4
Revista Communicare 3 Título do Artigo Entrevista

Entrevista · Entrevista 15 Nem vacinas, nem ... Então a solução estaria na respostas das Secretarias de Saúde, do Ministério da ... indicações de vacinação e etc,

  • Upload
    dodan

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Entrevista · Entrevista 15 Nem vacinas, nem ... Então a solução estaria na respostas das Secretarias de Saúde, do Ministério da ... indicações de vacinação e etc,

Revista Communicare

3 Título do Artigo

Entrevista

Page 2: Entrevista · Entrevista 15 Nem vacinas, nem ... Então a solução estaria na respostas das Secretarias de Saúde, do Ministério da ... indicações de vacinação e etc,

Volume 16 – Nº 1 – 1º Semestre de 2016

Tatiana Ferraz Professora do curso de Jornalismo da Faculdade Cásper Líbero. Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Saúde Baseada em Evidências - PGSBE da UnifespE-mail: [email protected]

Entrevista com Álvaro Nagib Atallah

A informação de qualidade na área da saúde é tão

importante e preciso quanto qualquer tratamento

Entrevista 15

Nem vacinas, nem novos remédios, nem fórmulas revolucionárias. Para Álvaro Nagib Atallah, a informação pode ser uma das maiores ferramentas para fazer com que diminuam as mais de 700 mil mortes evitáveis que acontecem por ano apenas no nosso país. Segundo o “pai” da Medicina Baseada em Evidências no Brasil, a parceria entre médicos e jornalistas pode significar uma revolução na saúde humana.

Álvaro Nagib Atallah é professor titular e chefe da disciplina de Medicina de Urgência e Medicina Baseada em Evidências da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coordenador do Programa de Pós-Graduação em Medicina In-terna e Terapêutica também da Unifesp e diretor do Centro Cochrane do Brasil.

Communicare - Para uma pessoa que lida com a medicina baseada em evi-dências, até que ponto os meios de comunicação atrapalham e até que ponto eles ajudam os médicos?Álvaro Atallah - Eles têm um potencial incrível de ajudar e são estratégicos. Porém, os meios de comunicação têm características muito variáveis. O segredo seria associar a expertise da comunicação à melhor ciência existente, para que se erre menos e se decida por aquilo que ofereça mais benef ício do que malef ício para o paciente. Quer dizer, se o jornalista se imbuir dessa responsabilidade, ele faz uma revolução na saúde humana, e se houver uma integração, uma parceria dos cientistas alfabetizados e dos jornalistas preparados, é um meio caminho an-dado para revolucionar a saúde humana não só no Brasil, como no mundo todo.

Communicare - Na sua opinião, as manchetes, as matérias sobre saúde, principalmente sobre doenças, por que elas vendem tanto? Nos consultórios médicos, os médicos têm que brigar com o noticiário? ÁA - É super frequente isso. Há uma brincadeira que diz “o Doutor Fantástico falou”. Quer dizer, se deu no Fantástico, na segunda-feira já está todo mundo no consultório. Aí as pessoas perguntam: “O senhor fala em evidências, mas tudo em medicina não é baseado em evidências?” Ou seja, existe essa falsa presunção de que tudo o que o médico faz é baseado na melhor ciência. Eu posso afirmar que talvez 6% a 7% do que é publicado nas revistas médicas são boas evidências. É preciso separar o joio do trigo, e esse é o papel da medicina baseada em evi-dências: tomar a decisão com base naquilo que tem mérito científico. Daquilo que é comprovado não só no laboratório, mas na clínica médica, na prática com o paciente.

Communicare - Falta preparo para o jornalista escrever sobre saúde, na sua opinião?ÁA - Não só para o jornalista, mas até para o médico. É fundamental esse as-

Page 3: Entrevista · Entrevista 15 Nem vacinas, nem ... Então a solução estaria na respostas das Secretarias de Saúde, do Ministério da ... indicações de vacinação e etc,

Volume 16 – Nº 1 – 1º Semestre de 2016Revista Communicare

Tatiana Ferraz 1716 A informação de qualidade na área da saúde é tão importante e preciso quanto qualquer tratamento

não poderia provocar a chamada “judicialização da medicina”?ÁA - Foi isso que fizeram às escâncaras , a ponto de a USP não ter condição e in-fraestrutura para produzir a droga. E se jogou dinheiro nisso. Foram milhões de reais em pesquisas que ainda estão em andamento. Esse dinheiro poderia ter sido usado para outras coisas: por exemplo os hospitais e prontos-socorros que hoje não têm materiais básicos como luvas e máscaras, coisas muito mais necessárias no dia-a-dia. E tem mais um problema: quantos milhões de substâncias existem? Se cada um de nós começar a dizer que cada uma delas cura câncer, não faríamos outra coisa a não ser pesquisar de maneira aleatória tudo quanto é bobagem que vier para a cabeça de cada pessoa.

Communicare - Portanto os meios de comunicação contribuem de fato para a judicialização da medicina?ÁA - Sim, eles contribuem. Acho até que mesmo os meios de comunicação muito respeitáveis têm um pequeno interesse em publicar uma cura milagrosa sempre que tiver uma dificuldade econômica. Desde que eu era criança e via manchetes do tipo: “Descoberta a nova cura do câncer”, e isso é um problema ético, cultural. Eu acho que alguém tem que descobrir que informar adequadamente e com se-riedade dá dinheiro. Citando um exemplo: Na área da saúde, o New York Times tem uma evolução muito distanciada da média da imprensa mundial. Eu sou as-sinante, como de vários jornais brasileiros que eu admiro, mas o New York Times tem uma preocupação enorme com as evidências, e contrata articulistas, gente preparada nessa área que com certeza ajuda a fazer com que aquele jornal se des-taque internacionalmente com essa seriedade na busca da informação científica.

Communicare - Quase todas as reportagens de televisão feitas sobre o vírus H1N1 davam a entender que se tratava de uma gripe muito perigosa. Reco-mendava-se que todos fossem aos hospitais solicitar o teste da doença – o que causou inclusive a falta do material necessário em toda a Rede de saúde. O Sr. acredita que nesse caso, também, os meios de comunicação podem até ter contribuído para um surto maior? ÁA - Isso é possível, mas eu acho que aí é muito compreensível, porque se há algum risco fatal na sociedade as pessoas precisam saber, de uma maneira ou de outra. E caberia aos órgãos responsáveis pela saúde que trouxessem informações confiáveis e de qualidade para a imprensa divulgar, para minorar o problema. Então a solução estaria na respostas das Secretarias de Saúde, do Ministério da Saúde e etc, e cada um fez o que pode. Mas eu lembro que alguns repórteres vie-ram falar comigo, e eu dizia que a melhor coisa era lavar as mãos! Há evidências para isso, e é uma questão de higiene. Mas os repórteres ficavam muito frustra-dos porque não era isso que eles queriam ouvir.

pecto. Eu, até como uma maneira de provocar – eu não sei também se provocar é o melhor caminho para convencer o jornalista – digo que existem editores de esporte, de política, de cultura, e não existem bons editores de saúde, que é o bem mais precioso. Existem editores de economia que falam aquele “economês” que é um mar de incertezas e opiniões, e que até geram grandes prêmios Nobel, mas não existe editor de saúde, e isso é fundamental para passar a notícia e a informação que vai agregar valor à vida para o leitor. Isso vai fazer o periódico ter mais valor, até monetário, pois se eu leio uma notícia confiável que pode sal-var, melhorar a minha vida ou evitar problemas de saúde, isso é extremamente importante. Eu acho que deveria haver no currículo de todos os cursos de jor-nalismo uma matéria de jornalismo e saúde, não só ciência, mas principalmente jornalismo e saúde.

Communicare - No caso específico da pílula do câncer, a mídia facilitou ou abriu um canal desnecessário de algo que não tinha ainda evidência médica?ÁA - Sem dúvida. Ainda bem que foi um grande barulho que acabou tendo no fim uma boa consequência. Na realidade, quem falhou foi a sociedade como um todo, que está despreparada para usar o conhecimento científico na saúde. O próprio pesquisador, que não era da área da saúde, não sabia o que fazer com o produto que ele tinha na mão e começou distribuir e propagandear que aquilo era bom. Depois ele jogou a culpa na Anvisa, mas o culpado foi o próprio despreparo do “pesquisador”. Esse episódio nos levou imediatamente a mapear o conheci-mento sobre a tal fosfoetanolamina, e vimos que aquilo só tinha sido testado em camundongos, numa tese altamente distanciada da realidade humana : Eu diria que 300 milhões de anos separam aquelas experiências com a chamada “pílula do câncer” da prática terapêutica em humanos. O que teve de bom depois disso, é que com as idas e voltas do judiciário, houve um acordo do Supremo, criou-se uma jurisprudência para que os juízes levem em consideração as evidências em toda a tomada de decisão que tenha um fundo experimental. Segundo os juristas clássicos, isso tem valor legal em todas as decisões judiciais no Brasil daqui pra frente. Isso significa que demorou, mas eles acabaram aceitando as determina-ções do Artigo 196 da Constituição que diz que é papel do Estado evitar agravos à saúde e aumentar a equidade e a eficiência, ou seja, a distribuição do uso dos recursos. Lembrando que a Lei 12.401, que é de 2011, diz que implementações de tecnologias novas no SUS têm que obrigatoriamente ser baseadas em evidências científicas de qualidade. Então eu acho que essas coisas agora se fecharam, e essa história ajudou a botar ordem no caos.

Communicare - Mas as pessoas, baseando-se somente em informações da mídia, poderiam exigir da justiça que o medicamento fosse distribuído? Isso

Page 4: Entrevista · Entrevista 15 Nem vacinas, nem ... Então a solução estaria na respostas das Secretarias de Saúde, do Ministério da ... indicações de vacinação e etc,

Revista Communicare

18 A informação de qualidade na área da saúde é tão importante e preciso quanto qualquer tratamento

Communicare - O Instituto Cochrane e os médicos ligados a essa área da medicina baseada em evidências têm um vasto material de artigos, de re-visões sistemáticas que são uma espécie de “jornalismo de dados”, isto é, o cruzamento de informações sobre pesquisas em medicina. Como melhorar a ligação entre todo esse acervo que pertence à classe médica e a população? Dá para traduzir tudo isso em uma linguagem mais clara? ÁA - Isso é a pedra filosofal da Cochrane. Conseguir fazer isso, que não é fácil, e por isso que agora nós trazemos pós-graduandos na área das comunicações, por-que sabemos disso. E eu vou dizer mais: o Brasil está na frente dos outros países. Temos essa preocupação há mais de 20 anos. Temos um canal na TV que já teve 1.500 programas que vão para as televisões públicas sem nenhum patrocínio. E quando eu vejo aquilo, eu falo “Poxa, quanta informação! Como se proceder quan-do tem uma suspeita de infarto que mata 50% das pessoas nas duas primeiras ho-ras?” Então, quando você fala de prevenção de doenças contagiosas, indicações de vacinação e etc, eu tenho plena consciência de que eu sou incompetente para fazer aquele programa, porque eu precisaria ter uma assessoria de alguém das comuni-cações para fazer uma crítica de como tornar cada programa mais eficiente. Nós estamos em um mundo sem fronteiras do ponto de vista de expertise: é preciso juntar conhecimento no sentido de se criar uma cultura dos meios de comunicação que possa reduzir mortes evitáveis: elas somam quase 1 milhão por ano no Brasil! É preciso melhorar a saúde das pessoas, elas precisam saber o que é relevante para elas viverem mais e serem mais felizes, e inclusive para melhorar o grau de exigên-cia com relação à informação e ao serviço público de saúde. Eu acho que a integra-ção da comunicação com a Saúde, com a Ciência e com o direito vai fazer com que a gente venha a ter um país melhor. E a pós-graduação está aberta para isso, para que as pessoas que se graduem em qualquer área – até mesmo economia, educação Física, direito, jornalismo, e mesmo Medicina e as áreas biológicas – enxerguem de forma crítica a maneira de escolher os caminhos para que a sociedade se aprimore.

Communicare - A informação pode ser uma arma para evitar a morte de mais 700 mil pessoas por ano no Brasil?ÁA - Isso, 700 mil pessoas. Quanta coisa! Isso me faz sentir um cientista ingênuo por-que parece que estamos meio fora do foco, alguma coisa está fora de ordem e a gente tem que encarar essas grandes consequências, porque às vezes você faz congressos para estudar uma enzima, e do outro lado da rua as pessoas estão comendo comida contaminada, estão pegando H1N1 ou Aids e assim por diante. Essa interação nos faz ver melhor as coisas e trazer melhores resultados. Como é que uma medicina de 3 trilhões de dólares por ano como a americana pode empatar em sobrevida ou em mortalidade infantil com um país como Cuba, por exemplo? Alguma coisa está erra-da. Então, tem muita influência do interesse financeiro embotando a mente humana.