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ENVELHECIMENTO NA AGENDA PÚBLICA BRASILEIRA Solange Maria Teixeira 1 RESUMO Mapeamento dos diferentes momentos da emersão do envelhecimento na agenda pública brasileira. Destacam-se os principais sujeitos sociais que funcionaram como grupos de pressão responsáveis pela visibilidade política e social do envelhecimento, e o processo de transformação do envelhecimento enquanto “issue”, em agenda estatal materializada em política pública. Palavras-chave: Envelhecimento. Terceira Idade Política Nacional do Idoso. 1 INTRODUÇÃO O envelhecimento humano que, há 40 ou 50 anos atrás, era um assunto que se restringia, quase exclusivamente, à esfera privada e familiar, emergindo à cena pública, inicialmente, como objeto de políticas previdenciárias, passou sobretudo depois dos anos 60, a se transformar numa questão social e política de maior importância no mundo contemporâneo graças à organização dos idosos e de entidades da sociedade civil organizadas em prol de sua causa, principalmente de organizações multilaterais internacionais. que se constituíram em grupos de pressão, fundamentais na transformação da questão do envelhecimento em agenda pública. Conforme Brant de Carvalho (2000) as prioridades em políticas públicas emergem na sociedade e só adentram a agenda do Estado quando se constituem em demanda vocalizada. Isto é, quando grupos da sociedade civil organizam-se em torno desta demanda, focalizam- na e agem sensibilizando e mobilizando outros segmentos societários em torno dela. Nesta condição adensam forças e pressões, transformando- a em prioridade e introduzindo-a no campo da disputa política. Ela se torna prioridade efetiva quando ingressa na agenda estatal; toma-se interesse do Estado e, não apenas, dos grupos organizados da sociedade. Em relação à questão do envelhecimento, esse processo foi lento e diferenciado ao longo da constituição do Sistema de Proteção Social Brasileiro, diferenciando-se também quanto aos sujeitos ou grupos de pressão envolvidos na luta pelos direitos dos idosos, quanto às respostas estatais dadas e quanto aos significados do envelhecimento. Pode-se demarcar o primeiro grande momento desse processo com a emersão da questão social associada às lutas dos trabalhadores para o reconhecimento dos problemas que enfrentavam, não só sociais, como também 1 Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal do Piauí, mestre em Serviço Social e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão. E-mail: [email protected]

Envelhecimento Na Agenda Pública Brasileira

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Artigo trata das mudanças do atendimento ao idoso no brasil

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  • ENVELHECIMENTO NA AGENDA PBLICA BRASILEIRA

    Solange Maria Teixeira1

    RESUMO

    Mapeamento dos diferentes momentos da emerso do envelhecimento na agenda pblica brasileira. Destacam-se os principais sujeitos sociais que funcionaram como grupos de presso responsveis pela visibilidade poltica e social do envelhecimento, e o processo de transformao do envelhecimento enquanto issue, em agenda estatal materializada em poltica pblica.

    Palavras-chave: Envelhecimento. Terceira Idade Poltica Nacional do Idoso.

    1 INTRODUO

    O envelhecimento humano que, h 40 ou 50 anos atrs, era um assunto

    que se restringia, quase exclusivamente, esfera privada e familiar, emergindo cena

    pblica, inicialmente, como objeto de polticas previdencirias, passou sobretudo

    depois dos anos 60, a se transformar numa questo social e poltica de maior

    importncia no mundo contemporneo graas organizao dos idosos e de

    entidades da sociedade civil organizadas em prol de sua causa, principalmente de

    organizaes multilaterais internacionais. que se constituram em grupos de presso,

    fundamentais na transformao da questo do envelhecimento em agenda pblica.

    Conforme Brant de Carvalho (2000) as prioridades em polticas pblicas

    emergem na sociedade e s adentram a agenda do Estado quando se constituem em

    demanda vocalizada. Isto , quando grupos da sociedade civil organizam-se em torno

    desta demanda, focalizam- na e agem sensibilizando e mobilizando outros segmentos

    societrios em torno dela. Nesta condio adensam foras e presses, transformando-

    a em prioridade e introduzindo-a no campo da disputa poltica. Ela se torna prioridade

    efetiva quando ingressa na agenda estatal; toma-se interesse do Estado e, no

    apenas, dos grupos organizados da sociedade.

    Em relao questo do envelhecimento, esse processo foi lento e

    diferenciado ao longo da constituio do Sistema de Proteo Social Brasileiro,

    diferenciando-se tambm quanto aos sujeitos ou grupos de presso envolvidos na luta

    pelos direitos dos idosos, quanto s respostas estatais dadas e quanto aos

    significados do envelhecimento.

    Pode-se demarcar o primeiro grande momento desse processo com a

    emerso da questo social associada s lutas dos trabalhadores para o

    reconhecimento dos problemas que enfrentavam, no s sociais, como tambm

    1 Professora do Departamento de Servio Social da Universidade Federal do Piau, mestre em

    Servio Social e doutoranda do Programa de Ps-Graduao em Polticas Pblicas da Universidade Federal do Maranho. E-mail: [email protected]

  • polticos e econmicos decorrentes das desigualdades sociais da ordem capitalista,

    processo que culminar com as primeiras medidas de proteo velhice. Um

    processo em que velhice, pobreza e aposentadoria aparecem como sinnimos; em

    que situao e significados envolvero gradativamente o trabalhador aposentado

    numa constante luta contra a pobreza, contra a reduo dos proventos, pela

    equalizao dos direitos a todos os idosos, independente de contribuio, entre outras

    razes.

    O segundo momento se demarca a emerso da velhice na agenda pblica

    nas dcadas de 80 e 90, enquanto um problema social especfico. o momento em

    que a vocalizao da sociedade comea a ganhar densidade com a fora numrica

    dos idosos, expresso da transio demogrfica mundial e brasileira, tornando-se uma

    ameaa ordem, em especial ao sistema previdencirio e assistncia mdica.

    Associe-se a isso o crescente processo de mobilizao dos idosos, enquanto sujeitos

    polticos, e dos movimentos organizados da sociedade civil em torno do

    envelhecimento, e principalmente das presses dos organismos internacionais

    fornecendo princpios e diretrizes acionadas e defendidas pelas organizaes no

    governamentais.

    Essa difuso da velhice em cena pblica com grande expressividade

    marcada por uma revoluo demogrfica e cultural. A primeira responsvel pela

    longevidade, e a segunda, marcada pela criao de novos valores culturais, sociais

    acerca da velhice, contrrios aos esteretipos de pobreza e misria, cujas expresses

    como terceira idade, melhor idade, maturidade, ou envelhecimento ativo,

    saudvel cunhado pelas organizaes internacionais, so significativas dessa

    mudana, de uma nova sensibilidade em relao vida adulta e experincia de

    envelhecimento.

    Este artigo visa mapear os diferentes momentos de emerso do

    envelhecimento na agenda pblica brasileira e explicitar as contribuies dos sujeitos

    sociais organizados na luta pelos direitos dos idosos. Tais sujeitos funcionaram como

    grupos de presso responsveis pela visibilidade poltica e social do envelhecimento,

    ao tempo em que se destacam como os principais interlocutores e gestores dos novos

    significados do envelhecimento, materializados em programas sociais, em bandeiras

    de lutas, em princpios e diretrizes difundidos pela Organizao das Naes Unidas

    (ONU) e pela Organizao Mundial da Sade (OMS), nos discursos gerontolgicos, e

    pela filantropia empresarial. Visa, tambm, discutir o processo que se d com a

    passagem da visibilidade pblica agenda estatal, ou seja, do envelhecimento

    enquanto issue agenda formal do governo, efetivado nos compromissos

    governamentais atravs das legislaes e Poltica Nacional do Idoso.

    2 AS LUTAS OPERARIAS E AS PRIMEIRAS FORMAS DE PROTEO SOCIAL

    VELHICE

    Questo social, a maior parte das vezes, aparece na literatura referida s

    mazelas sociais, como sinnimo de problemas sociais. Assim, problemtica

    engendrada por uma estrutura econmica, social e poltica, geradora de

    desigualdades sociais. Conforme lamamoto (2000), a questo social um fenmeno

  • dialeticamente contraditrio que socializa a produo de riqueza e individualiza sua

    apropriao e acumulao, engendrando profundas desigualdades sociais.

    Destaca-se que a existncia de pobreza ou de necessidades extremas

    para as condies de vida dos indivduos insuficiente para a compreenso da

    questo social em sua totalidade, em especial para compreenso de como

    determinados problemas sociais extrapolam as relaes privadas, emergindo cena

    pblica como objeto de intervenes sociais, de polticas pblicas, mesmo porque, a

    [...] existncia da pobreza nem sempre foi considerada um problema, em especial, um problema estrutural. Nas sociedades pr-industriais era considerado um fenmeno natural e necessrio, no sentido de tornar os pobres laboriosos e teis acumulao de riquezas das naes em formao, mas, com as novas tenses sociais decorrentes da industrializao, a pobreza passou a ser considerada uma ameaa ordem poltica e moral, tornando-se, portanto. um problema a ser enfrentado e resolvido (STEIN, 1997, p. 134).

    Em funo de sua generalizao e das lutas sociais, passou a representa

    uma ameaa hegemonia da classe dominante.

    A dimenso poltica da questo social fundamental na sua compreenso.

    Conforme Wanderley (1997), os problemas se transformam efetivamente em questo

    social quando percebidos e assumidos por um setor da sociedade, que tenta, por

    algum meio, equacion-los, torn-los em demanda poltica, implicando em tenses e

    conflitos.

    Nessa mesma perspectiva, destaca Pereira (2001) que o conceito de

    questo social sempre expressou a relao dialtica entre estrutura e ao, na qual

    sujeitos estrategicamente situados assumiram papis polticos fundamentais na

    transformao de necessidades sociais em questes, com vista a incorpor-las na

    agenda pblica e nas arenas decisrias. Donde se conclui que a questo social no se

    explica apenas do ponto de vista econmico, ou como sinnimo da contradio entre

    capital e trabalho, entre foras produtivas e relaes de produo que geram

    desigualdades, pobreza, desemprego e necessidades sociais mas tambm do

    ponto de vista do embate poltico, determinado por essas contradies.

    No por acaso que as primeiras manifestaes da questo social, na

    sociedade capitalista, esto relacionadas ao pauperismo da classe operria e s suas

    lutas sociais. Conforme lamamoto (2000, p.54):

    Historicamente a questo social tem a ver com a emergncia da classe operria e seu ingresso no cenrio poltico, por meio de lutas desencadeadas em prol dos direitos atinentes ao trabalho, exigindo o seu reconhecimento como classe por parte do bloco do poder, e, em especial, do Estado e do empresariado industrial. Foram as lutas sociais que romperam o domnio privado nas relaes entre capital e trabalho, extrapolando a questo social para a esfera pblica exigindo a interferncia do Estado para o reconhecimento e a legalizao de direitos e deveres dos sujeitos envolvidos.

    Nessa perspectiva a problemtica do envelhecimento emerge cena

    pblica atravs das lutas e reivindicaes operrias.

  • A conquista da aposentadoria faz parte do conjunto de reivindicaes do movimento operrio, no incio do sculo. Melhorias dos ndices salariais, reduo da jornada de trabalho, frias, aposentadoria, regulamentao do trabalho de mulheres e crianas etc, motivaram as manifestaes grevistas e os congressos operrios e sindicais nas primeiras dcadas deste sculo (XX) (VIANA, 1978 apud FIADDAD, 1993, p.19).

    Deve-se ressaltar que assente na literatura sobre a gnese dos sistemas

    previdencirios no mundo terem eles surgidos principalmente, como resultado das

    lutas dos trabalhadores que coletiva e solidariamente buscaram encontrar sadas para

    as pssimas condies de vida e de trabalho que lhes foram impostas pelo capital,

    pressionando o Estado e a Sociedade. Logo, direitos previdencirios e polticas sociais

    destinadas ao segmento idoso seguem uma trajetria de luta da classe trabalhadora

    qual o Estado procura atender de acordo com as foras presentes nas diversas

    conjunturas.

    Todavia, necessrio destacar que as minorias sociais como idosos,

    crianas, deficientes, desvalidos sempre foram alvo de assistncia, por parte da Igreja

    Catlica e seu apostolado, da filantropia empresarial e da sociedade civil; que a

    velhice se marca como expresso da questo social pela ruptura com a lgica do

    cuidado familiar e filantrpico, para ser alvo de polticas pblicas;.e que sua emerso

    cena pblica se d atravs das lutas operrias.

    No Brasil o marco inicial para o que seria o esboo da poltica

    previdenciria, a chamada Lei Eli Chaves, promulgada em 1923, pelo Decreto Lei

    4.682, que institui as Caixas de Aposentadoria e Penses (CAPs) para tender uma

    categoria combativa e significativa para a economia da poca, os ferrovirios. Nos

    anos posteriores, as CAPs vo se estendendo a outras categorias profissionais,

    chegando ao total de 183 em 1937. Todavia, as CAPs eram, juridicamente,

    sociedades civis e, somente de 1930 a 1938, a cobertura previdenciria foi se

    ampliando e se tornando objeto de ateno do Estado, com a criao dos Institutos de

    Aposentadoria e Penses (IAPs), que se constituam em autarquias, isto , instituies

    geridas pelo Estado, que por muito tempo conviveram com as CAPs.

    Essas caractersticas marcam o padro de proteo social brasileiro. a

    partir de ento que se cristaliza no pas a concepo de que a questo social,

    responsabilidade pblica de um patamar mnimo de bem-estar dos cidados, algo

    que passa a ser estreitamente ligado ao trabalho. Cidados, portanto, distinguem-se

    dos pobres. A questo social dos trabalhadores, ou das classes assalariadas urbanas

    passa a se constituir, a partir de 1930, como uma questo de cidadania: so cidados

    aqueles que esto cobertos por um sistema de proteo social ao qual tm direitos

    porque contribuem para eles; so pobres aqueles que, por no estarem inseridos no

    mercado de trabalho, continuam sendo uma questo de responsabilidade privada, de

    filantropia, ou de assistncia social pblica.

    A primeira proposta de unificao e universalizao da previdncia social

    bem como a equiparao da assistncia mdica aos benefcios, em termos de

    importncia foi abortada com a revogao do Decreto Lei 7.526, assinado por

    Getlio Vargas, conforme Haddad (1993). Somente em 26 de agosto de 1960, no

    governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira, a Lei Orgnica da Previdncia Social

  • (LOPS) foi promulgada, uniformizando os direitos de todos os segurados, ampliando

    os benefcios segundo o padro dos IAPs, para todos os trabalhadores regulados

    pelas leis do trabalho (CLT). Todavia, manteve a ciso do sistema de proteo social

    brasileiro, excluindo os trabalhadores rurais, as empregadas domsticas e os

    trabalhadores autnomos que continuavam sem cobertura previdenciria.

    No perodo da Ditadura Militar, a poltica previdenciria constitui-se um dos

    pilares da expanso e consolidao da interveno social no ps-64, com a criao do

    Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS), promovendo a fuso dos IAPs, Em

    1967, o seguro de acidentes de trabalho foi incorporado ao INPS. Em 1971, criou-se o

    Programa de Assistncia ao Trabalhador Rural (PRORURAL) estendendo a

    Previdncia Social aos trabalhadores rurais atravs do Fundo de Assistncia ao

    Trabalhador Rural (FUNRURAL). Em 1972, as empregadas domsticas so

    incorporadas. Seis meses aps, em 8 de junho de 1973, a lei 5.890 contempla os

    trabalhadores autnomos.

    A Lei 6.179, de 11 de dezembro de 1974, aprova o amparo da Previdncia

    Social para os velhos carentes com mais de 70 anos e para os invlidos, no valor de

    meio salrio mnimo, desde que cumpram os requisitos de no exercer atividade

    remunerada, de no ser mantido por outra pessoa e de no ter outro meio de

    subsistncia.

    Deve-se ressaltar que essas mudanas no sistema previdencirio so

    resultado de lutas sociais dos trabalhadores e do movimento dos aposentados e

    pensionistas que foi lentamente se organizando, na dcada de 60, a partir da Unio

    dos Aposentados e Pensionistas do Brasil e, no decorrer das dcadas de 70 e 80, com

    as associaes de aposentados e pensionistas.

    A partir de 1973, o Ministrio da Previdncia Social realiza um estudo

    exploratrio, um diagnstico da populao idosa no Brasil, onde comprova o aumento

    da populao idosa, e este crescimento requer medidas de Poltica Social, sendo que

    em 1974, criam-se leis, programas e projetos voltados para o envelhecimento, tais

    como: Programa de Assistncia ao Idoso (PAI), Projetos de Apoio Pessoa Idosa

    (PAPI). Na dcada de 70, organizaes privadas e pblicas intensificam suas aes

    junto populao idosa, como o Servio Social do Comrcio (SESC) que adota

    programas para a terceira idade, a Legio Brasileira de Assistncia Social (LBA) que

    desenvolve programas para idosos carentes, dentre outros.

    No final da dcada de 70, intensificam-se os movimentos da sociedade

    civil em prol do idoso, como a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, que

    organiza vrios eventos, como Seminrios Regionais em So Paulo, Cear e Rio de

    Janeiro, cujos encaminhamentos e bandeiras de luta eram a construo de uma

    Poltica Social do Idoso (informao verbal)2.

    2 Informao fornecida por Maria Jos Lima de Carvalho Rocha Barroso na palestra Pacto pela

    longevidade digna no 1 Congresso Piauiense de Gerontologia e Genatria, realIzado em. Teresina, em 2002,

  • Em janeiro de 1977, o Ministrio da Previdncia Social e Assistncia Social

    define a Poltica Social do Idoso incluindo, conforme Goldman (2000, p. 33), os

    seguintes tpicos:

    a) implantao do sistema de mobilizao comunitria;

    b) atendimento institucionalizado;

    c) atendimento mdico-social;

    d) programas de pr-aposentadoria;

    e) treinamento de recursos humanos

    Conforme Goldman (2000), por sua generalidade, o contedo do

    documento se aproxima mais do modelo de uma carta de intenes do que de uma

    poltica consistente e vivel que pudesse orientar programas e projetos j existentes

    para a velhice, para reformar ou criar novas formas de ateno a essa populao. Da

    porque ela no conseguiu ser implementada, para alm do formal e de acordo com as

    reivindicaes dos idosos e de seus movimentos.

    Em funo desse descontentamento com a Legislao, comearam a

    emergir movimentos sociais em prol do idoso (MOPI), a Associao Cearense em prol

    do idoso (ACEPI), fundada em 01 de junho de 1977, integrando 10 entidades sociais

    que prestam servios aos idosos e que reivindicam a efetivao da Poltica Social para

    os Idosos (informao verbal).3

    Esse processo de ascenso do idoso como sujeito poltico que reivindica e

    se organiza em prol de seus interesses marcado por mudanas culturais e

    simblicas, Segundo Guillemard (1986 apud DEBERT, 1997):

    O sculo XX testemunhou vrias transformaes na experincia do envelhecimento, no primeiro perodo de 1945 a 1960 a velhice associada, basicamente, situao de pobreza. A generalizao do sistema de aposentadorias teria dado uma identidade de condies aos idosos diferenciando-as das demais populaes alvo da assistncia social. Nessa fase, a questo debatida ainda a dos meios de subsistncia dos trabalhadores velhos, e o que se quer preencher as lacunas do sistema de previdncia Social, acrescentando aposentadoria outras formas de assistncia ao idoso.

    Segundo Debert (1997), a perspectiva da misria foi, sem dvida,

    fundamental para a transformao do idoso em ator poltico, tornando a sociedade

    brasileira mais sensvel aos problemas relacionados com o envelhecimento e com a

    aposentadoria.

    3 informao fornecida por Maria Jos Lima de Carvalho Rocha Barroso na palestra ?acto pela

    longevidade digna no l Congresso Piauiense de Gerontologia e Geriatria, realizado em. Teresina, em 2002.

  • 3 MOVIMENTO PRO-POLTICA NACIONAL DO IDOSO: Cenrio e sujeitos

    As dcadas de 80 e 90 so marcadas pela emerso do envelhecimento

    enquanto questo social e poltica relevante, ou seja, enquanto problema social objeto

    de polticas especficas para este segmento. Essa transformao da velhice em tema

    privilegiado deve-se revoluo demogrfica mundial, com o aparecimento do

    fenmeno da longevidade, em pases avanados e nos pases em desenvolvimento,

    em especial no Brasil.

    Segundo a Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE),

    em 1970, o Brasil tinha 4,7 milhes de pessoas com mais de 60 anos de idade, o que

    representava 5,0% da populao total; em 1980, j eram 7,2 milhes (6,06%); em

    1991, a populao de idosos cresceu para 10,7 milhes (7,30%). As projees para o

    ano de 2020 so de 27,2 milhes de idosos (13,5%).

    Ressaltam-se tambm os grupos de presso, a mdia, o movimento dos

    aposentados e pensionistas, as diversas organizaes da sociedade civil organizada,

    organismos internacionais responsveis pela emerso do envelhecimento na agenda

    pblica, ou seja, pela vocalizao da demanda do envelhecimento.

    O fenmeno da longevidade marcado tambm por mudanas na imagem

    e experincias do envelhecimento. Esse processo de socializao do envelhecimento

    moderno tem como gestores a interlocuo entre discursos gerontolgicos,

    movimentos organizados dos idosos, programas sociais para os idosos, conforme

    Debert (1997), que se acrescentam tambm as organizaes multilaterais

    internacionais. A expresso Terceira Idade, cunhada na Frana na dcada de 70, com

    o advento das Universidades da Terceira Idade, popularizou no vocabulrio mundial e

    principalmente brasileiro, nas duas ltimas dcadas. Esse termo, utilizado no mais

    como referncia cronolgica precisa, mas como forma de tratamento das pessoas de

    mais idade, no adquiriu ainda conotao negativa, portanto, segundo Debert (1997),

    no utilizado como sinnimo de decadncia, pobreza e doena, mas como um

    tempo privilegiado para atividades livres dos constrangimentos do mundo profissional

    e familiar.

    3.1 Movimento social dos aposentados e pensionistas

    Na dcada de 80, no contexto de redemocratizao do pas e

    efeverscncia dos movimentos sociais, surgem vrios movimentos em prol do idoso.

    Outros j, existentes, se fortalecem, como o caso do movimento de aposentados e

    pensionistas que, deste a sua origem, marca o aparecimento de uma nova forma de

    articular a defesa dos interesses dos beneficirios da Previdncia Social, em que os

    prprios idosos articulam suas prprias armas em defesa dos seus interesses,

    transformando-se em atores polticos, capazes de se organizar e lutar em prol de sua

    causa.

    Os idosos aos poucos derrubam a mxima o velho no tem armas. Ns

    que temos de lutar por ele, expresso de Chau ao prefaciar o livro de Bosi, (1994)

    quando se referia a situao dos idosos nas sociedades contemporneas desarmados

    pela modernidade.

  • Conforme Haddad (1993), a velha luta dos idosos foi sendo reelaborada e

    assumiu novos Contornos no mbito da Nova Repblica, luta ligada s profundas

    defasagens nos proventos dos beneficirios. Essa organizao desde a dcada de 60,

    com a Unio dos Aposentados e Pensionistas, lutava pela equalizao dos direitos

    previdencirios, pela Lei Orgnica da Previdncia Social, que, aps um perodo de

    refluxo, retorna com o processo de anistias, abertura poltica, portanto de uma

    conjuntura mais favorvel s foras organizativas, no final da dcada de 70 e incio da

    dcada de 80. Nesse perodo em que fundaram-se as Associaes de Aposentados e

    Pensionistas, cuja efetivao enquanto movimento ocorreu com a criao de

    federaes que se uniram, formando, em 1985, a Confederao Brasileira de

    Aposentados e Pensionistas (COBAP).

    Com o inicio dos trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte criou-se

    espao para demandas de diferentes segmentos da sociedade. Nesse contexto, o

    Movimento dos Aposentados e Pensionistas tomou a Constituinte como principal

    interlocutor para as conquistas previdencirias Os idosos de todas as partes do Brasil

    demonstraram sua fora poltica nas Galerias do Congresso, na Praa dos Trs

    Poderes, nas inmeras passeatas, dentre outras manifestaes pblicas que

    sensibilizaram a opinio pblica, a mdia, os constituintes, alm das emendas

    populares que assinaram, mostrando possuir um grande processo de mobilizao e

    organizao, envolvendo aposentados e pensionistas urbanos e rurais.

    Grande parte das conquistas na Constituio de 1988 foi resultado de

    discusses e debates entre os aposentados, efetivado em vrios eventos como o I

    Congresso dos Aposentados e Pensionistas de So Paulo, na cidade de Praia Grande

    em 18 e 20 de agosto de 1987, depois no Rio Grande do Sul, dentre outros.

    Ao final dos anos 80, o poder de organizao das associaes e das

    federaes era tanto que aposentados e pensionistas formaram o segundo maior

    lobby da Constituinte, perdendo apenas para o grupo ruralista da Unio Democrtica

    Nacional (UDN).

    Com a promulgao da nova Constituio, em 05 de outubro de 1988, o

    Movimento de Aposentados e Pensionistas viu materializadas suas principais

    reivindicaes. Mas o no atendimento do preceito Constitucional marcou o incio do

    segundo momento da luta: a luta pelo cumprimento da Constituio. Segundo Haddad

    (1993), uma das limitaes do movimento no ter tido foras para envolver os

    trabalhadores da ativa, as centrais sindicais, enfim, setores organizados da sociedade

    civil, tomando-se assim, uma luta especfica e objeto de polticas especficas para este

    segmento.

    A luta dos idosos os colocou como um forte grupo de presso, durante a

    Constituinte e depois, posto que continuaram participando ativamente dos embates

    judiciais e de atos pblicos contra a poltica de arrocho nas aposentadorias e penses.

    Tal participao na esfera pblica revelou uma face da velhice, completamente

    diferente daquela conhecida, marcada pelo conformismo, apatia e resignao. Essa

    nova fase rompeu com as imagens histricas de inatividade e passividade associadas

    ao idoso, transformando-as em respeitabilidade e reconhecimento. Assim, a ascenso

    do idoso na esfera pblica como um sujeito poltico um dos interlocutores da

  • socializao do envelhecimento moderno, influenciando fortemente as pesquisas na

    rea e os novos discursos em tomo da velhice.

    3.2 Mobilizao das organizaes da sociedade civil: a importncia das ONGs

    Conforme Debert (1997) o discurso gerontolgico brasileiro tambm foi um

    dos principais agentes no processo de socializao ou gesto do envelhecimento

    moderno. Organizaes tcnico cientificas, de natureza no governamental e sem fins

    lucrativos, como a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG) e a

    Associao Nacional de Gerontologia (ANO), com influncia das agncias

    internacionais como Organizao Mundial da Sade (OMS) e Associao Internacional

    de Gerotologia, lutavam na defesa da velhice como direito humano fundamental, e

    muito contriburam com os eventos realizados para aglutinar idosos e associaes

    numa causa comum & Poltica Nacional do Idoso. Essas entidades empenharam-se

    em transformar a velhice em questo poltica, com visibilidade pblica, com proposio

    de prticas promover uma velhice bem sucedida e ativa e com fundamentao no

    discurso da Gerontologia e Geriatria.

    Essas entidades estiveram empenhadas em lutas e conquistas em prol da

    Terceira Idade, no desenvolvimento de conhecimentos atualizados e na formao de

    uma conscincia gerontolgica, entre idosos, profissionais de diversas reas, e, ainda,

    na sensibilizao da sociedade e do Estado para as questes que envolvem os

    idosos. Segundo Debert (1997), os discursos no final da dcada de 70 e incio da

    dcada de 80 tinham como tnica a denncia da conspirao do silncio com a

    forma caracterstica do tratamento dado aos velhos no pas, como abandono,

    desvalorizao pelo Estado e pela sociedade.

    Todavia, gradativamente este discurso vai sofrendo alteraes, Succhi

    (1994 apud DEBERT, 1997, p.42) no histrico que faz sobre a Associao Brasileira

    de Geriatria e Gerontologia, mostra os confrontos envolvidos nessa entidade que

    antes congregava apenas mdicos e que, em 1978, abre-se para gerontlogos

    especializados em diferentes reas do saber. Essa abertura explicada pelo ingresso

    de geriatras mais jovens que, contra o conservadorismo de seus pares mais velhos,

    viram a importncia da abordagem multidisciplinar da velhice e procuraram integrar

    Associao gerontlogos com formao em Cincias Humanas. A tnica dos

    discursos, que opunha mdicos geriatras aos profissionais formados em humanidades,

    era a necessidade de levar em conta o carter socialmente construdo da velhice, que

    d sentidos distintos a essa experincia. Contra o determinismo biolgico dos geriatras

    que supunham ser o curso da vida um contnuo de etapas naturais e universais de

    desenvolvimento, os gerontlogos empenhavam-se em mostrar a dimenso cultual da

    velhice, contra imagens negativas da velhice, como doena.

    Em 1985, a partir do I Frum Nacional de Gerontologia em Fortaleza,

    atravs da carta de direitos dos idosos, nascia a Associao Nacional de Gerontologia,

    com atividades semelhantes Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, liga

    esta Associao Mdica Brasileira. Ambas foram e so ativas na luta pelos direitos

    dos idosos e pela formao e difuso da conscincia e ao gerontolgica.

    A mudana na tnica do discurso dos gerontlogos, de velhice como

    misria para velhice como recurso foi influenciada pelas mudanas demogrficas,

  • com o fenmeno da longevidade, os programas franceses, programas desenvolvidos

    pelo SESC, os movimentos sociais de idosos, a mdia e as organizaes multilaterais

    internacionais, empenhadas na desnaturalizao do envelhecimento atravs de

    expresses como Terceira Idade, Melhor Idade, Maturidade, resultando desse

    esforo conjunto novas formas de compreenso do envelhecimento.

    Esse processo, entretanto, tem efeitos diversos e at perversos. Alerta por

    Debert (1997), Haddad (1993), dentre outros autores da rea, que um deles a

    homogeneizao da compreenso de velhice, dada pela expresso terceira idade,

    tomada como uma ideologia que universaliza processos essencialmente diversos;

    outra a reprivatizao da velhice, ao subjetiv-la em referncias culturais, ou em

    prticas e hbitos a serem seguidos para um envelhecimento saudvel, culpabilizando

    os indivduos pela sua situao, ou excluindo outras dimenses do envelhecimento,

    como as diferenas socioeconmicas, a velhice abandonada e pobre, a velhice

    dependente de fases mais adiantadas, dentre outras.

    Durante a dcada de 90 vrios encontros e seminrios patrocinados pela

    SBGG e ANG culminaram com o encaminhamento ao governo de propostas e

    diretrizes para a poltica do idoso.

    3.3 O envolvimento do empresariado: a participao do SESC

    O Servio Social do Comrcio (SESC) uma instituio privada fundada

    em 13 de setembro de 1946, pelo Decreto-Lei n9.853, assinado pelo presidente

    Eurico Gaspar Dutra. Teve sua criao por iniciativa do empresariado do comrcio e

    servios, que o administra e mantm atravs de contribuio obrigatria legalmente

    disciplinada.

    O SESC foi criado numa conjuntura de democratizao, influenciado pelo

    discurso governamental que implantou o Plano SALTE (Sade, Alimentao,

    Transporte e Educao). nesse momento histrico que emerge o SESC,

    influenciado pelo servio social assistencialista, propondo combater problemas

    epidemiolgicos que atingiam os trabalhadores urbanos e suas famlias, com o

    objetivo especfico de contribuir para a melhoria das condies de vida dos

    comercirios e suas famlias e de facilitar os meios para o aprimoramento cultural e

    profissional de sua clientela.

    Dentro da filosofia liberal que rege a iniciativa privada, o SESC foi criado

    na perspectiva de que um pas melhor, onde todos vivam melhor, ser resultado do

    trabalho de todos e de cada um. Assim, visando melhorar sua imagem perante a

    sociedade e contribuir com a melhoria do pas, os empresrios lanavam mo da

    assistncia social aos funcionrios, sua famlia e comunidade, fortalecendo a ideologia

    que afirma a superioridade da ao privada e que coloca nas mos de cada indivduo

    a responsabilidade maior por sua vida e seu destino, respeitadas as regras

    democrticas da convivncia.

    Com essa perspectiva filantrpica, o SESC presta servios a sua clientela,

    e desde a dcada de 60 abre espao para o trabalho com idosos atravs dos Grupos

    de Convivncia, voltados para o lazer e a ocupao do tempo livre. Convm ressaltar

    que o Sesc foi o rgo pioneiro no Brasil a sistematizar programas de atendimento

  • terceira idade. Nos anos 70, tcnicos do SESC - So Paulo, ao retomarem de

    intercmbio na Universidade de Toulouse (Frana), onde conheceram programas para

    terceira idade, entre eles a Universidade Aberta para a Terceira Idade, bem como os

    novos fundamentos tericos que apoiavam as atividades educativas e culturais para

    este segmento, fundaram a primeira Escola Aberta para Terceira Idade. Tais

    experincias podem ser consideradas como os embries dos programas de

    Universidade de terceira idade do modo como hoje esto constitudas. Essas escolas

    estavam direcionadas para um pblico de idosos mais qualificados em termos

    educacionais, sua programao era organizada em mdulos e oferecia [...] programas

    para a aposentadoria, informaes sobre aspectos biopsicossociais do

    envelhecimento e atualizaes, alm de atividades fsicas e complementao

    sociocultural. (NUNES, 2001, p. 188)

    Esses programas influenciaram a criao de diversos outros programas

    em instituies governamentais e no governamentais, cuja tnica a tentativa de

    rever esteretipos e preconceitos por meio dos quais se supe que a velhice seja

    tratada na sociedade. Revertendo posies, difundem a nova imagem do

    envelhecimento, associada expresso Terceira Idade e a outras expresses

    modernas usadas para indicar o envelhecimento ativo, saudvel, como novo estgio

    da vida propicio satisfao pessoal, ao prazer, participao e autonomia.

    3.4 Organizaes multilaterais internacionais: a influncia da ONU e OMS

    Durante a dcada de 80 e 90 intensificaram-se as influncias das

    organizaes internacionais na agenda social brasileira. Em relao ao

    envelhecimento, as presses no tiveram o peso de outras organizaes como o

    Banco Mundial ou Fundo Monetrio Internacional (FMI), implicadas em sanes e

    outros tipos de presses, que se fizeram, influenciando os movimentos sociais e

    ONGs em defesa do idoso.

    Conforme Costa (1996 apud MOREIRA, 1998, p. 4), os pases centrais

    exercem influncias nas naes perifricas de duas formas: a primeira se d atravs

    da manipulao dos incentivos materiais que englobam desde ameaas de retaliao

    utilizando para isto a coero, com aes militares ou embargos econmicos a

    recompensas financeiras ou incentivos econmicos; a segunda se exerce atravs do

    que o autor denomina de alteraes das crenas substanciais das elites domsticas,

    ou seja, atravs da socializao, as organizaes internacionais buscam difundir

    novas ideias e crenas nas elites nacionais, imprimindo assim a mudana de valores e

    orientaes, principalmente no que concerne s funes do Estado, ou ainda aos

    meios e fins da economia.

    Essa influncia tem seu marco mais significativo nas ltimas dcadas, e

    seu argumento maior so dados demogrficos com as expectativas de vida e de

    longevidade nos pases em desenvolvimento, com os riscos para o sistema

    previdencirio e de assistncia mdica caso no se invista no envelhecimento ativo,

    saudvel. Tal perspectiva implica numa nova imagem do envelhecimento enquanto

    recurso para a sociedade e familiares, potencializarem o idoso atravs de aes

    preventivas, educativas, e de lazer que o tornem ativo por mais tempo, reduzindo os

    custos de um envelhecimento doentio e marginalizado.

  • Em 1982, em Viena, foi realizada a Assembleia Mundial sobre o

    Envelhecimento (AME), patrocinada pela Organizao Mundial da Sade (OMS), onde

    foi traado o Plano de Ao Mundial sobre o Envelhecimento (PAME), a partir da qual

    foram intensificados os estudos e pesquisas sobre o envelhecimento nos pases

    centrais e perifricos.

    O PAME constitui-se durante a dcada de 80, num importante balizador

    para orientao das polticas sociais voltadas para a Terceira Idade, e marco de, luta

    dos movimentos organizados nos pases desenvolvidos e em desenvolvimento.

    Entre as vrias orientaes, previstas no Plano Mundial sobre o

    Envelhecimento, conforme Cavalcanti e Saad (1990 apud MOREIRA, 1998, p. 56), h

    indicaes das trs foras sociais de igual importncia na proteo social ao idoso: o

    Estado, a comunidade e a famlia. Ao Estado recomendado atuar como um

    mecanismo regulador- planificador e como um redistribuidor de incentivos e subsdios

    para que outras instncias cumpram o seu papel. A comunidade deve propiciar a

    participao deste segmento a fim de que se sintam teis sociedade. J em relao

    famlia, a recomendao que continue sendo a instncia primeira com relao aos

    cuidados bsicos com os idosos. O conjunto dessas foras expressa bem as

    mudanas no tom das polticas pblicas na era neoliberal, com a distribuio das

    responsabilidades no atendimento da questo social.

    Outro importante marco, em consonncia com o Plano de Ao

    Internacional, foi a aprovao pela Assembleia da ONU, em 16 de dezembro de 1991,

    dos princpios das Naes Unidas em favor das pessoas idosas (Resoluo 46/9 1)

    com a recomendao de serem incorporados o quanto antes aos programas nacionais

    de direitos humanos, a fim de priorizam questes como independncia, autonomia,

    participao e assistncia social ao idoso.

    A ONU tem promovido nas ltimas dcadas vrios eventos para discutir a

    problemtica do envelhecimento em mbito mundial, oferecendo diretrizes, princpios,

    fundamentos tericos sobre o envelhecimento e alternativas para as polticas pblicas.

    O exemplo da fora dos organismos internacionais, como a OMS, foi o

    patrocnio, juntamente com o governo brasileiro, para o Encontro Internacional sobre

    Envelhecimento, em Braslia, de 01 a 03 de julho de 1996, culminando com a

    chamada Declarao de Braslia, de que resultou uma agenda para o restante do

    sculo XX, e mais alm, e a assinatura do Decreto-Lei, pelo governo brasileiro, que

    implementou a Poltica Nacional do Idoso.

    Esse processo de difuso social do envelhecimento moderno continua

    bastante forte e organizado em redes mundiais, cujos princpios so fortalecidos e

    difundidos pelas ONGs. A OMS criou o Movimento Global para o Envelhecimento

    Ativo, lanado em 1999, no ano Internacional do Idoso, por ocasio da caminhada

    Abrao ao Mundo. Lanou ainda o Projeto de Poltica de Sade que pretende

    orientar as discusses e a formulao de planos de ao em todo o mundo, visando

    promover um envelhecimento saudvel e ativo.

    A abordagem do envelhecimento ativo fornece um esquema para o

    desenvolvimento de estratgias nos nveis global, nacional e local sobre a populao

  • que est envelhecendo. Recompe, assim, os trs pilares para ao, independncia,

    participao e segurana, cujo pblico alvo so governantes em todos os nveis,

    entidades no governamentais e o setor privado, e todos aqueles responsveis pela

    formulao de polticas e programas ligados ao envelhecimento.

    Conforme Debert (1997), h uma nova linguagem pblica ativa na

    desconstruo das idades cronolgicas como marcadores pertinentes de

    comportamentos e estilos de vida, capaz de desestabilizar expectativas e imagens

    tradicionais associadas a homens e mulheres em estgios mais avanados da vida.

    4 O COMPROMISSO DO GOVERNO BRASILEIRO COM O ENVELHECIMENTO

    O compromisso do governo, expresso na Constituio Brasileira de 1988,

    foi resultado, sem dvida, das presses dos aposentados e pensionistas organizados

    e do forte Iobby no perodo da Constituinte.

    Assim, a Constituio de 1988 amplia e consolida direitos populao

    idosa. Entre as conquistas asseguradas, destacam-se:

    a) o conceito alargado de proteo social com a denominao de Seguridade Social

    compreendendo um conjunto integrado de iniciativas dos poderes pblicos e da

    sociedade, destinados a assegurar os direitos relativos sade, previdncia e

    assistncia social;

    b) Irredutibilidade do valor dos benefcios e carter democrtico e descentralizado da

    gesto administrativa, com a participao da comunidade, em especial dos

    trabalhadores, empresrios e aposentados;

    c) garantia do reajustamento dos benefcios pelo salrio mnimo;

    d) diminuio da idade para aposentadoria por velhice, para o trabalhador rural de 60

    anos para homem e 55 para mulheres, para o trabalhador urbano 65 para homens e

    60 para mulheres;

    e) reajuste da penso vitalcia para o valor de 1 salrio mnimo, dentre outras.

    Outro importante momento desse compromisso governamental com o

    envelhecimento foi a criao, em 1994, atravs da Lei Federal 8.842, da Poltica

    Nacional do Idoso, que estabelece como objetivo assegurar os direitos sociais do

    idoso, criando condies para promover sua autonomia, integrao e participao

    efetiva na sociedade, finalidades compatveis com as normas internacionais para o

    envelhecimento difundido pela ONU e defendida pelo movimento dos idosos.

    Estabelece, tambm, que, para ser considerada idosa, a pessoa deve ser maior de 60

    anos, idade estabelecida pela ONU, para os pases em desenvolvimento.

    Entre os princpios bsicos, destaca-se que a famlia, a sociedade e o

    Estado tm o dever de assegurar ao idoso todos os direitos da cidadania, garantindo

    sua participao na comunidade, defendendo sua dignidade, bem-estar e o direito

    vida.

    Nessa perspectiva, concorda-se com Faleiros (1996), quando diz que o

    processo de globalizao, com a sua poltica neoliberal, imprime uma nova diretriz s

  • agendas das naes perifricas, como a questo da descentralizao e da

    transferncia dos servios para os setores comunitrios, para as organizaes locais

    no lucrativas e para os voluntrios, reforando os ambulatrios e os servios a

    domiclio, o que o autor denomina como uma forma de terceirizao da gesto da

    questo social, presente nessa poltica e para outros setores populacionais.

    Deve-se destacar que, em pases em desenvolvimento, esse processo tem

    sido responsvel pela desresponsabilizao do Estado frente aos direitos sociais,

    transferindo obrigaes do Governo Federal para as esferas estaduais e municipais,

    sem condies financeiras de garantir universalidade e qualidade no atendimento,

    assim como prestao de servios para organizaes no governamentais e

    organizaes privadas.

    Quanto s diretrizes, tais como [...] priorizao do atendimento ao idoso

    atravs de suas prprias famlias, em detrimento do atendimento asilar, exceo dos

    idosos que no possuem condies que garantam sua prpria sobrevivncia, tpico

    nesse direcionamento das polticas pblicas brasileiras, das polticas governamentais

    para os pobres, e aos demais cabe ao mercado suprir, ou a sociedade civil ou a

    famlia.

    Walker (1982 apud DEBERT, 1992) faz um contraponto aos trabalhos que

    valorizam a comunidade como forma de prover o bem- estar na velhice. Mostra que o

    pressuposto implcito nos programas que advogam a participao comunitria na

    assistncia aos idosos de que essa assistncia ficar a cargo da famlia. Nesses

    programas, ainda, famlia e comunidade so eufemismos para uma carga que acaba

    caindo nos ombros das mulheres.

    Outros avanos reconhecem o idoso como sujeito dos processos, tais

    como o princpio: O idoso deve ser o principal agente e destinatrio das

    transformaes a serem efetivadas atravs desta poltica (p. 6) e a diretriz que

    estabelece [...] participao do idoso, atravs de suas organizaes representativas,

    na formulao, implementao e avaliao das polticas, planos, programas e projetos

    a serem desenvolvidos (p. 7). Alm disso, convm aqui destacar a formao dos

    Conselhos (nacional, estaduais e municipais), dentro do que se pode considerar

    avano nesse processo.

    As principais dificuldades na implementao da Poltica Nacional do Idoso

    esto relacionadas indefinio de responsabilidades governamentais e ao

    oramento, admitindo-se que.

    Os ministrios das reas da sade, educao, trabalho, previdncia social, cultura, esporte e lazer devem elaborar propostas oramentrias, no mbito de suas competncias, visando ao financiamento de programas nacionais compatveis com a Poltica Nacional do Idoso (p. 9).

    A no definio de verba prpria para essa operacionalizao um dos

    principais entraves na implementao da poltica, posto que os ministrios, com

    verbas cada vez mais reduzidas, elegem prioridades nem sempre referentes poltica

    do idoso.

  • Mas, conforme Barroso (2002), a Lei tambm no foi implementada de

    imediato, apesar dos esforos dos movimentos sociais de idosos e das organizaes

    da sociedade civil, principalmente, pelo fato da inexistncia de destinao

    oramentria para a poltica e pela indefinio das responsabilidades e competncias

    a nvel governamental, continuando os diversos programas e projetos j existentes a

    ser implementados de forma fragmentada.

    Somente em 1996, com a presso interna dos grupos organizados em prol

    da questo do idoso e das organizaes internacionais, foi assinado o Decreto-Lei n

    1.948, de 3 de julho que regulamenta a Poltica Nacional do Idoso. (PNI). Esse decreto

    estabelece as competncias dos rgos e entidades pblicas na implementao da

    PNI, atribuindo competncia ao Ministrio da Previdncia e Assistncia Social de

    coordenar as aes relativas a essa poltica e de promover articulaes inter e

    intraministeriais necessrias sua implementao, alm de intensificar as relaes

    entre organizaes governamentais e no governamentais na prestao de servios

    populao idosa.

    5 CONCLUSO

    A emerso do envelhecimento na agenda pblica brasileira se d graas

    visibilidade do envelhecimento enquanto questo social e poltica relevante, efetivada

    pelos grupos de presso, entre eles os movimentos sociais dos idosos, as ONGs e

    organizaes internacionais como ONU e OMS, que lutaram pelos direitos dos idosos,

    ou denunciaram os riscos do envelhecimento marginalizado para o sistema

    previdencirio e assistncia mdica e ainda evidenciaram o fenmeno da longevidade

    e as estimativas para os pases em desenvolvimento, como o Brasil.

    Os compromissos governamentais esto materializados na Legislao

    Brasileira, todavia o processo de efetivao lento, dada a contradio ente uma

    legislao que reconhece os direitos humanos fundamentais e a adoo de diretrizes

    neoliberais pelo governo.

    Esse processo de ascenso do envelhecimento cena pblica foi

    diferenciado conforme as conjunturas histricas e as lutas sociais. Num primeiro

    momento a velhice extrapola a lgica do cuidado familiar e privado para a agenda

    pblica atravs das lutas operrias, constituindo-se a aposentadoria e os sistemas de

    seguros, numa das primeiras formas de interveno pblica sobre a questo social.

    Num segundo momento o idoso ascende cena pblica como sujeito poltico,

    fortalecido por uma rede mundial e nacional de organizaes da sociedade civil,

    lutando por polticas nacionais para seu segmento.

    As transformaes demogrficas e a ascenso do idoso cena pblica,

    so marcadas por mudanas nas concepes de envelhecimento, na luta contra a

    conspirao do silncio que denunciava o abandono e a pobreza dos idosos

    brasileiros em funo do fato de a aposentadoria ter inaugurado a identificao

    simblica entre velhice, incapacidade e pobreza. Tal situao prevaleceu at a dcada

    de 80, quando passou a conviver com as concepes modernas, em que velhice esta

    associada a uma nova categoria etria, a Terceira Idade, uma construo social cujos

    gestores so: a interlocuo entre o fenmeno da longevidade, as organizaes

  • internacionais, o discurso gerontolgico, os movimentos organizados dos idosos, as

    ONGs e as polticas pblicas e privadas para o envelhecimento.

    A Poltica Nacional do Idoso materializa essas concepes, difundidas

    internacionalmente, ao basear-se nos ideais de participao, autonomia e

    independncia do idoso, ao abrir o leque das intervenes para reas da educao,

    lazer, cultura, esporte, previdncia, assistncia, sade; ao priorizar o atendimento no-

    asilar, em centros de convivncia, centros de cuidado diurno, casa- lar, oficina

    abrigada de trabalho e atendimento domiciliar; ao incentivar os programas na rea de

    educao como as Universidades abertas terceira idade, dentre outras iniciativas.

    As criticas a essas novas terminologias direcionam a tentativa de

    homogeneizao no trato da velhice, desconsiderando as condies materiais de

    existncia que diferenciam s experincias do envelhecimento. Segundo Debert,

    (1997) em ultima instncia, a terceira idade uma forma de negar a velhice na sua

    complexidade, posto que tal expresso absorve, to somente, os setores privilegiados

    da populao envelhecida, aqueles que tm condies econmicas de ter uma vida

    ativa e saudvel. Seu objetivo, na realidade, passa a ser a busca da juventude como

    alguma coisa que sempre pode ser conquistada desde que se tenha formas de

    consumo e estilos de vida adequados (DEBERT, 1997 apud RAMOS, 2002, p.27).

    Tal perspectiva defendida pela OMS ao incentivar aes governamentais no sentido

    de manter a autonomia e independncia dos idosos, no sentido de prevenir acidentes,

    doenas, adotar prticas ditas saudveis, at trabalhar mais tempo, visando prevenir

    os riscos para os cofres pblicos, alm do incentivo da permanncia do idoso na

    famlia e na comunidade, que deve ser a instncia primeira de assistncia ao idoso.

    Tais terminologias no apenas negam a velhice, mas mascaram os

    problemas que o envelhecimento acarreta, como trazem em si um processo de

    reprivatizao da velhice, culpabilizando os idosos que no se inserem ou no se

    sentem ativos e saudveis, dinmicos e dispostos, que no fazem atividades fsicas,

    de lazer, ou seja, que no adotam ess7as prticas de consumo.

    THE AGING ON THE BRASILIAN PUBLIC AGENDA

    ABSTRACT

    The main purpose of this article is to draw the different moments of

    the appearance of the aging on the Brazilian public agenda,

    underlining the main social subjects that worked as pressure groups

    responsible for the social and political view of aging, and the process

    of changing the aging, while an issue, into a state agenda, acting as

    public policy.

    Keywords: Aging. Third age. National policies of the elderly.

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