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Ensino Religioso na Proposta Currícular de Santa Catarina: Passos Rumo ao Reconhecimento da Diversidade Cultural Religiosa, de Adecir Pozzer
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ENSINO RELIGIOSO NA PROPOSTA CURRÍCULAR DE SANTA CATARINA:
PASSOS RUMO AO RECONHECIMENTO DA DIVERSIDADE CULTURAL
RELIGIOSA1
EDUCATION RELIGIEUSE AU COURS DE SANTA CATARINA PROPOSITION:
ÉTAPES VERS LA RECONNAISSANCE DE LA DIVERSITÉ CULTURELLE
RELIGIEUX
Adecir Pozzer (USJ e SED)2
Resumo:
O presente trabalho apresenta aspectos históricos do Ensino Religioso (ER) nas diferentes edições da Proposta
Curricular de Santa Catarina (PCSC). A partir da versão atualizada no decorrer de 2014, procuramos identificar
e refletir aspectos epistemológicos e curriculares deste componente, concebido como responsável pelo estudo
dos saberes e conhecimentos religiosos e não religiosos, sem proselitismos, partindo de pressupostos científicos.
Na primeira parte, apresentamos um breve histórico da construção da PCSC, refletindo os seus fundamentos
teóricos e identificando a presença e desenvolvimento do ER na educação básica catarinense, como um espaço
de construção de uma cultura de respeito e reconhecimento da diversidade cultural religiosa. Na sequência,
refletimos sobre a perspectiva do Ensino Religioso no documento atualizado da PCSC, em que se privilegia o
acesso e a aprendizagem de saberes e conhecimentos produzidos pelas distintas culturas e tradições religiosas,
constituindo-se nos currículos escolares, espaços polifônicos, dialógicos e interculturais.
Palavras-chave: Ensino Religioso; Proposta Curricular de Santa Catarina; Diversidade Cultural Religiosa.
Résumé:
Cet article présente des aspects historiques de la Religion Enseignement (RT) dans les différentes éditions du
programme proposé de Santa Catarina (PCSC). Basé sur la version mise à jour 2014, nous cherchons à identifier
et refléter les aspects épistémologiques et pédagogiques de cette composante, conçu comme responsable de
l'étude de la connaissance religieuse et non religieuse, sans prosélytisme, basée sur l'hypothèse scientifique. Dans
la première partie, un bref historique de la construction du PCSC est présenté, reflétant sa fondation théorique et
identifier la présence et le développement de la religion enseignement à Santa Catarina l'éducation de base,
comme un espace de construction de la culture de respect et de reconnaissance de la diversité religieuse et
culturelle. Dans la séquence nous réfléchissons sur la perspective de Religion enseignement basé dans la mise à
jour (PCSC), dans lequel l'accès et l'apprentissage des connaissances produites par les différentes cultures et
traditions religieuses est en surbrillance, modifier les programmes scolaires dans les espaces polyphoniques,
dialogiques et interculturelles.
Mots-clés: Enseignement de la Religion. Curriculum Proposé de Santa Catarina. Diversité Culturelle Religieux.
Introdução
O ER é Área de Conhecimento da Educação Básica (Resolução CNE/CEB nº 04/2010)
e Componente Curricular do Ensino Fundamental (Resolução CNE/CEB nº 07/2010) das
1 Texto apresentado e discutido no GT Currículo do I Fórum Internacional de Ensino Religioso – Lisboa – 2015, aceito para
publicação nos anais do evento. 2 Mestre em Educação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Membro do Grupo de Pesquisa Ethos,
Alteridade e Desenvolvimento (GPEAD/FURB). Coordenador da Comissão de Currículo do FONAPER (2014-2016).
Assistente técnico-pedagógico da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED) e Professor substituto do Centro
Universitário Municipal São José (USJ). Contato: [email protected]
2
escolas públicas brasileiras. Esse reconhecimento é resultado de inúmeros processos
históricos, marcados por tensões, dilemas e contradições. No decorrer da história, em especial
após a separação Estado-Igreja (1889), surgem inúmeras concepções teórico-metodológicas
de ER com perspectivas diversas: confessional, interconfessional e ecumênica. Na atualidade,
experiências inter-religiosas e interculturais se apresentam como possibilidades capazes de
dialogar abertamente com os demais componentes e áreas de conhecimento no contexto da
Educação Básica, de modo a assegurar o reconhecimento e respeito à diversidade cultural
religiosa.
Os dilemas, incompreensões e resistências em torno do ER estão presentes em
diferentes setores da educação e, quando tratado no currículo escolar, evidenciam-se
desconhecimentos e ambiguidades relacionados a este componente. Paralelamente, observa-se
também uma maior compreensão e aceitabilidade entre os profissionais da educação e
familiares, quando tratado e compreendido enquanto possibilidade de estudo, construção e
sociabilização de saberes e conhecimentos religiosos das culturas e tradições religiosas sem
proselitismo; quando contribui com o questionamento de concepções e práticas
discriminatórias e preconceituosas em relação ao Outro3; quando questiona a utilização do
religioso4 para fomentar desigualdades e injustiças; e quando problematiza as relações de
poder relacionadas ao religioso, utilizado em muitos casos, para legitimar a negação da
dignidade humana.
É neste contexto de tensões, diálogos e avanços que o ER vem ocupando espaço nas
edições da PCSC, possibilitando que nas escolas públicas catarinenses os sujeitos sejam
reconhecidos em suas identidades e escolhas no que diz respeito à crença religiosa, e, de igual
maneira, (re)conheçam os elementos básicos que integram os fenômenos religiosos das
distintas cosmovisões.
Neste sentido, apresentaremos aspectos históricos da construção e atualização da
PCSC, procurando situar alguns desafios que o ER tem enfrentado para o seu reconhecimento
no currículo escolar catarinense, bem como seu aprofundamento e ampliação do ponto de
vista epistêmico e pedagógico na atual edição da PCSC, atualizada no decorrer do ano de
2014.
3 Outro (com a inicial em maiúsculo) quer indicar os Outros e Outras. Para Levinas, representam aqueles que não podem ser
contidos, nem reduzidos a um conceito; é rosto, presença viva que interpela, convoca, desafia e constrói. (LEVINAS, 2005). 4 De acordo com Ruedell (2007, p. 45) o termo religioso refere-se a um “elemento constitutivo do ser humano [...] é o que há
de mais profundo e basilar na multidimensionalidade da vida”.
3
Proposta Curricular de Santa Catarina: Percurso histórico e aportes
teórico/metodológicos
O processo de redemocratização do Brasil, ocorrido amplamente após o período
ditatorial (1964-1985), possibilitou inúmeras discussões no campo da educação, provocando
no Estado de Santa Catarina, abertura para um pensamento mais social e político na educação,
cujo fundamento teórico encontra-se em pensadores como Vygostsky (1896-1934), Wallon
(1879-1962), Gramsci (1891-1937) e outros da vertente teórica histórico-cultural.
Neste contexto, a Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina (SED)
organizou discussões e estudos que culminaram com a publicação da primeira edição da
PCSC, em 1988. No entanto, o Estado já contava com o Plano Estadual de Educação (PEE),
regulamentado pela Lei nº 4.394, de 20 de novembro de 1969, do qual já havia esboçado um
programa curricular que contemplava os componentes curriculares, sobre o qual se
organizaram formações continuadas de professores, dentre elas para o Ensino Religioso,
denominado na época de Educação Religiosa Escolar (ERE) (SANTA CATARINA, 1969).
Uma segunda versão da PCSC na perspectiva histórico-cultural ocorreu no início do
ano de 1991, cujo objetivo foi rever e incorporar aspectos ausentes na primeira edição. A
partir de 1995, constituiu-se um “Grupo Multidisciplinar” para organizar um Projeto de
Revisão e Aprofundamento da Proposta Curricular, ampliado com educadores de todas as
regiões do Estado em 1997 que, após uma ampla discussão, chegou-se a publicação da
terceira edição, em 1998. Ficou organizada em três volumes, uma contendo as disciplinas
curriculares, uma segunda os temas multidisciplinares, e a última, as disciplinas de formação
para o magistério (SANTA CATARINA, 1998).
No caso do ER, o Conselho Interconfessional da Educação Religiosa Escolar (CIER)
participou da organização de uma proposta, em 1997, não contemplada na terceira edição.
Antes disso, sempre esteve articulando cursos de formação continuada e estudos em torno da
concepção, conteúdos e metodologias deste componente. Somente em 2001 a SED reuniu um
grupo de professores vinculados a Universidades Comunitárias (FURB, UNIVILLE e
UNISUL) que ofertavam formação inicial para o Ensino Religioso, Sistemas de Ensino,
Conselho do Ensino Religioso de Santa Catarina (CONER/SC) e representante do Fórum
Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER), para elaborar a Proposta Curricular
de Santa Catarina, tendo em vista a implementação do Ensino Religioso nas escolas da rede
pública estadual. Neste mesmo ano, a SED organizou as Diretrizes para a Organização da
Prática Escolar na Educação Básica, com a participação dos professores da rede.
4
Em 2005, a PCSC sofreu uma reformulação que resultou na publicação dos Cadernos
de Estudos Temáticos. Eles são produto de uma discussão, sistematização e socialização
iniciada em 2004, pela SED, através da Diretoria de Educação Básica e Profissional. A partir
da organização de seis temas multidisciplinares, considerados relevantes no momento
histórico, discutiu-se e organizou-se as diretrizes curriculares para as temáticas: educação e
infância, alfabetização com letramento, educação e trabalho, educação de trabalhadores,
ensino noturno e educação de jovens (SANTA CATARINA, 2005).
Diante das novas demandas sociais, educacionais e curriculares, novas Diretrizes
Curriculares educacionais em âmbito nacional foram publicadas nos últimos anos,
evidenciando a centralidade no direito à aprendizagem e ao desenvolvimento dos estudantes.
Frente a estes desafios, a Atualização da PCSC, ocorrida em 2014, orientou-se por três fios
condutores, a saber: a educação integral; a concepção de percurso formativo e; inclusão da
diversidade para o reconhecimento das diferenças, enquanto princípio formativo (SANTA
CATARINA, 2014).
Neste sentido, os diferentes sujeitos têm de ter a possibilidade de dialogar e
reconhecerem-se mutuamente, através da criação de processos polifônicos que propiciam
vivências interculturais, em que lógicas monoculturais são questionadas e extirpadas dos
processos educacionais. Implícito ao percurso formativo está a diversidade como princípio
formativo, trazendo à roda outras racionalidades e diálogos possíveis e necessários em tempos
cada vez mais marcados e provocados pelo multiculturalismo5.
Quanto a perspectiva teórico-metodológica, identificamos uma escolha desde a
primeira versão da PCSC. Através da abordagem filosófica do materialismo histórico e
dialético, busca-se compreender que tipo de ser humano se quer formar, para quê sociedade e
quais os processos de aprendizagem são necessários para tal. O enfoque metodológico centra-
se na concepção histórico-cultural de aprendizagem, conhecida também como sócio-histórica
ou sociointeracionista (SANTA CATARINA, 1998).
O ser humano, um ser social e histórico, é concebido enquanto resultado de um
processo conduzido pelo próprio homem. É ele que faz a história, ao mesmo tempo em que é
determinado por ela. Esta compreensão pressupõe concebê-la como elaboração humana. “Os
5 O multiculturalismo é um termo que possui uma pluralidade de abordagens, como o multiculturalismo conservador, o
liberal, o pluralista, o comercial, o crítico ou revolucionário. Dentre estes, optamos pela compreensão desenvolvida por
McLaren sobre o multiculturalismo revolucionário, no qual se “reconhece que as estruturas objetivas nas quais vivemos, as
relações materiais condicionadas à produção nas quais estamos situados e as condições determinadas que nos produzem estão
todas refletidas em nossas experiências cotidianas. [...] O multiculturalismo revolucionário não se limita a transformar a
atitude discriminatória, mas é dedicado a reconstituir as estruturas profundas da economia política, da cultura e do poder nos
arranjos sociais contemporâneos. Ele não significa reformar a democracia capitalista, mas transformá-la, cortando suas
articulações e reconstruindo a ordem social do ponto de vista dos oprimidos” (MCLAREN, 2000, p. 284).
5
homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem: não a fazem sob
circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com as quais se defrontam diretamente,
legadas e transmitidas pelo passado” (MARX, 1851-1852, p. 6).
Se o ser humano é o sujeito, seu objeto é o conhecimento, concebido como um
patrimônio coletivo. Sendo assim, precisa ser acessado e sociabilizado, inclusive entre as
camadas populares. O conhecimento científico, quando socializado, precisa relacionar-se com
outros saberes, como o cotidiano e o religioso, por exemplo. Na perspectiva histórico-cultural
da aprendizagem, os conhecimentos do cotidiano não podem ser ignorados, mas considerados
ponto de partida para estabelecer diálogos com os demais saberes que, quando apropriados,
podem levar a formas mais científicas de pensar (SANTA CATARINA, 1998).
Pensar de uma maneira mais científica não significa a mera apreensão de informações
científicas, mas implica reconhecer os processos de produção do conhecimento, a autonomia
dos sujeitos e a valorização das singularidades na busca e construção do mesmo,
reconhecendo as diversas racionalidades. Na socialização do conhecimento, há que se
considerar abordagens locais e universais. Na perspectiva universal, implica abordar os
conhecimentos sem se prender a saberes localizados, bem como à abordagens localizadas do
conhecimento. Não representa desprezo dos saberes locais e individuais, mas ampliação do
leque de compreensão da vida, assim como as possibilidades de interação com o mundo e a
sociedade (ibidem, 1998).
Na perspectiva histórico-cultural da aprendizagem, a interação social possui fatores
determinantes na formação das funções psicológicas dos sujeitos, diferenciando-se de
perspectivas inatistas6 e empiristas
7. Neste sentido, a aprendizagem sempre acontecerá
independente do contexto social ou cultural, porém, com diferenças, pois uma criança de um
meio intelectualmente mais amplo de possibilidades, tende a aprender mais que outra criança
que supostamente vive num meio intelectualmente com menos acessibilidade de informações
e conhecimentos universalmente difundidos. Com isso, “ser mais ou menos capaz de
acompanhar as atividades escolares deixa de ser visto como uma determinação da natureza, e
passa a ser visto como uma determinação social” (ibidem, 1998, p. 14).
Diante das discussões contemporâneas da diversidade cultural, do multiculturalismo e
da interculturalidade, em que medida esta perspectiva histórico-cultural tem possibilitado o
reconhecimento dos saberes e conhecimentos produzidos pelas distintas culturas, movimentos
6 De origem grega, o inatismo compreende que todo conhecimento possui origem em estruturas mentais inatas, sendo,
portanto, anterior a toda experiência (SANTA CATARINA, 1998). 7 Também originário da Grécia antiga, o empirismo entende que todo conhecimento é transmitido, com isso, o sujeito
receptor não age sobre ele, transformando-o de maneira a ampliá-lo ou não (SANTA CATARINA, 1998).
6
sociais, tradições religiosas e demais organizações, de modo equânime aos conhecimentos
científicos?
Admite-se no texto da atualização da Proposta Curricular de 2014 que, “por força do
processo pela qual foi construída, manifesta algum pluralismo teórico-metodológico,
expressando o próprio movimento político e epistemológico presente nos debates
contemporâneos sobre educação, bem como possíveis contradições deles decorrentes”
(SANTA CATARINA, 2014, p. 20).
É necessário reconhecer que historicamente inúmeras culturas e grupos humanos
construíram e validaram um conjunto de conhecimentos através da organização social e da
constituição de suas identidades, que necessariamente não foram validados pela razão
científica, mas por outras racionalidades. Há na PCSC abertura para suspeitas que,
necessariamente, precisam existir para continuar provocando o pensar dos processos
formativos e educacionais, de modo a se tornarem cada vez mais estratégias de inter-
reconhecimentos dialógicos, interculturais e polifônicos. Não nos ocuparemos desta análise
no momento, porém, reconhecemos a questão como crucial para continuarmos a pensar a
temática.
Ensino Religioso na PCSC: Desafios, perspectivas e direito do estudante
O Estado de Santa Catarina sempre procurou contemplar o ER em conformidade com
as legislações federais. No entanto, somente a partir de 1935 é que aparece na Constituição8
um tratamento mais claro de como se dará este ensino na escola pública catarinense, mesmo
sem haver uma discussão específica de currículo. Estas mesmas orientações legais se
mantiveram semelhantes nas constituições estaduais subsequentes, como dos anos de 1945,
1947, 1967 e 1970 (CECCHETTI; THOMÉ, 2007).
De acordo com Caron (2007), até os anos de 1969, o ER possuía caráter confessional
católico, não possuindo na Secretaria de Estado da Educação uma proposta curricular, pois era
orientada e definida pela própria igreja católica. Devido às mudanças sociais, discussões em
torno da educação no país e experiências ecumênicas existentes entre diferentes confissões
8 O Art. 138 da Constituição do Estado de Santa Catarina de 1935, afirma que o Ensino Religioso será de frequência
facultativa e ministrado de acordo com os princípios da confissão religiosa do aluno, manifestada pelos pais ou responsáveis,
e constituirá matéria dos horários das escolas públicas primárias e secundárias, profissionais e normais (SANTA
CATARINA, 1935)
7
religiosas cristãs no estado, a partir dos anos de 1970, organizou-se o CIER9. Este conselho
teve grande influência na formação continuada de professores para o Ensino Religioso, bem
como na definição do currículo para este componente no período de 1970 a 1997. Sua
finalidade era a de acompanhar a implantação e atualização do currículo da Educação
Religiosa Escolar10
.
Um dos motivos da fundação do CIER foi a criação de um Programa de ERE por parte
da SED/SC, implantado em 1972. É reconhecido como um projeto pioneiro para esta área no
país. O programa tinha caráter ecumênico, pois a grande maioria11
dos estudantes pertencia às
igrejas que integravam o CIER. Este programa se tornou o primeiro projeto curricular de ER
no estado. Por ser pioneiro e de caráter ecumênico, uma das grandes dificuldades encontradas
estava relacionada à formação de professores para trabalhar nesta perspectiva, o que trazia
implicações diretas ao desenvolvimento do currículo nas escolas. Por isso, um dos critérios
para a seleção dos professores da Comissão Regional de Educação Religiosa (CRER)12
, era
conhecer e assumir o programa de ERE elaborado pelo CIER em comum acordo com a
Secretaria de Estado da Educação (CARON, 1995).
Para a referida autora,
Desde 1970, a Educação Religiosa Escolar é reconhecida como disciplina do
currículo no Ensino Fundamental e Médio das escolas da rede pública estadual,
passando a ter proposta curricular com programas seriados. O conteúdo das aulas
seguia a estrutura do pensamento cristão, com linguagem própria ao nível de cada
série. Para este novo fazer pedagógico da ERE, a tônica estabeleceu-se em torno da
formação de professores (CARON, 2007, p. 201).
9 Em 1972, com a implantação do Programa de ERE, o Pe. Osmar Muller, representante da Regional Sul IV da CNBB,
convidou líderes religiosos de confissões cristãs para tratar da criação do CIER, enquanto espaço destinado a tratar das
questões relacionadas ao ERE (CARON, 1995). 10 O termo Educação Religiosa Escolar foi utilizado nas escolas públicas de Santa Catarina com base no Decreto nº 13.692,
de 14/04/1981. Somente em 1996, por ocasião da nova LDB que, em seu Art. 33 denomina Ensino Religioso, assim como
consta na Constituição Federal de 1988, é que se passa a denominar Ensino Religioso. 11
A maioria não contempla todos/as, pois havia nas escolas muitos estudantes descendentes de outras culturas, como as
africanas e indígenas, as quais não eram contempladas e muito menos reconhecidas. Participavam das aulas e aprendiam
sobre as religiões cristãs, mantendo-se a negação ao direito a diferença e, consequentemente, levando os estudantes a
questionar os fundamentos da própria identidade cultural religiosa. 12
Para ser professor de ERE, a Comissão Regional de Educação Religiosa (CRER), criada para auxiliar no processo de
seleção e formação de professores, possuía alguns critérios, a saber: I – Pertencer a uma das confissões religiosas filiadas ao
CIER que esteja regularmente representada na Comissão Regional de Educação Religiosa (CRER); II – Ter idoneidade moral
e profissional, dar testemunho e vivência cristã e estar integrado em sua comunidade eclesial de fé; III – Ser recomendado
pela autoridade religiosa de sua comunidade eclesial de fé com aprovação do CRER, considerando a legislação estadual
vigente; IV – Possuir curso de nível superior na área de educação, preferência com curso de Teologia, Ciências Religiosas e,
na impossibilidade desses, curso de magistério ou outro nível de 2º grau; V – Participar de encontros, cursos, seminários e
outros pertinentes à área de ERE promovidos pelo CIER, CRER, pela Secretaria de Estado da Educação, Secretaria Executiva
Regional de Educação ou outras entidades ligadas direta ou indiretamente, dentre e fora do estado; VI – Evitar o proselitismo
e a polêmica durante as aulas de ERE e estar comprometido com a mesma; VIII – Conhecer e assumir o programa de ERE
(elaborado pelo CIER e adotado em Santa Catarina), e ser capaz de orientar sua adaptação à realidade e desafios
educacionais; IX – Levar em conta o tempo de serviço como professor e a avaliação de desempenho pela direção e/ou equipe
pedagógica da unidade escolar (CRER, 1993, p. 2,apud CARON, 1995,p. 124).
8
De caráter ecumênico, o objeto de estudo era o Transcendente, concebido numa
perspectiva cristã, desconsiderando ainda concepções e práticas de outras cosmovisões
constituintes das diferentes identidades presentes nos espaços escolares, como as de origem
indígenas, afro-brasileiras, ciganas e outras que, por serem minoria, não eram reconhecidas. A
metolodologia proposta centrava-se em discussões e experiências celebrativas de temáticas
previstas para cada nível no Programa de ERE.
Como já dissermos, em 1997, a SED solicitou ao CIER a elaboração de uma Proposta
Curricular para a ERE, a qual foi elaborada e aprovada internamente. Tal proposta centrava-se
nos valores e objetivos comuns a todas as crenças, a fim de promover o respeito à diversidade
cultural e religiosa. Afirmava que é de responsabilidade da escola disponibilizar ao estudante
os conhecimentos históricos elaborados pela humanidade, de modo a serem apropriados
através dos processos de ensino-aprendizagem. Sendo a dimensão religiosa do ser humano um
dos componentes deste conhecimento, precisava estar disponível para o seu acesso (SANTA
CATARINA, 1998).
Na proposta apresentada pelo CIER, o objeto da ERE continuou sendo o
Transcendente, considerado o núcleo e razão de ser do fenômeno religioso, substrato de toda
cultura. São apresentados também os pressupostos, a saber: antropológicos, culturas e
tradições religiosas, ritos e celebrações, ethos, teológicos e pedagógicos. O tratamento
didático priorizava a organização social das atividades, organização do espaço e do tempo e
os critérios para seleção e utilização de materiais e recursos. A metodologia indicada
orientava para a vivência, ação interativa e o conhecimento. (ibidem, 1998).
A Proposta Curricular de Santa Catarina - implementação do Ensino Religioso, de
2001, foi elaborada a partir da parceria entre SED e CONER/SC, que naquele período era
composto por representantes de quatorze denominações religiosas. Esta produção se deu pela
necessidade de implementar o ER com base nos dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional nº 9.394/1996, alterada pela Lei de nº 9.475/1997, e da Lei Complementar
nº 170/1998, que dispõe sobre o sistema estadual de educação, apontando alguns avanços
significativos na sua compreensão e nos encaminhamentos.
De acordo com a perspectiva teórica da PCSC, o documento da implementação do ER
em Santa Catarina, propõe que o conhecimento do ER se dê através da “releitura do fenômeno
religioso a partir do convívio social dos educandos” (SANTA CATARINA, 2001, p. 8),
concebido agora como o seu objeto de estudo. Trata dos princípios organizativos, dos
conceitos essenciais, das ideias mais específicas e dos possíveis enfoques dos temas para cada
ano do ensino fundamental. Os conceitos essenciais selecionados são: ser humano,
9
conhecimento revelado, conhecimento elaborado, diversidade de práticas e caminhos de
reintegração. O tratamento didático proposto é que ele ocorra em nível de análise e
conhecimento, contemplando a pluralidade cultural. Tem de abarcar e valorizar os
conhecimentos prévios que os estudantes possuem, de modo que a aprendizagem se
desenvolva para níveis de maior complexidade no entendimento dos fenômenos religiosos. A
proposta lança também os fundamentos da avaliação em ER, entendida de modo processual,
contínua e subsidiadora dos processos de ensino e aprendizagem (SANTA CATARINA,
2001).
Neste mesmo ano de 2001, a SED organizou e publicou as Diretrizes para a
Organização da Prática Escolar na Educação Básica 3: Conceitos Científicos Essenciais,
Competências e Habilidades. Essas diretrizes objetivaram subsidiar a elaboração dos Projetos
Político-Pedagógicos das escolas da rede pública estadual. Assim como aos demais
componentes, foi elaborado para o ER um mapa conceitual em que se manteve o fenômeno
religioso como seu objeto de estudo. Elaborou-se ainda um quadro de ênfase dos conceitos
científicos essenciais da 1ª a 8ª série que, ao serem trabalhados, deveriam desenvolver
determinadas competências e habilidades, elencadas também nestas diretrizes (SANTA
CATARINA, 2001a).
A participação do CIER e do CONER/SC nos momentos históricos em que estiveram
atuantes no estado foi determinante para que o ER fosse reconhecido e inserido nas diferentes
edições da PCSC, bem como na formação e organização do ER na rede de ensino.
Atualmente, nenhuma das organizações está em atividade. Em virtude do decrescente
envolvimento das instituições religiosas e o crescimento do número de professores habilitados
na área, por meio dos Cursos de Ciências da Religião: Licenciatura em Ensino Religioso,
atrelado ao desejo de autonomia por parte dos professores, criou-se em 2003, a Associação de
Professores de Ensino Religioso do Estado de Santa Catarina (ASPERSC). Em conjunto com
as universidades que ofertam licenciatura para este componente, esta associação tem
fomentado a formação continuada dos professores em articulação com a Secretaria de Estado
da Educação, ou junto as Gerências de Educação (GEREDs) e algumas secretarias municipais
de educação, a fim de assegurar o direito dos estudantes compreenderem a dinâmica dos
fenômenos religiosos nas diferentes culturas e tradições religiosas. Esse conhecimento
propicia o desenvolvimento de uma maior consciência sobre o direito à liberdade religiosa, o
respeito à diferença e a responsabilidade ética frente às alteridades.
Nesta perspectiva, o direito ao ER nas escolas brasileiras, além de possuir um caráter
legal, tem se sustentado nas dimensões pedagógicas e epistemológicas, pois uma das
10
principais finalidades é a de contribuir com a formação integral dos sujeitos. Neste sentido, na
última versão da PCSC afirma-se que:
Esse sujeito tem o direito a uma formação que tome como parâmetro todas as
dimensões que constituem o humano. Uma formação que reconheça e ensine a
reconhecer o direito a diferença, a diversidade cultural e identitária; que contemple
as dimensões ética, estética, política, espiritual, socioambiental, técnica e
profissional (SANTA CATARINA, 2014, p. 27).
Esse é um dos fundamentos da educação integral, que necessariamente ultrapassa os
muros da escola ou da sala de aula, propiciando e exigindo diálogos e interações com o
contexto sociocultural dos estudantes, isto é, com o mundo da vida e sua cotidianidade. Para
efetivar uma perspectiva intercultural, dialógica e polifônica na educação e no Ensino
Religioso, há que se realizar uma profunda revisão das concepções e práticas em educação,
questionando visões e relações que, com base em Foucault (2004), permitem o conhecimento
tendo em vista o controle das pessoas através da burocracia escolar, treinando-as
simplesmente para ocupar os lugares na estrutura social. Assim, somos interpelados a pensar a
escola como um não-lugar, num conjunto de extensões ou estratégias que propiciam
aprofundamentos, ressignificações, dialogicidade e apreensão de conhecimentos que
assegurem uma maior compreensão daquilo que afeta a integralidade dos corpos, mentes,
consciências e ações dos sujeitos envolvidos - ou que deveriam estar incluídos - nos processos
formativos.
Atualização da PCSC de 2014: Espaços Polifônicos e ER Intercultural
Como já assinalamos, na edição de atualização da PCSC de 2014 não identificamos
grandes mudanças em termos de opção epistemológica. No entanto, algumas aberturas
teóricas são perceptíveis e admitidas na tentativa de abarcar as discussões contemporâneas de
educação em suas múltiplas interfaces. Essa constatação indica a necessidade de a educação
constituir-se cada vez mais como que uma polifonia, em que os diferentes sujeitos tenham
assegurado o direito ao inter-reconhecimento das identidades culturais e religiosas.
As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica sustentam esta perspectiva,
quando afirmam que:
A educação destina-se a múltiplos sujeitos e tem como objetivo a troca de saberes, a
socialização e o confronto do conhecimento, segundo diferentes abordagens,
exercidas por pessoas de diferentes condições físicas, sensoriais, intelectuais e
emocionais, classes sociais, crenças, etnias, gêneros, origens, contextos
socioculturais, e da cidade, do campo e de aldeias. Por isso, é preciso fazer da escola
11
a instituição acolhedora, inclusiva, pois essa é uma opção “transgressora”, por que
rompe com a ilusão da homogeneidade e provoca, quase sempre, uma espécie de
crise de identidade institucional (BRASIL, 2010, p. 25).
Justifica-se assim a inserção da diversidade como princípio formativo. Esta escolha
requer que se assuma um conjunto de transformações necessárias que repercutem na
organização curricular, nos conteúdos, nos encaminhamentos metodológicos, na seleção e
utilização de materiais, na gestão escolar, na avaliação, nos tempos e espaços formativos, sem
abdicar do caráter provisório e contextual do cotidiano da vida.
Para assegurar o diálogo entre as áreas de conhecimento e o eixo da Diversidade,
definiram-se alguns princípios13
basilares. O ER, tratado nas Ciências Humanas devido a sua
proximidade com a História, Geografia, Sociologia e a Filosofia, contribuiu com a
compreensão crítica e responsável da sociedade, permeada por saberes, conhecimentos e
práticas historicamente construídas, mas em constantes transformações. “A área de Ciências
Humanas assume, ao longo do processo formativo da Educação Básica, o papel de contribuir
para que os estudantes elaborem conceitos sobre o ser humano e suas relações, tecidas
consigo, com o outro, com o ambiente e com o transcendente” (SANTA CATARINA, 2014,
p. 139).
Conceber e organizar a prática pedagógica do ER numa perspectiva interdisciplinar e
intercultural pressupõe que todos os sujeitos envolvidos nos processos formativos superem a
rigidez das fronteiras disciplinares. Neste sentido, as Ciências Humanas na PCSC de 2014,
organizam-se estrategicamente em torno de conceitos estruturantes14
, que se desdobrarão em
conteúdos, abordagens e atividades de aprendizagem dos componentes curriculares que
integram esta área. Caberá aos componentes curriculares potencializar os conceitos mais
próximos aos seus objetos de estudo, sem perder de vista as dimensões interdisciplinares e
dialógicas em todo o percurso formativo (SANTA CATARINA, 2014).
É neste contexto mais amplo que os saberes e conhecimentos religiosos, enquanto
produção histórica das diferentes culturas e tradições religiosas tornam-se objeto de estudo do
ER ao subsidiarem o entendimento dos fenômenos religiosos. Amparados em princípios
13 Os princípios da Diversidade são: Educar na alteridade; Consciência política e histórica da diversidade; Reconhecimento,
valorização da diferença e fortalecimento das identidades; Sustentabilidade ambiental; Pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas; Laicidade do Estado e da escola pública e; Igualdade de direitos para acesso, permanência e aprendizagem na
escola, (SANTA CATARINA, 2014). 14
Os conceitos estruturantes na área das Ciências Humanas na PCSC 2014 são: “tempo, espaço e relações sociais que se
desdobram em outros conceitos, tais como ser humano, relações socioambientais, relações sociais de produção,
conhecimento, território, ambiente, natureza, redes, transformações sociais, cultura, identidade, memória, temporalidade,
imaginário, ideologia, alteridade, indivíduo, sociedade, poder, trabalho, tecnologia, economia, linguagem, ética, estética,
epistemologia, política, Estado, direitos humanos, imanência, transcendência, patrimônio, corporeidade, sociabilidade,
convivência, cooperação, solidariedade, autonomia e coletividade” (ibidem, 2014, p. 142).
12
éticos e legais, não podem servir à prática de proselitismo, mas para assegurar o respeito à
diversidade cultural religiosa (BRASIL, 1997) na escola laica. Necessitam, pois, ser
concebidos e tratados pedagogicamente enquanto elementos de aprendizagem na educação
básica, a fim de contribuir com a formação de cidadãos críticos, capazes de analisar e
compreender as distintas percepções, vivências e elaborações relacionadas ao religioso,
elemento que integra o substrato das culturas (FONAPER, 2009).
Na educação básica, a presença do ER em perspectiva intercultural contribuirá para o
enfrentamento e superação da intolerância e da discriminação cultural religiosa, assim como
em relação a outras diferenças utilizadas para justificar concepções e práticas discriminatórias
em relação ao Outro.
Neste sentido, concordamos que:
[...] discriminações e preconceitos étnicos, culturais, religiosos, sexuais, de gênero,
dentre outros, têm a oportunidade de ser problematizados na medida em que são
abordados como elementos de aprendizagem, contribuindo para o conhecimento e
respeito das histórias, identidades, memórias, crenças, convicções e valores de
diferentes grupos religiosos e não-religiosos (SANTA CATARINA, 2014, p. 146).
É de responsabilidade da escola oportunizar o acesso e a reflexão crítica dos
conhecimentos religiosos presentes na vida social dos estudantes, bem como de outras
culturas e tradições religiosas. Tais conhecimentos são legítimos para cada cultura e tradição
religiosa, manifestando-se na “multiplicidade de ritos, textos, mitos, símbolos, espaços,
linguagens, atitudes, valores e referenciais éticos que balizam e até determinam como o ser
humano se define e se posiciona no mundo” (ibidem, 2014, p. 147).
A apreensão dos conhecimentos da diversidade religiosa, através do exercício do
diálogo, do estudo, pesquisa e reflexão crítica e responsável, proporciona às crianças e jovens,
uma formação voltada à compreensão e acolhimento das distintas identidades e diferenças,
favorecendo o desenvolvimento de relações menos exploratórias, individualistas e
preconceituosas em todo percurso formativo. Desta maneira, as diferenças religiosas não se
tornam motivo de violência que provocam (re)ações de grandes proporções, como a II Guerra
Mundial, os recentes atentados terroristas e tantos outros acontecimentos e estratégias
legitimadas por governantes e multinacionais, reproduzindo assim a colonialidade que afronta
a dignidade humana. Fatos em que o Outro é simplesmente ignorado por pertencer a uma
determinada cultura, crença ou por possuir outros princípios ideológicos, corroboram com a
construção e manutenção de uma cultura que produz a diferença e as desigualdades sociais.
13
É visível que a negação do direito ao acesso e à aprendizagem dos saberes e
conhecimentos religiosos das distintas cosmovisões, de modo acolhedor, respeitoso,
responsável e crítico, a partir de pressupostos científicos e culturais, vem desencadeando uma
espécie de analfabetismo religioso. Este analfabetismo é um pressuposto que favorece a
criação e difusão de estereótipos relacionados às pessoas de uma determinada religião,
afrontando os princípios básicos da democracia, como a liberdade de consciência,
pensamento, expressão e de crença. Está longe de ser uma defesa de que toda pessoa deva ter
uma religião. O que se propõe é que toda pessoa, seja adepta a uma religião ou não, tenha
clareza das suas escolhas no campo religioso, e possua conhecimento e respeito aos princípios
que orientam a prática religiosa ou não religiosa do Outro.
Por isso, um ER de perspectiva intercultural, apresenta-se como um desafio a si
mesmo no contexto da educação, pois, especificamente a escola existente na atualidade, foi
pensada, estruturada e é mantida, em certa medida, sob uma única lógica, a monocultural e
colonialista. Para a sua difusão, utilizou-se oficialmente da religião cristã, em detrimento a
outras crenças que constituem a rica diversidade religiosa brasileira, para estabelecer um
padrão civilizatório fundado nas características do homem branco, europeu, masculino e
cristão. A efetivação de um ER intercultural, portanto, requer que se assumam os riscos de
uma profunda transformação na forma de conceber e organizar os tempos, espaços e práticas
pedagógicas, que inadiavelmente, precisam atingir os fundamentos que orientam a formação
dos formadores.
A interculturalidade implica na criação de outras formas de relacionamento social e de
representação dos “nós” e dos “Outros”, questionando padrões culturalmente aceitos e
difundidos que historicamente impediram interações enriquecedoras entre pessoas de
diferentes identidades. A constituição das sociedades ocidentais orientou-se por princípios
homogeneizadores e padronizadores que excluíram formas diversas de interagir com o
mundo, com o cotidiano da vida e com a diversidade humana e cultural. É intransferível,
portanto, a responsabilidade de pensar a vida questionando as imagens e autoimagens que
temos em relação a nós mesmos e aos Outros. Questões estas que precisam integrar o
cotidiano da vida e os processos formativos, ampliando e potencializando as formas de
interação social, pois, de acordo com Fornet-Betancourt (2004), a interculturalidade não se
reduz a fala e análise dos sistemas sociais, das relações de poder e cosmovisões, mas se trata
de uma contínua e profunda reflexão em torno de nós mesmos, de nossa potência criadora e
destruidora, de nossos anseios e receios, enfim, de nossa condição de seres humanos
inconclusos e infinitos.
14
Considerações finais
A concepção e a abordagem dos conhecimentos religiosos, articulados a partir da
manifestação dos fenômenos religiosos propostos na atualização da PCSC, apresentam
indicativos de um ER intercultural, pois busca acolher todos os sujeitos que integram os
processos educacionais, desde os que assumem uma identidade religiosa, bem como aqueles
que se declaram sem religião. Esta compreensão de ER, aliada às inúmeras práticas e
experiências pedagógicas já desenvolvidas na Rede Pública de Ensino do Estado de Santa
Catarina, tornam este componente curricular e área de conhecimento da educação básica, um
tempo e espaço privilegiados ao considerar a diversidade como princípio formativo. É um
potencial estimulador das relações interculturais ao promover a interação e o diálogo entre
pessoas com seus saberes, conhecimentos e experiências que, ao serem problematizados e
analisados a partir de pressupostos científicos, geram ampliações de perspectivas para melhor
compreender o mundo da vida e sua cotidianidade.
Deste modo, o acesso, a apreensão e a significação dos conhecimentos presentes nos
inúmeros diálogos proporcionados pelo ER, geram transformações nos sujeitos envolvidos e
atitudes de profundo respeito e inter-reconhecimento das pessoas e suas diferenças,
especificamente as culturais e religiosas, sem proselitismo, em um Estado laico.
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