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Outubro2018 Revista Mensal • 2 Euros Uma saúde para todos e para todas é o lema: Câmara Municipal de Matosinhos apresenta plano municipal de saúde Política portuguesa sobre drogas – uma abordagem de bom senso Entrevista de João Goulão ao San Francisco Chronicle:

Entrevista de João Goulão ao San Francisco Chronicle ... · 4 Colunista norte-americano entrevistou João Goulão: Portugal’s drug policy shows what common-sense approach looks

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Uma saúde para todos e para todas é o lema:

Câmara Municipal de Matosinhos apresenta plano municipal de saúde

Política portuguesa sobre drogas –uma abordagem de bom senso

Entrevista de João Goulão ao San Francisco Chronicle:

3O populismo e os direitos humanos

FICHA TÉCNICA Propriedade, Redacção,Direcção e morada do Editor: News-Coop - Informação e Comunicação, CRL; Rua António Ramalho, 600E; 4460-240 Senhora da Hora Matosinhos; Publicação periódica mensal registada no ICS

com o nº 124 854. Tiragem: 12000 exemplares. Contactos: 220 966 727 / 916 899 539; [email protected];www.dependencias.pt Director: Sérgio Oliveira Editor: António Sérgio Administrativo: António Alexandre

Colaboração: Mireia Pascual Produção Gráfica: Ana Oliveira Impressão: Multitema, Rua Cerco do Porto, 4300-119, tel. 225192600 Estatuto Editorial pode ser consultado na página www.dependencias.pt

O populismo e a democracia es-tão na ordem do dia. Isto deveria preocupar a nossa classe política que, na falta do argumentário retóri-co, passa os dias a repetir o discurso amorfo, balofo e cansativo da res-ponsabilidade política dos incêndios, do roubo do armamento de Tancos, criando e desacreditando a enormís-sima quantidade de comissões de in-quérito, que apenas servem para “ilu-dir” a realidade dos problemas.

É uma vergonha, uma irrespon-sabilidade que nada se saiba (isso sim) da responsabilidade criminal de quem causou os incêndios, ou de quem roubou as armas de Tancos… isto é o que os portugueses querem saber, porque todos estamos fartos do triste espetáculo que, na falta de capacidade para tratar e resolver os problemas que na verdade afectam todos os portugueses, fomentam e alimentam os “não casos”.

É espetáculo a mais para uma justiça a menos, que não funciona, num mundo dividido pela intolerância e pelo ódio e que proporciona a to-mada do poder por um punhado de oportunistas nacionalistas cujas con-sequências são imprevisíveis. É por demais evidente o descontentamen-to geral sobre os casos de justicialis-

mo na praça pública. Ouvimos, ve-mos, lemos e condenamos os casos de corrupção, tráfico de influências, recebimentos indevidos, branquea-mento de capitais, fraude fiscal e, no final, perguntamos: Alguém foi julga-do e condenado? Onde estão os as-saltantes do BES do BPN, do BANIF do BPP… quantos foram julgados e presos?

É por estas e por outras que ca-minhamos para um mundo desco-nhecido, dominado por juízes que querem ser políticos e políticos que se julgam juízes, por pastores que contaminam as suas ovelhas, por re-ligiões sectárias, por pequenos ho-mens que querem tomar o poder a qualquer custo, subvertendo as mais elementares regras democráticas. Vivemos momentos muito difíceis, precisamos de pensar o futuro, não

podemos permitir a desregulamenta-ção, a destruição do estado social da democracia e da paz no mundo. O populismo tem nome, tem culpados e tem objectivos: a destruição da li-berdade e da democracia.

Não partilho as manifestações cobardes nem o silêncio dos inocen-tes. O populismo é o pior inimigo da democracia. Desiludam-se todos aqueles que julgam que o populismo é uma moda. O populismo é uma or-ganização ideológica que fomenta o ódio, a vingança, a perseguição, o medo e o terror. O populismo e os seus seguidores são uma ameaça ao estado de direito e representam um perigo para a democracia, para a liberdade, para os direitos humanos, para a justiça e para a paz no mundo.

O populismo é o cancro da huma-nidade, representa a negação dos mais elementares valores da vida e da igualdade e dos direitos consa-grados na declaração universal dos direitos humanos. Os seus líderes são um perigo para toda a humani-dade e fazem parte de uma organi-zação ao serviço do terror e da guer-ra que todos os homens livres devem combater.

Sérgio Oliveira, director

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Colunista norte-americano entrevistou João Goulão:

Portugal’s drug policy shows what common-sense approach looks like

San Francisco likes to think of itself as on the cutting edge of everything. If it’s smart and compassionate public policy, the thinking goes, it probably started here.

But any quick walk around downtown — with widespread human misery on full dis-play — makes it obvious our city doesn’t have all the answers. So who does? When it comes to drug policy, experts from around the world are looking to Portugal.

Portugal? It doesn’t come up in most San Franciscans’ daily conversations, but maybe it should.

On Monday morning, I got the chance to interview Dr. Joao Castel-Branco Goulao, a physician and Portugal’s national drug coordi-nator. He helped his country craft its drug poli-cies — which are widely praised as both hu-mane and effective.

Neither adjective would be used to descri-be San Francisco’s drug policy, which seems to revolve around looking the other way as

users inject in public, toss their dirty needles on the sidewalks, and become sitting ducks for dealers who flock to the Tenderloin and South of Market, where they find ready mar-kets.

The picture in Portugal wasn’t pretty ei-ther back in the 1980s and ’90s. According to Goulao, 100,000 residents of the country of 10 million were addicted to heroin. (That sounds bad, but it’s actually a lower percen-tage than in San Francisco. We have 885,000 residents, and 22,500 are injection drug users, according to the public health department.)

“By the end of the ’90s, it was almost im-possible to find a Portuguese family with no problem with heroin,” Goulao said, adding that the epidemic was so widespread across all economic classes that the public was crying out for a humane solution.

The government formed a commission, and Goulao was one of its members. They

came up with a controversial solution: decrimi-nalize drugs.

That doesn’t mean illicit drug use is legal. It means it’s treated as a public health pro-blem, not a criminal one. He described it as akin to not wearing your seat belt. The govern-ment demands that you wear one for your sa-fety, but it’s not going to send you to prison for not complying. Instead, it will fine you or send you to traffic school.

In Portugal, the possession of any type of drug in amounts that would last one per-son 10 days or fewer is decriminalized. If a police officer catches someone with a small amount of any drug — including cannabis, which is not legal in Portugal — the person must report to a special commission within three days.

That commission is composed of a lawyer, a psychologist and a social worker. It is not part of the criminal justice system, and there is no judge. The commission interviews the drug user and may recommend a psychologist to address underlying problems and suggest drug treatment facilities.

The person doesn’t have to comply, but if he or she declines, the file will stay open. If he or she is caught using drugs again, the conse-quence may be assignment to community ser-vice or a stay-away orders from the place the drugs were being used.

If the person deviates from the path — such as by not showing up for the commission appointment within three days or not obeying a stay-away order — police may get involved. Police also arrest anybody with more than 10 days’ worth of drugs or people caught selling drugs. Dealers still face years in prison, Gou-lao said.

One point he made tripped me up, becau-se it’s so foreign to San Francisco. Here there are long waiting lists for many services, inclu-ding drug treatment. Is there really always a spot in a drug treatment facility available in Portugal?

“Always,” he said, looking surprised by the question. “Always.”

Artigo do San Francisco Chronicle elogia abordagem portuguesa

Dr. Joao Goulao, Director-General of The General Directorate for Intervention on Addictive Behaviours and Depen-

dencies, stands for a portrait on Geary Street on Monday, October 29, 2018 in San Francisco, Calif

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He said the country spends 75 million eu-ros — about $85 million — on drug treatment each year.

The approach means Portugal never had to open a safe injection site — a worthy idea considered in San Francisco, but now on hold after Gov. Jerry Brown vetoed a four-year trial.

Goulao said there are still enough injec-tion drug users to warrant trying the model, and a safe injection site in a van will start tra-veling around Lisbon by the end of this year. Two fixed sites will open in the nation’s capital city next year. But the concept is in addition to the country’s approach to drugs, not its entire plan, like here in San Francisco.

So how is Portugal’s approach working? Goulao said cannabis use is still fairly wides-pread, but heroin, cocaine and crack cocaine use have lessened. He said the country has very little problem with meth or Fentanyl.

He said it was common to see open-air drug use on the streets in the 1990s, but now it’s rare because of the requirement to report to the commission within three days. While un-limited clean needles are freely available at pharmacies in Portugal, it’s rare to see dirty needles on the street, he added.

He said there was an average of one over-dose death a day in Portugal before drugs were decriminalized, and there were 27 in all of 2016. In 1999, there were 1,793 new cases

of HIV among drug users reported in Portugal. In 2016, there were 30. In 1999, 9,991 people sought treatment for drugs for the first time. In 2016, that number had dropped to 2,090.

He said the total number of people in the country using any illicit drug has dropped from 100,000 to 40,000, and three-fourths of those are connected to treatment.

“Decriminalization was very important,” Goulao said. “It introduced coherency into our system. It respects the dignity of people who use drugs.”

He’s in San Francisco briefly before hea-ding to New York to spread the word to journa-lists, drug treatment providers, and others about Portugal’s method and how it could work in the United States.

“I just want to share that we faced a de-vastating condition in my country,” he said. “Nowadays, drugs are one problem we face in society, but not theproblem.”

Portugal’s policies are well known to those who advocate for changes to San Francisco’s approach to drug addiction.

Supervisor Rafael Mandelman, who has stu-died the problem intensely since his election in June, said he likes the Portuguese approach be-cause it offers more than a safe injection site. It offers treatment on demand to anybody who wants it — an idea floated in San Francisco for decades but never achieved.

“The door should be really easy to walk through, and right now it’s really hard,” Mandel-man said of drug treatment.

He also likes the practicality of Portugal’s approach — the fact that drug dealing is still dealt with in the criminal justice system.

“I’m asking for more police, not fewer,” he said. “There are parking lots in the Castro that everyone uses as places to sell drugs. I’m as-king to have those networks broken up.”

A group of advocates has been meeting sin-ce August to push treatment on demand in San Francisco. The concept was approved by 61 percent of voters back in 2008, but that measure had no teeth and no funding.

“Is that not the most classic of all San Fran-cisco ballot initiatives?” quipped Laura Thomas, deputy state director of California’s Drug Policy Alliance.

Passage of Proposition C on the Nov. 6 bal-lot, which would raise taxes on the city’s biggest businesses to generate $300 million in funding for homeless services every year, could help be-cause it would provide an extra $75 million to mental health and drug treatment services.

“One of my goals is to get San Francisco to really develop a full Portugal model here,” Tho-mas said. “It’s time for us to actually embrace approaches that work.”

San Francisco Chronicle columnist Heather Knight appears Sundays and Tuesdays.

Dr. Joao Goulao, Portugal’s national drug coordinator, helped create an antidrug policy, outside the criminal justice system, that seems to be working

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VIII Congresso e XXVI Jornadas da Sociedade Portuguesa de Alcoologia:

“Alcoologia – Quo Vadis?”

O tema do nosso Congresso – “Alcoologia – Quo Vadis?” , surgiu como pano de fundo para dois dias de debate, troca de experiências, clari-ficação de conceitos, atualização de conheci-mentos, em torno das grandes questões que se colocam hoje à Alcoologia em Portugal, definida como “… a disciplina consagrada a tudo o que se refere ao mundo do álcool etílico, à produ-ção, conservação, distribuição, consumo normal e patológico com as implicações deste fenóme-no, causas e consequências, seja ao nível cole-tivo, nacional e internacional, social, económico e jurídico, seja ao nível individual, espiritual, psi-cológico e somático…”.

Da investigação à clínica, passando pelos aspetos históricos e neurobiológicos, não es-quecendo a formação, as respostas institucio-nais e outros temas, cerca de 400 profissionais (não só médicos e profissionais de saúde, mas também enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, professores, educadores, estudantes, juristas, autarcas…) uniram-se a várias perso-nalidades marcantes da ciência e da sociedade portuguesa que se vêm preocupando com estas matérias e aceitaram partilhar e debater os seus saberes e experiência. O programa incluiu Con-ferências, Painéis e Workshops, Comunicações Livres e Pósteres.

Dependências esteve presente no evento e entrevistou alguns dos participantes…

Augusto Pinto, Presidente da SPA

Indo de encontro ao tema destas jorna-das, para onde vai, afinal, a alcoologia?

Augusto Pinto (AP) – Confesso que gostá-vamos de saber (risos)…estamos numa espécie de encruzilhada… Isto de falar de caminhos tem esta vantagem compreensiva: temos vindo a caminhar, mas estamos numa altura difícil, onde não se vislumbram ainda orientações claras so-bre o trabalho que a alcoologia poderá desen-volver em termos futuros… não sabemos bem para onde vamos. Há muito a fazer… as estru-turas de saúde têm que repensar um pouco mais as suas estratégias, que julgamos não se-rem suficientes. A problemática do álcool é cada vez mais vasta, tem uma enorme dimensão e por isso mesmo é necessário termos uma maior articulação e cooperação com muitas outras es-truturas da nossa comunidade e da sociedade em geral, para além da área da saúde. Só o tra-balho conjunto poderá definir esses caminhos.

Se por um lado temos défices orgânicos, por outro temos os utentes que precisam de serviços… Em que medida estará este con-texto a afetar a boa qualidade que Portugal já teve na intervenção em alcoologia?

AP – Penso que muito. Esta situação tem vindo a agravar-se por razões muito simples de perceber: a primeira prende-se com a inexistên-cia actual de novos técnicos a trabalhar nesta área, o que significa que todos os que estão ain-da hoje no terreno são já bastante mais velhos que há anos atrás e estão naturalmente cansa-dos; têm muitos conhecimentos, muitos anos de

prática, que deveriam transmitir a outros, mas não têm a quem. Portanto, há necessidade im-periosa de renovação. Por outro lado, os servi-ços são cada vez menos e deparam-se com cada vez mais dificuldades de vária ordem, com uma contínua redução de camas, fazendo com que haja uma menor resposta a estes doentes. Este é um ciclo altamente perigoso porque se não trabalharmos nas áreas da investigação e da formação, se não diagnosticarmos doentes alcoólicos nem dermos respostas, teremos doentes sem o devido apoio e que, quando nos chegam, apresentam já situações muito compli-cadas. Vêm tarde e a más horas… Paralela-mente, representam já um peso muito grande e custos acrescidos para o erário público e pode-remos chegar mesmo à situação de fazer “desa-parecer” os doentes alcoólicos por razões políti-cas e até legislativas. Quero acreditar que não é isso que se pretende…Há necessidade de se tomar consciência da gravidade deste problema e de termos respostas adequadas. A OMS deu este ano um contributo muito claro para a ne-cessidade de rever as intervenções nesta área, com dois documentos que apresentou e que nos apontam duas questões fundamentais: o provável crescimento, nos próximos dez anos, do consumo de álcool no mundo e o facto de que já não são 60 as doenças relacionadas com o álcool, mas mais de 230 as doenças e proble-mas ligados ao álcool. Ou seja, a dimensão do fenómeno está mais grave do que se pensava há 12 anos atrás. Por outro lado, um segundo documento apresentado pela OMS em junho deste ano relativo às doenças não transmissí-veis, afirma que é necessário atuar, que tem ha-vido pouca eficácia de todos os governos na re-solução dos compromissos assumidos e que há a necessidade de definir metas e medidas muito claras no sentido da redução dos PLA. Coloca ainda três medidas relacionadas com a oferta (muito evidentes e que não são fáceis de imple-mentar): a necessidade de aumentar os impos-tos sobre as bebidas alcoólicas, de proibir por completo a publicidade ligada ao álcool e de re-duzir os horários de venda e acessibilidade, par-ticularmente em relação aos menores.

O Auditório Biblioteca Almeida Garrett, no Porto, acolheu, nos dias 11 e 12 de outubro, o VIII Congresso e XXVI Jornadas da Sociedade Portuguesa de Alcoologia. “Porque já vem longa a história da Sociedade e longínqua a sua constituição (em 1986), é tempo de, alicerçados sobre a competência, o entusiasmo e a clarividência de quantos nos precederam, nos questionarmos hoje, de forma particularmente atenta, sobre os momentos difíceis que

vivemos, as vicissitudes organizativas, os constrangimentos práticos que vêm fazendo parte do quotidiano de quem lida (e se perturba e inquieta…) com as várias facetas e os diversos protagonistas dos Problemas Ligados ao Álcool em Portugal, cuja dimensão e gravidade vem mantendo preocupante

magnitude, refere Augusto Pinto, Presidente da SPA.

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Em que medida têm sido os profissio-nais ligados a esta área e a própria SPA auscultados pelos decisores políticos por-tugueses?

AP – Creio que a situação é semelhante ao que vai acontecendo na Europa… E quase me atreveria a responder da mesma forma que a OMS. Acho que tem havido boa vontade por parte dos decisores políticos, que nos têm ouvi-do mas, provavelmente, têm também várias difi-culdades na implementação de determinadas medidas. Continuamos, há muitos anos, nesta situação de indecisão sobre as orientações e estratégias para o futuro, nomeadamente em termos organizativos. Creio que os decisores políticos deveriam ler com especial atenção es-tas novas orientações da OMS e assumir clara-mente o seu papel e as suas opções políticas. Não é um problema fácil de resolver e por isso mesmo, só temos que nos manter em coopera-ção. De qualquer forma, temos chamado a aten-ção do poder político para algumas áreas que consideramos fundamentais, nomeadamente a necessidade de formação dos técnicos e a ma-nutenção e melhoria das equipas e serviços que dão respostas nesta área aos nossos doentes. Como sabemos, não é isso que tem acontecido nos últimos tempos ao nível das três unidades de alcoologia.

António Leuschner, Presidente do Conselho de Administração do Hospital Magalhães Lemos

Ontem, celebrou-se o Dia Mundial da Saúde Mental… Ainda existe estigma quan-do falamos em patologia mental?

António Leuschner (AL) – Sim, ainda há al-guma reserva mas, felizmente, hoje em dia, já está bastante diluída em relação ao que era. Este ano foi dedicado aos problemas da juven-tude e à relação da juventude com a saúde mental e o mundo em mudança, portanto, fala-mos de uma faixa etária particularmente sensí-vel a isto e creio que, quer os jovens quer os adultos, já vão tendo menos problemas em as-sumir que têm sofrimento de natureza psicológi-

ca. São barreiras que estão a diluir-se e que se diluem mais facilmente quanto mais estas áreas estejam integradas na saúde em geral. Se con-tinuarmos a defender o acantonamento, seja da psiquiatria, seja dos comportamentos aditivos e das dependências, entre os quais os ligados ao álcool, a tratar do assunto isoladamente do res-to da saúde, pior é para o estigma e para os mi-tos que se colocam. É na comunidade que estas coisas se discutem, na proximidade e de forma integrada e transversal.

Quando fala na preponderância da proxi-midade, que importância atribui ao papel do médico de família no diagnóstico precoce dos problemas de saúde mental?

AL – Diria total… Os médicos mas não só es-tes. A equipa de família, multidisciplinar, que está em maior proximidade para com a população e onde as pessoas recorrem, por vezes, por situa-ções que não estão identificadas como sendo do foro psicológico mas que depois se percebe que têm relações com esta área, é decisiva. Quanto mais sensibilizadas estiverem as pessoas dos cui-dados primários para todos estes problemas, os psicológicos e os comportamentais, incluindo os comportamentos aditivos, melhor é a capacidade de fazer a identificação precoce e de orientar as pessoas para os sítios certos.

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Marta Monteiro, Terapeuta Ocupacional na Clínica do Outeiro

Começava por lhe pedir uma sinopse do que nos traz a este congresso…

Marta Monteiro (MM) – Foi-me pedido que falasse sobre o papel da Terapia Ocupacional. Numa primeira fase, vou falar sobre o que é a Terapia Ocupacional, uma vez que se trata de uma área ainda desconhecida no âmbito das dependências e, particularmente, na problemá-tica do álcool. Depois, vou falar sobre a inter-venção do Terapeuta Ocupacional com estes utentes.

E que papel é esse? A Terapia Ocupa-cional adapta-se e é útil a qualquer utente residente nestes programas de comunidade terapêutica?

MM – A Terapia Ocupacional é muito cen-trada na pessoa. Utilizamos as atividades como meio e fim para a pessoa se reorganizar e ter uma vida ocupacional satisfatória. Os utentes são vistos como únicos, sendo feita uma avaliação e paralelamente sinalizadas as suas necessidades e interesses. Posterior-mente definimos um plano de intervenção que vai de encontro ao plano de tratamento defini-do pela equipa terapêutica e os resultados que pretendemos atingir em comunidade terapêuti-ca. Mas sim, o raciocínio clínico do Terapeuta

Ocupacional é útil e adapta-se às necessida-des e interesses destes utentes.

Quer dizer que, na Clínica do Outeiro, todos os utentes têm esta vertente no trata-mento?

MM – Sim, todos têm um Terapeuta Ocupa-cional de referência, beneficiando de uma in-tervenção individual ou grupal, dependendo das suas necessidades e interesses.

Em que fase do processo começa essa intervenção?

MM – Em todo, desde a admissão, onde o Terapeuta Ocupacional desempenha um papel fundamental na avaliação em contexto real através da observação, até à alta. Trabalha-mos as competências no “terreno” através do envolvimento em atividades terapêuticas de forma a atingir os objetivos de tratamento.

Sendo os duplos diagnósticos uma par-te importante da vossa comunidade, exis-tem limitações ou cuidados especiais no âmbito da atuação da Terapia Ocupacional para este tipo de utentes?

MM – Independentemente do duplo diag-nóstico, o foco do Terapeuta Ocupacional é a pessoa enquanto ser ocupacional. Ou seja, a Terapia Ocupacional valoriza o que a pessoa precisa, o que deseja e o que espera fazer e neste sentido, não considero que haja limita-ções ou cuidados especiais na nossa atuação.

Presumo que este tipo de terapia vá muito além do que o próprio termo indica no que concerne a ocupar a pessoa…

MM – Sim, por isso na minha apresentação abordo os mitos associados à ocupação. A ocupação, para nós, pressupõe envolvimento. Não é “Fazer por fazer”. O uso das atividades com significado e propósito é exclusivo da Te-

rapia Ocupacional. No caso dos doentes alcoó-licos, o objectivo principal não é promover a abstinência, mas antes desenvolver novos pa-drões ocupacionais. A abstinência acaba por ser um subproduto de uma vida ocupacional satisfatória.

Sabendo-se que há uma quebra mais ou menos abrupta em que aquilo que os uten-tes eram antes de serem admitidos e o que passa a ser-lhes exigido que sejam, é fácil “vender-lhes” esta ideia?

MM – Sim, percebemos que na dependên-cia do álcool existe uma privação ocupacio-nal… Há uma quebra na identidade destas pessoas, envolvendo perdas de várias compe-tências. Não podemos exigir que as pessoas deixem simplesmente de consumir. Desenvol-vemos outra vertente: a reorganização dos pa-drões ocupacionais e a aquisição de várias competências permitem o envolvimento em áreas de ocupação até então negligenciadas. Não é propriamente vender a ideia, é dar ferra-mentas para os utentes conquistarem ganhos na sua saúde e bem-estar.

Fazem algum tipo de avaliação sobre a eficácia deste tipo de terapêutica?

MM – Por norma, fazemos uma avaliação inicial e realizamos avaliações intermédias para medir resultados. É um processo muito di-nâmico, onde reformulamos o plano de inter-venção de forma a ir de encontro aos objetivos de tratamento. Muitas vezes, conseguimos me-dir os resultados pelo envolvimento do utente na rotina diária da comunidade e pelo seu de-sempenho na mesma. A eficácia do nosso tra-balho é medida com base na atuação diária, ou seja, na participação do utente nas suas ocu-pações e na motivação que apresentam nas atividades terapêuticas.

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Francisco Amaral, Presidente da Câmara Municipal de Castro Marim

Levantou aqui uma questão extremamente pertinente: como poderão chamar-se os doen-tes para resolver problemas relacionados com o álcool se os políticos não estiverem interes-sados em participar nessa resolução?

Francisco Amaral (FA) – Sim, e é mais grave ainda do que explana… É escandaloso que ape-nas 8 por cento dos alcoólicos recorram aos servi-ços de saúde e se tratem… Os restantes 92 por cento andam aí, a prejudicar-se e a prejudicarem a família, que sofre muito com esta problemática e não sabe lidar com a situação. Tal como estamos a chegar à conclusão de que os médicos e enfermei-ros não sabem lidar com a situação. Aliás, a histó-ria do alcoolismo, pelo que estamos aqui a ver, é um mundo desconhecido, começando logo por uma pergunta que não tem resposta: como se con-vence um alcoólico que é alcoólico? Honestamen-te, para mim, que sou médico há muitos anos, esta é a área mais difícil da medicina. Não se trata um doente alcoólico sem o envolvimento e compro-misso da família…E repare que a maior parte da família já esgotou a paciência…temos que a ensi-nar a lidar com este tipo de situação. No meu mu-nicípio, temos bons programas de saúde, nomea-damente o de combate ao tabagismo, ao qual já recorreram cerca de 400 pessoas, com uma per-centagem de êxito na ordem dos 85 por cento… Recorremos a ferramentas como outdoors ou o fa-cebook para sensibilizar o fumador a recorrer ao programa; Temos um bom programa de combate à obesidade, com psicólogo, nutricionista, entre ou-tros profissionais, promovemos estes programas, desenvolvemos campanhas de sensibilização… agora, como se convence o alcoólico a aderir a um programa?

Como é que o médico convence o autarca?FA – Como médico que era, confesso que me

sentia frustrado… Como vê, estão aqui muitos mé-dicos, psicólogos, enfermeiros e outros profissio-nais da saúde que se sentem manifestamente im-potentes, além de ignorantes. Digamos que um autarca já tem algum poder, quanto mais não seja económico e consegui ultrapassar muitos obstácu-los, resolvendo muitos problemas de saúde a partir do momento em que me tornei autarca: criei a pri-meira unidade móvel de saúde no país, fiz as pri-meiras campanhas de vacinação contra a gripe e contra a pneumonia, tenho rastreios de cancro de pele de seis em seis meses, fomos o primeiro mu-nicípio do país a transportar pessoas para as con-sultas externas de especialidade, etc., etc…

Falamos aqui numa patologia em que, ha-bitualmente, o doente não quer ser tratado…Será pelo não reconhecimento do seu estado ou pelo grande estigma que ainda impera face à doença?

FA – Tudo junto! Aliás, a diferença substancial entre o fumador e o alcoólico é que o primeiro re-conhece ser fumador e não conseguir deixar. O al-coólico não reconhece, portanto, tem que haver uma estratégia que vise a sua aproximação aos cuidados. E era isso que eu pensava vir aqui aprender, mas, pelo visto, não há muito a apren-der… Em relação ao alcoolismo, ainda existe algo mais vergonhoso, que são os interesses económi-cos envolvidos. E quem faz as leis não quer saber destes assuntos. Como é que se explica que uma garrafa de água custe tanto numa área de serviço como uma cerveja…Cinco sextos do custo de um maço de cigarros vai para o Estado, ao passo que nem um sexto do custo de uma garrafa de vinho tenha o mesmo destino…

Em que medida poderia a descentralização de competências em áreas como a educação e a saúde resolver parte destes problemas?

FA – Mesmo sem haver essa descentralização de competências, nomeadamente na área da saú-de, eu, que sou o autarca mais antigo do país, fa-ço-o há 25 anos. Claro que me sirvo de parceiros como as IPSS para fazer muita coisa, mas, como é óbvio, com a descentralização, estamos mais des-cansados a tomar estas iniciativas. Aliás, essa des-centralização deveria ser acompanhada de um respetivo envelope financeiro porque estamos a resolver um problema que é do Estado e compe-tência do Governo. O mais importante é que não se chegue a estas dependências e, depois de to-dos estes anos de experiência autárquica e de saúde, constato que não encontro nada melhor para combater estas dependências do que o des-porto. E tudo o que uma câmara gasta em despor-to é pouco. Importante é ocupar os jovens com ati-vidades saudáveis.

Não o choca que outros autarcas ignorem a sua responsabilidade em matérias como estas?

FA – Alguns autarcas são tal como governan-tes, insensíveis, é um facto, outros entendem tra-tar-se de competência do Estado resolver. Repare que, além destas áreas, temos saneamento bási-co, recolha de resíduos sólidos, estradas, ruas, planeamento urbano, ação social… Agora, a saú-de, para mim, é de facto muito importante e admito que tenha feito menos uma estrada para privilegiar investimentos em saúde.

Programa de Combate ao Tabagismo renovado por mais um ano

A iniciativa foi lançada em 2015, um repto da Câmara Municipal de Castro Ma-rim para uma vida sem tabaco, que já con-ta com a adesão de mais de 300 pessoas. Por decisão da última reunião de câmara, o programa municipal de combate ao taba-gismo foi renovado por mais um ano, num protocolo com a Santa Casa da Misericór-dia de Castro Marim, no valor de 12.000 euros.

Este programa de combate ao tabagis-mo envolve a gratuidade da medicação e a disponibilidade permanente de médico e psicólogo.

O investimento destes 4 anos ronda os 45.000 euros, mas os ganhos, quer em ter-mos de saúde, quer na economia dos ex-fu-madores, ascendem em muito esta quantia. O autarca de Castro Marim, também médico, Francisco Amaral, salienta os ganhos destes ex-fumadores, “deixar de fumar é uma deci-são inteligente que dá mais anos de vida, mais qualidade de vida e mais dinheiro na carteira. A taxa de sucesso desta iniciativa, para aqueles que completam o tratamento, é atualmente de 86 %, um valor muito superior à média nacional”.

Por uma vida mais saudável, a Câmara Municipal de Castro Marim desenvolve vá-rias iniciativas de sensibilização e outro programa inovador, o de combate à obesi-dade, com a adesão de cerca de 150 pes-soas e que reúne diferentes abordagens técnicas, que passam pela consulta médi-ca, nutrição, psicologia e prática de des-porto.

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Evento foi organizado pela Casa de Saúde S. João de Deus Funchal:

III Convenção de Comportamentos Aditivos e Dependências da Madeira

Dando continuidade a um trabalho de formação, reflexão e partilha de experiên-cias há muito trilhado pela instituição na contínua intervenção, pesquisa, investiga-ção e procura de respostas de excelência técnica e científica, conducentes às melho-res práticas, o evento teve uma participação alargada dos profissionais de saúde, da área social, educativa e da família, refletin-do-se sobre as problemáticas próprias da saúde mental, nomeadamente as dependên-cias e dos contextos sociais de hoje. Desta-que para a presença de cerca de 400 profis-sionais, de várias áreas de atividade, o que dotou este evento de um cariz multidiscipli-nar e holístico.

Dependências marcou presença no evento e entrevistou Luís Filipe Fernandes, Diretor Clínico da Casa de Saúde S. João de Deus Funchal, registando ainda a inter-venção de Rita Andrade, Secretária Regio-nal da Inclusão e Assuntos Sociais do Go-verno Regional da Madeira.

Luís Filipe Fernandes, Diretor Clínico da Casa de Saúde S. João de Deus Funchal

Que avaliação faz desta terceira con-venção de Comportamentos Aditivos e Dependências da Madeira, que reuniu vá-

rios técnicos e um conjunto de saberes multidisciplinares? Podemos falar num evento holístico?

Luís Filipe (LF) – Creio que sim… Procu-rámos criar um programa abrangente às vá-rias áreas de intervenção no álcool e, como tal, com vários intervenientes, de vários domí-nios. No fundo, cada um com o seu saber, acaba por focar as diversas etapas, quer do percurso da dependência, quer do tratamento e, eventualmente, da reabilitação.

Em que medida continua o mito do ál-cool a constituir hoje um dos grandes pro-blemas que, vocês, profissionais, têm que ultrapassar?

LF – Fruto de trabalhos que têm sido feitos ao nível da prevenção, muitos dos falsos conceitos que havia – podemos tal-vez dizer – antigamente, estão a ser bem combatidos. Não se trata de uma guerra ganha mas creio que estão a ser bem com-batidos. Penso que as pessoas já têm hoje uma visão diferente relativamente a esses mitos, agora, pela nossa experiência no Centro, constatamos que nas populações mais novas não estão a haver tantos abu-sos em relação ao álcool como sucedia em gerações mais antigas. No entanto, em re-lação a estas gerações mais antigas, os que são consumidores, estarão provavel-mente a beber mais. Em suma, parece-nos que os números estabilizaram no que res-peita a novos consumidores mas aqueles que bebem estarão a beber mais.

Existe redução de riscos para enfrentar esta problemática?

LF – Para o álcool não existe grande redu-ção de riscos… Na Casa de Saúde, temos um programa desenvolvido em parceria com uma associação local, no âmbito do qual, através de um trabalho de rua, estamos a tentar moti-var alguns sem-abrigo, mutos dos quais com patologia psiquiátrica e dependência e, ape-sar de serem pessoas que, provavelmente, recairão mais do que os outros, até porque não têm um suporte familiar e social que favo-reça a reabilitação… E tem sido uma curiosi-dade e satisfação para nós constatar que os períodos de abstinência têm sido maiores ao longo dos últimos tempos. Provavelmente,

A Casa de Saúde S. João de Deus Funchal - Funchal organizou a III Convenção de Comportamentos Aditivos e Dependências da Madeira, evento científico e formativo que teve lugar nos dias 19 e 20 de outubro, no auditório Bento Meni, nesta instituição de saúde, situada em Santo António

- Funchal.

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não estaremos a conseguir reabilitá-los total-mente mas estamos a conseguir que passem mais tempo capazes de fazer uma vida supos-tamente mais normal…

Devemos falar no doente alcoólico ou na família doente?

LF – Nas duas… Existem famílias que indu-zem, de alguma forma, comportamentos entre os quais, eventualmente, os das dependências e muitos outros que, fruto da sua dependência, acabam por sofrer e fazer sofrer todas as pes-soas que giram no seu ciclo familiar. Daí a im-portância que que sempre se deu e se dá cada vez mais ao papel às famílias nestes processos de tratamento e reabilitação.

Antigamente, proliferava a perspetiva do alcoólico como alguém bem disposto, animado e extrovertido… Hoje, fala-se em alguém com uma patologia grave…

LF – Quando se fala em antigamente nes-tas coisas da psiquiatria e da saúde mental, estaremos a referir-nos, ao contrário de mui-tas outras áreas, há meia dúzia de anos… Muita dessa atitude “cultural” só se baseava no desconhecimento científico que tínhamos relativamente aos problemas ligados ao ál-cool. Como sempre, à medida que vamos evo-luindo no conhecimento e saber, estaremos mais despertos e conhecedores dos riscos, aos quais, noutras alturas, por desconheci-mento, não dávamos o devido valor.

Falamos numa doença sem cura?LF – Tenho vários doentes dependentes

desta substância e de outras que estão hoje a fazer uma vida perfeitamente normal. Agora, se falarmos em cura, estou a igualá-los às ou-tras pessoas que nunca tiveram este proble-ma. Aquela pessoa que teve este problema está curada se não voltar a experimentar. Mas

não está tão curada como a outra que nunca experimentou. Por isto mesmo, acaba por ser uma doença crónica.

E existem hoje fármacos que permitem uma melhor intervenção nessa doença cró-nica?

LF – Temos hoje fármacos mais eficientes do que tínhamos há meia dúzia de anos atrás. O grande problema estará atualmente asso-ciado ao preço. A grande maioria dos nossos doentes não pode ter acesso a esse tipo de fármacos, até porque são normalmente pes-soas que, fruto das suas dificuldades, resta--lhes muito pouco dinheiro.

Temos aqui um auditório completamen-te cheio, onde se nota particularmente a presença de jovens… Foi estratégica a pro-moção da sua presença?

LF – Sim, foi porque acreditamos que um dos grandes pilares desta área é a educação, através da transmissão de novas formas de entender as dependências. E ninguém melhor do que os nos-sos adolescentes para começarem a ouvir coisas a que não terão provavelmente acesso no seu grupo de pares, resultando um olhar diferente so-bre o que lhes é oferecido no dia-a-dia. E também nesse contexto realizámos um concurso com ado-lescentes do 12º ano que, recorrendo a meios ar-tísticos e tecnológicos, falaram sobre estas ques-tões das dependências. E são tão importantes que, nas nossas reuniões semanais do centro de recuperação de alcoólicos, começaremos a convi-dar semanalmente um jovem, que ouviremos. Sa-bemos que são acutilantes na forma de pensar e, por vezes, chamam-nos a atenção para determi-nados aspectos para os quais, por termos uma vi-são mais científica e camuflada dada a idade, não estaremos tão despertos. Portanto, continuare-mos a investir no olhar, no ouvir e no partilhar com eles esta forma de intervenção.

Rita Andrade, Secretária Regional da Inclusão e Assuntos Sociais do Governo Regional da Madeira

“Para continuarmos a lutar contra os CAD, temos que o fazer em articulação com todos os intervenientes nesta problemática, como tem vindo a ser feito e continua a ser feito. Neste âmbito, a aposta na realização desta convenção dedicada a esta temática na Ma-deira constitui um bom exemplo de como ne-cessitamos de ser observadores e persisten-tes nas ações que realizamos.

Em nome do Governo Regional da Madei-ra, não posso deixar de começar por agrade-cer à Casa de Saúde São João de Deus por mais esta organização, que reúne um conjun-to alargado e diferenciado de profissionais e de saberes, reafirmando ou dando a conhecer

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projetos e intervenções, acalentando-os e re-temperando a força, o empenho e a motiva-ção de todos quantos neles trabalham, dedi-cando grande parte da sua vida e do seu tem-po a populações e indivíduos em situação vul-nerável e tantas vezes de difícil resolução, como são os CAD.

Os CAD têm problemas associados com riscos e custos contra os quais não se podem baixar os braços, devido às implicações que têm na vida de cada pessoa afetada, nas fa-mílias e sociedade em que está inserida. Por isso, é importante que cada um faça o seu papel de forma articulada, com o propósito comum de debelar uma preocupação que deve ser de todos. Pela parte do Governo Regional, entre as ações que empreende-mos, destaco o papel do Instituto da Admi-nistração da Saúde e os Assuntos Sociais, através da Unidade Operacional de Inter-venção em CAD (UCAD), que dinamiza as atividades de prevenção e de redução do consumo de drogas ilícitas e lícitas na Região Autónoma da Madeira. Tem realizado um tra-balho eficaz na prevenção dos CAD no arqui-pélago, ao atuar nas diversas áreas de inter-venção com projetos e programas para redu-zir os fatores de risco e aumentar os fatores de proteção na população. Entre outras com-petências, a UCAD pretende assegurar a im-plementação da Política Regional de Luta

Contra a Droga, o Álcool e as Toxicodepen-dências e promover a articulação entre as ins-tituições, incentivando a participação das instituições da comunidade, públicas ou pri-vadas, no desenvolvimento de ações de prevenção, de RRMD e de reinserção so-cial. Tem igualmente a missão de apoiar a CDT, procedendo à recolha de informação em saúde junto dos serviços públicos e das entidades privadas, com intervenção nas áreas de consumo de substâncias psicoati-vas, de condutas aditivas e de dependên-cias, de acordo com metodologias desenvol-vidas, apoiando também a dissuasão do consumo de substâncias psicoativas. Já no domínio da prevenção, tem o foco no forneci-mento de toda a informação e competências, no sentido de os destinatários poderem lidar com o risco do consumo de substâncias psi-coativas, assim como de outros comporta-mentos de risco.

Na Europa, estima-se que mais de 85 mi-lhões de adultos consumam substâncias psi-coativas ao longo da vida, o que significa que um quarto da população adulta do Velho Conti-nente consome ou já consumiu drogas… Se juntarmos às drogas tradicionais o aparecimen-to de novas substâncias psicoativas com uma tendência crescente na Europa, não podemos desviar o foco nem facilitar, por um momento que seja, no que toca a esta matéria.

A condução sob o efeito de álcool con-tinua a ser uma preocupação, onde so-bressaem os acidentes de viação. A OMS considera-os uma das principais causas de morte. Era a 9ª em 2004 e a OMS ante-vê que seja a 5ª em 2030… Mas o consu-mo exagerado de álcool também está as-sociado a outro grande flagelo que bem conhecemos, a violência doméstica. Em 2017, o número de vítimas de violência doméstica totalizou, na Região Autónoma da Madeira, 162 novos casos. Só no pri-meiro semestre de 2018, foram já atendi-das pela equipa de apoio à vítima de vio-lência doméstica do ISS da Madeira 67 pessoas, sendo que mais de 50 por cento destes casos estão ligados à dependência de álcool e de estupefacientes. São núme-ros que merecem a nossa reflexão. Tam-bém de acordo com a OMS, o consumo de tabaco, álcool e drogas ilegais está entre os 20 maiores fatores de risco para a saú-de. A juntar à problemática das mortes, o consumo excessivo destas substâncias constitui também um fator de risco impor-tantíssimo para uma grande variedade de problemas socioeconómicos.

Neste panorama e face aos números atuais, temos que continuar unidos neste grande trabalho, que não é apenas de uns mas de todos nós”.

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III Ciclo Temático de Formação em Alcoologia da UAC:

As estratégias e políticas de Saúde ligadas ao álcool, por Manuel Cardoso

Estamos numa instituição que, há três anos, tem vindo a desenvolver um conjunto de ações de formação holísticos na área do álcool. Em que medida vai de encontro às preocupações reveladas no âmbito do Fó-rum Nacional Álcool e Saúde?

Manuel Cardoso (MC) – Teria de perguntar à organizadora e diretora da unidade se tem al-guma relação com o FNAS… Na minha perspe-tiva, tem seguramente a ver com outra coisa: o uso nocivo do álcool não é apenas um problema dos especialistas em alcoologia ou sequer da saúde mental. O problema do uso nocivo do ál-cool é um problema de saúde pública e da co-munidade, até porque o uso do álcool é algo muito enraizado e tolerado qualquer que seja o padrão de consumo, nocivo ou não e, portanto, a abordagem aqui feita nesse modo holístico é realmente uma forma de fazer a comunidade perceber que há riscos associados ao uso noci-vo.

No entanto, a preocupação em torno do fenómeno é recente…

MC – É uma meia verdade… A OMS preocu-pa-se com as questões do álcool desde os anos 70. Na mesma altura em que foram elaboradas as Convenções para as questões das drogas, tam-bém foram pensadas, ao nível da Assembleia Ge-ral das Nações Unidas, as questões do álcool. Em Portugal, por exemplo, os primeiros centros regio-nais de alcoologia foram criados em 1988… Por-tanto, tem havido uma preocupação, se calhar menos, mas muito direcionada para o problema

dependência, para o alcoólico ele mesmo e não tanto para o problema do uso nocivo do álcool, como hoje é abordado. A evidência científica da relação do uso nocivo do álcool com várias patolo-gias e doenças é hoje muito maior. E essa sim, será a diferença. Temos que pensar que o álcool não é tolerado nas sociedades ocidentais e na Eu-ropa apenas por ser consumido por muita gente. É algo que existe na humanidade há vários milhares de anos, a sua utilização tem tido várias nuances e a verdade é que, em países como Portugal e ou-tros do mundo, tem um peso económico tremen-do. Quando nos sentamos na Assembleia da OMS para discutir uma qualquer estratégia, é difí-cil compaginar vontades dos suecos com, por exemplo, os cubanos, quando para estes existe uma indústria extremamente importante como a do Rum… Em Portugal, o que o vinho, por exem-plo, move em termos de economia representa algo muito significativo…

Sei que esteve recentemente na Rússia, onde este problema foi discutido… O proble-ma assume contornos semelhantes ao por-tuguês?

MC – O fenómeno, na Rússia, há meia dú-zia de anos, era bem pior do que em Portugal e, neste momento, de acordo com o relatório da OMS, ainda se constatam grandes consumos e consumos problemáticos… A verdade é que im-plementaram uma estratégia há relativamente pouco tempo, em que se alicerçaram nas várias medidas protagonizadas pela OMS e têm tido um enorme decréscimo do uso nocivo, dos PLA, de alguma morte relacionada… Têm tido bas-tante sucesso.

Que resultados têm sido obtidos a partir das três premissas prioritárias em Portugal, relativamente à tolerância zero para grávi-das, menores de 18 e condutores?

MC – No que respeita aos acidentes rodo-viários não estamos a ter sucesso neste mo-mento. Já tivemos mas, nos últimos três anos, a situação está a piorar em termos globais; quan-to à gravidez, o estudo que fizemos demonstra que as mulheres portuguesas têm uma cons-ciência muito presente de que o consumo de ál-cool pode afetar o feto e, portanto, a grande maioria pára mesmo os consumos, a par de al-gumas que apenas reduzem; em relação aos 18 anos, não temos ainda resultados precisos. Va-mos realizar o estudo na população escolar no próximo ano mas, pelo que obtivemos a partir do inquérito à população geral, parece que os mais novos estão a ter um maior cuidado com os consumos. Mas são ainda tão altos e em tão grandes quantidades que dizer que estamos melhor parece demasiado ousado, uma vez que estamos ainda num patamar muito deficitário.

Costuma referir-se igualmente a um indi-cador, a esperança de vida, que tem aumen-tado entre a população portuguesa mas não acompanhada com qualidade de vida e saú-de…

MC – Exatamente. Nós temos tido uma belíssima evolução de esperança de vida, es-tamos acima da média europeia e, entre os melhores da Europa, apresentamos pequenas diferenças – não estamos ao nível que gosta-ria, nomeadamente da Espanha, Itália ou França – mesmo assim, é interessante… A esperança de vida aos 65 anos é também muito interessante, semelhante aos nórdicos e aos países do sul mas, quando pensamos nesses anos, a partir dos 65, e em quantos anos vivemos com saúde, ou sem incapacida-de, aí temos resultados desastrosos, quer para homens, quer para mulheres. Apenas um quinto dos anos é vivido com saúde ou sem algum tipo de incapacidade.

A Unidade de Alcoologia de Coimbra acolheu, no dia 30 de outubro, a sexta sessão do III Ciclo Temático de Formação em Alcoologia. Uso Nocivo de Álcool: Estratégias e Políticas de Saúde foi o tema da preleção de Manuel Cardoso, subdiretor geral do SICAD, o convidado pela UAC para o evento,

que pelo terceiro ano consecutivo se tem traduzido como um fórum de debate no âmbito da prevenção, tratamento, reabilitação e reinserção de pessoas com PLA’s. Dependências esteve presente nesta iniciativa, onde entrevistou Manuel Cardoso.

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CDT da Madeira:

Um parceiro (também) na prevenção indicada

E o consumo de substâncias ilícitas ?TF - Na RAM, o consumo de substâncias ilí-

citas nos jovens aumentou no ano de 2018. Es-tamos a falar de cerca de 32% de processos que envolvem jovens entre os 20-24 anos em 2017, e de 16% entre os 16-19 anos. Em 2017, a percentagem de menores com processos de contraordenação era de 1%. Em 2018, são já 11% os menores com processos de contraorde-nação instaurados. Em 2018 também percebe-mos que há um aumento do número de proces-sos que envolvem jovens na faixa etária com-preendida entre os 16-19 anos: 27% até outubro de 2018.

Nós fazemos esta análise da situação com alguma frequência, até porque permite-nos compreender a relevância da intervenção em dissuasão – estes dados, a par da nossa análi-se do processo individual, tornam possível uma ação mais centrada no indiciado.

Em que consiste as respostas da CDT para os casos sinalizados e referenciados?

TF - A Comissão para a Dissuasão da Toxi-codependência é a entidade administrativa res-ponsável por concretizar o regime jurídico apli-cável ao consumo de estupefacientes e subs-tâncias psicotrópicas – sob a alçada direta da Secretaria Regional da Saúde –, designada-mente no que diz respeito às contraordenações relativas ao consumo, à aquisição e à detenção para consumo próprio dessas substâncias, des-de que as quantidades não excedam o neces-sário para o consumo médio individual durante o período de dez dias, em conformidade com o Mapa Anexo à Portaria nº 94/96, de 26 de mar-ço.

O quadro normativo em vigor aplicável ao consumo de substâncias ilícitas (Lei n.º 30/2000, de 29 de novembro, regulamentada pelo Decre-to-Lei nº 130-A/2001, de 23 de abril), incorpora um conjunto de princípios e estratégias emer-gentes do paradigma da dissuasão, que se sus-tenta numa filosofia e abordagem integradoras e complementares no domínio da redução da procura, que transcende a ótica da mera descri-minalização.

Organizado pelo Governo Regional da Madeira, através da Comissão para a Dissuasão da Toxicodependência da Região Autónoma da Madeira promoveu as Ias Jornadas Atlânticas para a Dissuasão da Toxicodependência, que se realizaram, no dia 24 de Setembro de 2018, no Auditório do

Comando Regional da Madeira da Polícia de Segurança Pública, tendo como público-alvo os órgãos de polícia criminal, técnicos de saúde, educação e serviço social. O evento contou ainda com a presença do Dr. Manuel Cardoso do SICAD

(ano todo)2017 % (até 19/10/18)2018 %MENORES 3 1% 15 11%

16-19 32 16% 37 27%

20-24 64 32% 44 32%

40 ou + 15 7% 20 14%

Cannabis 173 86% 114 81%

MDMA 1 0% 3 2%

Cocaína 4 2% 7 5%

Heroína 11 5% 10 6%

Ativo 63 31% 43 29%

Estudante 26 13% 30 22%

Iníc. consumos <16 25 12% 30 21%

Iníc. consumos 16-19 63 31% 43 31%

Uso Nocivo 26 13% 22 16%

Alto Risco 6 3% 8 5%

Reincidências 23 11% 27 16%

Masculino 194 97% 137 96%

Teresa Fernandes

A partir dos indicadores obtidos a partir das referenciações, que principais proble-máticas relacionadas com comportamentos aditivos e dependências identificam no terri-tório?

Teresa Fernandes (TF) - Os comportamen-tos aditivos e dependências estão profunda-mente associados à idade da experimentação. A idade de experimentação é, como sabe, um fator determinante na evolução dos consumos esporádicos para dependência (quanto mais cedo se der a experimentação de uma determi-nada substância, maior será a probabilidade de haver um aumento do risco de envolvimento com a substância). Na Região Autónoma da Madeira, em 2017, tivemos cerca de 12% de ca-sos em que os indiciados iniciaram consumos em idade inferior aos 16 anos. Este ano, até ou-tubro, essa percentagem já aumentou para 21%.

O facto de haver consumos mais cedo preo-cupa-nos, em particular, porque estes jovens podem estar a optar por abandonar os seus pro-jetos de vida – escolaridade obrigatória, por exemplo.

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A dissuasão dos consumos e os ganhos em saúde que se alcançam por via de orientações técnicas são baseadas na evidência científica, de especialização das intervenções e harmoni-zação de práticas e procedimentos, preconiza-dos no âmbito de uma intervenção em matéria de comportamentos aditivos e dependências.

Assim, a dissuasão materializa uma mudan-ça de atitude legislativa com a passagem de um quadro criminalizador para um registo dissua-sor, mais centrado na pessoa consumidora de substâncias psicoativas, nas suas necessida-des e na motivação para a mudança de compor-tamentos.

Esta perspetiva integradora subentende uma rede de respostas locais complementares, que atue no mesmo sentido e que corresponda às reais necessidades da população consumi-dora.

A Comissão para a Dissuasão da Toxicode-pendência da Região Autónoma da Madeira, com competências territoriais para a aplicação da lei, desenvolve um trabalho de proximidade e de mediação entre as situações de consumo e a aplicação de medidas sancionatórias.

Sem desresponsabilizar o indiciado pela prática de um comportamento ilícito, procura in-tervir e adequar as decisões proferidas à situa-ção concreta do indiciado, equacionando a sua realidade pessoal e o seu contexto social, sem-pre com a tónica colocada na promoção da Saú-de.

As medidas de proteção sanitária e social podem passar pelo encaminhamento dos indi-ciados para estruturas de enquadramento de acordo com o seu perfil, bem como com diligên-cias que o motive a aceitar essas mesmas me-didas.

No cumprimento da legislação específica das Comissões para a Dissuasão da Toxicode-pendência, pretende-se contribuir para a redu-ção do consumo de substâncias ilícitas na Re-gião Autónoma da Madeira através da aplicação de medidas em consonância com as necessida-des do indiciado, sejam elas preventivas, sani-tárias, terapêuticas, sociais ou sancionatórias.

Como avaliam a articulação com as res-postas oferecidas pelas áreas da saúde, so-ciais e de justiça no que respeita aos casos em que sentem a necessidade de referenciar ou encaminhar?

TF - Um dos nossos maiores desafios pas-sa por contribuir para a redução do consumo de substâncias psicoativas ilícitas na Madeira atra-vés da aplicação de medidas em consonância com as necessidades do indiciado, sendo que a atuação da CDT-RAM surge a jusante do pro-blema, após o indiciado ter tido contacto com a substância ilícita.

Neste mandato (2016-2019) tivemos a per-ceção de que teríamos que melhorar o conheci-mento e articulação com os nossos parceiros em rede, de forma a conseguirmos respostas in-tegradas e em tempo útil para os indivíduos que realmente se apresentam motivados para iniciar um processo de mudança. Assim, criámos pro-

tocolos de colaboração com um vasto leque de entidades regionais – desde Juntas de Fregue-sia, Câmaras Municipais, IPSS, etc – de forma a melhorar a articulação com todos naquela que é a nossa capacidade de intervenção em dissua-são junto destes grupos alvo.

O principal desafio está em conseguirmos motivar todos aqueles que já estão envolvidos com a substância e que apresentam um risco elevado de envolvimento com a mesma e enca-minhá-los para os serviços de saúde adequa-dos. Não conseguindo motivá-los para essa res-posta, a CDT promove medidas de acompanha-mento levadas a cabo pela própria Comissão, no sentido de proceder a intervenções breves cujo objetivo é ajudar no desenvolvimento de autonomia dos indiciados, atribuindo-lhes a ca-pacidade de assumir iniciativa e a responsabili-dade pelas suas escolhas incentivando-os, no fundo, a parar ou reduzir o seu consumo destas substâncias. O objetivo final passa, obviamente, por motivá-los para os serviços de saúde. Não sendo isso possível, procuramos sempre acom-panhá-los com estas intervenções.

Obviamente não descurámos a nossa ação direta no domínio da promoção da saúde, du-rante as audições ou acompanhamentos, de-senvolvendo sempre a motivação e sensibiliza-ção dos indiciados para programas de trata-mento mais estruturados ou acompanhamento psicossocial nos Centros de Saúde da área de residência – encaramos estes acompanhamen-tos como programas de promoção de compe-tências pessoas e sociais capazes de recupe-rar/criar a autoestima e confiança necessárias a cada uma destas pessoas de forma a afastá-los destes comportamentos desviantes e tomarem decisões que promovam a sua saúde física e mental.

Parece-nos importante desenvolver formas de complementar as intervenções em parceria com outros projetos da Região (Projetos como o “Mais Verão…Sem Drogas!”).

É nesta lógica que procuramos estar sem-pre em colaboração direta com a Comunidade: estamos a fazê-lo junto das escolas, a participar em grupos de trabalho sobre o consumo de substâncias lícitas e ilícitas (debate e reflexão), ou sobre a intervenção em dissuasão junto dos mais jovens; estamos a fazê-lo através dos pro-tocolos de colaboração com as Câmaras Muni-cipais e Juntas de Freguesia e com as Institui-ções que trabalham com grupos de risco, atra-vés de campanhas em parceria com o IASAÚ-DE, IP-RAM e os órgãos de polícia criminal e, ainda, com a Secretaria Regional da Inclusão e Assuntos Sociais através do IHM, E.P.E.-RAM.

Os nossos objetivos são claros: queremos contribuir para a diminuição dos riscos relacio-nados com o consumo de substâncias ilícitas, promover os cuidados de saúde e sociais e res-petiva integração de consumidores de substân-cias ilícitas em programas estruturados de trata-mento disponíveis nos serviços da rede pública regional de saúde.

Em que medida sentem que a descrimi-nalização do uso e posse para uso tem favo-recido a aproximação dos utilizadores de drogas às respostas sócio-sanitárias e um maior pragmatismo relativamente à aborda-gem?

TF - Como sabe, a dissuasão decorre da aplicação da Lei nº 30/2000, de 29 de novembro e complementares, assentando numa perspeti-va de descriminalização do comportamento de uso, mas sempre procurando responsabilizar o indiciado através da aplicação de medidas ade-quadas às necessidades de cada um, sem es-quecer que muitos destes consumidores preci-sam de ajuda, de tratamento. Primeiro, ajudá--los, depois, responsabilizá-los pelo ato ilícito que praticaram. Ou seja, há sempre lugar à apli-cação de medidas sancionatórias, em alternati-va a medidas que foram consideradas mais pu-nitivas até 2000.

Uma das grandes mudanças da década no âmbito da dissuasão deu-se a par do reforço da coordenação e das respostas a nível regional, municipal e local, que ganhou maior expressão junto do nosso grupo alvo. O objetivo sempre esteve em manter uma lógica de proximidade e abertura à comunidade, criando uma rede de respostas integradas e complementares aos consumos de substâncias psicoativas. De sa-lientar o impacto que a sanção de prestação de serviços gratuitos a favor da comunidade junto dos indiciados reincidentes, possibilitam uma aproximação à comunidade, bem como a res-ponsabilização do indivíduo pela prática do ilíci-to – esta medida tem tido um impacto muito po-sitivo na Região Autónoma da Madeira, e tem tido muito boa aceitação seja por parte dos par-ceiros, seja por parte dos indiciados. A par desta sanção, que apesar de ser uma sanção, tem sido muito bem aceite por parte dos indiciados, damos a possibilidade ao indiciado de escolher (de entre um leque de várias instituições) a que entidade poderá proceder à entrega de uma contribuição monetária – que, de acordo com a Lei, só poderá ser feita a Instituições Públicas ou Particulares de Solidariedade Social.

Assim, o principal enfoque da nossa atua-ção sempre esteve na expansão e eficácia das respostas, tendo sempre em consideração esta proximidade ao indiciado e às suas necessida-des.

Que avaliação é possível fazer a partir da

implementação da CDT no território?TF - Apesar de termos um aumento do nú-

mero de indiciados menores, junto dos indicia-dos presentes em Audição verifica-se que há um decréscimo/abandono do consumo das SPA’s. Há um incremento da perceção do risco para os indiciados não dependentes (se a per-ceção do risco aumenta, diminui o consumo).

Neste sentido, assiste-se a uma mudança do estilo de vida, bem como à desconstrução das crenças positivas relacionadas com as substâncias, e ao cabal esclarecimento do Re-gime Jurídico aplicável ao Consumo de Subs-tâncias Estupefacientes e Psicotrópicas.

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Será legítimo atribuir-se às CDT um pa-pel ao nível da prevenção indicada ou resu-mir-se-á o mesmo à dissuasão?

TF - A dissuasão intervém de forma transver-sal nos CAD, procurando sempre adequar as res-postas integradas aos indiciados e aos problemas que despoletaram estes comportamentos des-viantes. A nossa motivação reside precisamente na intervenção precoce, nos princípios da deteção dos consumos e do incentivo à mudança de com-portamentos destes indivíduos, no sentido de os conseguirmos encaminhar para os sistemas de saúde adequados. No fundo, fazemos uma espé-cie de despiste de situações que, não sendo de dependência ou alto risco, carecem de um acom-panhamento específico diferenciado. Nos casos de dependência ou alto risco, promovemos uma abordagem integrada complementar ao processo de contraordenação, por via da mediação com a rede de parceiros regionais, onde estes indivíduos conseguem ter acesso a um acompanhamento especializado e diferenciado.

O trabalho que fazemos na dissuasão está di-recionado para a valorização da avaliação da mo-tivação dos indiciados para a mudança de com-portamento, com a consequente dissuasão dos consumos.

Ou seja, nós não temos um papel ativo na prevenção indicada. Entendemos, sim, que a dis-suasão abre a porta à prevenção indicada, ao pro-mover a adesão aos apoios especializados dispo-níveis na Região.

Que avaliação faz das Jornadas atlânticas para a dissuasão realizadas na Madeira?

TF - As Ias Jornadas Atlânticas para a Dissua-são da Toxicodependência foram realizadas na Região Autónoma da Madeira a 24 de setembro de 2018.

Esta iniciativa surgiu na sequência da im-portância da discussão desta realidade sob vá-rios prismas - sejam eles políticos, jurídicos, sa-nitários, científicos ou sociais - pelo que contou com a intervenção de entidades de variadas áreas do conhecimento, tendo em conta a origi-nalidade do modelo português da descriminali-zação do consumo.

É importante referir que o número de inscri-ções superou as nossas expetativas iniciais, o que revela que cada vez mais os técnicos da área da saúde, da área social, professores e jovens enca-ram esta questão da dissuasão da toxicodepen-dência e do consumo de substâncias ilícitas com preocupação.

Neste encontro foram abordados temas como a perspetiva da saúde pública, a saúde mental, o contexto social e político da descriminalização, a perspetiva científica das dependências, e a quali-dade da intervenção em dissuasão, bem como o papel das CDT’s.

Este evento envolveu órgãos de polícia crimi-nal, técnicos de saúde, educação, serviço social, e comunidade educativa (educadores, familiares, e alunos).

Para nós foi muito importante realizar estas Jornadas, por várias razões. Por um lado fomos participantes – entendemos que é importante di-vulgar o papel da CDT-RAM junto da Comunida-de, na perspetiva de uma intervenção integra-da. Por outro lado, fomos a entidade coordena-

dora do evento, promovido pela Secretaria Re-gional da Saúde da Região Autónoma da Madeira.

Nesta lógica, convidámos também a estar presentes representantes das CDT’s dos Aço-res, da Secretaria da Saúde da Região Autóno-ma dos Açores e dirigentes nacionais do Servi-ço de Intervenção nos Comportamentos Aditi-vos e Dependências (Ministério da Saúde) – foi a primeira vez que se realizou um evento com a participação de várias CDT’s na RAM.

Além de divulgarmos o nosso trabalho, con-seguimos consolidar relações de colaboração direta com os nossos parceiros. Este trabalho de colaboração e de aproximação à rede de parceiros tem vindo a ser fomentada ao longo dos anos e, com este evento, pretendemos con-solidar essa proximidade e compreender, de facto, quais as dificuldades de cada um na inter-venção em dissuasão. Este tipo de iniciativas permite-nos adaptarmo-nos à nova realidade dos consumos de substâncias ilícitas na Região e de promovermos a nossa abertura à Comuni-dade. É, no fundo, uma forma de divulgar o tra-balho que a CDT-RAM tem vindo a desenvolver, não só toda a componente de processamento das contraordenações e aplicação das respeti-vas sanções, mas também o trabalho feito em parceria, nomeadamente: assinatura de proto-colos com Câmaras Municipais e Juntas de Fre-guesia para a aplicação das sanções alternati-vas - serviço gratuito a favor da Comunidade - e, em alternativa à coima, a entrega de uma contri-buição monetária a Instituições públicas ou par-ticulares de solidariedade social, por exemplo.

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Investir na promoção da saúde e na prevenção da doença ao longo da vida…

Câmara Municipal de Matosinhos apresenta Plano Municipal de Saúde

Para a elaboração deste documento, foi ne-cessário conhecer a realidade, mais concreta-mente o Perfil de Saúde de Matosinhos, docu-mento que foi apresentado na sessão por Luís Guedes, da Unidade de Saúde Pública.

A Presidente da Câmara Municipal, Luísa Salgueiro, alertou os presentes para o facto de o Plano Municipal de Saúde de Matosinhos orientar “para a necessidade de investir na saú-de ao longo de todo o percurso de vida”. Aliás, esse é o primeiro dos cinco eixos estratégicos do plano, que visa “promover a saúde e prevenir a doença” ao longo da vida e não apenas duran-te a chamada “velhice”.

Lília Pinto, diretora do departamento de In-tervenção Social, deu a conhecer os restantes quatro eixos: Capacitar os indivíduos para a me-lhoria e manutenção da saúde, criar comunida-des locais e ambientes promotores da saúde mais resilientes, diminuir o impacto que os prin-cipais problemas de saúde têm sobre a popula-ção e centrar o sistema de saúde nas pessoas e na sua qualidade de vida. E anunciou algumas das medidas previstas para concretizar estes objetivos.

A Bolsa de Cuidadores é um dos projetos--piloto que o Município de Matosinhos irá de-senvolver ao longo dos próximos dois anos. Para o efeito, foi tido em conta o perfil dos cui-dadores informais. A maioria são mulheres com mais de 55 anos, cuidadoras de pessoas com alguma idade, deficiência, doença/ demência, com necessidade de apoio socioeconómico e de apoio domiciliário.

Segundo Catarina Pires, chefe de divisão de Promoção Social e Saúde, as necessidades constatadas no terreno foram principalmente o apoio nas atividades diárias. Assim, a Câmara Municipal irá criar uma Bolsa de Cuidadores, que disponibilizará pessoas prestadores de cui-dados, com perfil adequado e qualificações cer-tificadas. O objetivo é apoiar o cuidador informal nessa função, para que possa dedicar-se a ou-tra atividade ou simplesmente descansar. Este serviço destina-se a aliviar a carga do cuidador informal e não substitui o serviço prestado pela rede local de IPSSs.

Para concretizar este projeto, será dada for-mação a cidadãos desempregados inscritos no

Centro de Emprego, seguindo-se a seleção de dez pessoas para a equipa inicial, que irão tra-balhar das 08h00 às 20h00 nos dias úteis, na prestação deste serviço.

A Câmara Municipal de Matosinhos irá in-vestir 200 mil euros na Bolsa de Cuidadores, sendo que uma parte do custo será compartici-pada pelas famílias. Sobre esta matéria, Luísa Salgueiro referiu estar convencida de que, à se-melhança de outros projetos levados a cabo pela autarquia, também a Bolsa de Cuidadores poderá ser adotada no futuro pelo resto do país e com o apoio do Estado.

20 entidades assinaram a carta de compro-misso, quer do Plano Municipal de Saúde de Matosinhos, quer da Bolsa de Cuidadores e ao Plano Municipal de Saúde de Matosinhos aderi-ram ainda outras 42 instituições.

Luísa Salgueiro sublinhou que “esta é uma resposta complementar ao que já existe no Ser-viço Nacional de Saúde”. “Este é um plano aber-to que todos nós devemos ajudar a construir. Faltam muitas outras instituições. Estou certa de que, com o trabalho em rede, vamos conse-guir rentabilizar os recursos em torno de um ob-jetivo comum potenciando os ganhos em saú-de”, acrescentou.

Em nome das instituições que aderiram ao Plano Municipal de Saúde de Matosinhos, Maria de Belém Roseira, presidente do Conselho Ge-ral e de Supervisão da Associação Dignitude, elogiou a “capacidade agregadora” da autar-quia. “Esta é uma ação contra a indiferença com o envolvimento das forças vivas de Matosi-nhos”, afirmou.

“Uma Saúde para todos e para todas” foi o ponto de partida para a construção do Plano Municipal de Saúde de Matosinhos, apresentado no dia 19 de outubro, na Casa da Arquitectura, em Matosinhos.

Luisa Salgueiro

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Entrevista com Ernesto Santos, Presidente da Junta de Freguesia de Campanhã:

“Requalificam-se casas mas as pessoas continuam a deparar-se

com as mesmas carências…”

Campanhã é uma freguesia com uma área que ultrapassa a dimensão de muitos concelhos do país… Que problemas estão ainda hoje por solucionar?

Ernesto Santos (ES) – Campanhã represen-ta mais de um quinto de todo o concelho do Por-to, que tem 40 km2… É uma freguesia sui gene-ris, porque tem um terço dos bairros sociais da cidade do Porto e muito pouco imobiliário de luxo, o que resulta em que seja a freguesia que menos IMI recebe no concelho do Porto.

Além dos bairros sociais, tem muitas ilhas…

ES – Muitas ilhas, algumas cooperativas, as-sociações de moradores… e tudo isso está isento de IMI, o que naturalmente influi nas receitas da junta de freguesia. Além disso, Campanhã é uma freguesia bastante envelhecida e tem vindo a per-der massa crítica jovem. Em suma, o problema mais crítico que temos pela frente é de índole so-cial. Aliás, a freguesia de Campanhã é das que mais solicita rendimentos de RSI… Embora a ha-

bitação tenha vindo a melhorar muito significativa-mente em Campanhã desde há cinco anos a esta parte, a verdade é que, na base da ação social, quando falamos na pessoa, no ser humano, conti-nuamos a deparar-nos com as mesmas carências e necessidades que tínhamos antes de as suas casas terem sido requalificadas. O que leva as pessoas a recorrerem cada vez mais à junta de freguesia para apoios em despesas como a medi-cação, o pagamento de água, rendas, energias e outros apoios de sobrevivência. Esta é a freguesia que mais dinheiro despende do orçamento para a ação social.

Recentemente, ouvia um colega seu di-zer que os presidentes de junta têm um “bom lombo para levar porrada”…

ES – É verdade. Acrescentaria que as com-petências de uma junta de freguesia como as do Porto são muito poucas e devem incidir essen-cialmente no social e no pagamento aos funcio-nários. Neste momento, temos um a despesa acrescida, com dois postos dos Correios de que tomámos conta e nos dão um tremendo prejuí-zo… Uma junta serve para ser o posto das quei-xas do lixo que se acumula nas ruas, das ervas que crescem livremente nas ruas, de tudo quan-to é possível imaginar… Porque a junta não tem uma máquina propagandística tão forte como a das câmaras. Como tal, enquanto o Estado não delinear concretamente as competências das juntas nem lhes atribuir o que determina a lei 73 e 75 de 2013, estas continuarão a ser o chapéu de chuva das queixas de todos os moradores.

Sendo certo que vocês são autarcas elei-tos pelo povo da mesma forma que são su-fragados os autarcas de câmara, não vos ca-bendo qualquer tipo de subserviência…

ES – Do ponto de vista administrativo, so-mos totalmente independentes. E somos eleitos tal como os presidentes de câmara. Aliás, veja que o presidente de câmara ganha nalgumas freguesias e não o consegue noutras… Ainda bem que existe autonomia e independência de cada um dos órgãos. O poder local é, para mim, dos mais importantes ganhos da democracia…

Mas já estamos com 40 anos de poder local e muito continua por resolver. Quando o atual pri-meiro-ministro foi presidente da Câmara Munici-pal de Lisboa, transferiu para todas as fregue-sias do concelho uma série de competências e o correspondente pacote financeiro, tendo-se chegado à conclusão de que existiu um ganho efectivo. Agora, se me delegam a limpeza do território sem a correspondente atribuição do mecanismo adequado…

E a que se deverá esse tipo de status quo que afeta as freguesias, que se queixam de não terem poder para resolver os problemas da população? Será também resultado da inércia das freguesias?

ES – Isso deve-se a um certo corporativis-mo… A Associação Nacional dos Municípios inte-gra todos os municípios portugueses, represen-tando uma força enorme, ao passo que a Associa-ção Nacional de Freguesias não integra pelo me-nos um terço das freguesias de Portugal… Por outro lado, muitos presidentes de câmara saem da esfera do Governo, ou seja, da designada alta esfera política, ao passo que os presidentes de junta saem, na grande maioria, do povo. Eu fui nascido e criado num bairro social e tenho uma vi-vência muito forte nesta freguesia. Tenho o gabi-nete aberto durante todo o dia.

Em 2006, no âmbito da Iniciativa Bairros Críticos, acompanhámos o projeto piloto Bairro do Lagarteiro, um dos três incluídos nesse projeto tão ambicioso, supostamente muito bem desenhado e que tanta esperança

Autarca portuense recorda que Campanhã representa mais de um quinto do concelho, tendo um terço dos bairros sociais da cidade mas é das freguesias com mais carências e a que menos recebe

de IMI...

Ernesto Santos

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gerou… Passados tantos anos, como é hoje a vida no Bairro do Lagarteiro?

ES – Adapta-se uma resposta que dei há pou-co… O Bairro do Lagarteiro está hoje muito lindo, é resultado de um lindíssimo projeto de recupera-ção, com muito bom gosto dos arquitetos que por lá andaram. E a Câmara Municipal do Porto de-senvolveu um trabalho excelente, muito especial-mente nestes três últimos blocos, já no exercício do atual executivo, que herdou de Rui Rio um pro-jeto que este deixara a meio quando o Estado lhe falhou… Enquanto no tempo do Dr. Rui Rio todas as recuperações dos bairros sociais eram pagas com 65% do IRHU, o atual executivo tem-no feito exclusivamente com fundos próprios. Não é que não tenha críticas a fazer ao atual executivo muni-cipal, e tenho-as noutros setores… Neste da habi-tação social, devo ser o primeiro a reconhecer o esforço que tem sido feito em Campanhã. Portan-to, teremos que estar, de certa forma, gratos à pre-sidência da Câmara. Este mérito cabe ao Presi-dente e aos vereadores, nomeadamente ao Dr. Manuel Pizarro e ao Dr. Fernando Paulo, que têm seguido o processo de recuperação dos bairros sociais. O Bairro do Lagarteiro é um exemplo, tal como o Bairro de São Roque, o primeiro a ter pai-néis solares… E isso é olhar ao social, porque as pessoas vão beneficiar de poupanças relaciona-das com a energia eléctrica…

Entretanto, passamos pelo Bairro Cerco do Porto e testemunhamos uma completa degradação na zona sul… Nada se faz?

ES – As obras de recuperação do Bairro Cer-co do Porto já começaram e, conjuntamente com a dimensão física, está a olhar-se para o social. O Contrato Local de Segurança, da tutela do Minis-tério da Administração Interna, integra todas as

associações a trabalhar no Cerco do Porto, o Es-tado, a Câmara Municipal do Porto, a Junta de Freguesia de Campanhã…. É um projeto que en-volve vários ministérios e instituições e que elege como foco as pessoas daquele bairro e a melhoria da sua vida. Se esse desiderato for cumprido, te-nho a convicção de o Bairro do Cerco do Porto será outro daqui a dois ou três anos…

Assim como era o Bairro São João de Deus há uns anos atrás, um supermercado de droga nos anos 90…

ES – Sim, cognominaram-no com esse epíte-to, chamaram-lhe por conveniência… Nasci e fui criado no Bairro São João de Deus e tenho uma visão que pouca gente tem… Aquando do projeto Luta Contra a Pobreza, era primeiro-ministro Ca-vaco Silva, comissário do projeto o Dr. Manuel Le-mos e presidente da Câmara Municipal do Porto, Dr. Fernando Gomes… Depois, havia um lutador, Padre José Maia, do Centro Claretiano. Esse pro-jeto visava acabar com as cerca de 300 barracas que existiam no Bairro São João de Deus e fize-ram-se 274 excelentes apartamentos. Quando o Dr. Rui Rio foi mal recebido no Bairro São João de Deus, em 2001, terá dito que o bairro estaria por pouco tempo… E, de facto, esteve… E o Dr. Rui Rio lesou a pátria em dois milhões de contos! Aquelas 274 habitações custaram um milhão de contos ao Estado e um milhão de contos à Câma-ra Municipal do Porto. E o Dr. Rui Rio, sete anos após a inauguração, manda demolir aquilo tudo… Gostaria de saber se algum presidente de câmara não está a cometer um crime ao fazer isto… No entanto, nunca ninguém chamou criminoso ao Dr. Rui Rio. Esta é parte da história do Bairro São João de Deus. Falo de um bairro que, a partir de 2001, foi completamente votado ao abandono e

entregue aos mafiosos. Aí sim, tornou-se um ver-dadeiro mercado da droga, com muito mais inci-dência do que até então. Felizmente, no seio do programa que a Câmara idealizou há quatro anos para a recuperação dos bairros camarários, foi in-cluída a recuperação do Bairro São João de Deus, que está a ficar lindíssimo, creio que será uma zona nobre e espero que as pessoas que lá vivem sejam também honestas quanto às suas contribui-ções e rendimentos.

Com esta debandada do Bairro São João de Deus, muitas coletividades “desaparece-ram” e, com as mesmas, uma riqueza muito típica daquele território… Em que medida haverá para um recrudescimento do asso-ciativismo a partir deste novo crescimento de que fala?

ES – Em muito poucos bairros da cidade do Porto haveria uma riqueza associativa compará-vel à do São João de Deus, que conseguia ter, no seu interior, três coletividades: Unidos ao Porto, Unidos ao Bairro e Vikings. A par, tinha a Associação Comunitária, que integrava elemen-tos de todas as instituições, desde associações desportivas, sociais, religiosas, forças de segu-rança. E todo o movimento associativo do Bairro São João de Deus reunia uma vez por mês… Faltou vontade política porque sempre houve a possibilidade de resolver os problemas que afectavam a comunidade com recurso a esse movimento associativo. Falamos num bairro onde existia um intercâmbio associativo riquíssi-mo, entre etnias brancas, negras, ciganas… Hoje, não vejo isso e não é por falta de apoio…

Numa altura em que comemora um ano após a tomada de posse, como estão os seus projetos de sonho?

ES – Um dos meus projetos de sonho era colocar esta freguesia no mapa da cidade… Está a ser conseguido aos poucos, não só por obra minha mas igualmente por obra do tempo e da câmara que hoje nos governa. A Câmara tem vindo a revelar interesse no desenvolvi-mento da freguesia, mesmo no domínio da cap-tação de investimentos. Outro projeto que elegi consistia em elevar até à zona de Azevedo de Campanhã, que continua abandonada. Tenho pugnado junto da Câmara, tenho recebido algu-mas promessas e, muito brevemente, algumas artérias serão beneficiadas mas, de facto, aque-le território carece de um grande projeto. Estou convicto de, com a ARU de São Pedro, Azeve-do, Areias e Pego Negro e com investimentos privados, aquela zona será de excelência. Cam-panhã está prestes a dar o salto, é a minha con-vicção!

“Esta é a freguesia que mais dinheiro despende

do orçamento para a ação social.”

“O poder local é, para mim, dos mais

importantes ganhos da democracia…”

“O Dr. Rui Rio lesou a pátria em dois milhões

de contos!”

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Cáritas de Coimbra promove discussão sobre Redução de Riscos e Minimização de Danos:

Coimbra justifica um programa de metadona de baixo limiar de exigência

Ao longo do dia foram abordados temas como os paradoxos e as interrogações que hoje ainda dominam a RRMD e as questões que se prendem com as diferentes interpretações so-bre o tratamento e a abstinência, levadas a cabo pelas estruturas de RRMD e as Equipas de Tratamento.

Questões que se prendem com o alto limiar de exigência e baixo limiar, relativos à metado-na foram também objeto de análise e discussão, dando lugar a um debate intenso e muito inte-ressante. Foram também abordadas as diferen-tes perspetivas sobre os diferentes níveis de exigência dos utilizadores de substâncias e, mais uma vez, as diferentes narrativas da RRMD e do Tratamento.

A tarde foi enriquecida com conferências dialogadas que versaram sobre temas como a normalização, e a forma como a RRMD influen-cia e é influenciada pela ordem pública, bem com as questões éticas que se colocam à práti-ca das Equipas de Rua.

Dependências participou no evento e entre-vistou Manuela Lopes, Cáritas Diocesana de Coimbra

Que objetivos elegeu quando pensou na organização deste evento?

Manuela Lopes (ML) – Trabalho nesta área há muitos anos e parece-me que esta abordagem da RRMD não está tão divulgada como deveria no nosso país, nem tão pouco junto dos meios onde deveria estar. Falo de serviços públicos e privados na área da saúde e social. Enquanto técnica, sinto muita dificuldade de articulação no meu quotidia-no e parece-me que se utiliza uma linguagem e conceitos e se tem uma sensibilidade diferente em RRMD para se trabalhar com os utilizadores de substâncias que outros serviços não têm, nomea-damente os serviços de tratamento. Pretendia também, com este seminário, criar alguns canais mais abertos entre o tratamento e a redução de danos, na medida em que há muita areia na en-grenagem. Na minha perspetiva, a articulação en-tre o tratamento e a RRMD não funciona. Da parte do tratamento, continuamos a ter visões de alta exigência e posturas muito rígidas da parte dos técnicos, que continuam a clamar pela abstinência e pela vida livre de drogas, ao invés de aceitarem que há pessoas que querem e têm o direito de continuar a usar substâncias. Independentemente de abandonarem o consumo de drogas, têm o di-reito de acesso a serviços de saúde. Isto é, uma ET pode perfeitamente marcar consultas para um

indivíduo que não queira abandonar o consumo de drogas, havendo muitas outras coisas que pode fazer. Em suma, é sobretudo nesta articula-ção com o tratamento que, na minha perspetiva, há ainda muito a fazer…

Presumo que esteja a referir-se, nomeada-mente, ao tratamento de substituição com me-tadona, em que os utentes poderão beneficiar deste tratamento como única resposta para a dependência, continuando a sua vida sem que tenha que existir necessariamente abstinência ou internamento…

ML – Obviamente. Temos um número signifi-cativo de pessoas em Coimbra a injetar droga – durante o ano 2016, trocámos 150 mil seringas – e, portanto, este território necessita de uma casa de injeção assistida mas, antes disso, de um pro-grama de baixo limiar de exigência, que é absolu-tamente fulcral e vital para melhorar a qualidade de vida dos utilizadores de substâncias desta ci-dade.

Quer dizer que Coimbra contraria a ten-dência nacional no que concerne aos utiliza-dores de droga por via injectável?

ML – Confesso que não sei se existirão características particulares em Coimbra e, neste momento, estou até a fazer um peque-no estudo relativamente ao consumo de bu-prenorfina por via endovenosa… Temos um

A Cáritas Diocesana de Coimbra promoveu, no dia 16 de outubro, um Seminário de Redução de Riscos e Minimização de Danos (RRMD). A iniciativa teve lugar no Auditório do IPDJ e contou com cerca de uma centena de participantes inscritos.

Manuela Lopes

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número significativo de indivíduos em Coim-bra cuja única droga de consumo, à exceção da canábis e do álcool, é a buprenorfina, que surge como droga de eleição. É um medica-mento que é consumido como uma forma de droga, o que constrói uma série de mitos e crenças na mente destas pessoas extrema-mente difíceis de desconstruir. Desde logo, porque entendem que não são drogados… Agora, temos um problema grave de injeção em Coimbra, onde inclusive se injeta crack de forma considerável, a par obviamente de he-roína, e muita gente que beneficiaria com um programa de metadona de baixo limiar de exi-gência. No entanto, friso que o maior número de seringas distribuídas não representa um acréscimo do número de consumidores. O que significa é que há substâncias que fazem entupir as seringas e leva a que, por vezes, tenham que usar sete ou oito para se injecta-rem. Esta situação tem vindo entretanto a ser revertida com a introdução de um novo tipo de seringa…

Mas as equipas de rua de Coimbra não ad-ministram também metadona aos seus uten-tes?

ML – A ET de Coimbra descentraliza muito pouco a metadona. Temos meia dúzia de indiví-

duos em programa. Temos muitos mais com bu-prenorfina do que com metadona. São eles que administram ou dão diretamente aos utentes para levarem e quase sempre numa perspetiva de alto limiar de exigência.

Parece que Coimbra ainda reflete uma rea-lidade que proliferava no país nos anos 80 e 90, com uma espécie de epidemia da agulha…

ML – Não diria tanto… Não é assim tão as-sustador… Embora, para uma cidade pequena, a expressão do chamado toxicodependente de rua seja ainda muito significativa. Obviamente, só tem acesso a esta realidade quem anda na rua. Neste momento, o que os utilizadores fa-zem é colocar tendas num espaço devoluto existente na baixa de Coimbra, onde chegam a passar 70 pessoas por noite para injectarem. Depois, há as tendas onde só podem fumar, onde podem “picar”, onde nós deixamos mate-riais de consumo e os contentores para pode-rem depositar as seringas. Portanto, com todas estas características, não entendemos por que não há um programa de baixo limiar nem se co-meça a pensar numa sala de injeção assistida.

Face a esta realidade, e ao que nos está a dizer o que está a falhar em Coimbra são as equipas de rua, é assim?

ML – Creio que, de uma forma geral, fa-lhamos todos um pouco… No que concerne à equipa de rua, estou por dentro e diria que fa-zemos o possível. O nosso objetivo é a me-lhoria da qualidade de vida do sujeito e o seu acesso aos direitos de cidadania, indepen-dentemente do uso que faz ou não das subs-tâncias…

E exclui a referenciação destes utiliza-dores para tratamento?

ML – Não. Tentamos sempre marcar consulta quando é essa a vontade do indiví-duo. Obviamente, quando fazemos a abor-dagem, quando conversamos com eles, in-formamos que, independentemente de não quererem abandonar os consumos, podem ir à ET, fazer análises, saber como está o seu estado de saúde geral, se não dormem bem podem beneficiar de alguma prescri-ção… a questão é que a ET não faz este tipo de atendimento. Efetivamente, quando vão à ET, têm quase a obrigatoriedade da abstinência. E quando me dizem aqui que não existem números que justifiquem um programa de baixo limiar de exigência, é porque efetivamente não os conhecem nem perguntaram a quem está no terreno e os conhece.

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Semana do Mutualismo decorreu entre 20 e 27 de outubro em todo o país:

O mutualismo saiu à ruanuma semana assim…

A Associação Portuguesa de Mutualidades - RedeMut promoveu, no final de outubro, a Semana do Mutualismo. O programa do evento, que incluiu diversas iniciativas, espalhadas por todo o país, resultou numa maior aproximação das instituições portuguesas da economia social à população em

geral, com contributos ao nível da saúde, do lazer, da ação social e do associativismo. Destaque para a realização de um rastreio nacional que permitiu concluir que 30 por cento dos portugueses apresentam níveis elevados de colesterol e que, destes, mais de 80 por cento não tomam medicação ou está

mal medicado. Ao longo de cinco dias, cerca de cinco mil pessoas foram rastreadas ao colesterol, glicémia e tensão arterial.

“Aproveitámos a forte adesão a estes ras-treios gratuitos para sensibilizar a população para a necessidade de adotarem comportamen-tos e estilos de vida saudáveis. É fundamental que se percebam os riscos”, afirma Rui Santos, enfermeiro coordenador da ação levada a cabo pela APM-RedeMut.

Nesta iniciativa, participaram 14 instituições que integram a APM: quatro na Região Norte; duas na Região Centro; cinco na Região Lisboa e Vale do Tejo; duas na Região Sul; uma nos Açores. Du-rante a ação, foram também realizados rastreios visuais, auditivos, dentários, de terapia da fala, fi-sioterapia, eletrocardiograma, índice de massa corporal, nutrição, temperatura e triglicerídeos.

Integrada na Semana do Mutualismo, esta iniciativa passou pelas cidades de Lis-boa, Porto, Vila Nova de Gaia, Coimbra, Tor-res Novas, Moita, Montijo, Lagos, Silves e Ponta Delgada, com principal afluência na Capital Portuguesa, no espaço da Associa-ção Mutualista, e na Cidade Invicta, através de uma carrinha móvel situada na zona exte-rior da estação de metro da Trindade.

A cerimónia de encerramento da Semana do Mutualismo decorreu no Salão Nobre dos Bombeiros Voluntários de Torres Vedras e acolheu cerca de 300 participantes. Depen-dências esteve presente no evento e entre-vistou alguns dos presentes.

João Marques Pereira, Presidente cessante do Conselho de Administração da APM – RedeMut – Associação Portuguesa de Mutualidades

Que principais desígnios conduziram à realização desta Semana do Mutualismo?

João Marques Pereira (JP) – Desde logo, pretendemos celebrar a refundação do movi-mento mutualista, que ocorreu a 25 de outubro de 1975; por outro lado, foi nossa intenção dar a conhecer melhor os mutualistas entre si e os mutualistas para o exterior. Foi por isso que optámos por fazer estas comemorações du-rante uma semana, com várias sessões, des-centralizando e tentando assegurar uma co-bertura nacional com rastreios gratuitos à po-pulação e creio que atingimos alguns dos nos-sos objetivos.

Além dos rastreios, o que incluiu esta se-mana?

JP – Incluiu duas sessões, uma em Lagos e outra em Gaia, em que tratámos vários assuntos relativos ao mutualismo em geral, com ênfase particular para o novo código das associações mutualistas, com intervenções de dois técnicos especializados na matéria, que nos trouxeram um conjunto de questões e desafios que hoje se colocam às mutualidades e que têm que ser ob-jeto de alterações estatutárias e até de compor-tamentos das associações.

Que análise faz deste novo código?JP – O novo código revela uma excessiva preo-

cupação relativamente à dialética existente entre a atividade seguradora, designadamente do Montepio Geral. E, no nosso entender, não resolvem problema algum, criando antes um conjunto de outros proble-mas, inclusive os 12 anos que dão para uma adapta-ção, que será praticamente impossível… Na base, não podemos comparar uma associação mutualista com uma empresa seguradora… No resto, o código não é muito diferente do anterior. Introduziu um ou outro aspeto relevante mas não fez nada de especial relativamente a importantes matérias, como a gover-nação e dado mais pistas para as mutualidades se organizarem de forma mais dinâmica, actuante e mo-derna. A maior virtude prende-se com a existência de um código mais actualizado e com algumas regras que visam resolver alguns pequenos problemas…

Durante esta semana, realizaram-se mais de cinco mil rastreios de saúde… além de in-corporar uma missão social, esta iniciativa parece revelar uma matriz cada vez mais acentuada no movimento mutualista e que tem a ver com a intervenção em saúde…

JP – Sim, uma das matrizes do movimento mutualista é a prestação de cuidados de saúde, nomeadamente aos mais desfavorecidos e em re-gime de complementaridade com o SNS. Isso tem sido cada vez mais aperfeiçoado e aprofundado, não atingimos ainda, na esmagadora maioria dos casos, valores muito significativos, porque temos à nossa frente uma poderosa hospitalização privada que absorve grande fatia do mercado e uma ativi-dade seguradora ao nível dos cartões de saúde muito ativa, o que nos causa alguns constrangi-mentos. Mas vamos fazendo o que podemos, no-meadamente com os nossos sócios, para quem tentamos ser atrativos.

Como estão as instituições da economia social em Portugal?

JP – De uma maneira geral, estão bem. Ha-verá um ou outro caso em que existem alguns constrangimentos e situações difíceis, talvez fru-to de muito estatismo e de métodos de governa-ção muito antiquados, que não acompanharam devidamente os tempos mais modernos. Mas em termos gerais, não estamos muito preocupa-dos.

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António Tomás Correia, Presidente do Conselho de Administração da Associação Mutualista Montepio Geral

O que significa para a instituição que re-presenta esta semana dedicada ao movi-mento mutualista?

António Tomás Correia (AC) – Representa o reforço do movimento mutualista, uma oportuni-dade de aprofundarmos os nossos valores e as instituições que emanam da sociedade civil, são formadas por pessoas e estão ao serviço das pessoas, num quadro de solidariedade, humanis-mo e partilha, que é próprio destas instituições. Não tenho dúvida que saímos desta semana muito mais enriquecidos. A Associação Portugue-sa de Mutualidades desenvolveu um conjunto de ações pelo país e não tenho dúvida de que o nome da Associação, das suas instituições asso-ciadas e do mutualismo saiu esta semana ex-traordinariamente reforçado e vai continuar a re-forçar-se, num caminho que irá tornar este movi-mento e estas instituições cada vez mais incon-tornáveis no panorama nacional.

É importante para a população portu-guesa que haja uma aproximação do movi-mento aos cidadãos?

AC – É decisivo. Estamos convencidos de que a participação associativa e a participa-ção no movimento mutualista torna também a sociedade muito mais consciente dos desafios e das oportunidades. Uma sociedade que se associa, que partilha, que discute os seus pro-blemas, dificuldades e soluções para as mes-mas em conjunto, como é próprio do movi-mento mutualista é uma sociedade que enri-quece a cada dia. E uma sociedade que se enriquece é muito mais preparada para ven-cer os desafios do futuro. Acreditamos que o movimento mutualista terá cada vez mais peso na sociedade e, assim sendo, teremos uma economia melhor, mais à dimensão hu-mana e ao serviço das pessoas.

Como vê a Associação Mutualista Monte-pio este novo código, recentemente aprova-do?

AC – Este novo código não está à altura das necessidades modernas das associações mu-tualistas. Ficou muito curto relativamente à am-bição do movimento mutualista e, em particular, à ambição que no Montepio Geral tínhamos so-bre o novo código. Mas enfim, é um código que traz algumas inovações, melhora algumas coi-sas, não vai tão longe quanto devia… Vamos aproveitar o que de bom tem e continuar a ba-ter-nos pela modificação de algumas normas que não respondem às necessidades modernas do movimento.

Cassiano Calvão, novo Presidente do Conselho de Administração da APM – RedeMut – Associação Portuguesa de Mutualidades

Tem um novo desafio pela frente, face à eleição para Presidente do Conselho de Admi-nistração da APM – RedeMut – Associação Portuguesa de Mutualidades… quais são as principais linhas do programa que desenvolve-rá?

Cassiano Calvão (CC) – As principais linhas do programa que trabalharemos a partir de agora passam por um processo de continuidade de intro-dução de melhorias para dar uma outra ênfase a esta estrutura associativa.

Falta aproximar o movimento da popula-ção portuguesa?

CC – Tem-se melhorado… mas falta muito tra-balho e esse é um dos muito importantes desafios que temos, a relação de proximidade entre as es-truturas associativas mutualistas e as pessoas. A

nossa preocupação é exatamente essa: trabalhar para as pessoas.

Que diagnóstico faz da economia social em Portugal?

CC – Creio que está a ser melhor vista. Há mais sensibilidade para estas matérias, quer do Governo, quer das próprias estruturas associati-vas, que são mais faladas, passando a ser foco da comunicação social. O Montepio tem feito um ex-celente trabalho nessa área, sendo muito sensível à economia social e isso é muito importante para a compreensão que as pessoas têm relativamente a esta matéria.

Estamos perante um leque abrangente de entidades, desde as cooperativas, às mútuas, associações, misericórdias, fundações… Será fácil congregar todos estes braços da econo-mia social no sentido de obter um movimento mais forte e coeso?

CC – É desejável que assim seja… Ainda não é a realidade atual mas já existem muitos setores que funcionam muito bem. A recente criação da Confederação Portuguesa da Economia Social é um passo muito importante e significativo porque aparecem estruturas de setores completamente diferentes, portanto, há ali uma excelente comu-nhão. O projeto futuro é exatamente esse.

Padre Vítor Melícias

O que representa para as misericór-dias portuguesas esta tentativa de for-talecimento do movi-mento mutualista e a sua aproximação à população?

Padre Vítor Melícias (VM) – Eu tive a oportuni-dade, em 1981, de apresentar uma tese algo ino-vadora, no congresso internacional das misericór-dias, nas Caldas da Rainha: as misericórdias são realidades da economia social. Foi um trabalho que desenvolvi no seguimento dos primeiros con-tactos que tinha com a renovação da economia social, a partir de França, introduzindo, juntamente com o Professor Vitorino em Portugal, a temática, o conceito e a designação. Portanto, as misericór-dias são, desde sempre, realidades da economia social. Felizmente, agora, na lei de bases que defi-ne a economia social e as entidades que a consti-tuem as misericórdias estão expressamente men-cionadas como tais, ao lado das cooperativas, das mutualidades, das associações e das fundações. Para nós, este reconhecimento é muito importan-te, bem como a existência de uma lei que nos apoia e regulamenta para podermos exercer essa função. Efetivamente, a ideia de economia social pressupõe uma associação de pessoas e não de capitais e, mesmo quando atuam como entidades da economia, ou seja, para a produção, distribui-ção ou consumo, não o fazem para obter lucro apropriável ou dividendos mas para que melhorem as condições e qualidade de vida das pessoas.

Carlos Bernardes, Presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras

O que representa para a autarquia de Torres Vedras esta realização?

Carlos Bernardes (CB) – É importante

termos aqui o encontro da rede de mutualidades portuguesa, no sentido de que possamos ter cada vez mais uma visão integrada da economia social e do que este setor representa para Por-tugal. É com grande felicidade que os recebe-mos, na medida em que também Torres Vedras é, no momento, o único município que integra a Rede Reves, uma rede europeia promotora da economia social, cujo presidente está hoje aqui connosco e cuja direção integramos. É um setor cada vez mais emergente no âmbito da econo-mia global e, nesse sentido, estou convicto de que esta iniciativa gerará os seus frutos para nos conhecermos melhor e trabalhar cada vez mais em parceria e em rede. O intuito é alcan-çarmos objetivos comuns, que passam por ter-mos uma sociedade mais igualitária, mais justa e com um conjunto de importantes instrumentos ao serviço das nossas comunidades, nomeada-mente financeiros, onde o Montepio e a nossa rede de Caixas Agrícolas desempenham um im-portante papel neste trabalho de proximidade. E com esta especificidade e a alegria de poder-mos hoje, na sua terra, homenagear o Padre Ví-tor Melícias, que recentemente completou 80 anos.