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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH Vanessa Barbosa Figueiredo EQUILÍBRIO DE PODER: A China Como Potência Balanceadora Do Poder Norte-Americano. Belo Horizonte 2010

EQUILÍBRIO DE PODER · 2A Revolução Cultural Chinesa foi um período, entre 1966 e 1976, de transformações do modelo soviético de comunismo, no qual a China se encontrava

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CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH

Vanessa Barbosa Figueiredo

EQUILÍBRIO DE PODER:

A China Como Potência Balanceadora Do Poder Norte-Americano.

Belo Horizonte 2010

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BELO HORIZONTE – UNI-BH

Vanessa Barbosa Figueiredo

EQUILÍBRIO DE PODER:

A China Como Potência Balanceadora do Poder Norte-Americano.

Monografia apresentada ao Centro Universitário de Belo Horizonte como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Relações Internacionais. Orientadora: Geraldine Rosas

Belo Horizonte

2010

RESUMO

Este artigo tem como foco a análise de que se juntamente com seu crescimento

econômico, a China consegue desenvolver ferramentas que possibilitem um

balanceamento de poder com a potência regional do continente americano, os Estados

Unidos. Baseada em teorias realistas e neo-realistas, esta pesquisa busca identificar

quais decisões políticas e econômicas chinesas facilitam a busca da nação pela posição

de país balanceador do poder norte-americano.

Palavras chave: China, Estados Unidos da América, poder, economia, balança de poder.

ABSTRACT

This article focuses on analyzing it along with its economic growth, China can develop

tools that provide a balance of power with the regional power of the American

continent, the Unites States. Based on realistic and neo-realistic theories, this research

seeks to identify which political and economic decisions are carrying China to the

position of nation capable to balance the north American power.

Keywords: China, Unites States of America, power, economy, balance of power.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO……………………………………………………………….......04

2. PANORAMA MUNDIAL ............................................................................05

3. TEORIAS: REALISMO E NEO-REALISMO................... .............................14

3.1. Waltz e a balança de poder......................................................................15

3.2. Equilíbrio de poder através da visão de Mearsheimer...............................17

3.3. Hans Morgenthau e o realismo defensivo..................................................22

4. AS CARACTERÍSTICAS BALANCEADORES DE PODER...........................24

5. ANÁLISE CONCLUSIVA...............................................................................30

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.............................................................31

4

1. INTRODUÇÃO

O sistema internacional é anárquico. Detalhando essa definição através de uma visão realista

propagada por Waltz (1979), é possível dizer que os atores estatais que compõem essa

estrutura são soberanos, racionais, dotados de capacidades e poder de barganha. Através

destes aspectos, o mundo consegue distinguir quem são os Estados mais fortes do cenário

mundial.

O pós-Guerra Fria foi o ambiente ideal para a criação da imagem de um soberano mais forte

que qualquer outra potência, Estado esse chamado Estados Unidos da América. Após a queda

da União Soviética e seus ideais comunistas, o capitalismo se propagou, juntamente com os

Estados Unidos, como o novo sistema, contrariando teóricos como Karl Marx (1977). A

vantagem de poder norte-americana em relação a outras nações foi mantida durante longo

tempo, porém recentemente a China vem apresentando intenso crescimento econômico,

industrial e bélico, demonstrando assim, capacidade de desenvolver um balanceamento de

poder.

Essa pesquisa se baseia nos alicerces do crescimento chinês para concluir se há elementos

capazes de balancear essas duas potências, mas também procura compreender como as

recentes crises abalaram a estrutura norte-americana e assim propiciaram um ambiente que

sugere a discussão sobre o equilíbrio de poder entre essas nações, como os ataques terroristas

sofridos em 2001, a recessão econômica, esta ocorrida em 2008, decorrente das bolhas de

crédito, e o rumo político pelo qual o país está enveredando através das decisões tomadas por

seus governantes. Dessa forma, este artigo fará um panorama de ambos os Estados, debatendo

seus pontos fortes e fracos, além de concluir se o cenário atual é propício para um

balanceamento de poder efetivo por parte da China, ou se o poder norte-americano continua

intacto.

Tendo como principal objetivo a análise do equilíbrio de poder, esta pesquisa se baseia nas

teorias realista e neo-realista utilizando como referência teóricos analistas da balança de

poder, como John Mearsheimer (2001), Kennethy Waltz (1979) e Hans Morgenthau (2003).

Além destes, esta pesquisa também se utilizará da visão de cientistas políticos como Joseph

Nye (2002), com a intenção de identificar fatores influentes na alteração da divisão de poder

5

mundial. Utilizando como embasamento estas vertentes, o período de investigação deste

artigo será dado a partir do cenário do pós-Guerra Fria até o período presente.

O artigo será estruturado no histórico da ascensão chinesa complementado pelas políticas que

fomentaram seu veloz crescimento nos últimos anos, sendo seguido pelo poder exercido no

pós-Guerra Fria pelos Estados Unidos e suas crises. Após este panorama, a pesquisa

desenvolverá as teorias que servirão de base para a análise do balanceamento de poder,

podendo assim ser feita a conclusão acerca do poder chinês e norte-americano.

As informações dadas por esta pesquisa são retiradas das correntes teóricas mencionadas,

assim como os dados geográficos, políticos, econômicos e sociais foram extraídos de textos

acadêmicos que contam com dados específicos, facilitando assim a precisão da análise que

este artigo busca fazer.

Esta pesquisa se torna relevante aos estudos das Relações Internacionais por buscar entender

um equilíbrio de poder dentro do sistema internacional, onde se forem caracterizados

elementos capazes de comprovar um balanceamento de poder por parte da China, muitas das

influências globais referente aos Estados Unidos podem ser alteradas.

2. PANORAMA MUNDIAL

A China é o maior país da Ásia Oriental, possuindo um território de 9.6 milhões de

quilômetros quadrados e uma população de aproximadamente 1.300 bilhão de habitantes,

dados estes extraídos do IBGE Países de 2010. Com sua capital situada em Pequim, a

República Popular da China segue sob um governo socialista de partido único regido pelo

Partido Comunista da China, sendo Hu Jintao seu atual presidente.

Como uma das mais antigas civilizações do mundo, a China apresenta farta bagagem histórica

que a levou ao ponto do constante crescimento em que se encontra atualmente. O cientista

político que levanta este hitórico, Zakaria (2008) apresenta que o sistema político chinês foi

durante longo período pertencente a dinastias e após o encerramento do último governo deste

modelo, se deu a fundação da República da China pelo Partido Nacionalista Kuomintang, em

1911. Sempre seguindo um molde de sociedade fechada, a China enveredou por sérias crises

que culminaram em guerras e divisão política interna no início do século XX, divisão esta que

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gerou dois grandes partidos na disputa pelo poder do Estado: os representantes do Partido

Comunista e os representantes do partido Kuomintang.

Somente em 1949 as disputas se encerraram com a vitória dos comunistas sobre o

Kuomintang e assim se fundou a República Popular da China, com o poder do partido

concorrente restringido à região de Taiwan. Neste momento o governante do Estado chinês

era Mao Tsé-Tung, que deixou o cargo em 1959, após grandes fracassos ligados

principalmente aos aspectos econômicos que ocorreram no período do Grande Salto1. Este

movimento político era uma tentativa de Tsé-Tung de transformar a China em um Estado

desenvolvido, onde visava um aumento da produção agrícola utilizando mais terras

produtivas, além de uma maior industrialização em perímetros urbanos, porém a iniciativa

instaurou o caos econômico e o aumento latente do índice de pobreza.

O primeiro plano qüinqüenal, analisado por Bianco (1971), foi implementado na China

durante o período de 1954 a 1957. O plano estreitou as relações chinesas com a URSS, que

neste período se encontrava sob o comando do presidente Nikita Kruchov, aproximação que

gerou um aumento da exportação de tecnologia soviética para a China. Durante o período da

Guerra Fria, Kruchov buscou contatos com os Estados Unidos, o que resultou em um

rompimento de relações com Tsé-Tung e afastou o Estado chinês, de forma definitiva, do

modelo socialista soviético.

Mao Tsé-Tung manteve influência dentro do partido chinês mesmo após deixar o cargo de

presidente e optou por divulgar a idéia da Revolução Cultural2 em 1966. A principal

motivação da revolução eram os temores provocados com a posição soviética e apesar de

buscar maior segurança para a nação, acabou por gerar diversos conflitos dentro da sociedade

chinesa. A China só viu como encerrada a Revolução Cultural em 1976, com a morte do ex-

presidente, Mao Tsé-Tung.

1 O Grande Salto pode ser definido, de acordo com Zakaria (2008), como uma política liderada pelo ex-líder

chinês Mao Tsé-Tung, a qual almejava o desenvolvimento da China de forma rápida. O primeiro plano desta política focou no aumento das áreas de cultivo e conseqüentemente, no aumento da produção agrícola nacional, tendo a segunda etapa com intenções de incentivo à industrialização. 2 A Revolução Cultural Chinesa foi um período, entre 1966 e 1976, de transformações do modelo soviético de

comunismo, no qual a China se encontrava. O então presidente chinês Mao Tsé-Tung apresentou quatro principais metas: corrigir o foco das políticas adotadas pelo partido comunista chinês, alterar seus principais governantes por políticos com mentalidades mais próximas da sua, assegurar uma experiência revolucionária à juventude chinesa e tornar os sistemas básicos do país, como educação, saúde e cultura, em menos elitistas. Esse movimento foi definido como uma luta contra uma classe intelectual separada da massa por Kenneth Lieberthal (1989)

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Após a morte de Tsé-Tung, Deng Xiaoping tomou o poder e buscou reformas políticas e

econômicas com foco no estabelecimento de uma economia de mercado e liberalização

política.

Para militares [chineses] com paciência para ver concluídas as reformas

[econômicas] haverá uma compensação. Se os planos do Sr. Deng para a economia

como um todo puderem ser levados a cabo, e o valor do produto chinês

quadruplicar, como se planeja, entre 1980 e 2000 (uma questão reconhecidamente

difícil), então dentro de 10 a 15 anos a economia civil terá conseguido ímpeto

suficiente para realizar mais rapidamente as reformas militares. É então que o

exército chinês, os seus vizinhos e as grandes potências terão no que pensar.

(KENNEDY, 1989, p. 435)

Os objetivos, muito distantes das vontades de Mao, acabaram por gerar insatisfação em duas

pontas importantes da sociedade. Estudantes e intelectuais tinham em mente que as reformas

não alteravam a estrutura chinesa e o que o estado realmente precisava era de uma mudança

em seu sistema político. Os trabalhadores de indústrias não concordavam com o

distanciamento da lógica de Mao e viam que as reformas começavam a gerar desemprego e

alta na inflação. O resultou destas insatisfações resultou nos protestos da Praça da Paz

Celestial3.

Mesmo com o período de turbulência no país, o presidente Deng Xiaoping forçou a massa

conservadora política a aceitar empresas vindas de outros países, para que estas pudessem

aplicar seu capital na economia chinesa e assim acelerar o processo de modernização. Zakaria

(2008) defende que após essa aceitação por parte do governo, a China passou a investir em

políticas pró-empresas, facilitando sua entrada no país e apresentando recursos atrativos para

investimentos. Após este período, quem liderou o governo chinês foi Jiang Zemin durante a

década de 1990, e a partir deste momento a China começou a identificar um constante

crescimento, já que as políticas econômicas do novo presidente conseguiram diminuir o índice

de pobreza, assim gerando um crescimento constante do PIB, em torno de 11% ao ano. Foi

percebido então que a China deveria adotar formas de consolidar sua economia.

3 Movimento de protestos, ocorrido em 1989, liderado por grupos que acreditavam que o Partido Comunista era corrupto e repressivo, além de que todas as reformas chinesas eram executadas de forma lenta, levando os índices de inflação e desemprego a níveis muito altos.

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Atualmente, Hu Jintau preside a China através de um modelo de ascensão pacífica, no qual

busca através da abertura da economia um fortalecimento da influência chinesa sobre outros

Estados. De forma mais aprofundada, o governo chinês desenvolve metas para que seu

crescimento anual continue acima dos 10%, entendendo que além do aumento no ritmo de

suas exportações, é importante a consolidação do consumo no mercado interno. Para que esta

estratégia obtenha sucesso, o Partido Comunista Chinês está implementando medidas para

que parte de sua população rural se mude para as capitais, uma vez que o consumo de um

trabalhador urbano é 1,6 vezes maior do que o de um trabalhador rural. Além destas medidas,

o governo atual adotou uma posição protecionista em relação às empresas estrangeiras, que

até então vinham dando lucratividade à nação.

O partido chinês entendeu que a presença de instituições empresariais democráticas no país

poderia vir a ameaçar seu regime, de forma que como a China se encontra devidamente

fortalecida economicamente, o governo optou por endurecer sua posição perante as empresas

estrangeiras e adotar investimentos preferenciais para as empresas nacionais, aspecto este

ressaltado por Fogel (2010). Além da ameaça ao regime, o governo possui outro argumento

forte para subsidiar certos setores de produção nacional, principalmente ao se tratar de

empresas estatais. O interesse governamental de controlar este setor é ter facilidade de acesso

recursos e utilizá-los da forma que entenderem melhor, além de que, obter o controle do setor

mais lucrativo do país garante que seus governantes continuem no comando das decisões

chinesas.

Dentro desta perspectiva de análise empresarial na China, Fogel (2010) acredita ser correto

afirmar que os Estados Unidos facilitaram o crescimento e desenvolvimento da economia

desta potência asiática. A nação norte-americana tentou alavancar seu crescimento baseando-

se em exportações, inclusive de suas próprias indústrias para o território chinês, projeto este

que foi concretizado de forma satisfatória a ponto de inundar a China, como alguns outros

países asiáticos, de investimentos, auxiliando o processo de industrialização. Em contraponto,

muitos investimentos internos que deveriam ser feitos nos Estados Unidos foram deixados de

lado, fato este que, somado à parcela de produção industrial absorvida pela China, somente

serviu para aumentar o déficit comercial norte-americano.

Os Estados Unidos não desfrutam atualmente de um ápice econômico, de forma contrária,

vem apresentando cada vez mais patologias que enfraquecem seu Estado. Os anos dourados,

de acordo com Pieterse (2009), do capitalismo norte-americano tiveram sua alta entre 1955 e

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1980, quando a classe média cresceu rapidamente diminuindo a desigualdade de rendas. Esse

período foi marcado por uma explosão econômica no pós-guerra, uma política moderada e

facilitação na cooperação entre democratas e republicanos. Esse momento pode ser entendido

como uma prévia da estabilização dos Estados Unidos como uma potência com poder superior

às outras nações após o fim da Guerra Fria. Apesar da afirmação de Waltz (2000), em sua

teoria neo-realista, de que o cenário no momento da vitória capitalista era unipolar, é através

da definição de poder de Nye (2002) que se torna possível entender que os Estados Unidos

tinham vantagem de poder sobre todas as outras nações, mas não podiam se encarados como

hegêmona global.

O cientista político Nye (2002) entende que poder “é a capacidade de obter os resultados

desejados e, se necessário, mudar o comportamento dos outros para detê-lo” (2000, pg. 30),

mas conjuga esta idéia com a utilização dos conceitos de soft-power 4 e hard-power5, já que

acredita que o domínio destes dois tipos de poder facilita o alcance da posição de potência

mais poderosa no sistema internacional. Para desenvolver melhor este conceito, Nye (2002)

explica que um Estado precisa possuir forças militares de grande escala a ponto de poder

forçar outro Estado a se comportar de acordo com seus interesses, mas também deve

conseguir obter tal comportamento através de relações diplomáticas. De acordo com essa

definição, Nye (2002) menciona que é importante entender o conceito de hegemonia para

definir se nesse período pós-Guerra Fria, os Estados Unidos poderiam ser considerados como

nação hegemônica. O cientista então pontua que para que um país seja hegemônico é

necessário dominar as regras que conduzem o sistema ou alterar a ordem do comércio

internacional, nesse caso os Estados Unidos não podem ser considerados como hegêmona

global.

4 Termo desenvolvido pelo porfessor Josph Nye, em 2004, o conceito implica na idéia de que é possível influenciar nações a agirem de acordo com o interesse de outras nações sem o uso da força, utilizando-se apenas de meios políticos e diplomáticos. O sucesso da utilização desse tipo de poder depende em larga escala da reputação do ator que o empregará.

5 Este conceito está diretamente ligado ao uso da força ou do constrangimento para obtenção de resultados por parte das nações. Atitudes de força bruta, punição e recompensa são consideradas opções dos Estados para alterar decisões tomadas por nações rivais.

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Esse pensamento pode ser complementado pela teoria da estabilidade hegemônica, de Robert

Keohane (1986), uma vez que este prega que um sistema econômico internacional

relativamente aberto e estável tem mais chances de sobreviver na presença de um Estado

hegemônico, porém o teórico assume que este Estado deve apresentar certas características,

como a posse de recursos financeiros necessários para o exercício da liderança, assim como a

vontade para implementar políticas necessárias para a criação e manutenção da ordem

econômica liberal. Essa potência maior deve servir então como um orientador do sistema

internacional, utilizando-se de solidez para garantir o fluxo positivo dos outros Estados. Dessa

forma, os Estados Unidos precisariam apresentar injeção de liquidez financeira para resolver

crises no sistema, servir como mercado em momentos de recessão na economia de outros

países, demonstrar responsabilidade para com a preservação da paz e pré-disposição para

cumprir sacrifícios em nome da preservação do sistema. Em resposta, os Estados Unidos se

apresentam como o maior Estado devedor no cenário internacional, portador de índices de

importação muito superior aos de exportação, em início de processo de desindustrialização e

queda nos níveis de emprego, além do fomento à guerra.

A soma dessas exigências de Keohane (1986), com a definição de hegemonia dada por Nye

(2002), colocam os Estados Unidos como uma potência de poder superior às outras, mas não

como hegêmona global. Utilizando-se da informação de que na teoria realista de equilíbrio de

poder, de Mearsheimer (2001), sempre que uma potência desponta no sistema internacional

haverá uma tentativa de balanceamento, este artigo continuará a focar nas características da

China como país em constante crescimento de forma a concluir se os fatores apresentados

poderão ou não embasar esse equilíbrio de poder sino-americano.

O tamanho do território chinês deve ser destacado para a análise da China como uma potência

balanceadora. De acordo com Hessler (2010), em 1920 a China iniciou o primeiro programa

de impulso para a construção de estradas como medida paliativa para a seca que assolava o

país e que provocou uma escassez de alimentos. Mais tarde o governo entendeu que não

somente para solucionar crises a construção de rodovias era interessante, mas a melhoria de

transportes em si seria uma alternativa para a escassez de recursos naturais que a China

apresenta. Somente em rodovias, a China projeta superar os Estados Unidos em

quilometragens construídas até 2020, segundo a pesquisa feita por Hessler (2010). O motivo

real para um debate acerca da melhoria de transportes na China deriva da chamada rota da

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seda6, uma vez que esse projeto visa o abastecimento do território chinês com recursos

naturais que servirão para sustentar a produção em larga escala nas fábricas. De forma

pacífica, a China está utilizando-se deste projeto para diminuir a influência russa no

continente asiático e instaurar maior importância em seu território, já que o modelo escolhido

para a construção das linhas ferroviárias chinesas são os mesmos que o europeu, incluindo as

bitolas7 dos trens, deixando o modelo da ferrovia transiberiana obsoleto. Além disso, a lacuna

deixada pela ex-URSS possibilitou que o mercado chinês se prolongasse até os árabes,

fazendo com que a China se adapte à produção de diversos padrões de produtos para atender

variados consumidores e assim aumentando sua influência dentro do Oriente.

O problema de escassez de recursos naturais é um problema que preocupa o governo chinês,

porém este encontrou nas alianças formas de amenizar essa dificuldade. Dambisa Moyo

(2010) destaca que a China é atualmente o maior investidor na África e defende que essa

presença é benéfica, uma vez que o governo chinês não interfere nas vontades do governo

africano e nem é arbitrário em relação aos gastos de capitais, porém essas alianças podem ser

vistas como investimentos futuros, uma vez que a China deseja propagar ao máximo seus

ideais e recrutar aliados. Neste caso, muitos autores defensores da teoria neo-realista, como

Mearsheimer (2001), irão acreditar que as alianças buscadas pela China têm como objetivo

não somente de garantir sobrevivência, mas também uma tentativa de fazer com que a balança

de poder mundial penda para seu lado.

Segundo a visão de Zakaria (2008), a China viu a necessidade de sua participação em

instituições internacionais como a OMC (Organização Mundial do Comércio), FMI (Fundo

Monetário Internacional) e Banco Mundial, além da participação de tratados, como o próprio

Protocolo de Kyoto8. O foco principal não era moldar seu comportamento de acordo com os

padrões estabelecidos por estas organizações, mas sim auxiliar na abertura de sua economia e

propagar sua imagem para outros países, porém as regras estabelecidas por estas instituições

no ato da adesão chinesa não estão sendo cumpridas pela nação asiática. Apesar de buscar

alternativas para a diminuição de sua parcela de emissão de gases prejudiciais ao meio-

ambiente, a China se utiliza do conceito de país em desenvolvimento para evitar uma

6 Projeto de implementação de vias ferroviárias com trens de alta velocidade, ligando 17 países ao território

chinês, incluindo Mianmar, Tailândia, Singapura e Vietnã. 7 Largura da via - férrea.

8 Tem como objetivo firmar acordos de redução na emissão de gases-estufa na atmosfera, com foco nos países

industrializados. O tratado também busca criar formas de desenvolvimento para os países em pleno desenvolvimento que sejam menos impactantes ao meio-ambiente.

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diminuição em sua industrialização, o que conseqüentemente, diminuiria sua produção e

desaceleraria sua economia. Fato este que se ocorrer diminuirá as chances de um

balanceamento de poder por parte da China. Mas a China não burla somente as orientações do

Protocolo de Kyoto, mas também atua de forma negligente com outras organizações,

mantendo sua posição diante da Guerra Cambial.

A Guerra Cambial é definida pela desvalorização da moeda nacional chinesa, Yuan, com

propósito de ganhos na competição de produtos produzidos internamente sobre os produtos

importados, além de aumentar sua parcela de exportações, uma vez os produtos chineses

permanecem mais baratos que os de qualquer outro Estado. Essa definição é dada por

Bergsten (2010), assim como a explicação do mecanismo utilizado pelo governo para manter

a moeda inferiormente valorizada em relação ao dólar. O governo chinês autoriza a compra de

aproximadamente 1 bilhão de dólares por dia no mercado de câmbio, o que atualmente faz

com que a China ocupe o lugar de país detentor da maior quantia de reservas cambiais do

sistema internacional. Essa medida artificial contraria as normas das instituições citadas

anteriormente, já que para a OMC, além de protecionista, essa ação pode ser traduzida como

um subsídio para os produtores nacionais, o que é estritamente condenado pela organização.

Além desta, o FMI também defende a valorização do Yuan perante o dólar, entendendo que

além de agravar a crise americana, aumentando seu déficit na balança comercial, o

desemprego desencadeado dentro dos Estados Unidos também é uma conseqüência desta

medida artificial.

A crise ocorrida em 2008 e que culminou na recessão da economia norte-americana foi

causada por um estímulo ao crédito, de acordo com a definição de Pieterse (2009). O banco

central americano, Federal Reserve, agravou o cenário da economia americana ao permanecer

com as taxas de juros muito baixas e dessa forma, incentivando o crédito, aumentando a

liquidez e permitindo a aquisição de empresas por outras companhias que não possuíam a

quantia necessária de capital disponível. Junto deste panorama, a crise do mercado

imobiliário foi agravada pelo refinanciamento da hipoteca por parte de muitos cidadãos norte-

americanos com intuito de pagarem suas dívidas, renovação esta que não foi suportada pelo

sistema. A crise levantou a questão de interdependência das economias norte-americana e

chinesa, ponto este debatido por Zakaria (2008), pois em 1995, 5% dos produtos vendidos nas

redes de varejo americanas eram chineses e atualmente esse índice subiu para 50%. Grande

parte do dinheiro gasto pelos americanos em suas compras volta aos cofres americanos

através da compra dos títulos do Tesouro Americano pelo governo chinês. Sendo assim, essa

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dinâmica opera com a China necessitando dos Estados Unidos por serem seus maiores

importadores enquanto a nação norte-americana entende que a potência asiática auxilia no

financiamento de sua dívida externa.

Um ponto importante levantado por Bremmer (2010), em relação à crise de 2008, é que a

China se reergueu de forma rápida e estruturada, demonstrando a validade do sistema chinês,

que rejeita o livre mercado de acordo com os princípios norte-americanos, mas é adepto de

um capitalismo de Estado. A China passou a focar no fortalecimento do consumo interno para

diminuir a dependência de sua economia, ato este que deve ser feito com cautela, não somente

para evitar desequilíbrios na economia mundial, mas também porque a estrutura de produção

chinesa ainda precisa se organizar o suficiente para atender o consumo de sua população. Não

só economicamente o governo chinês busca a estruturação, mas também na área da segurança.

A China apresenta atualmente um investimento militar equivalente a 13% do capital total

investido pelos Estados Unidos em seu exército. Segundo Bremmer (2010), o valor é

diminuto, além de que as tecnologias e treinamentos empregados pelos norte-americanos são

muito superiores, fazendo com que um embate real entre esses exércitos não represente uma

estatística favorável em relação à frente militar chinesa, porém a potência asiática conta com o

Exército de Libertação Popular, o maior do mundo em número de integrantes, além de possuir

um arsenal de armamentos nucleares. De acordo com as teorias realistas a serem discutidas,

os conceitos de território, dimensão populacional e armamentos nucleares são fatores que

contribuem para que um país seja considerado poderoso no sistema internacional, e que assim

seja visto como um possível balanceador de poder. O fato de se estabelecerem em continentes

diferentes, separados por oceanos, dificulta a idéia de um embate direto, mas as capacidades

militares chinesas, juntamente com sua influência sobre as nações aliadas no Oriente dificulta

qualquer pressão feita por parte dos Estados Unidos contra a China dentro do continente

asiático.

Mesmo com todo este investimento, certos aspectos da segurança norte-americana não podem

ser cobertos, como os atentados de 11 de setembro de 2001. Perante os danos sofridos devido

à violência das organizações terroristas, a política americana se desestabilizou, culminando na

Guerra do Afeganistão, fato que afetou a imagem dos Estados Unidos no cenário

internacional, além de tornar turbulentas alianças estabelecidas pelos norte-americanos,

devido à divergência de opiniões. É importante atentar para o fato de que a invasão ao

território afegão foi contra os princípios da Organização das Nações Unidas, já que esta prega

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medidas que estabeleçam a paz no sistema internacional. Para certos autores, como Stein

(2002), a realidade do terrorismo está ligada ao fenômeno da globalização. Essa lógica se

deve ao fato de que as redes de terror são independentes do funcionamento dos Estados e das

instituições, se beneficiando através da facilidade de locomoção, comunicação e do

desenvolvimento tecnológico.

O fenômeno da globalização se contextualiza com a dinâmica de disputa pelo poder

contemporânea. Para Huntington (1997), “o mundo está se tornando um lugar pequeno e,

portanto, a interação entre as civilizações está aumentando, elevando também a consciência

das diferenças civilizatórias e impulsionando a animosidade entre grupos” (1997, pg. 54).

Dessa forma, o mundo sempre precisará optar por um dos lados combatentes quando

diferentes ideais se chocarem, ou então a nação mais poderosa irá impor sua vontade sobre

todas as outras. Esse fenômeno pode atingir várias esferas do sistema, situação essa defendida

por Landau (2001), que pontua o fenômeno como multifacetado, multidimensional e

diretamente ligado às esferas econômica, política e cultural, influenciando pessoas, assuntos,

organizações e empresas para além das fronteiras nacionais. Dentro desta discussão é possível

perceber a necessidade de balanceamento de poder por parte das nações que não desejam ter

seus ideais destituídos por potências mais fortes, mas para que essa dominação seja evitada é

preciso dispor de todos os recursos de poder possível, como os anteriormente citados neste

artigo.

3. TEORIAS: REALISMO E NEO-REALISMO

A análise do balanceamento de poder entre China e Estados Unidos será relacionada às teorias

realista e neo-realista, uma vez que estas poderão demonstrar a dinâmica da divisão de poder

mundial através do comportamento racional dos Estados. Dentre as teorias trabalhadas, a

principal a ser abordada será a do equilíbrio de poder através da perspectiva neo-realista

apresentada por John Mearsheimer (2001), a qual será complementada pela visão do também

neo-realista Kennethy Waltz (1979) e do teórico realista Hans Morgenthau (2003). O analista

Sarfati (2005) acredita ser importante destacar que para os autores defensores das visões

realista e neo-realista, o poder é o elemento central de análise e este pode ser identificado pela

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soma das capacidades políticas, econômicas, tecnológicas e militares de um Estado ou através

de uma comparação com o poder de outras nações.

Dada a definição de quais teorias serão relacionadas com esse artigo, se torna importante

diferenciar a linha de raciocínio realista, de Hans Morgenthau (2003), dos neo-realistas

Kennethy Waltz (1979) e John Mearsheimer (2001). Para os realistas, o Estado é um ator

único no sistema internacional, visto com unitário e racional, dessa forma se compreende que

nenhum ator internacional não-estatal tem valor no cenário mundial, além de que os Estados

se manifestam através de sua política externa sem preocupações com a opinião doméstica e

todas as suas ações visam fins lucrativos. Para os defensores da visão realista, a segurança é o

principal assunto na agenda internacional, mas sempre tendo em vista de que as ações das

nações são motivadas pelos interesses nacionais com foco no aumento de poder. A teoria se

baseia na tentativa de explicar a realidade como ela realmente é e não com deveria ser e por

isso busca razões para as causas e conseqüências dos conflitos.

A teoria neo-realista, que surgiu posteriormente, defende que no sistema internacional não há

espaço para cooperação por livre vontade dos Estados, mas que a prioridade destes é a

sobrevivência dentro do sistema internacional. O cenário mundial mantém o perfil de não

possuir um agente regulador superior a todos os outros Estados. Essa teoria também prega que

o sistema internacional é o resultado das interações entre atores estatais e não-estatais, sendo

este segundo tipo não tão relevante quanto as nações, enquanto estas têm suas funções

estabelecidas de acordo com seus recursos e capacidades disponíveis, e dessa forma é possível

determinar o patamar de importância de cada Estado dentro do cenário mundial.

3.1. Waltz e a Balança de Poder.

Para este artigo, a questão principal das teorias escolhidas é a discussão acerca do

balanceamento de poder, assunto este que foi analisado por Waltz (1979). O teórico neo-

realista entende que o cenário internacional é anárquico e descentralizado e que esta dinâmica

produz um ambiente competitivo entre os Estados, classificados como atores racionais, que

além de desejarem sua sobrevivência, podem agir com objetivo de eliminação de nações

rivais. Por ter uma visão com foco na segurança dos Estados, Waltz (1979) acredita que o

importante para identificar a força de um ator estatal seja a análise da distribuição de suas

16

capacidades, enfatizando na qualidade de liderança do exército, treinamento, soldados,

capacidade bélica, tecnológica e econômica, porém estas devem ser analisadas em conjunto e

de forma comparativa com outras nações do sistema internacional.

Um dos pontos concluídos por Kennethy Waltz (1979) em sua teoria é de que em um

ambiente anárquico, os Estados vêem a guerra como resultado de sua natureza, já que por

serem todos soberanos os mais poderosos definem se farão uso da força contra os Estados

mais fracos, e como o teórico entende que a vontade mínima de todo Estado é a preservação

de si próprio, estratégias militares e econômicas são utilizadas para gerar um balanço de

poder. O teórico acredita que alianças também são instrumentos facilitadores desse balanço, já

que podem auxiliar na maximização do poder ou para evitar sua perda, dessa forma, Waltz

(1979) defende que o balanceamento não é realizado de forma automática, como acredita

Hans Morgenthau (2003), pois os Estados analisam se o mais vantajoso não seria uma união

com uma potência mais bem colocada dentro do sistema internacional, união esta classificada

como bandwagon.

Para que o bandwagon ocorra, na visão de Waltz (1979), é necessário que uma potência,

mesmo que regional, já esteja estabelecida e assim os outros Estados sem força para um

balanceamento de poder se unam a esta para atingir o máximo de benefícios possíveis, sendo

esta estratégia uma alternativa para os Estados secundários, principalmente quando há Estados

fortes de coalizões próximas às suas no sistema internacional. Ao discutir um agrupamento de

Estados causado pelo bandwagon, Waltz (1979) levanta a questão da divisão de poder no

cenário internacional, explicando os ambientes de multipolaridade, bipolaridade e

unipolaridade, onde o teórico acredita que em um cenário unipolar, os Estados tendem a

balancear entre si de forma a diminuir a força da potência mundial e que no ambiente

multipolar, os agrupamentos em torno dos Estados mais fortes irão se balancear, criando

vários pólos de poder no sistema internacional.

Se as nações eram de fato as unidades imutáveis sem vínculos permanentes entre si, e se todas foram motivadas principalmente por uma unidade de maximizar o seu poder, com exceção de um balanceador único, cujo objetivo era impedir qualquer nação de alcançar o poder preponderante, talvez pudesse resultar em um equilíbrio de poder. (WALTZ, 1979, p.119)

Waltz (1979) traduz a definição de poder como algo medido pelas capacidades conjugadas

que os Estados têm em seus setores políticos, econômicos e militares, explicitando a

importância do desenvolvimento da capacidade econômica para a segurança de uma nação. O

neo-realista entende que o sistema anárquico por si só já é estável, uma vez que leva a uma

17

ordem natural dos Estados, porém ele considera que a divisão de poder mais equilibrada seja a

bipolar, pois a balança dificilmente penderá de forma desproporcional para o lado de um

Estado, já que estes terão um mesmo nível de poder. Já a ordem da multipolaridade é

enquadrada como um distúrbio no balanço do poder, uma vez que várias nações tentando

utilizar-se de barganha para atingir seus objetivos podem trazer instabilidade para o sistema

internacional, ao passo que somente uma potência retendo a maior parcela de poder

diminuiria a soberania dos outros Estados, fazendo com que esta superpotência se tornasse a

única reguladora, além de que nesta divisão os outros Estados tenderiam a continuar tentando

balancear o poder desta potência única.

3.2. Equilíbrio de poder através da visão de Mearsheimer

Outra teoria neo-realista é apresentada por John Mearsheimer, em A Tragédia da Política das

Grandes Potências (2001), e se resume na incessante busca das grandes potências por

oportunidades de conquista de maior poder, tendo a hegemonia como foco principal. Dessa

forma o teórico é levado a classificá-las, em sua maioria, como potências revisionistas, ou

seja, com intenção de alteração no status quo. Para ele, a justificativa do comportamento das

grandes potências pode ser encontrada na combinação de cinco elementos.

O primeiro ponto levantado por Mearsheimer (2001) é a anarquia do sistema internacional,

uma vez que a soberania dos Estados se justifica pela ausência de um agente regulador

superior à autoridade de qualquer nação, o que, para a visão neo-realista não corresponde a

um ambiente desordenado. Um segundo aspecto é o fato de que toda grande potência

apresenta uma considerável capacidade militar ofensiva, comprovação esta que leva a

conclusão de que um Estado pode vir a atacar seu inimigo. Logo após essa consideração, o

teórico destaca que as nações podem ser instáveis e imprevisíveis, fazendo com que seja

difícil para um Estado estar seguro em relação às intenções de outro. Este terceiro aspecto está

diretamente ligado à capacidade militar, uma vez que a imprevisibilidade só é temida se o

inimigo possui armas para atacar.

Uma quarta hipótese levantada no texto é a de que todo Estado busca sua sobrevivência no

sistema internacional, onde para todo ator internacional soberano, a primazia é a integridade

territorial e a independência de sua política interna. Sendo assim, os Estados baseiam ações

18

em suas vontades, aumentando a insegurança de outras nações. O quinto elemento se

apresenta como a racionalidade dos Estados, com a qual se manifestam de diferentes formas

para garantir sua sobrevivência no ambiente externo, sendo que este último elemento deixa

explícito que as ações dos Estados no ambiente internacional impactam diretamente no

comportamento dos outros atores internacionais soberanos, seja este ofensivo ou defensivo.

John Mearsheimer (2001) afirma que estas hipóteses só apresentam caráter ofensivo se forem

analisadas em conjunto.

A análise do teórico apresenta o conceito da auto-ajuda, uma vez que os Estados, priorizando

sua sobrevivência, buscam fazer alianças temporárias. Entende-se que estas alianças são feitas

baseadas em interesses comuns momentâneos e não haverá obrigação de continuidade desta

relação em um futuro próximo, já que cada Estado optará pelo seu interesse próprio.

Simulando a insegurança dos Estados, esta teoria entende que os Estados compreendem que a

melhor maneira de assegurar sua sobrevivência é se tornando a potência mais poderosa do

cenário internacional e que para obter essa maximização de poder, deve-se utilizar de diversos

campos como o econômico, militar e até mesmo diplomático.

Sobre a dinâmica da busca pelo poder, Mearsheimer (2001) afirma que a única forma de uma

potência parar de lutar por poder é se tornando a hegêmona do sistema. Essa afirmação é feita

sob a condição de que não é possível mensurar o exato poder de outra potência, além da

dificuldade de prever de que forma serão aplicados os recursos de um Estado em um tempo

futuro. Dentro da questão de hegemonia global, esta teoria neo-realista acredita que mesmo

que uma potência não possua recursos suficientes para alcançar o domínio sobre todos os

outros Estados, esta deve sempre focar na maximização de poder, evitando assim que um

número maior de Estados possa vir a ameaçá-la. Um ponto comum nas teorias neo-realistas é

o fato de que os Estados vão sempre se preocupar com os ganhos relativos. Este conceito se

baseia no fato de que mesmo que uma nação conquiste determinado poder, esta deve se

preocupar com o ganho de seus inimigos, buscando sempre a lógica do equilíbrio de poder

dentro do sistema internacional. Portanto, esse Estado deve renunciar a ganhos exorbitantes

de poder caso a alteração das capacidades de seu inimigo seja ameaçadora.

Neste modelo de análise, uma potência que possua uma quantidade superior de poder em

relação à outras nações pode ter seu comportamento agressivo justificado já que não precisa

temer retaliações por parte de outras potências. Ao contrário desta, as potências com

quantidade inferior de capacidades preferem buscar defender o equilíbrio de poder instaurado,

19

já que ao se lançar em disputa com um Estado mais poderoso, a potência menos favorecida

pode perder ainda mais seu status quo. Nesta ótica, nenhuma potência deve se lançar a uma

disputa caso julgue maiores as chances de prejuízo. Sendo assim, cada vez que a oportunidade

de galgar uma melhor posição no sistema internacional surgir, o Estado deve analisar se seus

benefícios são superiores às possíveis perdas.

A definição de um Estado hegemônico pode ser compreendida como uma nação tão poderosa

capaz de dominar todos os outros atores soberanos, sendo assim representada como a única

grande potência, já que se esta nação for somente mais forte que as demais, ainda podendo ser

balanceada, não poderá ser considerada como hegemônica. O autor Mearsheimer (2001)

conceitua que “hegemonia significa dominação do sistema, o qual é geralmente interpretado

como significando o mundo inteiro” (2001, pg. 53). Dentro da classificação de hegemonia, o

teórico apresenta as divisões dos hegêmonas regionais e global, no qual o primeiro deve ter

total dominação regional o e o segundo deve comandar por completo todos os Estados do

Sistema Internacional.

O empecilho ao hegêmona global deve-se ao poder parador das águas, onde Mearsheimer

(2001) discute sobre a dificuldade de expansão de poder imposta pela existência dos oceanos,

somente podendo servir como exceção a nação dotada de grande vantagem em relação aos

armamentos nucleares, mas então esta não precisaria demonstrar sua força, uma vez que todos

os outros Estados a considerariam um hegêmona global. Dentro desta discussão de armas

nucleares e sua influência sobre o poder exercido pelos Estados detentores, Waltz (2000)

desenvolveu a lógica de que se mais de uma nação possui tecnologia nuclear, isso dificulta o

uso desse tipo de armamento. Essa dificuldade é dada a partir do momento em que não é

possível garantir que o ataque de um Estado irá destruir todo o arsenal de ogivas de seu rival,

ao passo que o Estado vitimado provavelmente reagiria com o mesmo uso de armamento

nuclear. Portanto, somente uma nação detentora de quantidade muito superior de tecnologia

nuclear poderia exercer domínio através do amedrontamento das outras potências.

Já sobre os hegêmonas regionais, seu foco maior é impossibilitar que outras nações façam

frente ao seu poder mesmo que localizadas em continentes distintos, preferindo então a

existência de duas potências equivalentes em um mesmo bloco, uma vez que elas se

balancearão e se manterão preocupadas em disputar entre si ao invés de tentar se equilibrar

com o outro hegêmona regional. A situação ideal colocada pelo teórico é que um Estado com

hegemonia regional se tornaria uma potência situacionista, mas assim que houvesse um rival à

20

sua altura, esta potência assim deixaria de ser classificada e passaria a buscar todas as formas

de enfraquecer a outra potência regional, significando que sempre que ocorresse uma

equiparação de forças, esta se tornaria uma competição pelo poder.

Pertinente à discussão desta pesquisa, um dos pontos levantados por John Mearsheimer

(2001), é de que um Estado acuado irá buscar um aumento de sua segurança, mesmo que

tenha que se fazer valer de políticas arriscadas e este medo de um Estado justifica o início de

um período de tensões que pode levar à guerra, uma vez que as nações envolvidas podem

utilizar suas capacidades militares umas contra as outras. Para compreender quão ameaçador

pode ser o uso do poder, o teórico neo-realista pontuou dois tópicos baseando a capacidade de

poder de uma nação na dimensão de sua população e em seu nível de riqueza, já que estes

elementos compõem uma possível grande força militar. Em contraponto, a teoria acredita que

potências separadas por oceanos não temam umas as outras de forma exagerada, uma vez que

o embate direto, através de invasões territoriais, é dificultado pelo acesso limitado.

O poder potencial de um estado tem por base a dimensão da sua população e o nível de sua riqueza. Estes dois ativos são os principais alicerces do poder militar. Rivais ricos com grandes populações são geralmente capazes de construir forças militares terríveis. O poder real de um estado assenta fundamentalmente no seu exército e nas forças aéreas e navais que o apóiam diretamente. Os exércitos são o ingrediente central do poder militar, uma vez que constituem o principal instrumento de conquista e domínio de território. (MEARSHEIMER, 2001, p. 56)

As dinâmicas de divisão do poder mundial também afetam diretamente no medo e

insegurança das potências. Para John Mearsheimer (2001), a divisão da bipolaridade entre as

potências é a que gera menor nível de insegurança entendendo-se que a proximidade de

capacidades de poder entre estas é maior do que em um sistema multipolar. Neste sistema

multipolar, as disparidades de poder entre nações podem ser menos drásticas caso não haja

um Estado hegemônico em ascensão, classificando-se como multipolaridade equilibrada, mas

caso uma potência desponte, esse será o ambiente que proporcionará maior insegurança entre

os envolvidos, sendo chamando de mulitpolaridade desequilibrada.

Potências, como já mencionado anteriormente, são Estados racionais dotados de recursos

abundantes, que primam pela maximização de seus ganhos, o que corresponde à sua parcela

de poder no cenário internacional. Sendo assim, estes não têm interesse de estabelecer rígidos

critérios ao formarem alianças em situações de tensão, não focando em regimes de governo ou

visões futuras semelhantes, mas somente em criar uma união motivada pelo desejo de

combater ou conquistar determinado fim que só poderá ser obtido através de junção das

capacidades. Com a mesma lógica egoísta, pode-se afirmar dentro da teoria neo-realista que

21

as potências não estão preocupadas em manter um ambiente internacional estável, mas sua

busca por poder acaba gerando equilíbrio entre as forças, resultando assim em um ambiente

de ordem.

O fator da cooperação é também um ponto especulado na teoria de Mearsheimer (2001), pois

para o neo-realista, as maiores dificuldades de operar um sistema de cooperação são os

ganhos relativos e o medo de armadilhas. Caso os Estados foquem nos ganhos relativos ao

invés dos absolutos, a cooperação fica dependente da concordância de ambos os Estados, já

que primeiramente eles devem analisar se o ganho do outro afetará seu próprio status quo

futuro. Através dessa lógica é possível pensar na Balança de Poder, onde o sistema

internacional será organizado pelos próprios Estados de modo a evitar grandes alterações

inesperadas no nível de poder de seus participantes. As armadilhas também são enquadradas

como um obstáculo para a cooperação, já que ao se acordar tratados de cooperação, os

Estados sempre estarão sujeitos à possível deserção da outra nação e esta última pode assim se

comportar com objetivo de conseguir algum tipo de vantagem, especialmente em casos

baseados em acordos militares, os quais proporcionam uma virada imediata de capacidade de

poder e conseqüentemente, na alteração do status quo das potências.

O debate realista da teoria de John Mearsheimer (2001) sobre equilíbrio de poder precisa de

uma conexão com os fatores que contribuem para a formação de uma potência no sistema

internacional. Sendo assim, um Estado, para o teórico, precisa ser dotado de poder latente e

militar para ser entendido como potência. A definição de poder latente compreende os fatores

sócio-econômicos que auxiliam na obtenção do poder militar, como a dimensão de sua

população e seu nível de capital e recursos disponíveis para utilização. Portanto, o poder

latente é uma exigência para a manutenção do poder militar. Já o poder militar puramente

analisado, compreende as forças militares do Estado e de que forma estas se comportam se

comparadas a outros Estados, destacando que ao se falar de poderio militar, a questão

principal é o peso e impacto do exército de cada nação, uma vez que as forças

complementares, como aéreas e navais, servem como suporte.

A lógica que esta teoria abrange é de que apenas potências com grandes populações podem

vir a se tornar referência em poder militar, já que não somente os recursos financeiros

aplicados são importantes, mas também o tamanho do seu exército frente aos outros. Além

deste ponto, Mearsheimer (2001) argumenta que somente grandes populações podem vir a

gerar riqueza abundante e que é através desta que se ergue uma frente militar de impacto. Para

22

analisar essas proporções de população, geração de recursos e suas aplicações, o neo-realista

busca medidores para averiguar quais potências tem maior impacto no cenário internacional,

como o PIB.

3.3. Hans Morgenthau e o realismo defensivo

A visão realista focando na explicação da divisão de poder mundial é contemplada por um

teórico que apresenta pontos especificamente relevantes para esta pesquisa. Hans Morgenthau

(1948) acredita que o próprio desejo de alcançar cada vez mais poder por parte das potências

leva ao conceito de equilíbrio de poder. A segurança é um ponto-chave na análise deste autor

que é classificado como defensivo, assim como Waltz (2000) e se diferenciando de

Mearsheimer (2001), que é classificado com ofensivo. A diferença entre estes dois termos está

nas atitudes tomadas pelos atores para maximizar sua segurança, pois enquanto os defensivos

crêem em uma preservação do equilíbrio já existente de poder, os ofensivos optam pela

maximização de sua parcela do poder mundial.

Para este autor, as formas mais propícias para que o equilíbrio de forças ocorra são as de

oposição direta e o ambiente de competição. Em um contexto de oposição direta, um Estado

mede forças com outro Estado de forma direta, onde este segundo pode optar por defender o

status quo já estabelecido ou tentar uma ação expansionista, em resposta ao comportamento

agressivo da primeira nação. Como mencionado na teoria de John Mearsheimer (2001), uma

potência deve analisar principalmente suas capacidades ofensivas antes de se lançar a uma

tentativa de domínio de um Estado rival, uma vez que um erro de cálculo pode alterar por

completo sua posição global. Já em um ambiente de competição, um mesmo Estado pode

sofrer pressão de diversos outros Estados, uma vez que uma potência não se preocupa

somente com um rival, mas sim com qualquer outra nação que possa interferir em seus

objetivos de alcance de poder.

Morgenthau (2003) acredita que, mesmo fora do conceito de equilíbrio natural, seja possível

obter influência através de outros métodos. Suas explicações mais clássicas são dadas através

das alianças e dos armamentos, onde é possível fazer uma ponte com os esclarecimentos da

teoria de Mearsheimer (2001). Para ambos os teóricos, as alianças são opções de exercer um

balanceamento, mesmo que estas não sejam duradouras e sirvam apenas para se conquistar

23

um objetivo próximo que só pode ser alcançado através de um acúmulo de poder. Sendo

assim, as potências precisam somente de um objetivo em comum e não exatamente um perfil

semelhante, uma vez que podem se tornar inimigos futuros. Uma segunda escolha seria o

acúmulo de armamentos, significando um aumento das capacidades militares de um Estado,

visão esta também compartilhada por ambos os realistas. Na esfera das teorias realistas, um

Estado só garante sua sobrevivência através do aumento vantajoso de poder em relação às

outras potências, evitando assim ameaças ou incertezas. Esta alternativa, proposta por

Morgenthau, pode assegurar um Estado não somente de garantir sua sobrevivência, mas

também de equilibrar as forças dentro do sistema internacional.

Todos os pontos utilizados por Hans Morgenthau (1948) para consolidar as teorias da balança

de poder são justificados pelo fato de que as ações de um Estado são guiadas pelas decisões

de seu estadista, que buscará de forma racional a defesa dos interesses nacionais, sendo este

interesse traduzido por maior quantidade de poder e, portanto, segurança. A prudência deve

ser levada em consideração pelo tomador de decisão de um Estado, evitando assim que seus

atos sejam guiados pelo ímpeto da conquista, uma vez que as teorias realista e neo-realista

julgam a racionalidade como elemento essencial para a segurança de uma nação.

Como os demais autores, Waltz (1979) não se difere ao acreditar que mesmo em um sistema

anárquico, as decisões dos Estados motivadas por seus interesses nacionais provocam uma

diminuição do nível de segurança internacional, levantando assim a hipótese de que a única

forma de melhorar a previsibilidade de ações de nações rivais é através do estudo da

distribuição das capacidades de poder, unindo-se ao conceito de John Mearsheimer (2001),

que observa o poder latente e militar antes de atacar. Além desta premissa, o teórico defende

que o ator que deve sempre reter o poder é o Estado, entendendo que este é o único soberano

de fato e também o único tomador de decisão de real influência.

Para as visões realista e neo-realista, a vivência em um ambiente anárquico e racional mantém

os Estados com comportamento padronizado através do interesse nos ganhos. Esta entende

que o conceito de auto-ajuda auxilia na manutenção da segurança, onde o Estado deve focar

em suas perdas e ganhos. Waltz (1979) defende dessa forma, que os Estados devem ter seus

comportamentos flexíveis durante a participação na Balança de Poder, uma vez que suas

ações irão variar em caso de perda de poder ou fortalecimento deste, sempre focando nos

ganhos relativos, onde a variação do poder do outro também é levada em consideração.

24

Para o teórico John Mearsheimer (2001), a questão do dilema de segurança, desenvolvida por

John Herz (1950), faz parte da explicação do balanceamento de poder através da ótica

ofensiva do realismo. O dilema de segurança pode ser encarado como a situação estabelecida

no sistema internacional sempre que um determinado Estado põe em prática alguma ação para

aumentar seu nível de segurança. Isto ocorre porque, como já explicado anteriormente, o nível

de segurança está diretamente ligado ao nível de poder de uma potência, significando que

quanto maior este poder, seja ele somente militar ou também latente, mais os outros Estados

ficam vulneráveis e, portanto, mais inseguros. A visão realista e racional dos Estados faz com

que estes busquem sempre um aumento de seu poder, mas não há formas de se medir a

quantidade de poder que um determinado Estado precisa obter para se proteger, dessa forma,

outros Estados se tornam inseguros e temem por sua sobrevivência, focando cada vez mais no

aumento de suas capacidades, principalmente militares. Somando este fator à dificuldade de

previsibilidade do comportamento dos atores internacionais, cria-se uma corrida

armamentista.

Para a análise do balanceamento de poder entre China e Estados Unidos, a teoria neo-realista

ofensiva de Mearsheimer (2001) será a utilizada, uma vez que esta compreende que o cenário

internacional suporta a existência de duas potências regionais em continentes diferentes e que

estas irão se balancear através de suas capacidades e alianças com outras nações. Além disso,

Mearsheimer (2001) como um neo-realista ofensivo, acredita que a maximização de poder é a

chave para garantir uma maior segurança para os Estados, e que para esta maximização é

necessário desenvolvimento bélico, militar e econômico, contando também com extenso

território e grande índice populacional, fatores estes que compõem o perfil de uma potência

capaz de balancear o poder de outra. O autor neo-realista, através do desenvolvimento da

teoria do poder parador das águas e da questão dos armamentos nucleares, embasará o debate

que busca definir quais são as ferramentas válidas utilizadas pela China em sua tentativa de

balanceamento de poder com os Estados Unidos.

4. AS CARACTERÍSTICAS BALANCEADORAS DE PODER

Baseando-se no panorama chinês e norte-americano demonstrado anteriormente por este

artigo, juntamente com a teoria neo-realista, do autor John Mearsheimer (2001), esta análise

25

visa investigar se a China dispõe de fatores que a levem a um equilíbrio de poder com os

Estados Unidos, facilitando assim o desenvolvimento de fatores conclusivos para esta

pesquisa.

O ambiente internacional atual é anárquico, portanto não há nenhum ator regulador acima dos

Estados, dessa forma não há como distinguir níveis de poder entre os atores estatais senão a

análise de suas capacidades. Como Mearsheimer (2001) apresentou em sua teoria, os Estados

que buscam conquistar maior parcela de poder são classificados como potências revisionistas,

e assim a China pode ser classificada. A explicação é baseada no fato de que a China continua

a investir constantemente no aumento de sua produção, aquecimento de sua economia,

aumento do investimento no setor militar e desenvolvimento de tecnologia nuclear, galgando

através dessas melhorias uma parcela maior de poder no sistema internacional. O governo

chinês entende que o aumento de sua influência no cenário mundial corresponde a uma menor

possibilidade de dominação por parte dos Estados Unidos e, dessa forma, mais chances de

alcançar seus objetivos.

Como já antes apresentado, de acordo com a teoria do cientista político, Nye (2002), somada

às características da teoria de Mearsheimer (2001), é possível entender os Estados Unidos

como uma potência regional. Classificação esta embasada através dos investimentos feitos no

âmbito militar, da influência exercida na economia mundial, fato verificado pelo impacto da

recessão de sua economia no setor econômico de outros Estados, do desenvolvimento de

tecnologia e principalmente pela referência exercida dentro do continente americano. Após

essa definição clara da posição dos Estados Unidos da América, essa pesquisa ressalta que a

teoria do equilíbrio de poder apresenta um fator chamado conceito da auto-ajuda, significando

que os Estados, cientes de que a sobrevivência é tida como foco principal, se utilizam de

comportamentos egoístas e alianças de curto prazo com intuito de maximizar seu poder. A

China então entende que para se proteger dentro deste sistema internacional é necessário se

aliar a outros Estados, como os do Oriente, visando um aumento de poder e de sua segurança.

É importante destacar que para este artigo, os Estados Unidos da América não são tidos como

hegêmona global, pois, baseando-se na teoria neo-realista, não há uma dominação do sistema

internacional por parte da potência norte-americana, uma vez que essa dominação é

dificultada pelo poder parador das águas, onde Mearsheimer (2001) identifica ser muito

complexo o avanço de poder de um Estado através dos oceanos. Além desta dificuldade, os

Estados Unidos não possuem arsenal nuclear tão superior às outras potências do cenário

26

internacional, o que significa que não pode haver uma dominação por amedrontamento de

outros Estados por parte dos norte-americanos. Através dessa ótica, é possível estabelecer

uma conexão com os armamentos chineses, uma vez que a China também possui ogivas

nucleares, mas estas serão anuladas perante os Estados Unidos. Essa nulidade se dá através de

uma lógica desenvolvida por Waltz (2002), conectada à teoria de Mearsheimer (2001), onde o

teórico prega que arsenais nucleares não têm finalidade se forem equivalentes, já que uma vez

utilizados com intuito de destruir o oponente, podem gerar o efeito contrário e fazer com que

o Estado vitimado também bombardeie a potência agressora.

Como definido na análise das teorias realista e neo-realista, toda potência deve ter

capacidades militares ofensivas, e essas capacidades militares recebem influência de outros

setores. Mearsheimer (2001) entende que potências dotadas de extensos territórios e grandes

populações podem, além de criar grandes exércitos, produzir riquezas que serão a base do

investimento no poder militar. Todos os fatores sócio-econômicos são considerados, para o

teórico, como um poder latente, mas que influi tanto quanto o militar no equilíbrio de poder

no sistema internacional. Neste caso, a China pode ser enquadrada como uma potência dotada

de poder militar, mesmo que inferior aos Estados Unidos, mas também de poder latente, dada

suas características demográficas, analisadas no panorama dos dois Estados. O poder militar

dos Estados Unidos recebe grande destaque em relação aos investimentos feitos pelo país na

área, porém a China não possui grande desvantagem neste aspecto, pois está localizada em

outro continente, separada da potência norte-americana por oceanos. De acordo com a teoria

do equilíbrio de poder, potências regionais separadas pela água dificilmente irão entrar em

choque direto.

A explicação do panorama atual das duas potências apresenta um Estados Unidos fragilizado

por constantes instabilidades em sua política e economia, porém, segundo Pieterse (2009),

essa debilidade não afetou a potência norte-americana a ponto de levar sua influência sobre

outros Estados ou seu poder econômico à posição de irrelevante. Sendo assim, a potência

regional americana deve ser temida, porém a China é capaz de analisar suas possíveis perdas e

ganhos, caso um combate, mesmo que não físico, seja iniciado por ambas as potências. Como

toda potência revisionista, a China precisa pesar o tempo todo se os custos de provocar uma

disputa acirrada por poder pode de fato alavancar seu status quo no sistema internacional.

Essa questão deve ser relacionada com o aspecto trabalhado anteriormente sobre a

interdependência da economia de ambos os Estados. Essa interdependência não deve ser

27

encarada como uma aliança, mas sim como um fator inerente à manutenção do nível de

desenvolvimento econômico de ambas as potências.

Nesse caso, a China deve se preocupar com outros fatores além dos atos de violência por parte

dos Estados Unidos, já que uma ameaça da parte chinesa pode gerar conseqüências como a

quebra deste relacionamento, desestabilizando sua economia que ficaria sem seu maior

importador. Um ponto interessante desta visão é que os Estados Unidos também dependem da

relação com a China para manter o ritmo de sua economia, uma vez que estes são os

financiadores de sua dívida externa e os maiores comprados dos títulos do Tesouro

Americano. Essa interdependência entre as economias, apesar de forçada, acaba por gerar

certa estabilidade entre o relacionamento destas duas potências.

Um aspecto importante no equilíbrio de poder é o de que os Estados são instáveis e

imprevisíveis ao ponto de que, caso se sintam ameaçados, podem buscar aumento de suas

capacidades. O medo é o maior estimulante para o desenvolvimento de formas de proteção

por parte de um Estado e como a teoria utilizada nesta análise é neo-realista ofensiva, essa

proteção se dá através de investimentos em armamentos, ou seja, formas de atacar o oponente.

Nesse caso, tanto a China quanto os Estados Unidos possuem formas de se proteger, mas

como já frisado neste artigo, o exército norte-americano, assim como seus investimentos em

tecnologia e armamentos são bastante superiores aos chineses. Sendo assim, a China deve se

utilizar da maior premissa neo-realista, fazendo uso da racionalidade e evitando atitudes

baseadas no ímpeto da conquista, ou seja, os cálculos de ataque devem ser bem feitos,

priorizando a prudência. Ao se falar em racionalidade e prudência, Mearsheimer (2001)

destaca que o Estado atua de acordo com as vontades de seus governantes e são estes que

devem ser dotados de distinção na hora da tomada de decisão, uma vez que essa racionalidade

pode assegurar a sobrevivência do Estado.

Outro conceito apresentado pela teoria neo-realista, conceito este do cientista político Nye

(2002), é a distinção entre hard-power e soft-power e seu uso na propagação da influência de

uma potência. Baseando-se em fatos já apresentados e nas teorias neo-realistas, os Estados

Unidos são muito bem dotados de hard-power, com o qual conseguem obter seus objetivos,

seja através de combate direto ou somente ameaça do uso da força. Em relação ao soft-power,

esta potência vem apresentando menor credibilidade, uma vez que alianças foram desfeitas

devido às guerras promovidas nos últimos anos, assim como as duras políticas impostas pelos

recentes governos. Mesmo com certa dificuldade, a influência norte-americana muito é

28

facilitada pelo histórico de grande potência do pós-Guerra Fria e da relação de dominação

com muitos outros Estados. Do outro lado deste balanceamento, a China apresenta

características fortes de hard-power, uma vez que também consegue alcançar seus objetivos

pelo amedrontamento de outras nações através do uso da força e de suas capacidades bélicas,

inclusive nucleares, mas o soft-power propagado pela potência chinesa se diverge do feito

pelos Estados Unidos. A influência pacífica da China é dada através do contato com a sua

cultura, língua e produtos, mas também através das alianças constituídas com base nos

investimentos financeiros feitos pela potência chinesa, como os que estão sendo realizados no

continente africano.

Através dessa comparação, ambas as potências são dotadas de poder pela força física e pela

diplomacia, porém como já determinado, esse artigo acredita que o poder de ambos os

Estados não serão utilizados um contra o outro, já que dessa forma é provável que haja uma

desestabilização na ordem instaurada entre as nações em discussão. A influência destes

poderes deve continuar a ser utilizada de forma a recrutar países aliados, na tentativa que estes

entendam o bandwagon como uma alternativa de fortalecimento.

Um dos temas discutidos neste artigo foi a participação da China em instituições

internacionais. Para a visão neo-realista, esses agentes não-estatais existem, porém não tem

igual relevância dos Estados, já que o principal objetivo destas organizações é a cooperação,

dinâmica esta dificultada pelo comportamento dos Estados, uma vez que estes pesam os

ganhos relativos e vêem grandes probabilidades de serem lesados em acordos que envolvam

possibilidades de prejuízo em relação à sua posição no sistema internacional. A China, assim

como os Estados Unidos, aderiu a instituições como a OMC e o FMI, porém suas políticas e

comportamentos não foram completamente alterados de acordo com as normas por estas

estabelecidas. A guerra cambial é o maior comprovante de que a inserção chinesa no ambiente

das organizações internacionais só serviu para maximizar seus lucros, já que através destas a

China pode ganhar maior visibilidade no cenário internacional, assim como garantir uma

abertura econômica amparada pelas normas de mercado da Organização Mundial do

Comércio. Os Estados Unidos não se distanciam muito desta lógica, pois ao fomentar guerras,

está indo contra os ideais da Organização das Nações Unidas, mas como estas instituições

somente podem aplicar sanções, os Estados ricos não vêem a necessidade do cumprimento

das normas, a não ser pelo possível constrangimento moral.

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A guerra cambial é compreendida dentro destas limitações das organizações internacionais,

uma vez que o máximo que pode ser feito é a aplicação de multas ou penalidades envolvendo

os produtos comercializados pela China, mas não há nenhum agente poderoso o suficiente

para alterar a política econômica do país sem o consentimento do governo. Os Estados Unidos

entendem a necessidade de alteração na política cambial chinesa, mas cientes de que sanções

são a punição máxima das instituições, apelam para o recurso do comportamento moral

correto, porém para este constrangimento surtir efeito é necessária a participação de outras

nações, como o Japão, por exemplo. A lacuna deste dilema é que ao se tentar envolver outras

nações, estas podem temer a reação do país retaliado, neste caso a China, sendo assim, vemos

um claro cenário onde o balanço de poder poderia funcionar para se obter certos objetivos se a

balança pendesse para o lado norte-americano.

Muitas vezes a disputa de poder pode ser justificada pelo fato de que os Estados entendem

que, apenas se tornando a nação mais poderosa do sistema internacional, poderão assegurar

sua sobrevivência. A tentativa de maximização de poder pelas nações constituintes da

dinâmica de equilíbrio de poder instaura a ordem involuntária, mesmo que esta ordem não

seja a prioridade para os Estados. Essa lógica definida por Mearsheimer (2001) também pode

ser aplicada na disputa de poder entre China e Estados Unidos, uma vez que não somente o

medo da desestabilização econômica irá manter a ordem inabalada, mas também a constante

luta pelo poder. Essa visão pode ser concretizada através da lógica do dilema de segurança,

apresentado por Herz (1950), onde não é possível medir claramente o poder militar chinês ou

norte-americano, o que significa que ambos os Estados medem o poder rival através de

pesquisas inexatas para se armar de forma mais intensa que seu componente. Essa corrida por

armas e poder mantém o rival receoso de atacar.

O balanceamento no sistema internacional sempre irá existir, seja pela divisão unipolar,

bipolar ou multipolar. O balanceamento serve como uma tentativa de equilíbrio ou

equiparação de forças para evitar grandes perdas ou grandes ganhos por parte de apenas

alguns Estados no cenário mundial. Nesse caso, independentemente da divisão de poder

instaurada, é possível identificar uma nação ou uma aliança de nações buscando se aproximar

do poder outro Estado.

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5. ANÁLISE CONCLUSIVA

O equilíbrio de poder é uma questão inerente para a compreensão da divisão de poder atual.

Além desta compreensão é importante a identificação dos atores que buscam esse equilíbrio.

Este artigo conclui que a China pode ser entendida como um agente balanceador do poder de

hegêmona regional dos Estados Unidos, uma vez que além de dotada de recursos econômicos

e militares é também dotada de vantagens geográficas e de racionalidade, que fazem com que

este Estado possa medir seus ganhos e perdas, evitando um combate com grandes chances de

prejuízo em seus status quo.

A China atualmente é inferior aos Estados Unidos se a comparação for feita através de seu

exército ou seus investimentos militares, porém, como explorado na análise, possui grande

vantagem devido à sua posição geográfica, uma vez que esta dificulta o embate com as tropas

norte-americanas. Apesar disso, devido à suas alianças e até mesmo seu exército, a China

pode apresentar grandes chances de vitória sobre os Estados Unidos, caso estes decidam

eventualmente por atacá-la em território oriental.

A potência chinesa ainda está de fato se moldando e consolidando, tanto em termos

econômicos, como sociais e militares, mas certas vantagens, como a interdependência da

economia norte-americana, sua dimensão territorial e sua enorme população são fatores que já

garantem que a China possa exercer um equilíbrio de poder. Esse artigo não busca prever se a

China conseguirá superar a potência norte-americana ou se em algum momento dominará o

sistema internacional, alcançando o status de hegêmona global e assim alterar a divisão de

poder instaurada, mas busca simplesmente compreender se esta potência em ascensão já

possui características que permitam um crescimento sem grandes amedrontamentos

originados de um espírito competitivo dos Estados Unidos. Ao final desta pesquisa, é possível

concluir que ambas as potências irão continuar a investir em melhorias em seus Estados,

mantendo o posto de potências revisionistas, porém não é identificada nenhuma grande

probabilidade de choque direto entre as duas nações no presente momento, já que é possível

detectar que uma quebra de relacionamento entre estas políticas e economias resultaria em

grande perda para os dois lados.

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6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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