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Entrevista com Lúcia Murat, Berlin, 29/03/2014 Por ocasião dos Nunca Mais Brasilientage 2014, a cineasta brasileira participou do dia 25/03 a 05/04/2014 em palestras e exibições de filmes dela nas cidades de Frankfurt, Berlin e Köln. Nascido no ano de 1948 ela faz parte da geração da resistência contra a ditadura militar. As experiência da tortura houve um impacto forte na sua obra extenso de filmes que ganharam prêmios numerosos. Anke Spiess, jornalista de tv e radio e Lutz Taufer da diretoria do Weltfriedensdienst conversaram com ela. Anke: No inicio gostaríamos saber algo sobre a sua biografia Lúcia: Nascí em 48. Minha familia é de classe média, meu pai era médico, minha mãe professora. A familia do meu pai era de origem imigrante do Sul do Brasil e a minha mãe era de familia bastante tradicional do Rio. Meu pai era uma pessoa liberal, contra a ditadura; em 64, no golpe, eu me lembro, porque a gente era uma alta classe média, moravamos em Copacabana num edifício bom e eu me lembro que todo edifício tinha bandeirinhas, menos no meu apartamento; era uma coisa que a classe média realmente apoiou muito o golpe, muito muito; com exeção daquelas pessoas que tinham uma tradiçao. Anke: Como se aproximou da esquerda? Lutz: Meu pai veio do Sul com Getúlio em 30, ele sempre votou em Getúlio, Prestes, Brizola. Ele nunca foi comunista, mas tinha vários amigos comunistas, foi todo mundo preso em 64, então, eu sempre tive, obviamente, desde crianca, uma formação liberal no sentido de ser contra o golpe militar, com certeza. Além disso eu tive uma formação cultural, eu lia muito Simone de Beauvoir, Sartre e tudo isto era muito importante; tinha também uma formação feminista muito forte, um pouco pela minha mãe que tinha um feminisimo meio histérico, sem uma sustentação teórica, mas que tinha muito discurso de que a mulher tinha que sustentar e tal. Nessa mistura de coisas, quando eu entrei na universidade em 67; no inicio meus amigos eram os do bairro e eles tinham uma tendência mais à direita pela situação social; mas, na medida que entrei na universidade e que se começa a ter movimento estudantil, passeatas e começa a ter repressões muito fortes; não, isto foi em 67, em 64 eu era muito jovem, eu tinha 13, 14 anos. Assisti 64 como jovem. Lutz: Entao, você já era um pouco politizada? Lúcia: Sim, contra os militares, com certeza, isto era pacífico. Meu pai era uma pessoa aberta; liberal; tinha varios amigos comunistas, vários foram presos, os melhores amigos do meu pai faziam parte de um grupo que meio como o primeiro grupo discutia saúde pública no Brasil; estou vendo agora, meu irmão, quando fez a tese de mestrado, ele dedicou-a a esse grupo de amigos que a gente chamava de Pachê da Medicina. Eles tinham visão social. Mas eu era muito jovem; meus amigos, quando entrei na faculdade, mais pela sua situaçao social, eram pessoas mais da direita, mas rapidamente me juntei com o pessoal da esquerda porque a violência da ditadura era muito forte; as pessoas saiam para as manifestações e

Entrevista com Lúcia Murat, Berlin, 29/03/2014ºcia-Murat-Endf… · Por ocasião dos Nunca Mais Brasilientage 2014, a cineasta brasileira participou do dia 25/03 a 05/04/2014 em

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Entrevista com Lúcia Murat, Berlin, 29/03/2014

Por ocasião dos Nunca Mais Brasilientage 2014, a cineasta brasileira participou do dia 25/03

a 05/04/2014 em palestras e exibições de filmes dela nas cidades de Frankfurt, Berlin e Köln.

Nascido no ano de 1948 ela faz parte da geração da resistência contra a ditadura militar. As

experiência da tortura houve um impacto forte na sua obra extenso de filmes que ganharam

prêmios numerosos. Anke Spiess, jornalista de tv e radio e Lutz Taufer da diretoria do

Weltfriedensdienst conversaram com ela.

Anke: No inicio gostaríamos saber algo sobre a sua biografia

Lúcia: Nascí em 48. Minha familia é de classe média, meu pai era médico, minha mãe

professora. A familia do meu pai era de origem imigrante do Sul do Brasil e a minha mãe era

de familia bastante tradicional do Rio. Meu pai era uma pessoa liberal, contra a ditadura;

em 64, no golpe, eu me lembro, porque a gente era uma alta classe média, moravamos em

Copacabana num edifício bom e eu me lembro que todo edifício tinha bandeirinhas, menos

no meu apartamento; era uma coisa que a classe média realmente apoiou muito o golpe,

muito muito; com exeção daquelas pessoas que tinham uma tradiçao.

Anke: Como se aproximou da esquerda?

Lutz: Meu pai veio do Sul com Getúlio em 30, ele sempre votou em Getúlio, Prestes, Brizola.

Ele nunca foi comunista, mas tinha vários amigos comunistas, foi todo mundo preso em 64,

então, eu sempre tive, obviamente, desde crianca, uma formação liberal no sentido de ser

contra o golpe militar, com certeza. Além disso eu tive uma formação cultural, eu lia muito

Simone de Beauvoir, Sartre e tudo isto era muito importante; tinha também uma formação

feminista muito forte, um pouco pela minha mãe que tinha um feminisimo meio histérico,

sem uma sustentação teórica, mas que tinha muito discurso de que a mulher tinha que

sustentar e tal. Nessa mistura de coisas, quando eu entrei na universidade em 67; no inicio

meus amigos eram os do bairro e eles tinham uma tendência mais à direita pela situação

social; mas, na medida que entrei na universidade e que se começa a ter movimento

estudantil, passeatas e começa a ter repressões muito fortes; não, isto foi em 67, em 64 eu

era muito jovem, eu tinha 13, 14 anos. Assisti 64 como jovem.

Lutz: Entao, você já era um pouco politizada?

Lúcia: Sim, contra os militares, com certeza, isto era pacífico. Meu pai era uma pessoa

aberta; liberal; tinha varios amigos comunistas, vários foram presos, os melhores amigos do

meu pai faziam parte de um grupo que meio como o primeiro grupo discutia saúde pública

no Brasil; estou vendo agora, meu irmão, quando fez a tese de mestrado, ele dedicou-a a

esse grupo de amigos que a gente chamava de Pachê da Medicina. Eles tinham visão social.

Mas eu era muito jovem; meus amigos, quando entrei na faculdade, mais pela sua situaçao

social, eram pessoas mais da direita, mas rapidamente me juntei com o pessoal da esquerda

porque a violência da ditadura era muito forte; as pessoas saiam para as manifestações e

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voltavam, tinham apanhado, então, é evidente que qualquer pessoa com um mínimo de

formaçao humanista se vincula e ai vai ficar num crescendo.

Já em 68 eu foi eleita vice-presidente do diretório da faculade de economia e aí já estava

ligada à organização clandestina que era uma dissidencia do partido comunista e mais tarde

virou o MR 8.

Eu nunca pertenci ao partido comunista; eu acho que sempre tinha um discurso anti-

stalinista muito forte, um pouco pelo discurso do liberalismo, sempre foi dissidente, já entrei

na dissdência, nunca tive nenhuma ligação com o partido. O grande racha da dissidência em

relaçao ao partido comunista não foi nem a questão internacional, eu me lembro que dentro

da dissidência tinha stalinistas, trotzkistas, tinha de tudo; o que definia a gente era a

situação brasileira; o grande racha entre o partido comunista - todos que sairam, inclusive

Mariguela - foi a questão da luta armada. A grande crítica que se fazia ao partido era o fato

de nao ter se prepardo e não ter resisitido ao golpe e continuavam com o discurso de que a

resistência tinha que ser dentro da legalidade, essa foi a dissidência desde o incio, desde que

entrei na organização; eu acho que esta questão já estava colocada.

Lutz: Na Conferência da Organização Latino Americana de Solidariedade (OLAS) realizada no

ano de 1967 em Cuba, foram debatidos métodos da luta revolucionaria nos paises da

América Latina. Pouco depois, ainda em Havanna, Carlos Marighella proclamou a luta

armada contra a ditadura militar brasileira, isto foi o inicio da luta armada?

Lúcia: A gente nao era da ALN, a gente não era parte da cisão do Marighella; na verdade

houve várias cisões dentro do partido comunista, houve a do Mariguela, houve a do pessoal

de Apolonio, que criou depois a corrente e depois o PCR e houve a da gente, que foi uma

dissidência - inclusive se chamava de Dissidência Estudantil da Guanabara – só de

estudantes; era um racha, uma fração do seguimento estudantil do partido; nao tinha nada a

ver com Mariguela, nem com Apolonio. Acho que foram vários rachas que aconteceram e

que criaram organizações diferentes. É óbvio que cada uma das organizações tinha

diferenças entre si.

Lutz: Assim se formaram ainda muitos outros grupos da luta armada?

Lúcia: Foram muitos grupos, nem sei o número. Alguns nao formam necessariamente cisões

do partido comunista, como por exemplo a POLOP que já existia, de movimento contrário.

Anke: Porque você, uma moça de 18 anos, ficou fascinada naquela epoca com a luta

armada?

Lúcia: Eu acho que as coisas formam muito rápidas; a gente era jovem. Eu acho que 68

significa tambem uma mudança de comportamento muito grande; o crescimento da mulher.

A minha familia, por mais liberal que meu pai fosse, era uma familia conservadora, de classe

média, em que as mulheres casavam na igreja, virgem, de véu e grinalda. Então, 68 foi um

ano de mudança comportamental muito grande como foi no mundo inteiro. Tudo isto ajuda

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inclusive na questão internacional, por exmplo, me lembro quando a Rússia invadiu a

Tchecoslováquia, você tem essa coisa, o partido fica lá e a gente nao conseguia denunciar,

ninguem apoiou, a gente nao apoiou até pelo fato de sermos da dissidência. Isto era muito

dificil e muito delicado.

Lutz: Quando, no ano de 1956, Khrushchev revelou, no

XX Congresso do Partido Comunista da URSS, os crimes de Stalin, o partido comunista no

Brasil não queria acreditá-lo. Mandaram um emissário para Moscou. Na sua volta quando

confirmou tudo, o Marighella chorou sobre os crimes cometidos no nome do socialismo.

Lúcia: Para mim era muito importante, pela formação que tinha, o discurso antistalinista,

como de boa parte das pessoas da dissidência. A gente lia tudo do Arrães a revolução sexual,

tudo isto era um pacote e era um vacilo imenso, uma mudanca radical de vida, de

comportamento, de auto-afirmaçao também.

A gente era de uma geração que nada tinha a ver com isso; a gente vem muito

revolucionário em todos os sentidos. Os velhos, que eram Mariguela, Toledo e tal, eram

pessoas também mais conservadoras; eram pessoas que tinham sido criadas na moral dos

anos 50.

Lutz: A revolucão cubana foi o que para você?

Lúcia: A gente tinha como discurso central a questao da revolução cubana; a análise que se

fazia é que não se tinha condições de fazer no Brasil uma ressureição nos moldes da

revolução soviética. E a gente tinha como exemplo a revolução cubana Ai tinha toda uma

dicussão; era a discussão foco ou não foco, tinha umas organizações que apoiavam o foco, a

gente por exemplo não era focista; a gente achava que se tinha criar condições para ter um

foco guerrilheiro. Todo mundo tinha mais ou menos como exemplo a revolução cubana,

todo pessoal da luta armada e não se tinha nenhuma visão crítica também com relação a

Cuba. Cuba era um paraiso.

Lutz: Sim, porque ganharam...o povo não só quer lutar, mas, sim, quer ganhar.

Lúcia: Eu acho assim que todas elas, com exceção talvez da ALN, que tinha uma visão muito

mais elástica de organização, mas as outras organizações todas eram leninistas e marxistas-

leninistas. Não, maoistas não, maoistas tinham algumas, o PcdoB era maoista, Araguaia, que

é outra proposta. Para mim foi até surpreendente, não sabia que o PCdoB tinha esta

proposta.

Lutz: Uma vez, um jornalista perguntou o Che, o que fosse o mais importante de um

guerilheiro e ele repondeu: os pés. Enfim, ele falou sobre as marchas prolongadas da

guerilha rural. E agora aparece uma coisa nova, a guerilha urbana. Esse, para nós, foi o

importante no Manual da Guerilha Urbana. Até lá, quase sempre era guerilha urbana, na

China, no Vietnã, em Cuba, na Bolívia, em Angola, na Argélia era um pouco diferente, como

vocês discutiram isto?

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Lúcia: Na verdade a gente achava que a guerrilha urbana era uma fase inicial, quer dizer a

ideia era que atraves da guerrilha urbana você conseguiria apoio junto ao operariado, você

tinha o discurso da aliança operaria, camponesa. Tinha esse discurso, a guerrilha urbana era

uma transição para a guerrilha rural. Você conhece o manual do guerrilheiro do Mariguela.

A gente, na minha organização, achava a ALN muito aberta (ela era do Marighella). Ele criou

uma organização que não era marxista-leninista, era muito mais autônoma e faz o discurso

da guerrilha urbana de uma maneira muito interessante através do manual. A gente não,

eramos bem mais clássicos. Nosso grupo era muito pequeno,depois ficou muito forte,

porque fizemos o sequestro americano e fizemos algumas ações que ficaram muito

conhecidas, mas era um um grupo muito pequeno, originalmente devia ter umas 40 a 50

pessoas, meu grupo.

Lutz: Talvez você não queira responder minha pergunta: você participou em quais ações?

Lúcia: Tudo isto está aberto. Eu participei, no inicio, quando entrei na clandestinidade, foi

depois do AI 5, em dezembro. O Marighella fez algumas ações antes do AI 5, mais foram

muito poucas ações,basicamente duas ou tres, fez o Chandler e mais muito pouco.

Basicamente só foi a ALN quem fez. A luta armada realmente ganha força com o AI 5; era a

discusssão que estavamos tendo ontem. A gente nao era uma organização só contra a

ditadura, a gente queria uma revolução socialista. Mas, é obvio, o que legitimou aquilo tudo

foi a ditadura, foi o AI 5 que levou a gente para a clandestinidade - e levou tanta gente; isto

foi a grande diferenciação para a Europa, quer dizier que a gente, nossa luta, estava

legitimada na medida que tinha o poder repressor, de um lado, e de outro, emocionalmente

era muito dificil você não querer lutar contra aqueles militares, bárbaros. Tudo isto

diferencia em relação à situação europeia.

E depois, tortura, assinatos... é outra historia.

Eu digo, naquele momento, porque vai tanta gente para a guerrilha, e vai particularmente

muito estudante.

Lutz: Quantos? Você tem uma ideia?

Lúcia: A ALN diz que chegarem a ter dentro da estrutura das suas organizações quase 10 mil

pessoas; eles dizem, não sei.

A gente era pequeno; tinho um centro de 50 e tinha uma rede de apoio de umas centenas.

Então no momento do AI 5, a gente divide a minha organização em três setores: um setor de

luta armada ,cujo único objetivo naquele momento era conseguir armas e dinheiro

logistica, sim; um setor operário do qual eu fazia parte; e o setor de classe média.

O setor operário; a idéia ainda era de que para a revolução precisávamos ganhar a classe

operária que não tinha a menor idéia do que estava acontecendo.

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Então o que agente fazia nessas 3 divisões; a chamada área de classe média ficou muito

restrita pois com o AI 5 você praticamente não tinha nenhuma possibilidade de trabalho

legal, todo mundo sendo expulso das universidades mais isto essa classe era para

desenvolver aquilo.

O setor de luta armada começa a funcionar; a gente faz algumas ações para conseguir

armas, todo mundo se militariza, você aprende a usar revolver, tem um treinamento, aliás

muito precário.

E no setor operário do qual eu fazia parte, a gente fazia incursões nas fábricas.

Lutz: Não era perigoso?

Lúcia: Não, era tudo armado, teve vários tiroteios; não, mas a gente ia escondido, ia armado,

ia num carro, normalmente roubado, ia para a fábrica; aí nos intervalos, na hora de almoço,

ou de manhã antes deles entraram, a gente panfletava, todo mundo armado às vezes

resistiam, às vezes tinha tiroteio; era uma coisa da esquerda em geral, uma coisa muito

infantil; vendo hoje; a idéia era marcar um ponto com os caras e marcava-se encontro para

mais tarde ganhar aquele cara para fazer o trabalho dentro da fábrica.

Isto era uma coisa, outra eram a inserções. A gente não fazia inserções, mas outras

organizações fizeram, deslocando pessoas da classe média para desenvolver o trabalho nas

fábricas.

Lutz: Como os operários reagiram?

Lúcia: Estou falando particularmente depois do AI 5. Até o sequestro do americano a gente,

o estudante, vinha com uma força muito grande dentro da classe média e na população em

geral, porque tinha feito as manifestações e havia um sentimento antimilitar muito forte.

Então existia simpatia, a gente chegava nas fábricas e era recebido de uma forma muito

simpática, até o sequestro do americano. As coisas duraram muito pouco, porque o

sequestro foi em setembro de 69; e a partir de então foi um caos. Eu me lembro, antes que

você chegava por acaso conhecer pessoa na rua que ainda não havia entrado, te tratava

bem, depois sabendo que te visse na Russia saia correndo, com medo; porque o Claudio cai,

quer dizer a gente abre o nome de duas pessoas e começa a tortura direta ai instarou-se o

medo geral, começa a tortura. A partir de setembro foi uma situação nova.

Lutz: Como vocês lidaram com esse medo?

Lúcia: A gente era muito jovem e as pessoas eram mais ou menos corajosas, é obvio que

tinha diferenças, tinhamos que separar os quadros politicos dos quadros militares, tinha

pessoas que eram menos intelectualizadas, mas tinham maior capacidade verbal. Eu acho

que era parte daquela história.

Eu foi uma das ultimas a ser presa da minha turma; no final foi muito barra pesada; eu me

lembro que fiquei entocada tres meses na Bahia, sem poder dar descarga de privada; sabe

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que é entocada?. No final da clandestinidade você só saia por uma total culpa mesmo com

quem ja tinha sido assassinado, com quem estava no exilio, porque estava claro que ja tinha

acabado aquilo e a gente não saía, eu nao sai porque nao consegui sair de jeito nenhum.

Não, sair do Brasil. Não, o contrario, era claro que eu deverida ter saido, era claro que tinha

acabado aquilo em 71 e a gente não saia, eu nao sai, não sai por culpa, acho.

Lutz: O Toledo voltou de Cuba para o Brasil sabendo que vai morrer lá...

Lúcia: Sonja, a mulher do Stuart, ela sai do Brasil numa visao crítica da luta armada daquele

momento; quando o Stuart é assassinado daquela maneira absurda e um ano depois ela

volta ao Brasil e é assassinada. Tinha muito isso.

Eramos uma grande familia, tinhamos criado uma relação de grande companheirismo ali

dentro.

Lutz: Também entre mulheres e homens?

Lúcia: Sim

Lutz: Você falou da sua postura feminista, enfim, era uma situação emancipada?

Lúcia: Sim, sim

Anke: Também na prática?

Lúcia: A gente mandava e desmandava. A gente era muito arrogante, pensando agora.

Anke: Como foi praticamente nas relações?

Lúcia: Com os homens? A gente era muito lider sexualmente, transava com quem quisesse.

Tinha alguns uns homens obviamente extremamente conversadores, a gente ria deles,

nunca os levava em consideração. A classe média ja vinha com um discurso assim, pelo

mesmo teoricamente. Quando eu foi à Bahia eu foi comandante, era a primeira pessoa e

tinha 19 anos, 20 e ...era de mulher.

Lutz: Como desenvolveram as relações na clandestinidade?

Lúcia: Me lembro de problemas que aconteceram. Quando se entra na clandestinidade é

claro que as coisas ficam muito maduras. Todo esse momento de deliberação vai se

fechando. Porque as normas de segurança vão ficando muito fortes. Isto e horrível. Assim,

por exemplo, casal, as vezes tinha que ser separado; as normas de segurança passaram a

dominar inteiramente; nos ultimos dois anos você tinha um organização praticamente

totalmente militarizada.

Lutz: Qual foi o impacto na convivência?

Nao tinha convivência; praticamente você ficava muito isolada e aí você deixava de manter

relação sexual com qualquer pessoa, com mêdo. Na Bahia tinha uns simpatizantes, ficava na

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casa do cara mas você vai ficando toda presa, a prisao antecede a própria prisao. Então é um

período muito difícil.

Lutz: Onde você foi preso?

Lúcia: Foi preso duas vezes. A primeira eu estava naquele congresso no interior de São

Paulo, onde todo o mundo foi preso..

Lutz: Foi aquele congresso da UNE...

Lúcia: Outra vez em congresso, quando foram retirados e torturados, mas 80% das pessoas

que estiveram no congresso depois passaram pela luta armada, quase todo mundo, ou pelo

centro de apoio.

Lutz: Voce na segunda vez esteve três anos e meio presa.

Lúcia: A prisao não é o pior, o pior é a tortura. A prisão não é um peso na minha vida, o peso é a

tortura, o peso é o DOI-CODI o peso são os primeiros meses, ali é um horror.

Lutz: Voce foi solta em 74 e depois demorou quase dez anos até voce comecar as filmagens

Lúcia: Não, o meu primeiro filme eu fiz na Nicaragua em 78, menos de três anos depois.

Lutz: Antes de 85 voce não pode trabalhar com filmagens. no Brasil?

Lúcia: Tudo no Brasil é complicado, tudo no Brasil são negociações.Logo depois que eu sai da cadeia

aconteceu a morte de Herzog é quando começa a chamada abertura gradual, então começa a briga

interna deles, dos militares de direita e finalmente o Geisel ve se consegue tirar o comandante do

exerctio, porque eles mataram o Herzog e mataram o Manuel Fiel Filho, já numa situacao que tinha

um pouquinho mais de abertura. Entao a partir daí voce tem essa briga, as vezes avanca, as vezes

recua, as vezes avanca as vezes recua, nao é uma abertura permanente. Logo depois que eu sai eu

comecei areceber muitas ameacas do CCC, Comando de Caca aos Comunistas (um grupo de direita)

Eu sai, fui trabalhar no Opinião. Porque nesse periodal da abertura você tem o surgimento dos

jornais de oposição, Opinião, Movimento, e tal. Fui trabalhar no Opinião e eles aí eles começaram a

mandar cartas para o próprio Opinião, um jornal alternativo. Acho que o Kucinski também trabalhou

lá.

E aí teve uma pressão muito grande da minha família, eles queriam que eu fosse para o exterior. Eu

não quis ir, eu falei:“ Cara, esses caras mandaram na minha vida a vida inteira, eu não vou porque

eles estão mandando“. E aí eu fui morar no sul, morei no sul uns oito meses, meio na minha,

entendeu?

Lutz: O Bernardo Kucinski falou uma vez sobre o livro K. Que ele escreveu sobre os desaparecidos

políticos, sobre a irma dele,que escrever esse livro foi para ele um tipo de terapia.

Para você, „Que bom te ver viva“ foi a mesma coisa?

Lúcia: Mais ou menos. Eu fui para a Nicarágua fazer o filme, foi a minha primeira relação com o

cinema tem muito a ver com minha relação com a politica,e com a minha vida, porque eu estava

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muito perdida e tudo muito difícil, meus amigos fora e tal, aquela historia toda meu marido estava

preso na Ilha Grande, eu frequentei a Ilha Grande durante um período, em suma, era uma situação

muito complicada,

Nesse momento eu comecei a namorar uma outra pessoa que fazia cinema também, que é o pai da

minha filha. E em 78 na Nicarágua você tem a invasão do Congresso pelo“ Comandante Zero“.

„Comandante 2“, não sei se vocês já ouviram falar. Eles invadiram o Congresso e fizeram lá uma

troca, e tal.

Quando eu ouvi isso, eu propus, vamos fazer um filme na Nicarágua. Porque na verdade eu não

queria fazer filme, eu queria descobrir o que estava acontecendo com a minha geração na América

Latina. Foi muito mais isso do que qualquer outra coisa. Nesse processo eu me apaixonei pelo cinema

acho que o cinema surge por causa disso, mas a partir disso eu me apaixonei pelo cinema. Então eu

tinha ido para a Nicarágua em 78, tinha feito o filme, em 79 o Paulo volta,A gente fez entrada „os

Sandinistas de Manágua“, a gente esta´com um filme, a gente entra na Embrafilme, que por sua

vez...

A Embrafilme que era uma empresa estatal que tinha sido criada pelos militares num discurso

nacionalista, junto com pessoas do cinema novo, em 73, 74, já naquele inicio da abertura e que tinha

um certo jogo. Começa a crescer dentro da Embrafilme propostas de filmes mais políticos. Veja bem,

você tem em 79 a anistia, os militares estão no poder, mas você tem a anistia, o pessoal começa a

voltar do exílio, etc. tá todo mundo lá.

Daí em 80 sai o „Pra frente Brasil“, o primeiro desses filmes e aí tem um retrocesso geral, no Brasil é

assim nós estamos sempre negociando, é parte da cultura. Não é nem um pouco direto.

Quando sai o „Pra frente brasil, o Celso Amorim, que era presidente da Embrafilme é demitido, eles

intervem, colocam um cara deles e todos os filmes políticos são proibidos, saem da Embrafilme, que

era a única maneira que você tinha de financiar filme.

Então com isso meu filme da Nicarágua ficou parado e eu só fui terminar o meu filme em 84, que eu

consegui um apoio da Suíça do conselho mundial de igrejas e de uma produtora de SP, mas terminei

como media metragem,media metragem documental, e tal.

Lutz: Como você chegou então a fazer o seu filme sobre a tortura, o “Que bom te ver viva”?

Lúcia: Com esse filme, em 81 eu comecei a fazer psicoanalise, para falar sobre „Que bom te ver viva“

Eu fiz analise quando jovem também, era uma classe media ilustrada,meus pais me colocaram pra

fazer analise jovem, depois sai, Reich, Freud, etc. Eu voltei a fazer analise porque uma menina que

estava presa comigo se suicidou... eu fiquei muito mal e voltei a fazer analise.

E aí, que eu fiz O „que bom te ver viva“, foi um filme que eu fiz muito em função do processo de

analise, tanto é que ele abre com uma frase do Bettelheim, „A psicanalise explica porque se

enlouquece e não porque se sobrevive. Eu fiquei em analise por 25 anos,mas foi muito fruto desse

inicio foi basicamente um processo em cima da questão da tortura.

Lutz: A produção desse filme ajudou você?

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Lúcia: Eu acho que ele foi um „vomito“de tudo aquilo que eu estava trabalhando tanto é que quando

eu escrevi, é um filme que mistura documentário com ficção e quando eu escrevi a parte da ficção

que é uma parte muito agressiva, eu escrevi a partir de coisas que eu estava vendo em analise, sabe,

a transferência da relação sua com seu namorado e o torturador, situações que eu estava

vivenciando e eu escrevi como vivencias e depois eu fui pegar casos, que tinham acontecido comigo

ou minhas amigas.

Lutz: Depois que você fez o filme, você sente que se tornou uma pessoa um pouco diferente, mais

clara,sobre a situação passada?

Lúcia: Quando eu fiz o filme, tudo era muito recente, eu ainda recebia ameaças, tudo no Brasil é

muito esquisito. Eu recebia telefonemas, as pessoas me diziam: „Você está louca, porque vai falar

sobre isso agora?” Eu fiquei com muito medo, eu achei que o filme ia ser, mas o filme... ao mesmo

tempo foi, para todo mundo ali, até porque o filme não é um filme muito maniqueísta, ele fala da

nossa raiva, da nossa dor, como a tortura nos deixa mal, como a tortura nos faz mal, a nós também e

nao só a eles, é um filme que tem um aspecto que não é muito heroico... porque toda essa

experiência mesmo, e... então...

Eu fiz esse filme com uma parte de alguns prêmios que eu ganhei com o filme da Nicarágua, mais um

premio que eu ganhei na Embrafilme e para fazer um „média“ (metragem) eu consegui outros apoios

e tal e fui levando.

Lutz: No seu filme “Quase dois irmãos” você fala sobre a relação da esquerda oriunda da classe

média e os presos comuns. Como foi? No caso de “Cadé o Amarildo” acontece a primeira vez desde

anos que integrantes da classe média se solidarizam com favelados...

Lúcia: Primeira vez nos certos anos, sacanagem, a gente não é tao ruim assim.

Lutz: Isso acontece muito e ninguém se mexe,

Lúcia: Ainda nao teve tanta repercussão que teve, sim, com certeza, mas teve sim sempre apoio.

Nessas historias todas, o cinema acabou sendo para mim realmente uma possibilidade de

sobrevivência, nesse sentido, com certeza, aonde eu pude me expressar, eu consegui sobreviver

mesmo, entendeu, tinha uma liberdade imensa por incrível que pareca, porque é uma coisa muito

cara. E uma excepção, as vezes a vida te é favorável e nenhum dos filmes que eu fiz eu fiz por

ideologia, no sentido assim, eu preciso fazer esse discurso, nunca. Foram sempre filmes muito

pessoais que partiram de necessidades minhas,e muitas vezes necessidades contemporâneas,

porque você continua vivendo, eu casei, tive filha...

O „Quase dois irmãos“foi uma situação assim. A ideia do filme, ele surge, porque eu tinha pessoas

muito próximas de mim cujos filhos estavam frequentando a favela Baile Funk e estavam transando,

- meninas -, estavam transando com traficantes, e eu vivi isso, foi uma confusão, tudo muito

próximo.

Já com o mais velho negociando do outro lado, entendeu, já pulando do lado porque antes eu era do

lado de cá agora de repente, eu to aqui preocupada com a pessoa,“ calma lá você vai morrer lá

dentro o cara é barra pesada“, - tem que fazer aborto, o cara telefona ameaçando, nesse momento

eu pensei exatamente isso, eu pensei:

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Cara, que loucura que é a relação entre o asfalto e o morro que a gente nunca consegue, não é?

Foi para mim sempre desde aquela época um horror,porque era assim o retrato da nossa falência

como capacidade de vivenciar e não tinha muito jeito, como tá no filme, assim, não se conseguiu...

porque na realidade a barra é muito pesada mesmo.

Então eu pensei em fazer um filme, em que tudo isso fosse colocado, quer dizer de alguma maneira

uma coisa que eu estava vivendo, porque eu estava preocupada com algumas meninas que estavam

subindo o morro e ai começaram a transar com o pessoal do trafico, e aí começou o nego telefonar,

eu tava nessa posição, e aí eu criei esse personagem.Só que é um filme totalmente masculino,

engraçado, eu acho que foi um filme extremamente feminino, mas os personagens são masculinos,

porque eu precisava desses personagens masculinos.

Porque o que aconteceu na Ilha Grande, foi no presidio masculino, então eu criei os dois, que seria o

deputado, que foi preso politico, e o cara do Comando Vermelho.

Eu sempre trabalho muito com pesquisa, mesmo conhecendo o assunto e esse filme eu chamei o

Paulo Lins para escrever o roteiro comigo ele foi uma experiencia muito legal mesmo, porque eu

conhecia muita coisa dos presos políticos e ele conhecia muita coisa dos presos comuns.

Então a gente escrevia assim, eu chegava para ele e falava:

“Tá achando o que, que preso politico é babaca, é padre?“

E ele falava:

„Tá achando o que, que preso comum é burro?“

Ai a gente ficava disputando e com isso eu acho que o filme cresceu muito porque a gente

conseguiu criar dois personagens fortes. Nenhum idiota, então foi uma experiencia muito boa com o

Paulo, eu gosto muito.

Lutz: Você falou ontem que você nao é pessimista...

Lúcia: Eu acho que se eu fosse pessimista eu tinha terminado, né? Eu tentei suicídio, também claro

duas vezes quando eu estava na tortura duas vezes, mas eu acho que com essa história de vida, se

você realmente é pessimista você não sobrevive, eu acho que o fato de eu ter conseguido fazer

coisas...

Mas não acho que os meus filmes não são realmente otimistas, eles estão sempre apontado alguma

coisa meio melancólica, porque eu acho que dessa experiencia de vida toda me deixou isso, sabe,, eu

tenho muita raiva, eu não gosto nem um pouco de preto e branco, sabe eu acho que as coisas sao

cinzas, tem que mostrar que as coisas são cinzas, as pessoas sao complexas, o bom e o mal é

complicado, não é bem assim, eu acho que dessa experiencia toda, a coisa da tortura, a coisa do mal,

dizer: porque o torturador existe, porque o porra é humano. Isso que para quem viveu essa

experiencia isso, é a coisa mais... se você ficasse a vida inteira refletindo.sobre isso, é impossível.

Porque aquele cara é humano, ele sai dali, tem mulher e filho. Ele trata bem o filho, eu acho que

esse tipo de experiencia é muito limitica, ele é um cidadão comum, sim, o caso da Hannah Arendt e

o Eichmann...

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Lutz: A banalidade do mal....

Lúcia: Exatamente e você viver isso - e não ter uma raiva particular do cara.... É obvio, 40 anos

depois, eu fui fazer no Ministério Publico outro dia um depoimento, é muito duro quando a gente

reconheceu pela primeira vez um torturador que a gente não sabia quem era...

É uma coisa apavorante, parece que vem tudo à tona. 40 anos depois, tá lá , você treme, vê o cara....

Anke: A tortura mudou algo profundamente na sua vida?

Lúcia: Bom, eu acho que aí uma coisa, isso é uma situação limite tao desesperadora essa

experiencia do outro, de você ver um humano te torturando que acho que isso fica para o resto da

vida mesmo Eu acho que é também é uma coisa muito difícil para o resto da vida, porque, eu

sempre digo isso porque ou você esquece, e aí você enlouquece porque que é impossível porque

isso está dentro de você ou você vive só em função daquilo, que é um horror também. Então esse

equilíbrio é um equilíbrio que você fica procurando a vida inteira. Entre ...obviamente, eu fiz

...trabalhei isso muito na psicanálise mas mesmo assim, por exemplo, no ano passado, quando eu fiz

depoimento para a comissão da verdade, foi muito duro , eu passei uma semana sem dormir, aí

depois você tem... você fala, cara, eu não quero pensar nisso 10 dias, quer dizer, eu preciso me

recuperar, porque senão não consigo viver, então eu acho que é um equilíbrio muito difícil, muito

difícil, por isso que muita gente enlouqueceu, muita gente não conseguiu também fazer nada da

vida, se perdeu muito.

Lutz: Você falou que houve reações contrarias ao filme „A memoria que me contam“. Eu

pessoalmente acho que não é dogmático, você quebrou alguns tabus, gostei, é uma coisa mais

leve....

Lúcia: O filme é uma co-produção argentina, depois eu passei o filme na Argentina e foi muito bom

na Argentina, teve muitos debates, foi muito bom na Argentina, mas o brasileiro tem muita

dificuldade de discutir, muita dificuldade de discutir. Eu acho que tem muita gente que nao gostou,

mas eu tenho uma historia „heroica“ no Brasil, as pessoas tem medo de me „bater“, de bater em

mim, então ficou aquela coisa assim.meio: ....hmhmhm e não se discutiu, eu achei que ia ter uma

discussão maior dentro da esquerda, a própria esquerda que eu queria muito que discutisse algumas

questões ali colocadas, não discutiu. Recua, um comentário ou outro „ não devia ter abordado isso,

não devia ter falado isso“ mas assim muito.... e não discute. Mas o filme está aí, vai ficar, como tudo

no Brasil é demorado, daqui a algum tempo vai conseguir falar mais.... porque eu acho que tem

várias pessoas como você ou como eu, da nossa geração que tem uma visão critica, vários amigos

meus, historiadores, que tem.

Lutz: Qual é a reação dos jovens, da geração nova, que não se sente mais representada na politica

no Brasil? Os jovens tem alguma reação?

Lúcia: Eu acho assim, que os problemas internos da esquerda que o filme trata, para os jovens não

repercute. Eles não percebem, não estão interessados, para eles o interessante ali no filme é a

discussão entre os jovens e eles ,era a relação dos dois e não aquelas questões internas do Paulo, do

cara que justiça, isso para eles é parte da história. Eles não se sentem nem um pouco ofendidos,eles

não se sentem como parte da esquerda ficou. Para eles é parte da história.

Lutz: Aqui também é a mesma coisa...

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Anke: Se compara seu primeiro filme com o ultimo, você poderia me explicar as diferenças?

Lúcia: O primeiro foi na Nicarágua, o primeiro longa metragem,o „Que bom te ver viva“ sim. Eu acho

que foi interessante o que vocês fizeram aqui, de colocar os dois filmes, porque eles sao bem

diferentes. Eu acho que um filme,- independente do cineasta-, ele representa não só aquilo que ele

trata, mas a época que ele foi feito, - ele é um espelho da época. Naquele momento que eu fiz o

filme, a dor era muito forte, a raiva era muito forte, eu acho que isto está muito representado no

„Que bom te ver viva“. Vinte anos depois, na „Memoria que me contam“é muito mais uma reflexão,

uma critica, é muito interessante você ver.

Não que eu tenha mudado, ninguém passou para o outro lado, nada disso, mas sao dois momentos

diferentes, vinte anos se passaram, você nao pode ser igual. Sim, é mais flexível o „A memoria que

me contam“, até porque é mais amplo. O „ Que bom te ver vida“ é um filme especificamente sobre a

tortura, então é um filme -... é um tema, é só esse tema.

Anke: Eu gostaria de falar agora sobre o passado. Como foi a reação dos seus pais, quando você foi

presa e tudo o que aconteceu?

Lúcia: Isso foi uma coisa , falando-se na questão do feminismo, foi uma coisa muito

engraçada.Lembro-me que quando eu estava na clandestinidade, nos primeiros meses eu fiquei

grávida e fiz um aborto.Meu pai era médico e eu liguei para ele para pedir um auxilio, enfim o aborto

era ilegal. Ele ficou arrasado , ele falou então uma frase que eu acho magnifica e que eu acho que

representa bem: „Você não saiu de casa para isso“ ou seja: assaltar banco, sequestrar embaixador,

tudo bem, agora aborto não e era bem essa imagem daquela classe média conservadora, que ele

tinha orgulho de que eu estivesse lutando contra a ditadura, por mais que ele fosse contra a luta

armada, claro que ele era contra a luta armada não no sentido ideológico da luta armada, mas ele

achava que a gente ia ser derrotado, mas era muito engraçado, ele porque ele tinha orgulho do que

eu fazia, mas ao mesmo tempo, aborto não.

Agora a prisão foi um horror, foi um horror. Minha mãe envelheceu 50 anos, foi um horror,

eles fizeram tudo, era uma família mais ou menos com influencia, inclusive na área militar, assim, um

dos marechais que fez o golpe de 64 era primo da minha mãe, mas nessa época que era a época pior,

nem esses marechais tinham poder, então era uma brigalhada Eles ficaram muito mal, muito mal,

foi muito duro assim. Minha mae, eu acho que ela envelheceu 20 anos ali. Porque os três primeiros

meses, eles não sabiam se você ia sobreviver ou não. Eles sabiam que você estava sendo torturado. A

gente tinha um esquema na organização que era de pontos de encontros. Era, você tinha um

encontro, se você faltasse, tinha um 6 horas depois, se você faltasse de novo, 12 horas já avisava a

família que você tinha caído, que voce tinha sido presa, entao meus pais souberam, eu faltei aos dois

encontros então o pessoal avisou ineditamente meus pais e eles começaram. Aí eu tinha um

advogado muito bom e ele conseguiu uma coisa que foi inédita também, por isso também que eu

tenho provas da tortura, até que eu sou umas das poucas pessoas que tinha na época

comprovações de ter sido torturada, porque com dois meses e meio de prisao, meu advogado

conseguiu me levar a um auditoria militar. E eu fui assim, bom eu estava assim com isso aberto,

isso aqui aberto, sem andar porque eu tive um problema na perna esquerda, que eu perdi a

mobilidade , a perna toda paralitica, tive uma flebite,a perna desapareceu, e eu fui apresentada

assim, então foi muito duro prá eles, foi mito duro.. Eu me lembro bem nesse dia na auditoria que a

minha mae chorava,e ela falava: „Não fala nada, não fala nada“ e na minha casa sempre foi um

matriarcado, quem mandava era a mulher. Foi primeira vez que eu vi o meu pai dar uma ordem

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nela... foi tao bonitinho, ele falou „cala a boca que ela sabe o que faz“ E eu não sabia porque eu

voltei, e voltei a ser torturada de novo, aquela coisa que você faz num impulso, voce tem que

denunciar, tem que denunciar. O advogado achou que ia conseguir me mandar para um hospital ,

mas não conseguiu, e eu voltei e foi um horror. Mas foi isso, eles sofreram muito, mas sempre me

deram todo o apoio

Anke: Isso mudou algo no seu conceito de ser humano?

Lúcia: A sim, acho que sim. A banalidade do mal, como diz o outro. É essa coisa, eu acho que você

passa o resto da vida,assim, qualquer coisa que tem sobre campo de concentração eu estou lendo,

qualquer coisa que tem sobre esse tipo de experiencia eu estou lendo, é como se você estivesse

numa busca infinita do sentido do humano que você não consegue nunca chegar ao fim. É um

processo entendeu, que você não tem uma resposta e não vai ter, mas que você está sempre

tentando, se entender mais, entender o outro.

Anke: 40... anos

Lúcia: É eu acho que tem uma coisa que é inegável, de que apesar de que algumas pessoas não

concordem com isso, eu acho que a gente lutou contra a ditadura e que isso foi fundamental, eu

tenho uma dor, uma perda muito grande pelos que foram assassinados, pelos grandes amigos que

ser perdeu. E tenho uma visão critica, eu não sou hoje mais marxista leninista, não acredito em

soluções autoritárias, eu acho que a experiencia da ditadura me deu também uma visão muito,

muito profundamente critica do autoritarismo, do limite do humano. O humano, se ele não tem com

quem dialogar se é impossível ter oposição, se é impossível ter divergências, ele pode se

transformar num monstro, é isso. Eu acho que essa experiencia da ditadura me deu isso muito

profundamente que eu não tinha antes. Eu tinha uma sensação absolutista, nós vamos nos

transformar nos homens novos, nós vamos ser os melhores homens , e por isso nós vamos construir

a melhor sociedade, entendeu, então essa sensação de poder eu não tenho mais.

Anke: Que sentimento você tem, se não tem mais esse? Sobrou um vazio?

Lúcia: Eu acho que tem um lado de vazio sim, porque era muito poderosa essa sensação, ela te

completava, te permitia fazer qualquer coisa, hoje você tem que tirar forcas de outros pensamentos

para fazer alguma coisa. Eu acho que é mais difícil, claro, mais difícil nao ter uma coisa absoluta.

Anke: Você tem uma frase que possa sintetizar a sua ideia de vida?

Lúcia: Não, não sei síntese...

Lutz: Por exemplo, o Lula falou que se Marighella estivesse vivo hoje, e pudesse ver o que acontece

com o governo petista, ele iria se orgulhar do Brasil, o que você acha disso.

Lúcia: Eu acho que sao sentimentos muito contraditórios. Por ex., quando eu votei na Dilma, eu

chorei quando eu votei e o PT já tinha o escândalo do mensalão, já estava com essas alianças

espúrias, já tinha tudo isso que a gente critica. Mas a minha relação com ela, quer dizer, o fato de

uma pessoa como eu estar lá e estar com um discurso,ainda nao uma pessoa que mudou de lado,

não um Cabo Anselmo,nada disso, uma pessoa como eu, pensado tudo que a gente viveu isso tudo

foi uma sensação de vitória muito grande. Hoje em dia uma grande parte da esquerda tem uma

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visa-o muito critica do PT , muito muito critica. Eu nao sei o que o Marighella pensaria hoje, mas eu

acho que a maior parte de nós tem uma visão muito critica.

Lutz: Uma ultima pergunta: o processo da Comissão Nacional da Verdade, tem varias

comissões,estaduais, nas faculdades...qual é sua avaliação disso?

Lúcia: Eu acho muito importante, muito importante. Por mais limitado que seja, eu acho que está

provocando, provocou ,uma série depoimentos,Eles não tem poder para julgar nem para colocar em

julgamento, mas colocou uma serie de depoimentos, esta semana mesmo saiu nos jornais o

depoimento de um coronel Paulo Malhaes, que esteve na Casa da Morte, que admite isso, é o

primeiro cara da Casa da Morte que admite que executou e tal, diz que não se arrepende faz todo

um discurso deles, entendeu, e eu acho que tudo isso é importantíssimo, Porque até agora, mesmo

o nosso discurso passou a repercutir cada vez mais.

Quando eu dei o depoimento para a Comissão da Verdade eu fiquei impressionada com o grau de

repercusso que teve. Pessoas que me conheciam ha anos, diziam „Nunca pensei que você tivesse

passado por isso“. As pessoas não conseguem imaginar que você tenha sobrevivido aquilo, então

meio que esquece que aquilo existiu ou minimiza, foi uma coisa que eu acho que os militares

conseguiram muito no Brasil que foi dizer que a ditadura brasileira não foi uma ditadura tao forte,

como foi na Argentina ou no Chile. Então esse tipo de coisa que é muito forte na Europa, na Europa

já ouvi várias pessoas me disseram : „Não, vocês não tiveram uma ditadura“. Prá mim... Parece

piada. Então eu acho que nesse sentido, quer dizer, todas essas denuncias, a repercussão das nossas

denuncias e o fato de se estar conseguindo vários deles falarem, é um avanço incrível. È muito

tempo depois, tudo bem, muitos morreram, mas é um avanço incrível.E agora alem do que tem essa

questão de que o Ministério Publico, via OEA porque a OEA considerou que o Brasil quebrou os

direitos humanos e o Brasil pertencendo à OEA, o Ministério Publico tem o direito de examinar , eles

estão examinando 5 ou seis casos, e eles tem poder para processar. E eles me disseram que vão

processar.

Anke: E sobre o que está acontecendo com a juventude no Brasil, ou uma parte da juventude, perto

das juventude mundias e o que está passando agora, como você ve isso?

Lúcia: Eu acho que é triste nesse sentido, eu acho que tem uma identidade com o movimento

estudantil da minha época que é um descrédito muito grande que se tem com os partidos políticos.

Eu acho que quando se tem uma movimentação ano passado que vai prá rua, apesar de que uma

grande parte daquelas pessoas que foram para a rua terem votado no PT, eles vão para a rua num

descredito muito grande dos partidos políticos. Agora eu acho que foi importantíssimo porque a pior

coisa que pode acontecer para o próprio PT é não ter oposição. A pior coisa que pode acontecer para

o PT e essa coisa que ele fez, de manipulação da UNE, do MST, de todas as organizações sócias que

de uma maneira ou de outra foram acobertadas pelo governo porque recebem apoio e nao tem

autonomia critica em relação ao governo, eu acho que foi a pior coisa prá eles, para o próprio PT.

Então eu acho que foi muito importante. Depois disso a situação ficou complicada, porque você teve

uma violência policial muito forte, por outro lado você tem a questão dos Blackblocks , que eu tb

acho bem complicada e com isso boa parte das pessoas que estavam nas manifestações se

afastaram. Então ficou meio uma briga de policia com os blackblocks. E eu acho que os blackblocks

também é uma situação bem difícil, tem aquela coisa meio anárquica, não ideológica, mas que tem

algum discurso, mas muita gente que entrou ali, dando porrada, sai quebrando são pessoas de baixa

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classe média, pelo menos as pessoas que estão sendo presas, que você vê, são jovens, bem jovens

de 18, 19 anos dos subúrbios, da baixada fluminense, que não tem alternativas, e que tem uma raiva

muito grande. Ao mesmo tempo o Brasil é uma sociedade de consumo que fica apresentando para

essas pessoas o que tem de mais e eles não tem acesso. A entrada deles mais como massa nos

blackblocks, e– ao mesmo tempo afugenta muito as pessoas que estavam participando das

demonstrações e que tem uma visão critica mais formulada. Eu acho que é a situação que está se

vivendo hoje, que as manifestações esvaziaram muito, muito muito, pela violência policial e também

pela existência dos BB.Acho que as duas coisas

Anke: E o que lhe dá esperanças nesse processo que está acontecendo no Brasil?

Lúcia: A, sim, nesse sentido eu concordo com o Marighella, quer dizer, eu acho que depois que se

teve uma ditadura, o que a gente vive, as vezes me chamam muito para seminários, cursos, tal por

causa de filme e aí sempre tem aqueles jovens que dizem:“Nós continuamos na ditadura“ e eu digo:

„Não meu bem, se ainda estivéssemos numa ditadura você não tava aqui falando comigo“, isso é

uma diferença absurda, tem que entender isso. E aí vem esses membros do PSOL, e tal e ficam

fazendo esse discursos, como se fosse a mesma coisa. Não é.

A esperança que eu tenho, porque eu acho que eu vivo num Brasil muito melhor, é evidente que eu

vivo num Brasil muito melhor, apesar de todos os problemas que existem. Obviamente que para

mim como classe média muito mais, porque essa condição democrática é muito mais minha do que

dos desfavorecidos e voltando ao que você perguntou do caso do Amarildo, eu acho que já tem

muito tempo, eu acho que tem varias organizações, tipo FASE, BASE sempre defenderam e sempre

denunciaram todos os massacres que tiveram. A grande questão que eu acho que a grande

dificuldade da policia brasileira hoje, é que é uma policia que vem da ditadura. Que nao muda e que

nao é punida, como os torturadores não foram.

O grande problema é a questão da impunidade. Porque por exemplo, o que aconteceu agora, há

duas semanas... O caso do Amarildo, o cara que torturou e foi responsável era um coordenador da

UPP.

Esse caso que aconteceu, horrível dessa menina a Claudia, há três semanas, não sei se vocês

souberam? Teve uma invasão numa favela, uma moca assim, quatro filhos, trabalhadora,

comprando na casa Bahia todos os aparelhos elétricos, sabe aquelas pessoas alegres, ela saiu para

comprar café,foi baleada,numa entrada da policia que saiu dando tiro em todo mundo, os caras

puseram o corpo dela – parece que ela estava viva ainda - na mala do carro, saíram pela rua já no

asfalto e aí o corpo caiu. O corpo caiu e foi arrastado. Daí o carro que estava atrás conseguiu filmar

Filmou e mandou para a Internet e daí foi um escândalo, um horror. Não sei se foi a UPP, não foi a

UPP não.

A questão é que os três caras irresponsáveis por isso, que estavam no carro, tinha o nome de todo

mundo, dois deles tinham vários auto de resistência, auto de resistência é isso, eles vão lá, atiram,

dizem que o cara é traficante ,e o cara tentou reagir. Põe uma arma na mão do cara e tinha não sei

quantos autos de resistência na historia de vida dele e o ele nunca foi punido. Foi o que disse marido

da moca que foi assassinada, ela teria sido mais um ato de resistência se não tivesse por acaso, pois é

claro que caiu por acaso o corpo e o carro de trás nao tivesse a capacidade de filmar, colocar na

Internet e tal. Agora isso tudo só se pode fazer porque se vive numa democracia. Que você tem

internet, você vai lá e denuncia. Isso foi um escândalo.

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Anke: Você vê como uma missão seus filmes documentários, seus filmes?

Lúcia: Eu não, nem um pouco, detesto missão. Já chega a minha história lá. Não nenhuma missão

pelo contrario, eu falei exatamente o contrario, eu acho que os meus filmes partiram de

necessidades pessoais minhas - nenhuma missão, nenhuma ideologia não, não. Não é porque eu

preciso fazer isso, no sentido ideológico de que tenha uma mensagem a dar.

Anke, Lutz: Lúcia, muito obrigado pela conversa.

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