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113 R. Dir. Terc. Setor – RDTS | Belo Horizonte, ano 8, n. 15, p. 113-138, jan./jun. 2014 Entidades culturais e o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) à luz da Lei nº 12.101/2009 Rafael Neumayr Mestre em Direito Empresarial pela Milton Campos/MG. Graduado em Direito pela Milton Campos/MG. Vice-Presidente da Comissão de Propriedade Intelectual da oAB/MG. Sócio do Escritório Drummond & Neumayr Advocacia. Alessandra Isabela Drummond de Alvarenga Mestre em Direito Empresarial pela Milton Campos/MG. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto de Educação Continuada (IEC) da PUC Minas. Graduada em Direito pela UFMG. Sócia do Escritório Drummond & Neumayr Advocacia. Palavras-chave: Terceiro Setor. CEBAS. Imunidade de contribuições previdenciárias. Entidades culturais. Sumário: 1 Consulta – 2 Parecer – 3 Conclusão 1 Consulta Consulta-nos Associação..., doravante “consulente”, entidade privada sem fins lucrativos de natureza cultural, responsável pela gestão de museu público em virtude de parceria com a Administração Pública e realizadora de projetos na área das artes cênicas, suscitando se ela poderia obter o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social CEBAS previsto na Lei nº 12.101/2009, fazendo jus, consequen- temente, à imunidade das contribuições previdenciárias. Informa-nos ainda que remu- nera a Diretoria Executiva por meio de vínculo trabalhista formal, indagando se tal fato seria impeditivo à obtenção do certificado em questão. RDTS_15_MIOLO.indd 113 19/09/2014 11:24:10

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113R. Dir. Terc. Setor – RDTS | Belo Horizonte, ano 8, n. 15, p. 113-138, jan./jun. 2014

Entidades culturais e o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) à luz da Lei nº 12.101/2009

Rafael NeumayrMestre em Direito Empresarial pela Milton Campos/MG. Graduado em Direito pela Milton Campos/MG.Vice-PresidentedaComissãodePropriedadeIntelectualdaoAB/MG.SóciodoEscritórioDrummond&NeumayrAdvocacia.

Alessandra Isabela Drummond de AlvarengaMestre em Direito Empresarial pela Milton Campos/MG. Especialista em Direito Tributário peloInstitutodeEducaçãoContinuada(IEC)daPUCMinas.GraduadaemDireitopelaUFMG.SóciadoEscritórioDrummond&NeumayrAdvocacia.

Palavras-chave: Terceiro Setor. CEBAS. Imunidade de contribuições previdenciárias. Entidades culturais.

Sumário: 1 Consulta – 2 Parecer – 3 Conclusão

1 Consulta

Consulta-nos Associação..., doravante “consulente”, entidade privada sem fins

lucrativos de natureza cultural, responsável pela gestão de museu público em virtude

de parceria com a Administração Pública e realizadora de projetos na área das artes

cênicas, suscitando se ela poderia obter o Certificado de Entidade Beneficente de

Assistência Social CEBAS previsto na Lei nº 12.101/2009, fazendo jus, consequen-

temente, à imunidade das contribuições previdenciárias. Informa-nos ainda que remu-

nera a Diretoria Executiva por meio de vínculo trabalhista formal, indagando se tal fato

seria impeditivo à obtenção do certificado em questão.

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2 Parecer

2.1 Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS)

O Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) é atualmente

disciplinado pela Lei nº 12.101/2009, recentemente alterada pela Lei nº 12.868, de

15 de outubro de 2013, e pelo Decreto nº 7.237/2010, que regulamentou aquela lei.

Trata-se de certificação concedida, nos termos do art. 1º da Lei nº 12.101/2009,

às “pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, reconhecidas como enti-

dades beneficentes de assistência social com a finalidade de prestação de serviços

nas áreas de assistência social, saúde ou educação”, desde que tais entidades

atendam ao disposto na referida lei.

Dentre os pontos abrangidos pela lei, se encontra a regulamentação dos crité-

rios a serem obedecidos pelas entidades beneficentes para fazerem jus ao benefício

previsto no art. 195, §7º da Constituição da República, que estabelece que são

imunes1 2 da contribuição previdenciária patronal “as entidades beneficentes de as-

sistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”.

A presente consulta é bastante pertinente, tendo em vista que nem a referida lei

nem o dispositivo constitucional supracitado mencionam expressamente entidades

com finalidades culturais como sendo aptas a serem beneficiadas com a imunidade

em tela, apesar de entidades dessa natureza em geral possuírem projetos dotados

de grande interesse público e, muitas vezes, voltados para camadas da população

menos assistidas ou excluídas do exercício de seus direitos culturais.

Outro ponto desafiador deste parecer é que a própria Lei nº 12.101/2009 é

alvo de críticas — assim como o foram as normas que a antecederam —, por erigir

condições para fruição da imunidade que, aparentemente, superariam os preceitos

1 Embora o art. 195, §7º da Constituição faça menção a “isenção”, trata-se, na realidade, de hipótese de imu-nidade, como asseverado em farta doutrina e jurisprudência. Nesse sentido TEIxEIRA, Josenir. Comentários sobre a nova lei da filantropia (Lei nº 12.101/09). Revista de Direito do Terceiro Setor – RDTS, Belo Horizonte, ano 4, n. 7, jan./jun. 2010. Disponível em: <http://bidforum.com.br/bid/PDI00006.aspx?pdiCntd=67425>. Acesso em: 31 jan. 2014. E também: “A constituição Federal estabelece, no art. 195, §7º, uma espécie de imunidade. A denominação imprópria do instituto (isenção, em vez de imunidade), não afeta sua natureza jurídica”(BARBoSA,MariaNazaréLins;oLIVEIRA,CarolinaFelippe.Manual de ONGs: guia prático de orientação jurídica.RiodeJaneiro:Ed.FGV,2001.p.70).UmdoscasosmaissignificativosnoJudiciárioenvolvendotaldiscussão é, sem dúvida, o Recurso Extraordinário em Mandado de Segurança nº 22.192-9-DF. 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. DJ, 19 dez. 1996.

2 Imunidade, na lição de Ives Gandra da Silva Martins e Marilene Talarico Martins Rodrigues, consiste na “[...] vedação constitucional ao poder de tributar. Em função da norma constitucional, o legislador fica impedido de tributar certas pessoas ou atividades estabelecidas pela Lei Maior, ou seja, o Texto Constitucional já delimitaaáreaemqueopoder tributantenãopodeatuar” (MARTINS, IvesGandradaSilva;RoDRIGUES,Marilene Talarico Martins. In:CARVALHo,Cristiano;PEIXoTo,MarceloMagalhães(Coord.).Aspectos jurídicos do terceiro setor. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 99-132, especialmente p. 102).

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estabelecidos pela própria Constituição e pelo art. 14 do Código Tributário Nacional

(CTN),3 tendo sido tal lei inclusive objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI).4

2.1.1 Imunidade das contribuições para a seguridade social e requisitos previstos na Lei nº 12.101/2009

O CEBAS consiste em certificação bastante almejada pelo Terceiro Setor em

razão, especialmente, do grande benefício que concede às entidades certificadas no

tocante às contribuições sociais.

Com efeito, como visto, a Constituição da República garante às “entidades

beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei”

a imunidade da contribuição para a seguridade social (art. 195, §7º).

Assim, as entidades certificadas ficam dispensadas das seguintes contribui-

ções: parte patronal da contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento (Cota

Previdenciária Patronal), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição

para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Contribuição PIS/PASEP e con-

tribuições devidas a terceiros, nos termos do art. 3º, §5º, da Lei nº 11.457/2007.5

Tal disposição é reforçada pela Lei nº 12.101/2009, quando estabelece que as

entidades beneficentes portadoras do CEBAS são “isentas” da Cota Previdenciária

3 “Art.14.odispostonaalínea“c”doincisoIVdoartigo9ºésubordinadoàobservânciadosseguintesrequisi-tos pelas entidades nele referidas: I - não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; II - aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; III - manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão”. BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União,EstadoseMunicípios.

4 Trata-se da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4891, movida em 2012 pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), a qual sustenta que a Lei nº 12.101/2009 extrapolaria critérios definidos na Constituição da República acerca da limitação do poder de tributar. Haveria, segundo o Conselho Federal, a inconstitucionalidade formal integral da lei, posto que o tema foi tratado em lei ordinária ao passo que deveria ter sido em lei complementar. Eis que, tendo em vista que o art. 195, §7º prevê hipótese de verdadeira imunidade — embora mencionando “isenção” —, competiria unicamente à lei complementar regular as limitações constitucionais ao poder de tributar, no teor do art. 146, II do CTN. Em seguida aponta, item a item, quais seriam os dispositivos que, individualmente considerados, afrontariam o texto constitucional. Importante ressaltar que a ADI foi apresentada antes da publicação da Lei nº 12.868, de 15 de outubro de 2013, que promoveu significativas alterações na Lei nº 12.101/2013, as quais terão que ser apreciadas quando do julgamento da ADI.

5 “§5º Durante a vigência da isenção pelo atendimento cumulativo aos requisitos constantes dos incisos I a Vdocaput do art. 55 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, deferida pelo Instituto Nacional do Seguro Social — INSS, pela Secretaria da Receita Previdenciária ou pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, não são devidas pela entidade beneficente de assistência social as contribuições sociais previstas em lei a outras entidades ou fundos” (BRASIL. Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007. Dispõe sobre a Administração Tributária Federal; altera as Leis nºs 10.593, de 6 de dezembro de 2002, 10.683, de 28 de maio de 2003, 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.910, de 15 de julho de 2004, o Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972; revoga dispositivos das Leis nºs 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.593, de 6 de dezembro de 2002, 10.910, de 15 de julho de 2004, 11.098, de 13 de janeiro de 2005, e 9.317, de 5 de dezembro de 1996; e dá outras providências.

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Patronal prevista no art. 22 da Lei nº 8.212/1991 e das contribuições a cargo da

empresa provenientes do faturamento e do lucro, dispostas no art. 23 deste último

diploma.

No teor da Lei nº 12.101/2009, para que tais entidades tenham reconhecida

a imunidade da Cota Previdenciária Patronal, deverão, pois, atender os requisitos

específicos de cada área — assistência social, educação e saúde —, bem como os

gerais previstos nos seus artigos inaugurais e no seu art. 29:

Art. 29. [...]

I - não percebam, seus dirigentes estatutários, conselheiros, sócios, insti-tuidores ou benfeitores, remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, funções ou atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;

II - aplique suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e desenvolvimento de seus objeti-vos institucionais;

III - apresente certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e certificado de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;

IV-mantenhaescrituraçãocontábilregularqueregistreasreceitasedes-pesas, bem como a aplicação em gratuidade de forma segregada, em consonância com as normas emanadas do Conselho Federal de Conta-bilidade;

V -nãodistribua resultados,dividendos,bonificações,participaçõesouparcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto;

VI - conserveemboaordem,peloprazode10 (dez)anos,contadodadata da emissão, os documentos que comprovem a origem e a aplicação de seus recursos e os relativos a atos ou operações realizados que impli-quem modificação da situação patrimonial;

VII-cumpraasobrigaçõesacessóriasestabelecidasnalegislaçãotributária;

VIII -apresenteasdemonstraçõescontábeisefinanceirasdevidamenteauditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade quando a receita bruta anual auferida for su-perior ao limite fixado pela Lei Complementar n 123, de 14 de dezembro de 2006.6

Dentre tais requisitos, merece especial atenção o primeiro, recentemente

alterado pela Lei nº 12.868/2013, que trata da remuneração dos dirigentes, tendo

6 BRASIL. Lei nº 12.101, de 27 de novembro de 2009. Dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes de assistência social; regula os procedimentos de isenção de contribuições para a seguridade social; altera a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993; revoga dispositivos das Leis nºs 8.212, de 24 de julho de 1991, 9.429, de 26 de dezembro de 1996, 9.732, de 11 de dezembro de 1998, 10.684, de 30 de maio de 2003, e da Medida Provisória nº 2.187-13, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12101.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014.

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em vista, inclusive, os contornos da presente consulta, que inquire se o fato de

o consulente remunerar a Diretoria Executiva estatutária consistiria, por si só, em

impedimento à obtenção do CEBAS.

Se antes da edição da Lei nº 12.868/2013, a impossibilidade de remuneração

de dirigentes era absoluta, agora ela é relativa, podendo haver remuneração, sem

perda da imunidade, de diretores não estatutários que tenham vínculo empregatício

e dirigentes estatutários, desde que esses últimos, individualmente, recebam remu-

neração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido

para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal e, em conjunto — i.e.,

somadas as suas remunerações —, recebam importância inferior a cinco vezes esse

valor. Ainda, outra novidade apresentada pela lei de 2013 é a permissão para remu-

neração da pessoa do dirigente estatutário ou diretor que, cumulativamente, tenha

vínculo estatutário e empregatício, exceto se houver incompatibilidade de jornadas

de trabalho.

Assim, não é o fato de o consulente remunerar dirigentes estatutários, por si

só, que o impediria de se qualificar como entidade beneficente, nos termos da Lei

nº 12.101/2009; bastaria que fossem respeitados os limites financeiros previstos

na mesma norma, para serem consideradas legítimas tais remunerações, sem afetar

a possibilidade de certificação.

2.1.2 Áreas abarcadas pelo CEBAS, conforme Lei nº 12.101/2009

Para que se possa responder o tema central da presente consulta, se uma

entidade com finalidades predominantemente culturais poderia obter a qualifica-

ção do CEBAS, é necessário analisar as áreas de atuação abarcadas pela Lei

nº 12.101/2009.

Da leitura do art. 1º da lei identifica-se que o CEBAS é concedido somente a

pessoas jurídicas sem fins lucrativos que atuem de forma preponderante nas áreas da

assistência social propriamente dita, na saúde ou na educação. Tais entidades deverão

ainda obedecer ao “princípio da universalidade do atendimento, sendo vedado dirigir

suas atividades exclusivamente a seus associados ou a categoria profissional” (art. 2º).

Até a edição da Lei nº 12.101/2009, a concessão do certificado de beneficência

era feita pelo Conselho Nacional da Assistência Social (CNAS), independentemente

da área de atuação da entidade, que poderia ser de assistência social stricto sensu,

educacional ou de saúde. A partir da publicação dessa lei, contudo, a certificação

passou a ser feita pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, para

entidades de assistência social, pelo Ministério da Educação (MEC), para entidades

de educação e pelo Ministério da Saúde, para entidades dedicadas à saúde.

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Se, por acaso, uma entidade exercer mais de uma dessas atividades — assis-

tência social e educação, por exemplo —, o requerimento de certificação e renovação

do certificado deve ser feito diretamente no Ministério responsável pela área de atuação

preponderante, assim considerada aquela definida como atividade econômica princi-

pal no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ) do Ministério da Fazenda (art. 22,

caput e Parágrafo Único da Lei), sem prejuízo da comprovação dos requisitos exigidos

para as demais áreas, conforme art. 10 do Decreto nº 7.237/2010. E o mesmo de-

creto esclarece que a atividade econômica principal, constante do CNPJ, deverá cor-

responder ao principal objeto de atuação da entidade, verificado nas demonstrações

contábeis, nos seus atos constitutivos e no relatório de atividades desempenhadas

no exercício fiscal anterior ao requerimento.

Além disso, a entidade que atuar em mais de uma dessas áreas deverá manter

escrituração contábil segregada por área, de modo a evidenciar o patrimônio, as

receitas, os custos e as despesas de cada atividade desempenhada (art. 33 da Lei

e art. 11 do Decreto).

Valenesseponto ressalvarque,para fazer jusàcertificação,aentidadede-

verá comprovar o atendimento aos requisitos previstos na referida lei no exercício

fiscal anterior ao do requerimento, o que implica dizer que ela tem que exercer as

atividades assistenciais, de saúde e educação, respeitando os requisitos do referido

diploma, por pelo menos 12 (doze) meses, para só então pleitear a titulação. A única

exceção ao cumprimento desse requisito relacionado ao tempo de atuação diz respeito

a entidades que sejam prestadoras de serviços por meio de contrato, convênio ou

instrumentocongênerevinculadoaoSistemaúnicodeSaúde(SUS)ouaoSistema

únicodeAssistênciaSocial(SUAS),nostermosdoart.3º,ParágrafoúnicodaLeido

CEBAS e art. 3º, §2º, do Decreto nº 7.237/2010.

Passa-se à análise dos tipos de atividades abarcadas pelo CEBAS e dos requisi-

tos a serem respeitados pelas entidades para fazerem jus ao benefício da imunidade

dascontribuiçõesparaaseguridade.Valeressaltar,contudo,quesãojustamentees-

ses critérios objetivos, erigidos em tal lei ordinária, que estariam eivados de incons-

titucionalidade, segundo ADI suprarreferida, de modo que eles devem ser analisados

de forma crítica, considerando o contorno maior no qual se encontram inseridos.

2.1.2.1 Saúde

O art. 4º da Lei nº 12.101/2009 estabelece os requisitos essenciais para uma

entidade ser considerada beneficente na área da saúde e, consequentemente, fa-

zer jus aos benefícios garantidos pela titulação. Ela deverá ter celebrado contrato,

convênio ou instrumento congênere como gestor doSUS, ofertar a prestaçãode

seusserviçosaoSUSnopercentualmínimode60%(sessentaporcento),alémde

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comprovar, anualmente, da forma regulamentada pelo Ministério da Saúde, a presta-çãodosserviçosprestadosaoSUS,combasenasinternaçõesenosatendimentosambulatoriais realizados.

Por escapar sensivelmente das áreas de atuação do consulente, associação gestora de instituição museológica, desnecessário o aprofundamento nos requisitos e exigências a serem atendidos pelas entidades atuantes na área da saúde, voltando-se a atenção àquelas duas áreas que com a cultura guardam maior sintonia.

2.1.2.2 Educação

Nos termos da mesma Lei nº 12.101/2009, são passíveis de serem certifi-cadas com o CEBAS as entidades que atuem nas diferentes etapas e modalidades da educação básica, regular e presencial, bem como no ensino superior, as quais deverão prestar informações ao Censo da Educação Básica e ao Censo da Educação Superior,conformeocaso.Valeressaltar,contudo,quetalqualificaçãodasentidadesde educação — ensino regular, presencial, com atuação na educação básica ou supe-rior — foi inaugurada pela Lei nº 12.868, de 15 de outubro de 2013, ainda não tendo sido objeto de muitos questionamentos, os quais não tardarão a aparecer, acredita-se.7

A educação básica incorpora as etapas da educação infantil (creche e pré-escola), do ensino fundamental (1º ao 9º anos) e do ensino médio (1ª a 3ª séries), contrastando- se, portanto, com a educação superior.8

Para conceituar educação regular, faz-se uso do entendimento introduzido no Parecer CNE/CEP nº 11/2000 da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional deEducação,delavradorelatorCarlosRobertoJamilCury:

Regular é, em primeiro lugar, o que está sub lege, isto é, sob o estabe-lecido em uma ordem jurídica e conforme a mesma. Mas, a linguagem cotidiana o expressa no sentido de caminho mais comum. Seu antônimo é irregular e pode ser compreendido como ilegal ou também como des-contínuo. Mas, em termos jurídico-educacionais, regular tem como oposto o termo livre. Neste caso, livres são os estabelecimentos que oferecem educação ou ensino fora da Lei de Diretrizes e Bases. É o caso, por exemplo, de escolas de língua estrangeira. No Império, significava também a ampla liberdade didático-metodológica destes cursos.9

7 Afinal, o art. 195, §7º, da Constituição não determina, em momento algum, que somente entidades educacio-nais dedicadas ao ensino regular ou formal façam jus ao benefício.

8 “O ensino superior no Brasil é oferecido por universidades, centros universitários, faculdades, institutos su-periores e centros de educação tecnológica. O cidadão pode optar por três tipos de graduação: bacharelado, licenciatura e formação tecnológica. Os cursos de pós-graduação são divididos entre lato sensu (especiali-zações e MBAs) e strictu sensu (mestrados e doutorados). Além da forma presencial, em que o aluno deve ter frequência em pelo menos 75% das aulas e avaliações, ainda é possível formar-se por ensino a distância (EAD)” (ENSINO superior. Portal Brasil. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/educacao/2009/11/ensino- superior>. Acesso em: 29 abr. 2014).

9 BRASIL. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Parecer sobre Diretrizes Curriculares Nacio-naisparaaEducaçãodeJovenseAdultos.Rel.CarlosRobertoJamilCury.Disponívelem:<http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja/legislacao/parecer_11_2000.pdf>. Acesso em: 29 abr. 2014.

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Maria da Conceição Rocha complementa esse conceito:

Pode-se, portanto, afirmar que a educação regular refere-se ao processo educativo realizado em escolas autorizadas pelo Estado e reguladas por legislações específicas e gerais. A sua regulamentação envolve a defini-ção de objetivos e normas comuns: princípios educacionais; organização pedagógica; definição das faixas etárias para a organização das turmas; os parâmetros curriculares, os conteúdos a serem ministrados e a sua sequenciação; o calendário anual, com períodos de atividades escola-res, recessos e férias; as atividades de planejamento e avaliação do processo ensino-aprendizagem; a relação entre o número de estudantes, docentes e funcionários/as; a adequação dos espaços escolares para a garantia do atendimento educacional; a jornada de trabalho dos/as profissionais da educação, em especial, do magistério. [...] No contexto brasileiro, a educação regular é estruturada em dois níveis: a educação básica, organizada em três etapas — educação infantil, ensino funda-mental e ensino médio — e a educação superior.10

Por fim, educação presencial é aquela tradicional, que acontece com a pre-

sença física de professores, alunos e outros atores que participam do ensino e

aprendizagem.

Além disso, para serem certificadas, as entidades atuantes na área de educa-

ção devem demonstrar sua adequação às diretrizes e metas estabelecidas no Plano

Nacional de Educação (PNE),11 nos termos do art. 13, I, da Lei nº 12.101/2009, o

que também foi recentemente incluído pela Lei nº 12.868/2013.

Complementando os requisitos acima, a entidade, para fazer jus à certificação

da Lei do CEBAS, deve conceder anualmente bolsas de estudo integrais, para alunos

cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de um salário mínimo e

meio, ou parciais, para alunos cuja renda familiar mensal per capita não exceda o

valor de três salários mínimos, nas proporções previstas na Lei nº 12.101/2009 e no

Decreto nº 7.237/2010. Para o caso de entidades que prestem unicamente serviços

educacionais gratuitos, elas deverão garantir a observância da proporção de, no míni-

mo, um aluno cuja renda familiar mensal per capita não exceda o valor de um salário

mínimo e meio, para cada cinco alunos matriculados.

10 ROCHA, Maria da Consolação. Educação regular. In: Dicionário Trabalho, profissão e condição docente. Dispo-nível em: <http://www.gestrado.org/?pg=dicionario-verbetes&id=254>. Acesso em: 29 abr. 2014.

11 O Plano Nacional de Educação está previsto na Constituição da República: “Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegu-rar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: I - erradicação do analfabetismo;II-universalizaçãodoatendimentoescolar;III-melhoriadaqualidadedoensino;IV-formaçãoparaotrabalho;V-promoçãohumanística,científicaetecnológicadoPaís;VI-estabelecimentodemetadeaplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto”. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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Assim, da leitura da Lei nº 12.101/2009 conclui-se, em princípio, que somente

instituições que se dedicassem às modalidades de educação regular e presencial,

nas etapas da educação básica ou superior fariam jus ao certificado em questão.

Não obstante, da análise do desfecho da ação judicial nº 0014970-60.2005.

4.02.5101, movida pela Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto

(ACERP)edistribuídaàDécimaNonaVaraFederaldoRiodeJaneiro,pode-seextraira

conclusão de que, para ser considerada como entidade educacional para fins de con-

cessão do CEBAS, uma associação sem fins lucrativos não precisa necessariamente

se dedicar à educação regular.

O Tribunal Regional da 2ª Região, embora reconhecendo que a referida asso-

ciação possui natureza educacional, mesmo dedicando-se à educação não formal12

—fazendo,poressarazão,jusàimunidadetributáriaprevistanoart.150,VI,“c”da

Constituição —, entendeu que ela não se caracterizava como entidade beneficente, o

que afastaria a imunidade da contribuição para a seguridade social prevista no art. 195,

§7º, como demonstra a ementa do acórdão:

TRIBUTáRIo–oRGANIzAçãoSoCIAL–LEINº9637/98–IMUNIDADE–CoMPETÊNCIA–ART.150,VI“C”EART.195,§7ºDACRFB/88–ART.14DoCTN–IMPoSToSFEDERAIS,ESTADUAISEMUNICIPAIS–CoNTRIBUI-çõESPARAASEGURIDADESoCIAL.

O reconhecimento da imunidade de exações devidas ao Estado e Muni-cípio não pode ser pronunciado pela Justiça Federal em razão da com-petência da Justiça Federal se encontrar exaustivamente elencada na Constituição da República. Cumpre referir que não se trata no caso de matéria relativa a desembaraço aduaneiro de produto e sim sobre o reco-nhecimento, ou não, de imunidade à Autora.

A Autora, organização social, devidamente reconhecida juridicamente como tal, absorveu as atividades desempenhadas pela Fundação Roquette Pinto, que foi extinta pela Lei nº 9637/98, que dispôs sobre a qualifica-ção de entidades como organizações sociais e a criação do Programa Nacional de Publicização, dentre outras matérias.

É público e notório que a Autora desempenha a difusão de cultura e edu-cação, sendo indiscutível que veicula e difunde, de forma inquestionável, conhecimento, contribuindo, assim, para a formação e difusão do ensino.

O conceito de entidade de ensino, para fins de imunidade, não deve ser restrito à entidade que se dedica a transmitir conhecimento numa sala de aula. Há de ser abrangente, de forma que a Autora, de forma incontrover-so, cumpre tal missão.

Os requisitos infra-constitucionais encontrados no art. 14 do CTN para o gozo da imunidade encontram-se cumpridos a partir do momento que é o próprio Poder Público que reconhece a Autora como organização social.

12 Maria Nazaré Lins Barbosa também defende que instituições dedicadas à educação não formal fariam jus à imunidadedeimpostosprevistanoart.150,VI,“c”daCR.Cf.BARBoSA,MariaNazaréLins.As“instituiçõesde educação” e a imunidade de impostos. In:SzAzI,Eduardo(org.)Terceiro setor: temas polêmicos 1. São Paulo: Petrópolis, 2004. p. 109-118.

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Assim, faz jus a Autora à imunidade estabelecida a nível de impostos estabelecidanoart.150,VIdaCRFB/88.

No que se refere à imunidade prevista para a contribuição para a seguri-dade social prevista no art. 195, §7º da CRFB/88, não se vislumbra como uma pessoa jurídica de direito privado que se destina à difusão de conhe-cimento poderia ser beneficente, condição que estabeleceu o Constituinte Originário para concessão da isenção (leia-se imunidade) estabelecida no artigo em questão.

RemessanecessáriaeApelaçãodaUniãoFederal/FazendaNacionalpar-cialmente providas, afastando o Estado e Município do Rio de Janeiro do feito, declarando a imunidade apenas dos impostos federais, nos termos e períodos discutidos na presente ação.13

O Supremo Tribunal Federal, em Decisão Monocrática, reverteu a decisão ao

simples argumento de que já é consolidado o entendimento de que às entidades

de assistência social no campo da educação é reconhecida a imunidade das

contribuições para a seguridade social — sem propriamente afirmar de maneira

expressa que aquela específica entidade assim se qualificava —, conforme ementa

abaixo transcrita:

Decisão: 1. Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região que proveu parcialmente a apelação para (a) reconhecer a incompetência absoluta da Justiça Fede-ral quanto às exações estaduais e municipais e, (b) afastar a imunidade tributária da demandante quanto às contribuições devidas à Segurida-de Social, sob o fundamento de que o desenvolvimento de programas educacionais e culturais, atividade da ora recorrente, não a caracteriza como entidade beneficente. Opostos embargos de declaração, foram re-jeitados (fls. 1.990-1.995). Com fundamento no artigo 102, III, a, da Constituição, aponta ofensa ao artigo 195, §7º da Carta Magna, asseve-rando, em síntese, que a matéria já está pacificada nesta Corte quanto à extensão da imunidade tributária às instituições educativas. Sem contra- razões. 2. Assiste razão à recorrente. Com efeito, a jurisprudência desta Corte já pacificou entendimento quanto ao cabimento da imunidade tribu-tária prevista no §7º do art. 195 da Constituição às entidades com fins educacionais.Nessesentido:ADI2028-5,rel.Min.MoREIRAALVES.DJde 16/06/2000, Tribunal Pleno; ADI 2545-7, rel. Min. ELLEN GRACIE. Tribunal Pleno, DJ de 0/02/2003; RMS 22.192, rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, DJ de 19/12/1996; RMS 22360, rel. Min. ILMAR GALVão,PrimeiraTurma,DJde23/02/1996eRe491.538—AgR,rel.Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 07/06/2001, este último com a seguinte ementa: Seguridade social. Contribuições sociais. Enti-dade beneficente de educação. Imunidade tributária. 1. As entidades que prestam assistência social no campo da educação gozam da imunidade

13 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 2ª Região. Apelação Cível nº 2005.51.01.014970-0. Rel. Des. Federal Tania Heine. Julgado em: 05.08.2008, data de publicação: 15.10.2008.

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tributária prevista no art. 195, §7º, da CF/88. 2. Precedentes desta Corte. 3. Agravo regimental não provido. 3. Diante do exposto, dou provimento ao recurso extraordinário para reconhecer a imunidade tributária quanto às contribuições devidas à Seguridade Social. Publique-se. Intime-se. Brasília, 15demaiode2013.MinistroTeorizavascki—Relator.14

Não obstante a decisão favorável obtida no Supremo, não há como deixar de

ressaltar que, com a atual redação da Lei nº 12.101/2009, após alteração ocorrida

em 2013, que passou a exigir que a entidade se dedique ao ensino regular, é impro-

vável que uma entidade voltada à educação não formal conseguisse ter reconhecido

administrativamente o seu direito à imunidade em questão. Caso o pretenda, deverá

valer-se do Judiciário.

Também não é cediço nos tribunais brasileiros se toda e qualquer entidade de

educação sem fins lucrativos, mesmo aquela voltada ao ensino regular, faz automatica-

mente jus à imunidade das contribuições à seguridade social. Com efeito, se parece

pacífico o reconhecimento de que entidades de educação têm garantida a imunidade

doart.150,VI,“c”daConstituição,independentementedequalquerrequerimento

ou ato administrativo,15 como mesmo concluiu o Tribunal Regional da 2ª Região no

14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.RecursoEspecial nº 672029.Rel.Min. Teori zavascki. Julgado em:15.05.2013. Data de publicação: 22.05.2013.

15 Nestesentido:“DIREIToTRIBUTáRIo.REqUISIToSPARAACoNCESSãoDEIMUNIDADETRIBUTáRIAAINS-TITUIçãoDEENSINoSEMFINSLUCRATIVoS.Nãoépossívelcondicionaraconcessãodeimunidadetributáriaprevista para as instituições de educação e de assistência social sem fins lucrativos à apresentação de certificado de entidade de assistência social na hipótese em que prova pericial tenha demonstrado o preenchimentodosrequisitosparaaincidênciadanormaimunizante.Defato,oart.150,VI,c,daCF/1988prevê a concessão de imunidade tributária às instituições de educação sem fins lucrativos, delegando à lei infraconstitucional os requisitos para a incidência da norma imunizante. Nesse contexto, o art. 14 do CTN elencou os pressupostos para qualificar uma instituição de ensino como entidade desprovida de finalidade lucrativa, dispondo que essas entidades não podem distribuir qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas a qualquer título, devem aplicar integralmente no país os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais e devem manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão. Assim, condicionar a concessão de imunidade tributária à apresentação do certificado de entidade de assistência social, na hipótese em que perícia técnica tenha demonstrado o preenchimento dos requisitos legais, implica acréscimo desarrazoado e ilegal de pressupostos não previstos em lei para tanto, ainda mais quando o próprio texto constitucional prevê como condicionante para a concessão do referido benefício apenas a inexistência de finalidade lucrativa por parte da instituição” (AgRg noREsp187.172-DF.Rel.Min.NapoleãoNunesMaiaFilho,julgadoem18/2/2014).Etambém:“APELAçãoCÍVEL–EMBARGoSÀEXECUçãoFISCAL–IPTU–INSTITUIçãoDEEDUCAçãoEDEASSISTÊNCIASoCIAL,SEMFINSLUCRATIVoS–ARTIGo150,VI,‘C’,DACF/88–IMUNIDADETRIBUTáRIA–ARTIGoS9º,IV,‘C’E14,DoCTN–PRESENçADoSREqUISIToSLEGAIS–REqUERIMENToADMINISTRATIVo–DESNECESSIDADE–CoNFIRMAçãoDASENTENçA.Consoanteinterpretaçãosistemáticadoartigo150,VI,“c”,daConstituiçãoFederaledosartigos9º, IV,“c”e14,doCTN,as instituiçõesdeeducaçãoeassistênciasocial,semfinslucrativos, que atenderem aos requisitos delineados em lei, gozam de imunidade tributária quanto ao seu patrimônio renda ou serviços.A instituição de educação e assistência social que prevê em seu ato constitutivo a vedação de distribuição de seu patrimônio e de suas rendas a título de participação no resultado, aplicando seus recursos integralmente no país e, ainda, os reverta para a manutenção de suas finalidades essenciais faz jus à imunidade tributária.Preenchidos os requisitos legais, impõe-se o reconhecimento da imunidade, não estando o benefício constitucional vinculado a qualquer requerimento ou ato administrativo” (Ap. Cível/Reexame Necessário nº 1.0702.06.278978-0/001. Rel. Des. Armando Freire. 1ª Câmara Cível. Julgado em: 02.10.2007. Publicação da súmula em: 17.10.2007).

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acórdão cuja ementa foi acima transcrita, o mesmo não ocorre em relação à imuni-

dade do art. 195, §7º, que interpõe a condicionante “beneficente” para qualificar as

entidades merecedoras da benesse.16

2.1.2.3 Assistência social

A certificação do CEBAS ou sua renovação será concedida à entidade de assis-

tência social que preste serviços ou realize ações socioassistenciais, de forma gra-

tuita, continuada e planejada, para os usuários e para quem delas necessitar, sem

discriminação. Ela deve ser caracterizada como de atendimento, conforme Resolução

do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) nº 109/2009, de assessora-

mento ou de defesa ou garantia de direitos, segundo Resolução CNAS 27/2011,

estando tais conceitos igualmente estabelecidos no art. 3º da Lei nº 8.742/1993,

também conhecida como Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS)17 e no Decreto

nº 6.308/2007, que regulamentou esse específico artigo da referida lei.

O art. 6º-A da LOAS define ainda os tipos de proteção — proteção social básica

e especial — promovidos por tais entidades,18 ao passo que coube à Resolução

16 Percebe-se que as decisões que reconhecem a imunidade do art. 195, §7º da CR a entidades educacionais normalmente o fazem aduzindo serem, as específicas instituições que integram a lide, “entidades que prestam assistência social no campo da educação”. Chamam, ainda, as atividades por elas exercidas como sendo de “assistência educacional”. Isto é, não são eram elas unicamente entidades educacionais, mas entidades educacionais “beneficentes”, assim consideradas as que prestam assistência social fazendo uso da educação. Nesse sentido, o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 491.538 — Santa Catarina, cujo acórdão foi transcrito na decisão monocrática do Supremo indicada neste tópico do parecer.

17 “Art. 3º Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas sem fins lucrativos que, iso-lada ou cumulativamente, prestam atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta Lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de direitos.§1º São de atendimento aquelas entidades que, de forma continuada, permanente e planejada, prestam servi-ços, executam programas ou projetos e concedem benefícios de prestação social básica ou especial, dirigidos às famílias e indivíduos em situações de vulnerabilidade ou risco social e pessoal, nos termos desta Lei, e respeitadas as deliberações do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS), de que tratam os incisos I e II do art. 18.

§2º São de assessoramento aquelas que, de forma continuada, permanente e planejada, prestam serviços e executam programas ou projetos voltados prioritariamente para o fortalecimento dos movimentos sociais e das organizações de usuários, formação e capacitação de lideranças, dirigidos ao público da política de assistência social, nos termos desta Lei, e respeitadas as deliberações do CNAS, de que tratam os incisos I e II do art. 18.

§3º São de defesa e garantia de direitos aquelas que, de forma continuada, permanente e planejada, pres-tam serviços e executam programas e projetos voltados prioritariamente para a defesa e efetivação dos direitos socioassistenciais, construção de novos direitos, promoção da cidadania, enfrentamento das desi-gualdades sociais, articulação com órgãos públicos de defesa de direitos, dirigidos ao público da política de assistência social, nos termos desta Lei, e respeitadas as deliberações do CNAS, de que tratam os incisos I e II do art. 18” (BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências).

18 “Art. 6º-A. A assistência social organiza-se pelos seguintes tipos de proteção: I - proteção social básica: conjunto de serviços, programas, projetos e benefícios da assistência social que visa a prevenir situações de vulnerabilidade e risco social por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e do fortalecimento de vínculos familiares e comunitários;

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CNAS nº 109/2009 a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, que dividiu

os tipos de proteção da seguinte forma:

Art. 1º Aprovar a Tipificação nacional de Serviços Socioassistenciais, con-formeanexos,organizadosporníveisdecomplexidadedoSUAS:ProteçãoSocial Básica e Proteção Social Especial de Média e Alta Complexidade, de acordo com a disposição abaixo:

I - Serviços de Proteção Social Básica:

a) Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família – PAIF;

b)ServiçodeConvivênciaeFortalecimentodeVínculos;

c) Serviço de Proteção Social Básica no domicílio para pessoas com defi-ciência e idosas.

II - Serviços de Proteção Social Especial de Média Complexidade:

a) Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos – PAEFI;

b) Serviço Especializado em Abordagem Social;

c) Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida - LA, e de Prestação de Serviços à Comunidade – PSC;

d) Serviço de Proteção Social Especial para Pessoas com Deficiência, Idosos(as) e suas Famílias;

e) Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua.

III - Serviços de Proteção Social Especial de Alta Complexidade:

a) Serviço de Acolhimento Institucional, nas seguintes modalidades:

- abrigo institucional;

- Casa-Lar;

- Casa de Passagem;

- Residência Inclusiva.

b) Serviço de Acolhimento em República;

c) Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora;

d) Serviço de Proteção em Situações de Calamidades Públicas e de Emer-gências.

Ainda segundo o art. 9º da LOAS, o funcionamento de uma entidade dessa na-

tureza depende do seu registro no Conselho Municipal de Assistência Social (CMAS),

Conselho de Assistência Social do Distrito Federal ou no Conselho Estadual respectivo,

se não houver Conselho Municipal na localidade, o que é repetido pela Lei do CEBAS

II - proteção social especial: conjunto de serviços, programas e projetos que tem por objetivo contribuir para a reconstrução de vínculos familiares e comunitários, a defesa de direito, o fortalecimento das potencialidades e aquisições e a proteção de famílias e indivíduos para o enfrentamento das situações de violação de direitos.

Parágrafo único. A vigilância socioassistencial é um dos instrumentos das proteções da assistência social que identifica e previne as situações de risco e vulnerabilidade social e seus agravos no território” (BRASIL. Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993).

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em seu art. 19, I, registro esse que deverá ser feito nos termos da Resolução CNAS

nº 16/2010.19

No ato da sua inscrição no Conselho de Assistência Social, a entidade deverá,

entre outras obrigações e requisitos, apresentar e aprovar o seu Plano de Ação Anual

(art. 3º, III, da Resolução CNAS 16/2010), o que deverá ser repetido todos os anos,

com vistas à manutenção do cadastro.

A Lei nº 12.101/2009 também determinou, em seu art. 19, II, que as enti-

dades de assistência social integrem, ainda, o Cadastro Nacional de Entidades e

Organizações de Assistência Social (CNEAS), o qual, contudo, não está concluído, en-

contrando-se em fase de construção no âmbito da Secretaria Nacional de Assistência

Social (SNAS).

A certificação das entidades de assistência social é feita atualmente no Mi-

nis tério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, pelo Departamento da Rede

Socioassistencial Privada do Sistema Único de Assistência Social (DRST), que integra

a estrutura da SNAS, sendo que o processo de certificação é regido atualmente pela

Portaria MDS nº 353/2011.

2.2 Entidades de natureza prioritariamente cultural

No presente tópico deste parecer questiona-se se uma entidade que, em abs-

trato, se dedique prioritariamente à cultura, atenderia os requisitos previstos na Lei

nº 12.101/2009, fazendo jus à qualificação pelo CEBAS e à imunidade das contribui-

ções à previdência social. A resposta tende, em princípio, a ser negativa.

O primeiro fato que conduz a essa resposta é a constatação de que a Lei

nº 12.101/2009 em momento algum faz menção a atividades culturais como sendo

uma das áreas de atuação abrangidas pelo CEBAS. Já é diferente o que ocorre em

relação aos títulos de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)

e Organização Social (OS), por exemplo: a Lei nº 9.790/1999 elenca “promoção da

cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico” como objetivo social

19 O art. 7º da Resolução CNAS nº 16/2010 ainda estabelece requisitos específicos para o registro: “Art. 7º Os critérios para a inscrição das entidades e organizações de assistência social, bem como dos servi-

ços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais são, cumulativamente: I - executar ações de caráter continuado, permanente e planejado; II - assegurar que os serviços, programas, projetos e benefícios socio-assistenciais sejam ofertados na perspectiva da autonomia e garantia de direitos dos usuários; III - garantir a gratuidadeemtodososserviços,programas,projetosebenefíciossocioassistenciais;IV-garantiraexistênciade processos participativos dos usuários na busca do cumprimento da missão da entidade ou organização, bem como da efetividade na execução de seus serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais” (BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Conselho Nacional de Assistência Social. Resolução nº 16, de 5 de maio de 2010. Define os parâmetros nacionais para a inscrição das entidades e organizações de assistência social, bem como dos serviços, programas, projetos e benefícios socioassisten-ciais nos Conselhos de Assistência Social dos Municípios e do Distrito Federal. Disponível em: <http://www.mds.gov.br/cnas/legislacao/resolucoes/arquivos-2010/cnas-2010-016-05-05-2010.pdf/download>. Acesso em: 29 abr. 2014).

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condizente com o título de OSCIP (art. 3º, II) e a Lei nº 9.637/1998 menciona atividades

dirigidas à cultura como sendo passíveis de serem exercidas por uma entidade porta-

dora do título de OS (art. 1º, caput). Também a Constituição da República não indica

no art. 195, §7º, propriamente entidades que se dediquem à cultura, mencionando

unicamente “entidades beneficentes de assistência social”. Por fim, também o art. 150

da Constituição, ao listar no inciso VI, “c”, os sujeitos abarcados pela imunidade

tributária sobre seu patrimônio, renda ou serviços, menciona somente partidos políti-

cos, entidades sindicais de trabalhadores e instituições de educação e de assistência

social sem fins lucrativos, sem aludir expressamente a entidades culturais sem fins

lucrativos.

Em sintonia com tal entendimento, por diversas vezes o Ministério da Previdência

e Assistência Social, ao qual outrora se atrelava o CNAS — este que concentrava,

à ocasião, todos os pedidos de obtenção do certificado de filantropia, independen-

temente da área de atuação —, indeferiu em grau recursal pedidos de obtenção do

Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, antecessor do CEBAS, solicitados por

entidades culturais. A primeira decisão abaixo transcrita é bastante pertinente, uma

vez que tem como interessado, justamente, um museu:

Direito Assistencial – Certificado de Entidade Beneficente de Assistên-cia Social – Entidade Cultural – Inadimissibilidade. 1. O Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social é concedido pelo Conselho Nacional de Assistência Social às entidades de assistência social, de educação ou de saúde que atendam os requisitos pré-estabelecidos em lei. 2. A entidade cultural não faz jus a concessão do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, pois não se confunde com entidade educacional. 3. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. De-cisão.Vistooprocessoemqueé interessadaaparteacimaindicada.Com fundamento nos artigos 11, inciso III e 42 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993 e no Parecer/CJ/nº 2675/2002, da Consultoria Jurídica deste Ministério, que aprovo, nego provimento ao recursointerpostopeloMuseuHistóricoViscondedeSãoLeopoldo.20

E também as duas decisões a seguir se mostram relevantes, eis que recusam

a entidades culturais, uma biblioteca e um centro de música respectivamente, a

concessão do certificado de filantropia, no primeiro caso afirmando que a pleiteante

não se tratava de entidade de assistência social e no segundo ressaltando que ela

não consistia em instituição de educação:

20 BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. Recurso Ordinário nos Processos nºs 44006.000872/97-81, 44006.001306/99-21 e 44000.000136/02-65. Despacho do Ministro. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/diarios/487630/pg-80-secao-1-diario-oficial-da-uniao-dou-de-22-03-2002>. Acesso em: 29 abr. 2014.

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DIREITO ASSISTENCIAL – CERTIFICADO DE ENTIDADE DE FINS FILANTRó-PICoS–ENTIDADECULTURAL–INADIMISSIBILIDADE

1. O certificado de filantropia é concedido pelo Conselho Nacional de As-sistência Social às entidades de assistência social, de educação ou de saúde que atendam os requisitos pré estabelecidos em lei. 2. A entidade cultural não faz jus a concessão do certificado de filantropia, pois não se confunde com entidade educacional. 3. Parecer pelo conhecimento e não provimento do recurso.

[...] 9. A assistência social está regulamentada pela Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (LOAS), onde estabelece que o seu objetivo é prover os mínimos sociais, para garantir o atendimento às necessidades bási-cas, nos termos do art. 1º, in verbis:

“Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é polí-tica de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”.

10. A entidade beneficente de assistência social foi equiparada pela Lei Or-gânica da Assistência Social, regulamentada pelo Decreto nº 752, de 1993, as instituições beneficentes de assistência social, educacional ou de saúde:

“Art. 1º Considera-se entidade beneficente de assistência social, para fins de concessão do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos, de que trata o artigo 55, inciso II, da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, a ins-tituição beneficente de assistência social, educacional ou de saúde, sem fins lucrativos, que atue precipuamente, no sentido de:

I - proteger a família, a maternidade, a infância, a adolescência e a velhice;

II - amparar crianças e adolescentes carentes;

III - promover ações de prevenção, habilitação e reabilitação de pessoas portadoras de deficiência;

IV-promover,gratuitamente,assistênciaeducacionaloudesaúde”.

11. A entidade beneficente deve estar voltada para as necessidades bási-cas vitais da sociedade na área da assistência social, educação ou saúde. A instituição que realiza o atendimento de pessoas que não necessitam dessa assistência, apesar de filantrópica, não faz jus ao Certificado.

12. Concluímos, desta forma que entidade beneficente de assistência social são as instituições de assistência social, educação ou saúde, que prestam serviços essenciais à vida. Ainda, reforçando esse entendimento, temos o disposto no inciso III, do art. 55, da Lei nº 8.212, de 1991, in verbis:

“Art. 55 [...]

III - promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes”.

13. No caso concreto, a Biblioteca Rio Grandense não se enquadra em nenhuma das instituições sujeitas a concessão do certificado de filantro-pia, haja vista que sua atividade preponderante é eminentemente cultural, e não educacional.21

21 BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. Recurso Ordinário no Processo nº 44006.003424/98-28. Despacho do Ministro. Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/60/2001/2433.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014.

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ENTIDADESCULTURAISEoCERTIFICADoDEENTIDADEBENEFICENTEDEASSISTÊNCIASoCIAL...

DIREIToASSISTENCIAL–CERTIFICADoDEFILANTRoPIA–ENTIDADECUL-TURAL–INADMISSIBILIDADE.1)ocertificadodefilantropiaéconcedidopelo Conselho Nacional de Assistência Social às entidades de assistência social, de educação ou de saúde que atendam os requisitos pré estabe-lecidos. 2) A entidade cultural não faz jus a concessão do certificado de filantropia, pois não se confunde com entidade educacional.

[...] 7. A entidade beneficente deve estar voltada para as necessidades básicas vitais da sociedade na área da assistência social, educação ou saúde. A instituição que realiza o atendimento de pessoas que não neces-sitam dessa assistência, apesar de filantrópica, não faz jus ao Certificado.

8. Nesse sentido é magistério de CELSO BARROSO LEITE:

“Como sabemos, toda entidade beneficente, assistencial, é filantrópica, mas nem toda entidade filantrópica é beneficente, assistencial. Embora não menos amplo que o da filantropia, o conceito de assistência social oferece a vantagem da característica comum dos seus destinatários: a necessidade que têm dela.

Enquanto as entidades filantrópicas prestam serviços úteis e com fre-qüência valiosos, mas nem sempre essenciais, a assistência social tem por objetivo atender a necessidades vitais das pessoas que carecem dela. Convém insistir neste ponto: a necessidade da assistência, indivi-dual ou social, é inerente à sua natureza.

Umaentidade que ofereça, por exemplo, programas culturais gratuitosde alto nível dá a pessoas que não dispõem de recursos para pagar por eles uma oportunidade valiosa, benéfica e de alguma maneira filantrópi-ca. Entretanto, isso não corresponde a uma necessidade básica, vital, dessas pessoas, que decerto apreciam programas culturais de bom nível, mas poderiam viver sem eles. Ainda por outras palavras: trata-se de algo mais e não de um mínimo; e em última análise é essa a diferença entre filantropia e assistência.

Bem conhecida dos estudiosos do assunto, a relação direta entre assis-tência social e a necessidade que seus destinatários têm dela está re-gistrada,porexemplo,nomaispopulardosnossosdicionários,o‘NovoDicionáriodaLínguaPortuguesa’,deAurélioBuarquedeHolandaFerreira(Rio,Nova Fronteira, 1986,2ª ed.).o verbete ‘assistência’ inclui estadefinição:

Assistência Social – Serviço gratuito de natureza diversa, prestado aos membros da comunidade social, atendendo às necessidades daqueles que não dispõem de recursos suficientes.

Nada disso, porém, tem tanta importância para o que procuro ressaltar aqui, sem dar novidade, com os precisos e expressos termos do artigo 203daConstituição: a ‘assistência social será prestada a quemdelanecessitar,independentementedacontribuição.’RevistadePrevidênciaSocial nº 199, de junho de 1997, págs. 531/536.2.

9. Concluímos, desta forma que entidade beneficente de assistência so-cial são as instituições de assistência social, educação ou saúde, que prestam serviços essenciais à vida. Ainda, reforçando esse entendimen-to, temos o disposto no inciso III, do art. 55, da Lei nº 8.212, de 1991, in verbis:

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“Art. 55. [...]

III - promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes”.

10. Ainda cabe transcrever trecho do PARECER MPAS/CJ nº 1.057/97:

“09. O liame entre a educação e cultura é estreito, mas não impossibilita que se distinga uma entidade cultural de uma educacional. É o traço dis-tintivo é a essencialidade, com bem ponderou o Professor Celso Barroso Leite. Embora possa parecer um conceito de país subdesenvolvido, para fins de concessão de isenção, educação, enquanto processo de desen-volvimento da capacidade física, intelectual e moral da criança e do ser humano em geral, é prioridade, é essencial. Por isso o legislador escolheu as entidades educacionais para conceder-lhes isenção de cota patronal e nãoincluiuasentidadesculturais.Valelembrarqueemmatériatributária,as disposições sobre suspensão de crédito são interpretadas literalmente.

10. Educacional é aquela entidade que atende à Lei de Diretrizes e Bases da Educação,

reconhecida pelo Ministério da Educação como tal. Não há nos autos prova de que a entidade é reconhecida como educacional pelo órgão com-petente”.

11. No caso concreto, o Centro Cultural Pró-Música não se enquadra em nenhuma das instituições sujeitas a concessão do certificado de filantro-pia, haja vista que sua atividade preponderante é eminentemente cultural, e não educacional, além de não ter por finalidade o desenvolvimento de atividades voltadas as necessidades básicas e vitais da população caren-te [...]”.22

Também o Supremo Tribunal Federal, em decisão monocrática, manteve o in-

deferimento do pedido de concessão de CEBAS a uma entidade cultural:

Trata-se de mandado de segurança impetrado pela pessoa jurídica de direitoprivadoLIoNSCLUBEDEPoçoSDECALDAS-URÂNIo-GUARDAMIRIM, com pedido de liminar, contra ato praticado pelo Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Previdência e Assistência Social, que cance-lou o seu Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos – CEFF, com funda-mentonodescumprimentodoart.3º,incisoIV,doDecretonº2.536/98,por se tratar de entidade de cunho cultural-recreativo e não beneficente de assistência social.

Alega a impetrante ser uma entidade filantrópica, beneficente, sem fins lucrativos, que atende todos os requisitos legais relativos à imunidade, dispostosnoart.9º,incisoIV,letrac,combinadocomoart.14,ambosdo Código Tributário Nacional.

[...] No caso em tela, ao meu sentir, ao contrário do que alega a impetran-te, não se mostram presentes os pressupostos autorizativos da liminar pretendida, disposto no art. 7º, II, da Lei nº 1.533/51.

22 BRASIL. Ministério da Previdência e Assistência Social. Recurso Ordinário no Processo nº 28984.017136/94-13. Despacho do Ministro. Disponível em: <http://www3.dataprev.gov.br/sislex/paginas/60/1999/1878.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014.

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Não obstante a relevância dos fatos narrados, observo que, em cognição sumária de juízo, não se encontra presente o requisito do fumus boni iuris para concessão da medida liminar, porquanto, na presente hipótese, os fins institucionais da impetrante não estão voltados primordialmente para os objetivos de uma entidade assistencial, na forma do disposto no art.203,incisosIaIVdaConstituiçãoFederal,mas,sim,paraatividadesde caráter cultural-recreativo.23

Constata-se, portanto, que historicamente os órgãos responsáveis pela conces-

são do certificado de beneficência o têm recusado a entidades com atuação priori-

tária na cultura, fazendo interpretação estrita dos conceitos de assistência social e

educação. O que não impede que seja feita análise crítica de tal posicionamento, con-

siderando os avanços do Terceiro Setor no Brasil, ampliando o alcance dos conceitos

de assistência social, de educação e, também, dos chamados direitos culturais, hoje

reconhecidos como essenciais, como direitos mínimos necessários ao desenvolvi-

mento da sociedade.24

É possível, pois, a existência de entidades beneficentes de assistência social

“de natureza cultural”, isto é, entidades voltadas ao atendimento de público necessi-

tado que façam uso da cultura como principal recurso para o alcance de finalidades

socioassistenciais. Isso não só é aceitável como está previsto na tipificação proposta

pela Resolução CNAS nº 109/2009. É o que tem lugar, por exemplo, no tipo de prote-

ção “serviço de convivência e fortalecimento de vínculos”, dentro do gênero “Serviços

de Proteção Social Básica”, tipificado pela referida Portaria. Com efeito, ela prevê

que, no desenvolvimento de ações de convivência tendo por sujeitos crianças e ado-

lescentes de até 15 (quinze) anos, podem ser propostas intervenções pautadas em

“experiências lúdicas, culturais e esportivas como formas de expressão, interação,

aprendizagem, sociabilidade e proteção social”. Já no atendimento de adolescentes e

jovens de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos, podem ser realizadas “ações com foco

na convivência social por meio da arte-cultura e esporte-lazer”. Em relação ao público

idoso, a Portaria sugere a realização de “experimentações artísticas, culturais, es-

portivas e de lazer”, só para citar alguns exemplos dessa abordagem transversal da

cultura e da assistência social.

Em resumo, defende-se que seja possível que entidades beneficentes de as-

sistência social desenvolvam projetos e programa culturais, desde que como recurso

para melhor alcançar as finalidades socioassistenciais erigidas na LOAS e na Política

Nacional de Assistência Social (PNAS), sem colocarem em xeque a sua certificação.

Por outro lado, embora seja possível a entidades culturais desenvolverem projetos

23 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de Segurança nº 8.408 – DF nº 2002/0061746-7. Decisão MonocráticadaMin.LauritaVaz.Datadepublicação:1ºago.2002.

24 FILHO, Francisco Humberto Cunha. Direitos culturais como direitos fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro. Brasília: Brasília Jurídica, 2000.

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com propósitos de democratização de acesso e até mesmo socioassistenciais,25 em

alguns casos devendo inclusive inscrevê-los no CMAS,26 isso não as qualifica de per

si como entidades de assistência social, não fazendo jus, em princípio, ao CEBAS e à

imunidade das contribuições previdenciárias.27 Para que isso tenha lugar, a entidade

deverá possuir atuação preponderante na área da assistência social, utilizando a

cultura como ferramenta colocada à disposição do público necessitado.

Em outras palavras, as entidades “culturais”, bem como as “desportivas”, por

exemplo, são assim qualificadas tomando por base a natureza das atividades a que

se dedicam, o objeto, por assim dizer, qual seja, a cultura e o esporte. As entidades

“de assistência social”, por sua vez, são caracterizadas não pela área de conheci-

mento assumida, que podem ser várias, incluindo a cultura e o esporte, mas pelo

público atendido, o sujeito de suas ações. A cultura seria, para essas instituições, o

meio. O público atendido, o fim.

Por outro lado, existem igualmente entidades assistenciais de educação que

utilizam a cultura como principal insumo, que podem estar enquadradas tanto no

25 Vide conceito de “democratização de acesso” previsto no art. 3º da Instrução Normativa nº 01/2013 do Ministério da Cultura, princípio a ser atendido por todos os projetos realizados por meio da chamada Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/1991): “xII - democratização do acesso: medidas que promovam acesso e fruição de bens, produtos e serviços culturais, bem como ao exercício de atividades profissionais, visando a atenção às camadas da população menos assistidas ou excluídas do exercício de seus direitos culturais por sua condição socioeconômica, etnia, deficiência, gênero, faixa etária, domicílio, ocupação, para cumprimento do disposto no art. 215 da Constituição Federal”. BRASIL. Ministério da Cultura. Instrução Normativa MinC nº 01, de 25 de junho de 2013. Estabelece procedimentos para apresentação, recebimento, análise, aprovação, execução, acompanhamento e prestação de contas de propostas culturais, relativos ao mecanismo de incentivos fiscais do Programa Nacional de Apoio à Cultura-Pronac. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/documents/10937/924524/Instru%C3%A7%C3%A3o+Normativa+01+de+24+de+junho+de+2013/879556a9-bc08-46a0-8ccb-f14a 3e0509f3>. Acesso em: 29 abr. 2014.

26 A Resolução CNAS nº 16/2010 menciona a existência de “entidades e organizações sem fins econômicos que não tenham atuação preponderante na área da assistência social, mas que também atuem nessa área”, as quais, mesmo não sendo propriamente entidades “de assistência social”, deverão inscrever seus serviços, programas, projetos e benefícios socioassistenciais nos respectivos Conselhos Municipais de Assistência Social, sem que elas próprias se cadastrem nos conselhos. Ou seja, nem toda entidade que exerça ati-vidades assistenciais é considerada entidade de assistência social, no entendimento do Conselho Nacio-nal de Assistência Social. Ela pode registrar tão somente programas, projetos e atividades em um CMAS, mas ela própria não será registrada como entidade dessa natureza, o que, nos termos do art. 19, I da Lei nº 12.101/2009, é uma condição objetiva para a certificação.

27 Essa diferenciação entre entidades de assistência social e entidades culturais parece bastante nítida na lição de Octavio Campos Fischer, quando se dedica à análise da imunidade e isenção da COFINS: “Posteriormente, em 1999, a Medida Provisória nº 1.858-9/99 — cuja última edição encontramos na MP 2.158-35, mantida pela EC 32/01 — aumentou o rol de beneficiários da isenção da COFINS, alcançando, dentre outras pessoas, as‘instituiçõesdecaráterfilantrópico,recreativo,cultural,científicoeasassociaçõesaqueserefereoart.15daLei9.532/97’,comcomoas‘instituiçõesdeeducaçãoedeassistênciasocialaqueserefereoart.12daLeinº9.532,de10dedezembrode1997’(arts.14e13).

Note-se que, pela Constituição de 1998, somente são imunes à COFINS as entidades beneficentes de as-sistência social, de forma que a medida provisória acima estabeleceu uma verdadeira isenção (da COFINS) paraas‘instituiçõesdecaráterrecreativo,cultural,científicoeasassociações,aqueserefereoart.15daLei9.532/97’,bemcomoparaasinstituiçõesdeeducaçãoedeassistênciasocial(asquenãosejambene-ficentes)”. FISCHER, Octavio Campos. A isenção de instituições de caráter recreativo, cultural, científico e a Lei 10.833/03. In:CARVALHo,Cristiano;PEIXoTo,MarceloMagalhães(Coord.).Aspectos jurídicos do terceiro setor. São Paulo: IOB Thomson, 2005. p. 99-132, especialmente p. 102.

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ensino regular como no não formal. Às instituições beneficentes de ensino de cultura

e das artes não se poderia negar, portanto, o CEBAS, tampouco a imunidade das

contribuições previdenciárias.

Desse modo, não parece razoável a conclusão de que, simplesmente por lidar

uma entidade com a cultura e com as artes, não possa ela ser considerada como de

assistência social ou de educação.

2.3 Áreas de atuação do consulente

UmavezidentificadososcritériosobjetivosprevistosnaLeinº12.101/2009

para concessão do CEBAS e a natureza das atividades por ele abarcadas, passa-

se à análise daquelas exercidas pelo consulente, associação sem fins lucrativos

responsável pela gestão operacional de museu público e realizadora de projetos de

artes cênicas, com vistas a identificar se ele atende às determinações previstas na

Lei nº 12.101/2009 e no Decreto que a regulamenta.

Logo na abertura do estatuto social consta a informação de que o consulente

possui “caráter prioritariamente cultural”. O mesmo artigo menciona que o consulente

utiliza a cultura como principal instrumento para promover a cidadania, a igualdade, o

desenvolvimento humano e socioeducacional, mediante atividades e projetos culturais

de atuação ampla. Dentre os objetivos da entidade, destaca-se, além de vários itens

dedicados estritamente à cultura — como a revitalização e conservação do patrimônio

histórico, cultural e artístico brasileiro, a gestão de equipamentos culturais e a pesqui-

sa da arte dramática em suas múltiplas formas e manifestações — os objetivos de

promover projetos sociais que tenham por finalidade oferecer condições de inserção

profissional de jovens carentes, visando especialmente à inserção no mercado de

trabalho e promover atividades educativas e de formação nas suas áreas de atuação.

Assim, apesar de o estatuto social mencionar expressamente o caráter prioritaria-

mente cultural do consulente, há a indicação de que a cultura é utilizada como principal

instrumento para alcance de propósitos maiores, além de estarem previstas objetiva-

mente atividades de assistência social e educacionais dentre os seus objetivos.

A despeito disso, o Cartão de CNPJ do consulente não apresenta qualquer ati-

vidade assistencial ou educacional como atividades econômicas, principal ou secun-

dárias, o que destoa das exigências estampadas na Lei nº 12.101/2009. Além do

mais, o seu portfólio também leva à conclusão de que sua área prioritária de atuação

seja propriamente a cultural; afinal, como demonstrado, ele é atualmente gestor de

um museu e titular de um grande número de projetos aprovados em leis de incentivo

à cultura, na área da museologia e das artes cênicas, tanto em âmbito federal (Lei

nº 8.313/1991) quanto em âmbito estadual.

Assim, apesar de o estatuto social do consulente prever, dentre vários objeti-

vos culturais, um de natureza assistencial e outro educacional, seu CNPJ, histórico

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e portfólio corroboram que ele, na prática, tem atuação preponderante na cultura.

Deve-se então avaliar se ele se enquadraria, ainda assim, no conceito de assistência

social ou de educação.

Da análise detida dos principais projetos e programas culturais desenvolvidos,

na prática, pelo consulente, todos eles dizem respeito a atividades executadas em

prol do museu por ele gerido. Torna-se necessário, portanto, analisar a legislação

específica que regulamenta museus no Brasil, notadamente a Lei nº 11.904/2009,

conhecida como “Estatuto dos Museus”, e o decreto que recentemente a regulamen-

tou, Decreto nº 8.124/2013.

Eis o conceito de museu trazido na referida lei:

Art. 1º Consideram-se museus, para os efeitos desta Lei, as instituições sem fins lucrativos que conservam, investigam, comunicam, interpretam e expõem, para fins de preservação, estudo, pesquisa, educação, con-templação e turismo, conjuntos e coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza cultural, abertas ao pú-blico, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento.28

E o artigo seguinte elenca os princípios fundamentais a serem atendidos pelos

museus:

Art. 2º São princípios fundamentais dos museus:

I - a valorização da dignidade humana;

II - a promoção da cidadania;

III - o cumprimento da função social;

IV-avalorizaçãoepreservaçãodopatrimônioculturaleambiental;

V-auniversalidadedoacesso,orespeitoeavalorizaçãoàdiversidadecultural;

VI-ointercâmbioinstitucional.29

Percebe-se, portanto, que, embora os museus brasileiros tenham por princípios

fundamentais a valorização da dignidade humana, a promoção da cidadania e a uni-

versalidade de acesso, sua finalidade primeira não é propriamente o atendimento a

pessoas em situação de vulnerabilidade social, risco pessoal e social, violação de

direitos ou alcançadas por programas e ações de combate à pobreza e geração de

trabalho e renda. Embora isso possa ser exercido por uma instituição museológica, o

seu objetivo precípuo é conservar, investigar, comunicar, interpretar e expor, para fins

28 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009. Institui o Estatuto de Museus e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Lei/L11904.htm>. Acesso em: 29 abr. 2014.

29 BRASIL. Lei nº 11.904, de 14 de janeiro de 2009.

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de preservação, estudo, pesquisa, educação, contemplação e turismo, conjuntos e

coleções de valor histórico, artístico, científico, técnico ou de qualquer outra natureza

cultural. É dizer que seu foco está mais concentrado, em um primeiro momento, no

objeto a ser preservado, que propriamente no público a ser atendido, o que leva à

conclusão de que nem todo museu é considerado propriamente uma entidade bene-

ficente de assistência social.

A documentação juntada pelo consulente à presente consulta não conduz à ime-

diata conclusão de que ele seja uma instituição de assistência social propriamente

dita. Mas não se poderia deixar de transcrever aqui importante acórdão do Tribunal

RegionalFederalda3ªRegiãoque,confirmandosentençada9ªVaradeExecuções

Fiscais de São Paulo, considerou que, apesar de o Museu de Arte de São Paulo Assis

Chateaubriand (MASP) não haver renovado o certificado de entidade de fins filantrópi-

cos (antecessor do CEBAS), ainda assim faria jus à imunidade prevista no art. 195,

§7º, da Constituição, por possuir natureza de assistência social:

EMBARGoS À EXECUção FISCAL – CoNTRIBUIção PREVIDENCIáRIA –IMUNIDADETRIBUTáRIA–ARTIGo195,§7º,DACoNSTITUIçãoFEDERAL–PRoVAPERICIAL–PREENCHIMENToDoSREqUISIToS–ENTIDADEDEFINS FILANTRóPICOS.

1. A imunidade tributária prevista pelo artigo 195, §7º, da Constituição Federal, depende do preenchimento de requisitos estatuídos por lei.

2. Tanto o Supremo Tribunal Federal, como o Superior Tribunal de Justi-ça, já se manifestaram no sentido de que o reconhecimento da entidade como de fins filantrópicos tem natureza declaratória e confere ao certi-ficado expedido efeitos ex tunc, de forma que se tornam inexigíveis os créditos previdenciários patronais desde a data em que se constituiu a situação ensejadora da imunidade.

3. No caso concreto, a prova pericial, promovida através da análise de ro-busto volume de dados concernentes à embargante, permite afirmar que esta preenche os requisitos exigidos pela lei para o gozo da imunidade.

4. Apelações e Remessa Oficial improvidas.30

Ocorre que, diferentemente do consulente, o MASP possuía, à época da

ExecuçãoFiscal,títulosdeUtilidadePúblicaemâmbitosfederal,estadualemunici-

pal, o que parece ter sido decisivo para que os desembargadores concluíssem pela

sua natureza de entidade de assistência social.31

30 BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Apelação/Reexame Necessário nº 0061257-46.2004.4.03.6182/SP. Rel. Des. Luiz Stefanini. Julgado em: 29 out. 2012. Data de publicação: 14 nov. 2012.

31 NoVoto-Vista tal assertiva ficamais clara: “Aexistênciadedecretodeutilidadepública federal implicaopreenchimento dos requisitos previstos para a obtenção do próprio certificado, uma vez que o Poder Executivo apenas o expedirá, se a instituição prestar desinteressadamente serviços à coletividade (artigo 1º, b, da Lei nº 91/1935). O cumprimento da exigência indica, de certa forma, que a entidade exerce atividade de assistência social, não distribui lucros ou remuneração aos diretores e aplica os resultados operacionais no próprio desenvolvimento institucional”.

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A despeito da constatação de que não há, por ora, indícios de que o consulente

se dedicasse propriamente à assistência social, verifica-se que, ao lado da

preservação, contemplação e turismo, são finalidades dos museus brasileiros, nos

termos do art. 1º do Estatuto dos Museus, o estudo, a pesquisa e a educação, o

que os aproxima ao conceito de entidade de educação. Nesse sentido, inclusive, a

clássica lição de Aliomar Baleeiro:

[...] não apenas as de caráter estritamente didático, mas toda aquela que aproveita à educação e à cultura em geral, como o laboratório, centro de pesquisas, o museu, o atelier de pintura ou escultura, o ginásio de desportos, academias de letras, artes e ciências, sem intuitos lucrativos, ainda que, para sua manutenção, ceda onerosamente direitos autorais, patentes de invenção e descobertas. Importa não a denominação da en-tidade, que pode ser um disfarce, mas a natureza real de suas atividades e finalidade desinteressadas de lucro ou proveitos para fundadores e de administradores.32

De modo que não seria exagero defender que, se não todas, a maioria das

instituições museológicas brasileiras, estruturadas nos termos da sua legislação

específica, o Estatuto dos Museus, poderiam ser consideradas, além de entidades

culturais, igualmente instituições de educação. Tal premissa valeria inclusive para

o consulente, responsável pela gestão de um “museu-escola”. Isso não significaria

dizer, contudo, que tais instituições sejam consideradas “entidades assistenciais de

educação”, ou entidades “beneficentes” de educação: assim, talvez tivessem cami-

nholivreparaoreconhecimentodaimunidadedeimpostosprevistanoart.150,VI,

“c”, da Constituição, como já asseverado; mas provavelmente teriam que demonstrar

que voltam as suas atividades educacionais ao público carente, para que, então,

pudessem ser consideradas “beneficentes”, condição esta estabelecida no art. 195,

§7º, da Magna Carta.

Retornando ao consulente, talvez ele atendesse a esse pressuposto: afinal,

desenvolve programas de formação continuada em artes e cultura visual com profes-

sores e educadores, todos gratuitos, construindo espaços de pesquisa e promovendo

seminários, workshops e cursos, com foco especial em “produtores, artistas e escri-

tores da periferia”, conforme informado pelo próprio consulente.

Assim, sendo o consulente o gestor de uma instituição de ensino — museu pú-

blico que desenvolve atividades educativas —, voltado especialmente a profissionais

“da periferia”, e por atender aos requisitos do art. 14 do CTN, não haveria por que não

considerá-lo merecedor da imunidade prevista no art. 195, §7º, apesar de, aparente-

mente, não atender os critérios objetivos previstos na Lei nº 12.101/2009.

32 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 91.

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3 Conclusão

Entidades que atuem primordialmente na área da cultura não são consideradas,

em princípio, entidades de assistência social ou de educação, o que, nos estritos

termos da Lei nº 12.101/2009, as impossibilita de obter o CEBAS e, consequente-

mente, de fazer jus à imunidade das contribuições previdenciárias.

Não obstante, embora nem a Constituição, no art. 195, §7º, nem a Lei nº

12.101/2009 mencionem expressamente que entidades privadas sem fins lucrati-

vos de “natureza cultural” possam ser beneficiadas pela imunidade das contribuições

sociais, é possível concluir que determinadas entidades que se dediquem ao desen-

volvimento de atividades culturais façam, sim, jus ao benefício, sendo necessária a

análise caso a caso.

Se a entidade tiver por público-alvo aquele próprio da assistência social, indica-

do no art. 203 da Constituição, na LOAS e na Política Nacional de Assistência Social

(PNAS), utilizando a cultura como ferramenta ou recurso para alcance de objetivos

socioassistenciais, não há porque não considerá-la como possuindo natureza de as-

sistência social. Se a entidade se dedica ao ensino das artes e à pesquisa, por sua

vez, orientada ao atendimento do mesmo público, deve receber o tratamento destina-

do às entidades assistenciais de educação.

Assim, é preciso afastar qualquer pré-concepção no sentido de que nenhuma

entidade que se dedique à cultura, desenvolvendo projetos, atividades ou programas

artísticos, faça jus à imunidade. Mas o extremo oposto também tem que ser evitado.

Não é toda entidade cultural que automaticamente faz jus a tal benesse. Se não se

dedicar principalmente ao ensino beneficente ou se não voltar suas ações ao público

prioritário da assistência social — como seria o caso de uma simples companhia ar-

tística, que atendesse exclusivamente aos interesses de seus próprios integrantes —,

não se enquadrará em nenhuma dessas hipóteses.

Decerto que, diante das condicionantes determinadas pela Lei nº 12.101/2009,

que parecem impor requisitos que ultrapassam os limites constitucionais e do CTN

em relação a essa específica situação de imunidade — tanto é que tramita hoje no

Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Constitucionalidade —, uma entidade

com esse perfil talvez encontrasse obstáculos práticos para obter administrativamente

o reconhecimento de sua natureza de assistência social ou de educação. É que,

dentre os critérios objetivos erigidos por essa lei ordinária, exige-se que as entidades

de assistência social sejam cadastradas nos Conselhos de Assistência Social — que

costumam apresentar resistência ao cadastramento de entidades que desenvolvam

prioritariamente atividades culturais, como indicam algumas decisões históricas do

Conselho Nacional de Assistência Social — e que as entidades de educação se dedi-

quem exclusivamente ao ensino regular e presencial, nas etapas da educação básica

ou superior, desconsiderando, portanto, entidades de ensino não formal ou livre.

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R. Dir. Terc. Setor – RDTS | Belo Horizonte, ano 8, n. 15, p. 113-138, jan./jun. 2014138

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No caso concreto, da análise do estatuto social, do CNPJ e do portfólio do con-

sulente, não se conclui que ele se enquadre propriamente na natureza de entidade de

assistência social de caráter beneficente. Afinal, seu objetivo principal é o desenvolvi-

mento de atividades e projetos culturais, tanto na área de gestão de museus quanto

na área teatral, sem haver qualquer indicação de que o público prioritário de suas

ações seja aquele indicado no art. 203 da Constituição, na LOAS e na PNAS. Não obs-

tante, nada impede que o consulente, mediante adequado planejamento, passasse a

voltar suas ações primordialmente ao público necessitado, sendo, a partir de então,

considerado entidade de assistência social.

Não obstante, o consulente talvez se enquadrasse, desde já, no conceito de

instituição assistencial de ensino; afinal, o museu que gerencia realiza uma série de

atividades eminentemente educacionais e gratuitas, caracterizando-se como museu-

escola, a sua maioria voltada à população normalmente excluída de iniciativas do

gênero. De todo modo, ainda assim seu estatuto social, CNPJ e portfólio não refletem

propriamente essa natureza, o que poderia ser objeto de alteração objetiva. Sendo

considerada instituição beneficente de ensino, ainda que não formal, é de se concluir

que faria jus à imunidade estabelecida no art. 195, §7º, da Constituição, uma vez

que também atende ao disposto no art. 14 do CTN. Contudo, é importante asseverar

que, se atende ao disposto nesses dois diplomas, o consulente não atende ao deter-

minado pela Lei nº 12.101/2009, uma vez que não de dedica ao ensino regular ou

formal, nas modalidades da educação básica ou superior, de modo que talvez tal

discussão tivesse que ser levada a juízo. Quanto a isso, há ainda poucas decisões

perfeitamente adequadas a essa situação concreta, tendo em vista que tal exigência

prevista na Lei do CEBAS foi nela inserida recentemente, pela Lei nº 12.868, de 15

de outubro de 2013.

Por fim, o fato de o consulente remunerar seus dirigentes estatuários não se

mostra em princípio como um impedimento por si só, eis que o referido dispositivo

do CTN não impõe tal condicionante à fruição da imunidade e a própria Lei do CEBAS

passou, a partir de 2013, a permitir a remuneração da diretoria e dos dirigentes,

desde que respeitados certos limites financeiros.

É o nosso parecer.

Informação bibliográfica deste texto, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT):

NEUMAyR,Rafael;ALVARENGA,AlessandraIsabelaDrummondde.Entidadescultu-rais e o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (CEBAS) à luz da Lei nº 12.101/2009. Revista de Direito do Terceiro Setor – RDTS, Belo Horizonte, ano 8, n. 15, p. 113-138, jan./jun. 2014.

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