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VIRIATO SOROMENHO-MARQUES Professor universitário "Saída da Grécia do curo seria um tiro no escuro, a tragédia e o caos" GRANDE ENTREVISTA PÁGS. 4 A 7

Entrevista (DN) ao Dr. Viriato Soromenho Marques

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entrevista ao DN

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VIRIATO SOROMENHO-MARQUESProfessor universitário

"Saída da Gréciado curo seria umtiro no escuro,a tragédiae o caos"GRANDE ENTREVISTA PÁGS. 4 A 7

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"Saída da Gréciado curo seriaum tiro no escuro,a tragédia e o caos""Seria, de facto, o recuo histórico uma rutura da Zona Euro.Não podemos imaginar o que será a nossa vida numa Europaem que o comércio ficaria interrompido durante semanasou meses, em que os bancos seriam obrigados a reintroduzirmoedas nacionais, debaixo de uma enorme pressão.Estamos a falar do caos! É extremamente perigoso ver pessoas

que deveriam ter uma responsabilidade moral, pelo menosà altura da sua responsabilidade técnico-científica ouacadémica, a falarem em cenários de saída ordenada do curo"

JOÃOMARCELINO

PAULOBALDAIA

Viriato Soromenho Marques, professor ca-tedrático da Faculdade de Letras daUniversidade (Clássica) de Lisboa, ondele-ciona Filosofia Social e Política e Históriadas Ideias na Europa Contemporânea,entre outras disciplinas, tem sido uma das

vozes mais esclarecidas do País no dia-gnóstico da crise europeia, antecipandomuitos acontecimentos políticos. No finalde uma semana dominada pelas eleiçõesem França e também na Grécia, o colunis-ta do DN mostra fé em François Hollande

para se distanciar da Alemanha e imple-mentar políticas que defendam o desen-volvimento económico, mas, ao mesmotempo, critica o novoPresidente francês por tercaído na generalizada hosti-

lização dos mercados nodiscurso de vitória. Masa sua maior preocupaçãoestá nas consequências deuma saída da Grécia docuro. A solução para a

Europa, volta a defender,está em mais federalismo.Nos últimos dias, na Europa, sucedem-seas leituras sobre as consequências das elei-

ções francesas e gregas na crise do curo ena União Europeia. Esta leitura simples,generalizada, de que em França foi boa aascensão de François Hollande, e de que naGrécia a pulverização partidária foi má, fazsentido para si?

Essa leitura é parte da minha leitura. Usando

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uma imagem, diria que nesta conjunturaseria muito importante que Atenas desse

tempo a Paris, que a solução do resultado

sl?L*?í A LO a ArÁcJ a n ã° precipitasse umacrise, que poderá gerar a eventual rutura daGrécia e uma situação muito grave na ZonaEuro. Ainda hoje [1 1 de maio, sexta-feira] ,

WolfgangScháuble, ministro das Finançasalemão, ameaçava a Grécia da possibilida-de de saída do curo. Seria muito importan-te que a turbulência na Grécia não precipi-tasse ou impedisse a possibilidade de umnovo diálogo franco-alemão, com FrançoisHollande e Angela Merkel.No fundo, o que está a dizer é que seriaideal que o PASOK, a terceira tentativa paraa formação de governo na Grécia, conse-guisse liderar uma coligação de esquerda?Neste momento, quem está de facto a diri-gir o processo é a Esquerda Democrática,com o PASOK e a Nova Democracia. Nofundo, com estes três partidos - a EsquerdaDemocrática tem cerca de 1 9 deputados, se

a memória não me falha- ter-se-ia uma maio-ria confortável para governar.Esta é uma crise muito longa,que tem tido, ao longo dosdois anos que já passámoscom ela, momentos de even-tual rutura. Mas penso que es-tamos numa situação muitomelindrosa, muito delicada,é preciso não subestimar o

que está a acontecer. Mas nãoestamos a falar da solução da crise: mesmoque exista governo na Grécia, mesmo que o

segundo resgate continue a ser pago à Grécianas Zrancfesregulares, mesmo que exista umnovo diálogo entre Paris e Berlim, a crise vaicontinuar. Porque se colocarmos, de um lado,os problemas que temos pela frente e, do

outro, as soluções disponíveis ou apontadas- nomeadamente na campanha eleitoral deHollande -. existe uma distância tão grande,uma insuficiência tão grande dos remédios

apontados, que a crise vai continuar.Mas se a Grécia der esse tempo a Hollande,crê que se reunirão as condições para queessa nova agenda francesa traga efeitos po-sitivos para a crise?Para já, precisamos de saber qual é anovaagenda francesa, não sabemos ainda muitobem qual ela é. Há sinais contraditórios.Acredito que existe uma solução para a crise

europeia, mas também que ela vai ser longae não será fácil. Os atores que estão no terre-no têm todos visões muito limitadas sobre o

tema, a partir da sua janela nacional ou de

interesse político-partidário. E é preciso queo tempo seja o grande professor dos atores.Os atores, os povos, os dirigentes políticos,vão aprender o caminho que é necessáriotrilhar. Nesse sentido, temos de evitar agorapôr toda a Zona Euro à prova num teste muitoduro e de desfecho imprevisível.Fala da saída da Grécia da Zona Euro?Sim, da saída. Seria, digamos, um momen-to de fadiga. A crise provoca fadiga, esta-mos a falar de pessoas que estão a gerir estacrise há dois anos.Na sua visão, seria positivo para a Europaque a Grécia se mantivesse na Zona Euro?Sem dúvida. A saída da Grécia da Zona Euro,nestas circunstâncias, seria um tiro no es-curo. Fazendo a ressalva às diferenças, seriaum pouco como todo aquele impasse quese gerou no longo mês de julho de [19] 14,

quando, depois também de uma longa fadi-

ga de tensão entre as grandes potências eu-ropeias, se resolveu arriscar a carta da força.No fundo, expulsar a Grécia do curo é a cartada força. As consequências são imprevisí-veis, porque isso irá significar o quê? Que aGrécia entrará em falência, não haverá hair-cuts, o haircutseráde 100%?Adívida públi-ca grega está na mão de entidades públicase serão os países europeus que empresta-ram à Grécia que vão perder esse dinheiro.É um sinal que é lançado para os mercados,para todo o capital que está investido naEuropa, capital americano, chinês, não eu-ropeu. Tenho uma visão muito crítica.É positivo, para si, que Nicolas Sarkozytenha saído de cena?

Absolutamente, 101% positivo! Com Sarkozy,o debate estava completamente estagnado,a relação de subordinação da França àAlemanha estava completamente garanti-da. Com François Hollande, há um aspetoque me parece muito positivo, o compreen-der que precisamos de ter uma política com-binada, que insista na disciplina das finan-

ças públicas mas que seja capaz também de

apontar para o desenvolvimento. É lamen-tável, ao longo destes dois anos, termos dei-xado cair o conceito de desenvolvimento etermo-lo trocado por um conceito mais an-tigo de crescimento, muito mais ambíguo emuito mais enganador. Surgir um dirigentefrancês que diz "atenção que há uma dimen-são social nesta crise, há uma dimensão de

emprego nesta crise", é muito positivo. Maso discurso da vitória em Paris foi absoluta-mente perigoso......Porquê?Quando, subitamente, François Hollande re-

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petiu o discurso ideológico contra os mer-cados revelou uma enorme fragilidade po-lítica. É um discurso artilhado no espetropartidário europeu, da esquerda à direita.

GréciaNenhum partido conse-

guiu sequer 20% dosvotos e três tentativas de

coligação falharam.Presidente grego recebehoje líderes para últimoaDelo ao entendimento

Quem, até hoje, mais atacou os mercados,nesta crise europeia, foi a senhora Merkel. Asenhora Merkel fez uma coisa que nunca,num país da OCDE, tinha sido feita: obrigouos privados a aceitar a reestruturação da dí-vida grega. Tocou num princípio de confian-

ça fundamental da economia de mercado.Obrigou-os, compulsivamente, aperdermaisde 50% do seu capital investido.Como vê as reticências que alguns sectoresalemães têm, hoje em dia, a votarem favo-ravelmente o Pacto Orçamental?Há uma coisa de que não podemos acusar aAlemanha, nem o Parlamento alemão, o

Bundestag, nem o seu Tribunal Constitucio-nal: é de assinarem - como nós fizemos emPortugal - um pacto sem qualquer estudo

prévio. O que os deputados alemães estão afazer é a analisar o Tratado Orçamental, acompreender ou a tentar perceber o impac-to que isso vai ter sobre a sua própria eco-nomia e sobre a viabilidade de ele ser cum-prido. Por exemplo, há um conceito que está

consagrado no Pacto que é o do défice estru-tural de 0,5%,que é absoluta-mente curioso.Se entrevista-rem três econo-mistas e fizeremesta pergun-ta: "Defina -

me..."...Teremos três

definições diferentes, obviamente.Vão ter três definições. Introduzimos umconceito metafísico num pacto político. Nocaso português, se o Tratado Orçamental

fosse cumprido, o Estado social ou o que ele

significa desaparecia completamente! Masisso é óbvio, qualquer estudo de viabilidadeda implementação desse Tratado Orçamentaldi-10-ia. Simplesmente, como sabemos, oTratado Orçamental foi aprovado de forma ?

Pacto orçamentalAcordo obriga países eu-

ropeus a aprovarem lei--travão ao défice. 0 défice

estrutural correspondeao défice do orçamento

descontados os efeitos dociclo económico

aAquilo que MárioSoares procuroudizer [ao PS] foique é preciso estarcom mais atençãoao que se passafora de Portugal,às novasmudanças de

orientação nodomínio dagrande políticaeuropeia"

É grave que existauma divergênciaentre ainformaçãoque é discutidano Parlamentoe aquela que é

entregue emBruxelas. Issoviola uma regrade ética políticapública mínima"

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PERFILVIRIATO SOROMENHO-MARQUES> 54 anos

> Professor universitário> Doutorado em Filosofia, é reconhecido

pela reflexão política no espaço público,nomeadamente enquanto colunista doDN. Entre 1992 e 1995 foi presidente daassociação ambientalista Quercus.

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"Deveríamos ter um programaportuguês para a Europa e nãoestrita obediência às orientaçõesda senhora Merkel"

Tivemos, ou temos até hoje, um certo consensoentre as maiores forças políticas portuguesas emrelação à necessidade de Portugal cumprir com atroika. Agora apareceu o dr. Mário Soares a dizerque esse compromisso deveria ser para rasgar.Como viu essa afirmação? Que importância tempara o País esta unidade nacional com o objetivode salvação do curo?É extremamente importante a unidade nacional, e

que o Parlamento seja, de facto, o lugar onde estas

questões são discutidas com franqueza, com fron-talidade.Para si é grave que este Documento de EstratégiaOrçamental não tivesse sido discutido com oPartido Socialista?É grave que exista uma divergência entre a infor-mação, de base quantitativa, que é discutida noParlamento, e aquela que é entregue em Bruxelas.Isso viola uma regra de ética política pública míni-ma...E, para Portugal, é essencial manter o PartidoSocialista do lado do compromisso?O problema fundamental, volto a dizer, é que nestemomento não controlamos, o centro de gravidadeda nossa política não está, de facto, em Lisboa, nãoestá no Governo nem está no Parlamento. Temosde ter a humildade de perceber que, a partir do mo-mento em que estamos intervencionados, o que é

decisivo joga-se no centro da crise enas capitais do diretório.Mas aí Portugal também tem feitopouco? O Governo português...O Governo português deveria ter duas

políticas complementares, uma deaplicação do memorando da troika,sobretudo naqueles aspetos que sãode puro bom senso - racionalizaçãoda justiça, da administração públi-

,

ca. É uma vergonha ser preciso alguém de fora dizer]

o que nós próprios já devíamos ter posto em práti- |

ca. Por outro lado, deveríamos ter uma troika na- !

cional, que deveria ser o primeiro-ministro, o mi- !

nistro das Finanças e o ministro dos Negócios !

Estrangeiros, com uma visão europeia, apresentan- !

do propostas portuguesas para a crise.]

Aadenda que o Partido Socialista _propôs ao Pacto J

Orçamental era uma boa ideia?

Era uma boa ideia. O primeiro -ministro portuguêspoderia ter apresentado essa proposta no dia 9 dedezembro. Nesse dia era visível o que iria sair doConselho Europeu...Portugal tem sido demasiado disciplinado e temcontribuído pouco para uma solução nova?

Portugal tem cometido um erro, o de pensar que asboas ideias dependem do PIB dos países. Se o pri-meiro -ministro Passos Coelho tivesse apresentadouma proposta de financiamentos europeus para a

criação de emprego, para o desenvolvimento sus-tentável, ainda por cima em áreas que o Governoportuguês deveria saber que são caras à Alemanha,a energia e as redes energéticas, isso teria sido umapatente portuguesa.Então Portugal tem falhado algumas boas opor-tunidades?Tem falhado, sobretudo porque neste momentoa Europa precisa de boas ideias como de pão paraa boca, que sejam equacionadas, discutidas naimprensa europeia, amigavelmente propostas no

Conselho Europeu, nos Conselhos de Ministros.Nós deveríamos ter um programa português paraa Europa, não para nós! O problema é que o nossocaminho, de estrita obediência às orientaçõesda senhora Merkel, é também ele nacional. OGoverno português considera que é do melhor in-teresse nacional ficarmos totalmente dependen-tes daquilo que diz a senhora Merkel. Não é do queela pensa, há uma diferença entre o que ela diz e

o que pensa.E sobre a questão do dr. Mário Soares? Como é queviu as palavras dele?O dr. Mário Soares é, de facto, o grande estadistaque temos hoje em Portugal. O grande estadista.Penso que há outro grande estadista que nunca che-

gou a sê-10, que é o professor Adriano Moreira, porquem tenho uma enorme admiração intelectual.No fundo, aquilo que o Mário Soares nos tem vindoa dizer é que a Europa, de facto, está em perigo. Se

a Europa deixar que esta crise económico-finan-ceira a destrua, vamos passar apenas a ser aquiloque a geografia nos diz que somos, que é uma pe-nínsula da Ásia!Para que fique claro: não viu nas palavras do dr.Mário Soares a sugestão para que o PartidoSocialista rasgue o compromisso com a troika,

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que nos emprestou o dinheiro?Não. Aquilo que Mário Soares procurou dizer aos

dirigentes do Partido Socialista foique é preciso estar com mais aten-ção ao que se passa fora de Portugal,é preciso estar sintonizado com as

novas mudanças de orientação nodomínio da grande política europeia,é preciso ouvir o que o Mário Draghi[presidente do Banco Central Eu-ropeu] diz. Ele já salvou aEuropa do

colapso em novembro, através dosfinanciamentos de longo prazo, a três anos. Nãoestaríamos aqui a conversar da forma como esta-mos se não fosse a decisão de avançar com essefinanciamento. Mas salvou a Europa da mesmaforma como se baixa a febre a um doente com an-tipiréticos! Um antipirético não combate uma in-feção, só os antibióticos é que combatem. E nóstemos de encontrar os antibióticos, uma respos-ta europeia que implica uma visão política euro-peia. O caminho para a união política implica umorçamento europeu a sério. O presidente Barroso,quando reúne com o Conselho Europeu, é 1% doPIB europeu que está reunido com 44% desse PIB.

Ninguém pode respeitar uma pessoa que repre-senta apenas 1% do PIB.E o que defende?Temos necessidade urgente de fazer não um trata-do orçamental, mas um tratado fiscal. Precisamosde ter por trás da comissão como governo europeuuma reforma da fiscalidade europeia que garantanão a uniformidade fiscal, mas uma base tributá-ria universal para o orçamento do governo euro-peu. O que temos é um esquema de transferências,uma arquitetura muito complicada que garanteuma chantagem sempre dos sete ou oito países.Precisamos de ter um orçamento europeu que sejabaseado numa percentagem do IVA, numa percen-tagem do IRS e numa percentagem comum do IRC.A outra componente da fiscalidade é nacional e aíos países podem competir entre si.

Protocolo adicionalAdenda do PS para o cres-cimento e emprego previaa emissão de dívida euro-peia, uma taxa sobre tran-sações financeiras e har-monização fiscal na UE.

Maioria chumbou?irrefletida, de forma precipitada.

E também não tem ainda prazos, não sesabe quando é que têm de ser cumpridasessas metas.Exatamente. No fundo, o que é o TratadoOrçamental? É, novamente, o Pacto deEstabilidade e Crescimento de 97, já umacriação alemã na altura, determinada por

dois regulamentos comunitários. No fundo

procura o quê? É um sinal da Alemanha aoresto da Zona Euro, dizendo: vamos conti-nuarneste jogo, mas as regras não vão mudar,pelo contrário, vamos acentuar as regras. Istoé uma visão errada, porque choca contra arealidade. E, na política, os bons políticos são

aqueles que conseguem manobrar na reali-dade, como os bons navegadores são aque-les que conseguem que o barco não naufra-

gue num oceano turbulento.É preciso não esquecer que foram aAlemanha e a França os primeiros paísesaviolar o PEC e que agora mais lutam porele.A Alemanha violou, de uma forma sistemá-tica, durante três anos consecutivos. E mais,obrigou a uma interpretação mais benevo-lente do próprio Pacto de Estabilidade e

Crescimento.Há pouco falava do discurso perigoso deHollande no dia da vitória e do sentido prá-tico da chanceler alemã para pôr os merca-dos na ordem. Acha que, de facto, os merca-dos não têm uma responsabilidade nestacrise? Qual é a receita para sairmos dacrise, tendo em conta o pragmatismo ale-mão e esta mudança ideológica em

França?AEuropa vive um paradoxo: temos uma uniãoeconómica e monetária que criou um BancoCentral Europeu que não é um banco cen-tral, no sentido pleno da palavra, que nãocumpre a função fundamental de um bancocentral. Se compararmos, por exemplo, como estatuto do banco central no Japão, na Grã--Bretanha ou nos Estados Unidos, o Fed[Reserva Federal], que é talvez o exemplomais claro, ele tem duas funções principais:uma, a estabilidade dos preços - garantir queefetivamente se combate ainflação -, e outra,que é garantir que existem condições para aestabilidade macroeconómica, nomeada-mente para o pleno emprego, ou para o má-ximo emprego.E o BCE só cumpre a primeira?Exato, só cumpre aprimeira. Temos aqui umasituação que coloca toda a Zona Euro, os 17

países, dependentes do mercado para o seufinanciamento. O BCE está proibido de com-prar, como faz o Fed, dívida pública no mer-cado primário, só pode comprar jámuito in-flacionada no mercado secundário. Isso si-

gnifica que os países vão financiar-se no mer-cado, que é objeto das diatribes mais violen-tas por parte de toda a gente, da esquerda àdireita! Quem está, neste momento, apen-sar impor uma taxa sobre transações finan-

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ceiras é a senhora Merkel! Quem obrigou os

privados a renegociarem a dívida em condi-ções penosas foi a senhora Merkel! Aqui nãohá uma clivagem direita e esquerda...Quando o Hollande fez aquele discurso, queacho um discurso um pouco sinistro, dizen-do "eu combato um inimigo sem rosto, eucombato os mercados", mostra...Precisava de ter começado aí a mudar odiscurso?Precisava! O que me inquieta é perceber quenão se trata apenas de uma retórica ideoló-gica que os políticos profissionais usam paraseduzir os eleitores mas que depois, enquan-

to estadistas, alteram. Há aqui uma profun-da incompreensão, e isto é que é grave, porparte dos dirigentes europeus, dos mais res-

ponsáveis, dos que têm mais poder de deci-são, da natureza dos mercados. Temos umatendência para uma diabolização dos mer-cados, como se fossem uma entidade única,clarividente, com um propósito definido,quando são a realidade mais plural queexiste.Como assim?Os mercados são, por exemplo, os políticosespanhóis, que na primeira fase da crise,ainda ela estava nos Estados Unidos, esta-vam a transferir as suas contas de bancos emEspanha para a banca estrangeira. Isso é ummovimento de mercado! Quando os aforris-tas gregos, irlandeses e portugueses deposi-tam dinheiro em contas de bancos alemãescom 10% em Portugal e 90% na Alemanha,para garantir que no caso de haver uma dé-bâcleem Portugal, 90% do seu capital fica ga-rantido na Alemanha, isso são os mercados!Os mercados não é o senhor Soros! São essesmovimentos de pânico, de medo, de espe-rança, de expectativa. O que é lamentávelaqui é termos pessoas que vão decidir da vidade 500 milhões de europeus e que não sabemfazer a diferença entre banqueiros especu-ladores, entre fundos oportunistas que fun-cionam como predadores do mercado, e amassa dos mercados, que é formada pelaspoupanças dos noruegueses, que investiramno seu próprio petróleo, dos trabalhadoreschineses, que são fundamentais para a flui-dez dos mercados globais. E, sobretudo, não

percebem que a maquinaria do nosso siste-

ma europeu depende fundamentalmentede uma boa relação com os mercados. Do

que precisamos hoje, para salvar a Europa,não é chamar nomes aos mercados, não éconfundir e camuflar a incompetência dos

políticos acusando um inimigo sem rosto.Seria um bom caminho dar outros pode-

res ao Banco Central Europeu, pô-lo atrabalhar como trabalham os outrosbancos centrais, deixando ao mercadouma quota para esses empréstimos econtrolando pelo modo como o BCE

pode emprestar diretamente aos países?Claro. A resposta à crise passa, se quisermos,pela forma mais simples: termos uma estra-

tégia europeia para enfrentar a crise. A criseé europeia, é sistémica, tem que ver com omodelo europeu, mas as respostas são todasnacionais!E a senhora Merkel já percebeu isso?

Já muita gente na Alemanha percebeu isso.No limite, penso que o principal grupo deconselheiros do Governo Federal alemãodesde 63, o chamado grupo dos cinco, já per-cebeu. No relatório de novembro do ano pas-sado é proposto claramente que se adote umsistema de mutualização da dívida a partirde 60%. Mais, nesse estudo é citada a neces-sidade de usar um esquema semelhante ao

que foi usado nos Estados Unidos em 1791

por Alexander Hamilton. Chegam a este de-talhe! AAlemanhanãoé desprovida de eco-nomistas e de políticos, nomeadamente os

que estão na oposição, Verdes, SPD, onde aideia das eurobondsfaz o seu caminho. Há é

de facto uma enorme dificul-dade em dar o passo que osalemães sabem que tem deser dado. Um passo político.Sabe como é que esta crise ter-minava em alguns meses?Com uma declaração doConselho Europeu dizendo "a

União Europeia declara sole-nemente que vai aprofundara sua integração, vamos rever os tratados,vamos criar uma união política".Mais federalismo?Com isso, nós teríamos os mercados perfei-tamente disponíveis...Era preciso que os mercados acreditassem

que não era só conversa...Os mercados querem acreditar. Publiquei-ona minha última crónica no DN [sexta-feira] .

Dois estudos da semana passada, da Fitch,grande agência de notação financeira, e da

Morgan Stanley, apontavam projetos possí-veis para a Europa. A Fitch apontava cincocenários e todos eles eram, de facto, bastan-te desagradáveis. O único cenário que não o

era apontava para uma notação da dívidaeuropeia entre AAe até mesmo o triplo A, naexpressão deles, a"United States of Europe".

Se efetivamente fosse possível pensar, nestafase, numa mutalização da dívida, isso seria

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de facto a grande saída: a confiança dos mer-cados voltaria à Europa, porque os merca-dos perceberiam que o projeto europeu nãoé para terminar à primeira dificuldade, é paracontinuar.Estamos a falar não de uma viragem à es-

querda ou à direita na Europa - o quetemos visto é que os governos caem quan-do há eleições, se são de direita, vira para aesquerda; se forem de esquerda, vira para adireita. Esta crise económica é cada vezmais uma crise política?Esta é, fundamentalmente, uma crise polí-tica. É uma crise do desenho de sociedade

europeia que os nossos representantes elei-tos não conseguem construir e reuficar. Quemsegue a história da construção europeia desdehá mais de 60 anos percebe que sempre houveduas linhas de certa forma conflituosas. As

pessoas estão esquecidas, mas tivemos umprojeto de federalismo estri-to na Europa em 52, que era aComunidade Europeia deDefesa, que seria acompanha-da por uma ComunidadePolítica Europeia, e que pre-via um exército integrado,com soldados de todos os paí-ses. Isso passou em todos os

Parlamentos, menos no fran-cês, que em agosto de 54 derrotou essa pos-sibilidade. Sempre tivemos uma linha fede-ral, mas sempre tivemos também uma linhamais intergovernamental, de que De Gaulle

"

fõfclãramêntê" õ grãndê guru7úmaÉúropãdas nações, dirigida pelo Conselho Europeu.Aliás, foi ele que inventou o ConselhoEuropeu porque o que estava previsto erao Conselho de Ministros. Ora, neste mo-mento, o que temos é uma Europa que temuma crise que reclama um federalismo de

legítima defesa, uma solução federal, nãocomo alternativa, mas como a única e ne-cessária resposta! Mas, na mente dos diri-gentes políticos, contra toda a evidência e

contra toda a realidade, temos uma vagafortemente intergovernamental, onde elesfazem contas de um jogo de soma zero, "O

De GaulleO General defendia que a

França devia afirmar-secomo potência e não de-

pender dos EUA na GuerraFria. Gaullistas travaramexército europeu por te-

merem perda de soberania

que é que eu ganho? O que é que eu possoganhar com isto?", quando a lógica devia

ser outra: o que é que nós vamos todos ga-nhar ou o que é que nós vamos todos per-der.Todo o seu discurso vai no sentido de fe-deralismo para salvar a Europa...Sim, sim.Não lhe passa pela cabeça que a Europapode sobreviver, por exemplo, à quedado curo?A Europa, como geografia e como história,está lá. Penso que ainda não "realizámos"o que seria o enorme, não quero usar pala-vras demasiado pesadas, transtorno paraa comunidade internacional...Tragédia?Tragédia, a expressão é essa. Estava a evi-tar, para não gastar a palavra. Seria, de facto,o recuo histórico uma rutura da Zona Euro.Não podemos imaginar o que será a nossavida numa Europa em que o comércio fi-caria interrompido durante semanas oumeses, em que os bancos seriam obriga-dos a reintroduzir moedas nacionais, de-baixo de uma enorme pressão.Estaríamos a falar do caos?No caos, estamos a falar do caos! É extre-mamente perigoso ver pessoas que deve-riam ter uma responsabilidade moral, pelomenos à altura da sua responsabilidade téc-nico-científica ou académica, a falarem emcenários de saída ordenada do curo.Isso, para si, não existe?Não existe. Para mim não existe. Se a Gréciafor expulsa do curo.... . . Ou se sair do curo!A Grécia só pode ser expulsa do curo.Se disser que não quer cumprir com o

compromisso internacional está a au-toexcluir-se.77% dos gregos querem continuar na ZonaEuro, querem continuar na União Europeia.Mesmo com a perda de 17% do seu PIB e

o aumento do desemprego, que saltou de8% para mais de 20%, os gregos continuama estar identificados com o projeto euro-peu. A questão é que esta linha de comba-te à crise, na minha opinião, não vai ter su-cesso.iiCom Sarkozy,o debate estava

completamenteestagnado,a relação desubordinaçãoda França à

Alemanha estava

completamentegarantida"

iiNo caso

português,se o TratadoOrçamental fossecumprido, oEstado social ou o

que ele significadesapareciacompletamente"iiO TratadoOrçamentalfoi aprovadodeformairrefletida,deformaprecipitada"

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"Tive vários convites parafazer parte de alguns elencosgovernativos"

Já dirigiu um jornal em Setúbal, já presidiu à

Quercus, é filósofo e leciona várias disciplinas nauniversidade, faz conferências aqui e lá fora. É umhomem de sete ofícios. Algum deles lhe dá mais,deixe utilizar a expressão, mais gozo?É uma coisa espontânea, natural. Interesso-me muito

por vários campos, muitos colegas dizem-me queisso é, do ponto de vista académico, o que me fazperder alguma sisudez...É intelectualmente hiperativo?... na universidade confunde-se respeitabilidadecom sisudez. Não sou um académico sisudo. Aquiloque aprendo na filosofia revela-se sempre muito útilno ambiente, o que aprendi no ambiente revela-semuito útil, por exemplo, para perceber a crise euro-peia nesta fase. Gosto muito de pensar aquilo quefaz doer a vida, ou que sentimos que faz mexer a vida.Seria uma coisa inimaginável, sentindo como sinto,e como todos nós sentimos a importância que tempara o nosso futuro coletivo a crise europeia, que eunão a pensasse. O que está aqui em causa é o futu-ro de 500 milhões de europeus, é o futuro do siste-ma internacional. Quem gosta de pensar, e que aindapor cima é pago para pensar, deve pôressa faculdade, essa capacidade e essa

profissão ao serviço da causa públi-ca. É a minha forma de empenhamen-to cívico.E quando pensa põe na escrita, por-que já tem 20 livros publicados...E muitas centenas de artigos, ou mi-lhares de artigos!Quando pensa, pensa como umhomem de esquerda? Sente-seassim?É uma pergunta muito interessante.A minha raiz é de esquerda. Sou umapessoa que se identifica muito com oséculo XVIII. Se não vivesse no sécu-lo XX e XXI, se pudesse levar algunsóculos para combater a minha mio-pia para o século XVIII, não me im-portava nada de ter nascido nele, foium século maravilhoso. E é um sécu-lo de esquerda, da revolução ameri-cana e do federalismo, da RevoluçãoFrancesa, da crença de que o conhe-cimento humano é libertador, em quepela primeira vez as mulheres escre-

veram sobre si próprias dizendo que também lhes|

cabia uma parte do destino coletivo. No entanto, ]

respeito na direita aquilo que me parece ser o res- |

peito pela tradição, pela sedimentação da história. |

Acredito que existe um ponto de encontro entre o !

impulso emancipador da esquerda ea prudência !

de alguma direita conservadora. O século XVIII é !

também aquele em que nasceu e viveu um grandej

pensador irlandês que éa base de toda a direita con-[

servadora democrática, Edmund Burke. Sou um jgrande fã. Era muito crítico da Revolução Francesae no entanto apoiou a independência dos EstadosUnidos, sendo britânico, o membro dos Comuns naGrã-Bretanha. Ele chamava muito a atenção para anecessidade de, na política, conhecermos bem arealidade, percebermos como é que funciona essarealidade.Que é uma coisa que hoje falha muito aos políti-cos?

Hoje falha muito. Aquilo que acho que o século XVIIItem de fantástico é a existência de intelectuais e dehomens públicos, de estadistas, que consideravam

que era muito importante o estudo da realidade e

que existia uma responsabilidade do conhecimen-to na transformação da realidade.Sendo um homem com raiz de esquerda mas quebebe também no pensamento de alguma direita, o

nosso poder - o Estado português, o Governo, aPresidência - chamam-no para o ouvir? E, se isso

acontece, acontece tanto estando lá a direita comoa esquerda?Não me posso queixar. .. Nunca me coloquei nos cha-mados bicos de pés, mas tive ao longo da minha vidavários convites até para fazer parte de alguns elen-cos governativos. Nunca o aceitei por razões várias:

porque estava empenhado a dirigir a Quercus, por-que o convite não aparecia no melhor momento fa-miliar ou pessoal. Mas nunca deixei de fazer partede conselhos, ainda hoje faço parte do ConselhoNacional do Ambiente, que aconselha o Governo,fiz parte do Conselho de Imprensa. . . Quando souchamado por alguém, para conversar com oPresidente da República, com algum ministro, voucom certeza. Com Jorge Sampaio fiz parte de umconselho que lhe deu algum apoio e nunca me re-

cusei, acompanhei-o sempre comprazer. Com Mário Soares estive nas

presidências abertas.E o atual primeiro-ministro e o

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atual presidente? Fala com eles, às

vezes pedem-lhe para falar consigo?(risos) Direta ou indiretamente, isso

pode acontecer. Se não aconteceu,poderá acontecer no futuro, não tenhonenhuma atitude de hostilidade. Émuito importante percebermos queesta República democrática da Cons-

tituição de 76 joga-se também nestacrise europeia. Não acredito que se aZona Euro implodir a nossa 111

República sobreviva. É muito, muitoimportante, defender as instituiçõesdemocráticas. Os partidos têm essa

obrigação, a de se reinventarem. Existe

por parte dos partidos uma perver-são que é apartidocracia, estão muitofechados à sociedade civil. A formacomo, por exemplo, não consegui-mos mudar a lei eleitoral em Portugalmostra isso. Os partidos, do Bloco de

Esquerda ao CDS, estão muito fecha-dos na gestão daquilo que consideram ser o poder,quando é no fundo uma ilusão de poder. No entan-to, também não suporto o discurso por parte de al-

gumas pessoas na sociedade civil, que sempre or-ganizaram a sua vida em função da carreira, de acu-mularem algum capital...Dos seus próprios interesses?Dos seus próprios interesses. E que depois criticamos deputados ou os ministros quando, no fundo, o

serviço público nas condições atuais é... Tenho a cer-teza de que há muita gente neste Governo que está

lá pelas melhores razões. Não quer dizer que nãoexistam alguns, mas isso é público e notório queestão lá por razões menos boas. Mas não podemosassumir a posição da santidade. Isto é um barco emque estamos todos a navegar e precisamos de cola-borar totalmente uns com os outros. Ninguém sedeve mostrar indisponível para o serviço público se

for chamado a isso. Mas a forma como organizamoso serviço público tem de ultrapassar este quisto da

partidocracia. Não é só em Portugal, esse problemaexiste em muitos outros países.

iiQuando souchamado poralguém, paraconversar com oPresidente daRepública, comalgum ministro,vou com certeza"

Edmund BurkeFundador do conservado-rismo rejeitava a revolu-

ção feita por ideias abs-traías e defendia a pru-dência e a evolução no

respeito pela história

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