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Equidade e Contratualização de Serviços no SUS
Trabalho apresentado no IX Encontro da ABCP AT Políticas Públicas
Mesa: Políticas públicas comparadas
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Agosto 2014 Brasília
Vera Schattan P. Coelho Jane Greve
Marcelo F. Dias Ana Claudia Pedrosa
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Equidade e Contratação de Serviços na Atenção Básica1,2 Vera Schattan P.; Jane Greve; Marcelo Dias; Ana Claudia Pedrosa3 Nas últimas décadas ampliou-‐se consideravelmente o acesso às políticas sociais, mas há evidências de que um longo caminho ainda terá que ser percorrido antes que essas políticas sejam reconhecidas como eficientes e efetivas. Como avançar nessa direção?
No Brasil, os anos 1990 viram crescer a aposta de que se poderia ampliar a eficiência e a efetividade da gestão pública a partir de uma distinção mais adequada entre o público e o estatal. A proposta era que que entidades civis sem fins lucrativos (ONGs, OSs e OSCIPs),4 passassem a prestar serviços públicos. Esse movimento refletia tanto tendências internacionais, quanto a expansão das organizações da sociedade civil a partir da redemocratização do país e da descentralização, como, ainda, as dificuldades encontradas pelos governos na prestação direta de serviços públicos (Mills 1998; Graef e Salgado, 2012). 5 O recurso à contratação indireta tem se efetivado, sobretudo, através de convênios ou contratos de gestão. No convênio um órgão da administração pública repassa recursos a uma organização privada não lucrativa, que se compromete a realizar ações constantes do plano de trabalho e, posteriormente, a prestar contas da aplicação de tais recursos.6 Segundo Di Pietro (2000), o convênio não constitui modalidade de contrato, embora seja um instrumento que o Poder Público utiliza para associar-‐se à outras instituições. Já os contratos de gestão com OSs procuravam introduzir uma nova lógica na relação entre gestores públicos e prestadores baseada na possibilidade dessas organizações gerenciarem equipamentos e prestarem serviços públicos recebendo financiamento estatal liberado a partir do controle por resultados (MARE 1997). 1 Este artigo apresenta resultados do projeto ‘Equidade e Contratualização de Serviços no SUS” 2 Agradecemos o trabalho intenso e cuidadoso de Thiago Greghi, Paula Campos e Marina Barbosa que sistematizaram parte importante do material apresentado nesse texto e participaram do processo de discussão e análise dos resultados aqui apresentados. A Cristina Guimarães agradecemos sua contribuição para a discussão da metodologia e dos resultados aqui apresentados. Agradecemos a Elza Berquó, Argelina Figueiredo, Tania Lago, Maria Luiza Viana, Geraldo Biasoto e Maria Luiza Levi os valiosos comentários e sugestões. 3 Vera S P Coelho é doutora em Ciências Sociais; coordenadora do Núcleo de Cidadania, Saúde e Desenvolvimento (NCSD) do CEBRAP e pesquisadora sênior do Centro de Estudos da Metrópole Jane Greve é doutora em Economia e pesquisadora sênior da Rockwool Foundation Research Unit, Copenhagen, Denmark Marcelo Dias é mestre em Ciência Política pela USP e pesquisador do NCSD do CEBRAP Ana Claudia P. de Oliveira é doutoranda em Administração Pública e Governo, Fundação Getúlio Vargas -‐FGV/EAESP e pesquisadora do NCSD do CEBRAP 4 As OS e OSCIP, são figuras jurídicas que foram criadas durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, PSDB. 5 Essas dificuldades decorrem da rigidez da estrutura normativa da Administração Pública, que conta com um regime único de pessoal e de compras e contratações, além de formas de gerenciamento iguais para todo seu conjunto de órgãos e entidades, independentemente das competências que cada um exerce. 6 O convênio está disciplinado no art. 116 da Lei Federal nº 8.666, de 1993 (Lei de licitações e contratos), que estabelece procedimentos e exigências inclusive a obrigação da conveniada em pretar contas tanto ao ente repassador, quanto ao Tribunal de Contas (Di Pietro 2000).
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A contratação indireta suscita até hoje ampla controvérsia ideológica, política, econômica e jurídica. Se, por um lado, agências multilaterais e governos de matizes ideológicos diversos promoveram esse modelo (Mills 1998) e pesquisadores como Domberger and Jensen (1997) encontraram evidências quanto à sua contribuição para a redução de gastos públicos, não faltam, por outro, aqueles que se opõe com veemência à essa alternativa. Assim, ao lado de autores que têm expressado o temor que o recurso a prestadores privados tenha efeitos negativos sobre a qualidade e a equidade do sistema (Burstrom 2009), há os sindicatos de servidores públicos e os partidos de esquerda que, com frequência, chamam a atenção para os riscos de contaminação da administração pública pela lógica do lucro, a corrupção e os altos custos administrativos (López-‐de-‐Silanes et al 1997). No Brasil, na área da saúde, há uma forte polarização ideológica em torno do tema. Assim, desde os anos 1990, durante a gestão presidencial de FHC, inúmeros municípios optaram em implementar o Programa Saúde da Família via convênio. A partir de 2000, no Estado de São Paulo, equipamentos de saúde tanto de média e alta complexidade, quanto de atenção básica foram inaugurados via contrato de gestão com Organizações Sociais. Já o Partido dos Trabalhadores (PT), em 1998, junto com o Partido Democrático Trabalhista (PDT) entrou com uma proposta de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 1923), contrária à utilização do modelo OS. Dentre os principais pontos, a ADIN argumenta que muitos dispositivos constitucionais são violados pelo modelo, tais como: a licitação, a legalidade na gestão de pessoal, o rompimento dos direitos previdenciários dos servidores cedidos, a insubmissão das OS aos controles interno e externo e o dever do Estado na prestação dos serviços públicos. Ademais, o pedido a ADIN 1923 ataca toda a Lei 9637/98, que dispõe sobre a criação das Organizações Sociais. Em 2003, quando o PT assumiu a presidência do país a resistência ao modelo foi ainda mais acirrada e a parceria com as OS passou por inúmeras críticas, focadas principalmente na falta de legitimidade do modelo. Neste artigo nos debruçamos sobre esse debate enfocando uma área crucial que vem recebendo pouca atenção: a atenção básica. Nessa área, que constitui um dos principais pilares para a democratização do acesso à saúde, a contratação indireta respondia, em 2010, no Estado de São Paulo, por 25% dos gastos públicos, proporção que chegava, em alguns de seus municípios a 90% (TCE-‐SP). O artigo apresenta os resultados de uma pesquisa que enfrentou essa lacuna a partir de duas estratégias: a avaliação de impacto e os estudos de caso. Com a avaliação do impacto da contratação indireta sobre a oferta de serviços e indicadores de saúde no Estado de São Paulo, procurou-‐se checar o acerto das previsões daqueles que defendem o potencial da contratação indireta em promover melhoras no sistema público de saúde. Com os estudos de caso, realizados em quatro municípios de porte médio do Estado, procurou-‐se aprofundar os resultados da avaliação de impacto e, também, discutir seus efeitos sobre a equidade intramunicipal na oferta de serviços e nos indicadores de saúde. Finalmente, com esses estudos procurou-‐se checar a aderência das condições locais às condições descritas pelos modelos que defendem a adoção da contratação indireta.
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O artigo está dividido em cinco partes além desta introdução. Na primeira é feita uma breve revisão da literatura que discute as relações entre formas de gestão, efetividade, impactos distributivos e política. Na segunda, apresenta-‐se a metodologia utilizada no estudo. Na terceira parte, apresenta-‐se um quadro geral da contratação indireta no ESP, onde se indaga quem está adotando a contratação indireta na atenção básica e com que resultados. Na quarta parte, complementa-‐se o quadro geral com a apresentação de quatro estudos de caso que discutem os efeitos distributivos, as dinâmicas políticas e as características organizacionais associadas à contratação indireta. Finalmente, são tecidas considerações no sentido de articular os achados das seções anteriores. I. Estudos sobre a contratação indireta: Entre a Administração e a Política Nesta revisão bibliográfica revisitamos o trabalho de três grupos de autores que tem tratado da contratação indireta. Um deles discute o modelo da contratação indireta e apresenta os mecanismos que justificam sua possibilidade de sucesso. Um segundo grupo faz um balanço dos resultados dos estudos e avaliações publicados sobre os impactos desse tipo de contratação. O terceiro discute os fatores envolvidos na decisão de contratar indiretamente. A partir dessa revisão são apresentadas as hipóteses que nortearam o presente estudo. 1. Mecanismos Boa parte da literatura favorável à contratação indireta dialoga com a Nova Gestão Pública, linha de pensamento originária da junção dos princípios do gerencialismo com noções do campo teórico da microeconomia. Essa corrente defende a adoção de reformas na lógica de funcionamento do setor público, baseadas em elementos como flexibilização de regras e introdução de controle por resultados, criação de mecanismos de mercado ou quase-‐mercado na produção e distribuição de serviços públicos, orientação para o usuário/cliente e estabelecimento de mecanismos de accountability. As promessas da Nova Gestão Pública são atacar os problemas característicos da administração burocrática, ou seja, a ineficiência decorrente do excesso de procedimentos e controles processuais e a baixa responsabilização dos burocratas ampliando assim a flexibilidade e responsividade do sistema (Walsh 1995). No caso da contratação indireta em saúde destaca-‐se a importância de definir claramente os procedimentos a serem oferecidos e os respectivos indicadores de efetividade. Esses resultados devem ser cuidadosamente acompanhados pelo gestor que deve ser capaz de premiar através de incentivos àqueles fornecedores que se destacam. Essas práticas devem por sua vez incentivar a concorrência entre prestadores interessados em manter e conquistar novos contratos. Os riscos associados a esse modelo são a inexistência de uma administração pública capacitada para a especificação e o monitoramento de tais contratos, os custos administrativos que podem se tornar crescentes, e, finalmente, o risco de corrupção, seja na escolha dos prestadores, seja na gestão dos contratos (England 2004). 2. Avaliações Liu et al publicaram, em 2007, uma revisão dos estudos que avaliaram a efetividade da contratação indireta de serviços de atenção básica em países de renda baixa e media. As
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conclusões do estudo apontam para evidências sugerindo que a contratação indireta promoveu, de fato, em muitos casos a ampliação do acesso a serviços. Os autores ressaltam, entretanto, que outras dimensões desse processo como qualidade, eficiência e equidade, permanecem sem avaliação. Sobre esse último ponto cabe destacar a crescente atenção dispensada à questão das desigualdades em saúde e importância de se atentar para os impactos de diferentes programas sobre a equidade (Whitehead e Diderichsen 1997; Sen 2002; Kubzansky et al 2010 e Hofrichter 2010; Coelho e Shankland 2011).7 Nessa chave, no caso brasileiro, onde parte importante das decisões sobre a contratação indireta na atenção básica são tomadas pelo gestor municipal, colocam-‐se questões sobre seu impacto tanto nas desigualdades que existem entre os municípios, quanto nas intramunicipais, i.e entre as áreas mais pobres e mais ricas das cidades. Os estudos de Sano e Abrucio (2008) e Barbosa e Elias (2010) a respeito da adoção de arranjos desse tipo no Brasil apontam que a maior flexibilidade operacional das OSS tende a resultar em um crescimento do volume de serviços prestados, especialmente pela maior agilidade na contratação dos recursos em geral, com particular ênfase nos recursos humanos. Esses ganhos foram interpretados como associados ao fato de as OSS não necessitarem realizar concurso público para seus funcionários e tampouco se sujeitarem a planos de carreira para fixar sua remuneração, o que torna mais fácil contratar, definir o tipo de profissional requerido e criar mecanismos de incentivo e de coerção para forjar determinadas condutas. O estudo de Médici (2011) aponta para ganhos de eficiência alcançados pelas OSS ao reduzirem o gasto por procedimento (ampliação das taxas de leitos ocupados e redução do custo dos serviços). Para Médici, esses ganhos estão relacionados ao controle financeiro imposto pela contratualização, que, ao fixar metas e penalizar o seu não cumprimento com redução automática de repasse financeiro, ou mesmo, no limite, com o rompimento da relação contratual, incentivaria a boa performance dos prestadores. Levi (2009) aponta, no entanto, que no modelo das OSS paulistas, a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo não foi capaz de construir parâmetros para balizar os repasses financeiros às entidades privadas de forma compatível com a noção de gerenciamento por resultados, base do contrato de gestão. Em particular, arranjos baseados em modelos contratualizados pressupõem uma expertise de fixação de preços que tende a ser muito distante das atividades normalmente desempenhadas por secretarias de saúde. Essas avaliações fazem eco ao estudo de Mills que, já em 1998, chamava a atenção para o fato de que os resultados vinculados à adoção de arranjos do tipo OSS dependem em grande medida de aspectos relacionados à sua implementação. Ou seja, essa literatura sugere que a capacidade dos processos de contratação indireta incidirem sobre o sistema de saúde depende não só da maior flexibilidade na gerência dos serviços, mas, também, de ocorrerem, em paralelo à sua implantação, mudanças nas dinâmicas intrínsecas aos processos de planejamento e monitoramento presentes no setor público.
7 Essas desigualdades se referem à expectativa de vida, mortalidade infantil e morbidade entre grupos populacionais, bem como ao acesso aos serviços de saúde.
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3. A decisão de contratar indiretamente Em uma situação de incerteza sobre os impactos da contratação indireta por que, tanto em países ricos, como de renda média e baixa, alguns optam por essa modalidade, enquanto outros preferem a contratação direta? Dijkgraaf et al (2003) sugerem que a teoria da escolha pública,8 ao explicar o comportamento social como sendo o produto de escolhas individuais, permite entender porque políticos, burocratas e sindicalistas apoiam a contratação direta, um caminho que identificam como sendo efetivo para garantir o fortalecimento da sua posição institucional (López-‐de-‐Silanes et al. 1997). Também chamam a atenção para a importância do perfil ideológico dos eleitores. Para os autores, a decisão de contratar diretamente é determinada pelo grau de sentimento anti-‐governo do eleitor, sendo o sentimento de laissez-‐faire mais visível entre aqueles que apoiam os partidos de direita. Apesar dessas previsões teóricas, pesquisas recentes têm apontado que partidos de base trabalhista e sindical têm implementado políticas de gestão, historicamente criticadas por tais partidos. De acordo com Correa (2011), uma possível justificativa para que tais partidos incorporem iniciativas de parcerias é a aposta em um desempenho superior do Governo que venha a render frutos eleitorais. Outra explicação explorada pela literatura é o tamanho do mercado, seja o de consumidores, seja o de fornecedores. Por um lado, há indicações que a adoção da contratação indireta torna-‐se mais provável quando o mercado está organizado e favorece a competição entre prestadores e, portanto, a redução dos custos. Por outro, há trabalhos que discutem influência da escala (como o número de habitantes, ou o tamanho da rede serviços) sobre o custo associando a decisão às situações onde o custo é menor (Dijkgraaf et al 2003). 4. Em suma A experiência brasileira de adoção da contratação indireta na atenção básica segue uma tendência internacional inspirada pela nova administração pública. Os impactos desse movimento vem sendo avaliados tanto pela literatura internacional, quanto nacional. No caso brasileiro autores como Abruccio e Sano, Medici e Levi, entre outros, avaliaram o impacto da contratação indireta, sob a forma de contratos de gestão, para a área hospitalar não tendo sido, no entanto, identificados estudos para a atenção básica. Com base nos estudos de avaliação aqui discutidos fica clara a importância de investigar não apenas se a adoção de processos de contratação indireta na atenção básica está contribuindo para a expansão da oferta de serviços, mas, também, se está contribuindo para a qualidade desses serviços, bem como para ampliar a equidade no acesso a esses serviços. Esse campo como se viu foi ainda pouco explorado, apesar da sua centralidade da agenda do SUS, um sistema orientado pela preocupação em garantir acesso universal a serviços de qualidade.
8 Ver Buchanan (1987).
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Outro aspecto, para o qual a literatura chama a atenção, é a relevância de se especificarem os processos de contratação indireta tanto no que diz respeito à presença de um mercado de fornecedores capaz de garantir a competição entre prestadores, quanto às capacidades estatais necessárias para planejar, definir, monitorar e avaliar o trabalho desses prestadores. Também aqui há um trabalho a ser feito no sentido de descrever as características dos processos de contratação indireta em curso na atenção básica. Finalmente, no que tange à decisão de contratar indiretamente cabe entender, como se verá na próxima seção, a gradativa adoção do modelo de contratação indireta pelo PT e outros partidos de esquerda. Para enfrentar esse conjunto de questões especificamos quatro hipóteses que nortearam o presente estudo: H1: A adoção da contratação indireta contribuiu para ampliar a oferta de serviços básicos oferecidos pelo SUS H2: A adoção da contratação indireta contribui para reduzir as desigualdades em saúde H3: A adoção da contratação indireta é facilitada nos municípios onde estão mais presentes as condições indicadas pela literatura como favoráveis ao seu bom desempenho. II. Metodologia A pesquisa enfocou o estado de São Paulo, a experiência brasileira que mais avançou na parceria com Organizações Sociais de Saúde, tanto no nível estadual, quanto no âmbito municipal (Graef e Salgado 2012). A carência de estudos analisando esse processo no plano municipal e, em particular, na atenção básica constitui por si uma boa justificativa para centrar o estudo em municípios do Estado. Nesse sentido, a pesquisa tem características exploratórias e ambições explicativas ao visar identificar associações causais entre variáveis, isto é, se a parceria com Organizações Sociais de Saúde contribui, por exemplo, para ampliar a equidade no âmbito da saúde. A seguir descrevemos a metodologia utilizada na avaliação de impacto que abarcou todos os 645 municípios do Estado de São Paulo e nos estudos de caso realizados em 4 municípios selecionados. 1. Avaliação de Impacto A análise de impacto tem como objetivo verificar se, no Estado de São Paulo, os municípios que aderiram à contratação indireta (seja via convênio ou contrato de gestão) apresentam melhora dos indicadores de oferta de serviços e de saúde, comparados com os municípios paulistas que não implementaram essa estratégia. A análise de impacto foi feita com base no método da diferença-‐em-‐diferença (Angrist & Pischke, 2009; Imbens & Wooldridge, 2009), que compara a média da variável de resultado entre os períodos anterior e posterior ao programa, para o grupo tratamento (com contratação indireta) e controle (sem contratação indireta). Importante comentar que durante o processo quantitativo, inúmeros desafios foram encontradas para mensurar o grau de contratação indireta presente em uma dada
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prefeitura.9 Cabe ressaltar que os dados do Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) em vários casos, incluindo-‐se aí Suzano, mostraram-‐se inconsistentes, pois ao contatarmos o município, na expectativa de encontrar um caso onde não havia contratação indireta, encontrávamos uma realidade muito diferente, com importante adesão a esse tipo de contratação. Diante dessas inconsistências, buscamos informações junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCE). Esses dados também apresentam várias inconsistências e decidimos compara-‐los e checar essas informações com aquelas que tínhamos sobre as prefeituras visitadas por nossos pesquisadores. Tomados todos esses cuidados acabamos por optar por trabalhar com o dados do CNES, pois para 2012 encontramos boa aderência entre os achados da pesquisa qualitativa e os do CNES, sendo que os erros identificados foram sempre no sentido de indicar ausência de contratação indireta, quando essa de fato estava presente.10 Outros desafios enfrentados se referem a como contornar os problemas de simultaneidade e das variáveis omitidas que aparecem no processo de análise, os quais já foram bastante discutidos na literatura. O risco de simultaneidade ocorre, por exemplo, quando outras variáveis como, por exemplo, o status de saúde ou certas características do sistema municipal de saúde afetam a decisão de contratar indiretamente. Esses problemas são, no entanto, tratados de forma adequada pelo método das diferenças. Já em situações onde a adoção da contratação indireta esteve relacionada à características dinâmicas como, por exemplo, mudanças na taxa de mortalidade, não se consegue tratar adequadamente o problema através do método das diferenças. O mesmo acontece quando a decisão é afetada por variáveis omitidas da análise como pode ser, por exemplo, a boa governança. Mesmo diante de tais limites e dificuldades decidimos sustentar esse estudo, visto que nos permitirá ter uma visão ampla das possíveis diferenças em saúde dos municípios que optaram ou não pela contratação indireta. Esses resultados poderão ser comparados com aqueles que porventura venham a ser obtidos em estudos futuros que incluam casos controle. 2. Metodologia Qualitativa A pesquisa qualitativa foi estabelecida a partir de estudos de casos múltiplos, uma análise profunda para gerar conhecimento acerca de fenômenos sociais complexos influenciados por múltiplas variáveis. De acordo com Yin (2001), os estudos de casos múltiplos são, em geral, melhores do que os estudos de caso único, uma vez que, contribuem para tornar os resultados mais robustos, visto que o pesquisador não coloca
9 Essas dificuldades bem como o conjunto de fórmulas e indicadores utilizados na análise são apresentadas em Coelho et al (2014). Relatório da Pesquisa Equidade e Contratualização de Serviços no SUS. 10 Esse fato nos leva a crer que no grupo “sem contratação indireta” podem estar incluídos municípios que de fato aderiram a esse tipo de contrato. Nesse caso, se um efeito positivo for identificado, este será menor do que teria sido se o município tivesse sido corretamente classificado.
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“todos os seus ovos em uma cesta só” (Yin 2009: 60). O estudo de caso múltiplo é uma boa opção quando, assim como nos casos aqui tratados, se tem pouco controle sobre os eventos pesquisados. Para definir os municípios onde a pesquisa seria realizada selecionamos entre os 23 municípios de porte médio do Estado (aqueles com população entre 250.000 e 800.000 habitante), 04 entre os que apresentam alta proporção de contratação indireta. Dois desses municípios foram selecionados entre aqueles que são classificados pelo Ministério da Saúde como pertencente ao grupo IDSUS 2 e dois ao IDSUS 3, essa classificação é feita levando-‐se em conta 3 indicadores municipais (condições de desenvolvimento socioeconômico; nível de saúde da população e condições infraestruturais da atenção à saúde, sobretudo na média e alta complexidade). Esses municípios não foram selecionados aleatoriamente. Na seleção pesou o fato de pertencerem à região metropolitana de São Paulo, o que os torna mais comparáveis, e boa vontade dos gestores em autorizarem a realização da pesquisa. A tabela 1 abaixo apresentamos os municípios selecionados e as variáveis que foram levadas em conta na seleção.
T.1 Informações sobre os 4 municípios de porte médio selecionados, 2012
Embu Suzano Mogi São
Bernardo IDSUS 3 3 2 2 População 246.251 267.953 396.499 775.428 % SUS pop 63.4 59.1 51.2 47.4 % Contratação Indireta 22.6 60 54 77
Fonte: IDSUS; CNES; Pesquisa Equidade e Contratualização de serviços no SUS. Elaboração: Cebrap/NSCD
As técnicas utilizadas para a coleta de dados foram divididas em primárias e secundárias. Os dados secundários foram obtidos através de coleta de dados junto às Secretarias Municipais de Saúde, pesquisa documental e bibliográficas (pesquisas e estudos que abordam a parceria com Organizações Sociais; e material acadêmico publicado em livros, revistas, jornais e congressos da área). Para a obtenção dos dados primários, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os atores chave da equipe estratégica dos governos municipais, atores estratégicos de algumas OSS parceiras e funcionários das unidades básicas de saúde. Tendo em vista a impossibilidade de o estudo abranger a totalidade de Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos municípios selecionados, elegeu-‐se, de seis a oito UBSs que representam os diferentes perfis, características e necessidades populacionais do município: periferia urbana, zona rural e centro urbano. Ademais, no sentido de obter uma visão mais completa dos serviços de atenção básica dos municípios, foram visitados dois equipamentos de saúde de média complexidade: um centro de especialidades e um pronto socorro.
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Após o término da pesquisa de campo e da transcrição das entrevistas, as informações coletadas foram sistematizadas em documentos e tabelas organizados a partir de 04 eixos de análise: Capacidade administrativa, Controle Social, Caracterização da OSS e Ciclo de Planejamento, Monitoramento e Avaliação. Este processo de análise dos questionários permitiu sintetizar o material coletado, aprofundar a análise de conteúdo e comparar de forma sistemática às variáveis de interesse. A análise das entrevistas por esses quatro eixos permitiu ampliar o conhecimento sobre a implementação e os impactos da contratação indireta nos serviços da atenção básica, além de possibilitar a identificação de inovações que estão ocorrendo na gestão da atenção básica.
Para avançar na analise do comportamento das desigualdades intramunicipais em saúde, buscou-‐se coletar indicadores que mensurassem tanto a evolução da oferta dos serviços públicos de saúde municipal, quanto o comportamento de indicadores de saúde da população. Para a seleção desses indicadores foram utilizados um conjunto de critérios, a saber: 1) indicadores relativos à atenção básica; 2) que constassem no Índice de Desenvolvimento do SUS; 3) disponíveis numa escala intra-‐municipal, e; 4) que não apresentassem muitos valores missings e, se possível, que não sofressem oscilações muito bruscas ao longo dos anos. Com base nesses critérios chegou-‐se a um conjunto de indicadores que, se bem que revelem mais sobre a oferta de serviços do que sobre a saúde da população, nos permitiram realizar uma análise do desempenho da atenção básica dos municípios estudados para os anos 2008 a 2012. Os indicadores selecionados foram: número de consultas médicas na atenção básica por usuário SUS; proporção de nascidos vivos que realizaram 7 ou mais consultas de pré-‐natal; proporção de internações por causas sensíveis à atenção básica; taxa de mortalidade infantil, e gasto municipal em atenção básica.11 Com a análise intramunicipal da evolução e distribuição desses indicadores de atenção básica municipal no período 2008-‐2012 (desde 2006 para alguns indicadores), pretende-‐se colocar em relevo as condições de saúde nas diversas áreas dos municípios analisados, bem como a evolução da oferta de equipamentos e serviços públicos de saúde naquele período, avaliando-‐se o comportamento das desigualdades entre as áreas que apresentam os melhores e piores sócio-‐econômicos. Para traçar o perfil de distribuição intramunicipal via evolução dos indicadores, foram estabelecidos critérios que permitissem compartimentar os municípios em diferentes áreas, as quais denominamos unidades territoriais de avaliação (UTA). Esses critérios foram: compatibilidade com as áreas de abrangência dos equipamentos de atendimento; delimitação das áreas de maior população SUS, prioritária no presente estudo; renda da unidade familiar; aproveitamento das divisões existentes nos municípios; atenção aos nichos identitários principais (distritos ou bairros) e equidade dimensional, demográfica e/ou territorial. 11 As FONTES desses dados foram as seguintes:1. Número de consultas médicas na atenção básica por usuario SUS: fonte MS/ SIA – SUS; 2. Proporção de nascidos vivos que realizaram 7 ou mais consultas de pré-‐natal: fonte MS/ SINASC; 3. Proporção de internações por causas sensíveis à atenção básica: SIH / SUS; 4.Taxa de mortalidade infantil: Fundação Seade, 5.gasto municipal em atenção básica: SIOPS
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III. Avaliando o impacto da contratação indireta na atenção básica no Estado de São Paulo Na análise do impacto da contratação indireta apresentada a seguir buscou-‐se avaliar se os municípios que utilizaram esse tipo de contrato apresentaram uma melhoria dos indicadores de oferta de serviços e de saúde comparados aos municípios que não implementaram essa estratégia. Para caracterizar o grau de utilização desse tipo de contrato por um dado município utilizamos duas fontes de dados, o Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE). Do CNES, para os anos de 2009 a 1012, extraímos a proporção de profissionais de saúde atuando na atenção básica. Da prestação de contas dos municípios para o TCE, para os anos 2008 a 2012, extraímos o gasto municipal em atividades assistenciais ligadas à atenção básica realizado com instituições privadas não lucrativas ou pessoas jurídicas, esse gasto foi dividido pelo número de usuários do SUS naquele município. Para o ano de 2012 há uma correlação significativa entre os valores reportados nos dois bancos. Em nenhum dos bancos há informações sobre as variáveis aqui pesquisadas para os anos que antecedem 2008. Com base nas informações coletadas sobre o crescimento das despesas federais e estaduais com entidades privadas não lucrativas decidimos tomar o ano de 2004 para marcar o período pré-‐introdução da contratação indireta na atenção básica, assumindo assim que antes desse ano ela acontecia de forma incipiente no ESP (Graef e Salgado 2012). A análise de impacto foi feita com base no método da diferença-‐em-‐diferença (Angrist & Pischke, 2009; Imbens & Wooldridge, 2009), que compara a média da variável de resultado entre os períodos anterior e posterior ao programa, para o grupo tratamento (com contratação indireta) e controle (sem contratação indireta). Assume-‐se que os dois grupos apresentam no período anterior ao tratamento tendências comuns (ver gráficos 1 e 2 abaixo para os anos que antecedem 2004). Nesse sentido o método das diferenças assume que podem haver diferenças no valor das variáveis presentes nos dois grupos, mas não nas tendências. Esse método é utilizado em estudos experimentais onde os dois grupos são selecionados aleatoriamente. No nosso caso, não houve aleatoriedade na composição do grupo onde a contratação indireta foi adotada o que pode significar que há bias nesse grupo. Uma forma de lidar com esse problema é controlar as variáveis que podem influenciar a decisão de contratar. Por exemplo, pode ser mais fácil contratar indiretamente quando o município conta com prestadores qualificados. Nem sempre, no entanto, é fácil reconhecer ou mensurar a essas variáveis. Nesses casos, não haverá problema se as variáveis que pesaram na decisão, mas não foram controladas, se mantiverem constantes ao longo do período analisado. Poderá haver problema, no entanto, quando variáveis relevantes que não foram consideradas na análise, tiverem mudado de valor ao longo do período. Por isso é importante olhar com cuidado os resultados da tabela 2, que trazem algumas indicações sobre características dos municípios onde: a) mais de 15% dos gastos na atenção básica foram destinados a contratos indiretos (coluna da
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esquerda), e b) 10% ou mais dos profissionais de saúde vinculados a atenção básica foram contratados indiretamente (coluna da direita). T.2 Características municipais e probabilidade de contratação indireta, Municípios do
Estado de São Paulo, 2012
CI, 2012, despesas (+15%) CI, 2012, funcionários(+10%)
Taxa Mort. Infantil 2011 0.0082356 (0.042) -‐0.0304380 (0.032)
Taxa Mort. Infância 2011 -‐0.0560019 (0.040) 0.0076618 (0.026)
Taxa de Mort. Fem 15-‐59 anos 2011 -‐0.2602620 (0.160) -‐0.0057942 (0.152)
Taxa de Mort. Fem >=60 anos 2011 -‐0.0037957 (0.015) -‐0.0052379 (0.014)
Cons Atenção Primária p/hab, 2011 -‐0.0541969 (0.038) -‐0.0204526 (0.034)
∆ Taxa Mort. Infantil 2011_9 0.0046745 (0.037) 0.0318149 (0.025) ∆ Taxa Mort. Infância 2011_9 0.0211011 (0.035) -‐0.0153017 (0.018)
∆ Tx de Mort. Fem 15_59yrs 2011_9 0.1351809 (0.118) -‐0.0369185 (0.108) ∆ Tx de Mort. Fem >=60yrs 2011_9 -‐0.0079199 (0.011) 0.0035663 (0.010) ∆Cons Atenção Primária p/hab, 2011_9 0.0300896 (0.031) 0.0369481 (0.035) Produto interno bruto 2010 0.0000043 (0.000) -‐0.0000016 (0.000) Porcent. Pop não branca 2011 -‐0.0048801 (0.009) -‐0.0192136 ** (0.009) Porcent. Pop 15 anos 2011 0.0790350 (0.051) 0.0875437 * (0.046) Porcent. Pop 60 anos 2011 0.0524023 (0.048) -‐0.0245499 (0.045) Grau de urbanização 2011 0.0038578 (0.007) -‐0.0025974 (0.006) Porcent. Pop SUS 2011 -‐0.0059794 (0.007) -‐0.0113180 * (0.007) Municípios < 10.000 habitantes 0.1295814 (0.200) -‐0.0225448 (0.199) Estratégia Saúde Família 2011 0.0062569 (0.007) 0.0176356 * (0.009) Gastos Atenção Básica -‐0.0033612 (0.003) -‐0.0053577 (0.004) Partidos políticos/cargo prefeito 2011: PT -‐0.2249797 (0.245) -‐0.1040296 (0.246)
PTB -‐0.3760105 (0.278) 0.1415077 (0.251) PP -‐0.2497191 (0.382) -‐0.0380363 (0.373) PDT 0.1096999 (0.331) -‐0.9425123 * (0.496) PV -‐0.1476297 (0.352) -‐0.1945134 (0.371) PPS -‐0.3168691 (0.347) -‐0.1195329 (0.338)
PSB -‐0.8728766 * (0.484) -‐0.2161572 (0.372) Outro -‐0.3426583 * (0.185) -‐0.0212647 (0.179) Constante -‐14243096 -‐1899 -‐0.0986747 -‐1772 Observações 528 528 Nota: Os cálculos referentes aos partidos políticos tomaram o PSDB como categoria de referência. O desvio padrão aparece entre parêntesis. Significância: * p<.10, ** p<.05, *** p<.01 Os dados apresentados na tabela acima sugerem que são os municípios com piores condições sócio-‐econômicas, i.e., maior mortalidade feminina entre 15 e 49 anos, maiores taxas de internação por diarreia e com maior proporção de usuários SUS, aqueles que menos aderiram à contratação indireta. Importante notar que as mudanças no status de saúde e de oferta de serviços não apareceram como significativamente diferentes de zero.
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A Tabela 3 apresenta os resultados preliminares da análise das diferenças nos indicadores analisados para os dois grupos, i.e., com e sem contratação indireta.12 Os resultados mostram que os municípios que adotaram contratos indiretos apresentaram melhores resultados de saúde, i.e maior redução das taxas de mortalidade infantil e na infância, e maior número de consultas básicas por usuário SUS, quando comparados com os que não adotaram esse tipo de contrato.
T. 3 Análise das diferenças entre indicadores de saúde dos municípios que aderiram à contratação indireta vis a vis os que não aderiram, Estado de São Paulo, 2011
Tratamento (CI in 2011) Controle (Sem CI in 2011) Dif-‐in-‐Dif
1 2 3 4 5 6 7 2004 2012
2/jan 2004 2012
5/abr 3/jun (antes tratamento)
(depois tratamento)
(antes tratamento)
(depois tratamento)
Taxa Mortalidade Infantil
16.933 13.222 -‐3.711 18.573 15.544 -‐3.029 -‐0.682
Taxa Mortalidade Infância
19.374 13.311 -‐6.063 20.308 15.395 -‐4.913 -‐1.150
Consultas básicas p hab./SUS
3.150 4.027 0.877 3.460 3.353 -‐0.107 0.984
Os gráficos 1 abaixo mostra que até 2004, ano considerado na análise como marcando o período pré e pós intervenção, a tendência no comportamento da mortalidade infantil era a mesma. A partir de 2004, vê-‐se que a mortalidade infantil cai mais rapidamente no grupo que aderiu à contratação indireta. G.1 Tendências da Taxa de Mortalidade Infantil, municípios com e sem contratação indireta no estado de São Paulo, 2002-‐2012
12 Até o momento não foram incluídos controles na análise, também não se testou se o efeito é significativamente diferente de zero.
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O gráfico 2 abaixo mostra tendência similar: a partir de 2004 vê-‐se que a oferta de consultas básica por usuário SUS cresce mais rapidamente no grupo que aderiu à contratação indireta. G.2 Tendências das Consultas Médicas em Atenção Básica, municípios com e sem contratação indireta, municípios do estado de São Paulo 2002-‐2012
Esses resultados, ainda preliminares, corroboram a primeira hipótese do estudo ao mostrar que a contratação indireta está contribuindo para a melhora da performance da atenção básica no Estado de São Paulo. Eles também indicam que são os municípios com melhores condições sócio-‐econômicas aqueles que mais estão aderindo à contratação indireta. Em conjunto, esses dois achados negam a segunda hipótese do estudo, pois sugerem que a contratação indireta pode estar contribuindo para um aumento das desigualdades entre municípios com melhores e piores condições sócio-‐econômicas, uma vez que esses últimos tendem a contratar mais indiretamente e, com isso, alcançam melhores resultados. A análise que sustenta essas afirmações deverá ser aprofundada no sentido de se obterem resultados conclusivos. IV. Focando na análise dos casos: contratação indireta, distribuição de serviços e gestão municipal Passamos agora apresentar os resultados dos estudos de caso realizados em Embu, Suzano, Mogi das Cruzes e São Bernardo do Campo, municípios de porte médio, sediados na região metropolitana de São Paulo. Exploramos inicialmente as dinâmicas distributivas, no que diz respeito à oferta de atenção básica, que têm tido lugar no interior desses municípios e, a seguir, apresentamos aspectos do sistemas municipais de saúde que iluminam o papel das dinâmicas políticas e das capacidades administrativas na gestão da contratação indireta. 1. Distribuição de serviços
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A seguir discute-‐se a partir de outra perspectiva, a análise intramunicipal, a pertinência do achado apresentado na seção anterior, acerca de uma possível tendência de reforço nas desigualdades associado a adoção da contratação indireta. Como se pode ver no gráfico 3, a partir de 2006 houve um crescimento importante da Estratégia de Saúde da Família (ESF) nos municípios onde se realizaram os estudos de caso.13 G.3 Cobertura populacional pelas ESF estimada (%), municípios selecionados 2001-‐2012
Fonte: MS/SAS/DAB e IBGE O avanço do ESF se deu, sobretudo, nas áreas mais periféricas das cidades, as quais na maioria dos casos, contavam com menos unidades de saúde e profissionais o que contribui para os resultados apresentados a seguir. Esses resultados foram calculados a partir de dados fornecidos pelas Secretarias Municipais de Saúde e DATASUS. Cabe comentar que em muitos casos esses dados apresentam variações abruptas de um ano a outro ou mesmo de um mês a outro não tendo sido possível, em razão do curto período analisado, recorrer às médias móveis para suavizar essas oscilações. Os gráficos 4 a 7 mostram que entre 2008 e 2012 houve uma redução nas diferenças entre as porcentagens de nascidos vivos com 7 ou mais consultas de pré-‐natal, segundo Unidades Territoriais de Avaliação (UTA) nos municípios pesquisados. Essas unidades foram definidas tendo em vista a comparação entre áreas relativamente homogêneas quanto à extensão e ao tamanho da população, porém heterogêneas quanto às características sócio-‐econômicas. Essa heterogeneidade pode ser reconhecida
13 A pesquisa de campo deixou claro que nem toda contratação indireta está associada aos PSF, porém a expansão do PSF se deu em todas as prefeituras a partir da contratação indireta.
0 % 5 % 10 % 15 % 20 % 25 % 30 % 35 % 40 % 45 % 50 % 55 % 60 % 65 % 70 % 75 % 80 % 85 % 90 % 95 % 100 %
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
Brasil Estado de São Paulo Embu das Artes Suzano Mogi das Cruzes São Bernardo do Campo
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através da paleta cromática; do verde ao vermelho passamos das áreas que apresentam os melhores aos piores indicadores sócio-‐econômicos. G. 4 a 7 Porcentagem de Nascidos vivos com 7 ou mais consultas de pré-‐natal, segundo UTAs, Municípios pesquisados, 2008 a 2012
Nos gráficos 8 a 11 abaixo, que apresentam o comportamento da mortalidade infantil por UTA, nos quatro municípios estudados, pode-‐se observar tendência semelhante. G. 8 a11 Mortalidade Infantil, segundo UTAs, Municípios pesquisados, 2008 a 2012
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Os gráficos acima mostram uma redução importante nas diferenças entre as taxas de mortalidade das UTAs. A análise da distribuição de consultas básicas entre as UTAS desses municípios apontou tendência semelhante. Isso sinaliza que a contratação indireta adotada pode estar ajudando a ampliar a oferta de serviços de saúde nas áreas mais periféricas dos municípios, cujas populações passam a utilizar os novos serviços e equipamentos locais em vez daqueles localizados em regiões mais privilegiadas. Isso explicaria porque a desigualdade entre regiões com melhore e piores indicadores sócio-‐econômicos vêm diminuindo. Estes resultados em conjunto com os achados da seção anterior, apontam para um quadro mais complexo do que aquele acima discutido, o qual sugere que a contratação indireta pode ao mesmo tempo contribuir tanto para um aumento das desigualdades entre municípios com melhores e piores condições sócio-‐econômicas, quanto para a redução das desigualdades intramunicipais. 2. Gestão municipal Parte importante do programa que o Brasil consolidou ao longo dos anos para a atenção básica está expresso na Estratégia da Saúde da Família (MS 2006). Aí estão descritas as linhas mestras no que concerne ao financiamento; aos serviços locais, que devem se organizar a partir das Unidades Básicas de Saúde (UBS) que contam com as Equipes de Saúde da Família, compostas por médicos generalistas, enfermeiros e agentes comunitários; programas prioritários;14 e o Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB). Uma pesquisa ao sítio do Ministério da Saúde (MS) sugere que o modelo proposto pelo Ministério para organizar a atenção básica domina a cena no território nacional. A visita aos sistemas municipais situados na região metropolitana de São Paulo aponta, no entanto, para uma realidade bastante diferente, em cada um dos municípios a rede de atenção básica está organizada de maneira própria, os programas de atenção básica são implementados de maneiras diversas e o SIAB é alimentado e utilizado de forma particular. A seguir mostramos como ao implementar a contratação indireta, os gestores municipais lidam com e, ao mesmo tempo, reforçam essa heterogeneidade. 2.1 A decisão de contratar indiretamente A Tabela 4, mostra que a contratação indireta foi adotada e é praticada indistintamente por administrações municipais lideradas pelo PT, PSDB, DEM, PFL, PSD e PSB. Nessa tabela pode-‐se ver a os partidos que estiveram à frente das gestões municipais a partir de 2001 e o tipo de contrato por elas adotado.
14 Esses programas são: Eliminação da desnutrição infantil e hanseníase; controle da hipertenção, tuberculose e diabetes mellitus; promoção e cuidado com a saúde da criança, saúde da mulher, saúde do idoso e saúde bucal.
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T.4 Partido no Poder e Tipos de Contrato, municípios selecionados, 2001-‐2012
Esse quadro deixa claro que partidos de direita, de centro e de esquerda têm se valido da contratação indireta na prestação de serviços de atenção básica. Há, no entanto, uma clivagem na forma de gerir esse tipo de contratação: o PT e o PSB parecem preferir os convênios, enquanto o PSDB, o DEM e o PSD introduzem contratos de gestão com mais frequência. Os municípios governados pelo PT, Embu e São Bernardo do Campo, apresentaram, durante as entrevistas concedidas ao projeto, um discurso muito claro no sentido de afirmar que o convênio permite flexibilizar o processo de contratação de profissionais, enquanto a gestão de todo o sistema está a cargo da Secretaria de Saúde. Nesses governos o convênio é estabelecido sobretudo com vistas à contratação de pessoal. Já nos municípios governados pelo PSDB, DEM e PSD, Suzano e Mogi das Cruzes, há um discurso que valoriza o uso da contratação indireta enquanto instrumento para promover a contratualização das relações entre gestores e profissionais da saúde. Nesses casos a autonomia gerencial e o controle por resultados, fatores que diferenciam o convênio e do contrato de gestão, são valorizados. 2.2 Implementando a contratação indireta Os quatro secretários de saúde que assumiram a gestão da Secretaria Municipal de Saúde em 2013 encontraram condições bastante diversas. Algumas delas, como, por exemplo, uma rede de serviços mais homogênea em São Bernardo do Campo, favorece o bom desempenho da contratação indireta, e outras que aparecem nos quatro municípios eram desfavoráveis como, por exemplo, a precariedade dos sistemas de controle de custos nas unidades. A seguir, tomando como referencia às condições descritas na literatura como favoráveis à uma implementação bem sucedida da contratação indireta,15 descreve-‐se o contexto presente nos quatro municípios.
15 Ver revisão da literatura, item “mecanismos”.
= Nova OSS ** = Mudança para contrato de gestão
= “Convênio “
= “Contrato de Gestão”
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2.2.1 Concorrência e Transparência Um aspecto favorável a destacar é a presença na região metropolitana de várias OSS com experiência na gestão básica. Em Embu e São Bernardo e, inicialmente em Suzano, a parceria com a OSS foi estabelecida no formato de convênio, não tendo ficado claro para os pesquisadores quais foram os processos seguidos para a escolha da organização parceira. Em Mogi das Cruzes houve concorrência e, segundo foi informado aos pesquisadores, “duas ou três OSS diferentes participaram”. Mais recentemente em Suzano houve chamamento público para seleção de nova parceira via contrato de gestão. Outro aspecto associado à transparência se refere ao controle social exercido através das ouvidorias e dos conselhos de saúde. Enquanto as ouvidorias e os conselhos municipais estão presentes e são ativos em todos os municípios, o mesmo não se pode dizer dos conselhos de unidade, os quais estão funcionando em Embu e São Bernardo do Campo, estão desmobilizados em Suzano e não existem em Mogi das Cruzes. 2.2.2 Planejamento e treinamento Um desafio enfrentado pelos gestores municipais é organizar o planejamento da atenção básica a partir de redes heterogêneas, onde convivem em diferentes graus UBSs tradicionais, que contam com especialistas e enfermeiros; Unidades Básicas de Saúde da Família, que abrigam equipes de saúde da família; e unidades mistas que abrigam esses dois tipos de equipe. Essa heterogeneidade é mais acentuada em Embu e Suzano, municípios classificados como IDSUS 3, do que em Mogi das Cruzes e São Bernardo do Campo, que são classificados como IDSUS 2. São Bernardo do Campo constitui, aliás, um caso único, pois apresenta uma rede homogênea, todas as unidades básicas foram reformadas recentemente e transformadas em unidades de estratégia de saúde ampliada, o que significa que suas equipes são integradas por generalistas e especialistas. Essas unidades foram regionalizadas e cada conjunto de 4 ou 5 unidades está referenciada a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Outro desafio para o planejamento é a integração dos sistemas de informação. As unidades PSF utilizam o SIAB para registro das suas atividades, enquanto as UBSs tradicionais utilizam sistemas desenvolvidos pelo município, sendo grandes as dificuldades reportadas quanto à integração e disponibilização das informações produzidas por diferentes sistemas. Nesse cenário, cada administração municipal se apropria de forma particular dos parâmetros publicados pelo Ministério da Saúde no sentido de dimensionar os serviços de saúde necessários para atender uma determinada população, bem como a produção e os resultados esperados a partir desses serviços. Por vezes metas anuais de produção são acertadas com as OSSs ou com as UBSs, ou metas por programa de saúde são acordados entre os gestores responsáveis por tais programas e as equipes das UBSs. Em outros casos, essas metas são embutidas na organização das agendas dos médicos e suas equipes. Há também situações onde a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) monitora a produção mas não comunica metas para as unidades e seus profissionais, pois entende que os profissionais devem se dedicar a resolver os problemas da população que vive na área de abrangência da unidade da melhor maneira possível.
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No que diz respeito ao treinamento e atualização dos profissionais, o tema está presente em todos os municípios seja a partir de uma área de educação permanente que planeja e organiza cursos, seja a partir das áreas técnicas que preparam protocolos para orientar as equipes das unidades, seja, ainda, a partir das iniciativas dos próprios gerentes de unidades que organizam o treinamento dos profissionais que chegam ou atualizações regulares. Esses treinamentos se concentram, no entanto, na prática médica, apenas São Bernardo do Campo oferece treinamento em gestão. 2.2.3 Coordenar, monitorar, avaliar e incentivar A questão da coordenação entre gestores e profissionais de saúde tem recebido muita atenção em Embu e São Bernardo, aí se investiu na consolidação de uma agenda quinzenal de reuniões entre gerentes e gestores, onde se discutem os problemas enfrentados nas unidades e se dá a troca de experiências a respeito de como solucioná-‐los. Em Mogi das Cruzes as reuniões entre coordenadores da OSS e gerentes nas unidades PSF são frequentes. Em todos os municípios há uma cultura de monitoramento, os procedimentos são registrados sistematicamente e informados à SMS que costuma reagir quando identifica que a produção das unidades não está sendo satisfatória. Ainda assim foram encontradas poucas evidências que esses sistemas estejam contribuindo para criar uma cultura de avaliação das unidades e programas. Nesse sentido, a experiência presente em todos os municípios de participar do Programa Acesso e Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), assim como o contrato de gestão firmado entre a OSS CEJAM e a SMS em Mogi das Cruzes, abriram uma nova via nesse cenário, onde o monitoramento é associado à avaliação, ao planejamento de metas futuras e a incentivos. Essas ainda são, no entanto, práticas pontuais que ainda não estão estabelecidas como rotinas. Em suma, esse breve apanhado deixa claro que esses municípios já fizeram alguns avanços no sentido de estabelecer condições favoráveis ao bom desempenho da contratação indireta: alguns praticam o chamamento público para selecionar a OSS; outros têm investido no controle social; há experiências no sentido de homogeneizar a rede de serviços; o SIAB está implantado em todas as unidades PSF; há, para além do treinamento e da atualização dos profissionais nas práticas médicas, treinamento em gestão; e há empenho em criar dinâmicas que favoreçam a integração e coordenação entre as equipes das unidades de saúde e das secretarias municipais. Esses avanços pontuais, que estão distribuídos desigualmente pelos municípios, estão longe, no entanto, de configurar um quadro que possa ser reconhecido como preenchendo as condições descritas no modelo ideal formatado pela Nova Administração Pública. Até mesmo o exercício de nomear municípios específicos que concentrem características favoráveis se mostra difícil nesse cenário, onde a decisão de contratar indiretamente, bem como a forma de geri-‐la, aparecem por vezes pouco identificadas com o projeto da Nova Administração Pública. Antes, uma perspectiva mais adequada parece ser reconhecer, como se sugere a seguir, que dois estilos híbridos de
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gestão, mais pautados pelas preferências ideológicas dos gestores, do que pelas características organizacionais dos sistemas de saúde, estão sendo amalgamados. 2.3 Estilos de gestão As diferenças entre os dois estilos se revelam, por exemplo, na preocupação dos gestores de Embu e São Bernardo em investir na consolidação de uma agenda quinzenal de reuniões entre gerentes e gestores, onde se discutem os problemas enfrentados nas unidades e se dá a troca de experiências a respeito de como solucioná-‐los. Ao lado da ênfase nas reuniões e na comunicação, há também a preocupação em manter ativos os conselhos de saúde. Há um discurso reiterado por gestores e gerentes que encoraja o trabalho de equipe e não a competição, bem como a construção compartilhada de uma visão sobre os objetivos do sistema. Nessa linha, São Bernardo monitora a produção das unidades e acaba de criar uma área de análise estratégica para analisar essas informações e com isso subsidiar o planejamento da SMS e das unidades, sem, no entanto, fazer uso dessa informação para premiar ou punir as unidades e seus profissionais. Evita-‐se mesmo publicizar esses dados ressaltando-‐se que a relação entre a SMS e unidades não deve ser mediada pela definição de metas e de avaliações. Já em Mogi das Cruzes e Suzano, gestões do PSDB decidiram implantar contratos de gestão e com isso incentivar a cultura da avaliação que, segundo o discurso dos gestores desses municípios, deve contribuir para a boa performance dos prestadores, a transparência do sistema e a melhoria da própria gestão. Esses municípios têm investido na definição de um processo mais transparente de escolha da OS (com abertura de edital e concorrência) e se confrontado com as dificuldades de definição das metas de produção do contrato de gestão e de estabelecer indicadores que permitam avaliar o desempenho da OS, bem como com o estabelecimento de uma agenda de reuniões para acompanhar o andamento do trabalho feito pela OS contratada. A gestão e a comunicação com as unidades e seus profissionais ficam, por sua vez, a cargo da OSS. No caso de Mogi das Cruzes, a OSS CEJAM realiza um trabalho regular no sentido de aproximar os supervisores e as equipes da unidade e criar uma visão compartilhada dos problemas e das soluções que vão sendo geradas pelas unidades. Nesses municípios, pouca atenção é dada aos conselhos locais de saúde. As opções feitas por Embu e São Bernardo do Campo, no que se refere à forma de organizar as relações entre os gestores da SMS e os profissionais que atuam nas UBS, sugerem um estilo de gestão que aponta para um “estilo participativo”. Já as opções recentes feitas por Suzano e as de Mogi das Cruzes, no que diz respeito à gestão da estratégia de saúde da família, apontam para um “estilo contratualista”. O “estilo participativo” está, a nosso ver, alinhado a uma tradição dos estudos de desenvolvimento que valoriza os processos de aprendizagem (Locke e Latham 2006; Patton 2010), enquanto o “estilo contratualista” está alinhado à tradição da nova administração pública, a qual valoriza a cultura da avaliação, dos incentivos e da competição (Walsh 1995) Esses estilos, bastante diferenciados tanto na retórica, quando em várias das suas práticas, têm, no entanto, se contaminado permanentemente. Nesse sentido, merece atenção a adoção, por uma gestão petista à frente do Ministério da Saúde, do PMAQ, um
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instrumento de avaliação e incentivo à performance. Também é interessante que a OSS CEJAM, ao assumir o contrato de gestão em Mogi das Cruzes, estabeleça dinâmicas próximas ao estilo participativo nas reuniões periódicas que organiza entre os gerentes e supervisores. Esses achados sugerem que a terceira hipótese do estudo, segundo a qual, a adoção da contratação indireta é facilitada nos municípios onde estão mais presentes as condições indicadas pela literatura como favoráveis ao seu bom desempenho, não se sustenta. Afinal, nos municípios pesquisados, a adoção da contratação indireta vem se dando de forma tenuemente associada às capacidades organizacionais presentes no município, enquanto a forma de gerir esse tipo de contrato apareceu associada a preferencias ideológicas dos gestores. Comentários Finais O artigo apresenta um estudo exploratório sobre a contratação indireta, um fenômeno que vem ganhando espaço na administração pública brasileira, enfocando a área da atenção básica à saúde. A avaliação de impacto foi combinada a um estudo de casos múltiplos com o objetivo de mensurar os impactos da contratação indireta, avaliar seus efeitos sobre a equidade na oferta de serviços públicos e entender as dinâmicas políticas e organizacionais que têm sustentado seu avanço. Importante ressaltar os desafios e dificuldades enfrentados para organizar e consolidar informações quantitativas consistentes relativas ao grau de contratação indireta, os gastos em saúde e os indicadores de saúde presentes nos municípios do Estado.
Os resultados, ainda preliminares, corroboram a primeira hipótese do estudo ao apontar para a melhora na performance da atenção básica nos municípios que adotam a contratação indireta. Eles não são conclusivos quanto à segunda hipótese que relaciona a contratação indireta a ganhos de equidade, uma vez que sugerem que ela pode, ao mesmo tempo, contribuir, tanto para um aumento das desigualdades entre municípios com melhores e piores condições sócio-‐econômicas, quanto para a redução das desigualdades intramunicipais. Finalmente, sugerem que terceira hipótese do estudo, segundo a qual, a adoção da contratação indireta é facilitada nos municípios onde estão mais presentes as condições indicadas pela literatura como favoráveis ao seu bom desempenho, não se sustenta, pois nos municípios pesquisados, a adoção e a gestão da contratação indireta estão tenuemente associadas às capacidades organizacionais presentes no município, mas fortemente associadas às preferencias ideológicas dos gestores.
Esses resultados devem, no entanto, ser vistos com cautela, pois no presente estágio o intuito da investigação foi, sobretudo, testar e desenvolver as possibilidades desse desenho de pesquisa e, ao mesmo tempo, avançar no tratamento dos dados disponíveis nos bancos oficiais, os quais em muitos casos não são consistentes entre si, por vezes não condiziam com a realidade que encontrávamos nos municípios e por outras apresentam inexplicáveis variações abruptas de um ano a outro ou mesmo de um mês a
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outro.16 Nesse sentido, cabe comentar que ao longo da pesquisa procurou-‐se sempre checar as informações obtidas nos estudos quanti e quali e avançar no tratamento dos dados apenas quando os resultados se mostravam coerentes, o que contribuiu para ampliar nossa confiança nos resultados aqui apresentados. Ainda assim, cabe frisar que a análise que sustenta essas afirmações deverá ser aprofundada no sentido de se obterem resultados conclusivos. Finalmente, retomando à pergunta inicial, sobre como avançar no sentido de promover políticas mais eficientes e efetivas, cabe destacar uma dinâmica iluminada pela pesquisa. A forma de gerir a política de saúde nos municípios analisados tem estado fortemente associada à política partidária. Ou seja, a saúde pública, tal como se apresenta hoje nesses municípios, não deve ser encarada como um domínio mormente técnico, que é afetado apenas marginalmente pela alternância de partidos no poder. A pesquisa mostrou como o estilo de gestão, adotado pelo secretário de saúde de plantão,17 afeta as relações dos gestores das Secretarias Municipais de Saúde com as unidades de saúde, bem como com as OSS. Essas relações, apesar de terem recebido pouca atenção da literatura, ocupam um lugar central na estruturação do sistema de atenção básica e merecem mais atenção em estudos futuros. Afinal, essa dinâmica aponta para um mecanismos de mudança institucional na área da saúde que tem sido pouco explorado na literatura sobre a reforma da atenção básica. Bibliografia ADIN 1923/DF, Ação Direta de Inconstitucionalidade em desfavor da Lei 9.637/98. ANGRIST, J. D.; PISCHKE, J.S. Mostly Harmless Econometrics. Princeton University Press. Princeton and Oxford, 2009. BARBOSA, N.B.; ELIAS, P.E.M. As Organizações Sociais de Saúde como forma de gestão público/privado. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, Vol. 15, n. 5, p. 2483-‐2495, 2010. BUCHANAN, J. The constitution of economic policy. American Economic Review 77:243–50, 1987. BURSTROM, B. Looking to Europe: Will Swedish healthcare reforms affect equity? BMJ. Vol. 340, p. 79-‐80, 2010. COELHO, V.S.P. e SHANKLAND, A. Making the right to health a reality for Brazil’s indigenous peoples: Innovation, decentralization and equity. Medicc; July, Vol. 13, n. 3; 2011, pp:50-‐3. CORREIA, M. B. C. Por que as reformas permanecem?: a trajetória gradualista de mudanças no setor de infraestrutura rodoviária no Brasil entre 1985-‐2010. Tese de Doutorado (CDMAPG) – FGV/EAESP -‐ Escola de Administração de Empresas de São Paulo, 2011.
16 Essas variações ficam claras tanto nos dados apresentados na seção X, quanto no Anexo 1 que apresenta os gastos per capita com atenção básica nos municípios pesquisados. 17 Esses estilos estão descritos na seção 5 do artigo.
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Fonte: SIOPS. Valores em reais corrigidos com o IPCA 2012
R$ 0,00 R$ 50,00 R$ 100,00 R$ 150,00 R$ 200,00 R$ 250,00 R$ 300,00 R$ 350,00 R$ 400,00 R$ 450,00 R$ 500,00
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Brasil Estado de São Paulo Embu das Artes Suzano Mogi das Cruzes São Bernardo do Campo