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ENTRE BELA E FERA: A TRANSCRIAÇÃO COMO PRODUTO E PRODUTORA DE LEITURAS GERUZA ZELNYS DE ALMEIDA (USP), FERNANDO GREGÓRIO CATTO. Resumo A comunicação discute a possibilidade de uma leitura efetiva do texto literário a partir da transcriação (na acepção de Haroldo de Campos) interartes como forma de apreensão/captura do(s) sentido(s) por meio da tradução do elemento estético em uma nova linguagem. Parte–se da hipótese de que o ensino da Literatura deve estar aliado ao aprendizado das múltiplas linguagens e, assim, propomos como metodologia de leitura a recriação de textos verbais para outros suportes como a fotografia e o ambiente multimídia. Esse trânsito requer e, por isso, desenvolve múltiplas habilidades, desde a simples fruição, passando pela análise interpretativa, pelas técnicas de roteirização e composição, conhecimentos intersemióticos, compreensão dos diferentes suportes bem como de intertextualidades; tudo isso, enfim, construído de modo natural e, portanto, prazeroso. Essa proposta se fundamenta numa pesquisa teórica e na aplicação prática em sala de aula realizada durante três anos, que resultou em vários produtos de transcriação e textos publicados em revistas acadêmicas. Assim, apresentaremos uma experiência que parte da leitura dos contos de fadas em diferentes versões e os transcria em dois produtos que dialogam entre si: um deles em linguagem fotográfica e, outro, em montagem audiovisual. Nota–se que sobre essas “obras” incide o ponto de vista do transcriador que redimensiona os textos verbais e, desse modo, interfere na produção da significação, uma vez que tal exercício possibilita o surgimento de formas inovadoras, transgressoras e criativas que ampliam a visão da arte e da vida como um todo. O ponto interessante da apresentação é ter como comunicadores o professor que desenvolveu o projeto e um dos alunos que participou ativamente das atividades, ambos comentando suas relevâncias teóricas e aplicativas, materializando assim o objetivo principal dessa proposta: a formação do aluno–autor, leitor competente e consciente, ou seja, ser ativo no processo de construção do conhecimento. Palavras-chave: transcriação, literatura, educação. Num momento em que a visualidade reina soberana no cotidiano, insistir para que alunos de ensino médio optem pela leitura do texto literário como meio de fruição, aprendizado e/ou comunicação parece tarefa destinada ao fracasso. No entanto, quando ao literário se alia o uso das ferramentas visuais parece que essa tarefa passa a ser bastante frutífera e pode, também, se tornar muito gostosa. Infelizmente gostar de ler é algo que não se ensina, mas não se pode negar que o gosto está intimamente ligado à habilidade de exercer determinada atividade. Assim, é impossível gostar de ler sem saber como fazê-lo de fato, ou seja, sem compreender os intertextos que se camuflam entre o branco e preto do papel ou no código binário do computador e as imagens que podem ser depreendidas na leitura. Evidentemente, a leitura do texto visual também não é acessível a todos, mas seu apelo aos sentidos e a forma como se lança ao receptor ignorando seu arbítrio provocam a impressão de que está efetivamente sendo lido. Porém, justamente devido ao excesso de imagens a que estamos expostos,

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ENTRE BELA E FERA: A TRANSCRIAÇÃO COMO PRODUTO E PRODUTORA DE LEITURAS GERUZA ZELNYS DE ALMEIDA (USP), FERNANDO GREGÓRIO CATTO. Resumo A comunicação discute a possibilidade de uma leitura efetiva do texto literário a partir da transcriação (na acepção de Haroldo de Campos) interartes como forma de apreensão/captura do(s) sentido(s) por meio da tradução do elemento estético em uma nova linguagem. Parte–se da hipótese de que o ensino da Literatura deve estar aliado ao aprendizado das múltiplas linguagens e, assim, propomos como metodologia de leitura a recriação de textos verbais para outros suportes como a fotografia e o ambiente multimídia. Esse trânsito requer e, por isso, desenvolve múltiplas habilidades, desde a simples fruição, passando pela análise interpretativa, pelas técnicas de roteirização e composição, conhecimentos intersemióticos, compreensão dos diferentes suportes bem como de intertextualidades; tudo isso, enfim, construído de modo natural e, portanto, prazeroso. Essa proposta se fundamenta numa pesquisa teórica e na aplicação prática em sala de aula realizada durante três anos, que resultou em vários produtos de transcriação e textos publicados em revistas acadêmicas. Assim, apresentaremos uma experiência que parte da leitura dos contos de fadas em diferentes versões e os transcria em dois produtos que dialogam entre si: um deles em linguagem fotográfica e, outro, em montagem audiovisual. Nota–se que sobre essas “obras” incide o ponto de vista do transcriador que redimensiona os textos verbais e, desse modo, interfere na produção da significação, uma vez que tal exercício possibilita o surgimento de formas inovadoras, transgressoras e criativas que ampliam a visão da arte e da vida como um todo. O ponto interessante da apresentação é ter como comunicadores o professor que desenvolveu o projeto e um dos alunos que participou ativamente das atividades, ambos comentando suas relevâncias teóricas e aplicativas, materializando assim o objetivo principal dessa proposta: a formação do aluno–autor, leitor competente e consciente, ou seja, ser ativo no processo de construção do conhecimento. Palavras-chave: transcriação, literatura, educação.

Num momento em que a visualidade reina soberana no cotidiano, insistir para que alunos de ensino médio optem pela leitura do texto literário como meio de fruição, aprendizado e/ou comunicação parece tarefa destinada ao fracasso. No entanto, quando ao literário se alia o uso das ferramentas visuais parece que essa tarefa passa a ser bastante frutífera e pode, também, se tornar muito gostosa.

Infelizmente gostar de ler é algo que não se ensina, mas não se pode negar que o gosto está intimamente ligado à habilidade de exercer determinada atividade. Assim, é impossível gostar de ler sem saber como fazê-lo de fato, ou seja, sem compreender os intertextos que se camuflam entre o branco e preto do papel ou no código binário do computador e as imagens que podem ser depreendidas na leitura.

Evidentemente, a leitura do texto visual também não é acessível a todos, mas seu apelo aos sentidos e a forma como se lança ao receptor ignorando seu arbítrio provocam a impressão de que está efetivamente sendo lido. Porém, justamente devido ao excesso de imagens a que estamos expostos,

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ver em profundidade ficou bem mais complicado: "se não sabemos ver, é certamente porque a visibilidade não depende do objeto apenas, nem do sujeito que vê, mas também do trabalho da reflexão: cada visível guarda uma dobra invisível que é preciso desvendar a cada instante e em cada movimento" (NOVAES, 2005, p. 11).

Com relação à fotografia, no contexto atual, esse suporte tem sido largamente utilizado pelos adolescentes a ponto de se tornar invisível e, consequentemente, desprovido de interesse reflexivo. As fotografias que inundam os sites de relacionamento, facilmente clicadas pelos celulares e câmeras digitais, aparentam ao adolescente a mesma realidade da visualidade fabricada pelos meios de comunicação e isso pode ser altamente prejudicial a sua leitura do mundo.

A fotografia ainda é a forma de mais eficaz de se apresentar determinado instante em toda sua intensidade, porém "en sus formas más nuevas no es tan simples como algunos quisieran hacer ver". Se a fotografia tradicional é "en cierto modo análoga al verso formal, con rima y metro uniforme. La nueva forma, liberada de muchas de las conveniencias anticuadas, obedece a reglas más cercanas a las del verso libre o de los ritmos salteados de Hopkins" (SMITH, 2003, p. 266). Portanto, verbal e visual são linguagens que possuem cada uma a sua singularidade, mas ambas estão submetidas a um conjunto de procedimentos que visa à construção de uma mensagem/sentido que precisa ser decifrado numa leitura atenta e de correlação.

Foram essas reflexões que desembocaram no interesse em se trabalhar, junto com alunos do ensino médio, com textos literários que pudessem ser recriados em códigos visuais, neste caso a fotografia, e que pudessem ser transportados para o ambiente multimídia, uma vez que é lá o "lugar" dessa nova categoria de leitor em formação: o leitor imersivo. Sobre esse novo leitor, Santaella (2001, p. 35) diz que está "num estado permanente de prontidão perceptiva e sua atividade mental deve estar em perfeita sintonia com as partes motora e cognitiva", mas que "a linguagem do mundo digital só existe quando o usuário atua e interfere na mensagem".

Por isso falamos em recriação, pois a tradução de textos criativos é sempre uma forma de recriá-los: "numa tradução dessa natureza, não se traduz apenas o significado, traduz-se o próprio signo, ou seja, sua fisicalidade, sua materialidade mesma" (CAMPOS, 1992, p. 35). Como materialidade, falamos das propriedades sonoras, imagéticas, ou seja, dos elementos icônicos que são percebidos na leitura do texto primeiro e devem estar presentes no texto recriado.

Essa tradução não literal foi chamada de transcrição pelos irmãos Campos. Dessa forma, transcriar é dar nova forma a algo que já existe, ou seja, interiorizar algo já-dado, desmontá-lo, recompô-lo e devolvê-lo ao mundo em novos signos. Nesse sentido, pode-se dizer que o produto da transcriação é outro apesar de guardar dentro de si aquele que o originou: dentro da obra recriada ouvem-se os ecos da original, ecos que não são repetição, mas imagens análogas e aproximativas que deixam ver o trânsito criativo de linguagens bem como a transgressão e transformação que a foram submetidas.

Sendo assim, a transcriação como metodologia para o ensino da leitura/literatura funciona em duas vias: de um lado aponta os procedimentos construtivos do texto verbal, uma vez que é necessário

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captar como nele se constrói o sentido; de outro, desnuda os procedimentos de construção do texto visual (fotografia) devido à necessidade de transitar para esse novo suporte. Esse trânsito requer e, por isso, desenvolve múltiplas habilidades desde a simples fruição, passando pela análise interpretativa, pelas técnicas de composição, conhecimentos intersemióticos, compreensão dos diferentes suportes bem como de intertextualidades; tudo isso, enfim, apreendido de modo natural e, portanto, prazeroso.

Essa proposta se fundamenta numa pesquisa teórica e na aplicação prática em sala de aula realizada durante três anos, que resultou em vários produtos de transcriação e textos publicados em diversas revistas acadêmicas. Assim, apresentaremos uma experiência que parte da leitura dos contos de fadas em diferentes versões e os transcria em dois produtos que dialogam entre si: um deles em linguagem fotográfica e, outro, apropriando-se do making-of, que resultou numa montagem audiovisual.

Entre Belas e Feras: O Calendário Cultural

O Calendário Cultural é um projeto iniciado no 2º ano do Ensino Médio e finalizado no 3º (Terceirão), que já teve duas versões: a primeira focou como tema as obras do Vestibular Unificado USP-Unicamp e a segunda partiu da recriação de contos de fadas e é sobre esta que o artigo se deterá. É importante destacar que esse tipo de projeto estabelece interfaces com diferentes territórios: os da Literatura (dentro deste os territórios da Literatura Popular/Oral e da Literatura Infanto-Juvenil) e os da Imagem e do Hipermídia.

Assim, os alunos selecionaram 12 contos de fadas (Chapeuzinho Vermelho, A Bela Adormecida, Cinderela, João e Maria, Rapunzel, O príncipe sapo, Branca de neve e os sete anões, A Bela e a Fera, Pinóquio, O soldadinho de chumbo, Peter Pan e João e o pé de feijão) e fizeram leituras de diferentes versões da mesma raiz. A partir disso, foram incentivados a assistir filmes e ler textos de teoria e crítica que auxiliassem numa interpretação vertical dessas histórias, repensando a raiz mítica e sua permanência e transformação no percurso da recontação bem como os aspectos variantes e invariantes (propostos por Vladimir Propp). Tais questões foram discutidas em encontros fora do horário normal das aulas até o momento em que se sentiram preparados para uma interpretação pessoal que resultasse na composição de uma imagem condensada cujos significantes remetessem ao significado desejado.

Importa destacar que nesse trabalho é preciso não apenas interpretar a história coletada, mas apreender suas estruturas básicas e projetar sua organização no novo suporte, ou seja, em novos signos. Para isso, é imprescindível observar as equivalências entre os códigos e procurar por analogias possíveis. Evidentemente não se busca, nesse tipo de trabalho, a tradução literal, mas a transformação e até a transgressão do texto matriz. Ou seja, o conteúdo do livro e a interpretação pessoal do leitor-produtor devem estar presentes na imagem produzida compondo um todo autônomo, porém em diálogo com a obra analisada, ou seja, as imagens devem conter índices que levem à compreensão de aspectos importantes do texto escrito ou ao seu questionamento.

Por isso, primeiramente, são selecionados os "temas" básicos e, a partir disso, decide-se o tratamento que se dará a ele no novo suporte. O

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resultado intersemiótico das imagens pode ser observado, por exemplo, na ambigüidade proposta em Chapeuzinho Vermelho, na qual o capuz se desdobra em lençol e nos olhares que indicam uma releitura para além do próprio texto matriz. Seria inocente a Chapeuzinho? É possível que ela se insinue para o lobo? Essas dúvidas aparecem tanto na foto quanto nas clássicas perguntas do conto.

(ANEXO 1)

Efeito semelhante aparece na cor verde e textura lisa do vestido da princesa, em O príncipe sapo, que instaura uma abertura para seguinte questão: quem de fato é o sapo nesta história, o príncipe ou a princesa?

(ANEXO 2)

Nota-se que sobre essas "obras" incide o ponto de vista do transcriador (dono de um repertório de outras leituras) que redimensiona os textos verbais e, desse modo, interfere na produção da significação, uma vez que tal exercício possibilita o surgimento de formas inovadoras, transgressoras e criativas que ampliam a visão da arte e da vida como um todo.

Terminadas essas etapas, os alunos passam à parte prática da produção do calendário, o que inclui a escolha do figurino (desde a procura pela roupa adequada até a confecção de algumas peças como as asas das fadas, por exemplo), do cenário, das personagens e a composição da fotografia.

É importante observar aqui que os alunos se dividem entre as diversas atividades, mas todos participam como modelos. Esse é um ponto importante, pois a utilização consciente dos recursos tecnológicos, como a imagem digitalmente transformada, desmistifica o universo da mídia, a qual cria estereótipos que incidem na formação do adolescente. Por isso, esse tipo de projeto reflete também positivamente sobre o corpo, uma vez que o coloca como sujeito de ações/reações nascidas da prática discursiva e do trabalho intelectivo, ou seja, o corpo executa os comandos da mente criadora transformando e sendo transformado por ela.

A partir daí, os alunos passam ao trabalho de fotografar propriamente e à manipulação das imagens no programa Photoshop seguidos da diagramação do calendário (frisa-se que todas as etapas ficam a cargo dos alunos apenas, ou seja, não há participação de nenhum profissional neste percurso e, para cada etapa, são selecionados líderes que regulem os trabalhos e os prazos).

Todo o making-of foi registrado em vídeo e, depois da seleção da trilha sonora, resultou no audiovisual intitulado Calendário Cultural que pode ser assistido no Youtube (http://www.youtube.com/watch?v=wuJsjgjfbsY).

Entretanto, apesar da riqueza desta videoarte, muitos detalhes da imagem fotográfica no vídeo passam despercebidos. É o caso de Peter Pan, cuja imagem se repete metalinguisticamente na capa do livro segurado pela professora e que, aqui, reproduzimos em detalhe:

(ANEXO 3)

(ANEXO 4)

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Interessante é o fato de Peter Pan reunir todos os personagens dos contos, já que nós achamos que era a história que melhor traduzia o momento de transição que vivíamos, pois nos encontrávamos no Terceirão e às portas da separação.

Outra questão importante para ser apontada aqui diz respeito ao papel de destaque/comando das meninas nas fotos, coisa que não foi pensada a priori, mas que está ligada à evolução dos valores históricos que vivemos. Como exemplos claros disso, podemos citar Cinderela (a qual sugere que o controle da história está nas mãos das mulheres quando ela entrega o sapato ao príncipe), Branca de Neve (o papel central das protagonistas rodeadas pelos anões) e Rapunzel (que prende/segura o príncipe em suas tranças). É bastante evidente em quase todas as fotos o papel coadjuvante dos meninos!

(ANEXO 5)

(ANEXO 6)

Enfim, o que buscamos evidenciar nesse trabalho pode ser exemplificado em A Bela e a Fera, no qual o espelho figura como divisor das várias faces que uma história contém e de como isso pode chocar o leitor ingênuo.

(ANEXO 7)

Finalizada a produção do Calendário Cultural, o resultado agradou tanto que, empolgados, decidimos atravessar os muros do colégio levando-o a toda a população da cidade com uma publicação não artesanal como havia sido da primeira vez. Assim, uma comissão de alunos foi selecionada para fazer a tomada de preços, buscar patrocínios junto aos comerciantes da cidade e negociar com a gráfica. Em alguns desses momentos, o professor esteve presente principalmente para passar a segurança necessária aos alunos que tiveram de lidar com assuntos financeiros. Ao final, conseguimos o patrocínio para a publicação de 1.000 exemplares que foram distribuídos entre o colégio, os alunos e os patrocinadores, além das escolas, centros educativos e todo o comércio da cidade no intuito de incentivar à leitura literária por meio do trabalho imagético.

Considerações Finais

Enfim, as experiências apresentadas são frutos do estudo profundo das relações entre palavra e imagem, além de um trabalho rigoroso por parte dos alunos, sempre animados a aprender-ensinar brincando. E, de certa forma, elas demonstram que diante da visualidade imperativa da atualidade o ensino não pode se restringir ao texto verbal escrito: a imagem visual precisa ser uma aliada à imagem escrita e não sua concorrente no processo educativo.

Afinal, ensinar leitura é, sobretudo, ensinar a "ouver" um conjunto de intricados procedimentos construtivos que se esconde sobre a superfície do texto literário e/ou visual e que nos causa uma série de reações sensíveis, intelectivas e psicológicas. O autor constrói um território que precisa ser desterritorializado pelos leitores/alunos e novamente reterritorializado, fazendo com que os limites e fronteiras na arte sejam continuamente demarcados e dissolvidos a cada leitura.

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Enfim, essa experiência mostra que todos podem ser leitores e produtores de significados; fotógrafos e fotografados; aprendizes e mediadores de leitura; criadores e criaturas de suas próprias ficções. Além de representar, é claro, uma oportunidade única para experimentar o olhar do aluno sobre o objeto literário: ver com os olhos daquele a quem se ensina.

Além disso, ao trabalhar a imagem, o recorte, a construção do sentido, a transposição de suportes, o aluno sai da posição de leitor passivo para tornar ativo o ato de ler. Estar ora atrás, ora na frente das câmeras faz com que os alunos se conscientizem de que a realidade da imagem e da palavra é construída mediante uma série de procedimentos semelhantes que, uma vez apreendidos, desnudam as ideologias autorais.

Projetos que envolvam a transcriação dão ao aluno a oportunidade de manipular o princípio fundador da arte diminuindo fronteiras entre leitor e autor e atuando na formação do aluno leitor crítico diante do mundo contemporâneo. Colocando-o frente a situações de aprendizagem nas quais ele necessita manipular, moldar, selecionar e transfigurar palavras e imagens, o aluno passa a ser também autor-criador de novas e possíveis realidades.

Prova disso é que tanto comunicação quanto este artigo têm como autores o professor que desenvolveu o projeto e um dos alunos que participou ativamente das atividades, ambos pensando aqui suas relevâncias teóricas e aplicativas e materializando, assim, o objetivo principal dessa proposta: a formação do aluno-autor, leitor competente e consciente, ou seja, ser ativo no processo de construção do conhecimento.

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