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 Outubro/2013 Entrevista Os caminhos da ciência da língua  José Luiz Fior in homenageia o lin guista Ferdinand Saussure no centenário do pai da linguística moderna  Por Luiz Costa Pereira Junior 2 É um autor incansável, de estilo direto tanto quanto erudito, que criou obras obrigatórias. Aos 66 anos, José Luiz Fiorin é um dos nomes máximos dos estudos de linguagem no rasil. !as, quando a vida era "esita#$o e temor do %uturo, lá, bem no in&cio da vida adulta, ele queria mesmo era ser advogado. Fiorin %oi um adolescente do interior 'irigui, ()*, +aci%icado +ela ideia de %azer o curso de direito na ca+ital. )or circunstncias da vida, ele se viu obrigado a adiar o +ro-eto. im+rovisou. )ara n$o +erder o ritmo, %ez o curso de letras na vizin"a )ená+olis, a /0 quil1metros dali. 2a 3s aulas sem ex+ectativas, contando as "oras +ara ingressar em direito. Até o dia em que, ao sair de uma aula de José Fulanetti de 4adai, se viu em c"oque. Fora %isgado +elo universo da linguagem. 5Até aquele momento, nunca me +assara +ela cabe#a ser +ro%essor.5 onstruiu carreira de +ensador a+licado, elegante e rigoroso. conquistou o res+eito e a liberdade que mestres convictos de sua %un#$o tendem a ins+irar em seu ramo. olunista de L&ngua, é +ro%essor associado do de+artamento de lingu&stica da 7(), com +ós8doutorado na École des 9autes Études en (ciences (ociales ')aris, :;</8<=* e na 7niversidade de ucareste ':;;:8;>*. Foi membro do consel"o deliberativo do 4)q ' >0008>00=* e re+resentante da área de letras e lingu&stica na a+es ':;;?8:;;;*. s+ecialista em análise de discurso, +ragmática e semiótica %rancesa, natural que, no centenário do +ai da lingu&stica moderna, Fiorin deixasse sua "omenagem. )ois acaba de organizar, +ara a editora ontexto, (aussure, a 2nven#$o da Lingu&stica, ao lado de @aldir do  4ascimento Flores e Leci orge s arbisan.

Entrevista Com Fiorin Sobre Saussure

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Outubro/2013

Entrevista

Os caminhos da ciência da língua

 José Luiz Fiorin homenageia o linguista Ferdinand Saussure no centenário do pai da

linguística moderna

 Por Luiz Costa Pereira Junior 

2

É um autor incansável, de estilo direto tanto

quanto erudito, que criou obras obrigatórias.

Aos 66 anos, José Luiz Fiorin é um dosnomes máximos dos estudos de linguagem no

rasil. !as, quando a vida era "esita#$o e

temor do %uturo, lá, bem no in&cio da vida

adulta, ele queria mesmo era ser advogado.

Fiorin %oi um adolescente do interior 'irigui,

()*, +aci%icado +ela ideia de %azer o curso de

direito na ca+ital. )or circunstncias da vida,

ele se viu obrigado a adiar o +ro-eto.

im+rovisou. )ara n$o +erder o ritmo, %ez o

curso de letras na vizin"a )ená+olis, a /0

quil1metros dali.

2a 3s aulas sem ex+ectativas, contando as "oras +ara ingressar em direito. Até o dia em que,

ao sair de uma aula de José Fulanetti de 4adai, se viu em c"oque. Fora %isgado +elo universo

da linguagem. 5Até aquele momento, nunca me +assara +ela cabe#a ser +ro%essor.5

onstruiu carreira de +ensador a+licado, elegante e rigoroso. conquistou o res+eito e a

liberdade que mestres convictos de sua %un#$o tendem a ins+irar em seu ramo. olunista de

L&ngua, é +ro%essor associado do de+artamento de lingu&stica da 7(), com +ós8doutorado na

École des 9autes Études en (ciences (ociales ')aris, :;</8<=* e na 7niversidade de

ucareste ':;;:8;>*. Foi membro do consel"o deliberativo do 4)q '>0008>00=* e

re+resentante da área de letras e lingu&stica na a+es ':;;?8:;;;*.

s+ecialista em análise de discurso, +ragmática e semiótica %rancesa, natural que, no

centenário do +ai da lingu&stica moderna, Fiorin deixasse sua "omenagem. )ois acaba de

organizar, +ara a editora ontexto, (aussure, a 2nven#$o da Lingu&stica, ao lado de @aldir do

 4ascimento Flores e Leci orges arbisan.

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)ro-etos como esse o tomam como a um mergul"o, +ois Fiorin gosta de escrever, de %azer

cincia e ainda vibra +elo mais remoto +ro-eto na +ranc"eta. 7m dia, +romete a si mesmo, "á

de escrever sobre os mitos de origem da linguagem de culturas di%erentes. 7m dia, %ará livro

sobre esquemas argumentativos. nquanto isso, busca seduzir as +essoas +ara o encantado

reino da linguagem, aquele que trans%ormou sua vida quarenta anos antes.

Saussure não foi o primeiro a cunhar o termo e o conceito de signo !or "ue sua teoria

fe# tanta diferen$a%

Be %ato, a quest$o do signo vem desde os gregos. !as o que é novo em (aussure, antes de

tudo, é a no#$o de valor, quando ele diz que um signo tem seu valor dado +ela rela#$o com

outros. (igni%ica que o valor n$o é o signi%icado +ositivo do signo, mas é dado negativamente

 +ela rela#$o de um signo com outros. 2sso introduz o conceito de sistema na lingu&stica, o que

era novo na é+oca. vai +ermitir uma cincia coerente, n$o atomizada, como eram os

estudos de gramática de ent$o. 2sso, +or outro lado, terá consequncias. C que (aussure querres+onder é 5como é que um %alante comum %alaD5. Fala +orque tem um sistema

internalizado, res+onde ele. 2sso leva a estudar n$o só a l&ngua em sua evolu#$o, mas o

sistema da l&ngua num dado momento.

Em "ue Saussure deveria ser superado%

A vis$o sistmica que %undou a lingu&stica moderna n$o %oi su+erada. 7m clássico é o que

gan"a inter+reta#Ees. (aussure é assim. le é acusado de n$o levar em conta a dimens$o

"istórica da l&ngua. uando diz que um signo une um nome a uma coisa, sim+lesmente

a%irma que a ordem da l&ngua é di%erente da ordem do mundo, que é uma constru#$o "umana.le n$o esvazia a dimens$o "istórica da l&ngua, mas se mostra interessado em ex+lica#Ees

 buscadas dentro do idioma. É claro que se +ode dar outras ex+lica#Ees, econ1micas, sociais,

"istóricas, mas n$o é esse o seu interesse. le +ensa a l&ngua considerada em si e +or si

mesma. ra um +onto de vista com que se +oderia res+onder a quest$o de como o %alante

 +roduz mensagens. Cutro seria o da evolu#$o dos %en1menos lingu&sticos.

&' um limite de a$ão para a ciência de Saussure%

Alguns dizem que dever&amos abandonar a ideia de sistema e trabal"ar com a l&ngua como

um con-unto de +ráticas sociais. Godas essas +osi#Ees rendem %rutos +ara a cincia. 4$oacredito que nas cincias "umanas "a-a obsolescncia do con"ecimento. 4um dado momento,

 +osso retomar uma no#$o que +arecia su+erada. C século :< tin"a uma conce+#$o de que

"avia estruturas lingu&sticas universais. C século :; abandona essa no#$o +ara mostrar a

existncia de %am&lias de l&nguas.

Ac"ou8se que o universalismo estava su+erado, mas "omsHI retoma a ideia de outra %orma.

A cincia n$o +ode ter verdades absolutas. (ó a religi$o. A cincia estabelece modelos,

a+roxima#Ees da realidade. C que a lingu&stica do sistema res+onde, res+onde bem. !odelos

n$o s$o 5errados5 ou 5certos5, +ois n$o res+ondem outras +erguntas que n$o as +ró+rias.

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(ivemos uma mudan$a na forma de fa#er ciência%

(im. Gemos novas +erguntas que exigem novas res+ostas. A lingu&stica ao longo da "istória

criou di%erentes ob-etos teóricos. (eu ob-eto em+&rico é a linguagem. !as ela +recisa

delimitar uma regi$o na qual vai se movimentar, um ob-eto observacional +ara estabelecer

uma teoria.

"omsHI, +or exem+lo, busca os +rinc&+ios universais da linguagem "umana e encontra sua

 base na biologia. (aussure, quando +ensa a l&ngua como constru#$o "umana, está interessado

no sistema +ró+rio de cada idioma, o que o a+roxima da antro+ologia. A quest$o das +ráticas

lingu&sticas n$o está contem+lada +ela lingu&stica da com+etncia, de "omsHI, nem +ela do

sistema, no sentido que l"e deu o estruturalismo mais radical. (aussure se +ergunta como

%alamos.

Agora, é algo a se +erguntar se %alar bem de+ende de uma +rática da l&ngua materna. (eria%ácil trabal"ar com tal ideia em +a&ses com uma só l&ngua. 2sso é raro e mesmo o rasil n$o

tem uma só l&ngua. m +a&ses a%ricanos e &ndicos, é normal a+render trs, quatro idiomas,

cada um usado em +ráticas sociais, momentos e locais distintos, +elo mesmo %alante. 4essa

"ora, +recisamos de uma re%lex$o mais a+ro%undada das questEes relativas 3s +ráticas sociais.

)onsidera um e"uívoco a ideia de uma língua corresponder a uma na$ão%

A ideia de que a uma na#$o corres+ondia uma dada l&ngua surge no +er&odo da constitui#$o

dos estados nacionais e da consequente cria#$o de identidades nacionais. A l&ngua era um dos

elementos constitutivos da nacionalidade. Biz8se que a globaliza#$o +ro+Ee novas questEes.om a 7ni$o uro+eia e os estados transnacionais, acreditou8se que se su+eraria a ideia de

 +a&ses e l&nguas +uras. !as o estado8na#$o e as questEes que ele coloca n$o %oram su+erados.

A +ersistncia dos nacionalismos é %orte. 4$o "á identidade euro+eia e ressurge um

nacionalismo que se ac"ava morto, além do rea+arecimento de %ascismos na uro+a.

9á +esquisadores que +ensam a l&ngua enraizada em +ráticas e n$o uma coisa com vida

 +ró+ria %ora e acima dos %alantes.

A lingu&stica sem+re se +ensou como uma cincia social. 4o entanto, "o-e "á re%lexEes maisalentadas sobre a quest$o do contato com suas a+ro+ria#Ees, "eterogeneidades, misturas, que

de+endem das +ráticas sociais. A l&ngua é um %azer regulado tanto +elo contexto social como

 +or um sistema sub-acente. !as, a+esar de +ráticas muito diversas, temos comunidade

lingu&stica. (aussure vai dizer que a l&ngua é a soma de con"ecimentos internalizados +or

todos os %alantes de uma dada comunidade. 9á +ontos de contato de con"ecimento lingu&stico

em sociedades mesmo muito desiguais. É ignorar a realidade dizer que n$o temos

comunidade lingu&stica no rasil.

O *rasil criou solu$+es "ue não h' em outros idiomas%Gemos uma +rática lingu&stica derivada da %orte "ierarquiza#$o social, que é di%erente das

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 +ráticas do +ortugus euro+eu. 4$o sei se isso é uma solu#$o. C drible caracter&stico do

%utebol brasileiro deriva da é+oca da incor+ora#$o do negro ao es+orte, quando n$o +odia

"aver o contato, o toque com -ogadores brancos. 4a nossa +rática lingu&stica, temos uma

série de %ormula#Ees que s$o derivadas de uma "ierarquiza#$o social.

!or "ue a dificuldade para a pes"uisa de ponta chegar ao ensino m,dio e b'sico%

A quest$o come#a no que se c"ama o+ini$o +blica. )or exem+lo, no debate sobre o que se

deve ensinar. 4en"um linguista disse que n$o é +reciso a+render a norma culta. 4em "á

linguista que negue que todas as sociedades "umanas estabelecem normas adequadas +ara as

di%erentes es%eras de comunica#$o. !as a lingu&stica n$o transmite de modo adequado o que

é a lingu&stica. 2sso demanda um %orte trabal"o de divulga#$o. C curioso é que +or muito

tem+o a divulga#$o %oi malvista na universidade. Kramsci dizia que intelectuais tin"am n$o

só res+onsabilidade de +ensar as questEes, mas divulgar o saber. !as, %ora da universidade,

com o ensino é di%erente.

Em "ue sentido%

Cs +ro%essores tm uma conce+#$o bem adequada sobre as questEes. C que %alta é material

didático +ara o+erar. É uto+ia ac"ar que o +ro%essor que dá aula o dia todo +roduza o +ró+rio

material. nsinar a escrever é com+licado, +ois é +reciso +riorizar as questEes discursivas e

textuais, como coerncia, coes$o. Longe de de%ender aqui os erros de gra%ia, mas a ortogra%ia

é a +arte menos im+ortante e signi%icativa de um texto. 2ndica baixa %requncia de escrita e

leitura, o que n$o é +ouco. em mais com+lexo é %azer um texto articulado sintaticamente. É

coisa sobre a qual a escola deveria se debru#ar. !as isso é muito di%&cil.

-ual o e"uívoco a evitar ao se ensinar português%

 4$o %azer o aluno +erceber que aquela l&ngua de que trata a escola tem a ver com a que ele

usa no dia a dia. 7m +ro%essor +recisa encantar os alunos +ara o mistério, a beleza, a e+i%ania

da linguagem.

uando %az isso, quando o ensino n$o está se+arado da l&ngua do dia a dia, o +ro%essor está

ensinando o aluno a am+liar suas +ráticas lingu&sticas. Até quando se ensina um sim+les caso

de concordncia é +reciso am+liar a +rática social.

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