4
Entrevista sobre o livro “O Novo Luxo” para o Estado de S. Paulo cedida a Beto Abolafio 1. O que é novo luxo? Resposta: Não há propriamente uma definição do que possa ser entendido como “o novo luxo”. A expressão funciona, sobretudo, como uma chamada marketeira para mudança nos hábitos de consumo das classes mais abastadas como também do imaginário da sociedade em geral em confronto com o imaginário do luxo clássico. À idade artístico/sublime do luxo sucede seu momento hiper-realista e financeiro, no qual criação e busca de grande rentabilidade são inseparáveis. A lógica industrial sobrepõe- se à lógica artesanal do “sob medida” como testemunha a crise da alta-costura em proveito de uma série de produtos derivados e produzidos em escala por gigantes mundiais, por grandes conglomerados econômicos como sublinha Danielle Allérès (LVMH, P.P.R, Richemont, Louvre-Taitinger e Hermes representam 65% dos negócios do setor). Veículos especializados, pesquisando e recriando o ar dos novos tempos, criam paradoxais produtos luxuosos que apelam para os valores eternos e para a constante renovação. 2. Quais as principais diferenças entre o "velho" luxo e o novo luxo? Resposta: O luxo, como todo simbolismo cultural, é histórico, suas estratégias transformam-se com o passar do tempo. O paradigma do imaginário luxuoso estava ligado ao poder monárquico caracterizado fortemente pela distinção hierárquica. Os símbolos do poder da realeza e da igreja cintilavam em ouro e pedras, instalavam-se nas alturas dos tronos e andores. Se pensarmos na relação entre a produção e a recepção de tais signos, constatamos que o objetivo era demonstrar o fausto, a diferença, o poder total e absoluto. A

Entrevista sobre o livro “O Novo Luxo” para o Estado de S. Paulo

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Entrevista cedida a Beto Abolafio

Citation preview

Page 1: Entrevista sobre o livro “O Novo Luxo” para o Estado de S. Paulo

Entrevista sobre o livro “O Novo Luxo” para o Estado de S. Paulocedida a Beto Abolafio

 

1. O que é novo luxo?

Resposta: Não há propriamente uma definição do que possa ser entendido como “o novo luxo”. A expressão funciona, sobretudo, como uma chamada marketeira para mudança nos hábitos de consumo das classes mais abastadas como também do imaginário da sociedade em geral em confronto com o imaginário do luxo clássico. À idade artístico/sublime do luxo sucede seu momento hiper-realista e financeiro, no qual criação e busca de grande rentabilidade são inseparáveis. A lógica industrial sobrepõe-se à lógica artesanal do “sob medida” como testemunha a crise da alta-costura em proveito de uma série de produtos derivados e produzidos em escala por gigantes mundiais, por grandes conglomerados econômicos como sublinha Danielle Allérès (LVMH, P.P.R, Richemont, Louvre-Taitinger e Hermes representam 65% dos negócios do setor). Veículos especializados, pesquisando e recriando o ar dos novos tempos, criam paradoxais produtos luxuosos que apelam para os valores eternos e para a constante renovação.

2. Quais as principais diferenças entre o "velho" luxo e o novo luxo?

Resposta: O luxo, como todo simbolismo cultural, é histórico, suas estratégias transformam-se com o passar do tempo. O paradigma do imaginário luxuoso estava ligado ao poder monárquico caracterizado fortemente pela distinção hierárquica. Os símbolos do poder da realeza e da igreja cintilavam em ouro e pedras, instalavam-se nas alturas dos tronos e andores. Se pensarmos na relação entre a produção e a recepção de tais signos, constatamos que o objetivo era demonstrar o fausto, a diferença, o poder total e absoluto. A unicidade, a aura, a riqueza e o excesso marcavam o luxo. As figuras da realeza caracterizavam-se pela ostentação de ócio e desperdício. O trabalho era para a burguesia e classes inferiores.

Na atualidade, vão se processando novas formas de construir o sentido do produto luxuoso. A comunicação do luxo como poder assume outros desenhos em que sobressai a importância do processo de codificação/decodificação textual. O luxo perde a obviedade do material nobre e ganha em capital cultural. Os personagens privilegiados, as celebridades do contemporâneo, investem na produção de códigos que exigem um verdadeiro investimento para o reconhecimento e fruição. O luxo se dá no detalhe só diagnosticado pelos escolhidos, o luxo se dá no design, na sofisticação tecnológica, na hipermobilidade. O luxo exige aprendizado do raro e do exótico e exige também separações e limites: da sala Vip ao mundo virtual.

 3. A seu ver o novo luxo representa mudanças de comportamento dos consumidores atuais? Quais?

Page 2: Entrevista sobre o livro “O Novo Luxo” para o Estado de S. Paulo

Resposta: O novo luxo não está preocupado primariamente com os produtos, mas com o modo de produção e recepção. Aos novos consumidores não basta apenas comprar, é preciso saber consumir, daí a importância atual sobre a origem dos produtos, sua circulação histórica, de modo a valorizar o simbólico agregado por tais narrativas. Desta forma se reconstitui o exótico, busca-se a diferença e afirma-se o saber como poder.

 4. Que adventos teriam levado às mudanças mencionadas acima?

Resposta: As revoluções democráticas transformaram a ostentação aristocrática em mau gosto e a revolução industrial com a reprodutibilidade técnica desafiou as peças únicas. Como resposta, o luxo, simbolizando o poder, vai tornar-se progressivamente veloz e perde seus traços de tradição. Enquanto na época que Bauman chama de “modernidade pesada” era importante marcar o território e assim o fizeram as grandes fábricas, sequencialmente a acumulação flexível do capitalismo de software e da “modernidade leve” decresce a importância do espaço num mundo múltiplo, complexo, em que o capital viaja desligado do trabalho frequentemente desmaterializado em serviços e terceirizado no movimento de fragmentação global. Bauman refere este momento de perda de peso das riquezas como resultado de lipoaspirações das gorduras e excessos.

 5. A seu ver, baseadas no conceito de novo luxo, as pessoas tendem a se relacionar de que maneira com os espaços – sejam urbanos, sejam domésticos?

Resposta: A velocidade das transformações contemporâneas faz com que cada vez mais o espaço não seja visto como algo de exterior ao sujeito, seu cenário, coisa extensa, passando a elemento constitutivo de sua estruturação. Na opinião de Guattari, os espaços tornam-se máquinas de sentido, de sensação que podem tanto trabalhar em direção de um esmagamento uniformizador, quanto no sentido da retomada de uma singularidade liberadora. Tais possibilidades tomam corpo, por exemplo, num dos caminhos seguidos pela arte contemporânea: o das instalações.

 6. Outras considerações que achar necessárias.

Resposta: A questão do luxo precisa ser sempre examinada em confronto com o momento sócio-politico-econômico que se atravessa. Na verdade, teríamos hoje novos luxos, novas produções de sentido que se conectam de uma forma ou de outra com o medo da violência dos excluídos, a procura da diferença na celebração das marcas e a fuga desta corrida sem fim com o direcionamento da atenção para as questões da bio-éticas que apelam para experiências que proporcionem prazeres reconfortantes do encontro com a natureza e com a comunidade. É substantiva então a importância de uma nova urbanidade, da solidariedade, da sustentabilidade e dos esforços de inclusão.