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Compartilhar Imprimir Enviar por e-mail Diminuir / Aumentar a letra NOTÍCIAS » Notícias Segunda, 17 de fevereiro de 2014 Entre teologia da mulher e ideologia de gênero. Artigo de Rita Torti Dependendo do que se pensa sobre o masculino e o feminino , mudam o quadro e a qualidade da futura autoridade das mulheres na Igreja . A análise é da historiadora italiana Rita Torti , especialista em estudos de gênero. É autora de Mamma, perché Dio è maschio? [Mamãe, por que Deus é homem?] (Ed. Effatà, 2013). O artigo foi publicado no sítio Viandanti, 06-02-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto. Eis o texto. Na onda das palavras do Papa Francisco, que o mencionou em várias ocasiões, seja informais, seja oficiais, voltou à tona o tema das mulheres na Igreja , e nos últimos meses pudemos ler diversos artigos de comentário, de relançamento, de algum modo de resposta às solicitações do pontífice [1]. É preciso ampliar os espaços, diz Francisco , "para uma presença feminina mais incisiva na Igreja". Vozes de diversos posicionamentos eclesiais concordam; ou, melhor, aumentam a dose trazendo exemplos marcantes e lembrando como essa marginalidade ou ausência total, que se encontra principalmente nos lugares em que se tomam as decisões, é injustificável e têm efeitos negativos sobre a "solidez" da capacidade de evangelização e de testemunho da Igreja no mundo. Convergindo nisso, como se segue em frente? E partindo de quais pressupostos? Porque é evidente que, dependendo do se

Entre Teologia Da Mulher e Ideologia de Gênero

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Entre Teologia Da Mulher e Ideologia de Gênero

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Compartilhar Imprimir Enviar por e-mail Diminuir / Aumentar a letra Notcias Notcias Segunda, 17 de fevereiro de 2014 Entre teologia da mulher e ideologia de gnero. Artigo de Rita Torti Dependendo do que se pensa sobre o masculino e o feminino, mudam o quadro e a qualidade da futura autoridade das mulheres na Igreja.A anlise da historiadora italiana Rita Torti, especialista em estudos de gnero. autora de Mamma, perch Dio maschio? [Mame, por que Deus homem?] (Ed. Effat, 2013). O artigo foi publicado no stio Viandanti, 06-02-2014. A traduo de Moiss Sbardelotto.Eis o texto.Na onda das palavras do Papa Francisco, que o mencionou em vrias ocasies, seja informais, seja oficiais, voltou tona o tema das mulheres na Igreja, e nos ltimos meses pudemos ler diversos artigos de comentrio, de relanamento, de algum modo de resposta s solicitaes do pontfice [1]. preciso ampliar os espaos, diz Francisco, "para uma presena feminina mais incisiva na Igreja". Vozes de diversos posicionamentos eclesiais concordam; ou, melhor, aumentam a dose trazendo exemplos marcantes e lembrando como essa marginalidade ou ausncia total, que se encontra principalmente nos lugares em que se tomam as decises, injustificvel e tm efeitos negativos sobre a "solidez" da capacidade de evangelizao e de testemunho da Igreja no mundo.Convergindo nisso, como se segue em frente? E partindo de quais pressupostos? Porque evidente que, dependendo do se pensa sobre o masculino e o feminino, mudam o quadro e a qualidade da futura autoridade das mulheres na Igreja.Falar da mulher ou ouvir as mulheres?Francisco deseja uma "teologia da mulher", e a resposta chega pronta ou, melhor, chegam duas. Evitemos dizem diversas interessadas diretas uma teologia "especial", da qual j tivemos experincia e que, muitas vezes com o apoio de uma mariologia modelada sobre projees masculinas acerca do feminino, se resolve em uma modelizao a-histrica e "guetizante" que achata a nossa existncia sobre papis e funes, e no respeita a sua multiformidade (a esse propsito, acrescentamos, pode-se lembrar a batalha das auditoras no Vaticano II, sempre firmemente contrrias a toda tentativa de indicar "especficos" femininos, talvez envoltos por elogios exagerados).Ao contrrio a segunda linha de resposta tentemos (tentem) levar a srio a teologia feita pelas mulheres, produzida por estudiosas de todas as partes do mundo, h dcadas j; aquela que trabalhou com novos paradigmas em dilogo com o desenvolvimento das epistemologias de outros campos do saber e revelou enganos, abriu perspectivas, percorreu caminhos a partir de si mesma pelo bem de todas e de todos.Mas justamente essa teologia das mulheres feminista no sentido mais nobre do termo que ignorada pela cultura "oficial" das faculdades teolgicas, no convidada aos congressos, no estudada nos seminrios e muito menos passa na pregao e na catequese.O papa teme a perda da feminilidade na adequao a modelos masculinos? Na realidade, notam algumas, esse no um futuro a ser temido, mas sim um presente a ser desmantelado: justamente aquele que, deixando na sombra o patrimnio de experincias, atividades, prticas e elaboraes de pensamento das mulheres crists, fora todos e todas a seguir um nico caminho, apresentado como eterno, neutro e universal, mas que na realidade no o .O masculino invisvelO verdadeiro ponto crtico, provavelmente , portanto, justamente o do sujeito masculino. Como em um caso exemplar das realidades trazidas tona por aqueles men's studies que a cultura catlica geralmente demonstra no conhecer, trata-se de um assunto que permanece invisvel por ser onipresente. Portanto, no tratado, nem discutido.Francisco diz que as mulheres tm pouco espao, sofre quando v que, na Igreja, o servio que de homens e mulheres , no caso das mulheres, "desliza para um papel de servido". Mas no se diz de quem provm, a quem devem ser atribudas a marginalizao e o no reconhecimento da igual dignidade e autoridade.Nunca se disse que foram e so os homens da Igreja, em primeiro lugar os ordenados, que fizeram essas escolhas e quiseram essa hierarquia entre pessoas batizadas com base no sexo. Certamente, pode ser difcil aceitar o fato de percorrer novamente a construo do prprio gnero, especialmente quando ele mostra aspectos to desagradveis; mas evidente que nenhum problema nas relaes pode ser curado, nenhum mal pequeno ou grande pode ser desfeito, se no se vai ver o quem, o como, o quando, o porqu.As antropologias assimtricasSe essa pesquisa sobre o masculino tambm o masculino cristo no nosso caso catlico no posta em ao, corre-se o risco de continuar retratando as mulheres como pobres vtimas de um destino impessoal, e se perpetua o mecanismo pelo qual quem obtm reconhecimento e poder sub-reptcio so somente as mulheres que se adaptam ao pensamento masculino e produzem uma cpia dele.Ao invs, o que realmente preciso tentar entender como chegamos a construir e alimentar antropologias assimtricas, excluses teolgicas, subservincias prticas, mesmo tendo o exemplo de um Mestre-Messias que no fazia distines, e tambm apesar do testemunho das comunidades das origens, em que se labutava pelo Evangelho sem encastelamentos em papis de gnero, e as mulheres eram to "normalmente" importantes que seus nomes foram transmitidos at ns.Na falta de uma interrogao desse nvel, de pouco vale evocar a maior importncia da me de Jesus com relao aos apstolos: seja porque o patriarcado cultivou, ao mesmo tempo, sem aparentes sobressaltos de conscincia e suspeitas de contradio, o amor e a devoo a Maria, de um lado, e as prticas discriminatrias e violentas contra as mulheres, de outro; seja porque muitas vezes as mulheres no se identificam com Maria, ao menos no no sentido que a antropologia teolgica retomada por Francisco (e pensada por homens) leva a entender.Alguns esquecimentosA conscincia da historicidade e da contextualidade cultural dos modos de ser e de se pensar homens e mulheres, e das relaes entre os sexos, porm, um bem raro nos setores mais oficiais da Igreja. Enquanto as famlias sofrem sem saber, ou combatendo com pouco poder, uma avalanche de mensagens sociais nada equilibradas, paritrias e dignas com relao ao masculino e ao feminino; enquanto as mulheres jovens se deparam com modelos de famlia (e muitas vezes expectativas masculinas) que nada tm a ver com os seus desejos, com as suas competncias e com o desejo de aproveit-las, e alguns homens jovens aspiram a uma masculinidade no ligada ao poder, para a qual no tm modelos; enquanto persiste a chantagem "se voc tiver um filho, voc perde o seu emprego"; e enquanto os dados sobre a violncia masculina contra as mulheres "por serem mulheres" so um boletim de guerra... Enquanto acontece isso e muito mais, diversos documentos e as realidades mais credenciadas como "catlicas" parecem desejar, ao invs, que as mulheres "possam no trabalhar" para cuidar da famlia e anseiam pelo "retorno do pai", no para que compartilhe realmente os cuidados da casa, da prole e dos idosos, mas para que traga normatividade, senso do sacrifcio, capacidade de futuro e de transcendncia em um mundo retratado como feminilizado e, como tal, decado e destinado imploso.Consideram com suficincia e esquecimento histrico as abominveis "reivindicaes" das mulheres; se falam da violncia de gnero, fazem-no sem pr em causa os autores e colocando rigorosamente na sombra a realidade da violncia domstica.O "gnero" faz bem IgrejaE, acima de tudo, declaram guerra ao que parece ser o novo inimigo nmero um: a chamada "ideologia de gnero", no raramente divulgada com aproximao e algumas evidentes e talvez nada inocentes ingenuidades. O modo pelo qual conduzida essa batalha, com a martelante e inarticulada referncia "natureza", corre o risco de obscurecer o fato de que como se aprende facilmente com a histria a diferena dos sexos , sim, imprescindvel e original, mas no determina a priori caractersticas psicolgicas, espirituais e de carter; e que papis e funes so originados a partir de interpretaes socioculturais do dado fsico, que tm laos estreitos com o mbito do poder e a dimenso religiosa.Trata-se de um "esquecimento" que ameaa voltar-se justamente contra os desejos de renovao de Francisco nesse mbito: porque, para nos libertar dos desequilbrios que ele, com outras e outros, denuncia, necessria uma reformulao do sentido do masculino e do feminino, so necessrios homens e mulheres diferentes do passado: preciso, em uma palavra, que amadurea uma nova construo de gnero.Se aquilo que vivemos at agora fosse "natureza", seria realmente intil e estpido perder tempo sonhando com uma Igreja diferente.Nota:1. Vale a pena l-los diretamente para captar assonncias e dissonncias, e sobretudo para ter uma ideia de pluralidade dos nveis envolvidos por esse assunto ao menos as intervenes de: Nicoletta Dentico, As mulheres na Igreja, de Martini ao Papa Francisco (Rocca, 15-10-2013); Lilia Sebastiani, Due papi e la donna (Rocca 01-11-2013); Mariapia Veladiano, Le donne di Papa Francesco (La Repubblica, 04-04-2013); Katie Grimes, Anche gli uomini recitano il rosario (Adista, 28-09-2013); Ivone Gebara, Papa Francesco e la teologia delle donne: alcune preoccupazioni (Teologhe.org, 4-08-2013); Cristiana Dobner, Ma noi donne annunziamo Ges Cristo Risorto (Agncia Sir, 31-07-2013); Stefania Falasca, Con Francesco le donne muoveranno la Chiesa (Avvenire, 07-12-2013); Paola Bignardi, Limpronta materna (Avvenire, 14-10-2013); Lucetta Scaraffia, A reviravolta da mulher cardeal (Il Messaggero, 24-09-2013); Pierangelo Sequeri, La sapienza delle donne (Avvenire, 31-07-2013); e, com outro tom e talvez nfases mais problemticas: Pierangelo Sequeri, Snodo epocale (L'Osservatore Romano, caderno Donne Chiesa Mondo, janeiro de 2014, n. 19).