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9. Ensinamento de Amenemhat I ao seu filho Senuseret

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    9.1. Provenincia, datao e localizao dos manuscritos. Sinopse

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    Para alm da habitual possibilidade de apelidar este texto de ensinamento/os ou ins-

    trues, o Ensinamento de Amenemhat I ao seu filho Senuseret tambm designado por al-

    guns egiptlogos de Testamento de Amenemhat. Pelo nmero de cpias, este texto mais um

    que parece ter gozado da preferncia dos professores das escolas de escribas do Imprio No-

    vo, da XVIII XX dinastia, sobretudo nas comunidades de Deir el-Medina, do Ramesseum,

    onde tero existido escolas de escribas ligadas ao trabalho dos arteso que decoraram os hipo-

    geus das XIX e XX dinastias, do Vale dos Reis e do Vale das Rainhas1.

    O texto chegou at ns em quatro papiros, trs tabuinhas de madeira, um rolo de cou-

    ro e um nmero bastante elevado de stracos, que inicialmente Maspero dizia serem 23,

    Helck aumentou para 56 e Vernus diz que, actualmente, so bastantes mais, enumerando

    aqueles que considerou mais significativos e os respectivos locais de acesso a tais fontes2. Os

    papiros so o Papiro Millingen, de meados da XVIII dinastia, o Papiro Sallier I (BM EA

    10185), dos finais da XIX dinastia, o Papiro Sallier II (BM EA 10182), dos finais da XIX

    dinastia, e o Papiro Berlim 30193, igualmente dos finais da XIX dinastia4. As tabuinhas so a

    tabuinha Brooklyn I e a tabuinha Brooklin II, ambas do princpio da XVIII dinastia, e a tabui-

    nha Carnarvon 5, do meio da XVIII dinastia, e o rolo de couro tem a referncia Louvre 4920.

    Os stracos so uns da poca de Hatchepsut (straco Senmut 142, straco Senmut 143, straco

    Senmut 144, straco Senmut 145) e a maioria dos restantes so ramsssidas com designaes

    e, obviamente, propriedade, diversas (BM, Ramesseum, Deir el-Medina, Cairo, Licht, Michai-

    lides, Petrie, Gardiner, Leipzig, Malinine, Toronto, Moscovo e Bruxelas)5.

    Estas fontes com diversas provenincias, a maioria em escrita hiertica mas alguns

    em escrita demtica, foram estudados por diferentes egiptlogos: Maspero, Griffith, Gardiner,

    Hayes, Spiegelberg, Posener, Daressy, Goedicke, Wente, erny, Malinine e Lurie6. Todas as 1 S. G. QUIRKE, Archive, em A. Loprieno (ed.), Ancient Egyptian Literature, p. 393. 2 M. G. MASPERO, Les Enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrt Ier, pp. I e VII-IX; W. HELCK, Der

    Text der Lehre Amenemhets I fr Seinen Sohn, pp. 1-6; P. VERNUS, Sagesses de lgypte pharaonique, pp. 169-170.

    3 Esta parece ser a referncia mais recente, mas anteriormente, segundo Maspero, parece ter sido designado por Papiro de Berlim 3010 (M. G. MASPERO, Les Enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrt Ier, p. I; W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr Seinen Sohn, p. 1).

    4 Helck ainda informa da existncia de alguns fragmentos de papiro no publicados que Gardiner ter referen-ciado num artigo do n 21 da revista JEA (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr Seinen Sohn, p. 1).

    5 W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr Seinen Sohn, pp. 1-5; para outras referncias posteriores ver P. VERNUS, Sagesses de lgypte pheraonique, p. 169 nota 4.

    6 W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr Seinen Sohn, pp. 1-5.

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    fontes que Helck apresenta aparecem devidamente relacionadas entre si, integrando-se no seu

    prprio lugar no respectivo texto7.

    Como para este texto apenas tivemos acesso a imagens de trs dos papiros, para os

    restantes documentos servir-nos-emos das descries feitas por Maspero8. Seguiremos, prefe-

    rencialmente, o Papiro Sallier II, a nica fonte que conservou o texto na ntegra. Deve o seu

    nome ao seu proprietrio Franois Sallier (1764-1831), oficial e coleccionador francs, que na

    sua coleco de antiguidades tinha cinco papiros egpcios (Sallier I-IV e um papiro demtico),

    que foram estudados por Champollion, e que em 1839 foram adquiridos pelo Museu Britnico

    (EA 10181-2, EA 10182-3, EA 10183-4, EA 10184-5 e o papiro demtico 19226)9. Neste papi-

    ro, o texto em estudo ocupa as trs primeiras pginas, num total de 28 linhas, dez em cada

    uma das duas primeiras pginas e oito na terceira, numeradas do seguinte modo: pgina 1 de 1

    a 10, pgina 2 de 1 a 10 e pgina 3 de 1 a 8). H mais dois textos neste papiro: Hino ao Nilo e

    Ensinamento de Kheti. Conforme ficou registado no Hino ao Nilo, um papiro que foi escrito

    na escola do Ramesseum, cerca de 1200 a. C., no ano 1 de Seti II, sexto rei da XIX dinastia,

    neto de Ramss II, no dia 20 de Mchir, o 2 ms do Inverno, e que tem a particularidade de

    ser assinado pelo escriba Ininana, que dedicou o seu trabalho ao ka dos favoritos, maravilho-

    samente bons, os escribas do tesouro Kagabuat e Hori. um texto que apresenta provas de

    reviso nas margens superiores das pginas, onde aparecem as formas correctas de diversos

    caracteres ou conjuntos de caracteres.

    O texto est dividido em estncias, que se iniciam grafadas a encarnado, e em que os

    cola correspondentes aos versos esto separados por pontos encarnados. Contudo, a tinta en-

    carnada nem sempre foi utilizada com rigor pelo escriba, nem alvo de qualquer reparo escrito

    por parte do escriba corrector, havendo frases que iniciam estrofes e pontos que se encontram

    a negro. H tambm algumas palavras que foram esquecidas inicialmente e acabaram por ser

    integradas no texto a posteriori entre linhas, sobre o local onde deveriam estar inicialmente.

    O Papiro Millingen outra fonte que apresenta uma verso quase integral do tex-

    to. Deve o seu nome ao cirurgio e escavador britnico, de ascendncia alem, Julius Michael

    Millingen (1800-1878)10, que se fixou em Constantinopla, tendo sido mdico de cinco sultes

    7 W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr Seinen Sohn, p. 6. 8 M. G. MASPERO, Les Enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrt Ier, pp. I-X. 9 R. W. DAWSON; E. P. UPHILL; M. L. BIERBRIER, Who Was Who in Egyptology, p. 370. 10 R. W. DAWSON; E. P. UPHILL; M. L. BIERBRIER, Who Was Who in Egyptology, p. 288.

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    e se dedicou a fazer algumas escavaes arqueolgicas, tendo descoberto as runas romanas

    de Aezani e escavado o templo de Jpiter Urius no Bsforo. T-lo- adquirido na primeira

    metade do sculo XIX, porque em 1844 apresentou-o ao italiano Amadeo Angelo Maria

    Peyron (1785-1870)11, professor de copta e grego na Universidade de Turim. Resolveu este

    erudito fazer uma cpia cursiva do papiro, que ofereceu ao egiptlogo e fillogo francs vis-

    conde Emmanuel Charles Olivier Camille de Roug (1811-1872)12 em 1850. Vinte e quatro

    anos depois, em 1874, um filho deste, o visconde Jacques de Roug, que empresta essa c-

    pia a Maspero para o traduzir. Quando Millingen vendeu a sua coleco ao Museu Britnico,

    em 1847, o papiro no se encontrava entre os seus objectos, e at hoje desconhece-se o seu

    paradeiro, no se sabendo qual o destino que Millingen lhe reservou. Deste modo, a nica

    forma de se ter conhecimento do que constava no Papiro Millingen pela cpia feita por

    Amadeo Peyron. Apesar deste contratempo, e porque h outras cpias do texto atravs das

    quais se podem fazer comparaes e porque todo este processo decorreu entre pessoas da m-

    xima confiana da comunidade egiptolgica, continuamos a considerar esta cpia como o

    Papiro Millingen.

    uma cpia muito ntida que, obviamente, no transmite completamente a forma da

    escrita antiga, mas conserva bastante bem o seu carcter geral de forma a podermos imaginar

    o que estava no manuscrito perdido. Cobriria na origem trs pginas inteiras, de doze linhas

    cada, estando as duas primeiras praticamente intactas, mas a terceira apenas apresenta o pri-

    meiro quarto de todas as linhas. Qualquer descrio que se faa do Papiro Millingen ser

    sempre suspeita, uma vez que o que temos uma cpia moderna e no o original, no sabendo

    a quem atribuir as suas virtudes e os seus defeitos: se ao autor antigo se ao copista moderno.

    Por exemplo: Maspero diz-nos que a escrita mida, mas firme e clara, e os caracteres so

    regularmente bastante espaados praticamente em todo o documento13. A quem se deve isto?

    A Ininana ou a Peyron? Ele prprio no deixou de o pensar: os pontos encarnados e a rubri-

    cas esto no seu lugar natural, o que me faz pensar, se nos lugares onde os pontos faltam ou

    esto mal situados a falta no do copista moderno de preferncia ao livreiro antigo14.

    No h palavras esquecidas e colocadas a posteriori como no Papiro Sallier II, tal como no

    11 R. W. DAWSON; E. P. UPHILL; M. L. BIERBRIER, Who Was Who in Egyptology, pp. 332-333. 12 R. W. DAWSON; E. P. UPHILL; M. L. BIERBRIER, Who Was Who in Egyptology, pp. 365-366. 13 M. G. MASPERO, Les Enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrt Ier, p. V. 14 M. G. MASPERO, Les Enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrt Ier, p. V.

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    h qualquer tipo de correco. Certos erros que aparecem no Papiro Sallier II e noutros ma-

    nuscritos, no aparecem neste papiro; uma escrita irrepreensvel ou uma correco posterior?

    Quanto muito, se atendermos a determinadas caractersticas ( organizao gramatical, ao

    vocabulrio, aos caracteres empregues), poderemos comparar este papiro com outros e es-

    timar uma data aproximada, ou poca, para a sua execuo. Maspero compara-o com o Prn-

    cipe Predestinado e atribui a sua realizao aos ltimos reinados da XIX dinastia ou primei-

    ros da XX dinastia.

    O Papiro Sallier I apresenta as primeiras cinco estrofes completas e acaba a meio da

    quinta, num conjunto de oito linhas. Em relao ao Papiro Sallier II as divergncias so m-

    nimas e apenas em ligeiras variantes ortogrficas, o que leva a pensar que foram ambos copi-

    ados do mesmo exemplar. Apresenta uma escrita rpida, bonita e bem legvel. Tanto quanto

    possvel deduzir, parece que o Papiro Sallier I alguns anos anterior ao Papiro Sallier II.

    No por causa deste exerccio interrompido, aparentemente uma cpia que estava a ser feita

    para deleite do executante, que este papiro importante. Ele tem o nico relato da Disputa de

    Sekenenr e Apopi, que tem como cenrio a luta do fara da XVII dinastia Sekenenr Ta II15

    contra o rei hicso Apopi I, ou melhor, a provocao que este rei fez ao fara, um texto assina-

    do por um escriba chamado Pentauer. Tambm este texto no chegou ao fim, pois o seu autor

    teve que fixar a sua ateno numa srie de cartas de um tal Ameneminet, datadas do ano X de

    um fara, que no explicitamente nomeado mas que, segundo Maspero, o contexto permite

    identificar como sendo Merenptah, dcimo terceiro filho de Ramss II, pai de Seti II e quarto

    fara da XIX dinastia16.

    15 Apopi I queixava-se a Sekenenr que no conseguia dormir em Auaris com o barulho que os hipoptamos

    faziam em Tebas, a 800 quilmetros. A forma como esta provocao foi encarada no chegou at ns (P. A. CLAYTON, Crnicas dos Faras, pp. 95-96).

    16 Refira-se que entre Merenptah e Seti II, respectivamente pai e filho, e quarto e sexto faras da XIX dinastia, subiu ao trono do Egipto um desconhecido: Amenmess. Aparentemente ter sido um usurpador que ocupou o trono por quatro ou cinco anos, aproveitando a ausncia do legtimo herdeiro, o prncipe Seti, futuro Seti II, no momento da morte de Merenptah. Para uns, como Clayton, seria um irmo de Seti II, filho de uma rainha me-nor de nome Takhat, para outros, como Hornung, seria Messui, o vice-rei da Nbia, membro da casa real por ser filho de Takhait, uma das numerosas filhas de Ramss II, que se instalou em Tebas com o nome de Amenmess. A inexistncia de inscries com o seu nome deve-se ao facto de o seu sucessor, o herdeiro leg-timo Seti II, o ter considerado um usurpador e ter mandado martelar e apagar todas as referncias sua exis-tncia. Inclusive no seu tmulo inacabado do Vale dos Reis, o KV 10, localizado entre KV 11 e KV 16, respec-tivamente de Ramss III e de Ramss I, e em frente a KV 9 e KV 62, o primeiro de Ramss V e de Ramss VI e o segundo de Tutankhamon. Diga-se que as mmias de KV 9 foram encontradas em 1898 por Victor Loret em KV 35, tmulo de Amen-hotep II, que serviu de esconderijo a vrias mmias durante o Terceiro Perodo Intermedirio, a saber: Tutms IV, Amen-hotep III, Merenptah, Seti II, Siptah, Ramss IV, Ramss V, Ramss VI, trs mulheres no identificadas, um prncipe no identificado e um homem no identificado. A identifica-o dos homens e mulheres desconhecidos tem gerado de tempos a tempos acesas discusses, a ltima das

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    Sobre o Papiro Berlim 3019 apenas temos a informao, vinculada por Maspero, de

    que Griffith e Erman, que o estudaram na ltima dcada do sculo XIX, pensaram que ele era

    sensivelmente da mesma idade que os Papiros Sallier I e II e que o Papiro Millingen 17.

    Comparando-o na obra de Maspero com o Papiro Sallier II, confirmamos que o fragmento de

    texto que se conservou vai do meio da stima linha da primeira pgina ao primeiro tero da

    oitava linha da segunda pgina e com muitas lacunas nas extremidades das linhas18.

    Das tabuinhas destacamos a tabuinha Carnarvon 5, descoberta no princpio de 1913

    por Lord Carnarvon e Howard Carter em Dra Abu el-Naga, a elevao direita do longo ca-

    minho que nos conduz ao templo de Deir el-Bahari19. Como as outras, uma tabuinha escolar,

    coberta nas duas faces de uma fina camada de gesso branco, com cerca de dezoito centmetros

    de comprimento por doze de largura. As formigas brancas da regio devoraram parte da ma-

    deira, tornando periclitante a cobertura de gesso, que se fragmentou em numerosos pedaos.

    O cuidadoso trabalho de recolha de Carter, perto de duas dzias de fragmentos, por vezes um

    simples caracter num pedao de gesso, permitiu reconstitui-la em parte, mas no na totalida-

    de. O estudo desses vestgios deu para concluir que teria de um dos lados oito ou nove linhas

    de caracteres grandes e espaados, tendo do outro lado dez ou onze linhas mais apertadas, de

    caracteres menores e menos espaados. A apresentao que Maspero faz dela tem por base

    exactamente a transcrio fac-similada de Howard Carter, embora Maspero a tenha confron-

    tado com os fragmentos originais que se conservam no Museu Egpcio do Cairo20. O texto

    transcrito comea no recto no segundo quarto da stima linha da primeira pgina do Papiro

    Sallier II, e acaba no verso na linha seis da segunda pgina do mesmo papiro. Os cola estari-

    am separados por pontos encarnados, tendo subsistido alguns, mas no h qualquer rubrica

    encarnada em toda a tabuinha. A nica frase a encarnado uma frase que parece ser a data da

    sua cpia, mas que ilegvel. A sua leitura permitiu perceber que um texto mais prximo do

    Papiro Millingen do que do Papiro Sallier II, pois no tem os erros e o exagero de determina-

    quais em Junho de 2003, quando a egiptloga britnica Joann Fletcher identificou, aparentemente erradamente, uma das mmias femininas com Nefertiti (M. G. MASPERO, Les Enseignements dAmenemhat Ier son fils Sa-nouasrt Ier, p. IV; N. REEVES e H. WILKINSON, The Complete Valley of the Kings, pp. 10-11, 150-151 e 198-199; P. A. CLAYTON, Crnicas dos Faras, p. 158; L. M. ARAJO, Amenmess, em Dicionrio do Antigo Egipto, p. 61).

    17 M. G. MASPERO, Les Enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrt Ier, p. VI. 18 M. G. MASPERO, Les Enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrt Ier, p. VI. 19 N. REEVES e H. WILKINSON, The Complete Valley of the Kings, pp. 16 e 18-19. 20 M. G. MASPERO, Les Enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrt Ier, pp. 33-34.

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    tivos suprfluos que surgem no ltimo.

    Os stracos so de valor diferenciado, pois h alguns que apenas tm algumas pala-

    vras e outros que chegam a ter duas e trs linhas. Saliente-se que os que so originrios do

    Ramesseum, descobertos por Quibell, provm do local de funcionamento do ateli onde fo-

    ram escritos os Papiros Sallier I e II. O local onde foram encontrados era, provavelmente,

    onde se situava a escola dos jovens aprendizes de escriba do templo. Maspero acreditava que

    a maior parte deles fossem ensaios de clamo ou, atendendo s datas que aparecem em alguns,

    podiam mesmo ser uma espcie de trabalhos de casa dos estudantes21. A maior parte deles

    so do reinado de Seti II ou dos faras anteriores ou posteriores a si, portanto da XIX dinastia.

    O Ensinamento de Amenemhat I ao seu filho Senuseret , no entanto, um texto muito

    mais antigo do que estas verses que nos chegaram. A opinio generalizada e aceite por todos

    hoje em dia que o original ter sido congeminado nos primeiros tempos da XII dinastia e

    composto pelo mesmo sbio Kheti, que a tradio ramsssida considerou o primeiro escri-

    tor clssico22, que criou o texto a que chamamos Ensinamento de Kheti neste mesmo estudo.

    Embora o presente ensinamento seja posto na boca de Amenemhat I, dirigindo-se ao seu filho

    e sucessor Senuseret I, no h qualquer dvida de que o fundador da XII dinastia j tinha mor-

    rido, porquanto na terceira linha do texto, aps o seu nome, aparece a frmula utilizada ape-

    nas para reis j falecidos: justo de voz ou justificado. A meio do poema, Amenemhat I

    descreve o seu prprio assassinato, com o qual tommos contacto na Histria de Sinuhe, im-

    plicando mesmo na conspirao da sua morte os seus mais prximos servidores, provavel-

    mente do harm real, uma vez que Sinuhe era um servidor do harm real onde, aparentemen-

    te, tudo se teria passado, podendo ter chegado prpria famlia do seu vizir, que Parkinson

    nos diz ter-se chamado Intefiker23. Muitos pensam que poder ter sido o prprio Senuseret I

    que encomendou este ensinamento a Kheti, como propaganda que o legitimasse aos olhos dos

    sbditos que o contestavam, sendo por isso muito provvel que o autor real da obra tenha vi-

    vido muito prximo da poca, ou tenha mesmo sido parcialmente contemporneo, de Ame-

    nemhat I. Sabendo-se no prprio texto que o fara estava morto, o facto dele surgir a falar

    com o seu filho entendido como uma apario em sonho.

    Segundo alguns egiptlogos, historicamente ter havido uma co-regncia de cerca de

    21 M. G. MASPERO, Les Enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrt Ier, p. VII. 22 P. VERNUS, Sagesses de lgypte pharaonique, p. 162. 23 R. PARKINSON, The Tale of Sinuhe, p. 203.

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    dez anos entre Amenemhat I e o seu filho Senuseret I24, uma nova instituio que ento come-

    ava.

    Sinopse. Depois de se apresentar como rei morto do Egipto, Amenemhat I declara o

    seu filho Senuseret senhor universal do Egipto, dando lugar assim ao rei Senuseret I. Igualan-

    do-se a ele, d-lhe conselhos para que a sua governao seja eficaz e tranquila. Aconselha-lhe

    prudncia nos seus relacionamentos para poder dormir com tranquilidade, evitando dar dema-

    siada confiana aos que vivem mais prximo de si. Expondo os seus actos e elogiando a sua

    actuao para tornar o Egipto grande e pacfico, relata a forma como foi morto num momento

    em que Senuseret estava longe. Depois de afirmar que viajar da melhor maneira possvel no

    Alm, partindo de uma maravilhosa morada tumular, diz ficar vigilante em relao no s

    actuao do filho mas tambm em relao dos que o rodeiam. Acaba legitimando a transio

    do poder para Senuseret, dando a entender que poder ter havido mesmo uma co-regncia, e

    indica-lhe que deve terminar o que ele iniciara.

    24 Sobre a questo da existncia ou no da co-regncia entre faras, ver P. MALHEIRO, Co-regncia, em Dicio-

    nrio do Antigo Egipto, pp. 236-238.

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    9.2. Texto hieroglfico, transliterao e traduo comentada

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    HAt-a m sbAyt irt.n Hm n nsw-bit sHtp-ib-ra sA ra imn-m-HAt mAa-xrw Princpio do ensinamento feito pela majestade do rei do Alto e do Baixo Egipto Sehetepibr, o filho de R, Amenemhat, justo de voz.

    Dd.f m wpt mAat n sA.f nb-r-Dr Dd.f xa m nTr

    Ele fala revelando a verdade ao seu filho, o senhor do universo. Ele diz aparecendo como um deus1:

    sDm n Dd.ti.i n.k nsy.k tA HqAy.k idbw

    Ouve o que eu te vou dizer e quando tu reinares no pas, quando tu governares os Bancos de Areia2,

    irr.k wi m HAw Hr nfrw sAqw tw r smdt r.f tmt xprw

    poders tu agir (segundo) eu com excesso em perfeio. S prudente em relao aos dependentes que no se manifestam:

    tmmt rdiw ib m-sA Hrw Hr st m tkn im.sn m waiw.n.k

    a totalidade dos homens pe o seu corao s costas sobre o seu medo3. No te aproximes deles sozinho.

    m mH-ib.k m sn m rx xnms m sxprw n.k aqw nn km n iry

    No confies num irmo. No reconheas amigos4. No cries intimidades porque elas no totalizam uma garantia de posio.

    sDr.k sAw n.k ib.k Ds.k Hr-nty nn wnn mrw n s hrw n qsnt.k Tu deves dormir com o teu prprio corao a guardar-te5, por que para um homem no h servidores no dia do seu infortnio6.

    iw di.n.i n SwAw sxpr.n[.i m] snmH{.n.i}

    Eu dei (esmola) ao pobre e dei existncia (social) ao rfo7;

    1,1 T

    1,3 T

    1,4T

    1,2 T

    1,5 T

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    di.n.i m pHwy iwty wn in wnmw kAw.i iri Tst{.n.k} eu fiz com que aquele que no tinha fim existisse8. Aquele que comeu os meus alimentos fez uma acusao;

    rdi.n.i n.f awy.fy Hr sxpr Hr Hr {st} [im]

    aquele a quem eu estendi os meus braos criou medo relativamente a isso9;

    wnxw pr.i m pAqt.i Hr mAA n.i mi Swyw

    aqueles que em minha casa se vestiam com o meu linho fino10 olharam para mim como para um vegetal11,

    wrHw antyw.i Hr stiw mw mXry.i

    aqueles que se ungiam com a minha mirra derramaram gua [no] meu celeiro.

    snnw.i anxw m psS[.i] m rmT

    Minhas imagens vivas, minhas partes entre os homens12,

    iw irw n.i qAmdt m iwty n bw sDm.n.tw.f

    faam-me um canto fnebre como o que em nenhum lugar foi ouvido.

    iw bw-aA n aHA n mAA.n.tw.f is tw aHA.tw Hr mtwn smx sf A grandeza13 do combate (ainda) no foi vista. Na verdade, quando algum combate numa arena e esquece o ontem,

    nn km n bw-nfr n xm rx.f r-sA msyt pw xAyw xprw

    a bondade no ser vantajosa para aquele que ignora o que devia saber14. Depois do jantar, (j) a noite tinha chegado,

    1,7 T

    1,8T

    1,6 T

    1,9 T

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    Ssp.n.i m wnwt nty nfr-ib sDr.kwi Hr Hnkyt.i bAgi.n.i eu tomei um momento de tranquilidade, eu estendi-me na minha cama (porque) estava cansado15

    SAa.n.i HAty.i Hr Sms qd.i ist spXrw xaw r nD r-Hr.i

    e o meu corao16 seguiu o meu sono. Foi ento que armas da minha proteco foram brandidas contra mim

    iri.kwi mi syn-tA n smt nhsi[.n].i r aHAw iw.i n Haw.i

    e eu fiz como a cobra do deserto17. Eu despertei18 para o combate estando no meu corpo

    gmi.n.i Hwny-r-Hr pw n mawnf

    e encontrei um combate da guarnio.

    ir Ssp.n.i As[.i] xaw m drt.f

    Se eu tivesse agarrado rapidamente nas armas que tinham na sua mo,

    iw di.n.i {n} xti {n} Hmw m-a bAbA{.tw}

    eu teria feito recuar os cobardes em pnico19.

    nn swt qni m grHt nn aHA {tw} waty Mas ningum um homem forte durante a noite, ningum pode lutar sozinho20!

    nn xpr sp mar m-xmt [.kwi] mkty

    No existir procedimento de sucesso sem um protector.

    mk stAw xpr iw.i m-xmt.k{wi}

    Olha, a traio21 aconteceu quando eu estava sem ti22,

    2,1T

    2,2 T

    1,10T

    2,3 T

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    398

    nn sDmt.n.i Snywt Hr swAD.i n.k iw Hmst tw Hna.k ix iry.i Hr sxrw.f (quando) a corte no tinha (ainda) ouvido que eu te fizera florescer, e (quando) eu (ainda) no estava sentado junto de ti. Ento eu vou fazer planos por ti23,

    Hr-nty nn Hr.[i] st m xmt st n inn.i ib.i wsft nty Hr bAkw

    j que eu desconhecia isto, que eu no levei a melhor sobre isto, e que o meu corao negligenciou os servidores.

    in iw pA.n Hmwt Ts Hr skyw

    Alguma vez as24 mulheres comandaram tropas?

    in iw Sd.tw {m} Xnnw [m] Xnw n pr

    Alguma vez os desordeiros causaram tumultos no interior do palcio25?

    in iw xbA.tw im.i ad gbbw

    Alguma vez comigo se transgrediu a lei para salvar a terra26?

    in iw swxA.tw nDsw{.k} Hr iryt.sn

    Alguma vez os camponeses foram enganados relativamente s suas produes27?

    nn iw{t.n.i} iyt HAy.i n Dr msyt.[i]

    Nenhum mal veio a mim desde o meu nascimento28.

    nn xpr mitt st sp m irt qnn

    Nunca tinha acontecido uma coisa semelhante numa aco de bravura29.

    2,5T

    2,6 T

    2,4 T

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    399

    iw hAb.n.i r Abw Hs{t}[i.n.i] r idHw Eu viajei at Elefantina e voltei30 para os pntanos do Delta.

    aHa.kwi Hr Drw {Hr}[tA] mAA.n.i m qAbw.f

    Eu detive-me nos confins do pas31 e observei o seu interior.

    ini.n.i Hr Drw m xpS tw m xpS.i m xprw.i

    Eu alcancei os limites do poder32 atravs do meu poderoso brao e das minhas manifestaes.

    ink iri it mry npri tri.n wi Hapy

    Fui eu o criador dos cereais, o amado de Nepri33. Hapi34 honra-me35

    Hr pgA nb n Hqr.tw im.i rnpwt.i n ib.tw im.i

    em cada entrada [de um vale]36. Comigo ningum teve fome nos meus anos37, comigo ningum teve sede.

    iw Hmsi.tw m irt.n.i Hr sDd.tw im.i iw wD.n.i nb r st iry.i

    Puderam viver descansados38 com o que eu fiz e falar de mim39. Tudo o que eu decretei estava no lugar relativamente a mim.

    iw qnb{tAw}[.n].i mAiw ini.n.i msHw

    Eu dominei40 lees e capturei crocodilos.

    iw di.n.i wAwAyw ini.n.i mDAyw

    Eu subjuguei41 os Uauaiu42 e capturei os Medjaiu43.

    2,8 T

    2,9 T

    2,7 T

    2,10 T

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    400

    iw di.n.i iry.i {Hr} styw Hr Smt Tsmw Eu fiz os Asiticos fazerem o andar dos ces44.

    iw iri.n.i n pr [s]Xkrw m nbw hAwt.f m xsbd

    Eu fiz45 uma casa adornada46 a ouro, com os tectos47 de lpis-lazli,

    sAwt m HD sAtw m mnhAt aAw{t}[y] m Hmt

    as paredes de prata, o cho de sicmoro, as duas portas de cobre48

    qArt [m] Hsmn {irit} iri n Dt Hryt HH Hr st

    (com) os ferrolhos de bronze49, feita para sempre, preparada para a eternidade.

    iw.i rx.kwi m-Dryt nb{t} nb{t}-iry-r-Dr iw ms msyt aSAt m mrrwt

    Eu sei tudo isto como senhor de tudo isso50. Na verdade, numerosas calnias51 esto nas ruas,

    iw rx Hr [Dd] tiw wxA Hr [Dd] nfrw.f Hr-nt{y}[t] n rx.f sw Sw m Hr.k

    o sbio diz assim!, o ignorante diz Est bem! porque52 ele no pode saber se est privado de ti53.

    {n s.i} sA.i n s-n-wsrt anx wDA snb rdwy.i Hr Smt m ntk ib.k Ds.k

    Meu filho54 Senuseret, v. p. s.55. As minhas pernas pem-se em marcha, (mas) o meu prprio corao est contigo56

    irty[.i] Hr gmH.{n.i}[k] msyw m wnwt nt nfr-ib

    e os meus olhos observam-te57: nascidos numa hora de corao feliz58

    3,2 T

    3,3T

    3,1 T

    3,4 T

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    401

    r-gs Hnmmt di.sn n.k iAwt ao lado do Povo do Sol59, eles prestam-te homenagem60.

    mk{y} irw.n.i Xr{y}-Hat Ts.i n.k m pHw

    Olha! Eu fiz o princpio e quero organizar o fim para ti61.

    ink mni n[.k] nty m ib{.k}[.i]

    Fui eu que amarrei (o barco) para ti62 o que estava na minha vontade.

    tw Hr wAH n HDt prt-nTr

    Tu63 tens o encargo de conservar a coroa branca, a divina progenitura64!

    xtm r st iry m SaA.n[.i] n.k h{A}nw m wiA [n] ra

    O selo est no lugar, segundo o que eu comecei65 para ti. H alegria na barca de R66.

    aHa.n {ss} nsyt.k {s} xpr Xr-HAt.i nn m irt.n.i iqnnw

    Tu67 ascendes realeza criada anteriormente a mim, (mas) no como eu me fiz algum excelente68.

    saHa mnw{.k} smnx rdw.k aHa.k wi Hr rx.tw Hr rx.k wi

    Edifica os teus monumentos! Assegura uma renda para o teu poo tumular! Luta para saberes de mim sabendo de mim 69!

    Hr-nt{y}[t] nn mr.n.{f}[.i] {s}tw r-gs Hm.{f}[.i] anx wDA snb iw.s pw nfr m http{w.i}

    Porque no h ningum que eu amasse como tu junto minha majestade, v. p. s.70. Isto o seu fim, perfeito e em harmonia.

    3,6 T

    3,7T

    3,5 T

    3,8 T

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    402

    im kA [n] Hsyw iqr nfr m biAt sS pr-HD qA-gA-bw-at

    Isto para o ka dos favoritos, maravilhosamente bons, o escriba do tesouro Kagabuat

    sS pr-HD Hr.i sS ini-nA-nA m HAt-sp 1 Abd 1(-nw n) prt sw 20

    e o escriba do tesouro Hori71. O escriba Ininana, ano 1, primeiro ms de Peret, dia72 2073.

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    403

    NOTAS: 1 Sem dvida que sendo Amenemhat justo de voz j estaria morto. O criador ou mentor do texto, que at pode ter

    sido o seu filho, Senuseret, faz com que o fara morto aparea como um deus. Ora um aparecimento depois de morto, aparentemente s poderia ter acontecido num sonho. Provavelmente temos aqui uma revelao onrica, fos-se ela real ou simplesmente uma forma literria para transmitir uma determinada mensagem. Em todo o caso, fa-lamos do mesmo fara que levou Sinuhe fuga do Egipto e do seu filho que, anos mais tarde, o recebeu (ver a Histria de Sinuhe, j antes apresentada).

    2 O Papiro Sallier II o nico dos manuscritos onde a palavra tA est omissa. Os restantes oito manuscritos que tm esta passagem apresentam-na (Papiro Millingen, Papiro Sallier I, e os stracos Michailides 20, Deir el-Medina 1020, Deir el-Medina 1196, Gardiner 322, Leipzig 7 e British Museum 5623). Por outro lado, a referncia a idbw, o plural ideogrfico que surge em todos os manuscritos, indiscutivelmente traduzido por Bancos de Areia, pare-ce-nos uma referncia ao prprio Egipto. Caso tivssemos outros plurais, como o dual , os Dois Bancos de Areia, ou at , os Bancos de Areia de Hrus, seria praticamente indiscutvel que fosse uma referncia ao Egipto. Por analogia e segundo o contexto, julgamos que seja mesmo o Egipto, eventualmente, dizemos ns, uma referncia a Alto, Mdio e Baixo Egipto. Alis, a opinio da maior parte dos tradutores consultados, seno da totalidade, embora s Simpson faa essa referncia especfica e Vernus se afaste um pouco mais traduzindo por Dois-Rios o que todos os outros traduzem por Bancos de Areia, uns apresentando a traduo como nome pr-prio, com maisculas, outros no (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 10; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 6; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 106; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 39; R. O. FAULKNER, A Concise Dic-tionary, p. 35; R. B. PARKINSON, The Tale of The Eloquent Peasant, p. 206; M. LICHTHEIM, Ancient Egyptian Lit-erature, vol. I, p. 136; W. K. SIMPSON, The Literature of Ancient Egypt, p. 194; A. ERMAN, Ancient Egyptian Poet-ry and Prose, p. 72; P. VERNUS, Sagesses de lgypte pharaonique, p. 165).

    3 Ou seja, os homens concentram o seu pensamento contra aqueles que os subjugam. 4 A palavra amigo, xnm[s], escreve-se, normalmente, , podendo surgir tambm com as seguintes

    variaes: , ou . O penltimo determinativo da primeira variante, G.A7 ( ), mais comum na palavra amizade: . O que muito invulgar, at ao momento mesmo o nico caso que conhecemos, a utilizao do caracter G. G39 ( ) que aparece tanto no Papiro Sallier I quanto no Papiro Sallier I, no aparecendo em todos os outros documentos onde surge esta passagem: Papiro Milligen e stracos Gardiner 322, Leipzig 7, British Museum 5623, Gardiner 324 e Deir el-Medina 1092 (. SNCHEZ RODRGUEZ, Diccionario de Jeroglficos Egipcios, p. 325; R. O. FAULKNER, A Concise Dictionary, p. 193; W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 18; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 6; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 105; F. LL. GRIFFITH, The Millin-gen Papyrus, p. 39).

    5 Entendemos esta frase no sentido de poder adormecer de conscincia tranquila. 6 H um conjunto de caracteres deteriorados no Papiro Salier II que completmos com o Papiro Milligen e conferi-

    mos nos restantes dez manuscritos (Papiro Sallier I, os stracos Leipzig 7, British Museum 5623, Gardiner 348, Deir el-Medina 1021, Deir el-Medina 1092, Michailides 24, Ramesseum 56, Moscovo 5518 e a tabuinha Brooklyn I) que incluem o que falta desta frase (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 22; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 7; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 107; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 40).

    7 Como bvio, tal como a palavra pobre, a palavra rfo um substantivo e no um verbo, da que a partcula formativa verbal .n, de tempos pretritos, por exemplo, esteja incorrecta. Do mesmo modo, o rfo no do fa-ra, da que tambm a primeira pessoa do singular do pronome sufixo .i esteja a mais. A pobreza e a orfandade so dois estigmas sociais negativos que o fara diz ter combatido num estilo semelhante ao das autobiografias, dando relevo aos seus actos virtuosos: deu esmola e ajudou quem no tinha pai para singrar na vida.

    8 No mesmo contexto das frases anteriores, onde o homem que no tinha fim, isto , que no tinha uma finalidade na sua existncia, era, em nosso entender, um indivduo que no era considerado, que no era reconhecido como ser, que no tinha identidade. Provavelmente a ideia de indigente a quem o rei deu oportunidade de uma existncia digna junto a todos os outros homens, dando-lhe trabalho e permitindo-lhe desse modo possuir alguns bens e ter objectivos na vida. No s o rei insere o seu comportamento na linha da maat social e nas funes do Estado fa-ranico, que devia existir para que maat fosse realizada, como permite exemplarmente o acesso dos Egpcios mais desprotegidos a uma maior justia social. Parece-nos forada a traduo de alguns dos tradutores consultados: que no tinha nada, focando-se apenas nos bens materiais, ou pelo menos assim nos dando a entender (R. B.

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    404

    PARKINSON, The Tale of The Eloquent Peasant, p. 206; M. LICHTHEIM, Ancient Egyptian Literature, vol. I, p. 136; W. K. SIMPSON, The Literature of Ancient Egypt, p. 194; A. ERMAN, Ancient Egyptian Poetry and Prose, p. 72; P. VERNUS, Sagesses de lgypte pharaonique, p. 166).

    9 Isto , algum a quem o fara privilegiou, serviu-se desse privilgio para incutir medo nos outros. 10 A primeira pessoa do masculino singular do pronome sufixo, utilizado como pronome possessivo da palavra li-

    nho fino, pAqt.i, erradamente precedida do caracter G. O1 ( ), talvez por influncia da expresso pr.i existen-te na mesma frase.

    11 Provavelmente ser uma expresso de menosprezo, de desdm, tendo por base Swy, variante de Sww, vegetal, erva e no Swyw, necessitado, ou Swyt, sombra. Jesus Lopez fez a publicao fac-similada do Papiro Mil-lingen em 1963, em quatro pranchas inseridas num artigo da Revue dgyptologie. No s nos possibilitou a con-firmao da leitura desta palavra com os nossos prprios olhos, sensivelmente a meio da oitava linha da primeira prancha publicada, a nmero quatro, como ele prprio fez a seguinte nota: A leitura est certa. Maspero que a tinha proposto no foi seguido por Griffith que leu nem por Volten que leu . Estes dois autores funda-mentaram-se na publicao fac-similada de Maspero que, para esta passagem, bastante medocre. Por outro lado, a leitura de Gardiner para a passagem correspondente da tabuinha de Brooklyn I errada: deve ser subs-titudo por . Por fim, a transcrio de Goedicke e Wente do straco Michaelides 50 ter que ser corrigida para

    em vez de . H assim concordncia entre todos os manuscritos. desta forma que esta palavra aparece transcrita em Helck no Papiro Sallier II, acrescida do determinativo , que nos indica que se refere a uma pessoa a quem esto a identificar com um vegetal, uma erva, o que o determinativo j fazia suspeitar (JESUS LOPEZ, Le Papyrus Millingen [Planches 4-8], em RdE 15 (1963), p. 31 e pr. 4; W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 28; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sa-nouasrit Ier, p. 8n; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 108; F. LL. GRIFFITH, The Millin-gen Papyrus, p. 40; R. O. FAULKNER, A Concise Dictionary, p. 263; . SNCHEZ RODRGUEZ, Diccionario de Je-roglficos Egipcios, pp. 417-418; R. B. PARKINSON, The Tale of The Eloquent Peasant, p. 206; M. LICHTHEIM, An-cient Egyptian Literature, vol. I, p. 136; W. K. SIMPSON, The Literature of Ancient Egypt, p. 194; A. ERMAN, An-cient Egyptian Poetry and Prose, p. 72; P. VERNUS, Sagesses de lgypte pharaonique, pp. 166 e 172).

    12 Para alm de serem duas frases que marcam com toda a evidncia o facto deste discurso ser um monlogo de uma pessoa que est, efectivamente, morta, elas so tambm a prova do aproveitamento que Amenemhat faz para, atra-vs de um discurso ao seu filho, se dirigir, em geral, humanidade. Para se perpetuar na eternidade, pede-lhes que lhe faam um canto fnebre nunca antes ouvido. Usa para isso expresses que introduzem o habitual dualismo egpcio: a componente divina do rei e a sua componente humana, pois no devemos esquecer que a divindade fa-ranica incarnava num homem. Ambas so fundamentais para a ordem universal, isto , no s entre os deuses mas tambm entre os homens. Por isso os homens assumem aqui o duplo papel de imagens do deus criador e, por esta via, da parte divina do rei, mas so, em simultneo, as suas partes humanas. No fundo, temos aqui a forma como R, o demiurgo, instalou maat no mundo, ou seja, instalando o rei na terra como uma espcie de fun-cionrio directamente responsvel perante si, a quem cumpria realizar maat aniquilando isefet (W. K. SIMPSON, The Literature of Ancient Egypt, p. 194; R. B. PARKINSON, The Tale of The Eloquent Peasant, p. 209; J. ASSMANN, Mat, lgypte pharaonique et lide de justice social, pp. 121-122).

    13 A palavra bw, que na frase anterior um substantivo masculino, com o significado de lugar, aqui uma partcu-la, uma espcie de prefixo, que se utiliza na formao de palavras compostas que exprimem ideias abstractas (A. H. GARDINER, Egyptian Grammar, p. 564; R. O. FAULKNER, A Concise Dictionary, pp. 81-82).

    14 Amenemhat dirige-se simultaneamente humanidade e ao seu filho Senuseret, deixando bem clara a diferena entre a sua divindade e os humanos. Exigindo-lhes um elogio fnebre nunca antes visto, avisa-os de que a sua morte pode vir a ser vingada. Esse combate, que ainda est para ser realizado, ser bastante violento, pois o combatente, obviamente o filho, provvel criador ou inspirador destas palavras, se no se esquecer do que fize-ram ao seu antecessor, um pai, um rei, um deus, ser tudo menos bondoso.

    15 No Papiro Sallier II falta o caracter ao verbo bAgi, que surge nos restantes dez manuscritos que contm esta passagem: o Papiro Millingen, o Papiro Sallier I, o Papiro Berlim 3019, os stracos Leipzig 7, British Museum 5623, Michailides 23, Michailides 50, Ramesseum 59, Ramesseum 61 e a tabuinha Carnarvon 5 (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 40; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 10; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 110; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 42).

    16 No sendo ib que aqui se encontra, o corao em sentido lato respeitante a todo o interior do corpo humano, mas HAty, o corao fsico, o msculo cardaco, no concordamos com P. Vernus que nestas circunstncias o traduz por

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    405

    esprito (P. VERNUS, Sagesses de lgypte pharaonique, p. 166; cfr. R. SOUSA, Corao, em Dicionrio do Antigo Egipto, pp. 234-236; ver ainda R. SOUSA, Iniciao e Mistrio no Antigo Egipto).

    17 Tal como a cobra do deserto quando atacada, o fara ter-se- posto de sobreaviso pronto a reagir de imediato para defender a sua vida. Para a palavra smt cfr. A. H. GARDINER, Egyptian Grammar, pp. 541 e 590. A palavra sA-tA escreve-se, normalmente, , tal como aparece no Papiro Millingen. Mas caso nico nesta passagem do tex-to. Em todos os outros manuscritos que incluem esta passagem aparece a complicada e estranha expresso

    (qualquer coisa como syn sA snnw tA n sA, que inclui mesmo snnw (segundo) no meio, aparentemen-te sem traduo, mas que poder ser uma estranha variante de syn-tA, que corre na areia e, portanto, uma outra forma de dizer cobra do deserto uma vez que tem l o respectivo determinativo. Esta expresso surge total ou parcialmente nos stracos Leipzig 7, British Museum 5623, Michailides 23, Michailides 50, Ramesseum 59 e Ra-messeum 61 (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 43; G. MASPERO, Les enseigne-ments dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 10; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 110; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 42).

    18 O caracter G. D6 ( ) apresenta-se a negro entre caracteres encarnados (W. HELCK, Der Text der Lehre Ame-nemhets I fr seinen Sohn, p. 43).

    19 Dos cinco manuscritos que apresentam esta passagem, o que seguimos, o Papiro Sallier II o nico que apresenta esta grafia para a palavra bAbA. Os restantes (Papiro Millingen, o Papiro Berlim 3019 e os stracos Leipzig 7 e Bri-tish Museum 5623) apresentam a grafia comum com a utilizao do caracter G. G29: (R. O. FAULKNER, A Concise Dictionary, p. 77; . SNCHEZ RODRGUEZ, Diccionario de Jeroglficos Egipcios, p. 164; W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 49; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 12; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 110; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 42).

    20 Quando o rei tem que justificar a sua fraqueza, f-la incidir sobre a espcie humana, tirando de cima de si qual-quer culpa dessa fraqueza. Nos manuscritos com esta passagem (Papiro Millingen, Papiro Berlim 3019, os stra-cos British Museum 5623, Michailides 20 bis e Senmut 145), em vez de tw encontramos waty (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 50; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 12; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 111; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 43).

    21 A palavra stAw provoca bastantes divergncias de traduo: Faulkner traduz por injria, Snchez Rodrguez por dano, prejuzo, Parkinson por passagem com o sentido de morte, Vernus, ainda que com dvidas, por atentado, Lichtheim por derramamento de sangue, Erman por coisa abominvel e Gardiner diz que o carac-ter G. Aa2 ( ) uma pstula ou glndula sendo normalmente usado como determinativo de excrescncias ou condies fsicas, especialmente de tipo mrbido. O acto de algum que provoca a morte de outrem que lhe muito prximo, alm de demonstrar uma deficiente forma de pensar a quem deveria demonstrar total fidelidade, uma expcie de excrescncia intelectual, ao ter como objectivo provocar essa morte tambm uma forma de pensar mrbida. Daqui que julguemos que a palavra traio preenche os requisitos necessrios para traduzir estas ideias (R. O. FAULKNER, A Concise Dictionary, pp. 255-256; . SNCHEZ RODRGUEZ, Diccionario de Jero-glficos Egipcios, p. 403; R. B. PARKINSON, The Tale of The Eloquent Peasant, p. 207; M. LICHTHEIM, Ancient Egyptian Literature, vol. I, p. 137; W. K. SIMPSON, The Literature of Ancient Egypt, p. 195; A. ERMAN, Ancient Egyptian Poetry and Prose, p. 73; P. VERNUS, Sagesses de lgypte pharaonique, pp. 167 e 174; A. H. GARDINER, Egyptian Grammar, p. 539).

    22 A expresso .kwi na realidade a terminao do estativo, que marca o estado do sujeito e que Gardiner designa por old perfective e Lefebvre por pseudoparticipe, na primeira pessoa do singular. um pronome especfico do estativo ou, melhor, uma desinncia pronominal, uma vez que na primeira pessoa do singular pode ter uma utiliza-o independente, necessitando as restantes pessoas do singular e plural da anteposio de um suporte nominal ou pronominal. Estas desinncias no s so especficas do estativo, como so indissociveis da raiz do verbo, razo pela qual na transliterao se ligam sempre ao verbo por um ponto. Por seu lado, m-xmt, uma preposio com-posta que significa sem, ou na ausncia de. Por este ltimo facto, no se compreende por que razo lhe as-sociada a anterior terminao, uma vez que no um verbo (R. O. FAULKNER, A Concise Dictionary, p. 190; . SNCHEZ RODRGUEZ, Diccionario de Jeroglficos Egipcios, p. 446; A. H. GARDINER, Egyptian Grammar, pp. 131-133 e 234-239; G. LEFEBVRE, Grammaire de lgyptien Classique, pp. 167-181; B. MENU, Petite Grammaire, pp. 82-83 e 141-142).

    23 H aqui um erro na atribuio do pronome sufixo que est na terceira pessoa masculina singular e devia estar na segunda pessoa masculina singular, k ( ), conforme consta dos seguintes manuscritos: Papiro Millingen, Papiro Berlim 3019 e straco British Museum 5623. Alis, no Papiro Sallier II, segundo informa Maspero, ter sido in-

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    406

    troduzido a posteriori por cima da linha, primeiramente a negro e depois corrigido para encarnado. Em relao interpretao destas frases, elas so fundamentais para o debate no s sobre a interpretao da obra, mas, sobretu-do, sobre a hipottica co-regncia de Amenemhat I e Senuseret I, uma vez que pem essa regncia claramente em causa (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 56; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 12; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 112; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 44; P. VERNUS, Sagesses de lgypte pharaonique, pp. 162-163, 167 e 174).

    24 Ao introduzir uma estrofe esta frase deveria apresentar-se a encarnado, mas tal no acontece no Papiro Sallier II. Falta o A ( ) no artigo definido pA ( ), aqui escrito com G. G41 ( ) em vez de G. G40 ( ), e que se encontra correctamente escrito no Papiro Millingen, nos stracos Michailides 50, Deir el-Medina 1007 e Petrie 56, e nas tabuinhas Carnarvon 5 e Brooklyn II (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 61; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 13; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 113; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 44).

    25 Nesta frase, a preposio m foi colocada fora do stio: devia estar entre Xnnw e Xnw. 26 A palavra terra refere-se aqui ao solo agrcola. Esta frase transmite-nos a ideia de que nem para salvar o bem

    mais precioso, a terra arvel, provavelmente durante a inundao, uma vez que parte dos outros manuscritos apa-rentam referir-se nesta passagem abertura dos canais de irrigao, a legislao permitia que se abrissem os canais para salvar as terras de cada um, prejudicando outros. Eventualmente poderia ser um hbito antigo dos mais pode-rosos, com prejuzo dos menos poderosos. Fazendo cumprir a lei, a igualdade entre todos era efectiva. Esta passa-gem diferente nos diversos documentos, surgindo tambm do seguinte modo e alterando um pouco o seu sentido: in iw wbA.tw mw add gbbw (Alguma vez abriram a gua enquanto a terra estava prspera e florescente?). Neste caso no seria durante a inundao, mas durante o perodo de gestao. Em todo o caso, o sentido geral o mes-mo. Aparece como ns traduzimos no texto nos Papiro Sallier II, Papiro Berlim 3019 (passagem incompleta), nos stracos Michailides 20 bis, Deir el-Medina 1007, Petrie 29, Ramesseum 60 e na tabuinha Brooklyn II verso; apa-rece como est nesta nota no Papiro Millingen, nos straco British Museum 5638, Lisht (provavelmente, passagem incompleta) e na tabuinha Carnarvon 5 (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 63; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 13; A. VOLTEN, Zwei altgyp-tische politische Schriften, p. 113; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 44).

    27 Neste contexto iryt parece significar aquilo que eles produzem uma vez que o verbo irregular iri, pode signifi-car produzir. Uma outra hiptese, que tambm estaria a contexto, seria a traduo por imposto do gro ( ), mas no h em manuscrito algum a indicao do determinativo que faltaria aqui (R. O. FAULKNER, A Concise Dictionary, pp. 25-28; . SNCHEZ RODRGUEZ, Diccionario de Jeroglficos Egipcios, pp. 95-100).

    28 Corrigimos esta frase do Papiro Sallier II com o Papiro Millingen, uma vez que iwt.n.i e HAy.i podem ter signifi-cados semelhantes e faltava o termo que expressasse o que vinha at ao fara. Segundo o Papiro Millingen e a maioria dos restantes documentos, essa palavra iyt.

    29 Para justificar a sua distraco em relao aos dependentes, o fara comea por fazer quatro afirmaes sobre a qualidade da sua governao, demonstrando ter sido um rei sempre atento e com um reinado onde nunca teve pro-blemas. Por isso no ter sentido necessidade de se precaver contra um tal final, o nico acto em desacordo com a sua vida terrena.

    30 No Papiro Millingen de facto o verbo voltar, em tempo pretrito, que encontramos: . Contudo, no papiro que seguimos, o Papiro Sallier II, houve uma confuso na grafia desta palavra que acabou por dar vez ao verbo Hst, que, alm de estar no presente, tem como significado, orar, fazer uma orao, e despro-positado aqui. Em todos os outros manuscritos onde consta esta passagem (a tabuinha Brooklin II, e os stracos Petrie 29, Cairo 25217, Moscovo 4468 e Deir el-Medina 1018), com ou sem erros, o primeiro caso que grafado (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 68; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 14; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 113; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 44; R. O. FAULKNER, A Concise Dictionary, p. 177).

    31 Caso semelhante ao anterior. No Papiro Millingen tA, que aparece, mas no Papiro Sallier II Hr. O primeiro caso repete-se na tabuinha Brooklin II e no straco Cairo 25223 e o segundo no Papiro Berlim 3019 e no straco Petrie 87, surgindo ambos, tA Hr, no straco Moscovo 4468 (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 69; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 14; A. VOL-TEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 113; F. Ll. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 44).

    32 Para quem segue o Papiro Millingen encontra aqui a palavra xpSwt, que Vernus se recusa a traduzir afirmando ser uma palavra desconhecida, que Helck traduz por Ursa Maior afirmando ser uma corruptela da palavra xpS

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    407

    ( ), o que achamos estranho, e Gardiner, que Lichtheim segue, traduz por fortalezas fronteirias o que tam-bm no nos satisfaz. Erman, Simpson e Parkinson devem ter olhado para o Papiro Sallier II, onde se l HpS tw e, independentemente do pronome poder estar errado, traduziram por poder ou fora, muito mais a contexto do que qualquer das outras hipteses e sem margem para grandes dvidas (W. HELCK, Der Text der Lehre Ame-nemhets I fr seinen Sohn, p. 70; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 15; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 113; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 45; R. O. FAULKNER, A Concise Dictionary, p. 189; . SNCHEZ RODRGUEZ, Diccionario de Jeroglficos Egip-cios, p. 321; R. B. PARKINSON, The Tale of The Eloquent Peasant, p. 207; M. LICHTHEIM, Ancient Egyptian Litera-ture, vol. I, pp. 137 e 139; W. K. SIMPSON, The Literature of Ancient Egypt, p. 195; A. ERMAN, Ancient Egyptian Poetry and Prose, p. 73; P. VERNUS, Sagesses de lgypte pharaonique, pp. 167 e 175; A. H. GARDINER, The earliest manuscripts of the Instruction of Amenemmes I, p. 493).

    33 Outra frase que introduz uma estncia que no est a encarnado no Papiro Sallier II. Nepri como deus do gro, dos cereais, simbolizava a fertilidade das colheitas, o que o associava, por um lado a Hapi, considerado senhor de Nepri por este estar dependente do aluvio trazido pela inundao do Nilo, e a Osris pelo mito agrcola. Esta l-tima associao reforada quando ao ser considerado filho de Renenutet, a deusa cobra das colheitas, se fez re-presentar ao seu colo a ser amamentado, tal como Hrus com sis. Se Hrus e Osris j eram suficientes ligaes divinas do fara, Nepri ao ser considerado um deus criador e distribuidor da abundncia foi frequente e directa-mente associado ao rei, fazendo com que Amenemhat I se tenha sentido responsvel pelo amadurecimento dos ce-reais que matavam a fome ao seu povo, adoptando este epteto (J. C. SALES, As Divindades Egpcias, pp. 330-331).

    34 Em conformidade com a frase anterior, embora sem o determinativo de divindade, que aparece nesta passagem noutros dois manuscritos (Papiro Millingen onde Maspero se esqueceu de o pr, mas Helck, Volten e Griffith no e straco Ramesseum 102), julgamos que ser mais correcta a traduo por Hapi, do que por inundao que, alis, pode surgir com outras grafias. Por exemplo: iwHw ( ), wdnw ( ), wDnw ( ), mty ( ), mtrw ( ), nwy ( ), HAyt ( ) ou Hapr ( ) (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 73; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 15; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 114; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 45; . SNCHEZ RODRGUEZ, Diccionario de Jeroglficos Egipcios, pp. 80, 158, 161, 222, 223, 232, 282 e 286).

    35 A primeira pessoa do singular do pronome dependente wi, tem um caracter a mais. H aqui uma confuso de pronomes, inclusivamente no respeitante ao facto de estarmos a seguir um texto cujo original ter sido escrito em mdio egpcio, no Imprio Mdio, e que foi copiado no Imprio Novo, pois o Papiro Sallier II dos finais da XIX dinastia, quando j se escrevia o neo-egpcio. No mdio egpcio escrevia-se a primeira pessoa masculina singular do pronome demonstrativo, tipo moderno, que tambm podia funcionar como artigo definido, pA ( ), com G. G40 ( ) e no neo-egpcio escrevia-se pA ( ), com G. G41 ( ), conforme aparece neste papiro. Embora Gardiner diga que, por vezes, muito raramente, a segunda forma tambm pudesse aparecer no mdio egpcio. Por seu lado, Lefebvre diz que a escrita hiertica escreveu sempre o pA com a grafia antes referida para o neo-egpcio. Menu refere que pA faz parte dum trio recente de demonstrativos (pA, tA e nA), por oposio a um trio mais antigo (pw, tw e nw) que evoluiro e se fixaro como artigos definidos (o, a, os, as) no neo-egpcio (A. H. GARDINER, Egyptian Grammar, pp. 85-87; G. LEFEBVRE, Grammaire de lgyptien Classique, pp. 61-66; B. ME-NU, Petite Grammaire, pp. 92-93; F. NEVEU, La langue ds Ramss. Grammaire du no-gyptien, pp. 4-5; J. ERN, S. I. GROLL e C. EYRE, A Late Egyptian Grammar, pp. 40-50).

    36 So as aberturas dos vales, os uadi, por onde a inundao se estendia. Alis, esta palavra forma-se a partir da mesma raiz do verbo abrir ( pgA). H no Papiro Sallier II uma diviso incorrecta dos versos, separando esta frase ao meio (. SNCHEZ RODRGUEZ, Diccionario de Jeroglficos Egipcios, p. 186).

    37 A expresso rnpwt.i, nos meus anos, est omissa no Papiro Sallier II, mas surge no Papiro Millingen e na tabuinha Brooklin II (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 73; G. MASPERO, Les enseignements dAmenemhat Ier son fils Sanouasrit Ier, p. 15; A. VOLTEN, Zwei altgyptische politische Schriften, p. 114; F. LL. GRIFFITH, The Millingen Papyrus, p. 45).

    38 O verbo Hmsi significa morar, habitar, viver; mas tambm significa sentar-se (. SNCHEZ RODRGUEZ, Diccionario de Jeroglficos Egipcios, p. 293).

    39 O reconhecimento social, a memria pblica que a eternidade no dispensava. Esta frase do Papiro Sallier II est danificada e teve que ser reconstituda atravs do nico manuscrito que apresenta esta frase completa neste local, o straco Deir el-Medina 1035, confirmado em parte pelo straco Petrie 29. Fomos tentados tambm a ler no Papiro Sallier II a palavra sDdt, descrio, conto, mas o espao vazio existente e os dois exemplos referidos aconse-

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    408

    lharam-nos a fazer a leitura que apresentamos desprezando a ideia de que aqui pudesse haver alguma referncia literria expressa palavra conto (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 74).

    40 Nova zona deteriorada no Papiro Sallier II que possvel restaurar, ainda que com erros, com a ajuda dos stra-cos Petrie 29, Petrie 77, Deir el-Medina 1039, Deir el-Medina 1081 e Malinine. Em todas estas referncias as pa-lavras grafadas so qnb.n.i, com ou sem plural. O nico caso onde isso no acontece no Papiro Sal-lier II, onde se introduz quase uma nova palavra, tAw, mas que para fazer sentido teria que ter outros determinati-vos. Tal como est no faz qualquer sentido (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 76).

    41 Na realidade o que est no Papiro Sallier II o verbo fazer que entendemos como tomar conta de algo e, portanto, dominar. Tanto mais que nos stracos Petrie 77 e Malinine e noutro tempo verbal tambm no straco Deir el-Medina 1081, aparece mesmo , ou seja, o verbo subjugar, dominar (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 77).

    42 Uauaiu so os habitantes de Uauat, que a Nbia, mais precisamente o Norte da Nbia ou a Baixa Nbia, entre a primeira e a segunda catarata do Nilo, j que o Sul era Kuch ou a Alta Nbia, entre a segunda e a quarta catarata (B. MANLEY, Atlas historique de lgypte ancienne, p. 51; J. BAINES e J. MLEK, Egipto. Deuses, Templos e Fa-ras, pp. 41,43 e 44; C. C. CORREIA, Nbia, em Dicionrio do Antigo Egipto, pp. 629-630).

    43 Medja uma regio localizada no Sudeste egpcio, a sul do Deserto Arbico fazendo j parte do Deserto Nbio, com o Nilo a oeste o mar Vermelho a este, o uadi Hammamat a norte e o uadi el-Udi a sul. Medjaiu so os seus habitantes. considerada uma regio da Nbia e a diferena que se pretende aqui estabelecer entre os povos destas duas regies, hostis aos Egpcios, entre nbios ribeirinhos e nbios do deserto (R. O. FAULKNER, A Concise Dic-tionary, p. 123; B. MANLEY, Atlas historique de lgypte ancienne, pp. 27, 45, 51; R. B. PARKINSON, The Tale of The Eloquent Peasant, p. 210; P. VERNUS, Sagesses de lgypte pharaonique, p. 175).

    44 Trata-se de uma estrofe onde Amenemhat relata os feitos alcanados junto dos seus inimigos. O andar dos ces em quatro patas, o que para um ser humano extremamente humilhante. Ainda pior do que o simples ajoelhar, que pode ser uma simples genuflexo de respeito e deferncia. Alis, ainda hoje se empregam expresses semelhantes em que o emissor mostrar superioridade em relao ao receptor dizendo: se no fazes (isto ou aquilo) at andas de gatas!, ou te portas bem ou ponho-te a andar de gatas, etc.

    45 Conforme podemos constatar nos stracos Petrie 29, Petrie 77, Deir el-Medina 1081 e Malinine, o incio desta frase tem erros. Nem a partcula iw tem o caracter G. A1, nem o verbo iri tem a desinncia do plural. Quanto mui-to poderia ficar , ou seja, wi iri.n.i n.i (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 80).

    46 O Papiro Sallier II o nico que omite o s no incio da palavra sXkrw. Nos stracos Petrie 29, Deir el-Medina 1081, Petrie 77, Malinine e Deir el-Medina 1102 a palavra est escrita com o s (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 80).

    47 A utilizao do caracter G. G21 s pode surgir como um determinativo, pois o fonema nH no existe nesta pala-vra. Mesmo como determinativo no normal. Ser que tem alguma coisa a ver com a confuso a que Gardiner faz referncia? De que alguns escultores assimilam este signo a G. G1 ( ) ou a G. G 43 ( )? No faz qualquer sentido (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 80; A. H. GARDINER, Egyptian Grammar, p. 469).

    48 impossvel entender estas trs frases atravs do Papiro Sallier II, onde os caracteres so no princpio. A descodificao deste emaranhado de caracteres sem sentido s compreensvel tendo em considera-o o straco Malinine na primeira parte da frase, o straco Deir el-Medina 1102 que acrescenta os caracteres omissos da palavra mnhAt, embora G. Y5 parea estar a mais e a palavra sicmoro ser de traduo bastante du-vidosa, tal como pensa Vernus que, no entanto, segue Parkinson, tal como ns fazemos na dvida, tambm, Lichtheim diz ser madeira de accia e o straco Petrie 29 para a parte final onde os caracteres so

    , onde s a palavra Hmt est correcta (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr sei-nen Sohn, p. 81; P. VERNUS, Sagesses de lgypte pharaonique, p. 168; R. B. PARKINSON, The Tale of The Elo-quent Peasant, p. 207; M. LICHTHEIM, Ancient Egyptian Literature, vol. I, p. 137).

    49 No Papiro Sallier II a frase no est correcta, faltando a preposio m e existindo no final da frase a forma verbal irit, que a existir deveria estar no princpio da frase. A frase correcta encontra-se no straco Petrie 29 e parcial-mente no straco Deir el-Medina 1102 (W. HELCK, Der Text der Lehre Amen-emhets I fr seinen Sohn, p. 81).

    50 Devido a eventuais erros e/ou a grafismos desconhecidos, a frase de difcil traduo e existe apenas no Papiro Sallier II, no havendo nenhuma hiptese de comparao. A traduo por ns proposta deixa-nos bastantes dvi-

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    409

    das, mas no estado actual das fontes uma questo que mantemos em aberto e que para j de difcil resoluo. P. Vernus traduz por eu sei que a serei o senhor na totalidade, dizendo ser uma interpretao conjectural. Parkin-son traduz por eu sei, porque fui o senhor dela, de tudo e no faz qualquer comentrio. Lichtheim traduz por eu sei porque sou o seu senhor e tambm no faz qualquer comentrio. Simpson traduz por eu sei que o dono dela o senhor do universo e afirma que uma traduo que o deixa com dvidas. Esta ltima traduo tem uma virtu-de que as restantes no apresentam: teve em considerao que a palavra r-Dr termina com G. G7 ( ) o que, at existncia de melhores dados, denuncia a presena de uma divindade, como, alis, est no princpio do texto. Tan-to mais que estamos a falar de uma casa da eternidade feita com materiais s acessveis aos deuses. Em todo o caso, no Papiro Millingen surge a nica palavra que existe desta frase nb-iry-r-Dr, escrita sem t em nb, e no s-traco Deir el-Medina 1102 a palavra surge incompleta, mas na parte que aqui interessa nenhum dos dois nb tem t (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 82; P. VERNUS, Sagesses de lgypte phara-onique, pp. 168 e 175; R. B. PARKINSON, The Tale of The Eloquent Peasant, p. 208; M. LICHTHEIM, Ancient Egyp-tian Literature, vol. I, p. 138; W. K. SIMPSON, The Literature of Ancient Egypt, p. 196).

    51 Parece-nos mais a contexto termos aqui um erro ou variante de mski ( ), calnia, do que um erro ou uma variante de ms ( ), criana. Contudo, como recorda Vernus, no deixa de ser verdade que uma pas-sagem muito semelhante ao que encontramos na linha 6.13 dAs Admoestaes de Ipu-uer: Na verdade, as crian-as dos grandes so atiradas para as ruas; o sbio diz assim!, o ignorante diz No ! e aquilo de ele no sa-ber nada agradvel para ele. Mas tanto a construo da frase, como a grafia das palavras ou as palavras utiliza-das, quer mesmo o contexto, so completamente diferentes, pelo que no nos parece correcto afirmar que ambas so uma e nica expresso (cfr. As Admoestaes de Ipu-uer, p. 267; P. VERNUS, Sagesses de lgypte pharaoni-que, pp. 168 e 175).

    52 A conjuno porque, Hr-ntt, surge errada, com y no lugar do segundo t, no s no Papiro Sallier II, mas tam-bm no straco Deir el-Medina 1103. Apenas est correcta no Papiro Millingen, o terceiro dos documentos a apresentarem esta passagem (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 86).

    53 Ao contrrio dAs Admoestaes de Ipu-uer, no h aqui uma negao (biAw) mas antes uma anuncia submissa, impensada. Os ignorantes so os que no pensam. Interpretamos esta frase como uma afirmao de que os mais poderosos manipulavam as multides, que faziam o que eles queriam. Sobretudo neste caso em que algum de alta posio, o sbio, o traidor, o assassino de Amenemhat, teria at ento escondido a morte do rei, na eventualida-de de dar igual destino a Senuseret, para ento poder assumir-se como lder incontestado.

    54 Dois erros no incio desta frase onde pela primeira vez aparece explicitamente o nome de Senuseret. O que na realidade est escrito n s, que deveria estar ao contrrio (s n, homem de) como se v no straco Deir el-Medina 1103. Mas o que vulgar antes do nome de nascimento sA ra, filho de R. Aqui, como estamos em dis-curso directo natural que surja o pronome sufixo na primeira pessoa do singular .i. Por outro lado, no momento em que passa o testemunho ao prprio filho, no natural que o trate por meu homem. Da que tambm ns jul-guemos que deveramos ter aqui sA.i n, embora no haja confuso possvel entre o caracter G. O34 ( ) e o carac-ter G. G37 ( ). Contudo, at o nome de Senuseret est errado! O ra que deveria constar junto de sA foi includo no interior da cartela, onde no habitual estar nesta forma de escrever o seu nome: (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 87).

    55 a abreviatura da frmula habitual para desejar um futuro longo, prspero e saudvel: Possa ele viver, prosperar e ter sade!; cfr. nota 55 de Khufu e os Mgicos, nota 78 do Conto do Nufrago, nota 1 de As Profecias de Ne-ferti, nota 31 de As Admoestaes de Ipu-uer.

    56 Mais uma clamorosa sucesso de erros na aplicao dos pronomes, que aparecem correctos no Papiro Millingen e no straco Michailides 20 bis. Os dois pronomes sufixos da segunda pessoa do singular deveriam estar na primeira pessoa do singular. A frase correcta (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 87).

    57 Continuam os erros na aplicao dos pronomes que se encontram correctos no Papiro Millingen e no straco Deir el-Medina 1103. Alis, a palavra olhos tambm est incorrectamente escrita: o plural ideogrfico deveria ser grafado apenas com a duplicao do caracter G. D6 ( ), e a ter um feminino seria um caracter G. X1 ( ) em vez de G. V31 ( ), como surge nos dois documentos referidos (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, p. 88).

    58 Um corao que est feliz um corao tranquilo. Alis, para esta expresso . Snchez Rodrguez apresenta a traduo de tranquilidade (. SNCHEZ RODRGUEZ, Diccionario de Jeroglficos Egipcios, p. 237).

    59 O Povo do Sol a humanidade; todos os que nasceram e viram o sol. Ainda assim, neste contexto, no deixa de ser uma designao um pouco restritiva se tivermos em conta que no Egipto faranico a humanidade era o conjun-

  • ENSINAMENTO DE AMENEMHAT I AO SEU FILHO SENUSERET

    410

    to de todos aqueles que adoravam R, portanto, apenas os prprios Egpcios.

    60 a efectivao da transio do poder, doravante observado, apoiado e protegido do Alm por Amenemhat. 61 Cfr. nota 96 dAs Profecias de Neferti sobre a ascenso ao poder de Amenemhat, primeiro rei da XII dinastia, e da

    existncia de trs ou quatro reis de nome Mentuhotep, da XI dinastia. Contudo, a actuao de Amenemhat vai muito para alm da sua tomada do poder, justificando de algum modo esta frase no sentido de querer que o seu fi-lho Senuseret, nome tambm do seu av paterno, terminasse o que ele tinha iniciado. Obviamente que, tal como Amenemhat se serviu dAs Profecias de Neferti para legitimar o seu poder, um pouco semelhana dos reis da V dinastia com o texto de Khufu e os Mgicos, estamos na presena de semelhante estratagema por parte de Senuse-ret com este conto. Ao norte providenciou pela segurana e estabilidade do Egipto expulsando os nmadas infil-trados na regio do Delta e construindo as Muralhas do Prncipe para proteco daquela fronteira do pas. Mais tarde virou-se tambm para sul, ou, melhor dizendo, um pouco para todas as direces. Segundo rezam os docu-mentos, no ano 20 do seu reinado, j o seu filho era adulto e pde libert-lo dessa tarefa, para uns como co-regente para outros no, tornando-se responsvel pelo exrcito e pelas expedies de carcter militar e comercial com que renovou a poltica externa do Egipto. Alis, na Histria de Sinuhe, exactamente numa dessas ausncias militares que o seu pai assassinado! No ano 23 do seu reinado o seu exrcito atinge Gerf Hussein (sacrificada pelo pro-gresso da modernidade e afundada sob o lago Nasser) e as pedreiras de diorito de Toshka, mais a sul, ambas na Nbia entre a primeira e a segunda cataratas. No ano 24 virou-se para o Prximo Oriente derrotando os bedunos e garantindo o domnio das minas de turquesa de Serabit el-Khadim, no Sinai. Esta viragem de 180 serviu tambm para retomar as relaes com Biblos e com os povos do mar Egeu. Mas no ano 29 regressa ao Sul e avana at Korosko e funda um forte em Semna junto segunda catarata. Kerma passa a ter relaes comerciais e polticas estreitssimas com o Egipto. No ano 30 foi a vez da Lbia, no Delta Ocidental. Mas, provavelmente, a sua maior preocupao, possivelmente aquela que o condenou morte, foi a reforma e reorganizao da administrao. Parte dos problemas podem ter estado ligados transferncia da capital de Tebas para Iti-taui, uma nova cidade fundada para o efeito perto de Licht. Na verdade, o seu nome completo era Amenemhat-Ititaui (Amenemhat soberano das Duas Terras), mas quase sempre referida pela forma abreviada de Iti-taui. Por outro lado, a aco centralizadora do rei chocou com um certo reforo do poder local, que j vinha do Primeiro Perodo Intermedirio, uma vez que Amenemhat teve que recompensar e confirmar nos seus cargos os governadores de provncia que lhe foram fiis na sua tomada de poder. Aqui criou tambm algumas tenses, pois teve que substituir os que no o apoiaram. Por fim, teve que se rodear de funcionrios competentes, no s bem formados como fiis, para poder manter tanto a ordem como as actividades produtivas. Muitas destas tarefas deveriam estar em curso e longe de concluso, me-xendo com muitas pessoas. Deve ter sido no seio daqueles que se viram apeados de poder e riqueza que nasceu a conspirao. Alis, estas frases de Amenemhat, ou se quisermos de Senuseret, dizem-nos isso mesmo: era preciso acabar o que apenas tinha sido iniciado (B. MANLEY, Atlas historique de l'gypte ancienne, pp. 27, 43 e 45; J. BAINES e J. MLEK, Egipto, Deuses, Templos e Faras, pp. 179 e 181; C. VANDERSLEYEN, LEgypte et la vall du Nill, Tomo II, pp. 12-13; P. CLAYTON, Crnicas dos Faras, pp. 72-77; M. J. SEGURO, Amenemhat e L. M. ARAJO, Onomstica real, em Dicionrio do Antigo Egipto, pp. 54-56 e 642-649; P. VERNUS e J. YOYOTTE, Dictionnaire des Pharaons, pp. 26 e 100).

    62 Antes do adjectivo relativo nty, falta o pronome sufixo na segunda pessoa masculina singular .k junto da preposi-o n. , tal como aparece no straco Deir el-Medina 1204 (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr sei-nen Sohn, p. 91).

    63 Uma forma bastante arrevesada de escrever tw em mdio egpcio, mas devemos lembrar que seguimos um manus-crito de finais da XIX dinastia, altura em que a escrita era o neo-egpcio. natural que em cpias de originais em mdio egpcio, ou egpcio clssico, pudessem existir contaminaes de neo-egpcio no perodo ramsssida.

    64 Evocao directa das origens da dinastia e do prprio Egipto: o Alto Egipto. Conforme est registado numa ins-crio em Karnak, Amenemhat era originrio do Sul, aparentemente de origem humilde, filho de um sacerdote chamado Senuseret e de Nefert, uma mulher de Elefantina. Provavelmente o seu pai estaria ligado ao culto de Amon, uma vez que foi a partir de ento que Amon ganhou proeminncia em relao a Montu, logo a comear na onomstica real. Contudo, num reinado de quase trinta anos, teve a capacidade de dar ao Egipto a estabilidade que lhe escapava h perto de duzentos anos. Consciente de ser o primeiro de uma nova linhagem, para poder levar a efeito todas as mudanas que operou no Egipto, Amenemhat escolheu o epteto de uehem-mesut, Aquele que re-pete os nascimentos. J sculos antes, por volta de 3000 a. C., Narmer, provvel antecessor de Aha, qualquer de-les vulgarmente identificado com Mens, teria feito surgir o Egipto, unificando o Alto Egipto com o Baixo Egipto, num processo iniciado no Sul e depois estendido para Norte (M. J. SEGURO, Amenemhat e L. M. ARAJO, Onomstica real e Narmer, em Dicionrio do Antigo Egipto, pp. 54-56, 602 e 642-649; P. CLAYTON, Crni-cas dos Faras, pp.78-79).

    65 Motivada provavelmente pelo trabalho dos copistas, eventualmente h aqui uma confuso e troca do verbo co-

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    mear, SAa ( ), com o verbo assinar SA ( ). Alis, h nesta frase diversos erros ortogrficos (R. O. FAULKNER, A Concise Dictionary, pp. 260-261).

    66 A forma correcta de escrever esta palavra ou , louvar, exaltar, glorificar um deus ou um rei, ou ainda, alegria, jbilo, exaltao. Em todo o caso, a colocao do caracter G. W22 ( ), um jarro de cer-veja, em vez de G. A8 ( ), um homem a executar o ritual hnw, compreende-se pelo estado de euforia que pode provocar tal bebida (A. H. GARDINER, Egyptian Grammar, pp. 443 e 616; R. O. FAULKNER, A Concise Dictionary, p. 159; . SNCHEZ RODRGUEZ, Diccionario de Jeroglficos Egipcios, p. 278).

    67 Daqui ao fim, a reconstituio do texto, incluindo o clofon, deve-se a Helck, uma vez que os actuais manuscritos so muito confusos ou mesmo ilegveis e, ao que parece, j o deveriam ser no tempo dos prprios copistas ramss-sidas. No final da sua obra, Helck apresenta as transcries hieroglficas dos quatro documentos onde surge o c-lofon: Papiro Sallier II e os stracos Deir el-Medina 1204, Deir el-Medina 1093 e Michailides 20 bis. O mais completo o do Papiro Sallier II, que temos vindo a seguir, que para alm de confirmar o fim do texto regista o nome do escriba, as suas funes e at a data da cpia (W. HELCK, Der Text der Lehre Amenemhets I fr seinen Sohn, pp. 93-94 e 105).

    68 uma passagem duvidosa, mas a ser assim seria como que uma confisso de uma tomada de poder atribulada de algum que vem de baixo, por parte de Amenemhat, e de uma transmisso de poder a Senuseret legtima.

    69 Outra passagem duvidosa que, para alm de ser um final empolgante, pode ser a justificao principal deste do-cumento: Amenemhat pede ao filho Senuseret que procure saber quem foram os seus assassinos e, porventura, exera sobre eles a vingana.

    70 Outra frase conjectural, mas que, inclusive, pode fazer aluso hipottica co-regncia. 71 Tanto podemos estar na presena de uma cpia feita por um escriba, Ininana, sob encomenda de outros dois escri-

    bas vivos, porventura hierarquicamente superiores, Kagabuat e Hori, como podemos estar na presena de uma c-pia feita por Ininana em homenagem a Kagabuat e Hori, defuntos, uma vez que, como j fizemos referncia, o ka era um elemento componente do ser humano que pode ser definido como a fora vital e sexual do indivduo, ca-paz de se manter actuante e dinmica pela eternidade. Era um ser intangvel, uma criao espiritual e psquica feita imagem e semelhana do corpo e possuindo todas as necessidades deste (L. ARAJO, Ka, em Dicionrio do Antigo Egipto, pp. 469-470).

    72 Parece haver aqui uma haplografia, isto , um erro de cpia ou de escrita por omisso de um caracter, ou de uma palavra, que deveria constar duas vezes: o signo G. N5 ( ) determinativo de Peret (prt), o Inverno, mas tambm sw (dia).

    73 Caso esta data existisse no original, sendo uma espcie de testamento poltico que confirmava Senuseret no poder, natural que tenha sido feito no incio do seu reinado. Se relacionarmos esta data com a data que existe na Hist-ria de Sinuhe e que, aparentemente, a data da morte de Amenemhat, ano 30, terceiro ms da Inundao, dia 7, parece haver uma certa coordenao entre elas. Salvaguardadas as questes que referimos na nota 13 da Histria de Sinuhe, pelo calendrio gregoriano, a estao da Inundao, Akhet, ia de 19 de Julho a 14 de Novembro e a es-tao do Inverno, Peret, ia de 15 de Novembro a 14 de Maro. Como cada estao tinha quatro meses de trinta dias cada, e cada ms trs semanas de dez dias cada, isso quer dizer que teriam passado 73 dias (os 23 dias restantes do terceiro ms da Inundao + 30 dias do quarto ms da Inundao + os primeiros 20 dias do primeiro ms de Inver-no) entre a morte de Amenemhat e a redaco deste texto, uma vez que a estao de Inverno se seguia da Inun-dao, e no admissvel que num momento desta natureza tivesse passado um ciclo de mais de um ano. O mo-mento requeria solues imediatas. Evidentemente, depois de regressar residncia real, da qual j no estaria longe (lembremos que ele regressava de uma campanha na Lbia) e de tomar conta da situao e, obviamente, de-pois das cerimnias fnebres de seu pai, para as quais o tempo deveria ter sido justa, tendo em conta o testemu-nho de Herdoto (HERDOTO, Lgypte. Histoires, livre II, pp 107-109). Sobre datao e datas cfr. a nota 104 de Khufu e os Mgicos, nota 10 da Histria de Sinuhe e T. F. CANHO, O calendrio egpcio: origem, estrutura e sobrevivncias, pp. 40-41.

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