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ENURESE E ENCOPRESE Orientação aos Pais O DESAGRADÁVEL "XIXI" NA CAMA... Um problema psicológico O "xixi" na cama fora do tempo é problema infanto-juvenil denominado enurese, que significa o esvaziamento desapropriado e involuntário de urina por um indivíduo cuja idade deveria ser a suficiente para controlar os seus esfíncteres, os músculos que asseguram a oclusão ou abertura do orifício da bexiga. Trata-se de uma situação bastante comum, mas que causa grande transtorno e aborrecimentos no seio da família. Este descontrolo vesical noturno acontece durante a infância, afetando principalmente os rapazes entre os 6 e os 7 anos de idade. Mas, em certos casos, pode persistir até que a puberdade seja atingida. No entanto, estabelece-se uma distinção entre as crianças que não conseguiram atingir o controlo dos seus esfíncteres e continuam a urinar na cama (enurese permanente ou primária) e as que, depois de o terem conseguido por um período superior a seis meses, voltam a urinar-se (enurese secundária ou adquirida). As causas mais comuns Existem vários fatores que podem originar a enurese. Entre os mais comuns estão os problemas emocionais devidos a perturbações na relação da criança com o seu meio ambiente. Mas o problema também pode ser devido a alterações de tipo orgânico. Uma das que devem ser tidas em consideração para o diagnóstico e tratamento da enurese é a possível existência de deformações ou alterações funcionais do aparelho urinário, como um atraso no desenvolvimento do controlo da bexiga, uma bexiga pequena ou um músculo esfíncter débil. A possível existência de infecções do trato urinária é outra das causas mais freqüentes da enurese secundária, sobretudo nas meninas.

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ENURESE E ENCOPRESE

Orientação aos Pais

O DESAGRADÁVEL "XIXI" NA CAMA...

Um problema psicológico

O "xixi" na cama fora do tempo é problema infanto-juvenil denominado enurese, que significa o esvaziamento desapropriado e involuntário de urina por um indivíduo cuja idade deveria ser a suficiente para controlar os seus esfíncteres, os músculos que asseguram a oclusão ou abertura do orifício da bexiga.

Trata-se de uma situação bastante comum, mas que causa grande transtorno e aborrecimentos no seio da família. 

Este descontrolo vesical noturno acontece durante a infância, afetando principalmente os rapazes entre os 6 e os 7 anos de idade. Mas, em certos casos, pode persistir até que a puberdade seja atingida. 

No entanto, estabelece-se uma distinção entre as crianças que não conseguiram atingir o controlo dos seus esfíncteres e continuam a urinar na cama (enurese permanente ou primária) e as que, depois de o terem conseguido por um período superior a seis meses, voltam a urinar-se (enurese secundária ou adquirida).

As causas mais comuns

Existem vários fatores que podem originar a enurese. Entre os mais comuns estão os problemas emocionais devidos a perturbações na relação da criança com o seu meio ambiente. 

Mas o problema também pode ser devido a alterações de tipo orgânico. Uma das que devem ser tidas em consideração para o diagnóstico e tratamento da enurese é a possível existência de deformações ou alterações funcionais do aparelho urinário, como um atraso no desenvolvimento do controlo da bexiga, uma bexiga pequena ou um músculo esfíncter débil. 

A possível existência de infecções do trato urinária é outra das causas mais freqüentes da enurese secundária, sobretudo nas meninas. 

Há ainda outras possíveis causas orgânicas com a presença de diabetes mellitus ou de diabetes insípida e certas afecções neurológicas, como a epilepsia.

Mais recentemente, investigações demonstraram que na origem desta disfunção pode estar um fator hereditário. Neste caso, o melhor é ser muito paciente com a criança, felicitando-a sempre que acorde seca. 

Durante muito tempo, atribuíram-se os episódios de enurese a transtornos do sono, mas através de estudos poligráficos (registros electro-encefalográficos durante o sono) não foi conseguido um padrão estatisticamente significativo. Mesmo durante o sono profundo, as pessoas retêm a urina de maneira que, mesmo quando a bexiga está cheia, produzem apenas

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algumas gotas, enquanto o enurético evacua a bexiga num jacto completo e, além disso, demonstra-se que o faz precisamente durante o sono profundo.

A freqüência deste problema

A enurese é mais freqüente entre os rapazes do que entre as raparigas, numa relação de 3 para 1. Até aos 5 anos atinge uns 15 a 20 por cento das crianças, 7 a 10 por cento por volta dos 10 anos, mas pode persistir em um por cento dos casos até ao final da adolescência.

Alguns estudos demonstram que quase 50 por cento das crianças com enurese noturna não são levadas ao médico por esse motivo. A enurese não tratada cura-se espontaneamente ao ritmo de 10 a 20 por cento dos casos por ano.

Um pesado "segredo"

A enurese constitui um pesado fardo para a criança e para a sua família, não só por afetar a sua auto-estima numa idade extremamente importante para o desenvolvimento da sua personalidade, mas também porque acarreta custos econômicos e sociais consideráveis que vão aumentando com o crescimento da criança. 

Hoje, são muitas as atividades da criança que exigem passar a noite fora de casa: dormir em casa de amigos, campos de férias, acampamentos, torneios desportivos, visitas a familiares. Uma criança com enurese evita todas estas atividades, receando que o seu "segredo" seja desvendado, sobretudo por outras crianças. 

O tratamento

O tratamento deverá adaptar-se às peculiaridades e características de cada caso, sendo, por isso, necessário realizar um exame atento nas áreas médica e psicológica para determinar a origem do problema. 

De qualquer maneira, é importante pensar que a eliminação do sintoma de enurese não representa em si mesmo a cura da enfermidade enurética. Por isso, é necessário eliminar a situação conflituosa que se encontrar na base da situação, ou seja, a relação perturbadora da criança com o seu ambiente. Quando se conseguir cumprir este objetivo, o efeito será duradouro.

A enurese resolve-se na maior parte dos casos com a conjugação do tratamento médico adequado com um acompanhamento psicológico, em que se pretende dar confiança à criança e acarinhá-la.

O papel dos pais

Os pais têm um papel muito importante no processo de tratamento, ajudando a

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desdramatizar o problema. É preciso enfrentar o problema com tranqüilidade e paciência, encorajando a criança pelo esforço que está a fazer para o ultrapassar. E, sobretudo, não demorar a procurar apoio médico. 

A criança não molha a cama para chamar à atenção ou por ser preguiçosa, trata-se de uma situação que ela não controla. Por isso, "sermões" e castigos só a vão fazer sentir-se pior, agravando os sentimentos de frustração, angústia e culpa.

No dia a dia, os pais deverão também tentar alterar alguns hábitos prejudiciais, evitando que a criança beba muitos líquidos antes de ir para a cama e lembrando-a da necessidade de urinar antes de se deitar. 

Evitar a vergonha

Existem já no mercado produtos de higiene infantil que ajudam a minimizar as conseqüências da enurese, poupando as crianças às situações de vergonha resultantes da exposição pública do seu problema. 

Para uma dormida fora de casa ou umas férias com amigos, existem já cuecas de proteção noturna, superabsorventes, mas com um aspecto que não é muito diferente da roupa interior utilizada pelas crianças. Assim, ela evitará os embaraços da cama molhada. 

ENCOPRESE

Fowler (1882), Henoch (1889) e Weissenberg (1926), parecem ter sido os primeiros investigadores a interessarem-se pela encoprese, devendo-se a este último o termo e a sua definição: "- Qualquer defecação involuntária que ocorra numa criança que já tenha ultrapassado a idade de 2 anos e na ausência de lesão evidente do sistema nervoso ou de outra afecção orgânica".

Trata-se, portanto, de uma falta de controle do esfíncter anal, que é geralmente adquirido até à idade de 2 anos e meio, caracterizando-se sobretudo por ser uma defecação involuntária, não diretamente atribuída a doenças físicas tais como anomalias retais e anais, a fraturas da coluna vertebral, infecções agudas e outras ( que serão "incontinência intestinal" e não encoprese).

A encoprese não é uma doença do esfíncter anal, mas de um problema psicológico que afeta o seu normal controle. Tal como a enurese, a encoprese é apenas um dos sintomas de um quadro psicopatológico, raramente sendo monossintomático. Mas pode aparecer associado a tiques, manipulações (roer as unhas, sucção no polegar), gaguez, timidez, medos, birras, delinqüência, etc. (Gruenspun, 1982).

Ajuriaguerra (1976) diferencia Encoprese Primária de Encoprese Secundária.

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A Encoprese Primária, em que a criança não chega a adquirir a higiene correspondente ao controle do esfíncter anal, corresponde a um atraso na maturação funcional ou num inadequado processo de ensino-aprendizagem.

As crianças com atraso de crescimento físico, de desenvolvimento mental ou afetivo, podem por vezes apresentar atraso no controle do seu esfíncter anal, que é por uns autores considerado como Encoprese Primária, enquanto que outros, não a consideram como encoprese porque há um atraso geral de todo o seu desenvolvimento ou das suas funções orgânicas.

Estes diferentes autores concordam, porém, quanto ao classificar como primariamente encopréticas aquelas crianças que não foram convenientemente ensinadas a controlar o seu esfíncter anal na idade prevista para tal.

A Encoprese Secundária é considerada quando aparece após a criança ter já adquirido os hábitos de higiene, não tendo havido "acidentes" durante um longo período de tempo. É, portanto, conseqüência de qualquer perturbação psicológica que leva a criança a uma regressão a um estágio anterior.

Na Encoprese Diurna, a excreção fecal ocorre geralmente uma única vez, embora haja casos em que a criança se suje pouco, mas quase constantemente. Já Encoprese Noturna é mais freqüente que a diurna (Hallgren, 1957).

Quanto à sua freqüência, podemos distinguir:

1 - Encoprese Quotidiana, em que a criança se apresenta regularmente suja;

2 - Encoprese Irregular, em que não se encontra uma regularidade, aparecendo por períodos e com intervalos maiores ou menores:

3 - Encoprese Intermitente, em que ocorre transitoriamente, mas de modo regular, estando muitas vezes associada a separações do meio familiar, a alterações da vida escolar, etc.

4 - Encoprese Episódica, em que aparece por um muito breve lapso de tempo, entre períodos muito longos de bom controle esfincteriano: o ingresso na escola, o nascimento de um irmão, separação da mãe e outras situações.

Ajuriaguerra (1967) refere que é raro que, na encoprese, as fezes tenham uma consistência normal. A prisão de ventre aparece algumas vezes associada e outras vezes há alternância entre diarréia e prisão de ventre.

A encoprese associa-se freqüentemente à enurese, embora as duas afecções não se iniciem de modo simultâneo e evoluam com ritmos e alterações diferenciadas.

Segundo M. Bellman (1966), a encoprese, quando a criança se beneficia de um bom apoio psicoterapêutico, começa a ter episódios cada vez mais espaçados, acabando por desaparecer totalmente, sobretudo se for devidamente tratada antes dos 8 anos de idade. Este mesmo autor encontrou uma relação entre o prognóstico da enurese e a ansiedade da criança, a relação afetiva com a mãe e os interesses comuns com esta.

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CAUSAS DA ENCOPRESE

Anthony (1967), Launay e Lauzanne (1970) referem como principais fatores etiológicos da encoprese o modo de aprendizagem da higiene esfincteriana e a relação mãe-filho.

Os casos de Encoprese Primária são geralmente devidos a uma falta de cuidados familiares quanto ao habituar a criança a evacuar no seu bacio, ou a uma repugnância manifesta do meio familiar sobre o mau cheiro e os dejetos evacuados.

Um ensino demasiado coercivo e exigente por parte da mãe ou demasiado precoce, levam geralmente a uma situação de Encoprese Secundária.

Algumas crianças resistem à aprendizagem dos hábitos de higiene, para não perderem o prazer que sentem com o ato e o contacto com os produtos da sua excreção. Outras manifestam a necessidade de afirmar a sua agressividade contra o modo de ensino, sob a forma de regressão.

A relação mãe-filho que se estabelece no modo de ensino-aprendizagem das condutas higiênicas anais é, talvez, o fator mais importante. Os erros maternos no habituar a criança ao bacio, desentendimentos entre os pais, o nascimento de um irmão ou qualquer outro fator afetivo-relacional, poderão ter conseqüências muito ou pouco desfavoráveis, conforme o contacto relacional entre mãe e filho, podendo o sintoma evoluir para o seu desaparecimento ou para a sua fixação.

J. Santos e N. Caldas (1978) referem que o sintoma encoprético "- só se manifesta em condições especiais de relação com a mãe... surgindo num quadro de neurose em organização, caracterizado por bloqueio afetivo com tendência à fixação e organização de caráter do tipo depressivo-passivo, com ansiedade e impulsividade latentes."

A INTEGRAÇÃO

A integração escolar da criança enurética e/ou encoprética não requer quaisquer disposições materiais ou programáticas diferentes das usualmente empregues pelo educador e professor com todas as crianças. Há, porém, toda uma série de atitudes do adulto que devem ser modificadas e outras que devem ser evitadas.

Dado que se tratam de sintomas de problemas psicológicos que, na sua evolução se poderão tornar doenças de difícil tratamento, sendo mais importante prevenir do que remediar, é fundamental que o primeiro passo seja o de enviar a criança a uma consulta de psicologia clínica, logo que se notem os primeiros acidentes "molhados" ou "sujos".

Tal como não há duas pessoas iguais, também não há dois problemas psicológicos iguais, constituindo cada caso um caso único e isolado, que deve ser estudado e diagnosticado na sua originalidade, desenvolvendo-se a terapia em função da especificidade de cada quadro psicopatológico. A única constante é a de que todas as crianças que mostram sinais de enurese ou encoprese deverão usufruir tratamento psicoterapêutico, especificamente objetivado para a resolução das dificuldades psicológicas de que a enurese ou encoprese são sintomas.

Não uma psicoterapia para resolução dos sintomas, mas dos fatores psicológicos específicos que os causam.

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Só se poderá pensar em integração escolar de uma criança enurética ou encoprética se ela já estiver a fazer psicoterapia num consultório psicológico.

ATITUDES GERAIS

No histórico de muitos casos de enurese e encoprese, encontramos situações de ameaças, de castigos e de humilhações extremamente severas e traumatizantes para a criança, que em vez de ajudar na resolução dos seus problemas psicológicos, produzem o efeito contrário. São ameaças de abandono, de pôr a criança a dormir na rua, no quintal ou na banheira, de deixar de gostar dela, de a internar num colégio, geralmente acompanhadas de gritos e violência verbal, bem como de castigos físicos. O deixar a criança andar molhada ou suja durante todo o dia, para sofrer não só os incômodos da situação como o repúdio, pelo mau cheiro que exala, das pessoas e outras crianças que com ela convivem, o andar com um letreiro nas costas para que todos saibam que se descuidou na cama ou o obrigar a criança a segurar o seu colchão molhado à porta ou na varanda, são algumas das muitas humilhações que são referidas e que contribuem para o agravamento do quadro nosológico.

Há que evitar todas estas e outras atitudes contraproducentes, como ameaças, castigos, humilhações e autoritarismos, geradoras de climas de medo, procurando-se criar um clima de compreensão, de ajuda e de apoio, tal como sucede em qualquer situação de doença física. Quando uma criança está com gripe, com varicela, papeira ou outra doença semelhante, a mãe não lhe ralha, não lhe bate nem a humilha, desvelando-se por a acarinhar, medicamentar e criar um clima de ternura e carinho.

Evitar, sobretudo, que o caso seja conhecido por outras pessoas. É uma situação de que a criança se envergonha e que procura esconder, um segredo que deve ser partilhado apenas com os seus pais, educador ou professor, sendo por estes respeitado e jamais divulgado. Evitar mesmo falar muito do assunto com a criança; atuar no sentido de ajudar é melhor do que falar-lhe num assunto que a faz sofrer.

Mesmo perante as maiores sujidades e maus cheiros, os pais, educadores e professores, deverão procurar evitar mostrar qualquer repugnância. A urina e as fezes são, para a criança, algo de muito importante, algo que vem de si, de dentro de si, que é seu, parte de si e que lhe é precioso. Tão precioso que "oferece" a quem ama, como objeto que dá como modo de mostrar afeto. Constituem para si um prazer, gostando de sentir o seu contacto e o seu cheiro. Para si, não cheira mal, é um cheiro seu, produzido por si e que lhe dá prazer cheirar. Se percebe em outras pessoas, sobretudo naquelas que ama, quaisquer sinais de nojo, de repúdio, de censura ou de algum modo negativos em relação a algo que lhe dá prazer e que julga ser bom, a criança não compreende, ficando inicialmente confundida e desenvolvendo posteriormente sentimentos de culpa, por sentir que aquilo que lhe dá prazer é socialmente execrando e proibido.

A ATUAÇÃO DOS PAIS

Os pais desempenham o papel mais importante e crucial da aprendizagem do controle esfincteriano da criança, devendo a sua responsabilidade exercer-se simultaneamente sobre o plano da organização esfincteriana e sobre o plano mais geral do seu desenvolvimento afetivo.

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A aprendizagem das regras de higiene e o amor, são indissociáveis, não se podendo, de modo algum, procurar que a criança aprenda a controlar os seus esfíncteres sem que seja num ambiente de carinhosa afetividade.

O desejo que algumas mães têm de que o seu filho aprenda muito cedo a conter-se e a pedir para "fazer xixi", pode lavá-las a agir precocemente nesse sentido, em situações em que o seu filho não possua ainda o necessário desenvolvimento neuro-fisiológico ou, mais importante, não tenha ainda atingido o desenvolvimento afetivo que lhe permita fazer o desinvestimento libidinal nas suas zonas genitais e nas suas micções ou fezes.

Ajuriaguerra (1976) refere que esta atitude inadequada por parte dos pais (educação esfincteriana prematura) é encontrada principalmente nas mães obsessivas (aplicação das regras de modo muito rígido) ou fóbicas (nojo do sujo).

Quando se faz referência a um ensino precoce, isto significa que jamais deverá ser efetuado antes da aquisição do andar e que ter 2 ou 3 anos de idade não significa que possua o mesmo grau de desenvolvimento afetivo, cognitivo, social ou motor. Casos de afastamento da mãe, de graves conflitos familiares, internamento em creches e outros, levam por vezes a grandes atrasos no desenvolvimento afetivo-social que deverão ser considerados e devidamente ponderados.

Mesmo em idades normais, a atitude dos pais em relação a estas aprendizagens, deverá ser sempre bastante cuidadosa. Atitudes excessivamente coercivas levam geralmente a criança a reações de revolta e de defesa, e atitudes demasiadamente permissivas podem impedir a adequada organização do controle dos esfíncteres.

Alguns autores referem que pais que são ou foram enuréticos podem apresentar atitudes de temor ou de superproteção, motivadas pelas suas recordações traumáticas, que podem influenciar negativamente as aprendizagens da criança neste campo.

Numa família em que a criança esteja em casa com a sua mãe, é natural que acompanhe esta para todas as partes da casa, inclusivamente para a casa de banho, sempre que necessite de satisfazer as suas necessidades fisiológicas. A criança aprende deste modo e muito naturalmente, que há um ritual que leva a mãe a ir algumas vezes àquele local e a proceder àqueles comportamentos.

Se, por volta dos 2 anos de idade, a mãe colocar o bacio da criança na casa de banho e a sentar nela (às vezes é a própria criança que toma esta iniciativa) ao mesmo tempo que se senta na sanita, a criança começa a integrar mais esta associação e, geralmente pelos 3 anos, começa também a baixar a fralda e, posteriormente, a fazer no bacio.

Se, desde a primeira vez que a criança conseguir este acontecimento, a mãe se desvelar em gratificar a ação, mostrando contentamento, alegria, batendo palmas, beijando-a e fazendo uma grande festa, mostrando o "produto" a toda a família para que todos se mostrem contentes e a elogiem, estes comportamentos vão reforçar a ação conseguida, procurando a criança comportar-se futuramente do modo que sabe ser o mais gratificante.

Como a criança possui ritmos de evacuação com intervalos mais curtos do que os da sua mãe, esta deverá ter em atenção as horas em que a criança tem necessidade de ir para o bacio,

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para actuar em conformidade. É relativamente fácil cronometrar as "molhadelas" e colocar a criança no bacio (e se necessário, dar o exemplo, sentando-se a mãe ao lado, na sanita) uns minutos antes do "acidente", mesmo que seja necessário acordar a meio da noite ou a meio da sesta.

NO JARDIM DE INFÂNCIA

A separação da mãe para entrar pela primeira vez num local completamente diferente do seu lar, com adultos que desconhece e com outras crianças que inicialmente a confundem e antagonizam, perante a sua natural posição egocêntrica, pode constituir um severo trauma psicológico para a criança que é prematuramente colocada nesta situação.

Geralmente, os Jardins Infantis não aceitam crianças com menos de 3 anos de idade ou que ainda usem fraldas, considerando que o uso das fraldas depois desta idade (enurese primária) revela alguma imaturidade afetivo-social, necessitando a criança de estar mais tempo com a mãe, no seu seio familiar, antes de ingressar no meio escolar.

Se, depois de já ter deixado as fraldas e, ao entrar para o Jardim Infantil, a criança começar a ter "acidentes molhados ou sujos" (enurese secundária), poderá ser um sinal de que sucedeu qualquer problema psicológico grave, como, entre outros, mesmo o entrar para a escola sem possuir maturidade para tal, devendo por isso ser imediatamente enviada a uma consulta de psicologia clínica, atuando-se em conformidade com o diagnóstico e o aconselhado pelo psicólogo.

No caso de enurese primária, não será recomendável que o educador do Jardim Infantil procure organizar quaisquer atividades de ensino-aprendizagem do controle dos esfíncteres. Pelos fatores afetivo-relacionais já referidos anteriormente, é imprescindível que seja a mãe a encarregar-se no assunto.

Nos casos de enurese secundária, o educador deverá seguir os conselhos do psicólogo, dado que na maioria das vezes é necessária uma ação concertada dos psicoterapeutas (para além da terapia da criança é também muitas vezes necessária uma terapia familiar), dos pais (em especial da mãe), da família e de todos os agentes educativos, em que o educador possui um papel predominante.

As recomendações atrás referidas para não deixar que ninguém se aperceba dos "descuidos", para evitar atitudes de repulsa ou de nojo, bem como ameaças, castigos ou humilhações, são extensivas não só para as crianças enuréticas ou encopréticas, mas para todas as crianças do Jardim Infantil, dado que todas se encontram ainda numa fase de solidificação das aprendizagens dos hábitos de higiene, não estando nenhuma livre da ocorrência ocasional de qualquer "acidente":

Será preciosa ajuda, nestas circunstâncias:

Que cada criança tenha o seu bacio, de preferência aquele bacio no qual aprenderam em casa os seus hábitos de higiene (compra-se outro para casa), que possui algo de transacional com o ato e a relação afetiva com a sua mãe;

Criar uma rotina, havendo um horário sistemático e considerando-a ao mesmo nível de qualquer outra atividade educativa, para as crianças (sobretudo as mais pequenas) se sentarem nos respectivos bacios;

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Continuar as ações de reforço, gratificando com alegria, palmas, canções ou de qualquer outro modo, aquelas crianças que forem mostrando o "xixi" ou o "cocô" acabado de fazer;

Gratificar ainda de modo mais intenso aquelas crianças que, fora deste horário, pedirem para ir ao bacio e mostrem o que acabaram de "fazer".

Como as crianças variam muito nos seus hábitos nestas idades, o educador deverá procurar descobrir o horário mais conveniente para as suas crianças, de modo a que a "atividade educativa do bacio" suceda minutos antes das necessidades gerais nesse sentido, De um modo geral, há necessidade desta atividade antes do deitar para a sesta e logo a seguir ao acordar, variando ao longo do dia, de grupo para grupo de crianças, espaçando-se com o evoluir da idade.

Será recomendável que o desenvolvimento programático da "atividade coletiva do bacio" evolua do seu bacio, para um (qualquer) bacio, para bacios na casa de banho, para o fazer na sanita e, por fim, para o fazer isoladamente na sanita, fora de um contexto de atividade ao pé de outros.

O ritmo de reflexão da bexiga é, na criança de 3 aos 6 anos, muito variável, sendo por vezes bastante rápido.

Tudo o que cause excitação, alegria, entusiasmo e movimentação, provoca um imediato aumento da secreção da urina e um conseqüente enchimento muito rápido da bexiga, pelo que o educador deverá ter o cuidado de fazer com que as crianças façam o "ritual do bacio" antes de festas, danças, jogos e brincadeiras muito excitantes, bem como fazer intervalos nestas para o mesmo efeito.

A excitação e o interesse pelas atividades de que gosta levam muitas vezes a criança a "esquecer-se de sentir vontade" e às vezes até nem notam "que se molhou" antes da brincadeira terminar.

Entre as outras atividades educativas, alguns psicanalistas, entre os quais J. Santos (1980), referem como as que mais ajudarão a criança nesta fase do seu desenvolvimento, todas aquelas que a levarem a manusear matérias líquidas e pastosas: água, sabonetes, areia, areia molhada, lama, digipintura, barro, plasticinas, massa de pão, etc.

NA ESCOLARIDADE BÁSICA

É raro aparecer enurese primária na escolaridade básica, sendo mais freqüentes os casos de enurese secundária, envoltos numa complexidade etiológica, associada a diferentes traumas e a fortes situações de angústia.

O sentir-se marginalizada e socialmente rejeitada torna-se por vezes para a criança um sofrimento muito maior que o sentir que não é capaz de se controlar na sua higiene. às vezes, algumas crianças ficam quase toda a noite acordadas, tendo medo de dormir para não "molhar" a cama, o que as podem levar a um quadro de grande ansiedade. Outras, quando criticadas, podem não querer brincar, sair de casa ou ir para a escola, temendo algum "acidente molhado", podendo começar a tornarem-se retraídas, tímidas e a evoluir para situações fóbicas.

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Mais do que nunca, deve-se ter os maiores cuidados em não castigar, ameaçar ou criticar a criança que se "molha", compreendendo que ela não o faz de propósito, sendo ela própria a primeira a desejar evitar que tal aconteça.

O professor terá que, nestas situações, ajudá-la a limpar-se e a mudar de roupa, sem críticas, sem comentários e, sobretudo, sem que mais ninguém saiba do que se passa, nomeadamente colegas e outros adultos.

Quaisquer escárnios ou humilhações ("- Sr. professor, este menino cheira mal!...", "-... fez xixi nas calças!", "-... é o mijão!...", "-... o porcalhão...", "- Não o quero na minha mesa porque cheira mal!", etc.), mais do que imediatamente desviados, devem, sobretudo, ser evitados, pela ação preventiva do professor, adiantando-se a qualquer situação que possa eventualmente dar origem a situações do conhecimento de terceiros que possam causar estas exclamações.

Procurar descobrir qual o horário mais freqüente dos "acidentes", para aconselhar particularmente a criança a ir à casa de banho uns minutos antes, é um procedimento da parte do professor, tão simples quanto eficaz.

Interessa também que o professor crie com a criança um clima de amizade, de carinho e de compreensão tal que, quando houver um "acidente", a criança se sinta inteiramente à vontade para lhe fazer um discreto sinal, sabendo que o professor lhe vai imediatamente acudir, nem que ninguém note alguma coisa.

Como atividades educativas que contribuirão mais ou menos diretamente para ajudar a passar estes problemas, alguns autores, para além do manuseamento-modelagem (barro, lama, digitinta, plasticina, massa de pão, etc.) recomendam atividades que envolvam coleções, ordenações e seriações, bem como o desenvolvimento das qualidades de arrumação e de pontualidade.

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