combinar o critério geoeconômico,quanto à irradiação de sua influência, com a das especializações científicas etécnicas, cada qual com suas exigências próprias. A perspectiva geoeconômicatranscende, obviamente, as fronteiras políticas dos Estados, o que não invalida a

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tese da formação de uma política estadual de ensino superior, liderada pela univer-sidade de cada Estado. Trata-se de tirar o melhor partido de uma situação de fato –a existência de universidades em quase todos os Estados. A fórmula aqui preconi-zada permitirá o ordenamento do processo de expansão do ensino superior, evitan-do a multiplicação indiscriminada de escolas isoladas pelo interior. As universida-des estabelecerão entre si, através dos mecanismos já existentes deintercomunicação, esquemas regulares que permitam a política de concentração.2

Em suma, a expansão da universidade supõe:

a) o planejamento global do ensino superior no País;b) a reforma do sistema administrativo da universidade, e de suas

relações com o MEC;c) a atribuição às universidades – com o asseguramento de condições

apropriadas – de uma liderança regional no processo de desenvol-vimento do ensino superior.

A inflação negativa

Do mesmo modo que o movimento inflacionista nesse nível de ensi-no faz silêncio sobre a qualidade das escolas que deseja multiplicar, fazvista grossa igualmente sobre os recursos financeiros com os quais elasdeverão ser instaladas e mantidas. Diria melhor: faz abstração da escalados recursos, pois o problema na verdade é de escala. Poder-se-ia demons-trar empiricamente que não têm crescido as verbas do ensino superior emproporção com o aumento de encargos; então, o que acontece é que, cres-cendo apenas o divisor, a quota destinada a cada unidade – as antigas e asnovas – mingua na mesma proporção. Contra fatos não existem argumen-tos: os novos compromissos financeiros para a expansão do ensino supe-rior sempre envolvem parte dos recursos já vinculados a outros compro-missos, o que significa, francamente, a deterioração do ensino, senão tam-bém a perda de confiança das universidades e o clima de insegurança.Dir-se-á que elas aplicam os recursos inadequadamente, o que em muitoscasos é verdade; trata-se, então, de restabelecer – ou de estabelecer – aadequação; o inconveniente é deixar que medrem as distorções, para de-pois realizar a ceifa às cegas, como já assinalamos, cortando com o joiotambém o trigo. Essa providência, em vez de corretiva, se torna apenaspunitiva, embora sem acertar o alvo.

2 Ver a respeito Trigueiro Mendes, Durmeval. Plano de Educação no Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico.Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 46, n. 104, p. 335-350, out./dez. 1966, especialmente, p. 347.

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Ora, manter o mesmo fundo de recursos aumentando o número dosque o partilham é promover a deterioração do ensino. Acontece que essapolítica, apregoada como democrática, é antidemocrática, no velho estiloliberalista já ultrapassado pela sociedade moderna. O povo, numa demo-cracia autêntica, deve ter acesso à educação eficiente, e não à educaçãoaviltada.

A falsa educação, estimuladora apenas de impulsos reivindicatóriosnos seus titulares, é mais funesta que a ausência de educação formal, jáque resta sempre a qualquer indivíduo a possibilidade de assimilar, porindução espontânea, por assim dizer, um certo cabedal mínimo de cultu-ra, mediante a qual chega a assemelhar-se à sua comunidade. O pior éalguém se julgar dessemelhante da comunidade, por um título falso deeducação (que é como um cheque sem fundo), passando a reclamar delaprivilégios que não merece.

A expansão do ensino superior só será legítima se se processar sobreum lastro de qualidade, de efeito criador no sentido keynesiano. Fora dis-so, o que se faz é emitir sobre o vazio, é inflação negativa. A economiakeynesiana defende a inflação criadora de riqueza, pelo efeito multiplicadordo investimento. Por outras palavras, o investimento precedendo a pou-pança, que ele terminaria por criar a longo prazo. É isso, porventura, quepretendem os inflacionistas, isto é, os defensores da falsa expansão edu-cacional no Brasil? Imaginam que a educação, agora falsa, adquirirá vera-cidade com o tempo? Está aí uma ilusão que nem a teoria nem os fatosjustificam.

Uma iniciativa precária é suscetível de autocorreção com o tempo, seela já possui no nascedouro algumas virtudes germinativas. O própriomodelo keynesiano pressupunha, como indispensável ao efeito criadordo investimento, que a economia a este oferecesse uma margem explorávelde virtualidades. Professores com formação científica incompleta pode-rão ser admitidos se eles estão em processo de formação científica,e nãoquando eles já têm acabada a sua formação para os fins a que se destinam,fora do magistério, e nenhuma segurança oferecem de uma conversão,que seria entrar novamente em processo por força de uma nova carreira.Mas, isso também não se faz; aceitam-se como professores candidatos desi mesmos, desejosos de ampliarem sua renda com um novo emprego quena realidade será apenas um subemprego, onde consumirão reduzida par-te de seu trabalho. As facilidades oferecidas a esses candidatos são àsvezes maiores que as sonhadas pela sua ambição parasitária. Essa políticaserve ao ensino, ou serve a tal clientela privilegiada? Trata-se, então, deuma política de serviço ou de uma política de favor? Isso é democrático?

É possível imaginar poder germinativo nessa semente inicial? Pro-fessores recrutados sem os títulos e sem motivações adequadas, e, porcima disso, admitidos na sua mediocridade, poderão converter-se em

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verdadeiros professores? Só com o passar do tempo? O que parece corre-to é admitir, ao contrário, que o tempo, no caso, cristaliza a atitude inici-al, do mesmo modo que poderá reforçar o impulso bem nascido. O tem-po é condição de aperfeiçoamento, mas não causa eficiente; ao contrá-rio, todo processo de institucionalização implica a tendência à rotina e àsedimentação.

Ora, a idéia de um equilíbrio, de uma maturação, alcançados com otempo, constitui outro preconceito do velho liberalismo, e jamais umaatitude moderna. Foi essa doutrina que admitiu ingenuamente (ou matrei-ramente) a idéia de que os mecanismos de equilíbrio são autônomos, e deque esse equilíbrio se realizará sempre em um nível ótimo.

Não há desenvolvimento espontâneo nas instituições falsas – o quecresce e se torna cada vez mais resistente é a própria falsidade. Essa arazão pela qual nossa luta se concentra no problema da origem das novasescolas e de novos cursos ou unidades dentro da universidade; não somoscontrários a que sejam criados, e sim a que sejam falsos.

O esforço de uma sociedade moderna e democrática consiste exata-mente em trocar a espontaneidade do laissez-faire pelo planejamento. Odesenvolvimento não resulta de um processo vegetativo, mas da açãonormativa; mais do que o crescimento ou a multiplicação das instituiçõesrepresenta uma mudança das instituições. Ainda que fosse cientificamen-te comprovada a eficiência dos mecanismos que, segundo a crença liberal,promoveriam o progresso e a riqueza da sociedade por impulsos e ajustesautomáticos, ainda assim não poderia deixar de ser lento esse processo.Pois ele resultaria de uma sucessão de repercussões de cada fator no con-junto dos outros fatores, de modo que a Providência, escondida na nature-za, terminaria por agenciar novos arranjos dentro do todo social. Primeiro,as coisas aconteceriam, depois a sociedade as acomodaria por um jogo derepercussões que poderia durar longo tempo, mas terminaria sempre nareconquista do equilíbrio. Essa concepção, ainda que fosse verdadeira,repito, seria inconveniente à sociedade moderna, por incompatível com arapidez de suas mudanças. Pode uma Nação moderna, sobretudo se é po-bre, dar-se ao luxo de preferir a primeira política à segunda?

Ora, a política de criação de escolas que na última década se vemrealizando no Brasil resultou em crescimento, mas não em desenvolvi-mento. Com efeito, a expansão universitária e a criação de novas escolastêm resultado de um planejamento? Reestruturou-se a escala de recursospara que a expansão seja um fluxo de bens reais, e não de ilusõespromocionalistas? Para que a qualidade acompanhe a quantidade, e nãoresulte no simples aviltamento da educação, à medida que cresce o divisordos recursos? Houve uma transformação na contabilidade nacional? Hou-ve transformação das condições reais da universidade, já que as formaistêm, na maioria das vezes, importância simplesmente adjetiva? Se nada

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disso aconteceu, estamos querendo novos efeitos, de velhas causas, comoquem quer recolher ovos de ouro de uma galinha que não é a da fábula. Amovimentação a que nos temos entregado nos últimos anos apenas disfar-ça o fundo imóvel das posições tradicionais.

Por isso é que fizemos ressaltar em nosso Parecer sobre as diretrizesdo planejamento educacional que o desenvolvimento do ensino tem deprovir de decisões políticas. Não se trata da política do Príncipe, que usa odireito de graça para realizar gestos gratuitos, como atos de outorga, masdo dinamismo democrático que leva o Estado a promover medidasinstituidoras de novos modos de existência, de novas formas de relaçãona sociedade, de nova estrutura de recursos públicos e de sua distribui-ção. A percentagem da educação tem de ter nova dimensão no Orçamen-to, antes de se abrirem novas obrigações à sua conta; pois, do contrário,estaremos mergulhando na inflação negativa.

A sociedade problematizada

Em termos filosóficos, poderia dizer que só é possível uma verdadei-ra política educacional – na sociedade moderna – onde a consciência decada membro da comunidade esteja rente com a própria comunidade, comoo englobado com o englobante, de modo que tudo que afete um, afeteigualmente o outro. E este é, por sinal, o efeito último e pleno da própriaindustrialização. A modificação do homem situado significa, de algummodo – próximo ou remoto – a modificação da situação; as alteraçõesdesta, por outro lado, são induzidas por aquele. Há entre os dois planosuma fronteira móvel – a que separa a paideia da politheia – através dela serealizando aquela dialética da personalidade de base a que se refere osociólogo americano Kardiner (The individual and the society), ou, noutralinha conceitual, a "reciprocidade das consciências" a que se refereGurvitch: trata-se, na perspectiva do sociólogo francês, de uma espécie de"imanência recíproca das consciências individuais com as consciênciascoletivas, e das consciências coletivas com as consciências individuais".

Colocaria o problema, de minha parte, noutros termos: a densidadede um contexto social se mede pelo grau de intensidade com que seusproblemas se impõem à consciência e ao comportamento de cada um deseus membros. Só a partir de um certo nível de densidade – e portanto dapressão dos problemas da sociedade sobre os indivíduos que a constitu-em, forçando a solidariedade orgânica entre eles, é que se tornam clarosos efeitos da educação. Claros e mensuráveis. Aí, a política educacional setorna indispensável como parte da política em si mesma. No sentido emque a politheia exige a paideia. Só nessa perspectiva ganha sentido umapolítica de recursos humanos servida por técnicas de avaliação. A partir

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daí as intenções da política educacional poderão expressar-se com preci-são, tornando-se imperiosa a existência da contabilidade nacional, da es-tatística, do cadastro, da economia e do planejamento da educação. Sóassim se tornará viável o art. 96 da LDB. Esse é o fenômeno da conversãoda qualidade em quantidade, e desta novamente em qualidade, o que cons-titui, a meu ver, fenômeno básico do planejamento educacional.

Assim é que só existe política de educação numa sociedade cujosproblemas ressaltem na consciência de seus membros, sob a forma de umdesafio que exige resposta adequada. A verdade desse postulado é muitosingela, e pode ser expressa singelamente: não pode haver soluções ondenão haja problemas. Não há soluções educacionais no Brasil, porque nãohá consciência nítida dos problemas que a educação deve solucionar. Quaissão os problemas nacionais ou regionais que as universidades brasileirasestejam deliberadamente procurando resolver, sob controle de um méto-do qualquer de avaliação? As universidades anglo-saxônicas estão incom-paravelmente mais próximas dos fatos, por isso os seus programas finan-ciados pelo Governo são projetos definidos em face das necessidades na-cionais. Esta a principal vantagem do sistema de grants, e a razão da pro-posta feita neste trabalho para que as universidades federais procuremfixar com o Governo novo sistema de financiamento para atender às suasexigências de expansão e de aperfeiçoamento.

Dentro do contexto a que nos estamos referindo, cada um se tornasolidário, socius, do grande empreendimento que é a Nação. Onde nãohaja esse sentimento – da Nação como empreendimento – não pode havera apercepção da necessidade da educação para todos. Nos regimes elitistas,a educação só precisa ser eficaz para a minoria dirigente. Ora, uma dascaracterísticas essenciais do desenvolvimento é que ele deve representarum empreendimento global, desfazendo-se gradativamente no fluxo doprocesso solidarizante a estrutura que o impede. Só a democracia – comoconsciência de participação responsável na comunidade nacional, vividaeficazmente por todos os que a integram – dará sentido a uma fórmula queentre nós não tem sido mais, em muitos anos, que um slogan: educaçãopara o desenvolvimento.

No caso brasileiro, não se verifica essa apercepção; ao contrário, ela éinterferida e perturbada por outra: a de que os problemas não são reais, epor isso as soluções podem ser apenas simbólicas. Há necessidade de ci-entistas sociais no Brasil, mas são poucos os que na universidade procu-ram tornar-se cientistas sociais – procuram o diploma com o qual (com ousem competência) conquistam as posições reservadas a essa categoria pro-fissional. Valendo notar que o sistema mágico-simbólico funciona coeren-temente no Brasil: ao jovem que procura um símbolo magicamente eficaz,o Estado responde com medidas asseguradoras dessa eficácia, garantin-do-lhe por lei e artificialmente oportunidades de trabalho que deveriam

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ser obtidas competitivamente por demonstração de capacidade. O fato deainda funcionar esse mecanismo no Brasil revela, em primeiro lugar, umtremendo descompasso entre a sociedade já industrializada – emboraincipientemente e de forma irregular – e a consciência que têm dessa soci-edade as suas elites e, dentro destas, os educadores e legisladores da edu-cação. A diferença é entre o nível objetivo e o nível subjetivo do nossodesenvolvimento: a educação é boa quando equilibra a ambos; mas é me-díocre quando o nível objetivo ultrapassa o subjetivo, e nesse caso se podedizer que o povo supera as elites, pois encarna existencialmente uma situ-ação da qual pode retirar, vegetativamente, por assim dizer, certo grau deconsciência, dela e de suas exigências, enquanto as elites se alienam dasituação global do País, imobilizadas em padrões arcaicos, mercê dos quaisalcançaram seus privilégios que desejam manter, impondo esses padrõesà sociedade. Na realidade, o desnível é sobretudo no tempo. Pode ocorrer,porém, a hipótese contrária, há pouco figurada: quando o nível aperceptivodas elites é superior ao do povo. Nesse caso, a educação é boa, desde quenão expresse esse desnível por idealizações formais ou legais, mas poruma ideologia militante, em busca de vencer a diferença entre os fatosatuais e os objetivos futuros. A idealização é vivida tensionalmente den-tro dos fatos, como esforço para superá-los.

Evidentemente, o processo industrial das sociedades modernas, ouem vias de modernização, na medida do seu ímpeto vai ultrapassando aselites arcaicas, como acontece nas áreas desenvolvidas do Brasil, queJacques Lambert lucidamente opôs ao Brasil feudal ou semifeudal. O maisdifícil é criar a perspectiva do desenvolvimento nas regiões subdesenvol-vidas, exatamente porque nestas falta a apercepção a que me referi, a qualdecorre, ela própria, de um determinado nível de desenvolvimento. A nãoser que essa apercepção seja estimulada deliberadamente por uma ideolo-gia do desenvolvimento, como em nosso País já foi tentado de modo bas-tante tumultuário. Uma das formas de circularidade a que estão atadas asregiões subdesenvolvidas – se quisermos usar extensivamente a linhaconceitual de Myrdal para um aspecto que ele não considerou – é exata-mente a que envolve tal apercepção. Mas como as elites nacionais estãoem atraso em relação ao processo brasileiro, e elas é que definemnormativamente a estrutura da educação, constatamos que pouca diferen-ça existe na política educacional entre regiões adiantadas e regiões menosdesenvolvidas do País. A política obsoleta por todas se estende. Em conse-qüência, a expansão dos três níveis de ensino não obedece a uma estraté-gia racional, que permita a articulação entre a política de recursos huma-nos, do Ministério do Planejamento, com a política do MEC. A extensãoda escolaridade primária é concebida como um problema apenas pedagó-gico, e não como uma necessidade social e cultural; o ensino médio conti-nua a se difundir sem a redefinição de objetivos que a sua própria

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destinação lhe impõe, como educação para formar o homem brasileirosegundo a imagem que à Nação cabe fixar – e que jamais fixou; o cresci-mento do ensino superior é apenas mecânico, ou meramente espontâneo.

Por que isso? Porque nos falta o limite do real. Esse desligamento doreal constitui a alienação básica, tanto mais crucial quanto, desvinculadosnas origens, se torna extremamente difícil articular depois o homem e asua realidade existencial no seio da cultura.

A realidade de um país é integrada de várias faixas ou patamares, maso grau da referida integração é diferente em cada uma delas. Ora, se arealidade se torna presente ao espírito como uma problemática, podemosconstatar que num país como o Brasil existem muitas áreas nãoproblematizadas, e por isso mesmo privadas de uma política objetiva enítida. E mesmo dentro das áreas mais integradas resta ainda grande espa-ço não problematizado, em que os problemas se movem sem precisaremser resolvidos. Educação é das áreas mais folgadas.

Não sabemos o que acontece se aumentamos ou diminuímos o núme-ro de engenheiros; ou se melhoramos as condições de saúde ou de habita-ção do povo. Lembra com razão Arthur Lewis que pode haver circunstân-cias – e ele se referia particularmente a regiões da África – em que certosbens de consumo se tornam prioritários em relação à própria educação.

O Brasil poderia – e terá de fazê-lo – redefinir a política de seus cur-sos, e depois das opções qualitativas, projetar a sua expansão. Deveria,inclusive, estabelecer novas modalidades e níveis de formação técnica ecultural, segundo necessidades cientificamente comprovadas. Por esse ca-minho, poderíamos drenar o excedente (relativo) do ensino superior emcertas áreas, deslocando-o, seja para outras áreas do mesmo nível, sejapara outros níveis.

Educação e desenvolvimento local

Na opinião pública, mal conduzida por elites despreparadas, se for-mou a crença de que o desenvolvimento local depende da criação de esco-las superiores. Tem-se a emigração dos talentos sem condição de fixaçãono próprio meio, atraídos pelas oportunidades dos centros adiantados.Trata-se de um falso problema: o fluxo de talentos, como qualquer outrofluxo no plano social e econômico, se processa segundo atrações naturaise inevitáveis, numa sociedade liberal. A questão poderia ser apresentadade uma forma tautológica: se os centros desenvolvidos têm condições dearrebatar esses talentos, é que os menos desenvolvidos não têm condiçõesde retê-los. Não adianta pôr-lhes a escola ao alcance da mão – a atraçãocontinuará a exercer-se, com intensidade substancialmente igual, o quepoderia ser empiricamente observado. Sem essa emigração, de resto, logo

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sobreviria a saturação local, com os riscos de proletarização dos profissio-nais liberais. Cada comunidade tem os quadros técnicos que sua estruturapode absorver, social, econômica e, em conseqüência, ocupacionalmente.As diferentes funções da estrutura social tendem sempre a equilibrar-seno mesmo nível, não havendo portanto possibilidade de retenção com-pulsória de profissionais onde eles estejam impedidos de exercer conve-nientemente sua profissão.

Por isso a criação de escola superior, mesmo de bom padrão – o queraramente acontece – deve ser desencorajada quando representa um custosocial acima das possibilidades normais da comunidade, cerceada por essaforma de outras fontes mais radicais de desenvolvimento. Tal doutrinanão significa, todavia, condenar as comunidades menores à estagnação;ao contrário, estamos convencidos de que os modelos convencionais deexpansão educacional, nas condições negativas que acabamos de mencio-nar, não terão qualquer possibilidade de impulsionar-lhes o desenvolvi-mento. O problema é reformular os modelos, instituindo padrões maisdiferenciados e outros níveis além dos convencionais. É o caso, por exem-plo, dos já famosos e ainda não identificados cursos de formação de técni-cos de nível médio. Antes de tudo, é preciso desfazer o equívoco entrecursos superiores de curta duração e cursos médios para formação de téc-nicos, que são intermediários entre os que se diplomam na universidade eos que saem da escola média. A verdadeira categoria desses cursos nãoestá sendo devidamente identificada na discussão: trata-se na realidadede cursos pós-colegiais não universitários, os quais poderão ser instaladosdentro da universidade, ou de estabelecimentos de ensino médio, ou cons-tituir unidades autônomas. Pressuposta a formação de nível médio, e alar-gando-se dentro deste, constituem sua complementação científico-cultu-ral, e prática, com vistas à profissionalização. Portanto, o que distingueesse curso de curso superior é o fato de que ele representa, essencialmen-te, um processo de complementação, explicitação e exploração em dife-rentes sentidos do próprio currículo médio, mediante novos arranjos eênfases vinculados ao treinamento profissional, e não propriamente umpatamar universitário. Essa hipótese não exclui as pontes que possam even-tualmente conduzir nas duas direções os alunos dos dois lados: o superiore o pós-colegial. Mais técnico que acadêmico, as suas características de-correm tanto da metodologia quanto da nota de intensidade a que aludi-mos, em relação a partes do conteúdo curricular.

Esta solução oferece dupla vantagem: é a que convém à maioria dascomunidades locais, e abre caminho ao descongestionamento da univer-sidade. Temos que admitir que o crescimento das universidades poderátornar-se hipertrófico, em termos relativos, se não se oferecem alternati-vas aos estudantes no nível médio ou pós-colegial. Essas alternativas, im-postas como decorrência do equilíbrio econômico e social, não ferem o

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direito à educação, pois na realidade os próprios talentos se diversificamtambém quanto aos níveis. Não basta desejar os mais altos para merecê-los; aliás, se ocorrem tantas aspirações desencontradas do mérito, o fatodecorre, as mais das vezes, de deformações culturais. O que freqüentementeparece vocação ou aptidão não passa do fascínio sutil exercido por carrei-ras prestigiosas. Trata-se de uma assimilação – inconsciente ou não – depadrões sociais, dando aparência de espontâneo ao que é condicionado.Esse fenômeno de indução pode ser verificado e, em escala considerável,corrigido e controlado.

Às vezes se pensa que o curso criado com certo estridor de atualidaderesponde a necessidades reais, o que não é verdade, mas o freqüente nes-ses casos é ouvir-se o galo cantar sem se saber onde. Tal o curso de jorna-lismo: está-se atirando fora do alvo, emprestando ar falsamente sofistica-do a uma formação que teria de ser, nas bases, mais geral – no sentido decultura geral – servindo-se para isso de cursos já existentes na universida-de, e, na formação profissional, muito mais prático.

Igual indagação ocorre com o curso de pedagogia, um modelo abstra-to e sem uso: é muito para formar professores primários no Brasil, e pouco– além de inadequado – para formar especialistas em educação. As uni-versidades já pensaram, por acaso, em estabelecer no campo da educaçãonovas linhas de pesquisa e de formação profissional, ligadas à economia,à sociologia ou à psicologia? A maior parte dos cursos existentes sãoirrealistas, mas antes de pensar-se nisso continua-se a promover a expan-são. Não parece evidente que esta deve seguir novos rumos, com a criaçãode outros cursos, ao lado da diferenciação dos antigos, com base na pes-quisa prévia das exigências sociais? Essa é que é a expansão-desenvolvi-mento, a quantidade-qualidade, o equilíbrio rompido e reconquistado, odinamismo.

O imobilismo da universidade

Por que se imobiliza a universidade no seu autismo? Por que pretenderesolver os problemas do mundo sem estudá-los? Será por que, para ela, noseu ensimesmamento, não há mundo real, ou por que o mundo de fora, elao imagina como sendo eterno? Pelas duas razões. Em primeiro lugar, o métodode planejar e estruturar os cursos é igualmente autista: uma idéia do cursose pensa a si mesma; uma certa idéia do direito talha a carreira do advogado– e não a própria carreira do advogado; um esquema cerebrino da ciência danutrição pretende modelar o nutricionista real. O que acontece na vida prá-tica é que o diploma será agredido pelos fatos trocados na escola por umcurrículo-fetiche, e depois devolvidos à sua agressiva nudez. O currículoescolar entre nós representa um modelo de reificação verbal, isto é, de

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substituição de coisas vivas por textos mortos, dos quais se espera obterefeitos na vida real. A escola em nossa cultura prepara para a ação e a vidaatravés desse processo que esvazia a inteligência de todo contato com aação e a vida. Poder-se-ia indicar dois modelos de formação intelectual:o que põe o universo na inteligência, para que esta o complete sem sair desi mesma, como pretendia de certo modo induzir Aristóteles ao acentuarque a "inteligência é de certa forma todas as coisas"; e a que prende ainteligência e o mundo no dinamismo da práxis. No caso da educaçãobrasileira, não ocorre nenhuma das duas hipóteses, já que nosso padrão éapenas caricatura do modelo humanístico clássico. A especulação grega,apesar do duvidoso realismo de suas correntes mais importantes, resulta-va da fecundidade própria da inteligência e era capaz de gerar uma nobrevida espiritual. O falso "humanismo" não possui a inteligência das coisas,nem a inteligência da inteligência – isto é, a que se auto-reproduz, no casogrego, sob o estímulo do universo real, embora dele se desligando, depois,para viver a sua própria aventura contemplativa.

Nesse "humanismo", acrescido de nossas peculiaridadessocioculturais, a inteligência deixa de ser função do real, ou, então, umsimples repositório de idéias mortas, ou de conhecimentos fragmentáriose desconexos, os quais ocupam uma parte da vida como simples rito deiniciação a investiduras da vida real. O que há de desolador no caso é quea tendência permanece na educação, quando na realidade as investidurasjá não pressupõem a eficácia simbólica, e sim a real.

As universidades continuam dispenseiras dos ritos simbólicos da ini-ciação – impunemente. O isolamento resultante de sua alienação durantemuito tempo a protegeu da crítica e da pressão social. É provável queparte do alheamento em que os de fora se mantinham distanciados dela –aceitando-a sem discussão, ou julgando que o que ela fazia estava bemfeito – ainda guardasse resquícios do respeito profano ao saber sacerdotal,esotérico e incomunicável nas sociedades primitivas. À medida que asdiversas camadas da sociedade se desalienam, vão exigindo que tambémse desaliene a universidade; mas a crítica e o ataque dificilmente acertamo alvo, de tal modo a deformação lhes vedou o cerne dos problemas edu-cacionais. Continuamos pensar de viés, através de palavras que nos che-gam de uns aos outros, e não da visão singela das realidades oferecidas àpesquisa. A própria crítica dos órgãos de opinião, fora do circulo educaci-onal, é alienada e reificada; os conceitos são forjados pelo método verbalista,puramente categorial, sem o verdadeiro conhecimento dos problemas re-ais. São slogans que não conseguem deixar de sê-lo; são editoriais na im-prensa insistindo em lugares-comuns, por sinal as mais das vezes falsos,como se pode comprovar pela incorreta visão de alguns de nossos grandesjornais em relação ao problema dos excedentes, da escolaridade para to-dos ou da educação de adultos.

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A universidade conserva tão resistente a sua couraça deirresponsabilidade que não chega a sensibilizá-la esse fato, extremamentegrave, de que os rapazes e moças que ela entrega à sociedade estão cultu-ral e tecnicamente despreparados. Nenhuma indústria resistiria um ano aesse desencontro entre a produção e o consumo – a universidade atraves-sa as décadas embarcada nesse equívoco. A agressão dos fatos, de que sãoportadores os que estão sob a pressão deles, tem modificado essa situa-ção, mas não há nenhuma proporção entre tal inconformismo e as altera-ções obtidas. Poucos são capazes de formular a crítica, muitos dentre osmais competentes querem a reforma universitária de forma alienada – atra-vés de leis e processos formais – e, acima de tudo, a elite do poder sedistancia cada vez mais da inteligência real dos problemas. O saber cons-titui uma aventura solitária ou diletante, sem qualquer penetração na áreade decisões, continuando estas libertas de qualquer compromisso com oconhecimento efetivo dos problemas. É verdade que, no caso da indús-tria, numa sociedade democrática, o consumidor escolhe o produto e pagapela qualidade. A universidade brasileira se beneficia de um processoinstitucional que assegura a saída do produto por artifícios de lei, isto é,criando um mercado de trabalho que não depende da qualidade do traba-lhador mas de suas qualificações.

Enquanto permanecer esse tipo de equilíbrio institucional – em queao artificialismo do diploma se ajusta o do mercado profissional – é muitodifícil obter certas reformas da universidade, salvo nos casos a que nosreferimos noutra parte deste trabalho, de sociedades compactamente in-dustrializadas, nas quais os empregos se multiplicam, e simultaneamentevêem elevados os seus níveis de tecnicidade, impondo a competição e aelevação da qualidade profissional. Os líderes universitários brasileirosnão conseguiram abrir caminho a sua perplexidade. A inépcia de alguns,somada, nas áreas mais atrasadas, ao clientelismo político – por essênciaanti-reformista – imobilizou nosso ensino superior no estágio pré-indus-trial, quando a educação podia ser apenas o rito de iniciação dos jovensdas classes superiores para os postos que já lhes estavam reservados. Acompetência real tinha valor relativo, o importante era o acesso aos postospor uma liturgia consagradora dos privilégios. Além disso, a maior partedessas posições requeriam pouco do ponto de vista da eficiência e datecnicidade; os mais qualificados, no ápice da vida pública, se proviam decabedais literários e jurídicos – a cultura geral da época – e, ainda assim,bastava um pequeno número para confeccionar certa armadura de idéiase de instituições, dentro da qual o País, daí por diante, poderia folgada etranqüilamente viver.

A outra razão, que não deixa de ser parte da primeira, é que as nossasuniversidades representam o nível mais denso do nosso conservantismocultural. Isto é, elas perpetuam uma cultura baseada no pressuposto de

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que a sociedade é eterna, regida por um sistema imutável. A consciênciavitoriana do século 19, desabrochada sobre o húmus burguês (os privilé-gios considerados não como contingência histórica favorecedora de umgrupo, mas como lei da natureza), sobreviveu nas culturas sociologica-mente arcaicas, entre as quais a nossa. Isto acontece com a reforma daprópria universidade: procura-se repensar a universidade a partir do pró-prio pensamento de universidade – uma idéia da idéia, uma idéia que sepensa a si mesma. Acontece que a teoria da educação – como toda teoria –é condicional, tendo as suas proposições de serem apresentadas sob for-ma de alternativas, ou de aproximações da realidade. O próprio CFE, sedeseja auxiliar as universidades, deve sugerir-lhes modelos alternativos,esquivando-se, tanto quanto a própria universidade, e mais ainda o Go-verno, de regular-lhes o funcionamento por meio de leis. Mesmo porqueas leis educacionais brasileiras ou não têm validade teórica, ou, se a têm,quanto aos pressupostos, só a poderiam comprovar pela verificação. Narealidade, nós expedimos editos – dêem certo ou não, ninguém se dá aotrabalho de realizar essa indispensável etapa do esforço teórico que é acomprovação experimental. A verificação, a descoberta do erro, a procurade novas soluções têm sido empreendidas por cientistas isolados, e graçasà sua iniciativa própria. É preciso um acaso para que esse saber se trans-forme em poder, acolhido por uma instância oficial que o consagre. E seocorre essa hipótese, com ela se abre novo processo cartorial-cesarista: élançado o edito, uniforme para todas as circunstâncias, e daí por diante asnormas se cristalizam até ocorrer o milagre de outro edito. Ora, deveriaexistir no MEC e nas universidades um órgão, ou alguns órgãos – e, maisdo que isso, uma atitude – de avaliação, de autoconsciência crítica eprojetiva, de investigação de causas e feitos, de experiência. Um dessesórgãos deveria ser o CFE: não o tem sido, infelizmente, tanto quanto de-via. Outros, os Centros de Pesquisas Educacionais, que só muito escassa-mente cumprem esse papel, pois com receio de afrontar o real se esguei-ram (com algumas exceções) por atalhos do acessório e da filigrana. ODasp foi até algum tempo grande produtor (indireto) de leis, inclusiveeducacionais. Nesse caso, a distorção era simplesmente lamentável, pois,usando a eficácia automática da lei, se pretendia consagrar como teoria osimples empirismo desavisado e pedante.

Ora, devemos evitar os dois erros, o do teorismo inconsistente porfalta de verificação, e o do realismo pedestre por falta de base científica.Esse outro extremo é, o mais freqüente, o de suporem administradores edirigentes educacionais – e isso acontece em quase todas as áreas da ad-ministração no Brasil – que as suas decisões têm de ficar bastante pobresde idéias, para serem objetivas. Ponderou Myrdal (Equilibre monetaire,citado por E. James em O pensamento econômico"): "A teoria abstrata devesempre ser elaborada a priori, em relação aos fatos, para depois serem as

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leis verificadas praticamente". Infelizmente, nós no Brasil brandimos a leicomo uma espada, em vez de a manejarmos como uma teoria. E assim, oque se oferece ao nosso apetite de realidade são novos arranjos estrutu-rais, que não resolvem, mas distraem... Parodiando o poeta Drummond,não é uma solução, mas é uma rima. Todas as reformas legais, cartoriais,rimam com o método Francisco de Campos – um dos nossos mais talentososcriadores de arquétipos. Tinha-se a impressão de que a Lei de Diretrizes eBases ia estimular uma vis criativa no Brasil, instaurar uma práxisdesencadeadora de novas especulações que agarrassem o real e sua aspe-reza; que não constituíssem uma espécie de geometria, abusando das faci-lidades simétricas que brigam com toda a violenta assimetria, com todo oviolento informalismo do real. Por essa razão é que os cursos – seja o deeconomia, o de direito ou o de pedagogia – permanecem arquétiposintemporais, ao contrário dos que são disciplinados de perto pela resis-tência do objeto. É a tese que venho sustentando, de que só é possívelassegurar eficiência à educação se se compreender que as qualidades ad-quiridas por meio dela têm repercussões efetivas e, de alguma forma, con-troláveis na realidade.

O curso médico, por exemplo, sejam quais forem as limitações que amediocridade de algumas escolas lhe imponham, é o que está mais próxi-mo, no Brasil, desse tipo de objetividade. Por quê? Em primeiro lugar,porque a eficácia da formação médica está sob controle cerrado da eficá-cia – implacável – do próprio exercício profissional; em segundo lugar,porque as carreiras baseadas em saber mais incisivamente positivo e téc-nico não admitem o vago em que se possam abrigar a incompetência e oempirismo; não comportam as derivações diletantes, freqüentes, por exem-plo, nas ciências humanas – onde tantos posam ou desempenham papelde sociólogos, ou de filósofos, ou de economistas, impunemente. O médi-co tem sua área bem guardada, e os que nela procuram penetrar clandes-tinamente são punidos como charlatões. Em outras palavras: são poucasas carreiras no Brasil em que o charlatão é punido; não faltam algumas,até, em que ele é considerado necessário.

A consciência artesanal de educação e o fenômeno da alienação

Na realidade, esse fenômeno de alienação tem as suas sutilezas. Nos-sa cultura é ao mesmo tempo autista e alienada: a inteligência brasileiranão se liga ao real – o seu – , mas se alimenta de outro real – o estrangeiro,na tradução intelectual que absorvemos por mimetismo. Fica, assim, forado dinamismo, da fluidez dos fatos, imóvel nos arquétipos em que seestruturou. Como estes são intemporais, acredita que a realidade éintemporal. Esta, a meu ver, a razão da imobilidade das idéias jurídicas,

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das idéias educacionais, das idéias sociológicas numa sociedade alienada.O que se registra às vezes com a aparência de mudança é a simples trocade clichês. Quando a teoria muda na matriz ou nas matrizes culturais, acultura satélite muda a chapa, isto é, colhe o flagrante já imobilizado. Bemse ajusta ao caso a imagem fotográfica aplicada por Bergson ao conceito,congelamento de um instante da durée. Convém acentuar que só há umreal, o nosso, e até mesmo o mais longínquo terá de ser apropriado paraser real. (Para a pessoa humana, o real é sempre o pessoal, isto é, o vivi-do). Usávamos as idéias de outros por ignorar nossa realidade, e a estaignorávamos porque queríamos ignorá-la – por desprezo. Continuamosa ignorá-la, por usar idéias dos outros – e foi nesse círculo vicioso quenos enredamos em nossas origens culturais. O curioso é que está difícilmudar o giro da máquina, mesmo quando a maioria já anseia por mudá-lo.Antes, a alienação tinha um caráter predominantemente ético em doissentidos: no da liberdade – resultava de uma decisão consciente, e atécerto ponto livre, de aderir a padrões estrangeiros, embora a forma torren-cial com que estes fluíam sobre nós tornasse extremamente precária anossa liberdade de escolha; e no sentido mais amplo do ethos: não consti-tuímos um ethos nacional, fascinados pelo de outras nações. Na realida-de, o segundo sentido continua o primeiro, já que o ethos resulta de umaconsciência dedicada a assumir-se; e uma consciência só se assume assu-mindo a realidade que a modela e lhe dá substância.

Atualmente, a alienação é mantida sobretudo por uma razão que cha-marei técnica: não sabemos como imprimir outro giro à máquina, comoestabelecer novos modos de funcionamento em que os dentes mordam anossa substância nacional, transformando-se em inteligência a nossa práxis.

Todos querem a mudança, mas os processos adotados – já agora deboa fé, em muitos casos – não levam a esse resultado: a máquina roda novazio, tal qual uma moenda sem a matéria para espremer, ou a fiadeirasem o fio para fiar. O que falta à nossa engrenagem é o dente assentado napolpa da realidade: é o método da práxis. As estruturas formais da univer-sidade, por exemplo: temos de descobrir o modo pelo qual seu dinamismojá nasça da própria estrutura, e a transcenda. O problema básico é o funcio-nal, de modo que a forma dessa fronteira não seja um modo de ser está-tico, nem a função de um mero fluir fora de qualquer molde orgânico.

O Brasil já começa a ganhar a consciência desalienada – mas aindanão ganhou a metodologia da desalienação. Como só uma filosofia criaum método, só aqueles que elaboram uma consciência sistemática da rea-lidade brasileira desalienada podem estabelecer essa metodologia. Acon-tece que os que estão planejando a renovação não pertencem, as mais dasvezes, a tal categoria, daí insistirem nos métodos que equivalem a "rodarno vazio" – o falso dinamismo que é o mecanicismo. Pois que é isto senãoo método da inércia? Movimento das coisas entregues a si mesmas e a seu

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próprio impulso sem a interseção do espírito que lhe impõe novos cami-nhos, às vezes ao arrepio de sua corrida espontânea. A lei formalizadoradas atitudes meramente cartoriais e o próprio recurso sistemático à leirepresentam a imposição de modelos que pairam acima do verdadeirofluxo das coisas com o seu acontecer.

Referi-me à consciência sistemática para acentuar que não basta aconsciência espontânea. Esta sofre o choque dos fatos, e a sua crispação éindispensável ao processo político que não pode romper as barreiras doconservantismo sem que se tenha firmado no povo a consciência da alie-nação e a decisão de eliminá-la. Mas não é suficiente, insisto, porque essereflexo imediato dos fatos contém muito mais deles que de consciência, éuma projeção apenas de sua realidade brutal, ainda bastante opaca, semque se tenha estabelecido entre eles e a consciência o intervalo em queesta viceja plenamente, como reflexão sistemática, como pensamento queassume a realidade. Os fatos, somente, não fazem ciência. Lembra EmileJames, por exemplo, que as afirmações de liberalismo econômico eramclaramente desmentidas pelos fatos, desde Ricardo, mas os fatos que ascontrariavam não eram suficientes, por si mesmos, para produzir teoria.Esta é uma construção intelectual verificada pelos fatos, cuja validadedeles dependa, mas não se resuma à realidade deles e a seu reflexo naconsciência.

O problema mais grave do Brasil, de sua cultura e do seu desenvolvi-mento, é um problema de metodologia. O método de 1) tirar idéias dosfatos; 2) fazer chegar novamente essas idéias aos fatos para discipliná-los,orientá-los e enriquecê-los através de mecanismos apropriados. Em suma:novos objetivos, novas instrumentalidades e um esquema de articular pra-ticamente os fins e os meios. Veja-se o que ocorre com o planejamentoeducacional, em que os fins são da atribuição de determinados órgãos, osmeios, de outros – e não tem havido possibilidade de articulá-los, poisessa articulação só se tornaria possível no momento em que se compreen-desse que o fim cria o meio, que a teoria nasce da práxis e que, só namedida em que as pessoas que possuem os fins tenham toda a perspectivada práxis – isto é, de como os fins se desdobram e se alongam na ordemprática, como vão se encarnando e se tornando ação com apoio em algu-mas instrumentalidades bastante precisas – , só nessa medida poder-se-iasaber concretamente juntar fins e meios. No plano administrativo, porexemplo, reuni-lo dentro do mesmo organismo, ou em organismos dife-rentes mas perfeitamente articulados.

A primitiva atitude de nossa cultura desanimava nossos impulsos deautonomia: não lograríamos ir além de um artesanato tosco, enquanto osoutros, adiante de nós, ofereciam brilhantes artefatos (o brilho é um dosmais fortes atrativos para a alienação). Essa perspectiva colonial poderiaparecer ultrapassada, mas sobrevive hoje, quando se discute se o Brasil

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deve implantar matrizes de conhecimento científico para uma elaboraçãoautônoma, ou se devemos comprar artefatos de ciência altamente sofisti-cada dos países industrializados.

Ora, é claro que as idéias são sempre referidas a um contexto real;como explicavam os escolásticos, na trilha de Aristóteles, elas constituemo medium quo, a realidade sendo a das coisas que a sua transparênciadeixa conhecer. Nós, porém, fazemos das idéias um medium quod, objetoseparado, valendo por si mesmo e podendo desligar-se dos contextos don-de brotaram. Sendo que esses contextos não são os nossos, esses juízos apriori não foram forjados nos moldes de nossa sensibilidade, nem de nos-sa razão ou entendimento. O que quer dizer que o nosso modo de elaboraridéias é kantiano sem aquilo que torna importante o modo kantiano: aelaboração a partir de dentro, um modo interior que subjuga o modo exte-rior do mundo. Por isso é que associei, no começo desse tópico, o autismo– consciência desligada do real – à alienação – consciência aderida ao realque não é nosso. Falso real, primeiro, por uma questão de método, pois,como vimos, não é apropriado; segundo, por uma questão de conteúdo:importávamos idéias nascidas de uma experiência que, fora de seu solo,se esvaziava de realidade. Incorríamos então nesse contraste, de absor-vemos os moldes sem o conteúdo experiencial que os valorizava e queconstituía o único elemento capaz de fertilizar uma experiência. Pois sóa experiência enriquece a experiência: nunca as palavras sem ela, oudela separadas.

A nova forma de alienação consiste em admitir a autonomia absolutada ordem instrumental, desligada de qualquer compromisso com a ordemcultural e política. Os meios isolados dos fins se afirmariam exclusiva-mente em virtude de sua tecnicidade, e os especialistas na política dosmeios – espécie de apátridas culturais – poderiam ser utilizados para rea-lizar em qualquer parte a política dos fins. Chega-se por esse caminho aadmitir o que se poderá chamar a tecnicidade formal das idéias, abstraí-das de sua matéria. É a outra cilada da alienação.

Através dessa sutil deformação, reduzimos problemas de idéias, deobjetivos, de qualidade, a problemas de tecnicidade. Admite-se a existên-cia de uma teoria pura, e de uma tecnologia pura, em economia, em edu-cação, em ciência política, etc., assim como a existência de uma categoriade especialistas numa política de meios, desligada de uma política de fins.Importam-se técnicos de outros países ou de outras regiões do País paraplanejar os meios, com o argumento de que dessa forma não interferemnos fins. Acontece que os meios nascem dos fins, não existindo umatecnicidade dos meios que seja autônoma: os técnicos estrangeiros só po-dem ensinar os meios dos seus fins, que não poderiam servir aos nossos.Uma prova de que não é possível isolar a política dos meios da políticados fins, sob o argumento da pura tecnicidade dos meios, está em que os

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técnicos – nacionais ou estrangeiros – quando não trazem presosorganicamente à estrutura de seu pensamento os fins de sua sociedade ede sua cultura, aplicam os seus instrumentos ao statu quo do país com oqual colaboram, sem discuti-lo, o que vale como uma homologação pura esimples dos fins que esse statu quo já representa. Eles começam imediata-mente a trabalhar sobre o estabelecido.

A conclusão desse raciocínio é que a ciência dos meios, com a preten-são de se imunizar na pura racionalidade, ou serve de fator de alienação,no caso de técnicos estrangeiros, que trazem objetivos de outras socieda-des embutidos na sua ferramenta, ou se tornam cúmplices do imobilismosocial, oferecendo armas para a sobrevivência do statu quo.

Um técnico pode ser muito competente para organizar uma escolaprimária de cinco, de seis ou sete anos; mas só uma consciência dos finspode ligar o problema da escolaridade à realidade nacional; só depois desaber o homem que se quer formar no Brasil será possível determinar onúmero de anos e o tipo de escola que o formará.

A tecnicidade dos meios só é autônoma na máquina; no universohumano, todas as técnicas são transcendidas pelos fins que elas não esgo-tam nem controlam de forma absoluta, e toda teoria participa um poucoda natureza da arte.

Os EUA. constituem um grande povo exatamente porque não acredi-taram na eternidade da sociedade; basearam sua educação numa determi-nada idéia da eficiência, aquela que permite construir a cidade,artesanalmente, em vez de pressupô-la construída sobre arquétipos im-portados. O outro tipo de educação se baseia nas técnicas de conservaçãoe de fruição da sociedade estabelecida. Evidentemente, a consciênciaartesanal da educação e da cultura é a única que impede a sua alienação.

Tendências verificadas na expansão do ensino superior brasileiro

a) As duas categorias do saber

O resultado da análise filosófico-sociológica do processo de expansãodo ensino superior brasileiro, como estamos tentando fazê-la, pode ser par-cialmente documentado com dados concretos. Tomando por base o ano de1966, vemos que o custo anual dos alunos das Faculdades de Ciências Eco-nômicas, Direto, Filosofia, Serviço Social e Teologia, em estabelecimentosparticulares, pode ser estimado em NCr$ 300 e, nas federais, em NCr$ 1.320.Em contraposição a essas faculdades humanísticas – chamemos assim – ocusto das faculdades "científico-tecnológicas", incluindo a Medicina, foi deNCr$ 4.300. Em cifras globais, um curso do primeiro grupo, com a duraçãomédia de quatro anos, pode ser calculado em aproximadamente NCr$ 2.560;

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e um do segundo grupo, em NCr$ 21.500. Sendo de NCr$ 17.500 o aumentoanual da matrícula no ensino superior, poderíamos traduzir por outra formaessa desproporção entre os dois tipos de cursos: se todos os novos alunos seencaminhassem para os setores "humanísticos", o aumento de despesa or-çaria em NCr$ 11.200.000, contra NCr$ 75.250.000 no setor "científico-tecnológico". Em termos percentuais, o investimento no 1º caso seria de3,5%, e no 2º, de 24%. Evidentemente, os cursos científicos-tecnológicosrequerem equipamentos mais abundantes e onerosos que os outros, masnão é esta apenas a razão da disparidade, acima indicada, entre as duascategorias de cursos, senão também que os cursos de natureza humanísticacontinuam prejudicados pela crença que os libera de qualquer exigênciaquanto a equipamento, instalação e regime de trabalho, tudo afinal redu-zido à verbiagem. Disso se aproveitam alguns setores do ensino privado, oque também se pode até certo ponto induzir mediante certos dados esta-tísticos: "em 1961, sobre um total de 37.894 alunos matriculados em esco-las superiores particulares, 27.196 estavam em Faculdades de CiênciasEconômicas, Direito, Filosofia, Serviço Social e Teologia, que, pela suaprópria natureza, têm custos de operação muito baixos".3

Por aí se vê quanto devemos ser cautelosos quanto à expansão doensino superior de iniciativa particular, e ao risco de aviltamento do níveldesse ensino, sem a interferência de uma política disciplinadora. E não setrata só da iniciativa privada; o risco atinge também as iniciativas do Go-verno e das próprias universidades, atraídas pela viabilidade aparente-mente fácil desses cursos. Uma ideologia oitocentista implantada em cer-tas camadas da elite brasileira imagina que cursos dessa ordem – direito,por exemplo – podem ser criados à vontade, pois delas saem hoje, comono passado, as elites dirigentes do País. O pressuposto é que as Faculdadesde Direito formam generalistas. Só por um equívoco, por muitos equívo-cos acumulados, se pode pensar assim. Em primeiro lugar, no atual con-texto sociocultural brasileiro, o curso de Direito é cada vez mais estrita-mente profissional; em segundo lugar, os generalistas não se formam, ago-ra, dentro de uma escola, dever-se-iam formar no seio da universidade (nocaso brasileiro, estamos longe dessa possibilidade), onde os próprios es-pecialistas deveriam trazer abrigado dentro de si o generalista. Essa falsaperspectiva dos cursos predominantemente culturais ignora a divisão dotrabalho e a estrutura das ocupações em nosso País, onde o curso jurídico– para insistir no exemplo – ou leva à profissionalização, ou à proletarização.Mas, pior ainda, é confundir a visão generalista que serve de backgroundàs elites, com a vaga superficialidade com que falsas elites tornam vagos

3 Jacques Torfs. Despesas com a educação no Brasil. Desse trabalho foram extraídos os dados estatísticos do presente item.

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todos os assuntos – e vago o próprio País como projeto. O rigor da forma-ção generalista é muito maior que do especialista, pois a cultura geraltranscende a especialização, não por escamoteá-las, mas por incorporá-las, no que têm de especial, através do método de "causalidade vertical"que recompõe no múltiplo, sua unidade profunda.

b) As duas matemáticas da educação

Os planos de cada universidade podem articular-se com os das ou-tras, em contatos sucessivos, criando-se para isso mecanismos eficientesde negociação multilateral. Não convém esperar um plano agregado fede-ral, senão a longo prazo, pois os esquemas que até agora se tentaram, ten-dendo a estabelecer uma economia nacional da educação, não expressa-vam a totalidade nacional, mas uma vontade totalitária elaborada numainstância central pretendendo substituir todas as outras. Seria ilusão su-por que esse artefato viesse a ser incorporado pelas universidades ou pe-los Estados como um instrumento de compromisso – inclusive porqueestes nem chegam a conhecer os textos dessa elucubração.

Pessoalmente, sou partidário de um planejamento mais empírico quecomece das universidades, de sua iniciativa em planejar os próprios esfor-ços e em vincular-se, cada qual, com as demais.

Essa econometria da observação representa uma das duas formas deabordagem matemática das necessidades educacionais – ou, genericamente,sociais; a outra é a matemática linear, aquela que afirma: de acordo com asestatísticas, há na Suécia 1,04 médicos para cada mil habitantes; o Brasil,onde a proporção é de 0,45 para mil, precisamos vencer esse gap paraalcançar o nível ideal. Ou aquela que diz: há necessidade de médicos nointerior da Paraíba, ou do Ceará, e reduz essa necessidade a uma operaçãoaritmética, que consiste em multiplicar o número de médicos, que sãoexatamente os que não vão para o interior. A razão que os impede de ir éposta de lado; o que se quer, encarniçadamente, é fazer mais médicos, soba inspiração da matemática linear. É preciso insistir nesse ponto tãoreiteradamente focalizado neste artigo: o problema de formação de médi-cos não é o de formar médicos – como se isso fosse um fim em si mesmo –mas o de oferecer serviço médico – que é parte de uma política social – ,eo primeiro cuidado teria de recair sobre a implantação de condições quepossibilitassem tal serviço. Não se vê que a estratégia expansionista emcurso há vários anos no País não é uma política social democrática, masoligárquica, contemplando ou criando privilegiados?

Constitui uma assombrosa diminuição do problema pensar que elese esgota com novos critérios do vestibular e de sua mecânica. Esseselementos são essenciais na medida em que se incluam numa política

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global. O pedagogismo que se fecha na sua especulação é a forma maiscerteira de destruir a educação, e a sua perspectiva, a mais alienante detodas as ópticas.

c) Uma nova política dos cursos

1) Em primeiro lugar, importa redefini-los (cabendo esse esforçoigualmente ao CFE) sociológica e economicamente, sem prejuí-zo, obviamente, dos aspectos culturais. E a avaliação tem de serde quantidades-qualidades: quantidades postas em situação, me-didas segundo condições locais ou regionais, pressupostosinstitucionais e econômicos, e segundo ainda um processodialético que deve ser controlado: em que medida, por exemplo,certa ampliação de recursos humanos numa determinada catego-ria profissional acarreta mudanças qualitativas, e em que medidaessas mudanças qualitativas afetam as novas previsões quantita-tivas. Essa análise permitiria refazer certas idéias, respeitadascomo intocáveis, sobre o currículo e sua duração.

2) Em segundo lugar, é necessário introduzir progressivamente noscursos "fáceis" os métodos "difíceis"; pois graças a estes é quevieram a obter o prestígio de que gozam no Brasil cursos como ode medicina e engenharia, cujos alunos se vêem praticamenteimpedidos de acumular seus encargos de estudantes com outrosquaisquer. Mas em ciências econômicas, filosofia, direito, até deoutros, o tempo excessivamente restrito e o método de aula ma-gistral – e os próprios métodos de avaliação, apoiados em instru-mentos extremamente precários – retiram a autenticidade dosestudos. Um novo esquema teria de basear-se na ampliação dotempo dos alunos, na elevação do nível dos cursos e de suatecnicidade, na participação ativa dos alunos – sobretudo com ouso sistemático dos instrumentos bibliográficos – no acompa-nhamento efetivo dos professores, como acontece com a tutoriainglesa ou com o curso médico em quase todo o mundo. Tal ori-entação reduziria, sem dúvida, o número de alunos, salvo se aintervenção de uma política, planejada sob a égide do próprioGoverno, ao mesmo tempo tornasse seletivo, do ponto de vistadas aptidões, o ingresso no ensino superior financiado pelo Es-tado, e assegurasse aos capazes condições de pleno rendimento.Em qualquer hipótese, a permanência desses cursos na formaatual carece de sentido para os próprios alunos, e é prejudicial à

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sociedade por representar desperdício de tempo e de recursos.A eficiência – cultural e social (os dois aspectos são cada vezmais um só) – constitui o único título de legitimidade de qual-quer curso.

Impõe-se o reforço dos estudos teóricos e sua mútua integração– seja num ciclo básico, seja ao longo de todo o curso, pois acre-dito que os dois modelos são válidos. A revalorização da teorianas atuais condições da sociedade industrial tornou a formaçãoteórica e a educação geral mais importantes que a formação sim-plesmente técnica – porque a própria educação geral se tornoutécnica com a possibilidade de transcender-se continuamente.Temos hoje de preparar multiplicadores, e não repetidores – daía extrema importância de investir no homem e na sua inexaurívelplasticidade.

A capacidade humana é in-definida, enquanto a técnica forado homem constitui um elemento definido, limitado e inerte. Omesmo acontece quando o homem, aprendendo a técnica, seassimila a ela, pelo modo dela – puramente repetitivo e inelástico– em vez de assimilá-la a ele próprio, e a seu modo próprio, queé o da universalidade.

Na realidade, o geral e o especial, o estudo geral e o estudotécnico, não mantêm as mesmas fronteiras existentes quando ascategorias da cultura eram classificadas, tanto quanto os grupossociais. Não é, aliás, por mera coincidência que a fusão se vaiprocessando simultaneamente no mundo social e no mundo daciência. Outra razão dessa estrutura era a convicção, dentro deuma sociedade estática, de que o cabedal reunido em determi-nado tempo poderia servir para todos os tempos posteriores. Aexistência do homem no mundo de hoje se constitui de um tem-po só, e simultâneo, tornado em processo tudo o que foi aquisi-ção do passado. Portanto, os conhecimentos já não se escalonamem categorias separadas horizontalmente, mas se confundemverticalmente ao longo de todo o processo de ascensão do ho-mem na sociedade. Essa a razão pela qual a minha última consi-deração será sobre a educação permanente, e como deverá elaalterar a estrutura dos cursos da universidade e sua expansão.

3) Os cursos de cultura geral

Antes, porém, gostaria de dar uma palavra sobre o papel quea universidade não perdeu – nem pode perder, pois é a únicainstituição dotada de condições para exercê-lo – o de ministrar a

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cultura geral. Como a cultura geral não se consubstancia emmatéria nem em currículo específico, mas resulta da combina-ção dinâmica de muitos fatores dispersos dentro e fora da uni-versidade, o instrumental de que se deve servir terá de ser dife-rentes dos outros, e muito difícil de ser delineado e manejado.Trata-se de criar um ambiente, um clima de curiosidade – compossibilidades de resposta, obviamente (é incrível, por exemplo,uma universidade sem livros, mas é a regra no Brasil); um ambi-ente de contato com personalidades criadoras, com instituições,com os fatos na sua imediatidade. Como já tive oportunidade dedeclarar, um departamento de cultura na universidade significaa institucionalização dos corredores, onde se costuma dizer quereside a forma mais intensa do convívio universitário. É umaconsciência em dois níveis: o da superfície, rente aos fatos, e ode fundo, ao qual a primeira se liga imediatamente para umaelaboração ao mesmo tempo sobre o imediato, e embebida detodas as profundidades de análise intelectual, no estilo mais ri-camente intelectual. Um órgão de cultura na universidade temde destinar-se a alimentar e complementar seus cursos atravésde métodos bem mais fluentes que os permitidos pela estruturacurricular convencional. É um trabalho de complementação eanimação: não tem limites definidos, para poder conquistar to-das as áreas; e não para ganhar na indefinição o direito de nãofazer nada de preciso e substancial. Trata-se de escolher pessoasde fora a fim de participarem das atividades de dentro, e de levaro que está dentro para fora dos muros, conforme a expressão dosingleses ao instituírem a extensão cultural. Esse movimento devaivém – o melhor da universidade para a sociedade, e o melhorda sociedade para a universidade – caracteriza o dinamismo desseórgão. Sua atuação tem algo ao mesmo tempo de jornalismo e dacátedra, usa preferentemente os meios livres, os contatos, as vi-sitas e as técnicas mais informais de comunicação. Funciona comoelemento articulador das diversas áreas do saber. Por mais queuma estrutura formal contenha em si mesma eficácia integrativa –como a de Brasília, que introduziu no próprio currículo mecanis-mos de integração entre as diversas áreas do saber – a estruturaformal não poderá deixar de ser até certo ponto uma estrutura emrepouso: em cada momento, cada parte dela está fixada no seuobjetivo: é preciso que uma instância as transcenda para dinamizá-las e articulá-las. Em suma, ele é corredor, jornal, vibração exte-rior, profundidade interior, superfície crispada, sedimentação –um ser de fora e um ser de dentro da universidade, a sua faceintemporal e a sua combustão.

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Essa idéia de uma totalidade dinâmica, que se forma em umauniversidade pela convergência de todas as partes, nos leva aoquarto ponto desta reflexão sobre a política dos cursos e de suaexpansão: o que se refere à educação permanente.

4) A educação como um fluxo

Antigamente havia só uma educação, a das elites, realizadaem período marcado que correspondia às etapas iniciais da vida;hoje há duas educações: a escolar, para as elites, mas invadida,crescentemente, pelas camadas populares; e a popular, fora daescola, e por isso mesmo dirigida predominantemente para osadultos, por serem estes capazes de alcançar certo grau de edu-cação fora do contexto disciplinador da escola.

Duas das características, portanto, da antiga concepção, vemsendo superadas: o sentido elitista e a esmagadora predominân-cia do puramente escolar na educação; a terceira característica,porém, resiste mais tenazmente: a que consiste em situar a edu-cação, no seu sentido rigoroso, numa determinada época da vida.

O futuro provavelmente voltará a ter uma só educação:unificada para todas as classes sociais, impulsionada por umavariedade de técnicas e processos – entre os quais o modelo es-colar convencional será apenas uma das possibilidades – trans-cendente de todo limite cronológico, como um processo de atu-alização permanente do ponto de vista cultural e profissional.

Considerando a questão por outro ângulo, poderíamos dizerque no passado a sociedade estática se reproduziria em cadageração, de maneira a justificar as características, já assinala-das, da antiga educação. Cada geração podia prover-se – a siprópria e à sociedade sob sua liderança – com o pecúlio trazidoda escola, que permanecia eficaz a vida inteira. Cada geraçãopoderia esperar, em suma, que se completasse na escola a for-mação da que deveria substituí-la. Atualmente, tem a socieda-de de banhar-se numa cultura incessantemente renovada – comoum rio de Heráclito – cuja riqueza e dinamismo transcendesseos processos clássicos de escolaridade.

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4Governo da Universidade*

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

* Publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 47, n. 105, p.68-90, jan./mar. 1967.

Introdução

O problema do governo da universidade é o problemado poder no mais original dos regimes políticos. Tão origi-nal quanto a instituição deve ser o poder que dela emerge;exercê-lo corretamente pressupõe fidelidade à sua índole.

A universidade não é uma monarquia, nem uma oli-garquia, nem um regime dual – de senhores e servos. Muitomenos seria um regime em que o poder se exercesse comouma aventura gratuita ou dionisíaca. Não é a República dePlatão, nem aquela "democracia filosófica" de que falavaNewmann, referindo-se aos atenienses, no seu livro sobre a"origem e progresso da universidade". Nem tecnocracia, nemcesarismo.

Um pouco de quase tudo isso, a tudo isso transcendepor força de sua radical ambigüidade.

O seu governo não pode pertencer apenas a uma gera-ção, porque ela institucionaliza um diálogo entre diferentes

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gerações, representativas de realidades culturais e sociológicas distintas.Nesse diálogo se defrontam, como contribuições válidas de cada lado, oacabado e o inacabado, o maduro e o imaturo, o ser e o vir-a-ser.

Ela representa os interesses da sociedade, participa da política doEstado – no sentido de que é parte da pólis – mas não é governada peloEstado, nem em seu nome. É a única instituição que se insere no Estado eo transcende.

Ela exprime uma civilização nacional, mas não pode deixar de sertransnacional; serve a um lugar, a uma região, mas não pode ser nem localnem regional. Nem pode, tampouco, ser governada pelas idéias de umpartido ou de um grupo, ou de uma preferência intelectual – de humanistas,cientificistas ou de tecnólogos – nem por opções ideológicas, pois quetodas devem encontrar-se dentro dela, o mais possível desideologicizadase reduzidas a um nível de racionalidade, que é o seu método.

1. O pluralismo do poder

A autonomia inerente ao governo da universidade, e cujo sujeito é aprópria instituição, estende-se a todos os níveis da gestão universitária,não constituindo monopólio de nenhum deles, ainda dos que se encon-tram na cúpula. Cada instância goza de autonomia relativa, no sentidodo autogoverno: as faculdades, os institutos, os departamentos. A subor-dinação de cada um à instância superior não o vincula ao arbítrio dosdirigentes desta, mas a uma vontade comum, expressa numa política aque todos se subordinam, inclusive os órgãos mais altos do poder uni-versitário. Por outros termos, a fonte do poder na universidade é a von-tade comum, expressa numa estrutura que exclui qualquer formamonárquica, ou oligárquica, de autoridade. Isto significa, concretamen-te, primeiro, a participação de todos os grupos representativos da comu-nidade universitária nos vários escalões do governo; segundo, que avinculação hierárquica entre tais escalões não decorre do arbítrio dosque estão por cima, mas de uma liderança inspirada na fidelidade a dita-mes formulados, conjuntamente, por toda a comunidade universitária;terceiro, a organização do poder, assim definida, pressupõe novos ins-trumentos disciplinadores da ação da universidade. Tal estrutura pare-ce-nos a única a corresponder ao sentido real e profundo da autonomia,e a atalhar ou corrigir a tendência ao cesarismo, que é de todo poder, eque converte a autonomia em autocracia.

O que põe a universidade acima das limitações do arbítrio e de qual-quer particularismo é aquilo mesmo que, como assinalei de início, consti-tui a sua originalidade como instituição do espírito. Lembra GeorgesGusdorf que "Le droit que l´Université fait reconnaître en elle, et consacre

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son institution, c'est le droit souverain de l'Esprit"1 Por que é a instituiçãouniversitária, tomada globalmente, e nenhuma Autoridade, ou Casta, ouIdéia, dentro dela, o sujeito do poder? Porque a autonomia é a do espírito,em sua totalidade concreta e dinâmica, manifesta na plenitude de cadamomento histórico. Nenhum particularismo teria capacidade de expressá-la. E mesmo o Estado – pela sua inevitável parcela de pragmatismo arbi-trário – não pode superpor-se à universidade; de certa forma até, comoreino da razão, a universidade se separa virtualmente do Estado por umatensão dialética, que é parte daquela outra, armada entre os dois pólos quedividem a sociedade: a racionalidade e a irracionalidade.

De certa forma, a sociedade se defende de si mesma, quando asseguraautonomia a uma instituição que a integra, o que constitui o fundamentode sua ambigüidade. Através da universidade, a sua transcendência de-fende-se de sua contingência, a sua verdade de sua institucionalidade.Essa consideração é suficiente para justificar em que grau e por que razõesa universidade é intocável; o que vale dizer que deixará de sê-lo, quandonela se corromper esse caráter de reino da razão.

Por ser a razão que governa a universidade, a sua lei é a autonomiaintelectual: na estrutura do poder e na estrutura didática. Por isso mesmo,se o autogoverno é o apanágio da democracia, nenhuma comunidade seaproxima tanto desse ideal quanto a universidade.

A organização do poder em instâncias acadêmicas, o método da con-trovérsia e uma didática universitária baseada no poder de criação e deelaboração do estudante representam, a nosso ver, três corolários inevitá-veis dos postulados acima referidos. Dos dois últimos, trataremos na par-te referente ao governo da universidade diante do problema do pluralismocultural e ideológico no mundo atual; destacaremos agora o problema dasinstâncias acadêmicas, indicando, a título de sugestão, as suas caracterís-ticas essenciais. Seriam órgãos destinados:

1) a interpretar os interesses das unidades de ensino e pesquisa, a fimde subtraí-los ao empirismo arbitrário;

2) a impulsionar, como instrumento de análise e prospecção dos pro-blemas sociais e educacionais interligados, o esforço de mudançada universidade, incorporando a esta, institucionalmente, o pro-cesso de sua auto-reforma.

Acredito que o primeiro passo para a criação dessas instâncias já foidado pelo Parecer nº 442/66, referente à organização das universidades

1 Gusdorf, Georges. L´Université en question. Paris: Payot, 1964, p. 19.

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federais, elaborado por este Conselho.Os itens acima discriminados exi-gem alguns esclarecimentos. Quanto à participação dos membros da co-munidade universitária nas instâncias de governo, a Lei de Diretrizes eBases fixou princípios gerais no que se refere aos estudantes; em relaçãoaos professores, os estatutos e regimentos vêm tentando encontrar a fór-mula mais pertinente no sentido de contemplar, além dos catedráticos,outras categorias de docentes, com responsabilidades efetivas no quadrodas atividades acadêmicas. Em ambos os casos, acredito que o exato en-tendimento do significado dessa participação e dos processos que a tor-nam real dentro dos fins da universidade – excluída toda conotaçãodistorsiva dos seus objetivos – está apenas no início. Quanto às instânciasacadêmicas, podemos registrar o início de sua implantação em algumasuniversidades como as do Ceará e da Bahia.

Em relação ao item 2, como fixar o ordenamento das instânciasescalonadas, nos termos indicados neste trabalho? Simplesmente, refe-rindo-o a uma vontade que não seja a de determinados titulares, mas sima da instituição. Essa vontade é tão importante no momento em que seelabora, quanto naquele em que se executa. Quais são os seus instrumen-tos? De um modo geral, o estatuto e os regimentos; acredito que se torneimprescindível acrescentar-lhes o Plano, compreendido como a racionali-zação da vontade comum, isto é, como um instrumento politicamente cor-reto e tecnicamente eficaz. Na elaboração do Plano, conviria que intervi-essem todas as escolas, institutos, departamentos etc., cabendo aos órgãosdiretivos coordenar as contribuições e reivindicações segundo as priori-dades que se projetam, seja a partir do dinamismo interno da própria uni-versidade, seja do progresso global de desenvolvimento do país ou da re-gião – traduzido no Plano integrado do governo – seja do progresso daciência, da tecnologia e da cultura. A referência ao dinamismo interno dauniversidade quer significar que o aquinhoamento dos seus diversos seto-res deve corresponder à respectiva eficiência e padrão, eliminada a idéiado privilégio, ou os interesses de hegemonia por parte de pessoas ou gru-pos, escolas ou institutos, etc.

2. Pessoalidade e impessoalidade da liderança

As prioridades que se impõem à universidade e ao equilíbrio de suasnumerosas forças diferenciadas e, às vezes, contrastantes, não se estabe-lecem por um processo automático, no qual a função do reitor e a de ou-tras autoridades venha reduzir-se à simples execução de vontades estra-nhas à sua: da própria universidade, da comunidade social ou do governo.Seria ele um simples caretaker, para usar uma expressão de Kerr, ao defi-nir uma das faces do presidente da universidade americana.

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Não, o reitor exerce uma liderança e isso lhe confere, não só o direito,como o dever de conduzir a universidade segundo uma visão pessoal dosseus problemas, dos seus desafios e das suas prerrogativas. Nada podesubstituir essa visão. Apenas cabe ressaltar que ela é pessoal, enquanto,fluindo embora de várias fontes, é plenamente assumida pelo reitor; se-gundo, porque ela representa um esforço de síntese para a qual a sua po-sição se torna privilegiada; terceiro, porque o equilíbrio que o governouniversitário expressa e sustenta, não sendo estático, mas dinâmico, acom-panha o fluxo da sociedade, da ciência e da cultura, e cabe ao reitor ser olíder, tanto do equilíbrio quanto da mudança através da qual se introduz oelemento novo, desencadeador de novas predominâncias de sua política.A liderança, no caso, se realiza ao modo de uma intersecção. O conceitode intersecção vale para definir essa inserção pela ruptura, essa combina-ção de continuidade e descontinuidade, em que esta se reconquista per-manentemente daquela, mas termina por impor-se novamente à continui-dade. Como toda sociedade, a universidade é uma ordem que só se man-tém se não se fecha sobre si mesma e não se cristaliza; se se desarticulaagora é para triunfar depois da incidência polêmica que passa a figurarcomo a antítese, não eliminada, mas incorporada.

A liderança dos dirigentes universitários combina a pessoalidade e aimpessoalidade – a primeira, como poder criador, capacidade de iniciati-va e de antecipação; a segunda, como despojamento e objetividade. Umacapacidade de associar o engajamento e o desinteresse, a expectaçãoorteguiana e o descortino, o incidente e o transcendente, o particular e ouniversal, a refração e a luz irrefratada. Há que trabalhar sobre o presentee o futuro, tanto quanto sobre a rotina e a mudança. Para isso se faz neces-sário que os líderes sejam, ao mesmo tempo, semelhantes e dessemelhantesem relação à instituição que lideram. Por serem semelhantes, reconhecema validade de suas intenções e opções e com elas fazem causa comum;mas devem ganhar sobre elas a distância a que dá direito a visão prospectivae a conquista de horizontes encobertos pelo cotidiano.

Assim é que o reitor se ocupa e se preocupa, segundo a conhecidadistinção de Ortega y Gasset. No primeiro caso, a pessoa coincide tantocom o seu trabalho que não pode distanciar-se dele como o sujeito doobjeto de sua análise; no segundo, ela pode interpor, entre si e o seu traba-lho, o tempo da reflexão que lhe permite julgá-lo e orientá-lo. A boa filoso-fia da administração distingue os níveis de responsabilidade segundo essecritério, que deixa, progressivamente, aos mais altos a possibilidade dedessolidarizar-se da contingência imediata: no intervalo, inserem-se a crí-tica e a prospecção, condições do dinamismo auto-reformador e da açãocolocada no futuro, ou seja: o projeto, o movimento, a política. Tornar-se-iam imperiosas, sob esse ângulo, a reconceituação e a reestruturação docargo de reitor e de outras funções administrativas da universidade.

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Dos instrumentos disciplinadores da ação universitária, destacarei oplano e o orçamento – sendo que, sob certos aspectos, o segundo é partedo primeiro. Acredito que, nas universidades, se deveria criar um órgãode planejamento destinado a três objetivos fundamentais:

a) a pesquisa sistemática do meio, visando articular os seus proble-mas com os programas de trabalho da universidade;

b) o entrosamento entre as atividades-meio e as atividades-fim;c) a integração de todos os planos setoriais no plano global da univer-

sidade e no respectivo orçamento, como tradução coerente de suapolítica.

3. Novo estilo de liderança

Desenha-se, ao longo dessas notas distintivas, um novo perfil do rei-tor, como expressão de uma nova universidade. Nos períodos de inova-ção, segundo o registro de Kerr,2 os presidentes das universidades ameri-canas apareciam num recorte de giants. Modernamente, a administraçãoda Universidade segue, segundo o mesmo autor, o modelo britânico do"government by consent and after consultation". Formalizam-se o menospossível as decisões, a fim de que estas possam alimentar-se em diversas"fontes de iniciativa e de poder". Institui-se um regime baseado numa "kindof lawlessness", segundo a expressão de Caplow, citada por Kerr. Sobreesse acordo implícito das partes, paira, discretamente, a ação do presiden-te, até que qualquer ameaça ao equilíbrio do poder reclame a sua interven-ção mediadora.

O papel conciliador que devem exercer dirigentes e líderes da univer-sidade sobre a multiplicidade dispersiva e, às vezes, conflitante dos inte-resses em jogo dentro da universidade, justifica-se nas situações de relati-va estabilidade, ou maturidade, em que o equilíbrio se estabelece quasepor si mesmo, uma vez que a sociedade já teve tempo de fazer desabro-char todas as forças – umas contrabalançando as outras – e cada umadelas, o de expressar-se até a sua plena configuração. O reitor, no caso, éum fiador do equilíbrio, valendo as suas intervenções mais incisivas sim-plesmente para estabelecê-lo nos momentos de crise. Nessa situação, pre-pondera o estilo burocrático e conciliatório.

Não é o caso das universidades dos jovens países, ou de países emmudança. Enquanto o crescimento, como têm acentuado sociólogos e

2 Kerr, Clark. The uses of the University. Cambridge: Harward University Press, 1964, p. 293.

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economistas, apenas dilata as estruturas sem transformá-las, o desenvol-vimento representa um fenômeno essencialmente qualitativo. A partir daí,arma-se, nesses países, uma situação bastante paradoxal: a criatividadedas atividades das universidades, nos períodos de mudança, deve exer-cer-se com o máximo de vigor, consolidando a sua autonomia, e o Estado,pelas mesmas razões, tem de assumir uma enérgica posição de liderança,na qual se inclui o planejamento como instrumento e expressão de umapolítica de eficácia, de efeitos multiplicadores e aceleradores, não só naeconomia como em todos os setores da totalidade social.

4. As duas faces da síntese

Dentro dessa perspectiva – da universidade voltada para fora, ou seja,nos seus compromissos com a realidade social e nacional – o grande pro-blema do governo da universidade é o da conciliação entre a autonomia ea heteronomia, entre a sua vontade e a do Estado. Por definição, é o Estadoo órgão mais abrangente e, ao mesmo tempo, mais específico da vontadecomum, mas esta se expressa também por outras fontes que devem sercaptadas. Faz parte da "multidiversidade" ser uma tradução dessemacrocosmo. Como fazê-lo?

Simplificando os termos do problema, poderíamos dizer que, na soci-edade brasileira moderna, as relações entre a universidade e o Estado serevestem de uma extrema importância, com o confronto do que deveriamser as duas expressões da síntese nacional: porque são os dois "universos"que a representam de maneira mais global e mais ordenada; um, comoestrutura de poder; e outro, como estrutura de saber. Um deve constituir aexpressão suprema da Nação, como lembrava Deloz (La Nation sepersonnalise s' étatisant), e o outro, a suprema expressão da cultura, comoa consciência que a Nação forma de si mesma e do seu projeto.

Ora, essa análise nos leva mais longe no conceito de autonomia: auniversidade se inclui no plano nacional, mas é, ao mesmo tempo, umainstância crítica do próprio plano, além de dever contribuir para sua ela-boração e avaliação, na medida em que vier a interpretar, validamente, arealidade brasileira como órgão supremo do nosso humanismo e do de-senvolvimento nacional. Levando-se em conta o caráter global do desen-volvimento – traduzido por um escritor francês, André Philip, como aelevação de "todo o homem em todo homem" – não seria compreensível, anão ser por abuso do poder, ou por deficiência do saber, que a universida-de não fosse amplamente participante no plano, ou , ao invés, fosse acuadapor ele. Em termos teóricos, esse conflito seria, no fundo, entre o esforçode racionalização que o plano representa e o projeto nacional formuladopela fração mais qualificada de sua inteligentsia.

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A inferioridade em que está colocada a universidade em vários paísesdo mundo com relação ao dinamismo do Estado, que o plano traduz, deve-se ao caráter conservador das universidades e à imobilização do saberacadêmico, desarticulado da práxis nacional. A inteligência universitáriabrasileira ainda não assumiu plenamente a realidade do País. Como ins-tância crítica, a universidade terá de procurar, no plano, a sua identifica-ção com a vontade comum. A multivisão – correlata da multidiversidade –e os instrumentos de análise de que dispõe, concorrerão para que o planonão venha consagrar opções e prioridades que traduzam a óptica de umgrupo, ou de uma classe, ou de uma região em detrimento das outras, ouse baseiem em critérios distorcidos pelos excessos da tendência burocrá-tica ou tecnocrática.

Esse, a meu ver, o quadro de responsabilidade dos dirigentes e líderesda universidade brasileira. Essa a razão pela qual o citado Clark Kerr, apósconsiderar encerrado o ciclo do hero figure, em que se encarnara o presi-dente da universidade americana – hoje convertido num hábil negociador ecoordenador – declarava que "os gigantes, hoje, quando são encontrados,são mais fáceis de existir em umas poucas das velhas universidades latino-americanas em vias de modernização, ou nas novas universidades britâni-cas em meio a uma intensa discussão a respeito de política educacional".

5. Os caminhos da reforma

Desejo, de saída, salientar dois aspectos essenciais do problema dereforma:

1) Acredito que a autonomia da universidade se baseia na unidade dainstituição, e não na unicidade do governo, expressa pela vontademonárquica do reitor, ou oligárquica, do Conselho Universitário,tomados esses termos na sua acepção técnica, e não pejorativa.

2) Longe de refletir passivamente o pluralismo das concorrentes edos grupos, o reitor exercerá a visão global e impulsionará a mu-dança da universidade. Insinua-se aqui a pergunta: que é que im-pede a mudança da universidade brasileira?

A mudança imposta pelos tempos novos é entravada pelos velhostempos. Acontece que o tempo, passando de velho a novo, não renova asinstituições se não mudam os termos em que se elabora a sua experiên-cia. Toda experiência começa num ato de inserção viva no real, e não domuito deslizar sobre ele, sem chegar a mordê-lo. Ora, a universidadebrasileira, em que pese os incontestáveis avanços de várias dentre elas,esbarra exatamente nessa persistência residual de atitudes contrárias ao

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espírito universitário. O processo de mudança da universidade está sub-metido aos mesmos impasses, ou dificuldades, de outras instituições. Esó na medida em que ela se transformar de sociedade fechada em socie-dade aberta, para usar a útil distinção bergsoniana, ser-lhe-á asseguradaa possibilidade de renovação. Pode considerar-se aberta a instituição quese vincula realmente aos objetivos que a transcendem e a que se serve; efechada, a que se absorve nos ritualismos destinados a defender os pri-vilégios dos que a integram. Feita na medida das perspectivas dos que acontrolam, a instituição só encontra duas alternativas para mudar: mu-dando tais perspectivas – processo auto-regulador – ou por uma criseque a sacuda, de fora para dentro.

Em termos esquemáticos, parece-nos que se apresentam dois cami-nhos de reforma universitária, do ponto de vista de sua fontes de propul-são: uma nova inteligência da universidade, uma nova sensibilidade paraos valores emergentes da sociedade moderna; ou a crise muitas vezesmanifestada sob a forma da revolta.

6. A nova visão: a perspectiva de totalidade e de dinamismo

A universidade é multidiversidade porque tem muitas vertentes - in-clusive no sentido de muitos saberes e de diferentes gerações. A cada gera-ção as coisas sabem desiguais, mas nas sociedades unidas, com um mínimode unidade que permita a sua identificação, ocorre o fenômeno que JulianMarías chamou, a respeito dos Estados Unidos, de o consabido. Nas socie-dades partidas, os "saberes" (na acepção mais remota que coincide com sa-bores) se diversificam ampla e, às vezes, disparatadamente. O saber literá-rio e o tecnológico, o humanístico e o profissional, o do passado e o dofuturo. O pluralismo da multidiversidade não decorre só das diversidadessimultâneas, quanto das diferentes perspectivas temporais. Sobre ele deveconstruir-se uma nova unidade, fecho da universidade – vocação hoje, comonas suas origens medievais, da instituição universitária. Só que são diferen-tes as duas unidades: uma, já estruturada, e outra, existindo tensionalmente,isto é, emergindo constantemente da contradição.

Todo processo cultural é um processo de conversão, no sentidosocrático do conceito. Se entre as novas e as velhas gerações, entre asdiversas famílias culturais, os técnicos, os humanistas, os cientistas, ossábios e os políticos não se articula um processo de conversão, que restada universidade como tal? Que resta para a apropriação, que é o métodoindispensável da comunicação cultural, assegurando entre os desiguais,não a indesejável uniformidade, mas o mínimo de homogeneização para oentendimento, de tolerância para o convívio e de unidade para a sobrevi-vência da civilização?

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Entendemos que tal problema, no âmbito da universidade, ou nãotem sido colocado, ou não tem sido aprofundado e, no entanto, ele envol-ve a própria justificação da instituição. Defendemos aqui, como solução, aredução do pluralismo, em termos dialéticos, a uma unidade que não eli-mina os termos conflitantes, mas os incorpora ao longo de um constanteprocesso purificador ao nível da racionalidade. A tolerância intelectual, otempo e o método redutor, que evita a eiva da má consciência ideológica,são os fatores de uma universidade do pluralismo, nos tempos da contro-vérsia, dos cortes culturais, como são os nossos tempos. Seria ela a versãomoderna da conversão.

O administrador da universidade, junto com todos os que partilhamcom ele a liderança da instituição, faz a ponte para a apropriação. Elearma o dispositivo para o diálogo redutor. Nisso se consubstancia o seupapel mais tipicamente pioneiro. Ele é o pioneiro, trazendo para omicrocosmo universitário o macrocosmo social, e antecipando, dentrodesse microcosmo, o macrocosmo do futuro. É pioneiro, porque a suavisão é a que refresca a velha cultura e impede a nova de pretender come-çar da negação absoluta do passado. O reitor na universidade é o controladorde seus ritmos, o artífice de suas fidelidades: ao passado e ao futuro. Omesmo se pode dizer dos diretores e de todos os que partilham da direçãoda universidade e das escolas.

Essa nova visão, feita, ao mesmo tempo, de austeridade e de leveza,impõe-se aos educadores brasileiros, tanto quanto aos administradores doensino, para não sermos obrigados a ceder, a cada passo, à onda novidadescae palavrosa ao "dernier cri" em matéria de universidade. Numa época deintegração cultural, como adiante assinalaremos, ainda vemos se endure-ceram as antíteses: dos "técnicos" contra os "bacharéis", dos "modernos"contra os "acadêmicos", da "universidade técnica", ou "do trabalho", con-tra o studium generale.

Igualmente desastroso será para o administrador a suposição préviade que os jogos estão feitos, e nada mais lhe resta que seguir uma legalida-de imanente às coisas e aos acontecimentos, completada sem a sua inter-venção. A crença mágica no instituído, que leva sempre a dizer, a pensar ea fazer as mesmas coisas: as que se recebem por herança ou por mimetismo.

Cabe-nos resistir igualmente à tentação do nominalismo, isto é, serleal à coisa sob o nome, sem nos contentarmos com o nome a despeito dacoisa. Há nomes que governam, por espaços, a opinião universitária: de-partamento, supressão da cátedra, pesquisa, tempo integral, institutos cen-trais, tecnologia, educação para o desenvolvimento etc., etc. Tudo isso temsido um fluxo verbal que não chega, na maioria das vezes, a enraizar-se narealidade e a banhar-se nas suas implicações. Falta a inquietação pelacrespa e fugidia realidade que apenas se agasalha sob a nitidez confortá-vel dos rótulos. Paira, nos corredores do Ministério e das universidades,

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uma "poeira" de idéias que vai pousando sobre os transeuntes, e produzin-do antes o contágio que a fertilização. É essa a razão pela qual, sob o dina-mismo aparente das reformas, persiste um cerne oculto de imobilidade.

A primeira das nossas responsabilidades como educadores é a de ques-tionar e reavaliar. O nosso sistema de ensino superior foi "plantado de galho",para usar a imagem de Nabuco, e continuaram a ser plantadas de galhomuitas das fórmulas reformadoras.

A universidade não é uma lei, é uma práxis. Só a experiência, entre-gue ao seu dinamismo e confiante em si mesma, poderia produzir aperformance da universidade brasileira. Por isso mesmo, a reforma uni-versitária, no que concerne aos fatores voluntários de liderança, inclui-semuito mais na órbita da administração que da legislação.

7. A prioridade do professor

A arquitetura legal é uma das condições da reforma, mas não a maisimportante: o nosso vezo consiste exatamente em abusar das facilidadesarquitetônicas, à base de modelos reproduzidos mecanicamente, median-te decisões mais ou menos cartoriais – nem sempre seguidos na prática.Pela estrutura formal é que as universidades brasileiras tendem a asseme-lhar-se umas às outras, chegando algumas vezes até à identificação; pelascondições reais de eficiência é que elas se diferenciam, a tal ponto que osmesmos nomes recobram, não raro, realidades inteiramente diversas. Aconformação dos órgãos universitários é uma condição, ora imperativa deabusos, ora permissiva de bons usos. Mas condição, e não fonte. A fonte éo real.

A dinamização da universidade só pode advir do contato com os ver-dadeiros problemas em função dos quais ela existe. Que é que pode, origi-nariamente, suscitar os problemas reais da universidade? A quem cabepropô-los? De um lado, a fonte é a realidade social, e de outro, o conjuntode fatores e inspirações que devem representar a função criadora,indagadora, no plano científico-cultural: os pesquisadores, os professorese os alunos.

Por isso mesmo, a reforma universitária se reduz a três objetivos fun-damentais: a criação de um novo tipo de professor e de aluno, uma novaatitude em face da realidade social e um novo método de trabalho.

Em relação aos professores, a mediocridade introduzida na univer-sidade, quando é o caso, luta pela preservação dos bisonhos padrões queservem de garantia à sua comodidade. Não pode haver nenhum idealis-mo reformador nascido dessa ambigüidade que, não raro, se instalou emnosso ensino superior. Só os que possuem a idéia são capazes de alargá-la em idealismo, e por isso não pode haver, na universidade, idealismo

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sem competência. A universidade, como qualquer outra instituição, éuma exigência dinamizada pela consciência dos fins a que a instituiçãose destina.

A grande batalha se concentra, sem dúvida, na criação de um novoprofessor. Daí a importância dos cursos de pós-graduação – de mestrado edoutorado – e não deve ter sido mera coincidência a junção dos dois te-mas neste seminário.3

Quanto à nova sensibilidade, impõe-se a renovação do sistema decrenças, no sentido que emprestam a essa palavra os sociólogos da cultura:de adesão vital aos valores. Nisso se constitui imprescindível, a nosso ver,a adequada incorporação dos jovens – professores e alunos – à práxis uni-versitária. Não se trata de incluir os alunos no contexto universitáriocom uma função puramente aquisitiva; o encontro deles com os professo-res e mestres é o encontro de duas correntes de águas diferentes que vãoformar o mesmo rio, cada um com um conteúdo próprio, em uns se expri-mindo sobretudo como uma potencialidade antecipadora e em outros,como uma potencialidade formadora. Os dois papéis cruzam-se, cabendoà universidade fixar métodos apropriados de reduzir a conteúdos válidosa contribuição dos jovens – professores e alunos – do mesmo modo quelhe cabe reduzir, fenomenologicamente, as diferenças ideológicas. A con-dição generacional é condição de visão, ao lado de outras como a doutri-nária e a ideológica. Na antigüidade romana, Cícero traduziu a palavragrega paidéia por humanitas, como lembra Marrou; 4 como parte essencialde uma nova humanitas, as novas gerações, sobretudo no mundo dividido,constituem parte substancial da cultura.

8. O diálogo universitário e seus fundamentos filosóficos

Nos países jovens, particularmente, a internalização dos novos valo-res supõe mecanismos psicológicos e culturais extremamente complexos– de modo a tornar pouco provável que as antigas gerações possam condu-zir sozinhas a mudança sem o concurso das gerações emergentes; não porcondescendência, mas por consciência.

A universidade precisa vencer a dupla defasagem com que, em toda par-te do mundo, ela está se defrontando: uma, temporal, que perturba as rela-ções entre as gerações, identificando uma delas com uma função doadora

3 O autor pronunciou neste "Seminário sobre o Ensino Universitário", promovido pelo Conselho Federal de Educação (3a 5 de nov. 1966), conferência sobre o tema "O governo da Universidade", publicado na Revista Documenta, n. 64, p. 74-98,dez. 1966 e reeditado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 47, n. 105, p. 68-90, jan./mar. 1967.4 Marrou, Henri. Histoire de l'Education dans l'Antiquité. Paris:Ed. du Seuil, [s. d], p. 144.

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exclusiva, outra, com uma função exclusivamente receptora; e uma outra,social, entre a experiência de dentro e de fora da universidade. A idéia tradi-cional de docência – e discência – , como a que foi acima traduzida, baseava-se num legado nitidamente recortado e transmitido no interior de um temporelativamente homogêneo, de uma geração a outra.

Finalmente, a solução da revolta, que é perigosa e infecunda. O corteque separa o mundo atual em dois é tão profundo que a geração que ele estáoriginando, poderá construir apenas a negação, isto é, exercer a sua vitali-dade dionisiacamente sobre o gratuito, não da poesia, mas da revolta. Valo-res biológicos, energia e instintos criadores erguem-se sobre a sua própriaforça, e não sobre a realidade que eles contestam. Elaboram, a partir daí,uma espécie de surrealismo, sob o impulso de uma fantasia sem seu com-promisso senão com a vida, em luta com uma espécie de néant sartreano.Essa forma de fantasia primitiva, biológica, que descompromete uma parce-la das novas gerações da tradição da cultura, dificilmente poderá projetar ohumano sobre essa desesperada disponibilidade.

Do outro lado, o corte exporia a geração dos valores estabelecidos aologro das falsas vigências. A ilusão dos valores que sucumbiram com osseus suportes culturais e históricos.Os esquemas ideológicos são facil-mente desligáveis dos fatos e susceptíveis de ganhar autonomia – passan-do a viver de seu dinamismo próprio, diferente do deles e durando, àsvezes, quando eles já desapareceram. À medida que se formalizam, asinstituições tornam-se mais ideológicas que representativas da realidade,mais sujeitas ao a priori que ao devenir. O aparelho instituído à base dedeterminada idéia da sociedade termina por fechar-se na idéia e desligar-se de sua fonte. Às vezes, verifica-se a tendência nas cúpulas para subor-dinar a instituição aos esquemas formais, mais aptos e aprisionar o fluxoinstitucional na visão imóvel que elas formulam e que, no fundo, consti-tui a tendência de abrigar o poder sob a égide do permanente. Produz-se,dessa forma, a tensão dialética entre a realidade e a institucionalidade, ofato e a lei, o Estado e a comunidade social, a abstração e a coisa. É certoque as idéias que ressumam de uma experiência histórica, por força dessaemanação, possam, a longo curso, substituir os padrões reais, instalando-se o divórcio entre estes e as instituições. Como também é certo que oaparelho do poder é dotado pela sociedade de imensos poderes, destina-dos a preservar os valores que dela, em certo momento, emanavam. Daí acontingência irônica de a sociedade secretar os instrumentos de suaalienação. Assim é que se inicia o drama do poder e de sua irracionalidade.Surge como um ser, meio real, meio razão, cada vez mais resvalando para oúltimo desses pólos que configuram a sua trama dialética. Primeiramente,pelo próprio jogo mediante o qual o fluido do real se converte, incessante-mente, no cristalizado da instituição, isto é, toda vez que o processo sedetém na forma, e o real se hipostasia com a sua máscara. Num segundo

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momento, a forma prevalece sobre a natureza e, a partir daí, vai sempre nadireção da rigidez e da substituição. Tal processo, inerente ao mecanismodas instituições, vai-se tornando, desde o seu momento orgânico,crescentemente artificial.

Para evitar o aprisionamento de uns no estabelecido, tanto quanto adisponibilidade que sucumbe no nada ou – em outra parte da juventudeatual – o engajamento que parte do nada, como se tudo tivesse de sernovamente criado, só um novo estilo de diálogo no contexto da vida e doensino universitário.

Esse caminho de coragem, de paciente mas brava originalidade, im-pedirá a luta entre alunos e professores, entre os estudantes e dirigentes,entre os professores antigos e os jovens professores, como se fossem duasclasses inimigas.

Essa não é a solução, e a outra ainda está sendo elaborada e dependedas lealdades que o verdadeiro discernimento e a verdadeira generosidadesão capazes de suscitar nos líderes autênticos nas horas de crise. Esse é omomento de grandeza a que são chamados os que estão à frente da univer-sidade, tanto quanto os professores, os estudantes e os órgãos do governo.Por esse desafio de grandeza é que Clark Kerr mediu a vocação dos reitoresde algumas universidades latino-americanas como uma vocação de"gigantes". Não só dos reitores,como de todos os líderes universitários.

9. As responsabilidades do governo universitário

a) A nova paidéia

O governo da universidade define-se como um quadro de responsabi-lidades em relação à sociedade, em relação ao Estado e em relação à cultura.De resto, as próprias relações entre a sociedade e a cultura, de que a uni-versidade deve ser uma expressão orgânica, assumiram, em nossos dias,a forma de uma curiosa correspondência que poderá ser o anúncio de umanova era da educação, semelhante à pólis grega. Uma das mais profundasdesarmonias da civilização moderna vem sendo a oposição entre os "direi-tos do espírito e as exigências sociais" segundo a fórmula adotada nosRecontres Internationales de Génèvede 1950. Trata-se de uma antinomiasó aparente, do ponto de vista fenomenológico, embora historicamente setenha manifestado. O espírito deve estar sempre ao nível das realizaçõesdo homem e da cidade que ele constrói; a cultura, em sua plenitude, écoextensiva à ação humana. O que pode ocorrer, mesmo nas civilizaçõesintegradas, é a exclusão de uma parte da ação humana de sua práxisessencial, como aconteceu com os próprios gregos, hostis ao trabalhomanual e à ação que envolvia a matéria. É que eles consideraram essas

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atividades excluídas do universo humano, tanto que as transferiam parauma camada considerada infra-humana. Mas o seu universo humano,cultural, era perfeitamente integrado, sendo coextensivos o espírito esua tarefa na pólis. E isso fazia o acordo entre a cultura e o mundo.

Ao cabo de sucessivas etapas de conflito, começamos, em nossosdias, uma integração mais alta e mais rica pela incorporação de todos osvalores oriundos da industrialização. A nova pólis será a síntese queincorpora à paidéia grega a antítese industrial e tecnológica. A socieda-de atual começa a compreender que quanto mais geral a educação, maistécnica ela há de resultar; quanto mais humanística, mais eficiente; quantomais pessoal, mais social. É claro que esse fenômeno não é sóintelectual,como também social, e que as antíteses não são apenas asidéias, como as camadas sociais que elas encarnam, em diferentes grausde integração ou, ao contrário, de estratificação segundo a correta análi-se de Dewey.5 A unificação da cultura supõe a integração do própriocorpo social.

Então, nós veremos esse maravilhoso fenômeno da cultura moderna,a reversibilidade sobre o fosso cartesiano, entre o intelectual e o técnico,entre o espiritual e o físico. Por isso mesmo, as Diretrizes para o PlanoDecenal de Desenvolvimento, elaboradas por este Conselho, reconhecemque, "graças ao caráter integrado do desenvolvimento, a expansão dos as-pectos culturais e sociais, propiciado pelas condições econômicas, consti-tuirá, depois, uma fonte estimuladora dessas mesmas condições, median-te um jogo recíproco e permanente de influências. No setor pedagógico,reflete-se tal postulado na necessidade de aproximar, crescentemente, aeducação geral e a educação técnica, seja no sentido de favorecer a ade-quada participação de todos na comunidade social e política, assim comonos bens da cultura, seja no atender às atuais exigências da formação pro-fissional, cada vez mais distanciadas de um estreito especialismo. A polí-tica governamental será, assim, animada de dois propósitos complemen-tares: o de educar para formar o produtor, e o de converter a produção eminstrumento de promoção humana".

Esse fato capital não pode ser ignorado pelas universidades brasileiras:

1º) para que suas prioridades sejam devidamente definidas sem a ilu-são do praticalismo;

2º) para que seja reformulado o conceito de cultura geral;3º) para que fiquem esclarecidas as obrigações da universidade em

relação ao meio, e superadas as suas alienações.

5 Dewey, John. Democracia e educação. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959 (especialmente, p. 9).

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b) Os problemas do meio

As relações entre a universidade e o meio são objeto de decisões quetanto afetam a sua autonomia quanto a ação do Estado. A participaçãodeste nos programas universitários, tende, em nosso país, a consubstanciar-se cada vez mais num plano integrado. Em virtude de terem sido apresen-tadas por este Conselho, há pouco tempo, diretrizes e sugestões sobre oproblema, limitamo-nos a destacar dentre elas as que nos parecem maisvinculadas ao governo das universidades:

I) a conexão entre o currículo universitário e os problemas nacionaise regionais;

II) a consolidação das universidades como órgãos de uma políticaregional de ensino superior, mediante, inclusive, um sistema debolsas e de residências para estudantes que alcance todo o âmbitode sua influência, atalhando assim a proliferação de escolas isola-das. Preconiza o documento que "a universidade de cada Estado,junto com o Conselho Estadual de Educação, poderá colaborarcom o Conselho Federal de Educação na fixação de um sistemaestadual de ensino superior, sem que perca de vista a continuida-de geoeconômica de muitos problemas, além dos limites estadu-ais. Assistida pela Diretoria de Ensino Superior e em consonânciacom o Conselho Federal de Educação, a universidade oferecerásubsídios relativos à política de expansão do ensino superior, deacordo com as condições do meio e do respectivo mercado de tra-balho";

III) a produção de quadros técnicos segundo uma nova política deexpansão das matrículas, cujas diretrizes são igualmente fixadasno referido documento. Parece-nos que uma das medidas maisúteis, no caso, seria a criação, em cada universidade, de um servi-ço de informação ocupacional (ao lado da orientação vocacional eprofissional), articulado com um congênere federal, instalado noMinistério da Educação;

IV) o incentivo à pesquisa.

c) A política das universidades e a política do governo

Parece claro que, num país que procura modernizar-se, a açãoestimuladora e disciplinadora do Estado 1) tende, progressivamente, a sefixar na educação como setor privilegiado; 2) utilize-se de seus recursosfinanceiros para contemplar, prioritariamente, objetivos particularmenteligados ao desenvolvimento nacional.

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A forma como o Governo distribui as suas verbas pelas universidadesvaria de país a país, seja contemplando as universidades em geral, sejaselecionando algumas delas, mas quase sempre – nos países mais avança-dos – à base de programas bastante nítidos e vinculados ao interessenacional. É o caso, por exemplo, da Inglaterra e dos Estados Unidos.

Para efeito de confronto, tomemos o caso americano, ilustrado porKerr, no seu já citado livro, por algumas interessantes indicações.

Em 1960, o ensino superior, naquele país, recebeu do governo federal1,5 bilhão de dólares, o cêntuplo do que fora alcançado vinte anos antes.Desse total, cerca de 1/3 se destinava a centros de pesquisa, filiados às uni-versidades; outro terço, a pesquisas apenas projetadas dentro das universi-dades; e o terço restante, a outros objetivos, tais como empréstimos pararesidências, bolsas de estudo e programas de ensino. O bilhão para pesqui-sa, embora representando apenas 10% da verba federal total para pesquisae desenvolvimento, atinge 70% de todas as despesas de pesquisa de todasas universidades e 15% do total dos orçamentos universitários.

Comenta Kerr, conclusivamente, que "a feição e a natureza da pesqui-sa universitária são profundamente afetadas pelos recursos federais". Maisadiante, acentua ele a clara discriminação dos critérios a que obedece aajuda federal: os objetivos são rigorosamente selecionados, articulados entresi, e referidos ao interesse nacional. Acresce, ainda, a fixação de priorida-des – ciências físicas e biomédicas, e engenharia, de longe na primeiraplana, e muito abaixo as ciências sociais e as humanidades, registrando-se, todavia, a partir de 1963, a tendência para se ampliarem os recursos nacategoria das ciências sociais.

Entre as funções da universidade, são contempladas, privilegiadamente,as de pesquisa, pós-graduação e treinamento avançado. Dados de 1963 reve-lam, ainda, que, dentre todas as universidades americanas, apenas 20 – ouseja, 1/10 do total – foram substancialmente aquinhoadas com a verba federal.Constituem elas o que Kerr denomina "concessões federais primárias para aUniversidade". Ultimamente, o próprio Kerr assinala, contudo, a recentetendência de expansão do auxílio a um número maior de universidades.

Não é o caso, aqui, de discutir o mérito do sistema quanto às priorida-des e quanto aos mecanismos, mas de acentuar a existência de um siste-ma. Contudo, convém precaver-nos igualmente da influência do modeloamericano aplicado a um contexto nacional extremamente diverso.

De saída, vale assinalar a enorme distancia entre os processos do cres-cimento e os do desenvolvimento. Reclamando, os últimos, alterações pro-fundas nas estruturas sociais e econômicas, a pesquisa social e as ciênciassociais se projetam neles com muito mais intensidade, como pontas delança de um desequilíbrio provocado, como diria Austruy ou o Pe. Lebret,o qual terá de desencadear novos dinamismos, consideravelmente apoia-das as perspectivas de seus cientistas sociais.

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Diferente, também, a nosso ver, as nossas necessidades em relação àpós-graduação, que, na América, já se constitui ponto de apoio para mui-tas categorias de atividades profissionais corriqueiras e, entre nós, se des-tinariam à formação de um estado-maior, ou seja, de uma linha de lideran-ça universitária no campo das ciências e das profissões.

Uma terceira diferença poderia, talvez, ser registrada quanto às huma-nidades, no amplo sentido que lhe emprestam os americanos, em razão:

1) das diferenças entre a estrutura global do ensino americano e a donosso, acarretando diferentes formas de distribuição dos encargosnesse campo;

2) de padrões culturais diferentes, não se devendo reduzir, no Brasil,o que os próprios americanos tendem a ampliar; o que nos cabe, nocaso, é assegurar padrões autênticos em lugar de certas vaguidadesa que apelidamos de humanidades na cultura geral.

O confronto, aqui sumariamente traçado, indica, de um lado, o quedo exemplo americano se deve reter – o funcionamento de um sistema,com defeitos, mas articulado e eficiente – e, de outro, o que não se deveassimilar – política global, insusceptível de conciliar-se com as nossaspeculiaridades. Tomaríamos, aliás, a liberdade de submeter à reflexão daCapes os três itens acima discriminados, tendo em vista a formulação deuma política de aperfeiçoamento de pessoal fundada nas condições donosso desenvolvimento, de nossa cultura e de nosso sistema educacional– marcado, tudo, por condições de irredutível originalidade.

Quanto à metodologia a que exemplos como o inglês e o americano po-deriam subsidiar a nossa própria e imprescindível orientação, destacaríamos:

a) a seleção de objetivos e os seus critérios;b) a compatibilidade entre eles;c) a discriminação das universidades, em relação a tais objetivos, não

para excluir nenhuma delas, mas para situá-las adequadamente.

Cremos que persistem alguns problemas entre nós, em relação ao fun-cionamento das universidades federais e ao subvencionamento das parti-culares. Há uma névoa pairando sobre coisas fundamentais: a verdadeirasignificação da autonomia financeira das universidades; o mecanismo doorçamento-programa, como instrumento de política e não apenas de con-tabilidade; a posição das universidades em relação ao plano nacional; adistribuição do Fundo de Ensino Superior e os critérios que os regulam; asatribuições, nesse terreno, do Conselho Federal de Educação; os inade-quados critérios com que são atribuídas subvenções às escolas.

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A partir desses pressupostos é que sugerimos a fórmulaconsubstanciada nos itens que se seguem.

d) Sugestões para uma nova sistemática: as fundações e os "grants"

Temos-nos fixado, no Brasil, num equívoco difícil de desfazer, quan-to à autonomia financeira das universidades federais. Não vemos outrassaídas além dessas duas alternativas básicas, ilustradas pelas experiênci-as de outros países: ou a universidade enfeudada no Estado, como é o casoda "napoleônica" universidade francesa, cujo reitor é, até certo ponto, umfuncionário do governo, ou a universidade independente do governo, como qual se compromete através de acordos estipulados entre ambas as par-tes. Dessa segunda hipótese, talvez seriam as universidades inglesas osexemplos mais típicos.

O que não parece claro é o sistema dentro do qual uma parte se julgaa única detentora das intenções, e a outra é, de fato, a exclusiva detentorade recursos: em nome da autonomia, as intenções consideram indiscutí-vel o seu direito sobre os recursos. Não parece que o Estado se resigne aopapel de pagador, excluído dos objetivos que financia; contudo, muitosparecem enredar-se numa confusão entre o poder autônomo e o poderdiscricionário.

A nosso ver, a única forma de dirimir o conflito permanente, aindaque as mais das vezes apenas virtual, será definir um estatuto de respon-sabilidades recíprocas, ao invés da simples alegação de direitos, um con-tra o outro.

Acredito na possibilidade de um esquema que venha a objetivarlimpidamente essa solução, o qual se desdobraria em três partes:

1) a conversão das universidades em fundações;2) a instituição de um sistema de grants;3) a criação de uma comissão de grants, inspirada no exemplo inglês

mas adaptada às nossas condições.

A partir daí, estaríamos lidando com coisas homogêneas; o impasseatual, com efeito, resulta da falta de um sistema congruente, capaz dearticular dois mecanismos distintos e, de certa forma, independentes: opoder do Estado de atribuir recursos e o poder da universidade de teriniciativas próprias, no âmbito de suas finalidades específicas. A autono-mia financeira da universidade só se torna inquestionável quando os re-cursos são próprios, ou adequadamente apropriados. O que aqui defendo,é, exatamente, um sistema adequado de apropriação. São distintas as ins-tâncias – a financeira e a executora. Só o acordo de vontades pode gerar a

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apropriação. E a autonomia universitária se preserva na medida em queas decisões da universidade são tomadas por assentimentos, e permane-cem, sempre, vinculadas à sua responsabilidade intelectual. Da parte doEstado, as suas prerrogativas se justificam na medida em que as suasdecisões expressam o consenso nacional e as exigências do desenvolvi-mento. Trata-se, sem dúvida, de um equilíbrio difícil; mas teoricamentecorreto e praticamente viável. E, de qualquer modo, o funcionamento detal sistema seria melhor que o da tradição brasileira, na qual as inten-ções da universidade são ignoradas pelo Estado, que pode contrariá-lasou mutilá-las, graças à forma puramente empírica e arbitrária como seprocessa a distribuição dos recursos tanto na fase de elaboração quantona da execução orçamentária.

A autonomia, dentro desse contexto, torna-se clara, coerente e eficaz.O sistema de grants – segunda parte do esquema – significa, basi-

camente, a vinculação dos recursos a projetos claramente definidos,sobre os quais concordam a universidade e o governo. Não seria ociosolembrar aqui a facilidade com que tal sistema resolveria velhos proble-mas de apreciação e de avaliação da eficiência das universidades. Asrecriminações contra o suntuosismo, a subutilização da capacidadeinstalada, a falta de planejamento em virtude da qual vários setores dauniversidade estariam desarticulados, e outros, fechados sobre si mes-mos, podendo permanecer longamente na estagnação, sem que lhesseja cobrado o rendimento de seu trabalho, todas essas observações,muitas vezes injustas, outras vezes exageradas, devem-se, em grandeparte, à ausência de um instrumento disciplinador, em relação à pró-pria universidade, e clarificador, em relação aos que a subvencionamou a criticam – o Estado e a opinião pública. O projeto obriga seusresponsáveis a uma rigorosa adequação dos meios aos objetivos, propi-ciando o rendimento máximo dos recursos – em termos de eficiência,de economia e de tempo.

É de justiça reconhecer a ação admiravelmente enérgica e lúdica dosreitores brasileiros, que se dedicam ao grande empreendimento de ofere-cer ao país uma universidade moderna, que terá de surgir de visões novase de gestos criadores.

Finalmente, a comissão de grants. Um grupo rigorosamente selecio-nado constituir-se-ia como o órgão destinado a estabelecer as prioridadesda política nacional de ensino superior, à luz de suas conexões com outrossetores do plano global de desenvolvimento, e destinado, igualmente, apromover os convênios com as universidades, a fim de lhes serem conce-didos os recursos financeiros da União. Pelo caráter global e integrado doplanejamento e das prioridades que ele abrange, essa comissão deve as-sentar sobre uma infra-estrutura técnica consistente, na qual venham ainserir-se, com destaque, os cientistas sociais.

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e) A perspectiva nacional e o método da negociação

Assinala George Balandier,6 nos países menos desenvolvidos, a "fra-queza da organização em escala nacional ou territorial", em virtude da qualeles permanecem "divididos pelo jogo dos particularismos". Parece-nos pro-blema fundamental o do método capaz de ajustar as universidades numapolítica nacional de desenvolvimento, e em entrosar a sua ação múltiplacom um plano integrado. Somos de parecer que a solução seria um métodode negociação, segundo o modelo apresentado nas já citadas "Diretrizes" doPlano Nacional de Educação, formuladas por este Conselho.

10. Relações com o Ministério da Educação: a cooperação técnica

Os equívocos do legalismo

A política universitária assenta-se num conjunto de princípios quesão mais importantes que as estruturas: a valorização do mérito, o sistemade autonomia em cadeia, em lugar da polarização do poder na cúpula, aplasticidade da ação e do governo que transcende os regulamentos e seconstitui dinamicamente, ao fluxo das circunstâncias, dos fatos, das pes-soas e das peculiaridades. A unidade estrutural não se baseia na rigidezdos moldes, e sim, na intencionalidade convergente das partes, sob umaliderança esclarecida e flexível.

O legalismo tradicional era uma atitude coerente, pois seria difícil àautoridade centralizadora decidir sobre tudo, à base do conhecimento dire-to e adequado dos detalhes. Para escapar a tal dificuldade, o sistemacentralizador utiliza o único processo ao seu alcance: despoja os problemasde seu conteúdo factual e passa a governar por leis e regulamentos. A admi-nistração é uma presença que se alonga até a intimidade dos fatos em mu-dança, e por isso capaz de dar-se conta de suas diferenciações e de suamobilidade. Por comodidade, ou por não haver alternativa, a autoridadecentralizadora permanece parada, retendo, igualmente, o fluxo das açõesque deseja controlar. Ou, cuidando de cada coisa a seu tempo, mantémparadas as demais. Ora, o recurso da lei uniformiza os problemas e situa-ções, enfeixadas em categorias de reduzido número e conseqüentemente,de fácil manejo; e os situa em nível ideal, que exime os dirigentes do esforçoreal. O padrão é fixado a proiri, e não elaborado no desenvolvimento dassituações. Assim é que as autoridades vêem os problemas simplificarem-se:

6 Traité de Sociologia, sob a direção de Georges Gurvitch, T. II, Paris: Presses Universitaires de France, 1960, p. 335.

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regulam tudo ad aeternum e, depois, repousam. A imobilidade segue-sefatalmente à centralização. A autoridade centralizadora chama ao seu ní-vel de decisão todos os assuntos que teriam de ser examinados e decidi-dos por órgãos mais próximos de sua factualidade. Fica, evidentemente,assoberbada e se atém à verificação das formalidades ou à decisão simplistaque destrói o conteúdo os problemas.

A unificação é, portanto, artificial e, mesmo assim, não chega a con-cretizar-se em razão da força perturbadora do arbítrio desinformado.

O que, a nosso ver, cabe à autoridade é a distribuição racional dascompetências e o dinamismo real que substitui o governo das leis pelainfluência das pessoas e dos fatos. O contrário disso significa preparar leise regimentos e tudo esperar de sua sabedoria normativa.

Os equívocos do centralismo

Presumem alguns, equivocamente, o esvaziamento do Ministério daEducação e Cultura, desde o momento em que se deslocaram do centropara a periferia as responsabilidades da política educacional. Se é verdadeque fugiram dos órgãos centrais para os estados, atribuições primárias deação, também deve partir daqueles para estes um constante fluxo de coo-peração técnica e financeira e, no caso desta última, sob a caução de dire-trizes que ao governo federal cabe diligenciar, para que sejam aceitas pe-los estados. O poder federal vai-se despojando, em boa hora, de conside-rável soma de encargos administrativos, mas não do dever de participar,em novo estilo, e solidariamente, da política educacional descentraliza-da. Persiste, pois, com outra perspectiva, a função irradiadora do Minis-tério da Educação e Cultura: menos normativa que supletiva, não maiscomo órgão da lei, prolongadora de sua eficácia impositiva e coatora,mas como órgão de cooperação. Não se exerce mais o poder de política, esim a ação política. Substitui-se o jurisdicismo burocrático pelo espíritode empreendimento. Foi, destarte, removido o autoritarismo abstrato, einstituído o diálogo em torno dos problemas reais; substituída a discipli-na mecânica pela integração ordenada. Tivemos, afinal, o triunfo do rea-lismo, antepondo-se a realidade à norma, o movimento à fixidez, os con-teúdos situacionais às generalidades da lei, o dinamismo pessoal àimpessoalidade cartorial. Acabou o tout a fait;a ação do administrador edo técnico se afirma, aqui e agora, em cada emergência do permanentemovimento da realidade social e educacional.

Mas o equívoco do centralismo abrange outros aspectos. Constituitradição brasileira a dissonância entre o aparelho institucional da admi-nistração e as condições reais do País. A centralização é o estilo menosadequado para uma nação tão vasta e tão diferenciada. A centralização

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inspira-se em dois pressupostos reais, embora dissimulados noutras ra-zões: o primeiro, o da intelligentsia burocrática no papel de regente nacio-nal; o segundo, o do mecanicismo, que substitui a práxis pela lei, e a estaconverte em motor de suas soluções automáticas. Isto significa a negaçãoda variedade por soluções arquetípicas; a negação do movimento por so-luções intemporais; a negação da criação autóctone pela solução da inteli-gência oficial.

Ao primeiro desses equívocos refere-se o problema da cooperaçãotécnica. Introduziu-se, na mente da maioria dos brasileiros, a existência,nos ministérios e nos órgãos federais, de uma oligarquia de iluminados,símile, no Estado tecnocrático, dos déspotas esclarecidos, em antigos es-tados autocráticos. Tem-se como assente uma inteligência infusa dos pro-blemas, engastada na burocracia. Tudo por falta de verificação empírica:constataríamos, facilmente, como se opõem a esse papel regencial,diretorial, do Estado, as precárias condições de recrutamento dos especi-alistas mais categorizados e, no caso da educação, como praticamente ain-da não se sabe com exatidão, no Brasil, o que vêm a ser os especialistas emeducação. Uma nota persistente do provincianismo – de que apenas co-meçamos a escapar – confere aos grandes centros e aos órgãos oficiais quecentralizavam, antigamente, a vida destes – confere-lhes, por uma pre-sunção mágica, a condição imanente de excelência.

Não estão só no Rio ou em São Paulo os valores intelectuais do Brasil.E, certamente, a presença deles, na burocracia, é extremamente modesta. Eo elenco existente forma-se, em grande parte, pelo êxodo constante das in-teligências inconformadas com as limitações de seu meio nativo. Quanto aomeio cultural e técnico, tomado globalmente, não resta dúvida sobre a su-perioridade dos grandes centros. No caso da educação, tal superioridade ébem menos expressiva, por uma razão sociológica: nos grandes centros,adquirem maior riqueza e consistência os valores difusos na comunidadenacional. Acontece que os valores da educação não chegaram a se tornarpresentes à consciência pública da Nação. Por isso, a debilidade dos qua-dros educacionais é comum no País, mesmo nos centros mais avançados.

Por outras palavras, se compararmos setores como a engenharia, amedicina, com o da educação, a superioridade dos centros avançados so-bre os estados menos desenvolvidos é nitidamente mais acentuada nosprimeiros que nos últimos.

As soluções realistas

Essas considerações, que desejamos circunscrever ao ensino superi-or, levar-nos-iam a uma colocação radicalmente diferente do problemadas relações entre o MEC e as universidades, ou entre o governo federal e

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os estados. Partiríamos de um postulado, que é o inverso do tradicional: ainexistência de quadros técnicos suficientes no Ministério da Educação, eaté a falta de uma configuração precisa das categorias de especialistas deque ele necessita, em correspondência com as novas áreas surgidas nosúltimos decênios no campo da educação. Seria necessário reconhecer,imediatamente, a defasagem entre um quadro de funcionários, imobiliza-do há muitos anos, e a emergência constante de novas especificações notrabalho educacional. E suprimir vagas e quase evanescentes figuras – dotipo dos inspetores de ensino e dos técnicos de educação – que estão con-denados a nada fazer, pois, remanescendo de uma ordem extinta, não en-contram o ponto de inserção na atualidade educacional brasileira, sobre-tudo a partir da Lei de Diretrizes e Bases. Por isso mesmo, tivemos a opor-tunidade de sugerir, através de parecer emitido neste Conselho, que sesubstituísse a figura da inspeção pela da cooperação técnica.

O segundo ponto seria a utilização de especialistas de quadros estra-nhos ao Ministério na cooperação técnica a ser oferecida às universida-des. Essa fórmula iniciada há algum tempo na Diretoria do Ensino Superi-or, foi lucidamente institucionalizada pelo Ministro Moniz de Aragão e,sob a liderança da ilustre Diretora do Ensino Superior, chega à fase finalde sua estruturação.

O terceiro ponto – corolário dos dois primeiros – inverteria, igual-mente, a concepção tradicional, pois a cooperação técnica do MEC às uni-versidades seria menos pela mobilização de seus quadros que pela dosquadros das próprias universidades. Não se trata apenas, nem sobretudo,de um movimento de cima para baixo, mas de um lado para outro. Opapel do MEC seria, no caso, o de estimular o movimento de cooperaçãointeruniversitária. A sua posição de centro de um sistema, dotado, ade-mais, de recursos financeiros com que ele se alimentará, permite ao MECexercer essa tarefa estimuladora e coordenadora. A soma de prestígio quereúne, como parte do governo, acrescente a essas vantagens a de poderfacilitar os acordos de cooperação financeira e técnica com instituiçõesestrangeiras – universitárias ou não.

O problema da reforma universitária é, por todas essas razões, muitomais um problema de administração, no amplo sentido, que de lei. É umaquestão de lúcida eficiência a capacidade de despertar energias que a leiignora, de descobrir pessoas e processos mais eficazes de utilizar a com-petência fora dos quadros burocráticos. Tudo o que há de diferenciado, deindividual e irredutível em cada uma dessas fontes escapa da lei como aágua da peneira. A universidade brasileira, como a de qualquer parte, pre-cisa do contato com personalidades criadoras, do estímulo de processoscriadores, em suma, de autonomia criadora.

Sugerimos as seguintes medidas práticas, que traduzem as intençõesacima formuladas:

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a) Que se estudem, urgentemente, os critérios pelos quais deveriamser instituídas novas categorias de especialistas em assuntos deeducação, para serviço do MEC e para colaboração técnica com asuniversidades e escolas. Para exemplificar, mencionaremos a eco-nomia da educação, a sociologia da educação, os problemas de or-ganização e funcionamento das universidades, a didática universi-tária, a estrutura curricular, etc., como campos a serem definidosem termos de especialização profissional. Os níveis de salários des-ses especialistas teriam de ser adequados, sob o risco da diluiçãocrescente da carreira, como já tem acontecido em outros casos.

b) Que se organize, através da Diretoria do Ensino Superior, junta-mente com a Capes, o cadastro dos educadores, professores, pes-quisadores de todas as universidades, com vistas à sua eventualutilização no sistema de cooperação interuniversitária, concreti-zando-se, esta, de diversas maneiras: intercâmbio de professores,seminários conjuntos para tratar de problemas de interesse comum,etc.

c) Que as comissões de especialistas, criadas na Diretoria do EnsinoSuperior, sejam vinculadas a programas sistemáticos e permanen-tes de cooperação com as universidades.

Queremos ressaltar, aqui, que a ação da comissão proposta para afixação de prioridades na distribuição dos recursos federais se exerceria,também, sob a inspiração desses propósitos de colaboração técnica, e vin-culada a toda a sistemática preconizada neste documento.

Seria desnecessário acentuar, ainda, que o dinamismo atribuído aoMEC não visaria enfraquecer o da própria Universidade, ao contrário, poiso que é urgente é a conquista pelas universidades do pleno direito dedirigir a sua ação criadora.

11. Conclusões

Tendo em vista os dados e análises apresentadas neste trabalho e aaplicação prática das sugestões nele contidas, cabe-nos formular as se-guintes conclusões:

1. A autonomia é uma prerrogativa da universidade, decorrente dassuas características próprias, pelas quais tal privilégio é atribuído àinstituição como um todo. A partir daí, impõe-se que o governo dauniversidade traduza uma concepção ministerial do poder, que éantítese da vontade de poder. Dessa forma, deverá subordinar-se adois princípios: o da vontade comum, elaborada e executada através

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de métodos adequados, e o da gestão acadêmica, pela qual as instân-cias de poder, nos assuntos científicos, serão providas por delegaçãodo corpo acadêmico e segundo os interesses do ensino e da pesquisa.

2. A vontade comum funda-se, igualmente, em dois postulados: o daunidade estrutural e orgânica da Universidade, assegurada pelaprevalência da política e administração globais sobre quaisquerparticularismos porventura decorrentes da ação isolada de faculda-des, escolas, institutos, departamentos ou outras unidades de ensi-no e pesquisa; e o da autonomia relativa da cada uma dessas parce-las da universidade, no sentido de poderem adotar critérios própriosde organização, sobretudo didática, e de participarem, eficazmente,na elaboração do orçamento universitário, a fim de que seja este aprojeção fiel das suas atividades. Cabe às escolas, portanto, aplicarum modelo simétrico ao que é preconizado para a universidade, in-corporando, nas suas decisões, todas as categorias de professorescom responsabilidade efetiva no ensino e na pesquisa, e os alunossegundo os critérios fixados nos estatutos e regimentos.

3. O plano constitui o meio adequado de comprometer as autoridadessuperiores da universidade com a vontade emergente de todas assuas áreas; daí a conveniência de ser criado um órgão específico deplanejamento nas universidades.

4. Deverão ser revalorizadas as funções do reitor e do conselho uni-versitário como órgãos investidos na suprema responsabilidade deestabelecer a política geral da universidade. Para isso, impõe-se asua identificação com uma função de liderança, redefinidos os seuspapéis mediante a reestruturação do cargo de reitor – e, por exten-são, o de diretor de faculdade e outros equivalentes – assim comodo mandato de Conselheiro Universitário, e a transferência paraoutros órgãos de parte dos seus encargos, seja de rotina burocráti-ca, seja de análise e avaliação de problemas técnicos.

5. Sugere-se a criação de órgãos administrativos de coordenação dosassuntos científicos e didáticos, com autoridade própria, emboraas suas decisões se subordinem às diretrizes e critérios gerais fixa-dos pelos órgãos responsáveis da política universitária. Essedesiderato se enquadra num dos dispositivos do recente projeto dereorganização das universidades federais.

6. A participação de todas as parcelas da comunidade universitária navontade comum – traduzida no governo da universidade – deduz-se

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do princípio de unidade que lhe é inerente, e deverá concretizar-sede acordo com as condições do pluralismo cultural da nova civiliza-ção e do nosso País.

7. Cabe à administração das universidades formular uma política queas situe no processo do desenvolvimento social e econômico doPaís. Constituem itens essenciais dessa política:

a) a criação de mecanismos que permitam a captação sistemáticadas necessidades sociais às quais possa responder uma efici-ente programação universitária;

b) a criação, no MEC e em cada universidade, de um serviço deinformação ocupacional;

c) um método adequado de participação de cada universidade noplano geral da nação.

8. Não havendo classificação das universidades e escolas segundo umcritério formal, processar-se-á, gradativamente, a sua diferencia-ção segundo um critério funcional, à base de programas de ativida-des por elas desenvolvidas na perspectiva integrada do plano.

9. Na sistemática do planejamento global do ensino superior, adotar-se-á, como princípio operacional básico a integração harmônica dasuniversidades e escolas, de acordo com o seguinte critério: a defi-nição de áreas de influência de cada universidade, do ponto devista geoeconômico e da especialidade técnico-científicas e profis-sional, tendo em vista a sua integração no contexto nacional dapolítica de desenvolvimento.

10. Cabe à administração universitária mais que à lei a responsabilida-de da reforma das universidades, através de:

a) órgãos e mecanismos de auto-revisão permanente, a fim de que areforma não fique na dependência de pressões desencadeadaspelo processo de crise;

b) novo sistema de trabalho, baseado particularmente no professorcompetente com tempo integral e na didática da autonomiaintelectual, cujas condições fundamentais se representam no sis-tema de tutoria ou equivalente e na mobilização de eficientesbibliotecas.

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11. Torna-se imperiosa a instituição de um novo sistema de relaçõesentre as universidades e o governo, destacando-se, nele, os seguin-tes itens:

a) quanto à autonomia administrativa, a transformação das univer-sidades em fundações;

b) quanto à distribuição de recursos federais: I) a criação de umacomissão destinada a fixar as prioridades; II) a formulação decritérios para discriminá-las; III) a implantação de novo sistemade subvenções às universidades e escolas particulares, segundoa sua participação nessas prioridades;

c) quanto à cooperação técnica, a redefinição do papel do MEC,abrangendo as seguintes providências fundamentais:

I) a criação de categorias de especialistas nos problemas quecondicionam a política do ensino superior ou – alguns deles –a de toda a educação, atribuindo-lhes níveis compensadoresde remuneração;

II) a extinção dos cargos de inspetor de ensino e de técnico deeducação;

III) a utilização das comissões de especialistas do DESu noassessoramento técnico às instituições de ensino superior;

IV) o recenseamento seletivo dos professores e pesquisadoresbrasileiros, como base de uma atuação a ser desenvolvidapelo MEC no sentido de estimular e coordenar os contatosmultilaterais entre as universidades.

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5A Universidade e sua utopia*

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

1. Não receiem os leitores, que não pretendo voltar aosassuntos sobre os quais já fizeram cabedal comum a ciênciados técnicos e a consciência de todo mundo. Esse sabergeneralizado é que talvez possa causar-nos temor, pois mui-tas vezes, no Brasil, em matéria de educação, procura-secombater erros verdadeiros com verdades aparentes. Sim-plesmente porque essas verdades aparentes passam de bocaem boca, de geração em geração, como uma linguagem que– inconscientemente – expressa e perpetua as estruturasfundamentais da sociedade. Sabemos todos – e o sabemossobretudo depois do surto das doutrinas estruturalistas –que permanecemos atados, em certa medida, às estruturasque nos cercam, através da linguagem que as interioriza emnosso pensamento, como carne que se faz verbo. Nem sem-pre os problemas são colocados da mesma forma, é verda-de, mas os problemas colocados são sempre os mesmos, eisto significa que o nosso discurso interior não muda, mas,

* Publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio de Janeiro, v. 50, n. 112, p. 223-231,out./dez. 1968.

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ao contrário, corre invariavelmente sobre o mesmo leito. Tomo aqui a pa-lavra linguagem, obviamente, no sentido filosófico e lingüístico, como oser do universo falado em nós (segundo a fórmula de Heidegger), a ima-gem da sociedade traduzida em nosso logos interior. As fórmulas variam,surgem novas palavras, novas fórmulas e leis, mas nenhum ser novoirrompe por entre elas: nenhum logos instaurador de uma realidade origi-nal. A irrupção dos jovens como co-criadores do mundo, em vez de sim-ples herdeiros de um universo modelado por outros, esse fato fundamen-tal da cultura moderna, para dar apenas um exemplo, reclama uma estru-tura inédita da universidade e, correspondentemente, uma linguagem nova.

2. A multiplicidade dos saberes, assim como a possibilidade de suaconciliação, constitui outro aspecto dramático da crise universitária. Auniversidade é, como hoje a chamam alguns, multiversidade, porque temmuitas vertentes – inclusive no sentido de muitos saberes e de diferentesgerações. A cada geração as coisas sabem desiguais, mas nas sociedadesunidas, com um mínimo de coerência que permita a sua identificação,ocorre o fenômeno que o filósofo espanhol Julian Marías chamou de oconsabido. Nas sociedades partidas, ao contrário, os "saberes" (na acepçãomais remota, que coincide com sabores) se diversificam ampla e, às vezes,disparatadamente. O saber literário e o tecnológico, o humanístico e oprofissional, o do passado e o do futuro. O pluralismo da multiversidadenão decorre só das diversidades simultâneas, quanto das diferentes pers-pectivas temporais. Sobre ele deve construir-se uma nova unidade, fechoda universalidade – vocação hoje, como nas suas origens medievais dainstituição universitária. Só que são diferentes as duas unidades, uma jáestruturada, e outra, existindo tensionalmente, isto é, emergindo constan-temente da contradição.

Todo processo cultural é um processo de conversão. Se entre as novase as velhas gerações, entre as diversas famílias culturais, os técnicos, oshumanistas, os cientistas, os sábios e os políticos, não se articula um pro-cesso de conversão, que resta da universidade como tal? Que resta para aapropriação, que é o método indispensável da comunicação cultural, as-segurando entre os desiguais, não a indesejável uniformidade, mas o mí-nimo de homogeneização para o entendimento, de tolerância para o con-vívio, e de unidade para a sobrevivência da civilização?

3. A crise da universidade é, ainda, a crise do número. Ela já não podefazer dentro de seus muros o que antes fazia, quando tinha de formar umreduzido grupo de pessoas privilegiadas, que se destinavam ao governo dasociedade. Hoje, a sociedade é conduzida, cada vez mais, pela práxis damaioria dos que a integram – práxis feita de apercepção e de engajamento,de inteligência e de fervor. O número de pessoas que precisam adquirir

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autonomia intelectual para exercerem tal protagonismo se amplia na medi-da em que a sociedade se democratiza, e o único instrumento de promoveressa autonomia é a educação. Daí, o número dos que obtêm, na sociedadedemocrática, o direito de ascender à universidade, ser muito superior à ca-pacidade desta em recebê-los, uma vez que a referida ascensão constituium fenômeno moderno, e as universidades, tais como existem, correspondema uma exigência do passado. O impasse, aparentemente insolúvel, requerimaginação criadora capaz de substituir os mecanismos clássicos da insti-tuição universitária por um novo aparelho institucional, servido por umanova metodologia de ação.

4. Entretanto, ao mesmo tempo que essas crises estão ameaçando sub-mergir a própria universidade, a maioria das nossas reformas universitári-as têm passado ao largo, sempre a girar em torno de conceitos como cáte-dra, departamento, institutos, classes docentes, ou ainda, em torno dageometria abstrata das estruturas. As formas do saber crítico e criador sãofreqüentemente substituídas por formas estáticas e normativas, que seesgotam no processo ordenatório superficial. Não é que essas categoriasnão sejam importantes, porém elas contam apenas subsidiariamente, comosimples instrumentos operativos a serviço de uma idéia da universidade.Se não se muda uma idéia, a crise não se resolve; mas se a crise for enfren-tada, verticalmente, a reforma se fará com base noutras perspectivas eservida por outros apetrechos.

A própria expressão "crise da universidade" parece afastar qualquerdúvida: trata-se da crise de uma instituição, ou seja, de uma idéia.

Crise é fratura numa substância. Não se trata de rearrumar os peda-ços de uma estrutura decomposta; nem de compor nova estrutura parasalvar velhas idéias. A crise é uma questão de objetivos, de funções e demétodos. As formas de organização cristalizam, no plano instrumental, asopções inscritas na ordem dos fins. Se estes não mudam, insisto, nadamuda substancialmente. Por isso mesmo, o único instrumento para tratarde uma crise é a Crítica, no sentido forte dos filósofos, como investigaçãofundamental da realidade, isto é, como saber radical e re-instaurador naordem objetiva.

Dentro da perspectiva regulamentar, administrativa e jurídica, osmais recentes projetos de reforma universitária constituem uma obrasignificativa. O trabalho da comissão que os elaborou foi tão longe quan-to lhe permitiam, muito menos o curto prazo, que os limitados objetivosque lhe foram atribuídos.

5. Felizmente, ao plano institucional se sobrepõe o plano profético;sobre as construções de hoje pairam as realidades entremostradas no ama-nhã por essa inteligência do futuro já consagrada com o nome de prospectiva.

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É preciso reconhecer que a universidade contemporânea tem vividode ideologias, e que ela precisa, urgentemente, construir sua utopia. Refi-ro-me à utopia no sentido etimológico que essa palavra inspirou a ThomasMorus, pois a universidade verdadeira não está hoje em lugar nenhum,mas a nossa imaginação exige que ela comece a existir em algum lugar. Adiferença entre a utopia de Morus e a de nossos dias, é que aquela era umalibertação da realidade pela fantasia, e esta representa uma construçãoideal, imposta por uma fantasia onerosa à precariedade do presente. Nãose trata mais de um mundo impossível, mas de uma possibilidade que setorna efetiva na medida em que estejamos dispostos a desentranhá-la dasagruras do mundo atual pela lucidez e pela coragem. Ela constitui, ape-nas, uma outra forma de realismo.

1. A utopia pedagógica

Em conferência pronunciada em setembro de 1967, num simpósiosobre o ensino superior realizado em Diamantina, MG, sob os auspíciosdo professor Paulino Guimarães,1 referimo-nos à utopia pedagógica nosseguintes termos:

A comunicação cultural e pedagógica que cabe à universidade promover entre pro-fessores e alunos não é, de nenhum modo, a que se fixou na opinião geral: a que seproduz entre o indutor e o induzido, o rico e o pobre, o ato e a potência, o informadoe o desinformado, o docente e o discente, o acabado e o inacabado. Se fosse assim,não teríamos fórmula mais adequada para liquidar com o fluxo da civilização, medi-ante a sobrevivência de moldes culturais até o ponto de seu apodrecimento.

Em vez de o aluno reduzir-se ao ser do professor, ele reduz o ensinamento desteao seu próprio ser; e mais, ele modifica o ser do professor, o conteúdo do logosmagisterial, pela incidência nele de seu logos próprio, feito de imaturidade – aber-tura, e não apenas de imaturidade – tabula rasa. O erro de nossa visão costumeiraé não concedermos ao jovem que ele tem o seu logos, e que 1º) só a partir deste sepode engrenar a sua comunicação verdadeira com o logos do mestre; 2º) o logosdo aluno é válido por si mesmo, não por simples complacência – demagógica oupaternalística – dos adultos, embora seja menos rico do que o deles, na medidaem que o deles esteja enriquecido pela memória cultural, aquela de que falavaGasset, formada das vigências acumuladas e enriquecidas ao longo do tempo.Pois quando, em lugar de fixar as vigências do passado, se mantém o passado semvigência, então é mais rica a criatividade das novas gerações inquietas, que o"preparo" convertido em simples caixa sedimentária do que já aconteceu.

Deve-se atribuir aos jovens o direito de colocar no diálogo, que é o fundamento dauniversidade, a novidade de sua indagação, a exigência de sua visão com novas

1 Trigueiro Mendes, Dumeval. As três dimensões da liberdade acadêmica, 1967, 19 p., mimeo.

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raízes, a originalidade de sua apercepção (no sentido herbartiano do termo) naqual os elementos projetados de dentro são mais poderosos que os elementosinternalizados de fora. Aqui se aplica bem a palavra de Rimbaud, quando, maisque changer la vie, reclamava a necessidade de recommencer la vie. (TrigueiroMendes, 1967)

Uma vez que o que aprende reduz o que está fora ao que está dentro,poder-se-ia parodiar Platão, que dizia (por outras razões e dentro de outrocontexto filosófico) que saber é recordar, sugerindo que aprender é um atocriador, interno, do ponto de vista psicológico, e – poderíamos nósacrescentar – instituidor, do ponto de vista cultural. Tem-se de encontraro modo de captar o logos: do aluno, pelo professor, e deste, por aquele.Não é isto a comunicação intelectual, docente? Não foi este o método deSócrates? Se o esqueceram as civilizações posteriores, foi que, durante osséculos, se foram acumulando em cima desse diálogo de liberdade e derespeito ao poder de criação e de originalidade de cada logos, as tendênci-as autoritárias, "docentes", despóticas. Em grande parte, pela tremendacomplicação política que o desenvolvimento da humanidade trouxe aoordenamento do diálogo entre as pessoas. Na cultura grega, as relaçõeshumanas, dentro do ecúmeno político (embora neste só uma parte da co-munidade fosse acolhida) eram amplamente criadoras e livres, e a políticaera tão límpida que através de suas estruturas se filtrava a conversatio daspessoas; tão flexível, que essas estruturas tinham apenas a móvel consis-tência da conversatio; tão orgânica, que a polis mesma era a expressãogeral e sincrônica também da conversatio. A paideia e a politheia faziamparte da mesma harmonia.

Nunca mais o espírito se encontrou consigo mesmo, depois de ter-selançado na aventura da cidade. A mais ousada tentativa foi a de Hegel,reunindo de novo o subjetivo e o objetivo, o ser para dentro e o ser parafora, a vocação do indivíduo e a vocação da polis, mas o afinal rígidomonolitismo de sua unidade não pôde repetir a flexível e transparenteharmonia da antiga aventura do mundo helênico.

2. Volta ao método socrático

A meu ver, a Pedagogia não se salva sem a volta, não direi a Sócrates,mas ao método que ele iniciou, de bravo e singelo respeito à verdade dohomem e do seu logos. A confiança na sua criação. A confiança em que, desua originalidade, o mundo se enriquece, desde o pequeno círculo da es-cola até o maior, da Nação, e o amplíssimo, da humanidade. Começa naescola: pois, de resto, se não se confia no ser criador do aluno, como sepoderia esperar da atitude do cidadão e do profissional uma contribuiçãoativa à vida social e à atividade pública? Não é por causa disso que a

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escola é preparação para a vida? E a originalidade da nova educação,com Dewey e Claparède, Montessori e Decroly, não consiste em reco-nhecer que a escola é preparação para a vida na medida em que elaprópria é a vida? Não parece contraditório que, não se permitindo aosalunos viverem a experiência de sua criatividade, se exija depois acriatividade do homem engajado, como cidadão, profissional etc.? Seráque se espera para depois, por encanto, o momento de irrupção da ori-ginalidade, da força criadora? Tal pressuposto novamente contradiz obom senso e a experiência, pois a originalidade existe... nas origens (válá a tautologia), e mais existe quanto mais próxima delas, e o normal éestar fenecida ou enfraquecida ao longo do tempo. Lembrou com razãoJaspers que a genialidade é inerente à criança, e podada, depois, pelasua implacável inclusão no molde adulto. A educação do conformismonão pode produzir indivíduos criadores; a educação da bravura mentalcom a disciplina da verdade, esta é que logicamente pode levar aosgestos criadores, tão necessários aos membros de uma sociedade de-mocrática e de um mundo em mudança. O que a universidade devefazer não é abafar a criação juvenil ou ignorá-la, mas canalizá-la; tem-perar-lhe o rústico vigor sem diminuí-lo. Evidentemente, a exacerba-ção da criatividade, das diferenças de cada um em relação aos outros,geraria aquela insuportável tensão que a sociedade repele para sobre-viver – procurando apoiar-se em coisas mais estáveis, mais gerais, comoobservou Bergson – o que talvez seja a razão da invencível mediocrida-de da sociedade como um todo, assim como da importância dos indiví-duos dentro dela enquanto fontes de recriação; e da necessidade de umsistema que harmonize os dois mundos – o indivíduo e a sociedade –por um processo, não só de mútua contenção, mas, sobretudo, de recí-proca fertilização.

Ora, o método pedagógico é o método da conversão; o que significariaexatamente esse aceitar, dando; esse receber, recolocando-se no que é dado;esse aprender, tirando de si, o que significa aprender, criando.

A tradução moderna desse método se chama pesquisa. Não me fixa-rei nas questões de detalhes que nos desviariam de nosso tema, e sim noproblema do método que permite descobrir a Verdade sob muitas verda-des; o Uno sob o múltiplo, a Unidade que caracteriza a instituição univer-sitária sob a pluralidade dos que a constituem.

Declarava Flexner que a universidade é um organismo caracterizadopela altitude e precisão do fim, unidade de espírito e de propósito. Nãoparece soar arcaica essa visão numa universidade moderna, desesperançadae talvez até desinteressada de repetir a façanha da unidade de suas ori-gens medievais? A multi-versidade não substitui a uni-versidade? Todosos saberes, todas as formas de adestramento, quase diria, todos os níveis –pois vai da pós-graduação à extensão do saber ao povo – todas as ideologias?

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Clark Kerr acredita francamente na derrogação dessa universidade de Flexner,com a conceituação que empreende da multi-versidade.2

De nossa parte, não vamos por inteiro para nenhum dos dois lados,antes acreditamos que se trata de uma posição vencível, e que de fato deveser superada.

A universidade moderna é, simultaneamente, una e pluralística. Oantigo presidente da Universidade de Chicago, Hutchins, igualmente cita-do por Kerr, perplexo diante do prestígio das faculties e pelo aparenteesfarelamento da multiversidade, definiu-a como uma série de escolas edepartamentos separados, mantidos juntos por um sistema de aquecimentocentral.

Acreditamos que há mais do que isso, do que um simples clima deconvívio; acreditamos que o governo da universidade deve ir mais longe:não se trata apenas de aproximar o que está disperso, estimular o calor doconvívio entre interesses separados. Trata-se de colocar frente a frente ossetores diversos e, além deles, os próprios antagonismos da cultura, paraencaminhá-los no rumo da unidade. A universidade não pode tomar par-tido por uma ideologia, e fechar as portas à controvérsia sobre as demais.Não pode tampouco instalar dentro de seus muros a guerra entre elas.Nem pode, finalmente, ignorá-las, como se a cultura universitária pudes-se ser verdadeira, desidratando-se pela falta de contato com a realidadecultural do mundo.

Não haveria uma quarta via? Acredito que sim, a via da conciliaçãosem compromissos, salvo com a objetividade que é o ideal da ciência. Edesde logo acreditamos que o novo humanismo é baseado na ciência (semfechar-se nela), exatamente porque a ciência, na civilização atual, de sim-ples parte da sabedoria, muitas vezes tomada como oposta à sabedoria, setornou o principal ponto de partida para organizar a totalidade, a harmo-nia, a unidade. Assim como na universidade medieval coube esse papel àfé, e até os começos do século 20, à razão no sentido do iluminismo.

Não repelir os contrastes ideológicos: desideologizá-los, para se tor-narem substância da cultura verdadeira, aquela dentro da qual possamtodos, de alguma forma, encontrar-se. Raspar às ideologias a crosta dosressentimentos, da má consciência – ou da inconsciência geradora de fa-natismos – das aderências históricas e culturais que permanecem comocoágulos na corrente viva da cultura. É a redução dos contrastes à diversi-dade, em vez da contradição. É a integração dos contrastes na torrentecultural, na qual se enfileiram todas as diversidades como se fossem ex-pressões funcionais e complementares de uma totalidade em devenir.

2 Kerr, Clark. The uses of the university. Cambridge: The Harvard University Press, 1964.

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O que é necessário é reduzir as ideologias, fenomenologicamente, éretirar o joio do trigo, o puro do impuro, como também o real do aparente; opermanente, do circunstancial; a verdade, das falácias que a escamoteiam.Nesse nível a universidade encontra a plenitude, como instituição da cultu-ra, da continuidade e da vitalidade da cultura, íntegra de passado e presentejuntos, pois a integridade da universidade é, estranhamente, não a do aca-bado, com todas as suas peças – mas a do acabado até agora, a plenitude dorio na superfície mais alta de suas águas. Uma plenitude inacabada, eis oseu paradoxo. Por isso, toda rigidez, todo imobilismo, todo ideologismo quepretenda ser a consagração de um momento do rio, como se fosse toda a sualonga viagem, tudo isso é mesquinho e falso. A universidade é tensão per-manente entre a conservação e a criação da cultura.

Depois dessa depuração, todas as verdades, embora diferentes, po-dem conviver com um mínimo de homogeneidade, ou seja, de objetivida-de reconhecida pelo espírito. Esse reconhecimento é a ciência quem faz.Não é sem razão que, no pensamento filosófico contemporâneo, surgiu oprestígio da fenomenologia em estreita ligação com o impulso da ciência.A fenomenologia reduz o dado ao seu conteúdo essencial; e a descobertadesse conteúdo corresponde ao momento da captação que o espírito fazde seu logos, ou seja, da plena possessão do logos pelo espírito.

A pesquisa significa a busca de um novo cogito, instaurador; somentena solidão artesanal que ela propicia isso é possível. Solidão da conver-são. Quem recebe uma verdade precisa ficar só com ela e revesti-la de seupróprio ser; ao voltar para a comunicação com o nosso parceiro, ela vemembebida do que elaborou a nossa intimidade solitária. E, por isso, a ver-dade, que se enriquece pela contribuição de todos, tem de alimentar-se nasolidão de cada um. Na sua apropriação. O vínculo pedagógico é apenasisso – uma conversatio entre dois logos; de um a outro, o tempo da germi-nação. Um propõe, o outro acolhe, e ao devolver o que lhe foi proposto, aresposta será a recusa, pela proposição de outro verbo, ou a adesão, naqual o verbo de quem recebeu se integra – enriquecendo-o – no verbo dequem deu. A conversatio é uma conversio. Jamais o verdadeiro métodopedagógico pode reduzir-se a esse simples jogo mecânico de ações e rea-ções que predomina em nossas universidades. Aulas apressadas, respos-tas apressadas, provas apressadas. Não há tempo para pensar; nem paraque o diálogo seja articulado entre professores e alunos. Como florescer ologos do discípulo, sem a solidão das horas de estudo e sem o estímulo daconversatio? E o do mestre também se enfraquece, pela simples razão deque a conversatio lhe é igualmente necessária, a ele – e sem os novoshorizontes que o contato com os alunos lhe oferece, o seu verbo perde osestímulos que poderiam lançá-lo não só para fora de si, como tambémpara além de seu tempo. A aula magistral, um verbo torrencialmente lan-çado da cátedra (que é muito mais um gesto mental que o cargo há pouco

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suprimido) – um verbo, repito, que não se articula, em nenhum momento,com o do aluno; esse método retórico, esse esforço unilateral denunciaduas coisas: 1º) que não se trata propriamente do verbo, mas da verbosi-dade, que está para aquele como a folha para o fruto; e 2º) que não háconfiança na criatividade do estudante. Pois este é parte essencial do diá-logo, sendo o seu logos próprio que instaura a sua própria cultura, dandoforma à sua experiência. Tudo que lhe for ensinado, ou não será apreendi-do, ou o será pelo modo de sua irredutível originalidade.

A sabedoria inglesa criou o método de tutoria nas universidades, exa-tamente porque os ingleses viveram o bastante – e com bastante sensoprático – para aprender o que é a educação. Lá, o aluno se faz, como naágora com Sócrates. E o acompanhamento do professor, longe de favore-cer as omissões ou a desídia, constitui tarefa muito mais árdua que o daraulas, porque é uma vigília permanente – e não o contato fragmentário emecânico – para engrenar a sua reflexão com a do aluno na hora exata.Esse zelo de presença, de estímulo, de exatidão, é a parte do professor nodiálogo da universidade. Não lhe cabe apenas marcar deveres e cobrar-lhes o cumprimento; esses não são os momentos de sua presença. O seumomento é o da colaboração. O professor não é um juiz, nem um inquisidor,é um parceiro da conversatio. Toda conversação tem de ser longa – inter-valo de silenciosos monólogos submersos – e se supõe que, nesse encon-tro, o professor tenha a consciência mais longa que a do discípulo, parainstruí-lo, e tão generosa, que possa incorporá-lo. Digo propositadamenteconsciência, de acordo com as idéias que venho apresentando, para tradu-zir uma visão aperceptiva de que a ciência é apenas uma das partes.

Isso significa que a cultura, no momento em que ela atinge a plenaconsciência de seus impasses, sem perder a consciência de suas responsa-bilidades, tem de se colocar nessa posição de lealdade profunda que é a dabusca da verdade. É o momento supremo da objetividade.

Ora, a cultura moderna está exatamente num desses momentos. Só alealdade, uma decente e corajosa busca de entendimentos sobre ressenti-mentos, da verdade sobre as verdades, do Homem acima dos homens, poruma consciência inclusiva, abrangedora, séria, poderá salvar a nossa cul-tura. E salva-la-á na medida em que a universidade, transformada até cer-to ponto na consciência crítica e profética da sociedade, estiver à alturadessa missão. Nem facilidades demagógicas, nem eriçamentos fanáticos.Estamos em plena hora da fraternidade intelectual: de novos e adultos,como já foi assinalado, como também de todas as perspectivas, de todasas buscas.

Essa fraternidade é amor, sem dúvida, na sua fonte. Mas o métodoque a articula, o aparelho redutor, a pesquisa fundamental que conduz aologos, se encontra na ciência. Jamais, na civilização, a ética e a ciênciaprecisaram tanto estar juntas. Depois dos grandes momentos de antítese –

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em que os impulsos morais e religiosos se impunham avassaladoramente,ou, de outro lado, só contava a ciência positiva, como assinala a históriada cultura, chegou o momento da síntese. A Verdade supõe uma intençãofraterna, mas reclama um empreendimento de pesquisa. A moral, por seulado, baseia-se no amor, mas é também uma consciência nova do homemem sua nova "aparição".

No umbral da universidade se encontram os seus guardiães. Selecio-nam, filtram, aprovam o que por esse umbral deve passar. Dentro do muro,o guardião se vê perplexo pela enorme e quase disparatada quantidade decoisas heterogêneas que lhe cabe reunir na unidade de seu comando. Queé que se deve deixar entrar? É uma pergunta. Como arrumar o desconexoque está lá dentro? É outra pergunta. É uma tentativa de resposta, o que secontém nestas reflexões.

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6Pesquisa e ensino

no mestrado de Educação*

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

* Proposta apresentada ao Instituto de Estudos Superiores Avançados em Educação, para o Cursode Mestrado promovido pela Fundação Getúlio Vargas. Publicada na Revista Brasileira de EstudosPedagógicos, v. 58, n. 128, p. 249-264, out./dez. 1972.

Introdução

O sistema educacional brasileiro precisa de um "estado-maior" altamente competente, na medida em que, nesse ter-reno, se pretende substituir uma administração burocráti-ca por uma administração técnica, e um ensino rotineiro ealienado por um ensino capaz de produzir uma visão cria-dora e crítica da educação. Por ambas as razões, há neces-sidade permanente da pesquisa educacional, que constituia substância da pós-graduação.

Ao contrário do que alguns ingenuamente supõem,quando declaram que há excesso de teoria no país e o quefalta é colocá-la em prática, o que existe, algumas vezes, éuma prática excessivamente rudimentar e inconsciente porfalta de conhecimentos rigorosos e atualizados. Ou então,as idéias atuais provêm do mimetismo cultural.

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As alternativas são, pois, ou rústicas, ou postiças. Nosso país temforça, criação e, até, rusticidade. As experiências possuem o tempo damaturidade, qualquer tempo da durée, longa ou curta. Entre outros, gosta-ria de fixar dois princípios:

1. Deve haver complementaridade e dinamismo entre criação e méto-do (logia), que se aperfeiçoam indefinidamente.

2. O método deve tender epistemologicamente para a universalidade.

Método e criação se conciliam como fontes. Um espaço geométrico nãotem universalidade eficaz. Isolada, a razão tecnocrática fenece as fontespsicológicas, filosóficas e sociais. O Sujeito e o Objeto têm um espaço antro-pológico com estruturas vitais. As ciências culturais, sobretudo, operam acriação e o método em interação. Nesse humanismo, acrescido de nossaspeculiaridades socioculturais, a inteligência, em certos setores, deixa de serfunção do real, para transformar-se num repositório de idéias desvitalizadas,ou de conhecimentos fragmentários e desconexos, os quais ocupam umaparte da vida como simples rito de iniciação a investiduras na vida real. E ocurioso é que a tendência permanece na educação, quando na realidade asinvestiduras já não pressupõem a eficácia simbólica, e sim, a real.

Acreditamos que o problema de pesquisa no Iesae deve abranger trêsaspectos essenciais: a filosofia da pesquisa, a estratégia e a articulaçãocom o ensino.

A) Filosofia

A pesquisa no Iesae obedecerá a três postulados básicos:

1) desenvolver-se-á em função da política educacional e do progressodas ciências da educação no país;

2) compreenderá, além da pesquisa empírica, a "obra do pensamento"caracterizada pela reflexão filosófica em busca das raízes deinteligibilidade da educação, de suas categorias e de seu processo,bem como pelo esforço de síntese a cargo de generalistas. Sínteseque significa, no caso, a integração das ciências entre si, e das ciên-cias com a política educacional, devendo contar, para isso, com acolaboração de filósofos, cientistas (sobretudo das ciências soci-ais) e administradores;

3) será analítica mas também prospectiva, preocupada não apenascom a explicação das estruturas e sistemas em funcionamento, mastambém, e sobretudo, com a indicação de outros modos de funcio-namento requeridos pelo desenvolvimento brasileiro.

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1. A "obra de pensamento"

Trata-se de reflexão destinada, antes de mais nada, a dar sentido eorientação à pesquisa empírica. Esta, com efeito, limita-se, na análise dosfatos e dos processos, a determinar-lhes a significação imediata, no nível ena "zona" da realidade em que se situam. Ela chega a verificar o comporta-mento de determinados fenômenos, sem poder julgá-los ou alterá-los. Ora,nenhuma ordem de fenômenos é totalmente explicável fora do contextode suas articulações com outras ordens de fenômenos; nenhum fato ouprocesso, sobretudo na educação, adquire significado por si, na sua puramaterialidade empírica. O fato educacional só é compreensível à luz dafilosofia e da política.

Em primeiro lugar, educação é um problema de intenções, cuja com-preensão não cabe inteiramente no âmbito da racionalidade científica. Porexemplo, não há um currículo para a educação fundamental que possa serestabelecido apenas por critérios científicos, como se se tratasse apenasde um Objeto suscetível de ser exaustivamente compreendido pelo saberobjetivado, que é o saber próprio da Ciência. Não, o currículo representa,em grande parte, a opção de um Sujeito histórico, isto é, de pessoas einstituições que, refletindo idéias e aspirações de seu tempo e de seu gru-po, manifestam preferência por determinadas formas de educação. Sódepois de estabelecidos esses "pré-supostos", que pertencem à racionalidadefilosófica e política, é que entram em ação as ciências pedagógicas, exer-cendo uma racionalidade de segundo nível, que é a racionalidade técnica.

Assim sendo, a normatividade básica da educação não é haurida naciência empírica, nem, a fortiori, na técnica. Ela provém de um sabermais radical: saber dos valores que, em última análise, estruturam o sere a cultura do homem dentro de seu projeto existencial. Além disso, umprojeto de educação funde os interesses do indivíduo e da sociedade emprocesso de tensão que, permanentemente, encaminha a oposição entreum e outra a soluções de compromisso, e, mesmo, de integração.

Por isso mesmo é que ele se apresenta, por natureza, como um projetosimultaneamente individual e social, filosófico e político. Isto vale dizerque a análise educacional inclui, necessariamente, a análise política, comose pode verificar, por exemplo, em todas as obras fundamentais nesse ter-reno, desde Platão até Rousseau.

Por outro lado, a eficácia teórica de que se reveste a ciência significaapenas a consciência interna do pensamento abstrato – condição indis-pensável para uma política de educação, mas insuficiente até que a ciên-cia venha a explodir na decisão política.

Finalmente, nada pode acontecer de novo em educação sem a inter-venção da filosofia e da política. A ciência explica a funcionalidade oudisfuncionalidade das estruturas educacionais existentes, mas não tem

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condições de, por impulso próprio, formular novas estruturas. A pesquisacientífica sobre o rendimento da escola média, por exemplo, não pode, por simesma, julgar a escola média existente senão à luz dos próprios critérios eobjetivos pelos quais ela foi estruturada. Se, por hipótese, for consideradocomo objetivo da escola média levar os alunos ao ensino superior, o critériode análise de seu rendimento será o nível de aprovações no vestibular. Opesquisador corre o risco de tornar-se prisioneiro do sistema quando não temcondições de analisar, globalmente, o próprio sistema. Se ele se fixa numaparte, procurará explicá-la por comparação com as outras partes, que por suavez se explicam segundo o mesmo método, dentro de um processo circular.

Temos então dois processos a considerar:

1°) o aprisionamento do pesquisador na "zona" do real em que se ins-talou a pesquisa, aprisionamento de que só se libera pela visão datotalidade;

2°) o aprisionamento do pesquisador – já de posse da visão integral esistêmica – dentro do próprio sistema, considerado como algo quese explica por si mesmo, insuscetível, portanto, de determinar suaspróprias mudanças.

Correlatamente a essas duas ordens de dificuldades, temos que base-ar a filosofia da pesquisa

1°) na interdisciplinaridade;2°) na adoção de outros métodos de análise científica, além da pura-

mente funcionalista, como tende a ser, por exemplo, o método deanálise de sistema;

3°) na associação vigorosa entre as ciências da educação e as ciênciassociais, tendo em vista o caráter integrativo e crítico que elas nor-malmente envolvem no conhecimento da realidade social, e aelucidação dos anexos entre a ciência educacional e a política;

4°) no processo de reflexão radical, baseado na filosofia da educação,com o concurso de outros generalistas, além dos próprios filóso-fos, assim como os políticos e administradores.

A filosofia da educação representa, ao mesmo tempo, o alicerce e ocoroamento do processo de conhecimento educacional: cabe-lhesubministrar os enfoques epistemológico e antropológico, e, com basenestes, a análise fundamental dos aspectos sociológicos e políticos da edu-cação. Ela completa a interdisciplinaridade – que representa o esforço deconexões predominantemente horizontais – como a busca de "causalida-de vertical"; e completa, ainda, a ação integradora e crítica da sociologia,arrimando-a em critérios normativos não puramente empíricos.

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Na pesquisa educacional temos, antes de nada mais, de penetrar nodomínio do existente, segundo sua estruturalidade própria. Avaliar a rea-lidade educacional com suas conexões, cada nível de ensino, por exem-plo, confrontando com outros, e o subsistema educacional, com ossubsistemas econômico, político, cultural etc. Este é o grande esforço dediagnóstico a que o Iesae teria de dedicar-se.

Mas temos, sobretudo, que dispor de meios de investigação destina-dos a mudar o existente, através de um conhecimento ao mesmo tempoanalítico e prospectivo da realidade brasileira. Esta seria a contribuiçãomais significativa do Iesae na obra de reconstrução educacional do país.

Das considerações acima resulta:

1°) a necessidade de implantação das duas mencionadas ordens depesquisa, e

2°) a necessidade de fixarmos no Iesae a metodologia interdisciplinar.

Quanto à primeira parte, teremos facilidade em nosso trabalho com acriação da pós-graduação em Filosofia Educacional, que constituiria o eixonatural desse tipo de investigação. Quanto à segunda parte, contaríamos,igualmente, com a vantagem de já dispor a Fundação Getúlio Vargas devários núcleos de ensino e pesquisa no campo das ciências humanas, sus-cetíveis de integrar-se num esforço convergente da pesquisa educacional.

2. Pesquisa teórica e pesquisa empírica

Não imaginamos, entretanto, a "obra do pensamento" separada dapesquisa teórica e da pesquisa empírica. O conhecimento educacional seforma desses três afluentes, variando a contribuição de cada um segundoo tipo de problema e a fase da investigação. A visão do filósofo e dogeneralista reclamam o conhecimento dos fatos, seja através de dados pri-mários, seja através de dados teóricos já elaborados. A pesquisa teórica,como é sabido, não precisa manipular diretamente os dados primários (amaior parte do tempo, pelo menos); nas ciências que se baseiam na experi-ência, como as ciências da educação; eles constituem uma espécie de infra-estrutura subjacente da teoria. Se for correta a conexão entre esta infra-estrutura e as instâncias teóricas do pesquisador, o grau de explicabilidadeda realidade por ele atingido será tanto maior quanto mais alto o nível deabstração.

Assim sendo, embora distintas da pesquisa empírica, a análise dogeneralista e a pesquisa teórica dela precisam na medida em que o co-nhecimento dos fatos constitua uma das bases, tanto da teoria (sendo aoutra base, como se sabe, o a priori representado pela hipótese), como

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do projeto político. O tipo de contato com a realidade empírica é quevaria em relação a cada um desses agentes do conhecimento educacional.O político (que é um associado do generalista, sendo ele próprio umgeneralista no campo da ação) tem a experiência pragmática. O generalistaliga à experiência pragmática a visão interdisciplinar que a controla. Oteórico se firma nos fatos, diretamente, na medida necessária à justifica-ção da hipótese, e indiretamente, depois que eles foram enquadrados numsistema de categorias e símbolos.

No caso concreto do Iesae, imaginamos que, cronologicamente, have-rá precedência de ação do filósofo, do generalista e dos "tomadores dedecisão" (o político e o administrador) como agentes programadores dapesquisa empírica. A eles, a tarefa de estabelecer as perspectivas, as li-nhas de referência e o interesse final da pesquisa. Para "dar a partida", elesutilizarão alguns dados empíricos essenciais; porém, uma vez deflagradaa investigação, esses dados passarão a alimentar a "obra do pensamento",sendo por ela igualmente alimentados, segundo um processo de feedback.Dentro da trama criada por tal reciprocidade, desaparece a anterioridadede uns em relação à outra.

B) Estratégia da pesquisa

1. Cremos que a pesquisa educacional no Iesae deverá centrar-se nasáreas da pós-graduação: filosofia da educação (incluindo uma parte histó-rica), administração educacional (no sentido macroestrutural) e psicolo-gia educacional. Não se trata, evidentemente, de três disciplinas, mas detrês campos bastante abrangentes. A associação dos três oferece uma basepara o trabalho interdisciplinar, desde que se incorpore, sempre que ne-cessário, a contribuição de pesquisadores de outros institutos, dentro efora da Fundação Getúlio Vargas. A delimitação do campo de pesquisaparece impor-se

1°) pela escassez de recursos humanos e materiais,2°) por estar o Iesae ainda em fase de implantação, e3°) pela conveniência de acumular, tanto a experiência da pesquisa

como seus resultados.

2. A Comissão de Planejamento, juntamente com os técnicos queintegram o Iesae, organizariam uma lista inicial de temas de pesquisa,inspirada na filosofia do trabalho para a qual o item A oferece algumassugestões.

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A escolha das pesquisas a serem realizadas seguiriam o seguinteprocesso:

a) fixação dos temas (com sua justificação) em forma de esboço;b) discussão desse esboço com outros especialistas, fora do Iesae, nas

várias áreas compreendidas pelas pesquisas programadas, bemcomo as autoridades e técnicos dos órgãos governamentais, alémde outros a que a pesquisa possa interessar.

A discussão teria por objetivo fazer a pesquisa emergir de um autên-tico processo intelectual, com o máximo de representatividade e diversifi-cação da intelligentsia brasileira, sobretudo no campo da educação. A dis-cussão com as autoridades e os institutos educacionais viria a colocar apesquisa em posição de influir na política educacional.

A programação deveria levar em conta a importância real da pesqui-sa, mas também a importância sentida por parte das autoridades e dasinstituições de que dependa sua utilização.

Pode acontecer que elas, ou não se dêem conta de alguns problemasreais, ou – por deficiência de informação ou de análise – se preocupemcom eles através de uma óptica distorcida. Não raro, considera-se insufi-ciente, para a formulação de leis e a tomada de decisões administrativasem educação, um conhecimento científico ainda bastante tênue, ou in-consciente. Qualquer que seja a hipótese, teríamos de nos referir em nos-so trabalho, com freqüência, às posições das instituições, das autoridadese da opinião pública, inclusive quando se trata de modificá-las, seja moti-vando-as para problemas esquecidos, seja demonstrando, ou corrigindo,quando for o caso, a debilidade dos pressupostos erroneamente tidos porconsistentes.

3. Entretanto, o sentido de eficácia que vai inspirar a pesquisa edu-cacional no Iesae não deve apoucar-se no imediatismo. O compromissointelectual do Iesae é, basicamente, com a educação e não apenas com ascontingências a que esta se encontra vinculada, no plano das decisõespolíticas e administrativas, ou da opinião pública. De resto, o diálogoentre o poder e a ciência se processa sempre em forma de tensão, con-tendo, aquele, a tendência desta para a abstração, e procurando, a ciên-cia, disciplinar o arbítrio do poder. O Iesae precisaria trabalhar em doisplanos, acompanhando, num deles, as emergências da política educaci-onal (sobretudo quando elas são irrecorríveis), e no outro, sobrepondo-se a elas com vistas ao futuro, como obra de uma inteligência longa efertilizadora. Só com o tempo a ciência pode obter a solidariedade daopinião pública e do poder. É sabido que as idéias só influenciam os

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fatos quando distanciadas deles por um longo período de germinação.Se quisermos mantê-las rentes com os fatos, elas perdem a forçafertilizadora. O que muda a educação no país parece ser a "obra de pen-samento" internalizada ao longo de pelo menos uma geração. A defasa-gem no caso é absolutamente necessária para substituição das estrutu-ras de comportamento, as únicas de que dependem autênticas reformasde educação.

Neste sentido, nada mais urgente para a educação brasileira que oexercício de um pensamento não urgente, apesar de inteiramente entrosadocom os fatos. O Iesae poderia constituir-se, ao lado de suas tarefas maisrotineiras, num verdadeiro centro de altos estudos em educação, confor-me o nome que parece assinalar-lhe também essa vocação. Estudos comambições e ritmos traçados por esses horizontes de inteligência vertical einconformista.

4. Fizemos alusão, no item anterior, à necessidade de instaurar umautêntico "processo intelectual" na educação brasileira. Para isso, é neces-sário estabelecer, de forma permanente, a troca de informações entre pes-quisadores e especialistas de educação de todo o País; a informação siste-mática das pesquisas feitas, ou em andamento, assim como das pesquisasprojetadas; a institucionalização do debate científico em matéria educaci-onal. Imaginamos que alguns instrumentos e mecanismos poderiam serfixados, como, por exemplo:

4.1. a montagem, no Iesae, de um cadastro dos especialistas em edu-cação, no Brasil;

4.2. a edição de um boletim informativo periódico;4.3. a promoção de colóquios periódicos com administradores e espe-

cialistas, à semelhança de tantos que se institucionalizaram naAmérica e na Europa. Esses colóquios teriam características bemdiferentes das reuniões que já se vêm realizando no país, como aConferência Nacional de Educação, os Encontros do ConselhoFederal de Educação com os Conselhos Estaduais etc.

Sua particularidade consistiria no processo rigorosamente analíticoaplicado à discussão de temas que interessem à política educacional, visan-do tanto à explicação científica na educação como à conciliação entre aciência e a política educacional. Os colóquios constituiriam um dos instru-mentos do "processo intelectual" da educação, a que já nos referimos, pro-cesso em que pudessem banhar-se, cada vez mais, as decisões políticas eadministrativas nesse setor. A organização de tais encontros seria bastanteflexível, sobretudo quanto aos tipos de participantes, ora administradores,

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ora cientistas, ora professores, além de outras categorias, sem falar nas reu-niões de síntese com representantes de todas elas.

5. O Iesae poderá empenhar-se em articular seu trabalho com entida-des produtoras e entidades consumidoras da pesquisa. Com as primeiras,tendo em vista a colaboração científica, e com as outras, o oferecimentode serviços para os quais elas não disponham de estrutura adequada.

Dada a precariedade dos serviços de pesquisa educacional no país, osórgãos que dela necessitam para a administração e o planejamento vêmsendo levados a montar a sua própria "máquina" de pesquisa. Política com-preensível, sem dúvida, mas, além de onerosa, pouco produtiva. A experi-ência vem demonstrando como é difícil para alguns órgãos de administra-ção pública

1) formar equipes interdisciplinares e2) trabalhar segundo métodos científicos, fora da pressão do imediato

e do processo burocrático.

Quanto à primeira parte, as equipes integrantes dessas entidades apre-sentam lacunas sensíveis em certas áreas científicas e técnicas, como, porexemplo, nas ciências sociais e nas ciências da educação. Parece bastantedifícil, para elas, contar com especialistas de alto nível em alguns setores,deslocando-os do ambiente universitário, onde não só têm situação firma-da como também dispõem de ambiente de trabalho dificilmente encontra-do em instituições não-universitárias. Para sermos realistas, não quere-mos dizer que tal ambiente já exista na maioria das instituições de pesqui-sa e ensino, mas estas, normalmente, dispõem de facilidades especiaispara criá-lo. Acreditamos que a cooperação entre o Iesae e órgãos como oIpea, o Inep e os departamentos do MEC trará a estes o que lhes está fal-tando, através de um mecanismo flexível e relativamente pouco oneroso(sem ampliação de seus quadros, instalações ou equipamento).

Quanto aos departamentos do MEC, é evidente que a natural fontemuniciadora seja o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Mas aquiteríamos um dos casos de articulação com órgãos produtores de pesquisa.As conexões interinstitucionais para a pesquisa, em voga em toda parte,impõem-se, ainda mais, em países como o nosso, onde as instituições,isoladamente, carecem de elenco de pesquisadores necessários para aspesquisas interdisciplinares de certo vulto.

A título de sugestão, apontamos algumas entidades produtoras e con-sumidoras de pesquisa, com as quais poderia o Iesae eventualmente arti-cular-se. Na primeira categoria: as instituições universitárias da Guanabara,o CBPE e o setor de pesquisas do Ipea; na segunda: o MEC, o setor de

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planejamento do Ipea, a Secretaria de Educação, os organismos internaci-onais que cooperam com programas de educação no Brasil. No futuro, oIesae poderá estender sua ação aos sistemas estaduais de educação e àsuniversidades de outros estados.

6. Dada a escassez de pesquisadores e de recursos materiais no cam-po da educação, devemos evitar tanto na pesquisa como no ensino pós-graduado a repetição do que porventura já venha sendo feito por outrasinstituições. Tal norma, adotada flexivelmente, não impediria a emulaçãodiversificadora e enriquecedora, nos casos que esta viesse a se impor.

Tendo em vista não só evitarmos duplicações inúteis, como tambémidentificarmos as possibilidades de esquemas integrados de trabalho, terí-amos de iniciar imediatamente o diagnóstico da pesquisa educacional noBrasil, incluindo:

a) os órgãos de pesquisa, atuação, programas e estilos de trabalho;b) as pesquisas recentes ou em curso, assim como os projetos de

pesquisa;c) os serviços de documentação científica da educação e os respecti-

vos acervos.

C) Pesquisa e ensino

1. Neste tópico destacaremos apenas o funcionamento da pesquisano Iesae e seu relacionamento com o ensino.

Haverá duas linhas de pesquisa: uma motivada pelas necessidadeseducacionais do país e pelas eventuais "encomendas" das instituições (cha-memos linha A); outra, requerida pelos programas do curso (linha B). Aprimeira segue os acontecimentos, enquanto a segunda se ordena segun-do a lógica e o ritmo do currículo.

Entretanto, aproximações e interseções entre as duas linhas são nãoapenas possíveis como necessárias. Antes de mais nada, tendo a realidadebrasileira, sempre que possível, como inspiração e linha de referência detodo o curso, parte dos programas deste já se constituiria com base naspesquisas da linha A. Quando inviável essa hipótese, restaria sempre achance de os alunos participarem desse tipo de pesquisa por intermédiodos professores, que seriam os responsáveis por ela.

2. Quanto ao ensino, não é necessário lembrar que a característica es-sencial da pós-graduação é a elaboração, e não a informação. Ela consiste

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no trabalho autônomo do aluno (mesmo em equipe), sob a orientação deprofessores (sobretudo do professor orientador), e em forma de pesquisa.Em vez de absorverem um saber feito, os alunos serão levados a fazê-lopor conta própria. De resto, a pesquisa é inerente também ao ensino gra-duado (e a qualquer nível de ensino), mas, enquanto nos outros níveis elaconsiste, apenas, no processo de re-fazer o saber (primeiro, recuperandosob as estruturas teóricas o plano de empiricidade em que elas assentame, segundo, re-compondo as estruturas teóricas, já agora por iniciativa dopróprio aluno), no ensino pós-graduado se trata de fazer avançar o saber,seja incorporando a ele novas "zonas" da realidade, seja construindo ou-tros padrões teóricos, seja ampliando o nível de percepção teórica dosalunos. Creio que daí poderíamos, inclusive, extrair o critério de distinçãoentre o mestrado e o doutorado: o primeiro alarga, junto com a inteligên-cia da realidade, a própria realidade conhecida, enquanto o segundo selimita à primeira dessas operações.

Assim sendo, creio que deveríamos estabelecer uma metodologia doensino que respeitasse as características acima indicadas. Embora não caiba,aqui, detalhar essa metodologia, julgamos oportuno lembrar algumas exi-gências fundamentais:

a) O curso não se organizaria, predominantemente, em termos de au-las, mas de pesquisas e seminários, destinando-se as aulas, basica-mente, aos trabalhos de orientação geral e de síntese teórica.

b) O aluno seria assistido pelos professores em forma de tutoria, con-vindo que cada aluno tivesse seu professor orientador, já escolhidono próprio ato de matrícula. O funcionamento da tutoria, contudo,só é possível com determinado número de professores em tempointegral ou em meio tempo. Dada as limitações financeiras do Iesae,em sua fase inicial, sugerimos que em cada uma das três áreas depós-graduação haja pelo menos dois professores de tempo integral,ou meio tempo, um deles em nível de titular, e o outro, de assistente.

c) Um dos principais instrumentos de trabalho dos alunos será a bi-bliografia. Cabe-nos, por isso mesmo, entre as providências prepa-ratórias a serem tomadas, de imediato, com vistas ao funcionamentodo curso em 1972, a elaboração de uma lista de livros e revistasbásicas para cada área.

Em qualquer hipótese, o essencial é evitar a burocratização do curso; éfazê-lo desenvolver-se dentro de uma atmosfera criadora. Todos estamos ci-entes de que o saber educacional no Brasil é extremamente escasso, sobretu-do por terem faltado, ou terem sido malbaratadas, na maioria das vezes, asoportunidades de trabalho criador. Em vez de ampliar os cabedais existentes,limitamo-nos, quase sempre, a consumi-los, com risco de continuamente

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empobrecê-los. Ao lado desse empobrecimento, vale registrar os arcaís-mos, as fórmulas do passado que sobrevivem, mesmo depois que sua va-lidade se esvaiu com o tempo. O processo escolar, sobretudo em paísescom as características do nosso, está sempre ameaçado de converter-seem processo de consumo, alimentado pelo capital de giro, sem o ingressode novos investimentos. Daí a "mesmice" das coisas fundamentais, dissi-mulada pelas mudanças de superfície. A nosso ver, a grande vocação doIesae consistirá, exatamente, em identificar essas questões e o modo efi-caz de operar com elas.

Para realizar esse tipo de trabalho, impõe-se, antes de tudo,arregimentar um grupo de professores bastante competentes, e um gru-po de jovens talentosos que se disponham a completar a sua formação,dentro e, sobretudo, fora do Brasil. Creio que os dois grupos são indis-pensáveis para uma instituição com os objetivos do Iesae.

O contato com métodos de trabalho e novas idéias nos centros uni-versitários americanos e europeus mais adiantados nos parece muitoimportante na formação de pesquisadores e professores de educação.Entretanto, a contribuição estrangeira deve ser apenas subsidiária doesforço de professores e especialistas brasileiros que reunam à compe-tência científica a visão amadurecida e autêntica dos problemas doBrasil. Toda a programação científica do Iesae, com as diretrizes quevenham a inspirá-la, deverá ser estabelecida, sempre e vigorosamente,com base num esforço de autoconsciência nacional, no estudo meticu-loso de nossas necessidades e possibilidades, assim como de nossascaracterísticas culturais e institucionais. A utilização de técnicos – ede técnicas – estrangeiros se processará sempre como forma de fertili-zação, e não de mimetismo.

3. Quanto à organização das atividades de pesquisa do Iesae, sugeri-mos as seguintes diretrizes:

a) o staff de pesquisadores permanentes do Iesae será constituído deseus professores;

b) pesquisadores estranhos ao staff permanente serão admitidos porcontrato, para tarefas específicas e temporárias. Eles trabalhariamsob a coordenação do departamento de pós-graduação, cuja áreaesteja predominantemente envolvida na pesquisa;

c) a pesquisa a cargo dos professores ficará sob a responsabilidade deum departamento de pós-graduação, tendo em vista assegurar otrabalho em equipe e a associação ensino-pesquisa.

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Anexo: Sugestões para o programa de pesquisas do Iesae

A) Política e administração da educação

1. Administração dos sistemas de educação

a) O estudo da administração educacional no Brasil, por influênciaamericana, tem se concentrado no estabelecimento de ensino, enão no macrossistema educacional. Entretanto, nossa política edu-cacional se faz, predominantemente, com base neste último, so-bretudo a partir da Lei de Diretrizes e Bases, que instituiu, comoautônomos, o sistema federal e os sistemas estaduais de educação.

b) A organização de tais sistemas, no entanto, continua sendo, prati-camente, a de antes da LDB, o que explica em grande parte odescompasso entre as intenções dinamizadoras dos governos e orelativo imobilismo em que têm permanecido. Os efeitos da defa-sagem incidem sobretudo na esfera do planejamento educacional,ainda, praticamente, por estruturar-se nos Estados.

2. Assistência técnica

a) A assistência técnica representa a estratégia do melhor uso possí-vel das competências especializadas em favor das regiões onde elassão escassas. Impõe-se, especialmente em países como o Brasil,caracterizados pela rarefação cultural e pelo grande desnível cultu-ral entre as várias regiões. Por isso, as próprias leis educacionais(como a da reforma universitária) têm enfatizado sua necessidadee previsto sua implantação.

b) Faltam, entretanto, estudos sistemáticos sobre os tipos e formas deassistência técnica, assim como sobre os tipos dos especialistasaptos para essa função.

3. Expansão do ensino superior

O primeiro grande problema do ensino superior no Brasil consiste natomada de consciência das implicações sociais, econômicas e culturais dasua expansão. Pretende-se, às vezes, que esta se limite às exigências domercado de trabalho, mas a demanda educacional excede, de muito, esselimite. Que fazer para estabelecer a correlação adequada, ou, ao contrário,enquadrar esse excedente de demanda em um modelo "extensivo" daeducação superior? A teoria sociológica, tanto quanto a teoria educacional,

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em nossos dias, já têm algumas respostas para esse problema. Trata-se deajustá-las ao quadro socioeconômico, cultural e institucional do país.

4. Regionalização do ensino superior

Esse estudo visa fixar, em bases tanto quanto possível científicas, asáreas geoeducacionais previstas pelos órgãos de Governo. A filosofia des-sa política reside em combinar dois processos: o da concentração e o dadifusão da cultura universitária. A estratégia derivada de tal filosofia con-siste em criar "canais" de fertilização que liguem os núcleos mais consis-tentes à sua periferia. Onde estão esses núcleos? Quais os métodos decanalização mais apropriados? A regionalização não pode ser feita comum traço arbitrário sobre o mapa, e sim com a identificação dos"inervamentos" realmente existentes na estrutura e na dinâmica do pro-cesso social e educacional brasileiro, e como a fixação de uma política queas aproveite, com as retificações necessárias, quando for o caso.

5. Programação de novas escolas superiores

A processualística da criação de escolas superiores deverá acompa-nhar os resultados do estudo previsto no item anterior. Até agora, ela seesgota no exame dos projetos de novas escolas, culminando com sua apro-vação ou recusa. Cabe transformar esse processo formal, "judiciário", numprocesso dinâmico, político: os órgãos do Governo não se limitariam averificar as condições existentes para a implantação dos projetos, mas aju-dariam a promover essas condições, quando o projeto correspondesse auma necessidade social ou educacional.

Essa pesquisa não está incluída na da "expansão do ensino superior"porque, embora inserida na perspectiva fixada para esta, tem suas própriascaracterísticas. O projeto de expansão trata dos problemas econômicos, soci-ais e culturais do desenvolvimento do ensino superior, tomado em conjunto,enquanto o projeto de programação das escolas superiores visa sugerir umsistema administrativo e operacional de criação de escolas superiores.

B) Sociologia e Economia da Educação

1. Qualidade e quantidade da educação

a) A pesquisa procuraria fixar o tipo de educação correspondente acada nível de ensino, levando em conta as respectivas finalidades

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(socioculturais e econômicas) e a articulação entre os vários níveise modalidades de ensino.

b) Visaria, ainda, estabelecer os próprios critérios e métodos para afixação da "qualidade" e da "quantidade" da educação, especialmenteno processo de planejamento, e indicar as instâncias competentespara operar em relação a cada uma dessas categorias.

2. Educação e trabalho

Esse estudo compreenderia:

a) uma visão sintética e crítica das teorias modernas sobre a relaçãoeducação-trabalho;

b) a pesquisa sobre esse problema no Brasil, indicando soluções ajus-tadas às estruturas educacionais instituídas pelas reformas do en-sino fundamental, médio e universitário.

A pesquisa (empírica e filosófica) buscaria esclarecer problemas comoo da orientação e o da formação profissional (este último, na escola e noserviço), as virtualidades da educação geral para a formação profissional,o tipo de "tecnicalidades" a serem implantados na escola com vistas àformação técnica etc.

3. Crise das profissões

Apesar de terem mudado substancialmente de perfil e algumas pra-ticamente desaparecido, as profissões liberais continuam sendo encara-das, hoje, segundo sua imagem antiga. Fenômeno inverso também ocor-re, o de novas profissões ainda não "reconhecidas". Finalmente, o modocomo de fato são exercidas as profissões fica, às vezes, ignorado pelosistema que as institucionaliza. Esses seriam os três problemas-chave dapesquisa.

4. As profissões no campo da educação

Impõe-se oferecer uma base objetiva ao esquema legal (Lei nº 5.540/68) que, sem pretender ser exaustiva, fixou seis categorias profissionaisno campo da educação. A pesquisa destinar-se-ia a verificar, empiricamente,o conteúdo das profissões educacionais, tanto as estabelecidas na lei comoas que ela não previu.

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C) Pedagogia e Didática

1. Pedagogia diretiva e pedagogia não-diretiva

A pesquisa, tanto quanto a política educacional entre nós, tem-se pre-ocupado muito mais com os problemas de conteúdo do ensino do quecom os seus métodos. A questão metodológica, entretanto, foi reacesa nomundo atual, tanto do ângulo instrumental (o problema, por exemplo, datecnologia educacional), como, sobretudo, do ângulo pedagógico e filosó-fico (o problema do educando e de sua relação com a educação, a culturae a sociedade, à luz dos novos dados da Psicologia, da Sociologia e daDidática). Os novos enfoques retomam e fazem progredir a problemáticada "escola nova", enriquecendo, por exemplo, a noção da experiência coma da criatividade. Prepara-se na pedagogia uma revolução semelhante à daescola nova, aliás com alguns dos impulsos desta vividos numa outra pers-pectiva histórica e científica.

Buscar as referências para essa restauração pedagógica seria o objeti-vo da pesquisa.

2. Educação geral

O que significa em nossos dias. Suas formas e chances:

a) Educação geral e "educação liberal": educação geral e trabalho;b) Conceitos e distinções básicas: educação geral, educação de base,

educação de massa, educação popular. O problema da democrati-zação do ensino;

c) Formas e mecanismos da política educacional correspondentes acada uma dessas categorias;

d) a solução brasileira.

3. A Faculdade de Educação no Brasil

a) Aqui se apresentam duas questões fundamentais:

1) a formação do educador, nas condições criadas pela renovação dasciências da educação, e

2) a emergência de novas especializações no campo educacional, nas-cidas dentro deste ou da articulação entre áreas científicas diver-sas, como, por exemplo, economia e educação.

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b) A respeito das profissões da educação, a lei apenas fixou, como éde sua índole, um quadro normativo: cabe à pesquisa suplementá-lo com as verificações e análises necessárias. (ver B, 4).

4. Metodologia e didática do ensino superior

Por motivos circunstanciais, o ensino superior tem permanecido pra-ticamente fora da cogitação na maioria dos estudos referentes à didática.Avoluma-se, agora, no Brasil, o interesse pela didática universitária: nos-so projeto pretende ir ao encontro desse interesse.

5. Implementação da reforma do 1° e 2° graus

Trata-se de dar à nova estrutura legal da escola fundamental e da es-cola média brasileira o necessário substrato teórico. Importa evitar, porexemplo, o risco de anexar ao núcleo tradicional de educação, de formameramente apendicular, novos segmentos ou apetrechos educacionais.Além disso, impõe-se oferecer bases científicas a problemas como:

1) elaboração e execução do currículo;2) formas de sondagem vocacional (1° grau) e de profissionalização

(2° grau);3) tipos de professor e modelos normativos para sua formação;4) processo gradual de implantação segundo critérios econômicos,

socioculturais, administrativos etc.

6. Orientação educacional

A institucionalização legal da atividade conhecida com esse nome, eda forma de habilitação para seu exercício, não é suficiente para implan-tar no País, na prática, um sistema de orientação educacional. As princi-pais perguntas a serem respondidas pela pesquisa seriam:

a) Que tipo de orientação se pretende oferecer no Brasil? Qual a con-ciliação desejável entre os aspectos pedagógicos e os aspectos psi-cológicos da orientação?

b) Que métodos e instrumentos serão utilizados na orientação?c) Qual a estrutura dos serviços? Conveniência, ou não, de criar servi-

ços centrais, articulados com serviços próprios de cada unidade?d) Qual a formação do orientador?

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e) Como resolver o problema da desproporção entre a extensão darede escolar e o número de orientadores disponíveis?

A pesquisa deveria começar, entre outras coisas, pelo levantamentodos orientadores diplomados e dos que seguem realmente a profissão. Seuresultado final seria um projeto de implantação gradual do sistema, a seridentificado pela própria pesquisa como o mais adequado ao País.

7. Educação pré-primaria

O surpreendente surto de expansão das escolas maternais e dos esta-belecimentos destinados à educação pré-primária no Brasil não vem sen-do acompanhado, nem de longe, de estudos e pesquisas necessários numterreno que a ciência pedagógica e psicológica moderna consideram parti-cularmente crucial na educação. Há uma improvisação temerária, sobre-tudo nos casos em que é agravada pelo interesse comercial. Nossa pesqui-sa compreenderia, fundamentalmente, o problema dos métodos de educa-ção e o da formação de professores neste setor

D) Novos horizontes da educação

1. Educação e cultura de massa

A pesquisa teria por objetivo determinar:

a) o conteúdo, os métodos e os agentes da educação de massa;b) um esquema a ser implantado no Brasil, de uso sistemático dos

meios de massa na educação, levando em conta as diferenças regi-onais e socioculturais, os recursos humanos e financeiros existen-tes e os suscetíveis de serem criados com base no planejamentosugerido pela própria pesquisa;

c) destaque para programas de cultura de massa; distinção entre cul-tura de massa e cultura popular; educação de base; rádio educativae TV educativa.

2. Educação de adultos

Convém reconhecer, antes de mais nada, que educação de adultos nãoé uma expressão unívoca. Há vários tipos de educação de adultos, embora

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desfechando todos, a nosso ver, em duas categorias fundamentais: educa-ção de base e educação permanente.

As perguntas a que a pesquisa tentaria responder seriam, entre ou-tras, as seguintes:

a) Que tipo de adultos se pretende educar?b) Quais os métodos apropriados para cada categoria de educação de

adultos?c) Qual a relação, na educação de adultos, entre o processo educacio-

nal e o processe cultural, assim como entre educação e trabalho,dentro de nossas condições regionais e locais?

d) Quais os problemas determinados, na educação de adultos, peladistinção entre a estrutura urbana e a estrutura rural?

e) Como proceder para a implantação da política nacional de educa-ção de adultos dentro da limitação dos recursos disponíveis? Quaisas prioridades a estabelecer?

f) Métodos e instrumentos pedagógicos, eg) Professores e sua formação.

3. As formas heterodoxas da educação e da formação técnica

Se, no mundo inteiro, as deficiências do aparelho educacional são supri-das por formas não-convencionais de educação, esta solução se torna muitomais imperativa em países, como o nosso, onde tais deficiências são particu-larmente críticas. Cursos por televisão ou por correspondência, formas espe-ciais de formação de professores em curto prazo, recrutamento para o ensinode pessoas com outras especializações, educação dos superdotados etc., sãomodalidades que, ou não chegam a ser estruturadas, entre nós, ou tendem aflorescer como processos marginais (com injusta consciência de inferiorida-de em relação aos outros processos ou entregues à improvisação e à incompe-tência). Nossa pesquisa buscaria sistematizar esses processos, assegurando-lhes "direito de cidade" no campo da educação.

4. Tecnologia educacional no Brasil

A pesquisa visaria:

1) identificar as novas técnicas educacionais suscetíveis de servir aoBrasil, com as adaptações a elas impostas pelas condições típicasde nosso país (evitando-se o costumeiro mimetismo em relação aospaíses mais adiantados);

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2) indicar, por outro lado, as mudanças que a introdução dessas téc-nicas acarretaria nas estruturas globais dos sistemas de educação.

Alastra-se a suposição de que nossa tecnologia educacional é válidapor si mesma e, conscientemente ou não, tenta-se produzir um tipo deeducação a partir da tecnologia disponível, quando deveria ser o contrá-rio: a tecnologia a serviço da educação adequada ao País, não se ignoran-do, é verdade, a interação entre os fins e os meios que pode levar estes,até certo ponto, a mudar aqueles – o que seria, igualmente, objeto dapesquisa.

5. Instrução programada

A instrução programada não constitui apenas uma transformação ins-trumental da pedagogia; significa, sobretudo, a adaptação desta a umanova perspectiva filosófica e sociológica da educação, permitindo, porexemplo, um novo tipo de individualização do ensino, mas, sobretudo, autilização de um nível de massa, de alto padrão de ensino, do mesmomodo que a produção desses "padrões" onde haja a competência especi-alizada, e sua difusão onde ela seja escassa.

A pesquisa pretenderia levar os estudos sobre educação programadado plano acadêmico ao plano de política educacional brasileira.

6. Educação pela cultura

Estão tradicionalmente separadas, no Brasil, educação e cultura. Aesse propósito, destacamos dois tipos de fenômenos:

a) o desenvolvimento educacional sem o indispensável lastro cultu-ral, como é o caso, por exemplo, de escolas superiores e universi-dades funcionando em cidades que não possuem sequer livrariasnem bibliotecas;

b) a promoção cultural, reivindicada pelas comunidades locais, reali-zada exclusivamente através do processo escolar.

Precisamos, em contraposição, aproveitando as melhores experiênci-as de outros países, instituir uma autêntica política cultural, com seusprocessos específicos, e usar meios culturais para realizar a educação dosjovens e dos adultos, por serem, em muitos casos, mais eficientes que osmeios pedagógicos tradicionais, e por acarretarem considerável reduçãonos ônus do sistema escolar.

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7Desenvolvimento, tecnocracia

e Universidade*

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

O exame das instituições envolve necessariamente oexame da ação do Estado. A liderança deste tem como umade suas vantagens decisivas antecipar-se à evolução espon-tânea das instituições ou das estruturas sociais e sobreporao jogo errático dos fenômenos uma vontade normativa.Essa liderança, com tais características, surgiu no mundomoderno juntamente com a própria consciência de desen-volvimento, e como um de seus imperativos fundamentais.Entretanto, a marcha do desenvolvimento – como idéia ecomo processo – vem-se realizando em cima de contradi-ções que nos últimos anos só se têm agravado. Houve, an-tes de mais nada, em vários países, uma fratura no proces-so que dissociou a liderança do Estado do compromissodesenvolvimentista. Em vez de acelerador da mudançainstitucional, ele se firmou como poder frenador. Manteve-se à frente do processo a vontade normativa, porém movi-da pelo freio e não pelo detonador. O "escândalo do desen-volvimento" – que é como Austruy (1965) vê essa irrupção

* Texto publicado na Revista de Cultura Vozes, ano 69, n. 6, p. 5-18, ago. 1975.

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ocorrida em nossa época – assustou a consciência conservadora na qualse reintegraram rapidamente as elites do poder. Isso aconteceu sobre-tudo nos países do Terceiro Mundo pela razão óbvia de que nestes,mais que noutros quaisquer, a mudança-desenvolvimento se mostravanão só às classes dominantes, como, em sentido diverso, às própriasmassas populares. Nas primeiras, ela provocou desconfiança e medo;nas segundas, uma desapoderada confiança no seu emergenteprotagonismo.

Em alguns países, foi a torsão sofrida pela liderança do estado. Torsãonítida da vocação revolucionária (no sentido de desenvolvimento) para avocação conservadora.

E a universidade?

Arma-se, nos países em mudança, uma situação bastante paradoxal:a criatividade das atividades das universidades nos períodos de mudan-ça deve exercer-se com o máximo de vigor, consolidando a sua autono-mia, e o Estado, pelas mesmas razões, tem de assumir uma enérgica po-sição de liderança, na qual se inclui o planejamento, como instrumentoe expressão de uma política de eficácia, de efeitos multiplicadores e ace-leradores, não só na economia, mas também em todos os setores da tota-lidade social. Dentro dessa perspectiva – da universidade voltada parafora, ou seja, nos seus compromissos com a realidade social e nacional –o grande problema do governo da universidade é o da conciliação entrea autonomia e a heteronomia, entre a sua vontade e a do Estado. Pordefinição, é o Estado o órgão mais abrangente e, ao mesmo tempo, maisespecífico da vontade geral, mas esta se expressa também por outrasfontes que devem ser captadas. Simplificando os termos do problema,poderíamos dizer que, teoricamente, as relações entre a universidade e oEstado se revestem de extrema importância, como o confronto do quedeveriam ser as duas expressões da síntese nacional: porque são os dois"universos" que a representam de maneira mais global e mais ordenada:um, como estrutura de poder; e outra, como estrutura de saber. Um deveconstituir a expressão suprema da Nação, como lembrava Deloz (a Na-ção "se personnalise s'étatisant",1 e a outra, a suprema expressão dacultura, como a consciência que a Nação forma de si mesma e do seuprojeto.

1 Ver Deloz, J. T. La société internationale et les principes du droit public (Paris, 1929). Citação de L. Franca, In: A crise domundo moderno. 4. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1955, p. 37.

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Desvio tecnocrático e compartimentalismo

Os métodos de ação acompanharam essa "virada" na filosofia do poder.Em primeiro lugar, o Estado criou o que se poderia chamar o desvio

tecnocrático. Pretende-se esvaziar o desenvolvimento (consciência e pro-cesso) de sua substância política, substituindo a ratio política pela ratiotécnica. O desvio, no plano metodológico, consiste em opor a idéia de"eficiência" (conceito ambíguo) à de "participação". O pretexto é a comple-xidade das estruturas na qual a tecnocracia corta fácil, e o lucro é a neutra-lidade, que afasta a controvérsia.

É bastante ilustrativa a concepção de planejamento. Se o planejamen-to se subordina inteiramente à decisão política, ele não é mais planeja-mento. Pois é da essência do planejamento ser uma instância deracionalidade e, além disso, lhe servir de guia e de complemento, comotambém de contrapartida e antídoto: há entre os dois uma relação dialéticapor força da qual se evita tanto o tecnicismo apolítico quanto o politicismoirracional. Evita-se, por outras palavras, o unilinearismo da razão técnicae a gratuidade do poder ou a sua ordem selvagem. Separar o processopolítico do processo de planejamento como processo racionalizador é des-dialetizar o poder e a razão dentro de uma só totalidade de que ambos sãopólos. O que significa, em última análise, abandonar o poder aoirracionalismo, sem se assegurar a possibilidade de que ele venha algumdia a lançar a ponte para a razão e a encetar com esta um processo defertilização mútua.

Em segundo lugar, a estratégia despolitizante usa a técnica docompartimentalismo. Cada setor cuida do que lhe é próprio como formade autopreservar na pureza de propósitos e em eficiência de ação. Cadaparcela da população – instituição, grupo, classe etc. –, por seu turno,deve concentrar-se nos próprios interesses. Não cabe à universidade pre-ocupar-se com o que acontece além de seus muros, nem tampouco à Igrejaou aos sindicatos. Os estudantes são para estudar, os trabalhadores, paracuidar de seu ofício, a Igreja, de sua fé, e assim por diante. Dessa forma, sedesfazem as solidariedades não só das estruturas como das pessoas e gru-pos, juntamente com seus dinamismos convergentes. Na sociedade, qual-quer parte decepada do todo perde o contato com a fonte de seu própriodinamismo. Esvazia-se. A menos que se trate da situação típica de projeto– na qual certas partes têm a missão de criar um novo todo. Mas tambémaí a solidariedade persiste, só que com seus termos invertidos: das partespara o todo, germinativamente, a contra-corrente, em vez do todo para aspartes seguindo um declive natural.

Além do mais, a solidariedade aqui mencionada não implica, por si,integração, segundo a visão funcionalista. Significa que o dinamismo daspartes é essencialmente referido ao todo, no sentido da integração, ou

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melhor, da estruturação – mas também no sentido da desestruturação.2 Asociedade, para sobreexistir, tem de negar-se, continuamente, pela inci-dência polêmica (indivíduo, instituição, organização), pois sua própriasubstância é dialética, formada de uma continuidade descontínua que nosfaz lembrar o polémus patér pantón de Heráclito (Trigueiro Mendes, 1973,p. 236).

O pensador e economista Quesnay – patrono dos Fisiocratas e um dosprecursores do liberalismo clássico – formulou a célebre "Tableau". Con-cebeu, de forma sistemática, a idéia da totalidade articulada na economiae, por via desta, na sociedade – mas seu inconsciente ideológico lhe impôsdistribuir as classes sociais sobre um Tableau fixo, tudo continuando agirar, indefinidamente, segundo itinerários invariáveis com os quais seconfundia a própria noção de ordem social.

A estratégia da divisão consiste em sobrepor as formas aos conteúdospara calar, nestes, o apelo que emerge de cada parcela da realidade para oreencontro com a realidade toda.3 Daí por que a recente reforma universitá-ria no Brasil é uma reforma cartorial. Até recentemente, o planejamentoeducacional feito pelos economistas não era rigorosamente econômico (alémde não ser propriamente educacional) – não tocava na espessura do econô-mico com todos os entrelaçamentos que ele mantém com as diversas di-mensões da sociedade, mas um processo linear que projeta no futuro núme-ros diferentes dos atuais, projetando porém as mesmas realidades.4

2 "Le mouvement de structuration, déstructuration, restructuration ou d'éclatement, liant la structure avec la société emacte". G. Gurvitch, La vocation actuelle de la Sociologie. 3. ed. Paris: PUF, 1963, T. I, p. 435. Aliás, a Resolução nº 8, de 1º/12/71, anexa ao Parecer nº 853/71 do CFE sobre a legislação do 1º e 2 º graus, afirma: "[...] nos Estudos Sociais, aoajustamento crescente do educando ao meio, cada vez mais amplo e complexo, em que deve não apenas viver comoconviver, dando-se ênfase ao conhecimento do Brasil na perspectiva atual de seu desenvolvimento". Três observações: a)perspectiva funcionalista; b) certa contradição entre o "ajustamento" e o "desenvolvimento"; c) concepção sociológica epedagógica – ambas questionáveis e eventualmente contestáveis quanto ao ajustamento do educando ao meio. Em relaçãoespecífica com a educação, mas com diferentes visões, Piaget, Lapassade, Lobrot, Rogers, Freinet, Bourdieu. Gostaríamosde incluir, entre outras fontes, Campus 1981 – The shape of the future in American Higher Education (coletânea) (Dell Publ.Co. Inc. N. York, 1968).3 Esse apelo é acenado na seguinte passagem de Pascal: " Toutes choses étant causées et acusantes, aidées et aidantes,médiates et imédiates, et toutes s'entretenant par um lien naturel et insensible qui lie les plus élognées et les plus différentes,je tiens impossible de connaître le tout sans connaître le tout sans connaître particulièrement les parties" (Oeuvres Complètes.Paris: Gallimard, 1954, p.1110).4 As transformações que se produziram ao mesmo tempo na realidade e na consciência assinalaram a passagem de umasociedade de microestruturas para uma sociedade de macroestruturas. A idéia de totalidade e a das conexões que lhe dãocoerência, impôs-se à cultura moderna, transformando, crescentemente, o estilo liberal e individualista num estilo plane-jado e societário de ação social. No plano científico, essa percepção gerou o método interdisciplinar das ciências sociais e,no plano político, a necessidade de ação global e coordenadora. Desenvolvendo-se dentro desse contexto, a ação socialteve de absorver-lhe as características. Da idéia de totalidade, muitos resvalaram para o totalitarismo, no qual o Estadosufoca os indivíduos e as instituições livres, sob o fundamento de que só uma instância transcendente a todos osparticularismos poderia assegurar o bem-estar social. As formas democráticas da ação social estão colocadas, portanto,entre o desafio da eficácia e a inutilidade dos métodos tradicionais, que remanescem do individualismo liberal. Para elas,a eficácia deve ser encontrada na conciliação entre as instâncias intermediárias e a sociedade global. Essa conciliação é, aomesmo tempo, interior e exterior, na medida em que se baseia numa atitude da consciência da própria realidade socialpara ajustar-se aos indivíduos, às instituições e às organizações, através do sujeito histórico (Touraine, A. Sociologie del'action, Paris: Seuil, 1965, p. 91-92). Inspira-se ela em uma nova e científica visão da totalidade social, não como totalida-de feita (Lewin, K. Psychologie dynamique. Paris: PUF, 1959), mas como totalidade que se faz, dialeticamente, pela ação(Sartre, J. P. Critique de la raison dialectique, Paris: Gallimard, 1960, p. 33s: "Le problème des médiations"). (Ainda quantoàs mediações, e com perspectiva diferente, a Encíclica do Papa João XXIII Mater et Magistra, 65 – Princípio de Subsidiaridade).

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Divisor de águas

A educação representa um divisor de águas entre duas categorias eduas políticas de desenvolvimento. Ambas preconizam a importância daeducação, mas enquanto uma pretende despolitizá-la inteiramente, a ou-tra a considera parte da Política (Trigueiro Mendes, 1968). Pode-se pensarem extrair da educação apenas o "alimento" da máquina tecnocrática. Ou,ao contrário, mais que usar instrumentalidades, se procura obter dela umanova inteligência do homem e da sociedade, pela qual taisinstrumentalidades vão ser acionadas e com a qual se elaboram novospoderes e, sobretudo, uma nova liberdade de criação e de promoção hu-mana.5 A liberdade de criação e de promoção é ao mesmo tempo causa eefeito: ela cria um espaço e pressupõe o espaço de novos protagonismos easpirações. Dentro dele podem distender-se radicalismos e realizar-se umarevolução sem catástrofe. A tensão dialética persiste, revolucionariamente,gerando um processo continuado de transformação social, em lugar decrises espasmódicas logo reabsorvidas pelo statu quo.

Trata-se, ao contrário da dialética marxista, de uma práxis que se de-senvolve a partir do pluralismo divergente, mas também convergente.Assinala Ricoeur:

[...] je pense que nous devons toujours garder à l'esprit, au moins comme unerequête lointaine, cette exigence d'une société pluraliste. Ici je m'opposerai trèsvivement à l'idée marxiste qu'une société pluraliste est nécessairement le refletd'une lutte de classes. Il y a une vertu propre de la divergence d'intérêts etd'opinions, ainsi que de la compétition, où il faut voir non seulement un facteurd'incitation sociale, mais surtout un facteur de responsabilité. Le pluralisme res-te la voie privilégiée de l'exercice collectif de la liberté. Je résisterai pour ma partde toutes mes forces à la réduction de l'idée de compétition sociale à celle de luttedes classes. C'est au contraire um problème majeur des sociétés industrielles defaire succéder de nouveaux types de pluralisme à la lutte des classes, afin que lasociété industrielle soit une société libre (1966, p. 184).

E continua Ricouer: "Je pense que la tâche de l'éducateur est d'êtreutopiste, de maintenir au sein de la société une tensión constante entre laperspective et la prospective" (1966, p. 184 e 190).6

5 Em nossa concepção, existe uma distinção entre a promoção social e a promoção humana: a primeira obedecendoprimordialmente à lógica do sistema, com as suas necessidades e conveniências, e a segunda, aos interesses do própriohomem além do sistema. Entretanto, o homem e o sistema social se entrelaçam, dialeticamente.6 Consultar também E. Bloch, "Processus et structure" (sobre a utopia) In: Genèse et structure (coletânea, Paris: Mouton,1965); (Ricoeur e Bloch têm perspectivas bastante diferentes, mas sempre sérias e fecundantes). Ver, ainda, TrigueiroMendes, Durmeval: 1) Toward a theory of educational planning: the Brazilian case (Michigan State University, 1972) – Cap."Impasses of planning"; 2) "Universidade, teatro e povo", prefácio do livro Os mistérios da missa, de C. de la Barca. Rio deJaneiro: Civilização Brasileira, 1963; 3) Fenomenologia do processo educativo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v.60, n. 134, p. 140-172, abr./jun. 1974.

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Em relação à universidade, defendemos a

[...] redução do pluralismo, em termos dialéticos, a uma unidade que não eliminaos termos conflitantes, mas os incorpora ao longo dum constante processo purifi-cador ao nível da racionalidade. A tolerância intelectual, o tempo e o métodoredutor, que evita a eiva da má consciência ideológica, são os fatores de umauniversidade do pluralismo, nos tempos da controvérsia, dos cortes culturais,como são os nossos tempos. Seria ela a versão moderna da conversão (TrigueiroMendes, 1966).

O que põe a universidade acima das limitações do arbítrio e de qual-quer particularismo é a autonomia da razão em sua totalidade concreta edinâmica, manifesta na plenitude de cada momento histórico. Nenhumparticularismo teria capacidade de expressá-la. E mesmo o Estado, pelasua inevitável parcela de pragmatismo arbitrário, não pode superpor-se àuniversidade; de certa forma, até, como reino da razão, a universidade sesepara virtualmente do Estado por uma tensão dialética, que é parte da-quela outra, armada entre os dois pólos que dividem a sociedade: aracionalidade e a irracionalidade.

A razão nem é a dos racionalistas, nem muito menos a dos tecnocratas,que são os racionalistas de hoje, depositários de uma razão deterioradapor três séculos de tendências mecanicistas. Trata-se de uma razãoenraizada na existência, na sua riqueza e variedade7 e na sua própria trans-racionalidade. Uma razão de práxis, e não o oposto a ela. Normativa, nãoporque rejeite as "impurezas" da ação, mas porque as incorpora como aprópria densidade do que precisa ser ordenado.

A sociedade industrial e a educação

A sociedade industrial depende cada vez mais de esforço criativo ede competências, concertados em termos de qualificações cada vez maisaltas. É necessário, entretanto, dar dimensão política ao processo indus-trial, ampliando essas qualificações tendo em vista não apenas a solidari-edade das competências como a das iniciativas no plano político. A in-dustrialização, bem como os modelos societários de ação que ela produz,

7 O infinito do homem é o infinito, indivisível em si mesmo, se revelando e realizando no tempo, in-finitamente, pelamultiplicidade dos homens, os quais, todos, como lembrava Pascal, marcham através do tempo como se fossem um sóhomem. A reiteração sui generis que o in-finito é toda a ambigüidade da história e o paradoxo do homem. É a realização doInfinito, no modo do tempo, discursivo, ilimitado, suscetível de mudança e crescimento contínuo. A dialeticidade é a vidae o método desse contraponto. A forma de preservar os dois componentes da dialética existencial é admitir que a existên-cia concreta do homem é permeada e fertilizada pelo infinito, não para concretizá-la cumulativamente, mas para exercerincessantemente a aventura de sua interrogação; para viver a experiência do ser em todas as direções e, em cada umadelas, como uma aventura válida, um caminho substancial, e não uma simples interrogação neantizante (ver Sartre) efrustradora. Parece-nos que, em nossa concepção, se abriga a utopia.

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já estão determinando o protagonismo da maioria sobre a minoria privile-giada num plano técnico – o do fazer. É indispensável que o mesmo fenô-meno ocorra na ordem política, em que envolvida a capacidade de fazerfazer,8 o poder de decisão.

A educação acompanharia esse processo, mas também de certa formao aceleraria e, mais ainda, alteraria as condições em que ele se desenvol-ve. A educação seria um instrumento dialético que reduz, tendencialmente,a unidade da práxis, em nova sociedade, as diversas dimensões do agirhumano no plano profissional, no plano social e no plano cívico-cultural.

É fácil, por exemplo, analisar a expansão do ensino superior. Não podehaver essa expansão sem a mudança das condições básicas da sociedade: sóse compreende adequadamente o conceito de desenvolvimento e o funcio-namento da sociedade moderna no sentido da estrutura das massas e daengrenagem sobre a qual assenta a industrialização. Paradoxalmente, o pro-cesso social, que introduziu o império das máquinas, estreitou a solidarie-dade dos indivíduos dentro do sistema de ação que ele gerou e que o susten-ta. Sistema que aproximou não só a produção e o consumo, mas também ofazer e o ser, ligando indissoluvelmente o modo de qualificação ao modo departicipação. Administradores e pedagogos estão interessados em novas

8 A pólis se distingue, teoricamente, pela unidade da práxis dos cidadãos mediante a qual se harmonizavam a liberdade ea ordem social. Fazer e fazer fazer estavam no mesmo nível. O centro e a periferia, o poder e o povo se confundem na suadialética. A única condição era pertencer ao universo político que guardasse internamente a sua homogeneidade. *A novapólis seria a síntese, que incorpora a pólis ateniense clássica (só tendencialmente) **à antítese industrial e tecnológica.*Prospectiva: a educação dentro de um tempo e de um espaço social unificado, através da comunicação, do trabalho e daorganização política. Superação da educação rigidamente estruturada ao sujeito (escalonamento por idade e geração) e emrelação ao objeto. O "sujeito histórico" da sociedade tende a ser um só, congregando as diferentes classes sociais e diferen-tes grupos etários e, dessa forma, a interessar-se cada vez mais pelo mesmo objeto. Unidade de objetivos "intencionalidade"(projeto) num novo tipo de sociedade democrática. Em nosso programa de Filosofia da Educação II (Iesae, 1972), destaca-mos o ponto 6 – Educação e comunicação: conversibilidade entre o processo de comunicação e o processo de educação.Coincidência, como horizonte a vista, entre "espaço educacional" e "espaço social". Tendência para a des-escolarização" doprocesso educacional como instâncias sociais das próprias instâncias sociais, investidas da função educativa. **No dis-curso de Péricles, inserido no livro de Trucídides, Histoire de la Guerre du Péloponesse (Paris: Garnier, 1948, p. 118-126, t.1), se vê "Cette contrée que sans interruption ont habitée des gens de même race , est passée de mains em mains jusqu´àce jour, em sauvegardant grâce à leur valeur as liberté [...] Nous l´avons accrue, nous qui vivons encore et qu sommesparvenus à la pleine maturité parvenus à la pleine maturité. Cést nous qui avons mis la cité em état de suffire à elle-mêmeem tout dans la guerre comme la paix. [...] Em ce qui concerne les differents particuliers, l´égalité est assurée à tous parles lois; mais em ce qui concerne la considération em raison de son mérite, et la classe á laquelle il apartiente importemoins que as valeur personelle; enfin nut n´est gêne par la pauvreté et par lóbscurité de as condition sociale, s´il peutrendre des services aà la cité". A pólis democrática estava marcada pela influência de Solon e, depois, Péricles. Na análisede Glotz (La cité grecque. Paris: A. Michelet, 1968, p. 13), se afirma: "Nous apercevons ainsi la grande erreur de Fustel deCoulanges. Conformément: à la théorie qui dominait dans l´école libérale du XIXe siècle, il a étabil une antinomie absolueentre l´omnipotence de la cité et la liberté individuelle, quand cést, au contraire, d´un pas égal et s´appuyant l´une surl´autre qu´ont progressé la puisance publique et l´individualisme". Ver, também, 2ª parte, "A cidade democrática", sobre-tudo p. 144. No declínio da pólis, figura Platão, com suas obras políticas, especialmente a República e As Leis. É interes-sante o cotejo entre Platão – Oeuvres Comlètes. Paris: Les Belles Lettres, 1949, tome VII, 1ª parte. La Republique, livre IV419a; Les lois, t. XI, livre V 745b, p. 116s (ideal e realidade); o livro VI, 753a (p. 116s – as duas igualdades) – e os analistasde Platão: a) G. Glotz ("La cité au déclin," sobretudo p. 328s); b) K. Popper (La sociedad abierta y sus enemigos. :Buenos.Aires: Paidós,1957.Destaques: cap. 6: "O programa político de Platão" (a justiça totalitária, sobretudo p. 117: o discurso dePéricles) e o cap. 10: "A sociedade aberta a seus inimigos"; c) Buber: O socialismo utópico. São Paulo: Perspectiva, 1971.Destaque: p. 186-189; d) F. Chatelet. "Philosophie de l'action". In: Les théories de l´action. Paris: Hachette, 1972, p. 343.Além das análises dos autores já referidos – sobretudo Popper: análise fina e severa – , W. Jaeger percorreu todo o caminhoda paideia, da cultura grega: Paideia, vol. II, cap. II (a herança de Sócrates; cap. III (Platão e sua posteridade); cap. VI(Gorgias: o educador como estadista. México: Fondo de Cultura Económica, 3 v. 1946).

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tecnologias na educação. Entretanto, essas tecnologias não servem apenaspara instrumentar a educação tradicional. Elas não se resumem numainstrumentalidade acrescentada ao arsenal antigo. Não se trata de uma adi-ção, mas de uma ruptura: elas transformam a estrutura tradicional daeducação. Em sentido rigoroso, porém, não é a tecnologia que produz esseefeito, já que ela se insere, simultaneamente, como efeito e causa no con-junto das mudanças estruturais da sociedade moderna. Tecnologia e mas-sa vivem em simbiose, como alicerces – ambas – da sociedade industrial.

Na educação tradicional, é o logos. Agora, graças à tecnologia, temosa possibilidade de multilogos, ou o diálogo multitudinário que rompe aestreiteza do logos pedagógico tradicional. O destaque do logos e da práxisé sua transmissão à máquina. A máquina retém a mensagem, mas tambéma desdobra ao longo do processo de comunicação, e gera mudanças quali-tativas. Por exemplo, a quantidade de educação que a tecnologia permiterealizar muda inclusive o projeto educacional, assim como o projeto polí-tico que lhe serve de base. A qualidade se transforma em quantidade eesta naquela, indefinidamente. Se um projeto brasileiro ampliasse a ex-tensão da escolaridade em todos os níveis e, simultaneamente, assegu-rasse o modelo inadequado, já estabelecido, no sentido da qualidade daeducação, seria um equívoco. Alguns planejadores não pesquisam essesdesdobramentos da qualidade/quantidade (qualidade antropológica, eco-nômica, política, educacional, associando-se quantidade de alunos, pro-fessores, orçamentos, tipos de instituições e organização social), e nessecaso seriam aprendizes de feiticeiro. Não há um projeto real; seria a mis-tura de espontaneidade e de normas sem respaldo científico (dados efatos, inclusive políticos).

A industrialização impõe que a educação seja adequada à participa-ção qualificada e solidária do maior número no funcionamento articuladoda práxis social, ou seja, do sistema de ação da sociedade. Até aí, fica aeducação contida nos limites de suas virtualidades técnicas e instrumen-tais, limites que o contexto tecnocrático pretende reforçar. À maioria fi-cam reservadas as decisões políticas e a prerrogativa de fazer fazer. Noplano político, esse modelo, em nossos dias, não oferece variação tão subs-tancial em face do modelo dualista tradicional. Só que agora o fazer seapresenta mais ou menos sofisticado, enquanto na sociedade pré-indus-trial ele se esgotava em atividades rudimentares e repetitivas. Mas emambos os casos há apenas o fazer – em vez do fazer fazer, a condição deObjeto, em lugar de Sujeito (histórico), a instrumentalidade em oposiçãoao protagonismo dos fins.

Acreditamos, porém, que a dialética da sociedade industrial não sedetém aí, e que os impulsos que ela desencadeia vão produzir, entre ou-tras alterações qualitativas, a conversão gradativa da exigência técnica emexigência política.

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Nação desenvolvida

Uma nação moderna não pode viver de um pequeno grupo desupertecnocratas, mas da eficiente educação do povo. Eficiência econô-mica, social e cultural existe em cada nível de ensino, correspondendo, acada um desses níveis, necessidades econômicas, sociais e culturais.

É preciso compreender a nação como um "cheio" – uma totalidadecompacta e dinâmica, dentro da qual todos se distribuem somando efici-ência, sendo igualmente necessária a educação como o processo capaz deprover essa eficiência plena ao longo do tempo e de suas exigências inces-santemente renovadas.

O conceito de totalidade, no caso, não significa apenas aproveitamen-to de todos os indivíduos no projeto coletivo, mas também o aproveita-mento de toda a sociedade em benefício de cada indivíduo (TrigueiroMendes, 1969, p. 9-10). Assim como há uma solidariedade das pessoaspara um empreendimento comum, existe uma solidariedade dos mecanis-mos e das estruturas sociais no sentido de facilitar essa inclusão dos indi-víduos no projeto social.

Há um nítido processo de convergência de todas as técnicas sociaiscomo última etapa da dialética da sociedade industrial, superandodualismos que ela própria, em certa altura, exacerbara (sobretudo entre otrabalho e a educação), e ultrapassando o estágio de rígida divisão de tra-balho a cuja sombra, igualmente, ela floresceu. Poderíamos dizer que astécnicas sociais caminham para uma crescente conversibilidade confun-dindo-se com as de educação, estas com as de cultura e de comunicaçãoetc. Em última análise, a ação humana encontra-se consigo mesma, capa-citando-se o homem todo para a totalidade da ação. Ou seja, toda a educa-ção para toda a ação; mas também toda a ação para toda a educação.Expliquemo-lo mais claramente. Compreende-se, cada vez mais, a açãocomo um todo cujas virtualidades percorrem todas as suas manifestaçõescomo artérias dentro das quais corre o mesmo sangue unificador. Isso levao homem a encontrar-se consigo mesmo, com a plenitude (inacabada) desuas potencialidades, revelando-lhe a identidade profunda do homo sapiense do homo faber. A identidade da ação – como uma só – abriu caminho ànova identidade do homem, como um ser só. Foi preciso que a humanida-de revelada na história realizasse essa integração, para que cada indiví-duo, em particular, pudesse realizá-la. Por outras palavras, a integração deseus vários aspectos vem-se processando de fora para dentro: primeiro,no plano das estruturas sociais, e só depois no plano de suas harmoniasinternas. Foi necessário que, exteriormente, se reduzisse a separação en-tre a educação e o trabalho, entre classes educadas e classes trabalhado-ras, para que, internamente, na práxis individual, se pudessem conciliaraquelas duas dimensões. Só então a educação resolveria o problema de

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sua ambigüidade fundamental, que hoje se traduz, por exemplo, nas ex-pressões "educação geral" e "educação técnica" (Trigueiro Mendes, 1969,p. 9-10).

A pólis grega é um caso bastante ilustrativo, não só sob esse ponto devista, mas também sob o prisma da evolução da racionalidade política. Amarginalidade dos trabalhadores em relação à pólis, assim como a escassezda tecnologia são responsáveis, em grande parte, pela tênue presença dotrabalho na reflexão política da época. Ora, o trabalho e a tecnologia domi-nam o mundo moderno e constituem as fontes principais de sua complexi-dade e de seus dinamismos. A racionalidade política, na Grécia de Platão,foi absorvida pela ética muito mais do que pela técnica, no sentido de que ofazer dos gregos se situava muito mais na ordem moral e especulativa quena ordem material. Mas como o fazer se confunde com o fazer-se, a ética –ou a Política, que era sua expressão mais completa – enfeixava asinstrumentalidades com que os indivíduos não só se inseriam na pólis comoa construíam e lhe entretinham os dinamismos com as estruturas que elapossuía. O reino da razão se impunha ao reino da política, mas por viasdiferentes das que vieram a prevalecer a partir da Revolução Industrial.Desde então, as complexidades a que acima aludimos, com a projeção dotrabalho na pólis e o apoio de uma tecnologia emergente e extremamentedinâmica, a racionalidade técnica tomou uma enorme projeção, enrique-cendo, ou integrando (às vezes, substituindo ou pretendendo substituir) aracionalidade política, como expressão do esforço organizacional, de umlado, e de outro, da inevitável proeminência do econômico. A civilizaçãotecnocrática pretende sobrepor, como a expressão da nova pólis, o planoconstituído por uma racionalidade linear e rasa. "Deve-se considerarclaudicante todo avanço cultural de que esteja excluído o pensamentotecnológico e o logos da técnica. A técnica não pode ser considerada comouma derivação da ciência, mas como uma ciência aplicada. [...] Uma cultu-ra autêntica sempre integra a tecnicidade à inteligência"9

O cimento da homogeneidade da pólis era a paidéia, como deverá serem uma nova cidade. Entretanto, essa homogeneidade é fundamentalmentepolítica. O erro básico da mútua, tecnocracia consiste em pretenderhomogeneizar despolitizando, o que, em última análise, significa organi-zar uma massa instrumental a serviço de instâncias políticas situadas forae acima dela. Os tecnocratas simulam despolitizar reduzindo todos os seusproblemas a problemas técnicos: na verdade, eles racionalizam (nos doissentidos do termo) uma pólis com a qual identificam interesses a que,inconscientemente ou não, passam a servir. A idéia de homogeneizar pelo

9 Auzias, J. M. La filosofia y las técnicas (contracapa). Barcelona: Oikos-Tau, S/A,1968.

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critério da racionalidade técnica leva a um novo tipo de sociedade hetero-gênea., em que a classe política é substituída por um mandarinato quetransforma seu saber em poder. A perspectiva de exclusividade desse sa-ber é tão perigosa quanto o caráter contingencial da escolha dos que vãoexercê-lo. Porém, mais funesto que ambos, é a impostura ideológica comque se destaca o compromisso político como uma espécie de lógicaorganizacional e mecânica, e uma política de fins por uma política de mei-os. Com que, em suma, um regime tecnocrático se instala sob o signo daintocabilidade da razão.

A lógica mecânica e "técnica" é incumbida, igualmente, de elaborar osplanos de desenvolvimento. Aqui o problema se desloca para outras pers-pectivas, mas não acarreta riscos menores. O desenvolvimento dos váriospaíses do Terceiro Mundo está a cargo de tecnocratas, destituídos tanto davisão política quanto da visão universitária dos problemas. A sociedadefica comprimida por uma visão que exclui toda a sua densidade. O saber,ao mesmo tempo que é convertido em poder, é reduzido a esquemasnormativos a que faltam, no plano científico, consistência e universalida-de. A desconexão entre a universidade e o projeto nacional nos parece umfenômeno extremamente inquietante.

Périplo da Razão

O fenômeno é, antes de tudo, de sociologia da cultura. Instalando-sedentro de um quadro fixado pelo "economicismo", a tecnocracia transfor-ma o economista no novo Príncipe (no lugar do de Maquiavel). Não por-que aquele tenha assumido as artes deste, mas, exatamente ao contrário,por pretender tê-las superado com uma nova arte – ou melhor, uma novarazão que dispensa todas as artes da política. Para a ambição tecnocrática,a razão técnica substitui a "razão pura", ou a "razão fenomenológica", ou arazão dialética (para referir momentos destacados da moderna história dacultura), assim como o plano (em que ela se encastelou) substitui a Políti-ca de Aristóteles (síntese da cultura antiga), a Summa tomista (síntese dacultura medieval) ou a enciclopédia (síntese da cultura que brotou da Re-nascença). A lógica tecnocrática escamoteia a espessura do real e, por isso,tem a ilusão de controlá-lo. A pressa em chegar à razão técnica converteuesta simples lógica de meios.Imaginando-se desobrigada de situar-se emreferência aos fins, ela termina colocando-se – inconscientemente ou não– a serviço dos fins do establishment. O empenho de buscar categoriasneutras – (seria uma contradição) – e a troca, em decorrência disso, doplano político pelo plano técnico, resulta de uma justificação prévia dapolítica estabelecida. A adesão implícita dos valores leva os tecnocratas aconsiderar irrelevante até mesmo o problema dos valores. Mas seu esforçoordenatório já se exerce sob um ethos interiorizado.

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Faz-se a divisão do trabalho na sociedade e se confere a uma minús-cula fração o privilégio de ordenar a totalidade social. A tecnocracia seisola de todas as instâncias, fazendo pairar sobre elas a sua solidão. Entre-tanto, parece-nos, ao contrário, que a decisão política e o planejamentoglobal se sobrepõem a todas as instâncias que integram a contribuição decada uma delas: uma forma de organizar e dar eficiência ao pluralismosocial, político e cultural. Nisto tem extrema importância o papel das uni-versidades: imagem real do pluralismo e instrumento de sua articulação.

Universidades particulares

Poderia a universidade particular favorecer o dinamismo e o pluralismocultural e social?

A nosso ver, deveria existir a prevalência da educação pública (nosentido de educação comum) sobre a educação nas instituições particula-res. Entretanto, não há educação pública, como um arquétipo, solto noespaço. Existem conjunturas favoráveis às duas direções: a educação pú-blica e a educação particular. O problema real é o regime político. Noregime autoritário não há distinção, por exemplo, entre educação públicae educação oficial (esta, baseada numa ideologia burocrática).

Na atual conjuntura brasileira, poder-se-ia dizer que algumas insti-tuições universitárias particulares têm o seu dinamismo muito mais renteao dinamismo social do que as universidades oficiais. Aquelas institui-ções poderiam criar (e, na verdade, já criaram) outros estilos, outras sensi-bilidades, outros discursos que, finalmente, desaguam no estuáriopluralístico.

Entretanto, insistimos, há uma chance (ameaçada): sair do torniquetetecnocrático, da sedução do paradigma das universidades oficiais. A ênfasetecnológica não significa apenas uma opção por um modelo educacional,em última análise, um modelo político. Ela resulta de um engajamento como "sistema de ação" vigente, acionado, em grande parte, pelos recursos ofici-ais destinados à realização de estudos a serviço da área tecnológica. O quequer dizer que está condicionada pela política dos órgãos governamentais.

Nos Estados Unidos acontecem fenômenos semelhantes. Clark Kerranalisa:

It is interesting that American universities, which pride themselves on theirautonomy, should have taken their special character as much or more from thepressures of their environment as from their own inner desires; those institutionswhich identify themselves either as 'private' or as 'state' should have found theirgreatest stimulus in federal initiative; [...] those institutions which had theirhistorical origins in the training [...] should have commited themselves so fully tothe service of brute technology (1964, p.49).

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O conceito de particularidade

As instituições universitárias particulares exercem, paradoxalmente,a liderança cultural e, indiretamente, a influência marcante do processodemocrático. São instituições particulares no sentido de encarnar o estilode serem públicas.

Entretanto, é preciso distinguir dois tipos de instituições universitá-rias: algumas procuram representar, antes de tudo, a refração do público,e outras se empenham pela sua diferenciação e vitalização da comunida-de social. De um lado, seria uma experiência original destinada a enrique-cer a cultura e a sociedade; de outro lado, representa, eventualmente, ummecanismo "redutor" da universalidade.

Há um tipo de individualismo institucional. A família ou a Igreja nãoconstituem instâncias intermediárias entre o seu dinamismo criador e atotalidade social a ser fertilizada por elas, e, sim, instrumentos deenfeudamento que as enquistam na totalidade e as desarticulam. Essasinstituições, ao mesmo tempo que representam o indivíduo, o sufocam, eentão a religião se torna sectária, e a família, uma fonte de discriminaçãosocial.

No outro caso, o indivíduo mantém o diálogo direto com o universo.Ele é um ponto da circunferência, podendo contemplar toda a vastidão docírculo. Esse tipo de individualismo, paradoxalmente, leva à totalidade, àsociabilidade, à universalidade.

Há um individualismo de posse e um individualismo de doação; umde ter, outro de ser.10 O economista F. Perroux distingue, a respeito dodesenvolvimento econômico, entre o avoir plus e o être plus. O individua-lismo possessivo deseja atrair os bens para usufruí-lo, no confinamentode seu casulo individual ou grupal, enquanto o individualismo criadorapropria o que recebe, para devolvê-lo recriado e enriquecido.

Universidade e empresa

A empresa industrial procura atar a sociedade a sua particularidade,no sentido de criar estímulos de consumo/produção, sem apercepção an-tropológica (apercepção no sentido forte de Herbart) dos objetivos sociais,culturais, econômicos, educacionais. Pondera Bertrand de Jouvenel:

10 B. de Jouvenel, "Arcadie", conferência in Rencontres Internationales de Genève, 1961. Ele continua sua reflexão: Lacolaboration des Occidentaux et des Soviétiques pour la subversion des peuples sous-developpés est une chose effroyable.Ces peuples sont très loin de notre développement industriel. Faut-il leur donner à penser que le bonheur social n´estpossible qu´à partir de notre degré de puissance industrielle, et par la sanctionner toutes les souffrances qu ´impliquel´impératif de líndustrialisation accélerée, pris comme seule règle de politique nationale?"

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Tout l'art de la raison pratique est de faire jouer les causes efficientes au servicede causes finales, que nous sommes libres de choisir et que nous avons l'obligationmorale de bien choisir. La cause finale du processus économique c'estl'amélioration de l'existence humaine, qui doit être le concept central d'uneplanification sociale (1961).

A empresa é particularista no sentido da desarticulação da práxis co-letiva, enquanto a universidade o é no sentido da invenção de novos mo-dos de articulá-la.

A universidade contém, sempre, a tensão entre a diferenciação e auniversalidade. A empresa industrial tem um momento de originalidade,de inovação, na concepção de Perroux,11 mas, imediatamente – e inces-santemente – tende a uniformizar os modelos de consumo/produção.

Parece-nos que, nas universidades oficiais, subsiste a perda da veloci-dade e, por mecanismo compensatório, o redobrado élan das universida-des particulares.

Entretanto, a vocação das instituições universitárias particulares – oreforço e a reorientação de seus dinamismos na linha que acabamos deponderar – não se afirma de maneira automática: elas precisam ganhar aconsciência dessa vocação e de sua práxis. Continuam latentes no seu novodesempenho as contradições que elas acobertam: a tendência à privatizaçãoque marcou grande parte de sua tradição ligada ao espírito de classe. A lutaa favor da escola, ou da universidade particular, tem, muitas vezes, disfar-çado, esse espírito, no pretexto de defender o direito ao pluralismo filosófi-co na educação. Além disso, subsiste, em algumas instituições, o lucro gra-ças a certa contaminação entre os dois tipos de particularidade a que nosreferimos acima: o empresarial absorve o universitário. Interesse real, tam-bém, nas universidades católicas de outrora, o triunfalismo que sobreviveu.Continuava como uma aderência do contexto cultural da Idade Média, ida-de em que a unidade se converteu, por hipostasis, de uma realidade históri-ca numa realidade metafísica. Mas, enquanto a universidade medieval eraautêntica, e a nossa, artificial, a universidade medieval poderia ser pluralísticana linha de seu tempo, e algumas universidades católicas permanecem"univocistas" contra a sua época.

Agora, depois do Concílio de João XXIII, a onda de renovação da Igrejavai levando de arrastão estreitezas e aderências institucionais já superadas.Entretanto, as instituições universitárias particulares se refletem nassucessivas conjunturas brasileiras, as oscilações entre o pluralismo e aideologia monolítica, a diferença sociocultural e o muro tecnocrático. Al-gumas vezes, representavam um foco de sectarização em contraste com o

11 B. de Jouvenel, idem.

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sistema público de ensino, caracterizado como sistema aberto, permissivo epluralístico; outras vezes, a sectarização está do lado do sistema público.

Universidade pluralística

1. Na universidade medieval, a comunidade dos mestres e alunos re-fletia a comunidade da cultura. Tinha-se alcançado um nível de maturida-de que reclamava uma espécie de parada para a autoconsciência reflexivae ordenadora, a avaliação do caminho percorrido e o delineamento denovas perspectivas. A cultura medieval tomara consciência de si mesma:dava o balanço e fazia as projeções. Aclarava seus pontos referenciais eassinalava as marcas de sua escalada. Isto que faz, de resto, toda culturano ápice de sua maturação, por um imperativo dos seus dois impulsosfundamentais: de tradição – às vigências que se pretende consagrar – e derenovação – às vigências que se pretende instituir. É um momento culmi-nante de equilíbrio, em que a sociedade fechada e a sociedade aberta seencontram para se integrarem harmonicamente, a tradição abrindo-se aosnossos tempos, e a aventura de liberdade criadora vinculando-se à disci-plina da cultura e à exigência de sua institucionalidade.

A universidade medieval, do ponto de vista da filosofia da cultura, foium desses momentos culminantes. Nem todos os tempos são igualmentefelizes para atingirem esse marco nítido de maturidade; para alcançá-losimultaneamente em toda a Terra; e para dele tomarem consciência. Anossa época, por exemplo, é tipicamente o oposto disso. Todas as suastentativas de tomada de consciência são fragmentárias, e as que preten-dem ser abrangedoras do todo, apenas metem o todo em perspectivas uni-laterais. É que nem nos elevamos, ainda, àquela maturidade, nem o nossotempo é simultâneo; dentro dele, vários tempos se atropelam: sociais, cul-turais, históricos etc. A unidade é hoje a mais forte e dolorosa das aspira-ções de nossa época: sua utopia mais febril e generosa.

O conflito de vontade dentro da universidade representa, em grandeparte, um choque ideológico, no sentido amplo da palavra: entre esque-mas de valores, opostos pela diferença de gerações ou pelas diferentesperspectivas políticas. Ora, será "utópico" supor o consenso por sobre es-sas divisões intransponíveis.

2. Só podemos entender a universidade como o esforço da razão: paraser universal na compreensão da totalidade, deverá tornar-se universalpela reunião de todas as perspectivas. Numa cultura polêmica como anossa, é indispensável a universalidade pluralística. Ela encontra a pleni-tude... inacabada. Ao contrário disso, toda rigidez, todo ideologismo, pre-tende ser a consagração de um momento cultural... imóvel.

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O facciosismo deve ceder lugar ao pluralismo. O método da violên-cia, ao da investigação racional. A ânsia de dominar, ao labor paciente deconvencer. À reação dos nervos feridos, a da razão.12 A pesquisa universi-tária significa a busca de um novo cogito: instaurador.

12 A razão é imantada pela ideologia e pelo mito (v. nosso texto "Fenomenologia do processo educativo"(9). Os mitos têmde comum a superfetação. A realidade é traída na cultura, eis o fato dramático da cultura. Mas também pela cultura arealidade se traduz. A consciência dos fatos e a superfetação dos fatos ao mesmo tempo – aí reside seu paradoxo e suadialética. É que a consciência aperceptiva é a consciência superfetadora. No mesmo passo que percebe a realidade, oespírito a escamoteia.

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8Anotações sobre o Pensamento

Educacional no Brasil*

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A Escola Nova e seus protagonistas

A meu ver, a Escola Nova, na Europa e nos EstadosUnidos, era um epifenômeno cultural, embora algunspedagogos, inclusive os Pioneiros de 1932, não tenhampercebido a malha complexa dessa doutrina. Sabe-se queos pioneiros da Escola Nova, no Brasil, utilizaram primor-dialmente os métodos, transpostos dos Estados Unidos, emenos o conteúdo. Entretanto, não só os Estados Unidos,mas também países europeus aglutinam, bem ou mal, con-teúdos e métodos. Mas alguns críticos brasileiros da EscolaNova omitem totalmente esse aspecto, sobretudo as dife-renciações entre o Brasil e os outros países quanto às ori-gens geográficas e, principalmente, culturais.

Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira marcaram odivisor de águas em relação à Escola Tradicional, no senti-do preciso: organizam as vigências culturais do passado e

* Estudo publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 68, n. 160,p. 493-506,set./dez. 1987.

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do presente, no Brasil, desde a Revolução de 30, expressas sobretudo noManifesto dos Pioneiros, até a década de 60. Percebe-se nesse documentoa separação entre a educação, de um lado, e a economia e a política deoutro. A educação não está problematizada no País – está submersa, ouquase imóvel, frente às modificações sociais – , ao passo que a economia ea política são problematizadas. Um dos truques da educação não-problematizada consiste na Escola Nova no Brasil: ela não mexe no con-teúdo (transformações sociais via educação) e sim nos métodos e técni-cas. Ou melhor, os conteúdos existem, mas freqüentemente embutidos doexterior para o Brasil, lubrificados pelos métodos e técnicas, destinados,sobretudo, à industrialização e à modernização. Por isso, o Estado não temprojeto político, precisamente por ser país dependente, condicionado pe-los centros hegemônicos no plano político e econômico, enquanto que, noplano cultural e pedagógico, a inteligentsia se contenta com os modeloseuropeus e norte-americanos como uma das formas de alienação. Mas,paradoxalmente, a Escola Nova e a Escola Tradicional, com visadas opos-tas, confluem em alienação, isto é, a separação entre duas instâncias.

Gostaria de assinalar as diferenças entre os principais protagonistasda Escola Nova. Anísio Teixeira era educador, pensador, com lastro filosó-fico às vezes lacunoso, precisamente pelo precário nexo entre opragmatismo e outras tendências, não só nos Estados Unidos, mas sobre-tudo na Europa (a não ser algumas vertentes na Inglaterra). Por exemplo,ele era seduzido, ao mesmo tempo, pela concepção de Dewey e pela deWhitehead, bastante diferentes, e que não foram articuladas. Fernando deAzevedo, educador, reformador do ensino, erudito ambicioso, às vezesresvalava para a incongruência, por exemplo, ao associar, de um lado, oracionalismo cartesiano e o iluminismo kantiano e, de outro, o positivismodurkheimiano e a escola socialista, convivendo com Dewey e outros pro-tagonistas da Escola Nova. Entretanto, e mesmo sem maior originalidade,talvez a melhor obra de Fernando de Azevedo esteja na Sociologia Educa-cional, nessa área, regida pela concepção de Durkheim. Destaco também ogrande empreendimento de Fernando, isto é, o inquérito promovido peloO Estado de S. Paulo (1926) e publicado em Educação na encruzilhada(1937), com os mesmos problemas de hoje, embora com outros ângulosnovos, desvanecendo a bruma que sua ideologia fez. Outro livro é A cultu-ra brasileira, rico repertório de dados e fatos relevantes na análisehistoriográfica; o que lhe falta é, precisamente, o significado dos própriosproblemas na sua interpretação vertical, das estruturas políticas, cultu-rais e econômicas. Quanto a Lourenço Filho, é um pedagogo, organizadordo ensino e administrador capaz e exigente, tentando articular a pedago-gia com a psicologia, no mesmo diapasão da Escola Nova. Em relação aFernando de Azevedo, é significativo o retorno da Ilustração, que norteia,em grande parte, a concepção da USP em 1934. Iluminismo e idealismoautoritário, através das metamorfoses históricas desde o século 18.

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Esses pensadores difundem o saber (cultura e educação) para o povo,de cima para baixo, segundo o código hegemônico das classes dominan-tes; mas eles têm uma tarefa, naquela época, cuja organicidade era eficaznuma sociedade de classes. Hoje, há a distorção da Ilustração para aracionalidade, vagamente weberiana, estipulando o critério de qualidadedo ensino sob o nome de "meritocracia" e "excelência", extremamenteambíguo, pois esse postulado, inscrito nas leis e planos educacionais, sedesfaz ingênua ou perversamente na prática. Na verdade, a perversão con-siste, precisamente, na homogeneização do saber, para encobrir, na socie-dade de classes, os valores e os signos cindidos entre as classes subalter-nas e as elites políticas, econômicas e culturais.

Esse assunto, atualmente em voga, deve ser aprofundado:

1º) O Manifesto dos Pioneiros não postula um modelo político e eco-nômico explícito no Brasil. O governo de Getúlio Vargas utiliza o docu-mento como meio (todo mundo sabe que esse trabalho incorporou ingre-dientes da Escola Nova), mas não como fim (político). Em termos históri-cos e epistemológicos, existe incongruência entre a Escola Nova (experi-ência, pesquisa, invenção, criatividade, descoberta) e o modelo político,isto é, a organização social autoritária do Estado, que inibe a iniciativabaseada na Escola Nova, no plano da educação e no plano social.

2º) A Escola Nova é, às vezes, ambígua, pois, de um lado, encoraja ecorporifica os postulados já referidos e, de outro, serve para funcionarem todos os regimes políticos e econômicos, desde que haja a ideologialiberal, como é o caso dos Estados Unidos e de alguns países europeus,ou seja, ela não tem compromisso político explícito. Isso ocorre não sócom a Escola Nova, mas também com a maioria das doutrinas pedagógi-cas nas democracias liberais ocidentais. (Insisto e alerto para que não seincida na incongruência: o truque, a astúcia estipulada pelo Estado Novoconsiste em ocultar a contradição, na Escola Nova, entre a ideologia li-beral desses países e o regime fascista brasileiro: pesquisa, criatividade,descoberta, etc., eram manipulados.) Somente os regimes socializantesdemocráticos procuram articular eficazmente o político, o econômico eo pedagógico; mais profundamente, articular a subjetividade e a objeti-vidade incorporadas no trabalho e na práxis. Uma das razões restritivasà análise de alguns estudiosos da educação, apesar do respeito a elespela sua contribuição valiosa, é que não integram a escola e o trabalho, asociedade de classes e o regime político, concretamente, no Brasil. Con-teúdo, método e compromisso político planam no abstrato. Obviamente,seria ilusão preconizar o regime socializante na atual conjectura brasileira.O importante é uma crítica consistente da sociedade de classes e umaproposta política e pedagógica.

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3º) A Escola Nova se apropria de fragmentos da experiência semarticulá-los coerentemente. O pragmatismo de Dewey não tem um fio con-dutor da conjuntura social e histórica; no seu liberalismo, estabelece ajus-tes e reajustes espontâneos, como faz a economia capitalista, contornandoa sociedade de classes. Ao contrário disso, o currículo de ensino deveestabelecer a articulação e a coerência dos conteúdos antigos e novos, namedida da continuidade e da transformação social.

Ainda a posição dos três educadores: Lourenço Filho integra a EscolaNova com o Estado Novo; Fernando de Azevedo, vacilante, justifica oGoverno de 1937: "a política adotada pelo Governo da União julgou poderfazer a economia do conflito nesse [educação] e em outros domínios, peloconhecimento e pelo equilíbrio das forças antagônicas" (A cultura brasilei-ra, p. 685). Quanto a Anísio Teixeira, fulminado pelo arbítrio fascista, em1935, como Diretor Geral da Instrução Pública no então Distrito Federal,só regressou à administração pública depois da ditadura.

Anísio Teixeira fez propostas e análises pioneiras, nessa época. Suainvestigação injeta, produtivamente, nas instituições, uma criada por ele,a Universidade, e outra, a reforma do ensino no então Distrito Federal; nofundo, entretanto, com maior rigor, está sempre ancorado pelo pragmatismoprimordialmente norte-americano, sobretudo pela reconstrução da expe-riência individual e social. Entretanto, é complicada a postura de Anísio,sobretudo revelada pela diferença entre a ideologia deweyana e a sua vi-são crítica do Brasil. Não há o descolamento mecânico entre o conteúdonorte-americano e os métodos transpostos de lá para o Brasil. Ele estavainteressado no conteúdo (como também Fernando de Azevedo) e no mé-todo, nas matérias de ensino e na aplicação, ilustradas, por exemplo (nocaso de Anísio), no Instituto de Educação. Esse assunto está fartamentedocumentado, mas alguns estudiosos o criticam e, ao mesmo tempo, odesconhecem.

Quanto aos problemas do conteúdo e método, este trabalho traça,apenas, sinteticamente, alguns aspectos essenciais. Fernando de Azevedoe Anísio Teixeira, embora com paradigmas diferentes, apropriam a con-cepção pragmatista da educação; seria o estado-maior, com seus aliados,que comanda a infantaria. O grave, entretanto, é que a apropriação, a ger-minação, a capilaridade, em termos históricos e sociológicos, nãoaconteceram. A infantaria não incorporou sua concepção; uma vertente,bastante vincada na cultura brasileira, não tem o ritmo da germinação,atropelado pelos modelos estrangeiros e mesmo pelos do nosso país.Categorias e método se transformam em estereótipos. A concepção daEscola Nova está esgarçada e fragmentada, espelhada no território nacio-nal, acionada pelos gestores do Ministério da Educação e das Secretariasde Educação. Mas as outras concepções se processam, atualmente, quasesempre, com o mesmo estilo de pensar e de fazer.

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Entretanto, volto a afirmar: o conteúdo da Escola Nova é precário,salvo apenas pela contribuição desses dois protagonistas que, em certamedida, o superaram. A parte positiva da Escola Nova contém o projeto, aexperiência, a criatividade, a interrogação e a problematização; a partenegativa, a rota de reconstrução da experiência individual e social, políti-ca e econômica dentro da contradição, isto é a homogeneidade falsa e aheterogeneidade real, na qual o inconsciente ideológico encobre a socie-dade de classes, a despeito do empenho de Anísio e Fernando em situa-rem a escola única como instrumento de justiça social.

Tendências atuais da educação brasileira

Há o risco, no Brasil, quanto ao comportamento de analistas e estudi-osos, de utilizar categorias do pensamento dialético ou do pensamentofuncionalista, ou estruturalista, ou quaisquer correntes, afastadas da situ-ação brasileira. Nesse caso, há justaposição ou descolamento entre as fon-tes, especialmente estrangeiras, e a conjuntura brasileira. Esse mimetismocultural está analisado em alguns textos meus. Entretanto, se trata de algomais profundo. O Estado brasileiro, sobretudo o governo, não formulauma proposta clara sobre a educação na sociedade de classes, configuradaa formação social encravada, historicamente, no capitalismo brasileiro.

O governo evita, deliberadamente, o projeto político e pedagógico, jáque os países hegemônicos, por exemplo, os Estados Unidos, influem, ex-plícita ou implicitamente, na educação brasileira, isto é, num país depen-dente. O plano educacional está marcado também por influências de outrospaíses europeus como a França, com raízes antigas, agora rejuvenescidas noBrasil. Entretanto, em termos analíticos, pode-se perceber a evidência dediferentes dimensões (política, econômica, cultural e pedagógica), as quaissão isoladas, no país, sob a forma de justaposição. Por que isso ocorre e quala razão da presença de elementos heteróclitos no conhecimento? Precisa-mente pela falta de integração nesse projeto brasileiro. Aliás, pode-se admi-tir aqui a distinção entre justaposição e superposição: aquela seria a colagemde peças desajustadas na superfície, e essa seria a separação da estrutura eda superestrutura, sem corte vertical entre elas, isto é, sem um tecido urdidoe articulado. Por isso mesmo, instâncias isoladas e, portanto, reificadas. Sóexistirá o significado/significante quando houver a complementaridadedialética das duas instâncias.

Entretanto, é preciso alertar seriamente quanto ao efeito complicador:o projeto individual nas instituições (por exemplo, de um educador, filóso-fo ou cientista) e os projetos do governo que, por hipótese, convergiriamnum projeto brasileiro. Ora, o que há são os dois mecanismos de justaposi-ção e superposição no plano individual e no plano do Estado. Por exemplo,

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a maioria dos pedagogos, ou filósofos, cientistas sociais e psicólogos daeducação utilizam alguns modelos, como Marx, Gramsci, Establet, Bourdieue Passeron, Weber, os pensadores da Escola de Frankfurt, os positivistascontemporâneos, alguns estruturalistas franceses, estudiosos da análiseinstitucional, Piaget, Dewey, Rogers, Skinner, os existencialistas etc. É umprojeto acadêmico individual ou institucional (sobretudo na universidade),e do próprio governo, o qual induz, raras vezes, ao próprio projeto acadêmi-co, desde que haja cautela do pensamento crítico frente à ortodoxia gover-namental, quanto à execução. Mesmo assim, é difícil estabelecer a divisãode águas no pensamento do Estado, no qual se mescla a visão liberal e anormatividade tecnocrática (com ou sem planos), o consenso (funcionalista)no desencontro das classes, e a visão economicista do "capital humano",barrada pela visão crítica, histórica, dialética.

Há também pedagogos sem lastro filosófico e científico, que preten-dem, engenhosamente ou não, compor elementos dispersos edesestruturados em relação à Sociologia, Economia, Filosofia etc. (A Leinº 5.692/71 é um exemplo de justaposição; igualmente, os planos de de-senvolvimento, aliás desarticulados quanto aos planos setoriais como aeducação e a cultura.) Nesse caso, o projeto individual acadêmico se con-verte em projeto inscrito no Governo, mas já sabendo que o governo não outilizará. Entretanto, faço algumas observações que me parecem básicas:

a) Assinalo a justaposição e a distância entre o projeto e o governo. Ameu ver, o Governo, através da inteligentsia tecnocrática, ignoraesse projeto acadêmico, e este, por sua vez, o ignora. Duas distânci-as simétricas. E uma das razões do projeto acadêmico consiste emapropriação equivocada dos modelos mencionados. Há um tipo dealienação, na qual alguns estudiosos se julgam articulados com opensamento e a ação no Brasil. Na verdade, esses analistas fazem odiscurso sobre e não de. Isto é, o discurso especulativo e abstratosobre e não o discurso operante, integrado no conhecimento e napráxis. (Por exemplo, estudiosos que se consideram dialéticos fa-zem o discurso sobre a dialética e não da dialética materializadapelas estruturas sociais). As análises de alguns professores e estu-diosos de importantes universidades, ao discutir educação, se pren-dem mais a conceitos e formas um tanto esquemáticos de compre-ender as relações sociedade-educação, distanciadas dos fatos, ato-res e processos que fizeram a educação brasileira.

b) Para superar justaposição e superposição, é indispensável:

1) pesquisar os fatos e os dados, elucidados pela teoria brasileira nosentido preciso. Aparentemente, não existe uma teoria brasileira,

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segundo alguns estudiosos; seja em termos filosóficos,epistemológicos e históricos, é preciso estabelecer categorias apro-priadas, elaboradas por pensadores e cientistas em todos os paísese culturas diferentes – inclusive, obviamente, o Brasil;

2) focalizar estilos e regimes políticos e ideológicos. Quando falo dodiscurso sobre e não de, já assinalado, no âmbito da filosofia e dasciências humanas, alguns dialéticos brasileiros fazem exatamenteisto: a distância (não metodológica, mas alheada), do foco do po-der, interseccionado pelas instâncias do saber, subentendida a vi-são acadêmica e política.

A despeito dos modelos, alguns estudiosos estão presentes na con-juntura brasileira através de suas pesquisas empírico-teóricas, algumasvezes valiosas. Entretanto, pode-se perceber (e, nesse caso, seria interes-sante estabelecer a mecânica do saber nesses analistas) certo hibridismoentre o empírico ou factual (objetividade) e o teórico, direta ou indireta-mente atrelado aos modelos já assinalados. Seria justaposição ou cisão.Sabe-se muito bem a distinção entre o empírico e o concreto; nesse caso,o concreto, ou a totalidade concreta, supera esses dois mecanismos.

Curiosa a analogia entre modelos e personagens antigos – no caso,por exemplo, de Anísio Teixeira ou Fernando de Azevedo – e os novos.Continuam as justaposições no passado e no presente, e uma das razõesjustificadas pela sociologia da cultura reside na falta de invenção e desco-berta, na práxis e teoria brasileira, entrelaçadas com as outras culturasestrangeiras.

Entretanto, analistas e pensadores brasileiros procuram articular criti-camente o pensamento autóctone e outras fontes fora do país. Pesquisado-res realizam trabalhos sérios e produtivos a despeito da indiferença gover-namental, aliás, examinada em outros textos meus, pela estratégia de pla-nos e leis, estas, oriundas primordialmente do executivo acionado pelostecnocratas. Há um paradoxo (aparente), manifestado pela presença dospesquisadores ou centro de pesquisa no próprio governo. O que se poderiaesclarecer, em parte, seria o desvio tecnocrático e o compartimentismo, abor-dados no meu texto Desenvolvimento, tecnocracia e universidade, e a polí-tica da pesquisa educacional, que tento elucidar em Indicações para umaPolítica da pesquisa da educação no Brasil.

Atualmente, na percepção de alguns críticos da Escola Nova, sobretu-do os teóricos da pedagogia crítico-social dos conteúdos, estariam corta-das abruptamente as raízes culturais e históricas. Essas raízes provêm doIluminismo e, depois, do idealismo autoritário, através das metamorfoseshistóricas, desde o século 18.

Seria o roteiro das tendências nos séculos 17, 18, 19 e início deste:o Racionalismo; o Iluminismo; o centralismo doutrinário, através dos

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intelectuais e dos professores, estabelecido pelo código hegemônico dosaber; o Iluminismo retardatário da cultura dependente; a pedagogia deHerbart; a elite e o povo. Em contrapartida, o Romantismo (aliás, um dosveios do próprio Iluminismo) contra o Racionalismo e o Cientificismo; oPragmatismo de William James e de Dewey; o Intuicionismo de Bergson(para ele, a durée é alteração); o Historicismo de Croce e o Vitalismo deOrtega; Freud, Nietzsche, os existencialistas na década de 40 e 50; Rousseaurevivido, quanto à "educação negativa", um dos precursores remotos daeducação não-diretiva. (Obviamente, a importância de Rousseau está noplano social e político, articulado com a educação, sobretudo no Emílio.)Então, emerge a Escola Nova na Europa e nos Estados Unidos, comoepifenômeno da cultura e da história.

Entretanto, numa das vertentes atuais do pensamento educacionalno Brasil, discípulos e seguidores de Gramsci, segundo sua própria estra-tégia, rente à conjuntura política e cultural na Itália, são paradoxalmenteespeculativos e abstratos, sem se aterem, concretamente, à conjunturabrasileira. Na escola tradicional, o método de conservar não leva ao méto-do de inovar, operativamente, de criar conteúdos novos, correspondendoaos valores emergentes na cultura e nas ciências, sobretudo nas ciênciashumanas.

Por isso, persiste o risco do comportamento do professor. O professorse erige em instância do conhecimento e do saber, e o aluno, mesmo assi-milando o saber fornecido pelo professor, não consegue criar o conheci-mento; a adaptação apenas do paradigma do saber constituído do profes-sor, e não constituinte, em relação ao professor, ao aluno e ao cidadão.

A despeito da contribuição de alguns protagonistas da pedagogia crí-tico-social dos conteúdos, seus argumentos não são convincentes. Respei-tando a importância de sua análise, persistem aspectos questionáveis e, àsvezes, ambíguos. Por exemplo, não há dialética, ao contrário; primeiro, odomínio do conteúdo (mas qual o significado dos conteúdos? qual o con-teúdo político, cultural e ideológico do próprio professor?), em seguida,há reapropriação dos processos do trabalho docente. Só depois, a partirdessa base, uma visão mais crítica dessa escola e dos conteúdos. Ora, acriticidade está sempre percorrida pelo trabalho docente, já à primeirahora, e não a reapropriação do saber através da transmissão. Existe o riscoreal, sobretudo pela ambivalência: qual é o momento e a instância de trans-missão e de ruptura? Quanto ao conteúdo, ele secreta o método e a técni-ca; epistemologicamente, entretanto, os dois se fundem, explícita eformuladamente; além disso, esses argumentos não conseguem integraresses dois elementos com o compromisso político, pois todo saber e poderobedece a trâmites e compromissos, pressupostos e instâncias, na escolae fora dela, o Estado, o regime político, o rumo da escola – diretores, su-pervisares, orientadores, professores, os alunos –, os quais estão submersos

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às opções política, cultural e econômica. Sem isso, a escola, demiúrgica,estaria desgarrada do ecúmeno social e político.

Talvez, e aparentemente, essas opções se contraponham aodogmatismo pedagógico, na concepção de Gramsci. A verdade, entretan-to, é outra. Sua visão é mais profunda: sua estratégia é histórica e política;sua epistemologia compõe elementos da cultura e do ensino, segundo oitinerário ascendente e dialético do saber, integrando a lógica formal como pluralismo dos valores culturais e políticos, dentro e fora da escola,através da lógica dialética. Mesmo assim, respeitando a concepção vastade Gramsci, algumas vezes minhas colocações são diferentes e faço restri-ções ao dogmatismo pedagógico, incompatível com a sua própria dialética.

Outros teóricos da pedagogia crítico-social dos conteúdos fornecem,paradoxalmente, argumentos abstratos e a-dialéticos: os conteúdos, trans-mitidos pelos professores, que possibilitam o acesso às classes populares.Esse enunciado é mágico, superposto à conjuntura brasileira, à sociedadede classes, ao regime político e econômico, à dominação do Estado, aosresponsáveis pela escola pública e particular.

Na verdade, a contradição entre as classes dominantes e as classessubalternas está também no conteúdo, dependente, pois, de uma forma-ção social e historicamente definida. O homogêneo/heterogêneo e ahegemonia política apropriam o saber, isto é, o recorte do conhecimento,vinculado aos objetivos e valores políticos, culturais e econômicos. De-pois de instalado o saber, consolidado o establishment capitalista, o saberque instrumenta o poder, e vice-versa, desaparece a revolução burguesa, oiluminismo e o racionalismo dos fins e valores, para estabelecer aracionalidade e o domínio dos meios que, fetichizados, se convertem emdecisões políticas do Estado e das classes dominantes. E esse pensamentoorganizatório contém o estruturalismo a-histórico, no plano primordial-mente do saber, e a tecnocracia, principalmente do poder. Para inverter debaixo para cima, é preciso uma estratégia política e técnica, na qual aprática popular se articule com os intelectuais.

Realmente, as camadas populares deixaram de incorporar a convic-ção que as elites dominantes lhes transmitiram – e elas acabaram porinternalizar – da imutabilidade da ordem (física e social) que as degrada.Donde o corte transversal da sociedade de classes, costurada pela ideolo-gia liberal. O trabalho, no sentido genérico, constrói a pólis e, ao mesmotempo, é marginalizado na despossessão quanto aos valores do trabalho,da cidadania e da cultura. Entretanto, em vez da fixidez do "Quadro" deQuesnay, há a transição dialética da conservação para a mudança, de baixopara cima, da homogeneização para a heterogeneidade e vice-versa, commecanismos apropriados na síntese superadora.

Apesar da contribuição importante dos pedagogos brasileiros ligadosà teoria crítico-social dos conteúdos, as falhas fundamentais dessa teoria

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correspondem precisamente aos seus principais critérios norteadores, istoé, a função e o papel do educador, a especificação do ato pedagógico e arelativa independência da escola face à sociedade. Além disso, considerorígida a distinção entre a Escola Tradicional e a Escola Nova. A parte posi-tiva desta última consiste na diferença como categoria do saber, isto é, ooutro, o projeto, a interrogação, a criatividade, a experiência, aproblematização. Atualmente, se revela o pensamento organizatório deuma vertente poderosa da cultura ocidental, precisamente para achatar adiferença. É a ideologia que corrói o conteúdo, substituído pelaracionalidade técnica. Quanto ao problema das discriminações sociais,poderia ser aprofundada a análise: a rota de reconstrução da experiênciaindividual e social contrapõe-se à rota da conjuntura social, política e eco-nômica dentro da contradição, isto é, a homogeneidade falsa e aheterogeneidade real, na qual o inconsciente ideológico encobre a discri-minação social. E a parte negativa da Escola Nova.

Quanto à escola tradicional, constitui um equívoco em relação à mo-dificação, realizada da "tradição antiga" para o nexo escola-vida, nutridade noções concretas, através do interior da personalidade. A civilizaçãomoderna não corresponde ao quadro de Gramsci, sobretudo transposto nacultura contemporânea e polêmica.

Gostaria de enfatizar o problema da homogeneidade e fazer algumasconsiderações. No Brasil existem vertentes bastante separadas, os intelec-tuais e os tecnocratas, aqueles inseridos na sociedade civil, e estes alber-gados no poder do Estado, sem a ponte entre os protagonistas pela qual sealcançaria o projeto político e social. Ora, o intelectual tem como uma dasfunções principais atar vertentes no saber e no poder, na sociedade e nacultura. E o processo dialético se faz homogeneizante e ao mesmo tempoheterogeneizante na dimensão da sociedade histórica. A democracia mo-derna encerra, entre outras categorias, a sociedade constituída e a contra-dição, a "consciência má" e a "consciência possível", e mais, o contínuo e odescontínuo, a unidade e a diversidade, o pluralismo, a diferença, a singu-laridade e as temporalidades simultâneas. Distinguiria a visão historicista,que é maciçamente homogênea (suceptível de ser questionada em relaçãoa Gramsci), da visão historializadora, precisamente pela mediação quearticula as categorias aqui referidas, estabelecendo então o movimento detransição do passado para o presente. A transição, nesse caso, tem ummínimo de organicidade, a qual, entretanto, contém mudanças historica-mente qualitativas, reveladas pelo contraponto dialético. Por isso Lévi-Strauss é coerente na sua concepção, definindo a sincronia e a diacronia,sucessivamente, sem historicidade, enquanto que a minha concepção sepauta por outro horizonte, o dialético.

Quanto às mutações referidas, corresponderiam, em parte, aos con-teúdos vivos e aos conteúdos reificados na transição dialética. Para

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explicitar esse tema, o tempo e o espaço sociais correspondem à conjuntu-ra orgânica cuja potencialidade está ainda explorada na formação social,na qual, entretanto, se instala a contradição. Ela contém negatividade, quesignifica, ao mesmo tempo, o conteúdo objetivado e o conteúdo incoativoe virtual. Outro ângulo de homogeneização seria o de que a ciência não éburguesa na sociedade de classes, mas logo depois, com o saber,tendencialmente, instrumentalizada, codificada, integrada, homogeneizadano plano cultural, político e econômico, através da ideologia. Entretanto,a própria ciência (sobretudo, obviamente, as ciências humanas), emergedas condições possíveis na formação social e histórica, revelada e mobili-zada, implícita ou explicitamente, na práxis e na teoria, pela transforma-ção social. Estabelece, então, o nexo de homogeneização (a sincronia apa-rente, já que, ao contrário, há temporalidades simultaneamente diferen-tes, embora elas existam, às vezes embutidas, com homogeneização relati-va, orgânica, na sociedade constituída) e heterogeneização na contradiçãoexplícita através da síntese dialética, sempre refeita e superada, procuran-do articular a paidéia e a polithéia, a cultura e o poder.

O problema da homogeneização deve ser ainda mais aclarado. A meuver, a homogeneização significa o conteúdo devidamente apropriado pelotempo e espaço social – aliás, tempos e espaços sociais, convergindo,dialeticamente, para a direção da unidade e da diversidade. Por exemplo,a escola básica para os alunos do 1º e 2º graus é o enunciado não só doMinistério da Educação, mas também das lideranças democráticas empe-nhadas na educação. Contudo é preciso distinguir os primeiros graus doensino e os outros, superiores, já que estes se amplificam e diversificamquanto não só às áreas de conhecimento, mas também quanto ao pluralismoe à heterogeneidade. Aliás, sobre a escola básica, esse enunciado precisaser nuançado. Primeiro, é pertinente a definição, estipulada pelo docu-mento do Ministério da Educação, sob o título Educação para todos –Caminho para mudança:

A educação básica é aqui entendida como aquela que venha possibilitar a leitura, aescrita e a compreensão da língua nacional, o domínio dos símbolos e operaçõesmatemáticas básicas, bem como o domínio dos códigos sociais e outras informa-ções indispensáveis ao posicionamento crítico do indivíduo face à sua realidade.

Segundo, o sistema educacional brasileiro pretende uniformizar, aordem é homogeneizar o saber, imposta pelas classes dominantes. A es-tratégia perversa desse saber consiste em dissolver o conteúdo, não só osaber através das matérias escolares, mas também os grupos, as institui-ções, a diferença entre as classes e os movimentos sociais. Simplificar,uniformizar é perder a substância e a diferença, como se fosse um só estô-mago, ignorando os estômagos diferentes, pois cada um tem o seu.Estômago fascista, ditadura do saber.

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Em termos filosóficos e pedagógicos, o conteúdo significa a substân-cia do objeto significante pelo sujeito; e o método, neste caso, significa oconteúdo estruturado e coerente. Aliás, tento definir esse problema comsugestões aproximativas, por exemplo: o conteúdo é o concreto atravessa-do pela abstração que o elucida, elaborado pela consciência intencional ehistórico; ou o conteúdo é a totalidade concreta de dados na Natureza, osquais o homem estrutura na História e na Cultura através do sujeito e doobjeto, as coisas apropriadas pelo valor e pela linguagem (o signo – signi-ficado/significante) e os símbolos.

Alguns educadores brasileiros às vezes incorrem em equívoco, emtermos históricos e epistemológicos, quanto ao problema do conteúdo naescola. Acho muito limitada sua análise, primeiro, confinada à escola (so-bretudo a Escola Tradicional e a Escola Nova, cuja tipologia é um tantoartificiosa), numa postura primordialmente pedagógica, mesclada, às ve-zes, com psicologia; segundo mais importante ainda – , afastada das ver-dadeiras dimensões do conteúdo em termos filosóficos. É claro que osconteúdos são fundamentais no ensino e na cultura, na escola e tambémfora dela; mas, no fundo, o conteúdo é ontológico e histórico, bem comocultural, social e político.

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Referências bibliográficas

AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira: introdução ao estudo dacultura no Brasil. 4. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1963.

______. Educação na encruzilhada: problemas e discussões. São Paulo:Melhoramentos, 1937.

EDUCAÇÃO para todos – Caminho para mudança. Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos, Brasília, v. 6, n. 153, p. 287-294, maio/ago. 1985.

O MANIFESTO DOS PIONEIROS DA EDUCAÇÃO NOVA. Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 65, n. 150, p. 407-425, maio/ago. 1984.

TRIGUEIRO MENDES, Durmeval. Desenvolvimento, tecnocracia e uni-versidade. Revista de Cultura Vozes, Petrópolis, ano 69, n. 6, p. 5-18, ago.1975.

______. Indicações para urna política da pesquisa da educação no Brasil.Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 60, n. 136, p.481-495, out./dez. 1987.

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BIOBIBLIOGRAFIADO EDUCADOR

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CRONOLOGIA

1927 – Nasce a 9 de fevereiro de 1927 em Cuiabá, Mato Gros-so, filho de João Mendes da Silva e Souza e D. Mariada Conceição Castelo Branco Mendes de Souza. Emabril do mesmo ano, a família retorna à Paraíba.

1939 – Ingressa, aos 12 anos, no Seminário Arquidiocesanode João Pessoa, onde faz o curso secundário e estu-dos de Filosofia.

1946 – Conclui o curso de Filosofia no Seminário Arquidio-cesano de João Pessoa.

1949 – Conclui o curso de bacharelado em Letras Clássicaspela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Manoelda Nóbrega, no Recife, tendo colado grau em 8 dedezembro de 1949.

1950 – Recebe o diploma de Licenciatura Pedagógica pela Fa-culdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universida-de Católica de Pernambuco, em 8 de dezembro de 1950.

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1951 – É nomeado Secretário da Prefeitura Municipal de Campina Gran-de, pelo prefeito Elpídio de Almeida, mediante Decreto nº 178, de2 de maio de 1951.

1952 – É designado Diretor do Departamento de Educação do Estado daParaíba (19511952), pelo Decreto de 12/05/51; assume, também,como professor titular, a cadeira de Sociologia da Educação na Fa-culdade de Filosofia da Paraíba.

1954 – Diploma-se como Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito daUniversidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco,em 30 de dezembro de 1954.

Passa a exercer como professor titular a cadeira de História e Filo-sofia da Educação do Instituto de Educação da Paraíba.

É designado Secretário de Educação e Cultura do Estado da Paraíba,durante as administrações de José Américo de Almeida e FlávioRibeiro Coutinho.

Presta concurso público e é admitido na função de Inspetor deEnsino Secundário do Ministério da Educação e Cultura (PortariaMinisterial nº 595, de 26/11/54).

1955 – Torna-se professor titular de Filosofia Geral da Faculdade de Filo-sofia Nossa Senhora de Lourdes, em João Pessoa.

Como Secretário de Educação da Paraíba em 1954, Durmevaldiscursa ao lado do então Governador José Américo de Almeirda.

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Recebe em 4 de novembro de 1955 o diploma de sócio honorárioda Orquestra Sinfônica da Paraíba.

1956 – Organiza e assume como primeiro Reitor a Universidade Estadualda Paraíba, atual UFPB.

1957 – Realiza viagem à Europa, durante oito meses, com a finalidade deobservar os sistemas educacionais da França e da Alemanha, visi-tando também algumas universidade inglesas.

1958 – É designado Supervisor da Campanha de Educação Complementardo Inep, atendendo a convite de Anísio Teixeira.

É contratado como professor de Filosofia da Educação, do Cursode Pedagogia da Faculdade de Filosofia da PUC-Rio.

Profere conferência sobre "Filosofia dos Valores", no Fórum RobertoSimonsen, em São Paulo.

1959 – Participa de pesquisa sobre as condições de trabalho em algumasuniversidades brasileiras e as experiências de intercâmbio culturalno campo das Humanidades e Ciências Sociais, para o AmericanCouncil of Learned Societies.

Ministra curso de Filosofia da Educação para professores secundá-rios, promovido pela Diretoria de Ensino Secundário (Cades/MEC),na cidade do Rio de Janeiro.

Pronuncia conferência sobre "A educação e a civilização atual", noFórum Roberto Simonsen, em São Paulo.

1960 – Dirige o setor de Filosofia da Enciclopédia brasileira, a cargo doInstituto Nacional do Livro, coordenando a seção de Religião.

Faz conferência sobre "O problema da escola pública", na Faculda-de de Filosofia da Universidade Estadual da Paraíba.

Realiza conferência sobre "A universidade brasileira: deficiênciase equívocos", na Faculdade de Direito da Universidade Estadual daParaíba.

Ministra curso sobre "O significado da filosofia" para professoressecundários, promovido pela Cades/MEC, em Porto Alegre.

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Profere conferência sobre "Educação complementar e seus proble-mas" no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE/Inep),Rio de Janeiro.

Faz conferência sobre "O Projeto de Diretrizes e Bases da EducaçãoNacional" para dirigentes da Ação Católica no Rio de Janeiro.

Pronuncia conferência sobre "Adolescência como preparação paraa vida adulta – a condição de adulto e sua significação cultural",promovida pela Cades no Rio de Janeiro.

1961 – É nomeado Diretor do Ensino Superior do Ministério da Educaçãoe Cultura (1961 a 1964), Decreto de 4/10/61, por indicação de Aní-sio Teixeira ao Ministro Oliveira Brito.

É designado membro do Conselho de Produtividade da Confede-ração Nacional da Indústria, Portaria de 21/11/61.

Faz conferência sobre "A reforma universitária", na PUC-Rio.

Profere conferência sobre "O indivíduo e a sociedade", na Faculda-de de Filosofia Nossa Senhora Medianeira de Nova Friburgo, Riode Janeiro.

Pronuncia conferência "Sobre a literatura", no Congresso de Críti-ca e História Literária, realizado em João Pessoa, PB.

Nomeação para Diretor do Ensino Superior do MEC 1961. Da esquerda paradireita: Anísio Teixeira, Presidente João Goulart, Ministro Antonio Britto

e Durmeval.

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Integra a delegação brasileira, proferindo a conferência de aberturado Congresso Internacional de Universidades Populares, realizadoem Buenos Aires, sobre o tema "Conceito e perspectivas da culturapopular".

1962 – Integra, na condição de titular da Diretoria do Ensino Superior doMinistério da Educação e Cultura, o Conselho Nacional de Saúde,de acordo com o Decreto nº 847, de 5 de abril de 1962, que aprovao Regimento do referido Conselho (DO, 9/4/1962, p. 4026).

1963 – É nomeado para integrar o Conselho Consultivo da CampanhaNacional de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior, medi-ante decreto coletivo de 24/9/63.

Profere conferência sobre "Ensino superior e planejamento", no Con-gresso de Educação promovido em Brasília pela Associação Brasi-leira de Educação (ABE).

Faz conferência sobre "O problema das elites no Brasil", em reu-nião da Associação Brasileira de Ensino Odontológico, em São Paulo.

1964 – É designado para o Conselho Federal de Educação, mediante De-creto de 18 de março de 1964 (DO, 19/3/1964, p. 2660), para exer-cer, por seis anos, o mandato de membro do CFE. No entanto, porforça do Ato Institucional n. 12, de 31 de agosto de 1969, foi afas-tado de suas funções como membro desse Conselho em 16/09/1969 (DO, 17/11/1969, p. 7849).

Profere conferência sobre "A política do ensino superior no Brasil",na Associação Brasileira de Educação (ABE), Rio de Janeiro.

Durmeval e Anisio Teixeira em reunião no Conselho Federal de Educação.

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1965 – Casa-se em 24 de julho com Maria Márcia de Barros Lima.

Assume a cadeira de História do Pensamento Econômico na Faculda-de de Ciências Econômicas e mais tarde a de Sociologia na Faculdadede Administração e Finanças da Universidade do Estado da Guanabara.

Presta consultoria técnica em recursos humanos e educação (1965a 1970) à empresa Serviços e Planejamento Ltda., Rio de Janeiro.

Profere conferência sobre "O papel das elites", na Escola de Admi-nistração, em Fortaleza.

Faz conferência sobre "A realidade brasileira" e "Aspectos do siste-ma educacional no Brasil", no Centro de Aculturação de Petrópolis,Rio de Janeiro.

1966 – Nasce o primeiro filho, André, em 30 de julho.

Ministra curso de Política Social para professores de escolas deServiço Social de todo o país, no Rio de Janeiro.

É designado Coordenador da Comissão Inep/Unesco, instituída noâmbito do Ministério da Educação, com o objetivo de promover osColóquios Estaduais sobre a Organização dos Sistemas Educacio-nais (Ceose), prestando cooperação técnica em matéria de planeja-mento, organização educacional e reestruturação dos sistemas edu-cacionais dos Estados do Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará,Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia,Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Portaria nº 142, doDiretor do Inep, de 16/8/66).

Integra a Associação Brasileira de Educação (ABE), como membrodo Conselho Diretor.

Profere conferência sobre "O professor universitário: sua forma-ção, seu papel e seus métodos de trabalho", na Faculdade de Filoso-fia da Universidade Federal de Minas Gerais.

Faz conferência sobre os "Fundamentos filosóficos da educação pri-mária", na abertura do Congresso Nacional de Ensino Normal, noRio de Janeiro.

1967 – Participa da Comissão de Especialistas que, sob os auspícios daUniversidade Federal do Rio de Janeiro, elaborou o plano deestruturação de uma Faculdade de Educação (1967 a 1969).

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Profere conferência sobre "A educação de adultos", na Sudene, emRecife.

É relator-geral do II Seminário sobre Assuntos Universitários, pro-movido pelo Conselho Federal de Educação.

1968 – Visita instituições educacionais da França e da Alemanha, a convi-te dos respectivos governos.

É designado perito da Unesco e, na qualidade de representante daAmérica Latina, participa de reunião promovida por esse órgão,em Moscou, para um grupo de dez especialistas, a fim de estudar acomparabilidade e a equivalência internacional dos certificados deestudos secundários e dos diplomas e graus universitários.

Presta depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito que in-vestigou as condições do Ensino Superior no Brasil.

É eleito presidente do Instituto Brasileiro de Filosofia, seçãoGuanabara (1968-1969).

É transferido da Universidade Federal da Paraíba para a Universi-dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Nasce o segundo filho, Daniel, em 23 de outubro.

1969 – É designado professor titular de Fundamentos Sociológicos da Edu-cação da Faculdade de Educação da UFRJ, assumindo a chefia doDepartamento de Fundamentos Sociológicos da Educação na mes-ma Faculdade.

Coordena e é professor do curso de Planejamento Educacional rea-lizado pela Universidade do Estado da Guanabara.

Profere aula magna na Universidade do Estado da Guanabara sobreo tema "A hora da universidade".

É indicado relator-geral da IV Conferência Nacional de Educação,promovida pelo Inep em São Paulo.

Faz conferência sobre "Educação no Brasil", na Escola de Saúde doMinistério da Saúde, Rio de Janeiro.

Trabalha como consultor da Equipe de Levantamentos e Diagnósti-cos do Serviço de Assistência Técnica do Inep.

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Durmeval Trigueiro Mendes200

Participa de painel sobre "O novo currículo médico", na Universi-dade Federal Fluminense, durante a VII Reunião Anual da Associ-ação Brasileira de Escolas Médicas.

Integra o grupo de trabalho encarregado de elaborar um plano dereestruturação da Universidade do Estado da Guanabara (Portarianº. 26, de 4/3/69).

É aposentado "nos cargos que ocupa na administração direta ouindireta da União, Estados, Distrito Federal, Territórios ou Municí-pios", conforme Decreto de 29/8/69, publicado no DO de 9/9/69. Aomesmo tempo, é afastado do Conselho Federal de Educação.

Profere conferência no Centro D. Vital, Rio de Janeiro, sobre "Edu-cação no Brasil", a convite de Alceu Amoroso Lima.

1970 – É designado professor adjunto do Departamento de Educação daPUC-Rio, coordenador da área de concentração em PlanejamentoEducacional e professor da mesma disciplina no Mestrado de Edu-cação dessa Universidade, onde permanece até 1986.

Presta consultoria técnica em assuntos educacionais à empresa Pro-jetos, Planejamentos e Pesquisas Ltda. (Proagri), de São Paulo.

Faz conferência sobre "Educação e trabalho" para professores doSenac no Rio de Janeiro.

1971 – Torna-se membro da equipe da Enciclopédia Mirador Internacio-nal – Encyclopaedia Britannica do Brasil Publicações Ltda., na par-te de Filosofia.

Elabora o projeto de estruturação dos cursos de pós-graduação doDepartamento de Ciências Sociais da PUC-Rio.

Faz conferências sobre "As implicações socioculturais da tecnologiamoderna", no Centro de Treinamento de Pessoal do Senai, Rio deJaneiro.

Profere conferência sobre "As funções da educação", no InstitutoSouza Leão, Rio de Janeiro.

Faz conferência sobre "O ensino da filosofia", na PUC-Rio.

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Ensaios sobre Educação e Universidade 201

É designado assessor técnico da FGV/Iesae, participando das ses-sões das Comissões de Planejamento e Programação das atividadesdo Ieae/FGV.

Profere conferência sobre "A reforma do ensino de 1º e 2º graus à luzda Filosofia da Educação", no Colégio Zaccaria, no Rio de Janeiro.

1972 – Sofre derrame cerebral em março. Inicia paciente trabalho de recu-peração, particularmente de terapia da palavra.

1973 – Trabalha como consultor do Thesaurus brasileiro de educação, emorganização no Inep (1973-1975).

Retoma as atividades de magistério na PUC-Rio, na disciplina Pla-nejamento Educacional a partir do 2º semestre, atuando no Progra-ma de Pós-Graduação em Educação dessa Universidade.

1974 – É designado como professor titular de Filosofia da Educação e Filo-sofia da Educação Brasileira no Mestrado de Educação do Iesae/FGV,sendo também coordenador da disciplina Teorias da Educação.

Integra o Conselho Coordenador do Iesae/FGV.

1976 – Elabora o projeto de pesquisa "Filosofia da educação brasileira noIesae/FGV".

1977 – Coordena o projeto integrado de pesquisa Filosofia da educaçãobrasileira no Iesae, com apoio do Inep e a participação de professo-res da PUC-SP, USP e do próprio Iesae. O relatório final da pesqui-sa, concluída em 1979, foi publicado pela Editora Civilização Bra-sileira em 1983, com o mesmo título da pesquisa.

Integra o Conselho Editorial da revista Fórum Educacional, no Iesae.

1978 – Participa de seminário sobre "O sistema universitário e a sociedadebrasileira", promovido pelo Conselho de Reitores das Universida-des Brasileiras (Crub), em João Pessoa, apresentando texto.

Elabora parecer técnico, atendendo a solicitação da Finep.

1979 – Emite parecer técnico, atendendo a solicitação da Finep.

1980 – Reassume as funções de professor titular da UFRJ (no Departamen-to de Filosofia da Educação), atuando como docente-pesquisador

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Durmeval Trigueiro Mendes202

até 1987 e de técnico de assuntos educacionais do MEC, em con-seqüência da Lei de Anistia.

1985 – Preside a comissão julgadora do Prêmio Grandes Educadores Bra-sileiros, instituído pelo Inep/MEC (Portaria Ministerial, de 2/8/85).

Faz conferência sobre "A concepção do educador" no DSAT/MEC.

1986 – É designado assessor da Sub-Reitoria de Ensino de Graduação eCorpo Discente da UFRJ (Portaria nº 473, de 30/4/86).

Elabora projeto de pesquisa sobre o tema "O Inep e a produçãointelectual" através da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,apresentado à UFRJ.

Profere conferência sobre "O pensamento educacional no Brasil",em seminário promovido pela PUC-Rio para celebrar os "Vinte anosde Mestrado em Educação".

1987 – Trabalha na elaboração de um projeto de pesquisa individual sobre"O saber e o poder na cultura e na educação", para o Doutorado emEducação da UFRJ e atua como consultor da pesquisa: Da Faculda-de Nacional de Filosofia à Faculdade de Educação: resgate de umahistória, coordenada pela professora Maria de Lourdes deAlbuquerque Fávero.

Morre no Rio de Janeiro, em 9 de dezembro.

1988 – Recebe diploma de "Doutor Honoris Causa" (post-mortem) da Uni-versidade Federal da Paraíba, em 22 de fevereiro de 1988.

Recebe diploma de "Professor Emérito" (post-mortem) da Universi-dade Federal do Rio de Janeiro, em 24 de novembro de 1988.

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BIBLIOGRAFIA

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______. O planejamento educacional no Brasil. Rio de Janeiro: EdUerj, 2000. 198 p.

MENDES, Durmeval Trigueiro et al. Filosofia da educação brasileira. Rio de Janei-ro: Civilização Brasileira, 1983. 239 p.

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2. Folhetos/Outros estudos

TRIGUEIRO MENDES, Durmeval. A cooperação técnica estrangeira nos planoseducacionais no Brasil. Rio de Janeiro: Inep/MEC, 1968. 5 p. Datilografado.

______. Anotações sobre o Convênio FGV/Iesae – Prodem. Rio de Janeiro: Iesae,1974. 5 p. Mimeografado.

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______. Condições e pressupostos da mudança na política educacional. Rio deJaneiro: Inep/MEC, 1967. 7 p. Mimeografado.

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______. Proposta de reformulação do currículo para o curso de mestrado em educa-ção. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 1971. 10 p. Datilografado.

______. Proposta para o programa de pesquisas do Iesae. Rio de Janeiro: Iesae/FGV, 1971. 7 p. Mimeografado.

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______. Reflexões sobre o ensino de Filosofia. In: MENDES, Durmeval Trigueiro.Filosofia política da educação brasileira. Rio de Janeiro: FUJB, [19??]. p. 15-40.

______. Um sistema de assistência técnica. Rio de Janeiro: Inep/MEC, 1967. 9 p.Datilografado.

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______. Subsídios para a reforma da Universidade Federal da Bahia. Salvador:UFBA, 1966. 103 p. Mimeografado.

______. Tecnocracia e formas de poder. João Pessoa: Edições Ipê, 1978. 14 p. Da-tilografado.

3. Introdução e prefácios de livros

TRIGUEIRO MENDES, Durmeval. Introdução. Ginásios pluricurriculares: o pro-jeto arquitetônico em face do projeto pedagógico. In: GINÁSIOS pluricurriculares.Rio de Janeiro: M. Roberto Arquitetos, 1971.

______. Universidade, teatro e povo. Prefácio à versão portuguesa de Os mistériosda missa, de Calderon de La Barca, constante da "Coleção Universitária de Tea-tro", organizada pela Diretoria do Ensino Superior do MEC. Rio de Janeiro: Civili-zação Brasileira, 1963. p. 5-13.

______. Prefácio. In: NUNES, Clarice. Escola e dependência: o ensino secundárioe a manutenção da ordem. Rio de Janeiro: Achiamé, 1980. p. 7-14.______. Prefácio. In: BASÍLIO, Luiz Cavalieri. O menor e a ideologia da segurançanacional. Belo Horizonte: Vega/Novo Espaço, 1985. 3 p.

______. Prefácio. In: PENNA, Maria Luiza. Fernando de Azevedo: educação e trans-formação. São Paulo: Perspectiva, 1987. p. XIII-IXX.

4. Artigos em periódicos

TRIGUEIRO MENDES, Durmeval. Tristão de Athayde. A União, João Pessoa, 2 set.1956.

______. O ensino primário na Paraíba – I. A União, João Pessoa, 14 set. 1956.

______. O ensino primário na Paraíba – II. A União, João Pessoa, 20 set. 1956.

______. O ensino primário na Paraíba – III. A União, João Pessoa, 22 set. 1956.

______.O ensino primário na Paraíba – IV. A União, João Pessoa, 23 set. 1956.

______. O ensino primário na Paraíba – V. A União, João Pessoa, 25 set. 1956.

______. O ensino primário na Paraíba – VI. A União, João Pessoa, 26 set. 1956.

______. O ensino primário na Paraíba – VII. O ensino rural. A União, João Pessoa,27 set. 1956.

______. O ensino primário na Paraíba – VIII. Educação Artística. A União, JoãoPessoa, 28 set. 1956.

______. O ensino primário na Paraíba – IX. A União, João Pessoa, 20 out. 1956.

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______. A Universidade e seus problemas atuais – I. A União, João Pessoa, 23 dez.1956.

______. A Universidade e seus problemas atuais – II. A União, João Pessoa, 28 dez.1956.

______. Nova política para o ensino superior. Revista Brasileira de Estudos Peda-gógicos, Rio de Janeiro, v. 36, n. 84, p. 187-192, out./dez. 1961.

______. Curriculum-vitae. Documenta, Rio de Janeiro, n. 27, p. 91-94, jul. 1964.

______. Inspeção e ajuda técnica às escolas superiores. Documenta, Rio de Janei-ro, n. 31, p. 103-106, nov. 1964.

______. Novo sistema de relações entre o MEC e as escolas superiores. Documen-ta, Rio de Janeiro, n. 31, p. 103-106, nov. 1964.

______. Sobre o planejamento do ensino superior: esboço de uma metodologia.Documenta, Rio de Janeiro, n. 35, p. 45-63, mar. 1965.______. Contra a má consciência e o conformismo. Documenta, Rio de Janeiro, n.36, p. 124-126, abr. 1965 e Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 abr. 1965.

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______. Preparação de candidatos ao vestibular de 1964 na Guanabara (carta dirigidaa Prof. Nádia Cunha). Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v.45, n. 101, p. 77-90, jan./mar. 1966.

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______. Administração da universidade. Documenta, Rio de Janeiro, n. 64, p. 115-121, dez. 1966.

______. Governo da universidade. Documenta, Rio de Janeiro, n. 64, p. 74-98, dez.1966.

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______. O Ministério da Educação depois da Lei de Diretrizes e Bases. Documen-ta, Rio de Janeiro, n. 64, p. 5-9, dez. 1966.

______. Governo da universidade. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Riode Janeiro, v. 47, n. 105, p. 68-90, jan./mar. 1967.

______. Educação complementar: análise da experiência. Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 47, n. 106, p. 219-225, abr./jun. 1967.

______. Expansão do ensino superior no país. Documenta, Rio de Janeiro, n. 71, p.10-21, jun. 1967.

______. O problema dos excedentes e a reforma universitária. Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 48, n. 107, p. 163-168, jul./set. 1967.

______. Parecer sobre o projeto de reestruturação da Universidade do Paraná. Do-cumenta, Rio de Janeiro, n. 76, p. 70-76, out. 1967.______. Expansão do ensino superior. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos,Rio de Janeiro, v. 48, n. 108, p. 209-234, out./dez. 1967.

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5. Produção no Conselho Federal de Educação: pareceres, indicaçõese conferências (1964-1969)

1. Parecer nº 254/64, aprovado em 2/6/1964. Faculdade de Ciências Econômicasde Guaratinguetá/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Ja-neiro, n. 27, p. 32-33, jul. 1964.

2. Segundo Adendo ao Parecer nº 254/63. Aprovado em 2/6/1964. (Autorizaçãopara funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 28, p. 128, ago. 1964.

3. Parecer nº 165/64, aprovado em 3/7/1964. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras da Universidade Católica do Paraná (Regimento). Documenta, Rio de Janei-ro, n. 28, p. 26-28, ago. 1964.

4. Parecer nº 188/64, aprovado em 22/7/1964. Instituto Cultural e Educacional"João Herculano" – Sete Lagoas/MG (Autorização para funcionamento). Documen-ta, Rio de Janeiro, n. 29, p. 25-28, set. 1964.

5. Parecer nº 211/64, aprovado em 24/7/1964. Faculdade de Direito da Universi-dade Católica de Pelotas (Solicitação de reconhecimento). Documenta, Rio deJaneiro, n. 29, p. 35-39, set. 1964.

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Ensaios sobre Educação e Universidade 209

6. Parecer nº 17/64 (adendo), aprovado em 3/9/1964. Faculdade de Filosofia DomJosé – Sobral/CE (Solicitação de reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n.30, p. 35, out. 1964.

7. Parecer nº 254/64, aprovado em 4/9/1964. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras de Nova Iguaçu/RJ (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio deJaneiro, n. 30, p. 34, out. 1964.

8. Indicação transformada no Parecer nº 239/64. Inspeção e ajuda técnica às esco-las superiores – Fundamentos e normas para uma nova política. Documenta, Riode Janeiro, n. 31, p. 103-106, nov. 1964.

9. Parecer nº 343/64, aprovado em 13/11/1964. Escola de Administração do Ceará(Solicitação de reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 32, p. 42-48, dez.1964.10. Parecer nº 355/64, aprovado em 13/11/1964. Obrigatoriedade de cursos de ex-tensão. Documenta, Rio de Janeiro, n. 32, p. 95-96, dez. 1964.

11. Parecer nº 386/64, aprovado em 1/12/1964. Conceito de complementação decurrículo no ensino superior. Documenta, Rio de Janeiro, n. 33, p. 63-66, jan.1965.

12. Parecer nº 343/64 (adendo), aprovado em 2/12/1964. Curso de AdministraçãoPública da Escola de Administração do Ceará (Reconhecimento autorizado). Do-cumenta, Rio de Janeiro, n. 33, p. 32-33, jan. 1965.

13. Parecer nº 394/64, aprovado em 3/12/1964. Faculdade de Ciências Econômicasde Guaratinguetá/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Ja-neiro, n. 33, p. 18-19, jan. 1965.

14. Parecer nº 211/64 (2º adendo), aprovado em 9/12/1964. Faculdade de Direito"Clóvis Bevilácqua" da Universidade Católica de Pelotas/RS (Solicitação de reco-nhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 33, p. 31-32, jan. 1965.

15. Comentário ao Parecer do Conselheiro Valnir Chagas sobre duração dos cursossuperiores. Documenta, Rio de Janeiro, n. 34, p. 126-128, fev. 1965.

16. Sobre planejamento do ensino superior. Esboço de uma metodologia (Estudoespecial). Documenta, Rio de Janeiro, n. 35, p. 45-63, mar. 1965.

17. Parecer nº 134/65, aprovado em 7/4/1965. Faculdade de Direito "LaudoCamargo"– Ribeirão Preto/SP (Aprova regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n.36, p. 34, abr. 1965.

18. Parecer nº 157/65, aprovado em 9/4/1965. Faculdade de Filosofia da PUC doRio de Janeiro (Aprova alterações no Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n.36, p. 36, abr. 1965.

19. Parecer nº 172/65, aprovado em 9/4/1965. Escola de Administração do Ceará(Aprova alterações no Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 36, p. 36, abr.1965.

Page 212: Ensaios sobre Educação e Universidade

Durmeval Trigueiro Mendes210

20. Parecer nº 183/65, aprovado em 9/4/1065. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras de Juiz de Fora – Curso de Pedagogia (Autorização para funcionamento).Documenta, Rio de Janeiro, n. 36, p. 50-52, abr. 1965.

21. Parecer nº 164/65, aprovado em 9/4/1965. Faculdade de Direito "ClóvisBevilácqua" – Pelotas/RS (Solicita reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro,n. 36, p. 54, abr. 1965.

22. Parecer nº 160/65, aprovado em 9/4/1965. Curso de Biblioteconomia da Uni-versidade de Minas Gerais (Incorporação). Documenta, Rio de Janeiro, n. 36, p.88, abr. 1965.

23. Parecer nº 164/65, aprovado em 5/5/1965. Faculdade de Direito da Universida-de Católica de Pelotas/RS (Reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 37, p.25-26, maio 1965.

24. Parecer nº 215/65, aprovado em 6/5/1965. Escola de Administração do Ceará(Indicação de professores). Documenta, Rio de Janeiro, n. 37, p. 52-53, maio 1965.

25. Indicação nº 10, aprovada em 7/5/1965. Novo sistema de relações entre o MECe as escolas superiores: cooperação técnica, planejamento e inspeção por especi-alistas. Documenta, Rio de Janeiro, n. 37, p. 64-68, maio 1965.

26. Parecer nº 774/65, aprovado em 9/7/1965. Faculdade de Direito de Campo Gran-de/MS (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 39, p.34-37, jul. 1965.

27. Parecer nº 297/65, aprovado em 5/8/1965. Faculdade de Direito de Sergipe(Aprova Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 40, p. 26, ago. 1965.

28. Parecer nº 283/65, aprovado em 6/8/1965. Faculdade de Filosofia da Universi-dade de Goiás (Aprova Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 40, p. 25, ago.1965.

29. Parecer nº 470/65, aprovado em 6/8/1965. Faculdade Nacional de CiênciasEconômicas (Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 40, p. 30, ago. 1965.

30. Parecer nº 774/65, aprovado em 17/9/1965. Faculdade de Direito de CampoGrande/MS (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 41,p. 29-30, set. 1965.

31. Parecer nº 866/65, aprovado em 17/9/1965. Faculdade de Direito de Tupã/SP(Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 41, p. 30-33,set. 1965.

32. Parecer nº 810/65, aprovado em 17/9/1965. Escola de Administração do Ceará(Representação de dois candidatos ao magistério). Documenta, Rio de Janeiro, n.41, p. 54, set. 1965.

33. Parecer nº 763/65, aprovado em 13/10/1965. Faculdade de Direito da Universi-dade Católica de Pernambuco (Reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n.42, p. 38-41, out. 1965.

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34. Parecer nº 810/65, aprovado em 13/10/1965. Escola de Administração do Ceará(Recurso de candidatos ao magistério). Documenta, Rio de Janeiro, n. 42, p. 56-57,set. 1965.

35. Parecer nº 911/65, aprovado em 14/10/1965. Escola de Engenharia deUberlândia/MG (Escolha de representantes do corpo discente – Regimento). Do-cumenta, Rio de Janeiro, n. 42, p. 26, out. 1965.

36. Parecer nº 774/65, aprovado em 15/10/1965. Faculdade de Direito de CampoGrande/MS (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 42,p. 33-34, out. 1965.

37. Parecer nº 452/65, aprovado em 12/11/1965. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG (Regimento). Documenta, Riode Janeiro, n. 43, p. 26, nov. 1965.

38. Parecer nº 1014/65, aprovado em 24/1/1966. Faculdade de Filosofia de Cam-pos/RJ. Curso de Matemática (Autorização para funcionamento). Documenta, Riode Janeiro, n. 45, p. 43-45, jan. 1966.

39. Parecer nº 1/66, aprovado em 25/1/1966.Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras de Taubaté/SP (Indicação de professora). Documenta, Rio de Janeiro, n. 45,p. 70, jan. 1966.

40. Parecer nº 26/66, aprovado em 27/1/1966. Faculdade de Ciências Econômicasda Universidade Católica do Paraná (Alteração de Regimento). Documenta, Rio deJaneiro, n. 45, p. 26, jan. 1966.

41. Parecer nº 42/66, aprovado em 27/1/1966. Faculdade de Farmácia e Odontolo-gia da Universidade Federal de Juiz de Fora/MG (Alteração de Regimento). Docu-menta, Rio de Janeiro, n. 45, p. 30-31, jan. 1966.

42. Parecer nº 28/66, aprovado em 27/1/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras de Juiz de Fora/MG – Criação do Curso de Pedagogia (Autorização parafuncionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 45, p. 48-49, jan. 1966.

43. Parecer nº 41/66, aprovado em 27/1/1966. Escola de Administração do Ceará(Pedido de reconsideração de professor impugnado). Documenta, Rio de Janeiro,n. 45, p. 87-88, jan. 1966.

44. Parecer nº 88/66, aprovado em 3/2/1966. Faculdade Católica de Filosofia deSergipe (Alteração de Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 46, p. 14, fev.1966.

45. Parecer nº 90/66, aprovado em 3/2/1966. Faculdade de Filosofia de Caxias doSul/RS (Adaptação do Regimento à Lei 4464). Documenta, Rio de Janeiro, n. 46, p.21, fev. 1966.

46. Parecer nº 94/66, aprovado em 3/2/1966. Faculdade de Direito de Curitiba/PR(Adaptação de Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 46, p. 21, fev. 1966.

47. Indicação nº 19, aprovada em 3/2/1966. Sobre o currículo mínimo dos cursosde Administração. Documenta, Rio de Janeiro, n. 46, p. 80, fev. 1966.

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48. Parecer nº 149/66, aprovado em 11/3/1966. Faculdade de Serviço Social deRibeirão Preto/SP (Reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 47, p. 47-49,mar. 1966.

49. Parecer nº 227/66, aprovado em 14/4/1966. Escola de Engenharia da Universi-dade Federal de Alagoas (Adaptação de Regimento à Lei nº 4.464). Documenta,Rio de Janeiro, n. 50, p. 19-22, abr. 1966.

50. Parecer nº 256/66, aprovado em 15/4/1966. Escola Médica do Rio de Janeiro(Adaptação de Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 50, p. 26, abr. 1966.

51. Parecer nº 250/66, aprovado em 15/4/1966. Faculdade de Filosofia de PassoFundo/RS (Autorização para funcionamento de Cursos de Ciências Naturais e Es-tudos Sociais). Documenta, Rio de Janeiro, n. 50, p. 53-56, abr. 1966.52. Parecer nº 246/66, aprovado em 15/4/1966. Criação de Curso de Licenciaturaem Ciências da PUC/RS (Reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 51, p.42, abr. 1966.

53. Parecer nº 248/66, aprovado em 15/4/1966. Faculdade de Filosofia de Campos/RJ (Indicação de professor). Documenta, Rio de Janeiro, n. 51, p. 45, abr. 1966.

54. Parecer nº 257/66, aprovado em 15/4/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras Nossa Senhora da Imaculada Conceição de Viamão/RS (Indicação de pro-fessor) Documenta, Rio de Janeiro, n. 51, p. 49-50, abr. 1966.

55. Parecer nº 312/66, aprovado em 5/5/1966. Faculdade de Filosofia de Passo Fun-do/RS – Cursos de Ciências Naturais e Estudos Sociais (Autorização para funcio-namento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 52, p. 17, maio 1966.

56. Parecer nº 279/66, aprovado em 3/5/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras de Caxias/RS (Aprovação de Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 52,p. 34, maio 1966.

57. Parecer nº 299/66, aprovado em 5/5/1966. Universidade Católica da Bahia (Apro-vação de Estatuto). Documenta, Rio de Janeiro, n. 52, p. 32, maio 1966.

58. Parecer nº 373/66, aprovado em 4/6/1966. Faculdade de Direito da Universida-de de Minas Gerais (Adaptação à LDB). Documenta, Rio de Janeiro, n. 54, p. 27-28,jun. 1966.

59. Parecer nº 372/66, aprovado em 4/6/1966. Universidade da Paraíba – Financi-amento de projeto pela Finep. Documenta, Rio de Janeiro, n. 55, p. 48-53, jun.1966.

60. Parecer nº 420/66, aprovado em 8/7/1966. Escola de Enfermagem de Manaus/AM (Adaptação de Regimento à Lei nº 4.464/64). Documenta, Rio de Janeiro, n.56, p. 38, jul. 1966.

61. Parecer nº 307/66 (Redação final), aprovado em 8/7/1966. Currículo mínimode Administração. Documenta, Rio de Janeiro, n. 56, p. 60-71, jul. 1966.

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62. Parecer nº 394/66, aprovado em 8/7/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras de Ponta Grossa/PR (Indicação de professora). Documenta, Rio de Janeiro,n. 56, p. 89-90, jul. 1966.

63. Parecer nº 396/66, aprovado em 8/7/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras "Sedes Sapientiae"/SP (Indicação de professor). Documenta, Rio de Janeiro,n. 56, p. 90, jul. 1966.

64. Parecer nº 477/66, aprovado em 1/9/1966. Escola de Educação Física da Uni-versidade Católica de Minas Gerais (Aprovação de Regimento). Documenta, Riode Janeiro, n. 58, p. 50-53, ago./set. 1966.

65. Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social - Plano de Educação.Aprovado em 1/9/1966. Documenta, Rio de Janeiro, n. 58, p. 54-71, ago./set. 1966.

66. Parecer nº 480/66, aprovado em 27/9/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras de Uruguaiana/RS (Indicação de professora). Documenta, Rio de Janeiro, n.60, p. 55-56, set./out. 1966.

67. Parecer nº 510/66, aprovado em 29/9/1966. Faculdade Estadual de Filosofia,Ciências e Letras de União da Vitória/PR (Adaptação à Lei 4464/64). Documenta,Rio de Janeiro, n. 60, p. 35, set./out. 1966.

68. Parecer nº 499/66, aprovado em 29/9/1966. Centro Acadêmico "Hugo Simas"da Faculdade de Direito do Paraná – Denúncia contra a criação de Faculdade deDireito de Campo Grande/MS. Documenta, Rio de Janeiro, n. 60, p. 64, set./out.1966.

69. Parecer nº 520/66, aprovado em 30/9/1966. Faculdade de Ciências Contábeisem Juazeiro do Norte/CE (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio deJaneiro, n. 60, p. 11, set./out. 1966.

70. Parecer nº 521/66, aprovado em 30/9/1966. Faculdade de Filosofia da PUC-RJ(Adaptação de Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 60, p. 40, set./out. 1966.

71. Parecer nº 522/66, aprovado em 30/9/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras "Sedes Sapientiae"/SP (Indicação de professores). Documenta, Rio de Janei-ro, n. 60, p. 75-76, set./out. 1966.

72. Parecer nº 532/66, aprovado em 30/9/1966. Universidade Católica de Salva-dor/ BA – Consulta sobre Instituto de Agregação. Documenta, Rio de Janeiro, n.60, p. 84, set./out. 1966.

73. Voto em separado (assinado por 13 Conselheiros e transformado em vencedor)ao Parecer do Conselho Federal de Educação sobre uma proposta relativa àgratuidade do ensino a ser encaminhada ao Projeto da nova Constituição, aten-dendo a solicitação do Sr. Ministro da Educação. Documenta, Rio de Janeiro, n.60, p. 93-94, set./out. 1966.

74. Parecer nº 576/66, aprovado em 11/11/1966. Faculdade de Filosofia da Univer-sidade Católica de Pernambuco – Cursos de Psicologia.

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75. Parecer nº 575/66, aprovado em 11/11/1966. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras da Universidade Federal do Pará (Regimento). Documenta, Rio de Janeiro,n. 61, p. 50-51, nov. 1966.

76. Parecer nº 594/66, aprovado em 9/12/1966. Escola de Administração do Ceará(Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 63, p. 15, dez. 1966.

77. Nota de abertura – O Ministério da Educação depois da Lei de Diretrizes eBases. Documenta, Rio de Janeiro, n. 64, p. 5-9, dez. 1966.

78. Parecer nº 576/66, aprovado em 9/12/1966. Faculdade de Filosofia da Universi-dade Católica de Pernambuco (Reconhecimento). Documenta, Rio de Janeiro, n.64, p. 37-38, dez. 1966.

79. "O Governo da Universidade". Conferência pronunciada na Sessão Plenária do"Seminário sobre Ensino Universitário", promovido pelo Conselho Federal deEducação. Documenta, Rio de Janeiro, n. 64, p. 74-98, dez. 1966.

80. "Administração da Universidade" – Resumo do texto "O Governo da Universi-dade". In: Relatório Final do Seminário sobre Ensino Universitário. Documenta,Rio de Janeiro, n. 64, p. 115-121, dez. 1966.

81. Parecer nº 100/67, aprovado em 27/2/1967. Universidade Católica da Bahia(Estatuto). Documenta, Rio de Janeiro, n. 66, p. 51, fev. 1967.

82. Parecer nº 101/67, aprovado em 28/2/1967. Faculdade de Filosofia de Lorena/SP (Indicação de professor). Documenta, Rio de Janeiro, n. 66, p. 98-99, fev. 1967.

83. Parecer nº 111/67, aprovado em 2/3/1967. Faculdade de Direito de Itabirito/MG(Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 67, p. 28, fev./mar. 1967.

84. Indicação nº 27 – Sobre administração das Universidades brasileiras. Docu-menta, Rio de Janeiro, n. 67, p. 71, fev./mar. 1967.

85. Parecer nº 167/67, aprovado em 7/4/1967. Faculdade de Direito de Avaré/SP(Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 68, p. 24-25,abr. 1967.

86. Parecer nº 195/67, aprovado em 12/5/1967. Universidade Federal do Ceará(Reforma do Estatuto). Documenta, Rio de Janeiro, n. 70, p. 28, maio 1967.

87. Parecer nº 209/67, aprovado em 6/6/1967. Expansão do ensino superior nopaís. Documenta, Rio de Janeiro, n. 71, p. 10-21, jun. 1967; republicado na Docu-menta, Rio de Janeiro, n. 91, p. 122-131, set. 1968, como Anexo para o III Seminá-rio sobre Assuntos Universitários, realizado em setembro de 1968.

88. Parecer nº 255/67, aprovado em 2/8/1967. Faculdade de Medicina de Itajubá/MG (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 74, p. 8-27,jul./ago. 1967.

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89. Parecer nº 284/67, aprovado em 4/8/1967. Faculdade Salesiana de Filosofia,Ciências e Letras de Lorena/SP - Criação de Licenciatura de Letras e de EstudosSociais (Regimento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 74, p. 91, jul./ago. 1967.

90. Parecer nº 313/67, aprovado em 4/8/1967. Conselho Federal de Biblioteconomia– Consulta sobre criação de cursos de biblioteconomia. Documenta, n. 74, p. 118-119, jul./ago. 1967.

91. Parecer nº 101/67, aprovado em 29/8/1967. Faculdade Salesiana de Filosofia,Ciências e Letras de Lorena/SP (Indicação de professor). Documenta, Rio de Janei-ro, n. 75, p. 46, ago./set. 1967.

92. Parecer nº 394/67, aprovado em 6/10/1967. Universidade Federal do Paraná(Plano de reestruturação). Documenta, Rio de Janeiro, n. 76, p. 70-76, out. 1967.

93. Parecer nº 255/67 (2º adendo), aprovado em 10/11/1967. Faculdade de Medici-na de Itajubá/MG (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro,n. 77, p. 19-25, nov. 1967.

94. Parecer nº 390/67, aprovado em 6/11/1967. Faculdade de Filosofia da Universi-dade Católica de Pernambuco – Cursos de Psicologia e de Jornalismo (Reconheci-mento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 77, p. 68-69, nov. 1967.

95. Parecer nº 255/67 (3º adendo), aprovado em 15/12/1967. Faculdade de Medici-na de Itajubá/MG (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro,n. 78, p. 13-16, dez. 1967.

96. Parecer nº 474/67, aprovado em 6/12/1967. Universidade Federal do Amazo-nas (Reestruturação). Documenta, Rio de Janeiro, n. 78, p. 93-101, dez. 1967.

97. Apreciações sintéticas do Conselheiro Durmeval Trigueiro Mendes - IV Reu-nião Conjunta dos Conselhos de Educação – Súmula n. 4, p. 83-84, 1967.

98. Indicação nº 49/67, aprovada em 15/12/1967, para o III Seminário de EstudosUniversitários – Sobre o Desenvolvimento do Ensino Superior. Documenta, Riode Janeiro, n. 80, p. 82-89, jan. 1968.

99. Parecer nº150/68, aprovado em 11/3/1968. Faculdade de Ciências Econômicasdo Maranhão – Incorporação à Universidade do Maranhão. Documenta, Rio deJaneiro, n. 82, p. 81-84, mar. 1968.

100. Parecer nº 195/68, aprovado em 15/3/1968. Faculdade de Filosofia do Recife/PE – Curso de Psicologia. Documenta, Rio de Janeiro, n. 83, p. 45-46, mar. 1968.

101. Parecer nº 196/68, aprovado em 15/3/1968. Faculdade de Ciências Contábeisde Santo Ângelo/RS (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janei-ro, n. 83, p. 46-48, mar. 1968.

102. Informe do pronunciamento feito por ocasião do término dos mandatos dosConselheiros Alceu Amoroso Lima, Anísio Teixeira, Hélder Câmara e AntônioMartins Filho. Documenta, Rio de Janeiro, n. 83, p. 109-112, mar. 1968.

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103. Parecer nº 268/68, aprovado em 7/5/1968. Instituto Politécnico de RibeirãoPreto/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 86, p.10-13, maio 1968.

104. Parecer nº 331/68, aprovado em 10/5/1968. Escola de Administração do Ceará– Curso de Administração de Empresas (Reconhecimento). Documenta, Rio deJaneiro, n. 86, p. 80-81, maio 1968.

105. Parecer nº 460/68, aprovado em 5/7/1968. Faculdade de Ciências Econômicase Administração de Empresas de Mogi das Cruzes/SP (Autorização para funciona-mento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 88, p. 80-81, jul. 1968.

106. Parecer nº 518/68, aprovado em 9/8/1968. Instituto Politécnico de RibeirãoPreto/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 89, p.49-50, ago. 1968.

107. Parecer nº 517/68, aprovado em 9/8/1968. Universidade Federal do Paraná(Plano de reestruturação). Documenta, Rio de Janeiro, n. 89, p. 131-132, ago. 1968.

108. Parecer nº 512/68, aprovado em agosto/1968. Escola de Sociologia e Políticado Rio de Janeiro/GB (Alterações no currículo). Documenta, Rio de Janeiro, n. 89,p. 146-147, ago. 1968.

109. Parecer nº 529/68, aprovado em 9/8/1968. Universidade Federal do Rio deJaneiro/GB – Solicita o currículo do Curso de Engenharia de Operação nas Moda-lidades de Construção Civil e Construção de Estradas. Documenta, Rio de Janeiro,n. 89, p. 154, ago. 1968.

110. "A expansão do ensino superior no Brasil" – Conferência proferida no IIISeminário sobre Assuntos Universitários em 28/8/1968 no Rio de Janeiro/GB. Do-cumenta, Rio de Janeiro, n. 91, p. 26-66, set. 1968.

111. Parecer nº 673/68, aprovado em 11/10/1968. Faculdade de Filosofia, Ciênciase Letras de Rio Pomba/MG (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio deJaneiro, n. 93, p. 37-39, out. 1968.

112. Parecer nº 676/68, aprovado em 11/10/1968. Faculdade de Ciências Contábeise Administrativas Machado Sobrinho - Juiz de Fora/MG (Autorização para funcio-namento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 93, p. 39-40, out. 1968.

113. Parecer nº 736/68, aprovado em 8/11/1968. Instituto Politécnico Moura Lacerda– Ribeirão Preto/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janei-ro, n. 94, p. 30-33, nov. 1968.

114. Parecer nº 706/68, aprovado em 7/11/1968. Universidade Federal do Paraná(Plano de reestruturação). Documenta, Rio de Janeiro, n. 94, p. 59-60, nov. 1968.

115. Parecer nº 713/68, aprovado em 7/11/1968. Faculdade de Ciências Econômi-cas do Triângulo Mineiro (Indicação de professores). Documenta, Rio de Janeiro,n. 94, p. 75-76, nov. 1968.

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116. Parecer nº 766/68, aprovado em 3/12/1968. Universidade de Brasília – Cursosde Direito, Ciências Econômicas e Administração (Reconhecimento). Documenta,Rio de Janeiro, n. 95, p. 55-64, dez. 1968.

117. Parecer nº 784/68, aprovado em 4/12/1968. Instituto Politécnico Moura Lacerda– Ribeirão Preto/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janei-ro, n. 95, p. 29-30, dez. 1968.

118. Parecer nº 879/68, aprovado em 7/12/1968. Universidade de Brasília – Cursosde Direito, Ciências Econômicas e Administração (Reconhecimento). Documenta,Rio de Janeiro, n. 96, p. 68-70, dez. 1968.

119. Parecer nº 867/68, aprovado em 13/12/1968. Faculdade de Filosofia, Ciênciase Letras de São Leopoldo/RS (Indicação de professor). Documenta, Rio de Janeiro,n. 96, p. 98, dez. 1968.

120. Parecer nº 876/68, aprovado em 17/12/1968. Escola Brasileira de Administra-ção Pública/GB – Solicita concessão a bacharéis de Administração da Faculdadepara realizarem outros cursos afins. Documenta, Rio de Janeiro, n. 96, p. 120-122,dez. 1968.

121. Parecer nº 889/68, aprovado em 18/12/1968. Faculdade de Direito de Araçatuba/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 96, p. 54-56,dez. 1968.

122. Parecer nº 902/68, aprovado em 18/12/1968. Faculdade Estadual de Direitode Londrina/PR (Indicação de professor). Documenta, Rio de Janeiro, n. 96, p.105-106, dez. 1968.

123. Parecer nº 38/69, aprovado em 6/2/1969. Instituto de Ciências Econômicas,Jurídicas e Sociais do Paraná – Curso de Administração (Autorização para funcio-namento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 97, p. 36-37, jan./fev. 1969.

124. Parecer nº 142/69, aprovado em 3/3/1969. Universidade Federal do Paraná(Plano de reestruturação). Documenta, Rio de Janeiro, n. 99, p. 73, mar. 1969.

125. Parecer nº 280/69, aprovado em 11/04/1969. Faculdade de Direito e de Ciên-cias do Instituto Educacional Piracicabano/SP (Autorização para funcionamento).Documenta, Rio de Janeiro, n. 100, p. 42-44, abr. 1969.

126. Parecer nº 296/69, aprovado em 5/5/1969. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras "Dr. Carlo D'Alamo Louzada" – Birigui/SP (Autorização para funcionamen-to). Documenta, Rio de Janeiro, n. 101, p. 18-21, maio 1969.

127. Parecer nº 29/69, aprovado em 5/5/1969. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras da OMEC – Mogi das Cruzes/SP, Cursos de Psicologia, Desenho e EstudosSociais (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 101, p.21-23, maio 1969.

128. Parecer nº 373/69, aprovado em 9/5/1969. Faculdade de Filosofia, Ciências eLetras da OMEC – Mogi das Cruzes/SP (Cumprimento de diligência do Parecer nº297/69). Documenta, Rio de Janeiro, n. 101, p. 75-76, maio 1969.

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Durmeval Trigueiro Mendes218

129. Parecer nº 375/69, aprovado em 9/5/1969. Faculdade de Ciências Administra-tivas da União Universitária de Negócios e Administração – Belo Horizonte/MG(Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 101, p. 76-80,maio 1969.

130. Parecer nº 439/69, aprovado em 13/6/1969. Faculdade de Arquitetura e Urba-nismo (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 102, p.60-62, jun. 1969.

131. Parecer nº 492/69, aprovado em 10/7/1969. Faculdade de Direito de Araçatuba/SP (Autorização para funcionamento). Documenta, Rio de Janeiro, n. 103, p. 36-37, jul. 1969.

132. Parecer nº 559/69, aprovado em 7/8/1969. Faculdade Estadual de Direito deLondrina/PR (Indicação de professores). Documenta, Rio de Janeiro, n. 104, p. 91-92, ago. 1969.