83

Equipe da CEad · área; assim como a avaliação do conhecimento elaborado/exercido, di- ... matemáticos e en-genheiros mobilizados durante a guerra, para uma nova agenda em

Embed Size (px)

Citation preview

Rio de Janeiro - INFNET - 2013

Equipe da CEadCom/Para: design, comunicação & cultura / [Organizado por] Bianca Martins, Almir Mirabeau, Leonardo Nolasco-Silva. – Rio de Janeiro: INFNET, 2013. 160 p. : il.

Inclui bibliografia.ISBN: 978-85-61105-00-0.

1. Design. 2. Educação. 3. Cultura. 4. Comunicação. 5. Transdisciplinaridade. I. Martins, Bianca (Org.) II. Mirabeau, Almir (Org.) III. Nolasco-Silva, Leonardo (Org.)

CDD – 371.35

C728

CONSELHO EDITORIAL:

André MonatPhD em Engenharia da Computação,University of East Anglia, UK

Edna Lúcia Cunha LimaDoutora em Comunicação,ECO / UFRJ

Eduardo Augusto de A. RamosDoutor em Administração,Ebape / FGV

Guilherme da Cunha LimaDoutor em Design,University of Reading, UK

Heloísa MouraPhD em Design Estratégico,Illinois Institute of Technology, USA

Lia FariaDoutora em Educação,UFRJ

Washington Dias LessaDoutor em Comunicação e Semiótica,PUC-SP

Winston Sacramento,Doutor em Educação Brasileira Midiaeducação / PUC-RioWinston Sacramento

ORGANIZADORESBianca MartinsAlmir MirabeauLeonardo Nolasco-Silva

AUTORESAndré Soares Monat, PhDAntónio Correia, DScBianca Martins, MScCarlos André F. MalheiroDaniel Moreira de S. Pinna, MScErica Zambrano FontesGerson Lessa, MScGonçalo Cruz, MScGuilherme Cunha Lima, PhDHeloisa Moura, DScLeonardo Nolasco-Silva, DScLuiz Claudio Franca Barros, MScMarcos Aurélio M dos Santos, Esp.Ricardo Rodrigues Nunes, MScVinicius Loureiro, MScWashington Dias Lessa, DSc

PROJETO GRÁFICO Mônica Lopes Nogueira

DIAGRAMAÇÃOMônica Lopes Nogueira

Sumário

Apresentação 6

Paradigmas do estabelecimento do design de interação como área de projetoWashington Dias LessaCarlos André F. Malheiro

9

Design Estratégico, Inovação e SustentabilidadeHeloisa Moura

35

Design para situações de ensino-aprendizagem: desafios e possibilidades para a Educação IntegralBianca MartinsLeonardo Nolasco-Silva

49

Entre batmóveis e light cycles: o lugar dos designers de automóveis em HollywoodDaniel Moreira de Sousa Pinna

65

Em busca de fontes primárias: um papel para o colecionismo na pesquisa sobre designGerson Lessa

79

Ruben Martins por ele mesmo: o cartaz forminform1967/68Luiz Claudio Franca Barros Guilherme Cunha Lima

93

Design de entretenimento: arte conceitual e design para a indústria cinematográficaDaniel Moreira de Sousa Pinna Marcos Aurélio Machado dos Santos

117

Design Colaborativo: O potencial dos sistemas Web 2.0Gonçalo Cruz António Correia Vinicius LoureiroRicardo Rodrigues Nunes

131

Visualização da informação em relatórios gerenciaisErica Zambrano FontesAndré Soares Monat

147

Nosso conselho editorial é formado por especialistas renomados, alo-cados em importantes Escolas de Design e/ou empresas no Brasil e no exterior. Heterogêneo, o conselho privilegiará a pluralidade de olhares sobre os temas caros ao Design, empreendendo uma avaliação cega por pares, atestando a lisura do processo.

A Publicação com/para: Design, Comunicação e Cultura estará dispo-nível no meio digital e impresso.

Bianca M. R. MartinsAlmir Mirabeau

Leonardo Nolasco-Silva(Organizadores)

Apresentação

Idealizado pelos professores da Escola de Comunicação e Design Di-gital do Instituto Infnet, a Publicação com/para: Design, Comunicação e Cultura pretende reunir e divulgar a produção de conhecimento em Design valorizando sua vocação dialógica com os demais saberes que configuram nosso corpus teórico. Desejamos ampliar e transcender es-tudos e práticas que relacionam o Design à tecnologia entendendo-os como produto de nossa cultura.

Transdisciplinar, a Publicação almeja agregar diferentes atores e suas expertises, intentando fomentar o debate sobre o Design e seu lugar na contemporaneidade sem desconsiderar o legado de sua trajetória. De natureza dialógica, a publicação será um espaço destinado ao registro e à divulgação de pensamentos e práticas, à elucubração e ao relato de experiências valorizando as demandas e movimentos do mercado.

Ousamos desvelar, através de variados olhares e vivências, as relações entre o campo do Design e os sujeitos, sejam eles parceiros de trabalho, usuários de objetos e sistemas ou demandantes de projetos. Temos especial apreço por estudos da linguagem gráfica, das interfaces e da interação entre sujeitos, como também estimamos análises de proces-sos de criação e co-criação de objetos e sistemas. Terão destaque sig-nificativo na publicação pesquisas sobre a fertilização recíproca ente o campo do Design e da Educação. Sem a pretensão de esgotar assuntos acrescentamos, ainda, que nos interessa esmiuçar a prática do Design nas empresas contemporâneas e sua aproximação/apropriação pelo campo dos negócios.

Como matéria-prima, nosso compromisso será sempre oferecer arti-gos inéditos contribuindo para avivar e renovar os diversos saberes imbricados na práxis projetual. Teremos, ainda, um espaço destinado ao aluno de Design, para que comece a divulgar seus primeiros passos na pesquisa aplicada, ao lado de seus orientadores.

Paradigmas do estabelecimento do design de interação como área de

projeto

Washington Dias Lessa; ESDI/UERJ

Carlos André F. Malheiro; ESDI/UERJ

O conceito de paradigma, proposto em 1962 por Thomas Khun em A estrutura das revoluções científicas, e reapresentado de modo mais sistemático no posfácio de 1969, é peça fundamental da teoria sobre a natureza da ciência que o livro apresenta. Diz respeito a “toda a cons-telação de crenças, valores e técnicas partilhadas pelos membros de uma comunidade [científica] determinada”, ao mesmo tempo que “de-nota um tipo de elemento dessa constelação: as soluções concretas de quebra-cabeças que, empregadas como modelos ou exemplos, podem substituir regras explícitas como base para a solução dos restantes que-bra-cabeças da ciência normal” (Kuhn, 2007, p. 220).

Diferenciando-se desta ciência normal, respaldada por um paradigma estabelecido, no entender do autor existe também uma ciência criativa que, insatisfeita com questões não resolvidas ou mal resolvidas pela ciência normal, é levada à formulação de um novo paradigma, que possibilita o esclarecimento de evidências não explicadas pela ciência normal. Kuhn, assim, compreende o desenvolvimento científico não como evolução paulatina e constantemente alimentada pelas novas descobertas, e sim como alternância entre a estabilidade de consolida-ções de referências para a investigação científica e rupturas dadas pela irrupção de novos paradigmas.

Quanto à sua amplitude, o paradigma diz respeito não apenas às gran-des revoluções, associadas a nomes como Copérnico, Newton, Da-rwin, Einstein. Diz o autor:

12 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 13

que, apesar da pesquisa tecnológica computacional possuir um caráter francamente científico, ela se identifica com o design na medida de sua natureza produtiva. Guardadas as devidas proporções, ambas as ativi-dades contribuem para prover a sociedade com artefatos e serviços.

O paradigma de uma atividade produtiva diz respeito às referências e aos métodos que levam à criação de conceitos, ao seu desenvolvimento e à síntese projetual de artefatos, serviços e das tecnologias que os pos-sibilitam. Neste processo, o conceito de um artefato ou serviço, assim como um conceito tecnológico, cumpre função similar à da hipótese na investigação científica, ressaltando que o resultado visado não é a verdade científica, mas uma efetivação produtiva (Lessa, 2011, p. 41-47), a qual escapa das mãos do profissional que projeta.

Neste sentido o paradigma de uma disciplina projetual não se articu-la com a relativa independência do paradigma científico (dizemos isto sem nenhuma ilusão quanto a uma independência de fato da ciência). O exercício do projeto está ligado a condições de produção externas à área; assim como a avaliação do conhecimento elaborado/exercido, di-fere do critério de cientificidade, pois não pode deixar de considerar cri-térios e respostas do mercado, com tudo que há de bom e de ruim nisso.

A segunda especificidade diz respeito ao fato de que artefatos e ser-viços funcionam em contextos sociais, apontando para a via de mão dupla que se estabelece entre condições sociais e condições tecnoló-gicas. Não vamos desenvolver aqui a questão do caráter lógico e/ou necessário das possíveis determinações recíprocas: o que importa é particularizar as mudanças sócio-econômicas de uso do computador.

Com base nessas premissas, e considerando a constituição do campo da IHC, serão abordadas a conceituação tecnológica envolvida e as mudanças nas condições sócio-econômicas de uso do computador. Serão depois indicados três paradigmas que marcam esta constituição e como aí se articula o conceito do design de interação. A conclu-são indica evidências para a caracterização de um novo paradigma no campo do design.

“para mim, uma revolução é uma espécie de mudança, envolvendo um certo tipo de reconstrução dos compromissos de grupo. Mas não neces-sita ser uma grande mudança, nem precisa parecer revolucionaria para os pesquisadores que não participam da comunidade – comunidade composta talvez de menos de vinte e cinco pessoas” (ibidem, p. 227).

Apesar de trabalhar só com exemplos das ciências da natureza, Kuhn parte do princípio que o paradigma é válido como categoria também para os outros ramos da ciência. Sendo que o trabalho de compatibi-lização entre os conceitos que estabelece e, por exemplo, as ciências humanas, ainda deveria ser feito. Mas além dessa extrapolação, o au-tor reconhece, no posfácio de 1969, que as teses principais do livro também poderiam ser aplicáveis a disciplinas de caráter não científico. Como a dinâmica da ciência, a dinâmica desses outros campos também poderia ser compreendida “como uma sucessão de períodos ligados à tradição e pontuados por rupturas não cumulativas” (ibidem, p. 258).

Efetivamente, desde que foi proposto, o conceito de paradigma é am-plamente utilizado em áreas diversas e em variados graus de abrangên-cia. Pretendemos neste trabalho que ele nos ajude a compreender a dinâmica de surgimento do design de interação. Para isso, focalizamos o desenvolvimento da área de IHC, e concluímos indicando aspectos que podem servir para uma investigação sobre a constituição de um novo paradigma no campo do design.

Ao reconhecer que o conceito de paradigma pode valer também para outras disciplinas, Kuhn, no entanto, ressalta que o seu objetivo foi o de dar conta das especificidades da ciência como área de estudo (ibi-dem, p. 258-259). No mesmo sentido, é igualmente importante chamar a atenção para duas especificidades básicas que caracterizariam os pa-radigmas das disciplinas projetuais.

Primeiramente, temos o fato de que, diferentemente da ciência, que busca “descobrir a natureza do que existe”, o design, assim como um projeto tecnológico, busca “a invenção de coisas de valor que ainda não existem. A ciência é analítica; o design é construtivo” (Sidney Gre-gory, apud Cross, 2007, p. 24, tradução nossa). Com isso, constata-se

14 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 15

O impulso para transformar a computação em um instrumento para a potencialização das capacidades humanas veio com a antevisão de Van-nevar Bush (Bush, 1996), proposta em seu clássico ensaio As we may think (“Como podemos pensar”, em tradução nossa) – originalmente publicado em 1945. Bush teve um papel primordial no esforço de pes-quisa militar durante a segunda guerra, tendo sido diretor da agência do governo que coordenava todo o programa científico norteamericano no período (Ralston; Reilly; Hemmendinger, 2003). A motivação dos conceitos tecnológicos apresentados no ensaio era a de redirecionar os esforços científicos, especialmente a dos físicos, matemáticos e en-genheiros mobilizados durante a guerra, para uma nova agenda em tempos de paz (Bush, 1996, p. 37). Bush propõe que a computação poderá ser um instrumento em dar conta do volume crescente de in-formação, tendo como referência inicial o contexto acadêmico, mas expandindo sua visão para aplicações em setores diversos de atividade humana (ibidem, p. 41). Sua visão foi sintetizada na descrição de um equipamento hipotético que chamou de Memex, um dispositivo para o armazenamento e recuperação de informação.

Baecker resume o legado de Bush:

“A visão de Bush era notável. Ele anteviu o uso de máquinas para o armazenamento e a recuperação de informação, o valor da indexação associativa e a natureza multimídia do uso futuro dos computadores. Ele previu o desenvolvimento de ‘uma máquina que digite ao coman-do de voz’ e especulou sobre a possibilidade de, um dia, estabelecer um caminho entre a palavra escrita e o cérebro ‘mais direto’ do que os sentidos – tátil, oral e visual.” (Baecker, 1995, p. 36, tradução nossa)

Segundo Baecker, a visão de Bush foi levada adiante por pioneiros como Doug Engelbart e Ted Nelson, que desenvolveram aspectos di-ferentes daquela visão. Engelbart focalizou como o computador po-deria apoiar as pessoas na preparação de textos, na solução de pro-blemas e no trabalho criativo em equipe. Já Nelson era fascinado pela exploração individual de espaços textuais criados por vínculos laterais entre informações e pelo resultado dessas “contribuições combinadas de pessoas sem laços formais” (Baecker, 2008, p. 22, tradução nossa).

Conceitos tecnológicos para a configuração do campo da IHC

Ronald M. Baecker editou, junto com Johnathan Grudin, Bill Buxton e Saul Greenberg, aquela que possivelmente foi a primeira grande compi-lação de artigos com o propósito de representar o corpo de conhecimen-to do campo da IHC (Baecker et alli (org.), 1987). Este, na época passava por um recente processo de institucionalização, com o surgimento dos primeiros congressos e associações – a série de congressos CHI (Com-puter and Human Interaction) da ACM (Association for Computing Ma-chinery, a sociedade americana de profissionais e acadêmicos em compu-tação, fundada em 1947) tem início em 1982. E em 1983 surge na ACM o SIGCHI (Special Interest Group on Computer Human Interaction).

No capítulo de abertura, Baecker apresenta a formação do campo da IHC em uma perspectiva histórica, mas dando ênfase ao ambiente intelectual em que se criaram as condições para o estado do desen-volvimento tecnológico em questão: “(…) nosso objetivo não é uma declamação detalhada e historicamente completa de nomes, lugares e datas. Nossa ênfase é intelectual, com um foco na história das idéias.” (Baecker, 1995, p. 35, tradução nossa)

Seguindo essa abordagem, resumimos e comentamos, nas seções a se-guir, alguns dos conceitos destacados por Baecker.

Memex: o computador como extensão do intelecto humano

No período que se inicia com os primeiros equipamentos de tabula-ção, a computação tinha como objetivo a automatização de cálculos volumosos e complexos (Baecker, 1995, p. 35), sendo o sistema criado por Hermann Hollerith para o censo americano de 1890 (US Census Bureau, 2011) um exemplo emblemático. Esse processo se intensificou durante a Segunda Guerra Mundial, com a necessidade de executar cálculos de balística e, especialmente, no esforço de desenvolvimento de armas nucleares (Ceruzzi, p. 7-12).

16 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 17

uma formulação prévia do problema a ser resolvido. Essa exigência re-presentava um obstáculo, tanto para problemas que poderiam ser mais rapidamente resolvidos por tentativa-e-erro, sem formulação prévia, quanto para problemas cuja formulação prévia seria impossível sem o auxílio do computador.

Licklider propunha que se projetassem computadores que pudessem assistir nos processos de tentativa-e-erro, envolvendo “(…) o compu-tador efetivamente na formulação dos problemas técnicos”. Comple-mentarmente, sugeria que seria necessário que os computadores esti-vessem envolvidos nos “(…) processos de pensamento humano em ‘tempo real’, tempo esse que se move rápido demais para permitir o uso de computadores do modo convencional” (ibidem, traduções nos-sas), de maneira que ambos suprissem as insuficiências e potencializas-sem as capacidades um do outro, produzindo, em cooperação, mais do que poderiam produzir isoladamente.

Com isso, Licklider propõe com clareza a idéia de “computação inte-rativa”, o que trazia uma série de novos desafios tecnológicos: “Pensar, em interação, com um computador da mesma maneira que se pensa junto com um colega cuja competência suplementa a sua própria re-quer um acoplamento muito mais estreito entre homem e máquina do que (…) é possível hoje”. O autor coloca a sua proposta dentro de uma perspectiva que considera os prazos para a concretização das realiza-ções tecnológicas. Embora entendesse como provável que a inteligên-cia artificial ultrapassasse a capacidade humana em algum momento futuro de seu desenvolvimento tecnológico, considerava que haveria “(…) um ínterim longo o suficiente durante o qual os principais avan-ços intelectuais serão feitos por homens e computadores, trabalhando juntos em associação íntima”, acrescentando que “esses anos deverão ser, intelectualmente, os mais criativos e animadores da história da hu-manidade” (ibidem, traduções nossas).

A essa altura, já havia sido desenvolvido o conceito de time-sharing (compartilhamento de tempo), que permitia que o computador tivesse vários processos correndo simultaneamente. Esses sistemas são uma

Engelbart, a partir de seu projeto Aumentando o intelecto humano (Augmenting Human Intellect, Engelbart, 1962), veio a desenvolver boa parte dos modelos de interação e aplicação computacional presen-tes no modelo do computador pessoal – entre eles, o mouse, o editor de texto, o trabalho colaborativo em rede –, enquanto Nelson veio a desenvolver o conceito de hipertexto, que serviu de inspiração para a criação da world wide web (Nelson, [1999?]).

Simbiose: computação interativa como potencialização das capacidades de humano e computador

A conceituação da relação entre humano e computador muda substan-cialmente com a idéia que Joseph C. R. Licklider (1960) descreve como “simbiose homem-máquina”. Em sua argumentação, Licklider esclarece o que seria essa relação de simbiose ao distingui-la de outras tipificações das relações entre homem e máquina, caracterizadas como “o homem mecanicamente estendido” – usando a categoria de North (1954) – e o que chama de sistemas ‘semiautomáticos’. No primeiro caso,

“(…) o operador humano provê a iniciativa, a direção a integração e o critério. As partes mecânicas dos sistemas eram meras extensões, primeiro do braço humano, depois do olho humano. Havia apenas um tipo de organismo – o homem – e o resto estava lá apenas para ajudá-lo.” (Licklider, 1960, tradução nossa)

Licklider chama de sistemas ‘semiautomáticos’ os “(…) sistemas que inicialmente seriam totalmente automáticos, mas que não alcançaram este objetivo”, referindo-se às situações em que “(…) particularmen-te em grandes sistemas computadorizados de informação e contro-le, os operadores são responsáveis basicamente pelas funções que se mostraram inviáveis de serem automatizadas.” (ibidem, traduções nossas)

O autor propõe o conceito de simbiose a partir dessa problematização da relação entre humano e computador, levantando a questão sobre a efetividade do uso de computadores na resolução de problemas, uma vez que os computadores eram projetados de maneira tal que se exigia

18 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 19

Sketchpad: computação gráfica interativa

O uso de telas como interface humana foi responsável por abrir um outro espectro significativo de possibilidades de interação em tempo real. Segundo Baecker (1995, p. 38), a partir dos primeiros computado-res que exibiam informações em telas – como o sistema de defesa aérea SAGE, nos anos 1950, assemelhados aos sistemas de radar –, buscou--se explorar as possibilidades de manipulação de informações textuais e elementos gráficos em interfaces visuais.

Dentre os vários desenvolvimentos nesse campo, foi o protótipo do Sketchpad (Sutherland, 2003), apresentado em 1963, que definiu uma série de modelos de projeto para as interfaces gráficas. Desenvolvido no MIT Lincoln Laboratory, sob a liderança de Ivan Sutherland, o Ske-tchpad trouxe inúmeras inovações técnicas que, em resumo, se referem a estratégias sofisticadas de programação para especificar, hierarquizar, exibir e manipular os elementos gráficos, além da interação diretamen-te na tela através de um dispositivo chamado de light pen (caneta de luz) (Baecker, 1995, p. 38).

O sucesso das tecnologias apresentadas através do Sketchpad desdo-brou-se em diversos desenvolvimentos técnicos: sistemas operacionais que permitissem que a manipulação interativa de elementos gráficos em sistemas de time-sharing; hardware que atendesse a capacidade de armazenamento, processamento e exibição em tempo real; linguagens que permitissem o desenvolvimento de aplicativos; e tecnologias de entrada de dados que dessem suporte à digitalização de desenhos e ao uso de comandos gestuais. Esses desenvolvimentos levaram a aplica-ções diversas nos campos da matemática, da ciência, da engenharia e da arte (ibidem, p. 38-39).

Abstração como condição técnica para o desenvolvimento da IHC

De um ponto de vista tecnológico, as condições para a popularização gradual da computação tendem a ser creditadas aos avanços no har-

evolução em relação aos sistemas de batch processing (processamen-to em lote), em que os programas eram executados sequencialmente, o que bloqueava o acesso dos usuários aos recursos do computador enquanto algum programa estivesse em execução. O time-sharing pro-duzia simultaneamente em múltiplos usuários a ilusão de que o compu-tador estava sempre disponível através de seus terminais.

Segundo Baecker (1995, p. 38), isso ampliou o acesso da computação a grupos significativamente maiores de usuários, bem como mudou a relação de interação com o computador. Com a percepção de dispo-nibilidade do computador, os usuários podiam avaliar e planejar suas atividades em frente ao terminal, ao invés de simplesmente executar lotes de instruções predefinidas. Isso trouxe a atenção do desenvol-vimento de programas para as oportunidades e riscos que essa nova situação de interação trazia para a produtividade do usuário. Um dos desdobramentos a partir daí foi o desenvolvimento de linguagens de interação, projetadas para otimizar a programação e o controle do pro-cessador realizados interativamente – isto é, on-line –, de maneira ade-quada às capacidades cognitivas do usuário e à situação de uso. Além disso, vale destacar que os usuários de um mesmo computador podiam compartilhar recursos – como arquivos – e trocar mensagens entre si, o que criava uma situação nova em que humanos interagiam entre si mediados pelo computador.

Idéias como as listadas nesta seção ganharam um enorme impulso na época em função do desenvolvimento de componentes eletrônicos baseados em transístores e sua implementação, a partir de 1958, no que Baecker (ibidem, p. 36) chama de computadores de segunda ge-ração. As tecnologias anteriores, cujos componentes eram baseados em válvulas, traziam grandes limitações em relação ao que poderia ser realizado, em função do tamanho, velocidade, consumo de energia e custos de manutenção desses equipamentos. Essas condições tecno-lógicas criaram uma abertura de possibilidades inexistente antes, tor-nando particularmente prolífico em novas perspectivas o período que compreende o final dos anos 1950 e os anos 1960.

20 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 21

do sistema”. Nesse sentido, descreve que “níveis mais altos de abstração representam o sistema em termos do seu propósito e funções, enquanto níveis mais baixos representam o sistema em termos de sua implementação física”. Com isso, consegue-se combinar diferentes modelos de análise em uma visão geral do sistema suficiente para tornar operacional a sua implementação.

Posicionando a questão da abstração no quadro mais geral da compu-tação, pode-se sugerir que as adequações entre os modos de operação das máquinas, as implementações de sistemas (operacionais e aplica-tivos) e os aspectos cognitivo e comportamental dos usuários em seu contexto de uso exigem uma progressiva elaboração e sofisticação dos modelos de abstração que viabilizam novas possibilidades de interação e uso da computação na vida cotidiana. No entanto, a preocupação com cada um desses aspectos se dá em áreas diferentes dentro da pró-pria ciência da computação, com enfoques até discrepantes. Podemos sugerir, sem pretensão de sermos conclusivos nesse mérito, que, en-quanto a preocupação com os aspectos relacionados ao uso humano de sistemas computacionais é o cerne da IHC, as implementações de sistemas seriam do cerne da engenharia de software e as possibilidades mais amplas da computação – o que a máquina pode –, bem como seus limites, seriam objeto, propriamente, da ciência da computação.

Quanto a essas distinções, é particularmente esclarecedora a posição de Barbosa e Silva (2010) sobre a relação entre as áreas da IHC e da engenharia de software (ES), afirmando que estas “possuem diferentes perspectivas sobre o que é importante em um sistema interativo, sobre o que significa utilizá-lo e sobre como desenvolvê-lo” (ibidem, p. 121), acrescentando que

“desde sua origem, IHC tem sido proposta em contraste com o desen-volvimento centrado no sistema tipicamente praticado pela ES (Nor-man e Draper, 1986; Shneiderman, 1998; Sharp et. al., 2007). Para IHC, o uso que as pessoas vão fazer do sistema é o que deve guiar seu desenvolvimento. (…) [O sistema] deveria ser construído de forma adequada ao usuário e suas necessidades.” (ibidem, p. 123)

dware, que possibilitaram o aumento da capacidade de processamento, redução do tamanho físico, barateamento de componentes etc. Porém, é no âmbito da arquitetura de sistemas que identificam-se os avanços que permitem a abstração cada vez maior dos aspectos de implementa-ção de baixo nível em prol de interfaces que, por serem mais discretas em seu funcionamento técnico, dão destaque ao funcionamento do sistema em alto nível, mais acessível à compreensão que o usuário tem do sistema e às suas aptidões para usá-lo.

O conceito de abstração é usado no campo da computação de manei-ra bastante ampla, podendo referir-se a linguagens de programação, a modelagens de sistemas, a camadas de implementação técnica em software e hardware, a representações da realidade no contexto da in-teligência artificial etc. A idéia comum entre esses usos é a de que a abstração é uma estratégia de representação simplificada de um sistema ou situação complexos, em que se cria uma perspectiva mais alta de representação, no sentido de que esta se distancia da complexidade dos detalhes do nível mais baixo, resultando em uma representação mais operacionalizável sob essa nova perspectiva. Como síntese, pode-se di-zer que abstração é “o processo de remover detalhe de uma represen-tação” (Russell; Norvig, 2010, p. 69).

Para dar exemplos dessa idéia:

a. Robert J. K. Jacob (2003, p. 1821-1822) se refere a diferentes “níveis de design” – níveis conceitual, semântico, sintático e le-xical, propostos por Foley e Wallace (1974) –, para descrever os níveis de abstração presentes na interface com o usuário, cada qual com necessidades específicas de projeto e implementação.

b. Ann M. Bisantz (2004, p. 225) se refere a “hierarquias de abstração” – no contexto de métodos da análise da tarefa, uma perspectiva da ergonomia sobre a IHC – como sendo a repre-sentação do sistema em diferentes níveis de abstração, servindo de método para “identificar as complexidades e as restrições que afetam desfavoravelmente o comportamento dos usuários

22 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 23

2002, p. 1-13). Questões como o processamento de informação e a tomada de decisões do usuário ganhavam importância e o uso de computadores foi passando a ser tratado no projeto da IHC como diálogo ou conversação, em vez de ser tratado exclusivamente como operação de equipamento (Card, Moran, Newell, 1980 apud Gru-din, 2005, p. 6-7). Isto põe em foco a interface do usuário. Também as próprias linguagens de programação foram sendo abordadas do ponto de vista cognitivo, investindo em aspectos linguísticos e psico-lógicos em busca de eficiência. Na mesma época, no início dos anos 1970, consolidam-se as primeiras sociedades e laboratórios de pes-quisa de FHE voltados especificamente para a IHC (Grudin, 2005, p. 5-6).

Mais adiante, o impacto das dinâmicas sociais tornadas visíveis pelo uso de sistemas em contextos corporativos vai trazer um maior envol-vimento das ciências sociais em questões do campo da IHC, dando origem a novos métodos e abordagens, primeiramente na Europa e depois nos EUA. Sobre isso, Baecker (2008, p. 25) comenta que “o reconhecimento norteamericano da importância do contexto do am-biente de trabalho e o papel dos métodos radicados na antropologia e na sociologia teve o seu primeiro impulso no trabalho influente de Lucy Suchman no PARC/Xerox em meados dos anos 1980”.

Computadores pessoais e interface gráfica do usuário

O uso eletivo do computador só se torna uma realidade com o lança-mento comercial dos computadores pessoais, a partir de 1977 (Ceruzzi, 2003, 240-241). Pela primeira vez os consumidores podiam comprar computadores para uso não necessariamente profissional ou científi-co. Ainda assim, esses computadores ainda eram operados através de interfaces por linha de comando, sistemas operacionais como o DOS, linguagens como o BASIC e eventuais derivações de ambos. Na área acadêmica, surgem alguns modelos teóricos específicos para a IHC, bem como estratégias de desenvolvimento de interfaces do usuário de-rivadas da psicologia cognitiva.

Mudança nas condições sócio-econômicas de uso do computador e a abertura da IHC para o design

A implementação dos conceitos técnicos resumidos na seção anterior vem provocando profundas mudanças sociais. O uso de computadores se expande do público de cientistas e programadores para um público maior de usuários não especialistas, usando compulsoriamente os com-putadores em ambiente corporativo; e, depois, para o uso eletivo de um público mais amplo, não especialista, trazendo o computador para a dimensão do consumo. Esta trajetória – não linear e gradual – acabou por gerar uma abertura da IHC para conceitos de design, dispondo as condições para o surgimento do design de interação.

Uso compulsório e não especializado

Os avanços da computação interativa só chegaram ao público com o desenvolvimento da interface gráfica do usuário (GUI: Graphical User-Interface), no final dos anos 70. Segundo Johnathan Grudin, no final da década de 1960 e em parte da década de 1970, os produtos comerciais da computação eram, em sua maioria, direcionados para a área de gestão em ambientes corporativos, sendo o elevado custo uma das causas disso. Se na época dos primeiros computadores os papéis profissionais eram os de operadores, programadores e gesto-res, todos contratados com a finalidade específica de trabalhar com o computador, os que usavam o computador em ambientes corporati-vos formavam um público não-especializado, que usava o computador compulsoriamente como ferramenta para executar tarefas profissio-nais (Grudin, 2005, p. 4-5).

A produtividade era a questão central no uso dos computadores, e o aprendizado de sua operação pelos funcionários era uma das princi-pais preocupações. É quando surgem as primeiras menções ao termo usabilidade no contexto da IHC. A engenharia do uso continuava sendo a referência ao se projetar a IHC, embora a incorporação do usuário não especializado tenha favorecido abordagens da psicologia cognitiva, que vinha, ela própria, se consolidando como área (Badre,

24 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 25

carros esportivos e secadores de cabelo. Assim, o desenho industrial teria um papel de destaque”.

No caminho correspondentemente inverso, esses novos artefatos des-pertaram interesse nos designers, como é relatado por Bill Moggridge, que explica como o termo “design de interação” surgiu na sua prática ao lado de Bill Verplank, em meados dos anos 1980 (Moggridge, 2007, p. 13-14). O depoimento de Moggridge ilustra como era o quadro mul-tidisciplinar à época em que ocorriam, ao mesmo tempo, a populari-zação dos computadores pessoais, a formalização do campo da IHC e o lançamento das primeiras sementes do design de interação, de que Moggridge é um dos protagonistas:

“Eu descobri que havia uma comunidade bem estabelecida de desig-ners de interface humano-computador, ocupados em criar o softwa-re que as pessoas usavam nos mainframes, minicomputadores e nos computadores pessoais que então surgiam. Havia as pessoas com uma base em ciência da computação que estavam escrevendo código e ti-nham uma visão dos requisitos de projeto voltados para os aspectos técnicos e de performance. Havia também os especialistas de fatores humanos, que tinham uma base em psicologia e haviam sido ensi-nados a avaliar e testar projetos que já estavam na fase de protótipo. Essa abordagem tendia a gerar melhorias incrementais para os proje-tos, mas não encorajava inovações mais radicais. Eu senti que havia uma oportunidade para criar uma nova disciplina de design, dedicada a criar soluções imaginativas e atraentes no mundo virtual, onde se poderia projetar comportamentos, animações e formas. Seria o equi-valente ao design industrial, mas em software ao invés de objetos tri-dimensionais.” (ibidem, tradução nossa)

O interesse recíproco da área de IHC pelo design tem outro exemplo claro no famoso livro de Don Norman: “The Psychology of Everyday Things” (Norman, 1988) tem o título mudado, na segunda edição (Norman, 1990), para “The Design of Everyday Things”. É certo que o termo “design” tem um sentido bastante amplo na ciência da com-putação, mas as questões tratadas no livro são de fato pertinentes às práticas das disciplinas de design.

É só com a comercialização dos primeiros sistemas operacionais dota-dos de GUI que a interface torna-se o centro das questões projetuais e investigações acadêmicas. Os lançamentos como os do Xerox Star (1981) e do Apple Lisa (1983) estabelecem um novo modelo de IHC, consolidado com o lançamento do Apple Macintosh (1984). Esses mo-delos foram baseados nos computadores Xerox Alto, desenvolvidos como projeto experimental no Palo Alto Research Center (PARC/Xe-rox) e distribuídos para uso interno na empresa. O projeto Alto, datado de 1973, foi inspirado no NLS (acrônimo de oN-Line System), desen-volvido pela equipe de Doug Engelbart e apresentado em 1968. Di-versos elementos de interação ali presentes foram sendo gradualmente incorporados no Alto, para o qual também se desenvolveu no PARC uma longa lista de inovações que não cabe detalhar. Engelbart, por sua vez, inspirou suas idéias de desenvolver tecnologias para “aumentar o intelecto” no Memex, mencionado anteriormente.

Uso eletivo e mudanças de enfoque envolvendo design

Os modelos iniciais de modelagem de performance – por exemplo, o modelo GOMS (“Goals, Operators, Methods, Selection rules”) –, oriundos de incorporações da psicologia cognitiva, foram dando espa-ço a abordagens do processo de desenvolvimento projetual centrado no usuário. Baseavam-se em iterações e prototipagens, como modo de trazer para o centro da investigação as experiências iniciais dos usu-ários eletivos com as novas tecnologias. Algumas das empresas que criaram na mesma época laboratórios de pesquisa voltados para a IHC também fizeram movimentos similares, pois temiam se distanciar do usuário eletivo que constituía esse novo mercado, de enorme potencial.

Com isto, foi sendo aberto espaço para as práticas de design. O foco na interface gráfica e a transformação do computador pessoal em um produto de consumo trouxeram os desafios projetuais de IHC para um terreno familiar ao designer. Sobre isto, Baecker (2008, p. 24) comenta que “para que os computadores pudessem se tornar produtos de con-sumo populares era necessário que parecessem tão atraentes quanto

26 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 27

programadores, o tema da interação humano-computador resumia-se, na época, ao que veio a ser conhecido como psicologia da programação. Baecker destaca o trabalho de Ben Shneiderman (1980), em que faz uma revisão da produção dessa área durante os anos 1970.

No entanto, desde o início dos anos 1970, o universo dos usuários de computadores já tinha se expandido, formando um contingen-te significativo de usuários leigos em programação. Em especial, nos segmentos de seguros, serviços bancários e transporte aéreo, usuários leigos acessavam os terminais para efetuar a entrada de dados para processamento e obter informações para seus processos de trabalho. Baecker afirma que os especialistas de fatores humanos e psicologia desempenharam um papel importante em colocar como prioridade, nas agendas dos gestores, a necessidade de melhorar a interação e as interfaces desses sistemas.

Baecker destaca a publicação de alguns livros que, no início dos anos 1970, faziam as primeiras consolidações do campo de conhecimento que veio mais tarde a se formalizar como o campo da IHC. Vale obser-var que a terminologia presente nessas obras dá indicações sobre cam-pos de investigação que posteriormente se especializaram ou outros que, ao contrário, se extinguiram.

Um marco é o livro “Design of Man-Computer Dialogues” (Martin, 1973) que, entre outros tópicos, categorizava vários tipos de diálogo humano-computador e fazia considerações, de base psicológica, so-bre a capacidade humana de processamento e resposta. Outro marco foi o título “User Engineering Principles for Interactive Systems” (Hansen, 1971), que Baecker aponta como sendo provavelmente a primeira lista de princípios para o design de sistemas interativos, que consistia em: conhecer o usuário; minimizar o uso da memorização; otimizar a execução das operações; e construir tendo em vista o tra-tamento e a prevenção de erros. Segundo Baecker, esses e outros títu-los, capítulos e artigos contribuíram para aumentar, junto à comuni-dade acadêmica da ciência da computação, a relevância das questões envolvendo fatores humanos.

Três paradigmas do campo da interação humano-computador: surgimento do design de interação

O desenvolvimento do campo da interação humano-computador (IHC) é historicamente marcado por mudanças na abordagem da questão de como projetar dispositivos computacionais considerando seus usos previstos. E estes se definem segundo as condições sociais e tecnológicas – inclusive a dos próprios artefatos computacionais – que continuamente se transformam. Pode-se, em três momentos históricos deste campo, identificar situações paradigmáticas que levam à defini-ção de novas áreas de investigação.

Primeiro paradigma: Fatores Humanos e Ergonomia

A operação do primeiro computador comercial, o ENIAC (1945), con-sistia em tarefas como manusear válvulas, botões, carregar programas em fita e alimentar dados em cartões perfurados. A relação entre hu-mano e computador estava tanto na otimização operacional e na redu-ção de erros, quanto no desenvolvimento de linguagens que permitis-sem a programação das operações binárias de modo indireto, através de instruções que eram inteligíveis apenas para aqueles tecnicamente capacitados. Surge nesse cenário o primeiro paradigma: a IHC era pro-jetada aplicando-se as práticas de fatores humanos e ergonomia (FHE) nos aspectos operacionais (Grudin, 2005).

Baecker (1995, p. 40-41) situa a disciplina de fatores humanos como sendo um ramo da psicologia aplicada cujo papel seria apoiar e melho-rar o design de artefatos. O trabalho pioneiro de Brian Shackel (1962) no design de monitores é citado como um marco em que avaliações quantitativas da qualidade da interface foram usadas para validar deci-sões de design.

Nos anos 1960, as pesquisas de psicologia aplicada começaram a ga-nhar influência em decisões de projeto ao fornecer leituras mensuráveis da performance de sistemas quanto à eficiência obtida na resolução de problemas. No entanto, como o universo de usuários restringia-se aos

28 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 29

Terry Winograd (1996) abre a sua coletânea Bringing Design to Sof-tware com o “Software Design Manifesto” de Mitch Kapor (original-mente publicado em 1990), em que este faz uma contundente defesa do reconhecimento do papel e da importância do design de software como um par da ciência da computação e da engenharia de software, não reduzido a estas áreas e não restrito ao design de interface, como se deu inicialmente.

Com esta coletânea, Winograd estabelece bases conceituais de uma abertura mais profunda do campo da IHC para as abordagens, méto-dos e conhecimentos com que, no seu entendimento, podem contri-buir as disciplinas de design. Winograd é específico no que se refere quando fala em design, elencando os aspectos que vê como relevantes à sua perspectiva em resposta à pergunta “o que é design?” De resto, com uma enorme clareza quanto à natureza do design como prática e conhecimento. Resumimos a seguir a apresentação que Winograd faz, sintetizando as contribuições dos participantes da coletânea (ibidem, p. xix-xxv):

a. “O design é consciente”: Embora se possam obter resultados não intencionais, a proposta é focalizar no “(…) que acontece quando o designer põe em foco e reflete sobre a atividade de design”. Isso não implicaria na aplicação de métodos ou teorias formais com as pretensões de racionalização da matemática ou da engenharia, uma vez que uma abordagem consciente do de-sign é atravessada de “intuição, conhecimento tácito e reações viscerais”.b. “O design mantém as preocupações humanas em seu cerne”: Considerando a complexidade dos problemas do “mundo real”, o designer “cria alternativas de solução em um espaço de alter-nativas definido por valores conflitantes e necessidades de re-cursos”, tomando decisões entre aspectos tecnológicos e ques-tões humanas que não são facilmente comensuráveis.

c. “O design é um diálogo com os materiais”: “O processo de design é iterativo em dois níveis: a iteração feita pelo designer, à

Segundo paradigma: Institucionalização da IHC como área de investigação

Em um processo paralelo, possivelmente acelerado pelas inovações acima descritas, vai consolidando-se a área de investigação das ques-tões projetuais da IHC. As primeiras publicações destacando o termo “interação humano-computador” em seus títulos surgem em torno de 1982, ano em que o grupo de interesse em IHC (SIGCHI: Special Inte-rest Group in Computer-Human Interaction) é constituído no âmbito da ACM (Association for Computing Machinery), fundada em 1947.

Com forte base na psicologia cognitiva, esta área de pesquisa contou inicialmente com a participação da comunidade de FHE, mas logo se-guiu caminhos diferentes. Para a IHC o interesse maior era no mercado em crescimento dos usuários eletivos, para o qual faltavam conceitos que servissem de parâmetro para questões projetuais. Para os líderes da área de IHC era preciso desfazer a idéia de que esta havia consolidado as questões da psicologia cognitiva com as práticas de análise e otimi-zação da tarefa, que focavam nas necessidades de ganho de eficiência do usuário especialista, e não do usuário eletivo.

Alguns movimentos se seguiram, buscando legitimidade para a área de IHC. Destaca-se a iniciativa de tirar o foco da psicologia cognitiva e tratar as questões cognitivas da interface como questões técnicas de engenharia, substituindo os métodos de FHE. Surgem, assim, concei-tos como “engenharia cognitiva” e “engenharia de usabilidade”, que de fato tomaram o espaço antes ocupado pelas práticas de FHE.

Terceiro paradigma: Design de interação

Assim como Moggridge e Verplank propõem o termo design de inte-ração (Moggridge, 2007, p. 13-14), na área da computação buscavam--se maneiras de instituir práticas de design na IHC. Destacamos a ela-boração, em 1992, do currículo da ACM para a IHC (Hewett, 1992) – da qual participou Verplank –, em que o design é elencado como uma das disciplinas a constituir o campo, definido como interdisciplinar.

30 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 31

vez que cada artefato “aparece em um contexto de expectativas que é gerado pela história de objetos e experiências anteriores e pelo ambiente periférico – o contexto físico, social e histórico em que o objeto se encontra”.

f. “O design tem consequências sociais”: Em aplicativos des-tinados a ambientes corporativos, em que o software tem uma presença “vertical” na organização, os efeitos do software na-quele grupo social específicos ficam mais evidentes, “tornando as dimensões política e social do software partes mais explíci-tas da análise e do diálogo do design”. As técnicas de design participativo e design centrado na atividade seriam abordagens adequadas para mudar o foco da estrutura do sistema de infor-mação para a estrutura da atividade de trabalho.

g. “O design é uma atividade social”: “(…) o designer opera em um cenário mais amplo, em que é tanto facilitado quanto res-tringido pelas interações com outras pessoas”. Dessa maneira, os contornos de um sistema são definidos por instâncias que vão muito além das decisões que podem ser tomadas a partir da perspectiva de um indivíduo, o designer.

Posteriormente, Winograd consolida uma posição mais afirmativa em relação ao design de interação, quando em sua fala na comemoração dos 50 anos da ACM, em 1997, defende aquele como um campo in-dependente, voltado para a penetração da computação na vida social:

“Nos próximos cinquenta anos, a importância crescente de projetar espaços para a comunicação e interação humana levará à expansão da-queles aspectos da computação com foco nas pessoas, ao invés das máquinas. Os métodos, aptidões e técnicas referentes a essas aspectos humanos geralmente são estranhos àqueles do mainstream da ciência da computação e é provável que eles se destaquem (pelo menos par-cialmente) de suas raízes históricas para criar o novo campo do design de interação.’” (Winograd, 1997, tradução nossa)

medida que desenvolve cada projeto, e a iteração feita pela co-munidade, na medida em que a sucessão [de alternativas] geradas revela novas possibilidades para o meio”. Assim sendo, o design se aproximaria da idéia de um diálogo, em que a introdução de um artefato geraria possibilidades intencionais e não intencionais com as quais o designer dialogaria através de suas intervenções. Considerando que as novas tecnologias implicam em novos meios de construção e que esses configuram novos domínios de design, Winograd afirma que o computador produziu o domínio do design de interação e que seus meios de prototipagem terão um efeito nesse diálogo com os materiais.

d. “O design é criativo”: Embora possa haver listas de critérios e boas práticas, o design “não pode ser compreendido como um processo de solucionamento de problemas”, pois o design é uma atividade que cria novas situações a partir do que existe. Se a atividade do design “não é redutível a um conjunto de méto-dos”, não sendo passível do “tipo de currículo estruturado das ciências e engenharias”, por outro lado “há uma longa tradição de ensino no campo do design, baseada na interação entre mes-tre e aprendiz, entre projetista e crítico”.

e. “Design é comunicação”: Mais do que na interação do desig-ner com os materiais e com a comunidade, o cerne do design está em como os artefatos criados pelo designer criam sentido para essa comunidade, sentido esse que existe somente no di-álogo entre designers e usuários. O sentido ocorre em diversas camadas, podendo comunicar conteúdo, mas também comuni-car acerca do próprio uso, no caso de “artefatos ativos”. Neste caso, as próprias restrições físicas dos mecanismos “são matéria de convenção e aprendizado”, sendo estas affordances “parte de uma linguagem mais ampla do design em que uma variedade de sentidos está sendo comunicada, incluindo o funcional, o cognitivo, o conotativo e o estético”. Além disso, o sentido é sempre interpretado conforme seu contexto situacional, uma

32 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 33

Independentemente do caráter um pouco idealizado e datado do es-quema (hoje talvez fosse identificado o design de serviço em vez de design ambiental) deve ser reconhecido o esforço do autor para com-preender as mudanças em curso. Além do aumento da quantidade de projetos de interação impõem-se novas perspectivas de prática e avalia-ção do projeto em geral. Novas lentes estão disponíveis.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBADRE, A. Shaping Web usability: interaction design in context. Indianapolis: Addison-Wes-

ley Professional, 2002.

BAECKER, Ronald M. Themes in the early history of HCI: some unanswered questions. In-teractions, New York, v. 15, n. 2, p. 22-27, 1 mar 2008.

BAECKER, Ronald M.; BUXTON, William A. S. Readings in human-computer interaction: a multidisciplinary approach. San Francisco: M. Kaufmann, 1987.

BARBOSA, Simone D. J.; SILVA, B. S. da. Interação Humano-Computador. São Paulo: Else-vier, 2010.

BISANTZ, Ann M. Ergonomics. In: BAINBRIDGE, W. S. (Ed.). Berkshire encyclopedia of human-computer interaction. Great Barrington, MA, USA: Berkshire Publishing Group, 2004. p. 222-230.

BUCHANAN, Richard. Design Research and the New Learning. Design issues, Cambridge, MA, v. 17, n. 4, p. 3-23, Autumn 2001.

BUSH, Vannevar. As we may think. Interactions, New York, v. 3, n. 2, p. 35-46, 1996.

CARD, Stuart K.; MORAN, Thomas P.; NEWELL, Allen. Keystroke-Level Model for User Performance Time with Interactive Systems. Communications of the ACM, New York, v. 23, n. 7, 1980, p. 396-410.

CERUZZI, Paul E. A history of modern computing. 2nd ed. Cambridge: MIT Press, 2003.

CROSS, Nigel. Designerly ways of knowing. Basel, Birkhäuser, 2007.

DAVIS, Meredith. A Curriculum Statement: Designing Experiences, Not Objects. LOOP: AIGA Journal of Interaction Design Education, n. 1, p. 1-5, 2000.

ENGELBART, Doug C. Augmenting Human Intellect: A Conceptual Framework. Menlo Park: [s.n.], 1962

FOLEY, J. D.; WALLACE, V. L. The art of graphic man-machine conversation. Proceedings of the IEEE, n. 62, p. 462-471, 1974.

GRUDIN, Johnatan. Three Faces of Human-Computer Interaction. IEEE Annals of the His-tory of Computing, v. 27, n. 4, p. 46-62, 2005.

Mudança de paradigma no campo do design

Este texto coloca-se como uma evidência de que é mais fácil falar sobre o outro do que sobre nós mesmos. Por outro lado ele contribui para reafirmar a idéia de que o reconhecimento do outro pode subsidiar processos de autoconhecimento. A identificação de três paradigmas, de “pequena amplitude”, que se desenham no campo de IHC em torno à questão da interação humano-computador, aponta para a possível caracterização de um novo paradigma no campo do design.

Com a penetração progressiva, na esfera do consumo, da computa-ção interativa, vai se configurando um novo domínio do design, com as suas questões específicas. Num primeiro momento, ainda nos anos 1980, Moggridge e Verplank constatam a especificidade de um novo tipo de projeto no mercado, nomeando-o como design de interação. Ao longo dos anos 1990, esta nova prática vai ganhando corpo.

Em texto de 2001, Richard Buchanan busca compreender essa e ou-tras mudanças então em curso no campo do design. Para isso propõe quatro ordens, que devem ser encaradas como “lugares”, no sentido de tópicos para descoberta e não de categorias com significado fixo.

As duas primeiras ordens, o design gráfico e o desenho de produto destacam-se no estabelecimento da profissão ao longo do século 20, e correspondem respectivamente à comunicação, sintetizada em símbo-los, e aos bens tangíveis, ou coisas. Tentando caracterizar as transfor-mações, Buchanan identifica duas novas ordens: ao lado dos símbolos e das coisas colocam-se a ação e o ambiente, que respectivamente cor-respondem ao design de interação e ao design ambiental e de sistemas. Estes não substituem as duas primeiras ordens, mas trazem novos mo-dos de avaliação:

“é, certamente, importante que os designers saibam como criar sím-bolos visuais para a comunicação e como construir artefatos físicos, mas se estes não se tornarem parte da experiência viva dos seres hu-manos, sustentando-os nas performances de suas próprias ações e experiências, símbolos visuais e coisas não terão valor ou sentido” (Buchanan, 2001, p.10-12, tradução nossa).

34 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 35

port, n. 574. ISSN: 1476-2986. Reedição da tese de doutorado submetida originalmente em 1963.

RUSSELL, Stuart J.; NORVIG, Peter Artificial Intelligence: A Modern Approach. 3. ed. New Jersey: Prentice Hall, 2010.

SHACKEL, Brian. Ergonomics in the Design of a Large Digital Computer Console. Ergono-mics, v. 5, pp. 229-241, 1962.

SHNEIDERMAN, Ben. Software psychology: human factors in computer and information systems. [S.l.]: Winthrop Publishers, 1980.

US CENSUS BUREAU. Herman Hollerith. [S.l.]: [s.n.], 2011. Disponível em: <http://www.census.gov/history/www/census_then_now/notable_alumni/herman_hollerith.html>. Acesso em: 12 out. 2011.

WINOGRAD, Terry. (Org.). Bringing Design to Software. New York: ACM Press, 1996.

WINOGRAD, Terry. From Computing Machinery to Interaction Design. In DENNING, Pe-ter J.; METCALFE, Robert M. Beyond Calculation: The Next Fifty Years of Computing. New York: Springer-Verlag, 1997. p. 149-162.

HANSEN, W. User Engineering Principles for Interactive Systems. AFIPS conference procee-dings. v. 39. [S.l.]: AFIPS Press, 1971. p. 523-532.

HEWETT, Thomas T.; BAECKER, Ronald; CARD, Stuart et al. ACM SIGCHI curricula for human-computer interaction. 1992.

JACOB, Robert J. K. User Interface. In: RALSTON, A. REILLY, E. D.; HEMMENDINGER, D. (Ed.). Encyclopedia of Computer Science. 4. ed. [S.l.]: Wiley, 2003. p. 1821-1826.

KUHN, Tomas S. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. São Paulo: Perspectiva, 2007. Publicado originalmente em 1962.

LESSA, Washington Dias. Objetivos, desenvolvimento e síntese do projeto de design: a cons-ciência do método. In WESTIN, Denise; COELHO, Luiz Antonio L (Org.). Estudo e prática de metodologia em design nos cursos de pós-graduação. Rio de Janeiro: Novas Idéias, 2011. p. 18-54.

LICKLIDER, J. C. R. Man-Computer Symbiosis. IRE Transactions on Human Factors in Elec-tronics, v. HFE, n. 1, p. 4-11, 1960. Disponível em: <http://groups.csail.mit.edu/medg/people/psz/Licklider.html>. Acesso em: 2 ago. 2011.

MARTIN, James. Design of man-computer dialogues. [S.l.]: Prentice-Hall, 1973.

MOGGRIDGE, Bill. Designing Interactions. Cambridge, MA: MIT Press, 2007.

NELSON, Ted. A File Structure for the Complex, the Changing, and the Indeterminate. Proc. ACM National Conference, 1965, p. 84-100.

NELSON, Ted. A Conceptual Framework for Man-Machine Everything. Proc. National Com-puter Conference, 1973, p. M21-M26.

NELSON, Ted. Tim Berners-Lee Re Ted Nelson. [S.l.: s.n., 1999?]. Disponível em: <http://hyperland.com/TBLpage>. Acesso em: 12 out. 2011.

NORMAN, Donald A. The psychology of everyday things. New York: Basic Books, 1988.

NORMAN, Donald A. The design of everyday things. [S.l.]: Doubleday, 1990.

NORTH, J. D. The rational behavior of mechanically extended man. Wolverhampton, Eng.: Boulton Paul Aircraft Ltd., September, 1954.

PREECE, Jennifer J. ROGERS, Yvonne; SHARP, Helen. Design de interação: além da intera-ção humano-computador. Porto Alegre: Bookman, 2005.

RALSTON, A.; REILLY, E. D.; HEMMENDINGER, D. Encyclopedia of computer science. [S.l.]: Wiley, 2003.

RHEINGOLD, Howard. Chapter One: The Computer Revolution Hasn’t Happened Yet. To-ols for thought. [S.l.]: Simon & Schuster, 1985. Disponível em: <http://www.rheingold.com/texts/tft/1.html>. Acesso em: 15 ago. 2011.

SUTHERLAND, Ivan E. Sketchpad: A man-machine graphical communication system. Cam-bridge, UK: University of Cambridge Computer Laboratory, 2003. Coleção: Technical re-

Design Estratégico, Inovação e Sustentabilidade

Heloisa MouraIllinois Institute of Technology

1 - Introdução

A inovação tornou-se a pedra angular e o pilar estruturante da compe-titividade de empresas bem sucedidas em todo o mundo, assim como do seu crescimento sustentável – social, ambiental, institucional e eco-nomicamente. Inovar, em conseqüência, deixou de ser uma condição para diferenciação no competitivo mercado global, e passou a ser uma questão de sobrevivência.

Entretanto, de acordo com o estudo conduzido pela McKinsey& Company (2007) – How companies approach innovation: A McKin-sey Global Survey (Como empresas abordam a inovação: uma enquete global da McKinsey) – a maior parte das empresas estudadas carece de um processo estruturante para apoiar a inovação, e a maioria dos seus executivos obtém suas idéias inovadoras de fontes informais externas as suas empresas, tais como discussões com amigos, e não das unida-des de negócio ou times formais da corporação. Além de que: somente 40% utilizam dados de pesquisa para a tomada de decisão acerca do desenvolvimento da idéia inovadora; 37% dependem de consenso en-tre os seus pares; e 21% usam a intuição.

Adicionalmente, na última década, o número de novos produtos in-troduzidos para o consumidor no mercado americano, por exemplo, cresceu de uma taxa de 7% para 32.000 ao ano, conforme pesquisa da Productscan Online (Kandybin e Kihn, 2004), enquanto as vendas aumentaram apenas 3%. Ou seja, criar inovações continua e sistema-ticamente, e de forma rentável, é um grande desafio e um caminho desconhecido por muitas empresas, ocorrendo com freqüência de for-ma desestruturada, fragmentada e distante da compreensão das reais necessidades dos usuários para a qual a solução se destina.

38 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 39

da, utilizando equipes multidisciplinares e abertas ou não hierárquicas, com estrutura simbiótica de parcerias, tendo clientes e usuários como co-criadores. A abordagem do design, dentre suas múltiplas visões, se insere na segunda classificação.

Em seu cerne, a abordagem do design traz a forma particular de tratar das questões complexas do cotidiano e resolver problemas de forma sistêmica que é própria do design – conhecida como design thinking (Brown, 2009) ou pensamento estratégico do design, e associada ao que Martin (2009) chama de integrative thinking ou pensamento inte-grador, e ao que Gartner denomina hybrid thinking (2010) ou pensa-mento híbrido. O trabalho pioneiro de Robert McKim (1973) na Uni-versidade de Stanford sobre o pensamento visual traz insumos para a definição do termo design thinking, que foi popularizado pela IDEO através de David Kelley como uma forma de ação criativa adaptada aos propósitos do negócio.

Essa abordagem traz um diferencial em comparação, por exemplo, ao pensamento analítico, por ser um processo criativo baseado na cons-trução incremental de idéias. Em função da ausência de critérios pré--estabelecidos, elimina o medo de errar e encoraja tanto o pensamento ‘fora da caixa’, ou seja, além da obviedade, com o maior envolvimento dos participantes na ideação e prototipação de alternativas criativas. E diferentemente do pensamento científico, o qual começa com a defi-nição de todos os parâmetros do problema a fim de definir a solução, o design começa pela solução a fim de definir suficientes critérios para aperfeiçoar o caminho até a meta.

A abordagem estratégica do design de inovação adiciona novos ele-mentos à perspectiva tradicional da disciplina, enfatizando a centrali-dade no ser humano e no valor econômico e social agregado, de forma sustentável. E em função do seu diferencial, essa abordagem estratégi-ca tem tido presença crescente em programas de pós-graduação, prin-cipalmente na América do Norte e Europa, e em empresas de prati-camente todos os setores e classificações da indústria. Combinando o enfoque do design (Ainamo, 2008; Fasnacht, 2009) ao conhecimento

Na essência desse caminho está um processo capaz de trazer para o mercado, com sucesso, novos negócios, sistemas, produtos, serviços, interfaces ou experiências, e agregar valor econômico. E dentre as diferentes abordagens e processos de apoio à inovação, o potencial do Design – e seu pensamento estratégico, conhecido como design thinking – vem se destacando como elemento estruturante, ao lado de seu conjunto de métodos e práticas que convergem conhecimentos oriundos de múltiplas disciplinas.

Este artigo discute a abordagem estratégica e participativa do design – capaz de orquestrar os elementos tangíveis e intangíveis necessários para apoiar a inovação, quer incremental ou radical – assim como o seu lugar na contemporaneidade, e a sua vocação dialógica com diversas áreas do conhecimento.

2 - Inovação estratégica apoiada pelo design

Por definição, inovação está relacionada à mudança – seja incremental, radical ou revolucionária – em conceitos, produtos, serviços, processos ou organizações. Segundo o manual de Oslo (OECD, 2005), ela corres-ponde à implementação de um novo, ou significativamente melhorado, produto – isto é, bem ou serviço – processo, estratégia de mercado, método organizacional de prática de negócio, ambiente de trabalho ou relação externa. O design estratégico (Ainamo, 2008; Eckersley, 2003) acrescenta que ela deve, ainda, agregar valor para o ser humano e trazer lucro para ser considerada inovação.

Dentre as diferentes abordagens utilizadas para apoiar a inovação con-trastam-se a monolítica e a colaborativa (DeCusatis, 2008). A primeira é caracterizada pela invenção isolada, baseada na posse e na proprie-dade de patente, a qual é direcionada por objetivos bem definidos, uti-lizando equipes de pesquisa unidisciplinares e fechadas, com estrutura hierárquica, para desenvolvimento local e especializado, voltado para consumidores passivos. E a abordagem colaborativa é caracterizada pelo processo participativo, baseado no compartilhamento e expansão de valor para o cliente, direcionado por percepção e resposta à deman-

40 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 41

de entender o mundo. Para Kolodner (1997), o design é um modo de aprender fazendo, o qual, conforme Papert e Harel (1991), enquanto a atividade é aberta não é planejada, permite a experimentação ou bri-colagem. Norman (2000) sugere que o design pode ser visto como um modelo ou framework tanto para o pensamento como a aprendizagem inovadora, considerando que permite experimentar idéias e vivenciar as conseqüências.

Essa forma de saber, pensar e agir próprias do design se molda, para Rowe (1987), a partir do tipo de problema a solucionar: bem definido, mal definido ou complexo. Problemas bem definidos são aqueles cujas metas são estabelecidas, assim como o meio para alcançá-las. Proble-mas mal definidos são aqueles os quais tanto as metas como o meio de alcançá-las são desconhecidos em sua completude. E problemas com-plexos são um tipo de problema mal definido para o qual existe uma dificuldade maior de se encontrar uma solução, em função da ausência de base explicita para o término do problema.

Dentre os requerimentos cognitivos para solução de problemas incluem-se: a) conhecimento do campo específico, tal como fatos e princípios de uma área particular do conhecimento, e b) schemata ou conhecimento estruturado do campo específico – isto é, redes de in-formação armazenadas na memória de longo termo (Ge and Land 2004; and Chi and Glaser 1985). Ge e Land propõem que a falta de conhecimento adequado conduz a soluções inadequadas, e a ausência de schemata apropriado força designers iniciantes a aplicarem estra-tégicas genéricas e ineficientes para resolverem problemas, ao invés de específicas ao contexto em referência. Quando tais requerimentos cognitivos estão ausentes ou são limitados, a metacognição se torna necessária para a resolução de problemas mal estruturados. Alguns dos requerimentos metacognitivos são: a) conhecimento sobre a cognição ou consciência sobre o próprio pensamento e capacidades; e b) regu-lação da cognição ou conhecimento sobre quando e onde utilizar tais estratégias, como, por exemplo, na identificação de que uma falha na própria compreensão ocorreu.

de múltiplas disciplinas, tais como administração, antropologia e ma-rketing, o design estratégico tem tido papel cada vez mais relevante no mundo contemporâneo, oferecendo um caminho para a inovação sistemática, considerando tanto os aspectos humanos e do negócio.

3 - O pensamento estratégico do design

Cross (2006) propõe que “[…] existe suficiente evidência para fazer uma razoável afirmação de que existem formas particulares de saber, pensar e agir próprias do design,” (p.115) – chamadas de designerly ways of knowing, thinking and acting – com uma preocupação central não somente, mas também com “a conceituação e realização de coisas novas”. Essa habilidade do design, afirma, pode ser considerada uma capacidade cognitiva que todos possuem em certo grau.

De acordo com Owen (2007), “o designer inventa novos padrões e conceitos que vão ao encontro de fatos e possibilidades” (p.17), tra-zendo compreensão e discernimento a um mundo com crescentes problemas, e transformando este saber em novas soluções criativas. E, além da criatividade, a abordagem estratégica do design combina um conjunto de características tais como: inventividade condicionada, centralidade no ser humano, visão sistêmica e generalista, habilidade de visualização e uso de múltiplas linguagens, preocupação com a susten-tabilidade, predisposição para a adaptividade e multifuncionalidade, e afinidade com trabalho em grupo, dentre outras. Acrescenta-se a essas, a sua característica projetual e as suas capacidades de: empatia, colabo-ração multidisciplinar, reconhecimento de oportunidades de mercado, análise e síntese sistêmica de dados qualitativos e quantitativos, tradu-ção de achados e aprendizados em soluções e modelos de negócio, exploração de alternativas, tangibilização ou materialização de idéias de modo que seja possível testá-las, prototipação incremental, e aprendi-zagem através do fazer ou learning by doing.

Rowe (1987) propõe que o design é “um modo fundamental de ques-tionamento, através da qual o homem realiza e dá forma a idéias […]” (p.1). Wiggins e McTighe (1998) descrevem o design como uma forma

42 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 43

a definição do espaço problema-solução – entendido como oportuni-dade para a inovação. Traduzindo esse processo de forma sistêmica e iterativa, Moura (2010a) propôs o Ciclo Estratégico de Design e Ges-tão da Inovação.

O Ciclo Estratégico de Design e Gestão da Inovação (Figura I) é uma representação do processo de design estratégico de inovação na forma circular, indicando a ocorrência de iteratividade. Esse processo estrutu-rado contém seis fases principais e uma sétima que envolve as demais e permeia cada uma delas, a saber:

1) Direcionamento Estratégico2) Imersão Contextual3) Ideação Colaborativa4) Prototipação Iterativa5) Desenvolvimento Ágil6) Suporte Continuado7) Gestão da Inovação

A primeira etapa de Direcionamento Estratégico pretende definir, ten-tativamente, o foco e escopo do projeto de inovação. Ela pode partir da proposta inicial de direcionamento do cliente, mas tendo clareza do fato de que esta pode não conduzir aos resultados esperados, tais como alto Retorno de Investimento. Desse modo, reúne insumos suficientes para comprovar ou refutar a hipótese do cliente e explorar áreas ad-jacentes em busca de oportunidades para a inovação. Outra forma de começar é não adotar um direcionamento específico e explorar mais abertamente o espaço de oportunidade através da fase seguinte. Qual-quer que seja a opção, o escopo inicial deve ser amplo o suficiente para investigar áreas adjacentes ao foco, e permitir o refinamento, ou até o redirecionamento durante o processo.

Já a abordagem estratégica do design de inovação começa muito antes da definição do problema ou da oportunidade. Na verdade, ele começa pela busca de insumos para a definição do espaço problema-solução ou espaço de oportunidade para a inovação, considerando tanto os aspectos humanos como os do negócio.

4 - O processo estratégico de design de inovação

O design faz uso de métodos participativos e de um processo particu-lar para resolução de problemas bem ou mal definidos, e complexos. Segundo Rowe (1987), o processo de design tradicional inclui: a repre-sentação do problema, a geração da solução e a avaliação da solução. Juntos, esses três componentes definem os procedimentos do design, que incluem: tentativa e erro ou sucessão de episódios independentes e randômicos para geração e avaliação; geração e teste, ou busca direcio-nada do espaço-problema através da elaboração sobre o procedimento de tentativa e erro com a finalidade de guiar explicitamente as próximas alternativas; análise meio-fim, ou conjunto de ações, metas e regras de decisão para conectá-las, com base na análise de metas e na seleção das ações apropriadas; e racionalização heurística, ou procedimentos de decisão que utilizam regras básicas para nortear a busca.

Ge e Land (2004) propõem um modelo conceitual para andaimento de processos de resolução de problemas mal estruturados, ou aqueles que raramente possuem uma única solução correta com a qual todos concordem unanimemente. Os autores analisam quarto características e processos de problemas mal estruturados com relação aos requeri-mentos cognitivos e metacognitivos, incluindo:

1) representação do problema2) geração de soluções 3) justificativa 4) monitoramento e avaliação.

O processo de design estratégico de inovação, em contraste, começa pelo mapeamento de atores relevantes e imersão em seu contexto para

44 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 45

A segunda etapa é chamada de Imersão Contextual e objetiva tanto a compreensão das pessoas reais com relevância para o desenvolvimento da solução inovadora, como o mapeamento do mercado. Ela combina pesquisa primária e secundária, cruzando dados qualitativos e quanti-tativos a fim de identificar áreas de oportunidade, adjacências e áreas de saturação para a inovação. Durante a pesquisa de campo, utilizando a etnografia em combinação métodos evocativos e lúdicos do design, ocorre a imersão profunda nos contextos de interação dos diferentes atores da cadeia de valor, com a identificação de seus padrões de com-portamento, anseios, motivações, valores, necessidades – quer articula-das ou latentes – e situações problema. Durante a pesquisa secundária é produzido um estudo de inteligência de mercado, com a investigação detalhada sobre o mercado direto e indireto, as forças e tendências relevantes, e o posicionamento de empresas e soluções concorrentes, além da busca de inspiração em diversos segmentos de mercado. A análise e síntese estratégica de todos esses dados conduz à identificação de achados, ou insights, e à identificação de temas emergentes e recor-rentes. Além disso, leva ao agrupamento de necessidades e problemas identificados, à formulação de personas ou arquétipos, e à definição de critérios e princípios norteadores para o processo de design – os quais servem de fundamentação para a geração de soluções inovadoras na fase seguinte, e permitem o refinamento do foco do projeto. Divi-do em quatro partes, esta etapa inclui: Pesquisa de Mercado, Pesquisa Etnográfica, Análise e Síntese Estratégica, e Critérios Norteadores. Dentre as ferramentas nela utilizadas estão incluídas: Análise de Pre-cursores da Inovação, Videoetnografia, Entrevista Contextual, Cartões de Evocação Cultural, Arquétipo de Usuário, e Matriz de Insights. E dentre os entregáveis desta fase para o clientes estão incluídos: Relató-rio de Pesquisa, Arquétipos de Usuários Extremos, Matriz de Insights, e Critérios Norteadores para o Design.

A terceira etapa de Ideação Colaborativa tem foco na geração de ide-ais com base no que foi aprendido na fase anterior – sintetizado nos achados, arquétipos e critérios norteadores. Ao contrário de brains-tormings ou sessões generativas de natureza aberta, o processo de

Figura I - Ciclo Estratégico de Design e Gestão da Inovação (Moura, 2010a)

Nessa etapa inicial, faz-se também uma imersão no cliente a fim de entender o contexto, estratégia corporativa, especialidades, e diferentes atores de relevância na empresa. Como resultado dessa colaboração com o cliente, a primeira etapa produz o briefing do projeto, contendo histórico, problema, objetivo, público alvo, escopo, áreas geográficas e investimento. Durante este alinhamento, ocorre também a troca de insumos para o detalhamento do Plano de Projeto. Assim, em resu-mo, esta etapa é dividida em quatro partes: Definição da Demanda, Identificação do Espaço de Oportunidade, Planejamento de Projeto, e Detalhamento da Pesquisa. E dentre as ferramentas utilizadas – as quais fazem parte da Coletânea de Métodos do Design (Moura, 2010a; IDEO, 2003, 2009; ID/IIT 2007, 2008; Design Council, 2010; Engine, 2010; Silk, 2009; Tassi, 2009; O’Grady & O’Grady, 2006; Osterwalder, 2009), compiladas em uma Wiki (Moura, 2010b), incluem: Workshop de Alinhamento Estratégico, Ciclo de Vida do Sistema, Mapeamento de Atores da Cadeia de Valor, e Planejamento de Projeto. Por fim, dentre os entregáveis desta fase para o clientes estão incluídos: Briefing acordado, Plano de Projeto, e Protocolo de Pesquisa.

46 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 47

para o cliente estão incluídos: relatório de prototipação contendo a fundamentação de cada ciclo de iteração e teste de protótipo, protó-tipos de baixa à alta fidelidade com documentação, quadro de especi-ficação aprovado, recomendações para desenvolvimento, estratégia de viabilização, plano de negócios e workshop de apresentação.

A quinta etapa de Desenvolvimento Ágil tem foco no desenvolvimen-to da solução ou sistema, e inclui quatro partes: Desenvolvimento Iterativo, Homologação Continuada, Estratégia de Implementação e de Capacitação, e Implementação e Capacitação Contextuais. Dentre as ferramentas utilizadas nesta fase estão incluídas: Modelo para De-senvolvimento Colaborativo, Quadro de Homologação, Plano de Im-plementação, Plano de Capacitação e Suporte, e Manual de Operação. E dentre os entregáveis desta fase para o cliente estão incluídos, além da própria solução testada, homologada e implementada: Workshops de orientação, Relatório contendo documentação de teste e homolo-gação, Manual de Orientação, e Estratégias de Capacitação, Suporte e Acompanhamento.

A sexta etapa de Suporte Continuado pretende acompanhar a implan-tação da solução continuamente e aferir o resultado, incluindo quatro partes: Monitoramento Continuado, Suporte Presencial e Online, Re-visão Periódica, e Avaliação de Resultado. Dentre as ferramentas utili-zadas nesta fase estão incluídas: Sistema de Monitoramento Continua-do, Quadro de Acompanhamento de Problemas, Métricas Qualitativas e Quantitativas de Avaliação de Resultado, e Helpdesk. E dentre os entregáveis desta fase para o clientes estão incluídos: Relatório Perió-dico de Suporte e Acompanhamento, e Avaliação de Longo Termo do Resultado do Projeto.

A sétima etapa, chamada de Gestão da Inovação, atravessa as etapas anteriores e inclui quatro partes: Mapeamento da Inovação, Capacita-ção Continuada, Implantação de Ferramentas e Processos de Apoio à Inovação, e Gestão de Processos e Mudança. Dentre as ferramentas utilizadas nesta fase estão incluídas: Blog de Inovação, Plataforma de Compartilhamento de Pesquisa de Apoio à Inovação, Aplicativo de

ideação está focado na criação de soluções que vão ao encontro tanto das necessidades identificadas, como das áreas de oportunidade do mercado. É um processo que tem como base a co-criação, envolven-do a equipe de projeto, usuários e cliente. Nele, os participantes são encorajados a produzir o maior número possível de idéias para cada arquétipo e grupo de necessidades, e também a iterar e combinar ideais, sem criticar as idéias dos demais. Após a geração de grande quantitativo de idéias, estas são avaliadas, ranqueadas, e selecionadas, com base nos critérios estabelecidos, resultando em um catálogo de conceitos, que serve como base para o desenvolvimento de um plano de prototipação. Esse catálogo é organizado por temas e estruturado na forma de um sistema de conceitos interrelacionados, contendo ce-nários, listagem de características, variações, descrição dos principais benefícios e desafios, e relacionando as idéias aos critérios, arquétipos e necessidades que buscam atender. Desse modo, dividido em quatro partes, esta etapa inclui: Brainstorming Participativo, Iteração e Va-lidação de Conceitos, Composição e Análise da Solução Conceitual, e Plano de Prototipação. Dentre as ferramentas utilizadas nesta fase estão incluídas: Brainstorming Direcionado, Matriz de Conceitos, e Projeção de Retorno sobre Investimento (ROI). E dentre os entre-gáveis para o clientes estão incluídos: Relatório contendo Matriz de Conceitos, Catálogo de Soluções, Cenários de Uso, Análise de ROI, e Plano de Prototipação.

A quarta etapa, chamada de Prototipação Iterativa, tem como objetivo a tangibilização ou materialização dos conceitos gerados, de forma rá-pida e barata em níveis crescentes de fidelidade e contextualidade, em interação contínua com usuários e clientes. Dividido em quatro par-tes principais, esta fase inclui: Prototipação em Níveis Crescentes de Fidelidade, Teste Iterativo em Níveis Crescentes de Contextualidade, Especificação Iterativa, e Estratégia de Desenvolvimento e Viabiliza-ção. Dentre as ferramentas utilizadas nesta fase estão incluídas: Matriz de Prototipação, Protótipo de Experiência, Mágico de Oz, Mapa de Sistema, Teste de Usabilidade, Matriz de Recomendações, Quadro de Especificação, e Plano de Negócios. E dentre os entregáveis desta fase

48 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 49

BROWN, T. Change by design: how design thinking transforms organizations and inspires innova-tion. Nova Iorque: HarperCollins Publishers, 2009.

CHI, M.; GLASER, R. Problem solving ability. In R, Sternberg (Ed.), Human abilities: An informa-tion processing approach (pp. 227-250). São Francisco: Freeman.

CROSS, N. Designerly ways of knowing. London: Springer-Verlag, 2006.

DECUSATIS, C. Creating, Growing, and Sustaining Efficient Innovation Teams. In: IBM Corpora-tion, 2008. (http://www.foursightonline.com/ dojo/4/IBM-article-TEAMS.pdf)

DESIGN COUNCIL. Design Council Method Bank. In: Design Council Design Methods, 2010. (http://www.designcouncil.org.uk/designmethods)

ECKERSLEY, M. Integrated Design Strategy Management: Challenges and Opportunities. In: DMI, 2003. (http://www.dmi.org/dmi/html/ publications/news/ebulletin/ ebvmarme.pdf)

ENGINE. Engine Service Design. In: Engine service design: Our process, 2010. (http://www.enginegroup.co.uk/service_design/our_process)

FASNACHT, D. The strategic value of growth and innovation. Springer Berlin Heidelberg, 2009.

GE, X.; LAND, S. A conceptual framework for scaffolding ill-structured problem-solving processes using question prompts and peer interactions. Educational Technology Research and Develo-pment. 52(2): 5-22, 2004.

GARTNER, INC. Introducing hybrid thinking for transformation, innovation and strategy. Report ID 600172065, 2010.

ID/IIT. IIT Institute of Design Methods. In: ID Idiom, 2007. (http://trex.id.iit.edu/news/idiom/030907/idmethods_poster.pdf)

ID/IIT. ID Wiki. In: ID Wiki Main Page, 2008. (http://www.idwiki.org/ ~idwiki/index.php?title=Main_Page)

IDEO. Ideo Method Cards: 51 ways to inspire design. Palo Alto: William Stout, 2003.

IDEO. HCD Toolkit. Palo Alto: Ideo Books, 2009.

KANDYBIN, A.; KIHN, F. Raising your return on innovation investiment. Strategy + Business, Resilience Report, 2004.

KELLEY, D. Design thinking can be learned, David Kelley on how to teach creativity. In Busines-sWeek, 29.09.2009. (http://www.businessweek .com/mediacenter/video/innovation/3def41e1b7396a87d623c3f13762 217960729575.html)

KOLODNER, J. Educational implications of analogy: A view from case-Based Reasoning. Ameri-can Psychologist, 52: 35-44, 1997.

MARTIN, R. The design of business: Why design thinking is the next competitive advantage. Bos-ton: Harvard Business Press, 2009.

MOURA, H. T. Design e Gestão Estratégica da Inovação. P&D 2010, 2010a.

MOURA, H. T. Ciclo Estratégico de Design e Gestão da Inovação. In: WikiD, 2010b. (http://www.wikid.com.br/)

MCKIM, R. Experiences in Visual Thinking. Brooks/Cole Publishing Co., 1973.

MCKINSEY&COMPANY. How companies approach innovation: A McKinsey Global Survey. Mckinsey Quarterly, 2007. (http://www.mckinsey quarterly.com/Strategy/Innovation/How_companies_approach_innovation_A_McKinsey_Global_Survey_2069?pagenum=6)

NORMAN, D. The design of everyday things. Autor: Donald A Norman Editora: London : The MIT Press, 2000.

WebStorming, Ferramenta de Gestão da Inovação, e Laboratório de Prototipação. E dentre os entregáveis desta fase para o cliente estão incluídos: Workshops de capacitação continuada, sessões de ideação colaborativa, blog de sistematização da pesquisa, e relatórios periódi-cos de gestão da inovação.

Desse modo, o Ciclo Estratégico de Design e Gestão da Inovação des-creve o processo, baseado em design thinking e na co-criação, que per-mite gerar inovações de forma estruturada e contínua, resultando em lucro sustentável e em soluções que convergem necessidades humanas e oportunidades de mercado.

5 - Conclusão

O reconhecimento da importância da inovação vem crescendo mun-dialmente em todos os setores da economia. No entanto, com freqüên-cia, o processo de inovação de muitas empresas ainda ocorre de forma desestruturada, fragmentada e distante da compreensão do mercado e das reais necessidades dos usuários para a qual o produto ou serviço se destina. Nesse contexto, o pensamento estratégico do design, também conhecido como design thinking, junto aos seus processos, métodos e práticas, oferece um caminho para a inovação sistemática e contí-nua – quer incremental ou radical. Ilustrado pelo Ciclo Estratégico de Design e Gestão da Inovação, o processo estratégico do design traduz a compreensão das pessoas e do mercado em soluções sustentáveis, ligando necessidades humanas não articuladas a soluções de negócio que ao mesmo tempo agregam valor e geram lucro. Tal abordagem, combinando conhecimentos de áreas como Antropologia, Business e Marketing, confirma a vocação dialógica e integradora do design, e sua relevância crescente na contemporaneidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASAINAMO, A. Strategic Design and Innovation Rules of the Game: Pathways to Success, Interna-

tional DMI Education Conference, Design Thinking: New Challenges for Designers, Managers and Organizations. Paris, 2008.

50 | Instituto Infnet

Design para situações de ensino-aprendizagem: desafios e

possibilidades para a Educação Integral

Bianca MartinsInstituto Infnet

Leonardo Nolasco-SilvaInstituto Infnet

IntroduçãoQuando pensamos no tema ‘Educação’ somos, geralmente, levados a problematizar os percalços vivenciados por esta prática social na atu-alidade, considerando as inúmeras constatações – científicas e do sen-so comum – de que a educação formal está em crise. Falase sobre as dificuldades encontradas pelo professor para o exercício eficaz da sua profissão – dificuldades financeiras, estruturais e de formação – e ainda constata-se o mau funcionamento do próprio sistema de ensi-no que, arraigado numa tradição deslocada no tempo, insiste em se fazer autoritário, fechado, alheio às mudanças de uma suposta “pós--modernidade”. Diante deste quadro – de muitas críticas, mas de pou-cos apontamentos que visam minimizar o “tal problema da educação”, conduziremos nossa reflexão a partir do diálogo entre a teoria educa-cional e o conhecimento acumulado no campo do Design, mais espe-cificamente no âmbito do Design Instrucional, aqui entendido como Design para situações de ensino-aprendizagem1, o sujeito é motivado a pensar, julgar e desenvolver-se através de uma participação ativa.

Iniciaremos a discussão considerando o caráter interdisciplinar que simboliza tanto o Design quanto à Didática, campo da teoria educacio-nal que pretende refletir sobre a prática do professor na sala de aula.

1 O termo Design para situações de ensino-aprendizagem é utilizado por: MARTINS & COUTO, 2008 e PORTUGAL & COUTO, 2010.

OECD (Organisation for Economic Co-operation and Development). Oslo Manual – The me-asurement of scientific and technological activities: Proposed guidelines for collecting and interpreting technological innovation data. In: OECD, 2005. (http://www.oecd.org/ dataoe-cd/35/61/2367580.pdf)

O’GRADY, J. V.; O’GRADY, K.V. A designer’s research manual: Succeed in design by knowing your clients and what they really need (Design Field Guides). Beverly, MA: Rockport Publishers, 2006.

OSTERWALDER, A.; PIGNEUR, Y. Business model generation: A handbook for visionaries, game changers and challengers. Portland: OSF, 2009.

OWEN, C. Design thinking: Notes on its nature and use. Design Research Quarterly, 2 (1): 16-27, 2007.

PAPERT, S..; HAREL, I. Constructionism. Ablex Publishing Corporation, 1991.

SILK. Silk method deck. In: Social Innovation Lab for Kent, 2009. (http://socialinnovation.type-pad.com/silk/silk-method-deck.html)

TASSI, R. Service design tools: Communication methods supporting design process. In: Service Design Tools, 2009. (http://www.service designtools.org/about)

WIGGINS, G.; MCTIGHE, J. Understanding by design. Alexandria, VA: Association for Supervi-sion and Curriculum Development, 1998.

52 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 53

b) A elaboração da forma, por sua vez, envolve a sintática (forma, ma-terial, cor, textura etc.) a semântica (conteúdo ou essência do objeto) e a pragmática (objetivos, finalidades e valores).

A criação de um objeto de Design é, pois, um continuum de escolhas pautadas no transitar entre saberes acumulados. Bomfim (1994: 16) pontua:

Contexto social: filosofia, política, história, comunicação, legislação, ecologia etc.

Processo criativo e produtivo: tecnologias de fabricações materiais, planejamento, administração, marketing.

Processos de utilização: ergonomia, psicologia, sociologia, antro-pologia etc.

Planejamento/ projeto da forma: metodologia, teoria da forma e teoria da cor.

Meios de representação: linguagens e comunicação.

Conhecimentos instrumentais deduzidos de outras áreas: física, matemática, química.

Pensar o Design para situações de ensino-aprendizagem exige, por-tanto, a apropriação da teoria educacional e seus desdobramentos no cotidiano escolar, bem como a aquisição de uma base sólida dos sabe-res do Design, compreendendo que ambas as áreas existem em “mun-do possível”, fadado às transformações constantes e a ressignificações locais. Em outras palavras, caberá ao professor atualizar o objeto de design pensado didaticamente para a sua aula, bem como submeter o produto da teoria educacional ao crivo da experiência vivida por ele e por seus alunos.

O campo da didática

Uma vez introduzido o tema do Design, cabe agora uma breve apre-sentação do conceito de Didática. Disciplina presente nos cursos de

Para tanto, nossas reflexões estarão pautadas na prática docente e no apontamento de “soluções” e de “encaminhamentos” sugeridos pelo ofício do designer. Não pretendemos com isso, todavia, propor uma cartilha ao professor, mas sim permitir que a troca de experiências entre as áreas supracitadas gerem “possibilidades” de sínteses, atualiza-ções e bricolagens2. Comecemos, então, situando o Design.

O universo do design

De acordo com Bomfim (1994), o Design é tradicionalmente reco-nhecido como a junção de teoria e práxis aplicadas à configuração de objetos de uso e sistemas de informação.

Tal configuração implica, assim, a construção de um processo (ou pro-jeto) e seu respectivo resultado, isto é, a forma. Por isso, o design é di-ferente da arte ou do artesanato, pois fundamenta-se na lógica de uma práxis que segue princípios científicos em seu objetivo de configurar objetos – seja em termos de conteúdo, seja na alçada da forma. A título de sistematização, podemos argumentar que:

a) A atividade de configurar abrange três áreas: a relação entre o obje-to e o designer (criação, planejamento, comunicação), a relação entre o objeto e os meios de produção (tecnologia, processos, materiais, etc.) e a relação entre o objeto e o usuário (aspectos biofisiológicos, psicológicos, cognitivos e sociológicos do uso);

2 Ao falarmos de síntese pensamos na proposta de Mannheim acerca do Terceiro Caminho – uma escolha consciente, planejada advinda do estudo minucioso de todas as possibilidades existentes; o conceito de atualização nos remete a Umberto Eco, para quem uma obra de arte estará sempre incompleta até que o leitor/observador/fruidor dela fizer algum uso. Assim é, para nós, a sala de aula: um espaço aberto à incorporação de sentidos que, só serão definidos, quando os alunos fizerem suas atualizações, leitu-ras e usos do conhecimento produzido/modificado/ressignificado em sala e fora dela; por fim, o termo bricolagem advém da antropologia e, aqui, utilizamos no sentido de conferir ao conhecimento escolar um uso prático diferente do meramente instrucio-nal, denotativo. Trata-se de se apropriar do conhecimento escolar para usos diversos, ligados ao mundo de sentidos construído pelo aluno.

54 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 55

É a ação intencional e sistemática de ensino que envolve o planeja-mento, o desenvolvimento e a aplicação de métodos, técnicas, ativida-des, materiais, eventos e produtos educacionais em situações didáticas específicas a fim de promover, a partir dos princípios de aprendizagem e instrução conhecidos, a aprendizagem humana. Em outras palavras, definimos Design Instrucional como o processo (conjunto de ativida-des) de identificar um problema (uma necessidade) de aprendizagem e desenhar, implementar e avaliar uma solução para esse problema (Filatro, 2008:3)

Na visão desta autora, além de um processo, o Design Instrucional é também um arcabouço de conhecimentos ligados à pesquisa e à teori-zação de estratégias instrucionais. Assim, ele se dedica a compreender os princípios e os métodos de instrução mais adequados aos diferentes tipos de aprendizagem, propondo dialogar com distintas áreas do saber:

Ciências Humanas: psicologia do comportamento; psicologia do desenvolvimento humano; psicologia social; psicologia cognitiva.

Ciências da Informação: comunicações; mídias audiovisuais; gestão da informação; ciência da computação.

Ciências da Administração: abordagem sistêmica; gestão de proje-tos; engenharia de produção. (Filatro, 2008: 4).

Valendo-se deste entrosamento, o Design Instrucional pretende re-comendar ações de ensino que podem gerar melhores resultados de aprendizagem, uma vez que conta com os olhares provenientes de variados campos do conhecimento. Soma-se a essa tarefa o esforço para compreender de que maneira a informação pode ser combinada, processada e apresentada de forma criativa e precisa, considerando o contexto histórico, social e organizacional mais amplo (Filatro, 2008). Por isso, acreditamos que o Design Instrucional reúne expertises tanto do campo da Didática, quanto do campo do Design, cabendo aqui o aprofundamento das especificidades de um e de outro, quando a pro-posta é configurar os processos de ensinoaprendizagem, seus materiais e ambientes, tendo em conta sua gestão e o contexto onde se realiza. Vale acrescentar ainda que o Design Instrucional:

formação de professores, cabe à Didática refletir acerca do “que fazer” educativo, subsidiando a prática pedagógica no que tange à orientação dos processos de ensino-aprendizagem. Tais processos são vistos por Candau (1993) sob o viés da multidimensionalidade, a saber:

Dimensão humana (relação humana e interpessoal): abordagem subjetiva e afetiva, centrada no processo e na aquisição de atitudes: calor humano, empatia, consideração positiva.

Dimensão técnica (aspecto objetivo e racional): processo de en-sinoaprendizagem como ação intencional, sistemática e que busca organizar as condições que melhor propiciem a aprendizagem. São os objetivos instrucionais, seleção de conteúdo, estratégias de ensino, avaliação etc.

Dimensão político-social (aspecto situacional, contexto): todo o processo de ensino-aprendizagem acontece numa cultural específica, relaciona pessoas concretas com posição de classe, ideologias e con-dutas definidas na organização social em que vivem.

Assim colocado, o “que fazer” educativo varia de professor para pro-fessor, de acordo com as singularidades da escola e da sala de aula em que atua. Mas, a título de orientação, poderemos encontrar nas con-tribuições da Didática, um profícuo caminho para a reflexão/elabora-ção/aplicação das práticas docentes.

Do design instrucional ao design para situações de ensinoaprendizagem

Uma vez estabelecidos os nossos recortes temáticos e os nossos ca-minhos epistemológicos de observação, apontaremos algumas bases e pressupostos do Design Instrucional, não perdendo de vista o argu-mento – aprofundado adiante – de que este campo precisa ressignifi-car-se. De acordo com Filatro (2008) esse campo surgiu recentemen-te, por iniciativa dos treinamentos bélicos, durante a Segunda Guerra Mundial – daí a resistência que temos aqui em associar ‘instrucionismo’ a ‘educação’. Em termos de definição podemos dizer que o Design Instrucional:

56 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 57

•Selecionar, modificar ou criar um modelo apropriado de design e desenvolvimento para determinado projeto

•Selecionar e utilizar uma variedade de técnicas definir e encadear o conteúdo e as estratégias instrucionais

•Selecionar ou modificar os materiais instrucionais existentes

•Desenvolver materiais instrucionais

•Projetar uma solução educacional que se adapte a diversos perfis de alunos ou grupo de alunos

•Avaliar a instrução e seu impacto

•Planejar e gerenciar projetos de design instrucional

•Promover educação, parcerias e relacionamentos entre os participantes de um projeto de design

•Aplicar habilidades de gestão de projetos ao design instrucional

•Projetar sistemas de estão da instrução

• Implementar eficazmente produtos e sistemas

Como vimos, as competências valorizadas pelo Design Instrucional estão intimamente ligadas a um mundo que oferece demandas a todo o momento. O campo da Educação, por exemplo, devido à importân-cia que representa para a conservação e/ou mudança das instituições sociais, experimenta essa efervescência do “vir a ser”, uma vez que o aluno, imerso em múltiplas culturas, não segue padrões de comporta-mento apreensíveis previamente pelo professor. Em outras palavras, a experiência da sala de aula dialoga mais com o imprevisível do que com o estabelecido e o professor, mediador das trocas simbólicas que caracterizam esse “aprenderensinar coletivo”, necessita de meios para chamar a atenção, conservar o interesse e conferir sentido ao que diz/mostra/constrói em sala de aula. O Design Instrucional – ou melhor:

DES

IGN

E D

ESEN

VO

LVIM

ENTO

IMPL

EMEN

TAÇÃ

O E

GES

TÃO

• Não deve ser entendido exclusivamente como ciência compor-tamental confiando exclusivamente nos resultados observáveis da aprendizagem, sob pena subestimar que a aprendizagem é uma ativi-dade complexa;

• Não deve se restringir ao debate pedagógico, uma vez que o mesmo não é suficiente para equilibrar custos, prazos e qualidade;

• Não se limita a escolhas de recursos audiovisuais e formas de comu-nicação, uma vez que os problemas de ensino-aprendizagem não estão restritos à gestão da informação soluções multimídia;

• Não reduz à abordagens sistêmicas de gestão de projetos para pro-cessos de Design porque a aprendizagem é uma atividade humana dinâmica e complexa e não se adequa a esse rigor.

Diante de tantas prescrições ao “não dever” do Design Instrucional resta-nos saber que competências serão trabalhadas nesse campo. Mais uma vez utilizaremos o estudo de Filatro (2008:10):

QUADRO 1 – Competências do Designer Instrucional

•Conduzir um levantamento de necessidades

•Projetar um currículo ou programa

•Selecionar e usar uma variedade de técnicas para definir o conteúdo instrucional

• Identificar e descrever as características da população-alvo

•Analisar as características do ambiente de aprendizagem

•Analisar as características de tecnologias existentes e emergentes e seus usos em um ambiente instrucional

•Refletir sobre os elementos de uma situação antes de finalizar decisões sobre soluções e estratégias de design

PLA

NEJ

AM

ENTO

E A

LISE

58 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 59

Com o passar das décadas, poderíamos supor que a citada cisão já es-taria superada – como sugere Candau (1997) em sua hipótese de pes-quisa: a ampla discussão gerada no campo da pesquisa já possibilitava avanços significativos de consciência e conhecimento, descortinando o impasse (entre a competência técnica – didática instrumental – e o compromisso político – didática fundamental). No entanto, ao pro-mover um levantamento com alunos de Didática, em 1996, a autora constatou que, majoritariamente, o grupo nutria expectativas no senti-do de que lhes fossem ensinadas “as melhores técnicas para transmitir conhecimentos”. (Candau, 1997).

De volta ao Design Instrucional, percebemos que tais contradições também estão presentes, sobretudo quando nos damos conta da classi-ficação exibida em seu título – instrucional. Vejamos o que nos reserva o debate contemporâneo da área.

Design instrucional na contemporaneidade

Devido a sua função de congregar esforços geradores de estratégias, formas de encaminhar relacionamentos e aproveitamento pedagógico de mídias, o Design Instrucional tem a sua existência ligada à Educa-ção on line, em tempos de valorização de uma cultura cibernética. De acordo com Santos (2010), a Educação on line não é uma evolução da Educação à Distância (EAD), mas sim um fenômeno da cibercultura, amparado nas tecnologias digitais. A cibercultura, na definição de Le-mos (apud Santos, 2010:30), “É a forma sociocultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base eletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 70”. A EAD, em contrapartida, man-tem a lógica comunicacional da mídia de massa, separando os sujeitos dos processos de criação dos conteúdos e do próprio desenho didático – o que nos leva a pensar que a Educação à Distância encontra-se ain-da centrada na pedagogia da transmissão, na autoaprendizagem e nos modelos de tutoria reativa, onde o tutor atua como suporte e responde somente quando há dúvidas sobre o conteúdo.

o Design para Situações de Ensino-Aprendizagem – como veremos mais adiante – pode ser um importante aliado na execução dessa tarefa.

Retomando a contribuição de Candau (1997), encontraremos uma aná-lise da trajetória histórica da disciplina Didática também como ciência pautada nas exigências do contexto, isto é, as sistematizações ocorridas nessa área do saber advêm das condições materiais e imateriais estabe-lecidas num determinado contexto sócio-político-cultural. As compe-tências de um profissional que lida com o planejamento das práticas de ensino-aprendizagem, então, estão atreladas, invariavelmente, ao que se apresenta como prioritário num contexto histórico específico, repre-sentando, por isso, as visões de mundo de quem as estabelece.

A partir dos anos 60, argumenta Candau (1997), constatou-se “a afir-mação do técnico e o silenciar do político”, tendo a Didática assu-mido uma pretensa neutralidade diante das questões político-sociais inerentes aos tempos ditatoriais. No entanto, nas décadas seguintes, a autora sinaliza para um movimento de contestação da dinâmica anterior, cabendo à Didática afirmar o político e silenciar o técnico, numa espécie de (re)afirmação antididática. O que fora produzido até então passou a ser criticado por seu viés exclusivamente instrumen-tal, acrítico e descontextualizado frente aos princípios idealizados da escola e do processo pedagógico. Com a cisão do campo, argumenta a autora, passamos a ter duas visões distintas da disciplina:

Didática instrumental: conjunto de procedimentos e técnicas que o professor deve dominar para promover um ensino eficiente. A ope-racionalidade do processo assume a posição de destaque.

Didática Fundamental: parte da análise da relação entre escola-so-ciedade e articula abordagens da educação com diferentes projetos político-sociais situando-se na perspectiva da construção de uma so-ciedade democrática de caráter inclusivo e radical. Procura contextu-alizar as práticas pedagógicas penetrando na problemática educacio-nal e identificando seus determinantes. Concebe a didática como um saber de mediação, de prática social e o “fazer” caracteriza-se pelo sentido ético e político-social do projeto educativo. Por fim, assume uma abordagem crítica da educação.

60 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 61

das autorias e coautorias; incentivar conexões lúdicas, navegações flui-das e simulações.

Fica a indagação: o design instrucional está dando conta desses desa-fios advindos da revolução digital e que mobilizam novas cognições e interações entre sujeitos? Ao mesmo tempo, é preciso compreender quais são as chances reais de instrumentalizar o professor, guiando sua prática que, na prática, dialoga mais com o imprevisível do que com o sistemático.

Concordamos que o Design Instrucional e a Didática possuem uma ligação e até mesmo uma convergência de métodos e interesses. Mas não estamos certos do sucesso dessa interseção de saberes. Candau, por exemplo, ao abordar em sua pesquisa o problema da Didática como disciplina meramente instrucional (hipótese criada a partir de um le-vantamento feito com estudantes), enfatiza quatro eixos temáticos que devem lançar luz ao debate: 1) Escola, sociedade e cultura(s); 2) magis-tério: concepções, realidades e desafios; 3) Cotidiano escolar e 4) Didá-tica, sua trajetória histórica e problemática atual. Assim colocados os pontos a observar/problematizar, enumerou os seguintes objetivos:

• analisar criticamente o papel da escola em nossa sociedade e tomar posição em relação à escola que gostaria de colaborar para construir como projeto educativo, ético e sociopolítico;

• compreender a situação atual e a problemática do magistério no nosso país e situar-se em relação às diferentes concepções do seu pa-pel e de sua formação, assim como valorizar os processos de trabalho coletivo e organização de professores;

• desenvolver uma visão multidimensional do cotidiano escolar, pro-curando abalizar de modo integrado os diferentes processos em com-ponentes que integram o dia-a-dia da escola e da sala de aula;

• construir as bases de uma opção pedagógica consciente, dinâmica e coerentemente assumida como compromisso profissional e exercício da cidadania;

A cibercultura, argumenta Santos (2010), se realiza no ciberespaço, tendo as pessoas a possibilidade de utilizar interfaces que estimulam a co-criação de informações e conhecimentos. Essa co-criação é identifi-cada por Pierre Levy como Inteligência Coletiva. As tecnologias digitais de informação e comunicação apresentam uma nova forma de produzir e difundir a informação, que antes era gravada em suportes materiais (argila, papel, madeira etc.) e que agora passa a ser veiculada através de bits. As mudanças radicais realizadas pelas novas tecnologias da in-formática e das telecomunicações fizeram emergir a revolução digital. Digitalizada, a informação se reproduz, circula, se modifica e se atualiza em diferentes interfaces. É possível digitalizar sons, imagens, textos e uma infinidade de informações. Como nos mostra Castells (apud San-tos, 2010:34): “A informação representa o principal ingrediente de nos-sa organização social, e os fluxos de mensagens e imagens entre as redes constituem o encadeamento básico de nossa estrutura social”.

Educação On line e Cibercultura

A educação online, diz Santos (2010), é o conjunto de ações de ensino e aprendizagem ou atos de currículo mediados por interfaces digitais que potencializam práticas comunicacionais interativas e hipertextuais. As tecnologias digitais mais utilizadas nessas práticas de educação são os ambientes virtuais de aprendizagem (AVAs), as teleconferências e as videoconferências. Os AVAs agregam uma das características funda-mentais da internet: a convergência de mídias, ou seja, a capacidade de hibridizar e permutar várias mídias em um mesmo ambiente.

Segundo a autora, o AVA – como essência da educação online – precisa possibilitar a imersão, a navegação, a exploração e a conversação. Pre-cisa permitir a comunicação interativa síncrona e assíncrona; propiciar pesquisas que estimulem a construção de conhecimentos a partir de si-tuações–problema onde o sujeito possa contextualizar questões locais e globais no seu universo cultural; possibilitar avaliações formativas onde os saberes sejam construídos em um processo comunicativo de negociações numa prática constante para a ressignificação processual

62 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 63

Ordem e caos, unidade e diferença, inclusão e exclusão em educação são orientações contraditórias da educação moderna. E, se a ordem é o que mais nos ocupa, a ambivalência é o que mais nos preocupa. A modernidade abordou a diversidade de duas formas básicas: assi-milando tudo que é diferente a padrões unitários ou segregando-o em categorias fora da normalidade dominante (Sacristán apud Can-dau, 2009:40).

Contemplando o horizonteO Design Instrucional, como campo de fertilização recíproca de co-nhecimentos entre o Design e a Didática, a despeito de sua designação infeliz, precisa incorporar esses preceitos contemporâneos da socie-dade da informação (digital), do contexto cultural da cibercultura, va-lorizar as diferenças e seus protagonistas, precisam criar consciência sobre as complexas e diferentes questões que envolvem o saber da Didática.

Se isso não ocorre corremos o risco de propor uma aprendizagem anacrônica ao contexto informacional e comunicacional vivenciado pelos alunos contemporâneos. As mídias de massa (impressos, audio-visuais em geral) e uma postura reativa por parte dos docentes não proporcionam a co-criação, a interação, a relação dialógica entre os sujeitos e o conhecimento que essas pessoas já utilizam nas redes so-ciais acessadas diariamente. Se o estudo é solitário, a aprendizagem co-laborativa não é vivenciada pelo aprendente. A qualidade do processo centrado num design instrucionista compromete a interação social e, provavelmente, a característica mais relevante da cibercultura: o rela-cionamento entre pessoas.

Esses problemas não estão somente atrelados ao universo da educação on line. Entendemos que a sala de aula presencial também precisa levar em conta esses preceitos da cibercultura que, afinal, permeiam nosso cotidiano. Se quisermos praticar uma educação realmente preocupada com a formação integral do aluno, é mister considerar a diversidade cultural que os caracteriza e também será fundamental estarmos aten-tos às diferenças que permeiam a formação das identidades docentes.

• situar o papel da Didática na formação de professores, a evolução do conhecimento produzido nesta área, as principais correntes e, de modo especial, as contribuições da perspectiva crítica.

A resposta dos alunos refletiu positivamente essa tomada de consciên-cia sobre as complexas e diferentes questões que envolvem o saber da Didática. Vale conferir o depoimento de uma aluna:

A didática envolve a reflexão sobre todos os aspectos relacionados ao ensino. Envolve refletir sobre a realidade sociocultural do aluno, sobre a educação como um meio de transformação social, a relação professor-aluno, posição e postura do professor, sobre currículo, o livro didático, a avaliação, a abordagem da matéria e sala de aula, os objetivos do professor e a postura política3.

Em outro texto, de 2009, Candau comenta que novos elementos afe-tam o campo da Didática: retomada da visão tecnicista em consonância com as atuais políticas neoliberais, a necessidade de busca de novos referenciais para lidar com novos contextos, novos sujeitos, novas pro-blemáticas: violência, impactos provocados pelas novas tecnologias da informação e comunicação e multiculturalismo.

A autora esclarece que uma forma adequada de lidar com essas de-mandas da nova perspectiva cultural é assumir que as diferenças são constitutivas e intrínsecas às práticas pedagógicas contemporâneas. Sendo assim, Candau (2009) comenta que “a diferença está no chão da escola”, ou seja, as inovações e desafios da nova dimensão cultural precisam potencializar os processos de aprendizagem e torná-los mais significativos e produtivos para todos os alunos. Para reforçar essa tese a autora cita Sacristán (2002):

Uma das aspirações básicas do programa pró-diversidade nasce da rebelião ou da resistência às tendências homogeneizadoras provoca-das pelas instituições modernas regidas pela pulsão de estender um projeto com fins de universalidade que, ao mesmo tempo, tende a provocar a submissão do que é diverso e contínuo, normalizando-o e distribuindo-o em categorias próprias de algum tipo de classificação.

3 Depoimento de aluna do curso de Didática para Licenciaturas, PUC-Rio, 1º semestre de 1996.

64 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 65

Para arrematar nosso estudo, evocamos as palavras de Silva (2010) que explica que a cibercultura e o hipertexto democratizam a relação do indivíduo com a informação permitindo que ele ultrapasse a condição de consumidor, de espectador, para a condição de sujeito operativo, participativo e criativo.

Na cibercultura a aprendizagem se dá por meio de conexões de ima-gens, sons, textos, palavras, diversas sensações, lógicas, afetividades e com todos os tipo de associações. Nesse contexto o docente não per-de sua autonomia enquanto mestre. De polo transmissor, ele passa a agente provocador de situações, arquiteto de percursos, mobilizador da inteligência coletiva.

Esses preceitos implicam profundas mudanças no campo da Didática, da formação de professores, do currículo e também no campo do De-sign. Arregacemos as mangas: há muito trabalho pela frente!

REFERÊNCIASBOMFIM, Gustavo. “Sobre a possibilidade de uma teoria do design”. In: Anais do P&D Design

94, 1994, pág. IV-21.

CANDAU, Vera. “Da didática fundamental ao fundamental da didática”. In: ANDRË, Marlie, OLI-VEIRA, Maria Rita. Alternativas ao ensino da didática. São Paulo: papiros, 1997.

__________________. “Memória(s), diálogos e buscas: aprendendo e ensinando didática”. In: CANDAU, Vera (org). Didática questões contemporâneas. Rio de Janeiro: forma e ação, 2009.

FILATRO, Andrea. Design instrucional na prática. São Paulo: Pearson, 2008.

MARTINS, Bianca; COUTO, Rita. “Design de Informações e a construção de sentido no desen-volvimento de materiais educativos”. In: Anais do 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desen-volvimento em Design, 2008.

MAZZA, Débora. “Ordem social, planejamento e educação no pensamento de Karl Mannheim”. In: In: Tura, M.L.R. & Mafra, L.A. (Orgs.) Sociologia para Educadores 2: o debate sociológico da educação no século XX e as perspectivas atuais. Rio de Janeiro: Quartet, 2005, pp. 55-74.

NOGUEIRA, Maria Alice & Catani, Afrânio (Org.). Escritos de Educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1988.

PORTUGAL, Cristina; COUTO, Rita. Design em situações de ensino-aprendizagem. In: Estudos em Design (Online), v. 18, p. 01-22, 2010.

SANTOS, Edmea. “Educação online para além da EAD: um fenômeno da cibercultura”. In: SIL-

O devir da sala de aula varia de acordo com a bagagem de cada profes-sor e de cada aluno (seu capital cultural, como mostra Bourdieu). Por isso, nem a Didática, nem o Design Instrucional são capazes, isolada-mente, de garantir o sucesso de uma atuação pedagógica pautada em técnicas teoricamente discutidas e empiricamente avaliadas. Tanto uma como outra área do saber lançam oportunidades de reflexão/ inspira-ção sobre o agir sistemático, consciente, enfim, respaldam o exercício da práxis que, na linguagem marxista, relaciona-se às escolhas cons-cientes, nascidas do entendimento de que constituímos (ou melhor, deveríamos constituir) uma classe para si. A formação integral do alu-no – que, na visão de Silva (2005) deveria ser contemplado como homo aestheticus e como agente dialógico4 – dialoga com a formação integral do professor que poderia ter nos cursos de Didática um maior apro-veitamento dos saberes do Design Para Situações de Ensino Apren-dizagem, ao passo que os Designers, ao se voltarem para essa linha, poderiam também conhecer melhor o campo da Didática.

Assim, atentos às diferenças culturais e premências da cibercultura, defendemos que o Design para situações de ensino-aprendizagem não se reduz a projetar a transmissão de informações. Ao contrário, direciona-se ao desenvolvimento integral das pessoas através de uma intensa interação entre as mesmas, pois nesse processo educativo a participação ativa dos usuários é indispensável (MARTINS & COU-TO, 2008). Como dissemos, o sujeito é motivado a pensar, julgar e desenvolver-se. Logo, o objetivo das situações educativas é contribuir para o desenvolvimento do indivíduo e da sociedade por meio da re-flexão/interação individual e coletiva. Toda situação educativa proje-tada oferece possibilidades de construção de sentido que requerem o desenvolvimento de juízos e a participação ativa dos sujeitos.

4 O conceito de homo aestheticus está relacionado à necessidade que temos de experi-mentar o prazer em todas as nossas atividades, inclusive nas experiências educacionais. Considera e valoriza o aspecto sensorial do aluno e não apenas o cognitivo. A forma-ção do agente dialógico diz respeito ao estímulo da atividade comunicativa que des-pertaria no aluno a confiança e a vontade para expressar suas impressões, sentimentos, saberes e desejos, seja na sala de aula ou fora dela.

66 | Instituto Infnet

Entre batmóveis e light cycles: o lugar dos designers de automóveis

em Hollywood

Daniel Moreira de Sousa Pinna UFF

1 - Design Industrial e Cinema: estudos de casosA arte conceitual (ou concept art) evoluiu juntamente com o cine-ma, ganhando importância ainda maior na contemporaneidade a par-tir do desenvolvimento da tecnologia de CGI (Computer-generated Imagery), que torna concreta no espaço diegético qualquer criação da imaginação, desde que a mesma possa ser previamente visualizada. O artista conceitual torna-se então fundamental para a criação das realidades fantásticas apresentadas na tela. A ele é passada a tarefa de imaginar o inexistente.

É fácil identificar a importância do artista conceitual em filmes fantás-ticos como os recentes Avatar (2009) ou Tron: o Legado (2010). En-tretanto, a atuação deste profissional torna-se bastante sutil em filmes ambientados em realidades próximas à nossa. Entra em cena então o designer, profissional instrumentado com a habilidade de projetar os ob-jetos do mundo que nos cerca a partir de nossas necessidades cotidianas.

O texto a seguir analisa a participação de dois designers de produto, oriundos da indústria automobilística, na criação de veículos para a indústria do entretenimento (da qual a indústria cinematográfica é par-te essencial). A inspiração para tal proposta partiu de uma matéria de jornal que anunciava a estreia próxima do longa-metragem Homem de ferro 2, em 2010, e incluía uma entrevista com o designer Harald Belker, responsável pela arte conceitual dos carros de corrida de uma das sequências mais populares do filme. Os carros em questão foram inseridos na ficção com recursos de computação gráfica.

VA, Marco (org). Educação Online: cenário formação e questões didático metodológicas. Rio de janeiro: Wak, 2010.

SILVA, Marco. “Desenho didático: contribuições para a pesquisa sobre formação de professores e docência online”. In: SILVA, Marco (org ). Educação Online: cenário formação e questões didático metodológicas. Rio de janeiro: Wak, 2010.

_______. “Educar em nosso tempo: desafios da teoria social pós moderna”. In: Tura, M.L.R. & Mafra, L.A. (Orgs.) opus cit, pp. 167-192.

68 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 69

22 anos. Após a formatura, o designer foi contratado como projetista de carros para a Porsche Design Germany, onde assinou o design do Porsche 996. Pouco tempo depois trocou a empresa por uma con-corrente, a Mercedes Benz Advanced Design, em Irvine, onde foi o principal responsável pelos projetos do Smart Car da empresa e dos Mercedes Classe-M e Classe-S.

Figuras 1 e 2 – Arte conceitual de Harald Belker para o filme Batman & Robin. À esquerda, concept design do novo Batmóvel. Na imagem da direita, o veículo construído para o

filme. Disponíveis em <http://www.haraldbelker.com/>. Divulgação do autor.

O retorno do designer para a Califórnia acarretou também na mudança de atuação dentro de sua área profissional. Belker foi contratado para projetar o Batmóvel para o longa-metragem Batman & Robin (1997), quarto episódio da cinessérie iniciada por Tim Burton em 1989. O de-safio de redesenhar o principal veículo da série — mantendo o visual gótico e sombrio da direção de arte dos filmes anteriores, mas ao mes-mo tempo acrescentando um toque do exagero surreal presente nas histórias em quadrinhos de super-heróis — foi aceito, e foi o grande responsável pelo interesse do designer pelo campo da arte conceitual cinematográfica. Apesar do desempenho mediano do filme nas bilhe-terias, Belker começava com sucesso sua carreira no campo do Enter-tainment Design. Foram dele as artes conceituais dos carros magnéti-cos do filme Minority report (2002), de Steven Spielberg.

Livremente baseada em um conto de Phillip K. Dick, a narrativa é ambientada em um futuro próximo, tecnologicamente mais avançado. A fim de imaginar e, posteriormente, exibir a tecnologia do futuro na tela grande, a equipe do filme baseou-se em pesquisas reais de proje-

Não se tratava ali de nada fantástico, como as fabulosas armaduras e robôs voadores que surgem diante dos olhos do espectador ao longo do filme, mas de “simples” carros de corrida, personalizados para corres-ponder ao perfil de uma personagem caracterizada como um bilionário excêntrico da indústria de tecnologia. Chamou a atenção, na época, o fato de o profissional responsável por este trabalho na indústria do en-tretenimento ter formação em Design industrial, com anos de experi-ência projetando carros para grandes empresas como a Mercedes Benz, e de o mesmo ter abandonado seu cargo na indústria automobilística e se especializado em arte conceitual de veículos para grandes produções norte-americanas.

Assim, este ensaio inicia — e não tem a pretensão de encerrar — a dis-cussão sobre o papel do designer nas produções cinematográficas pelo viés da direção de arte (mais precisamente, da arte conceitual) a partir da análise do trabalho de designers industriais na criação de veículos para filmes recentes, como Minority report, Homem de ferro 2, Tron: O Legado e outros.

2 - Design de veículos para o cinema

Harald Georg Belker é um renomado designer de produto/ automo-tivo alemão, mais conhecido pela concepção de veículos para block-busters norte-americanos como Batman & Robin, Minority report e o recente Tron: O Legado. Iniciou sua vida profissional/acadêmica sem planos de trabalhar nem na indústria automotiva, nem na indústria do entretenimento. “Eu comecei a sonhar com design de carros um pou-co tarde”, conta o designer, em entrevista. “Tinha cerca de 26 anos e terminara uma graduação em engenharia antes mesmo de ouvir falar no Art Center College of Design. Mas uma vez que vi o que eles lá faziam, fiquei bastante confiante de que aquilo seria também o meu futuro” (Wade, 2004: 1), explica Belker, hoje aos 50 anos. Formado em Design no Art Center College of Design de Pasadena, Califórnia — que recentemente lhe prestigiou com o título de doutor honoris causa — o envolvimento de Belker no design de carros e veículos já dura

70 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 71

dificações que os caracterizassem dentro da diegese ou de antecipar veículos de alta tecnologia, normalmente associados a realidades pos-síveis e futuros próximos.

Como designer de produto, ficou conhecido também por projetos de uma linha de óculos de sol para a Kaenon, móveis, bicicletas elétricas (e-bike) para a Lee lacocca e pela criação de inúmeros carrinhos para a coleção Hot Wheels, da empresa multinacional de brinquedos Mattel.

3 - Diferenças entre design industrial e design de entretenimento

Harald Belker é bastante consciente das diferenças na dinâmica de um projeto de design automotivo e de um projeto para a indústria do en-tretenimento. Um projeto de Design industrial — lembra o designer — significa colocar um carro nas ruas!

A diferença é que no mundo automotivo, você recebe um pacote com pontos difíceis, restrições e partes sendo utilizadas por outras linhas, e depois mais algumas restrições. Eu não tenho problema com isso, mas esse é o mundo do design de carros. No mundo do entretenimento ou dos jogos eletrônicos você não tem nada disso. Fica por minha conta a escolher que proporções e dimensões funcionarão para que o veículo cumpra aquilo que é requerido. Os projetos vão da banda desenhada (Batman) ao futuro (Minority Report) a fantasia (O gato). Objetivos muito diferentes e filosofias muito diferentes (Wade, 2004: 2).

Independente da área em que está atuando, Belker diz-se capturado pelos desafios trazidos por cada novo projeto. Em 2004, o designer se dizia totalmente envolvido com o universo Hot Wheels, desenvol-vendo desenhos ousados para uma nova série de carros de brinquedo que seria lançada meses depois. Sejam projetos de móveis, bolsas, car-ros, brinquedos ou equipamentos de esporte, sua maior preocupação é evitar repetições nas soluções criativas. O que podemos observar na postura do entrevistado e de muitos outros designers bem-sucedidos na carreira é uma fuga por consolidar intencionalmente um “estilo pessoal” de desenho que se repita e que identifique seu trabalho, algo

tos-conceito de renomadas empresas e centros de tecnologia como a Microsoft (com destaque especial para o projeto do Microsoft Surface) e o MIT (Massachusetts Institute of Technology1). Apresentações de tais projetos foram feitas para a equipe de direção de arte, que por sua vez orientava o trabalho dos artistas conceituais. Belker projetou os carros Mag-Lev, o veículo aéreo utilizado pela polícia no filme e também o Lexus vermelho esportivo dirigido pela personagem do ator Tom Cruise, que costuma ser lembrado pelos fãs da película. Segundo o designer, “Meu trabalho em Minority report foi um auge absoluto na minha carreira, pois a despeito de todo o esforço humano por trás dele, me deu uma chance de mostrar uma noção de futuro em design de veículos que nunca havia sido vista antes” (Wade, 2004: 1).

Figura 3 – Arte conceitual de Harald Belker para o filme Minority report. Carros Mag-Lev modelos 1 e 2. Disponível em <http://www.haraldbelker.com>. Divulgação do autor.

O sucesso fez com que o designer entrasse de vez na indústria cinema-tográfica. Belker participou da equipe criativa dos filmes Armageddon (1998), Inspetor Bugiganga (Inspector gadget, 1999), Homem-aranha (2002) e Homem-aranha 3 (2007), O gato (The cat in the hat, 2003), Stealth (2005), Superman returns (2006), Transformers (2007), das ci-nesséries Triplo X (xXx, 2002 e 2005) e Homem de Ferro (2008 e 2010) e de algumas outras produções nos últimos 15 anos. Na maioria desses projetos, seu trabalho foi o de imaginar veículos reais com mo-

1 Projetos-conceito são ideias de produtos e serviços que ainda não são possíveis nos dias de hoje, com a tecnologia atual. Servem para direcionar as pesquisas científicas/tecnológicas a fim de tornar tal projeto viável, ou mesmo de desenvolver novos produ-tos e serviços a partir da pesquisa voltada para a ideia inicial.

72 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 73

mais inseridos no filme digitalmente, no momento da pós-produção, com modelos criados por computação gráfica. A produção do carro “material” se dá apenas quando há uma importância grande na intera-ção em cena entre o veículo e o ator, que não possa ser resolvida no computador. Muitas vezes, nesses casos, são empregados recursos de cenografia para transformar um carro existente no modelo planeja-do pelo artista conceitual (frequentemente com posteriores retoques computacionais).

A maior vantagem de se trabalhar com veículos — e, por vezes, até com atores — modelados digitalmente é a total liberdade do artista conceitual em desenvolver o projeto, ainda que a seguir uma linha de-finida pela direção de arte da obra. O carro não precisa funcionar, ele apenas precisa parecer capaz de funcionar. É o caso das motocicletas dos filmes Tron e dos carros de corrida de uma famosa sequência do filme Homem de ferro 2. Em vários planos de ambos os filmes, a com-putação gráfica fora empregada não apenas na criação dos veículos, mas também nos cenários que os cercam e até nas personagens que os conduzem (algo que fica bastante claro no já citado Tron: O Legado (2010), em que o motociclista — cujo corpo é totalmente mesclado ao veículo — é uma personagem digital, e não o ator real).

Ainda citando a sequência do longa-metragem Tron, de 1982, é possível afirmar que se trata de uma produção cuja direção de arte e fotografia dependia inteiramente da equipe de arte conceitual. Não por acaso, nesta obra Harald Belker trabalhou na equipe de Design conceitual em con-junto com outros respeitados artistas conceituais da indústria do cinema norte-americano, dentre os quais se destacam nomes como Neville Page (Lead creature artist de Avatar, Watchmen, Cloverfield e do recente Star Trek), Ben Procter (Lead robot illustrator da cinessérie Transformers, conceptual modeler em Matrix e Matrix reloaded) e o alemão Daniel Si-mon, também ele próprio designer de produto com passado na indústria automobilística que, atualmente, projeta veículos e equipamentos tecno-lógicos futuristas para filmes. Simon foi designer conceitual sênior de empresas como Volkswagen e Mercedes, mas sua paixão pelo desenho futurista também o impeliu a seguir carreira no cinema.

talvez mais adequado e justificável para o campo das artes. Será a de-manda identificada em cada projeto que orientará o desenvolvimento das soluções para o mesmo.

Figuras 4 e 5 – Arte conceitual de Harald Belker. Na imagem da esquerda, carro de Tony Stark em Homem de ferro. O projeto foi descartado quando a Audi ofereceu apoio

financeiro à produção do filme para que a personagem guiasse um de seus modelos. Na imagem da direita, modificações no design do Lincoln da personagem Inspetor Bugiganga. Disponíveis em <http://www.haraldbelker.com/>. Divulgação do autor.

Uma das questões mais emocionantes do design automobilístico para cinema é que os carros frequentemente são construídos. De acordo com Belker, o custo é o maior desafio nesses casos de produção de uma peça única, tornando-se o grande vilão. “Essas coisas não são baratas, e produtores não gostam de gastar dinheiro” (ibid.), afirma. Uma vez que o design básico é aprovado, Belker coopta um modelador 3D para de-senvolver um modelo tridimensional no computador. A partir da versão digital, são feitos protótipos em escala reduzida ou modelos esculpidos em espuma de poliuretano, a partir dos quais são feitos moldes em fibra de vidro e, posteriormente, um protótipo do veículo em tamanho real. Este, por sua vez, serve como base para a confecção do carro que será usado em cena. Belker lembra que o carro de cinema precisa ser capaz de fazer tudo aquilo que consta no roteiro. Se o roteiro diz que o carro se desloca rápido, este então deve ser capaz de atingir altas velocidades. Se ele não é visto em movimento, pode não ter nem motor, ser apenas um chassi vazio. Já o modelo tridimensional, por sua vez, é empregado na etapa de pós-produção, para a criação dos efeitos visuais.

Ocorre que, atualmente, carros fantásticos ou futuristas como os Mag-Levs que aparecem pelas ruas de Minority report são cada vez

74 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 75

via arte conceitual de veículos futuristas, externando assim uma paixão pessoal pelo desenho futurista fantástico e desenvolvendo um portfólio apenas de trabalhos pessoais. O sucesso de sua arte na Internet foi tan-to que, em 2007, a editora californiana Design Studio Press publicou uma coletânea de seus projetos fantásticos no livro/portfólio também intitulado Cosmic motors, com textos de Simon em inglês e alemão. Posteriormente, o livro sairia ainda em japonês, pela Born Digital.

Cosmic motors recebeu excelentes críticas nos Estados Unidos de ou-tros designers de automóveis — como Christopher Bangle e Freeman Thomas — e de artistas conceituais atuantes em Hollywood, como Ryan Church (artista conceitual dos filmes Star Wars episódios II e III, Star Trek, Avatar e do remake Guerra dos mundos de Steven Spielberg, em 2005) e o próprio Syd Mead (artista conceitual do primeiro Tron, Blade runner, Aliens e de inúmeros outros filmes e jogos eletrônicos). O convite para trabalhar na equipe criativa da sequência de Tron, em 2008, veio como consequência, conforme o próprio Daniel Simon contou a Alexandre Alottoni (do website brasileiro Jovem Nerd), em entrevista durante uma movie junket promovida pela Walt Disney Stu-dios em Los Angeles2.

Simon chegou ainda a desenvolver arte conceitual de veículos para o remake com atores de Akira em 2007, para a Warner Brothers (ainda inédito) e estudos de veículos para a 20th Century Fox em 2010, a ser utilizados em um prequel da cinessérie Alien. Também em 2010 foi Lead vehicle designer do já mencionado longa-metragem do Capitão América para a Marvel Comics e da série Tron: uprising, para a Disney Television. Além de seu envolvimento crescente com a indústria cine-matográfica, Simon continua oferendo consultoria na área automobi-lística. Um bom exemplo é o contrato fechado em 2010 com a equipe Hispania Racing Formula One, na época estreante na Fórmula 1, para

2 Movie junket é um formato de evento voltado para a imprensa em que jornalistas de entretenimento são convidados para ver e entrevistar livremente os astros de um filme (e, por vezes, membros da equipe técnica, compositores, artistas conceituais ou técnicos de efeitos especiais) antes do lançamento da obra nos cinemas.

4 - As novas motos de luz

O jovem talento Daniel Simon fez sua estreia no cinema em Tron: O Legado (no qual começou a trabalhar na equipe de arte em 2008) mas o resultado de seu trabalho já pode ser conferido em lançamentos como Capitão América: o primeiro vingador. Nos créditos da película, o designer alemão de 36 anos ostenta o título de Lead vehicle designer.

Com formação em Design de veículos pela Universidade de Ciências Aplicadas de Pforzheim (Alemanha), desde a graduação Simon de-monstrava fascínio por veículos fantásticos e máquinas futuristas. Nas palavras do próprio designer:

Acho que o momento crucial foi quando vi Star Wars: Episódio I. Foi a primeira vez que vi algo assim. Eu não era um fanboy hardcore de ficção-científica. Eu me interessava muito por carros e nunca tinha pensado nesse universo de naves espaciais. Era carros, carros, carros. (...) Depois de ver o filme, decidi mudar meu projeto final de design de carros. Não faria o próximo Porsche ou BMW, queria fazer algo fantástico. Acabei projetando navios aéreos, uma espécie de conto de fadas com princesas e etc. As pessoas acharam maluquice, mas eu adorei.

Fui trabalhar com carros mesmo assim, mas aquela centelha da fantasia ficou na minha cabeça. Continuei a desenhar naves espaciais à noite e a colocá-las no meu site (Alottoni, 2010).

A carreira como designer de automóveis começou em 1999, na Volkswagen de Wolfsburg. Durante este período, desenhou modelos para a Seat e Lamborghini, sob supervisão de Walter de’Silva, hoje chefe do Volkswagen Group Design. Em 2001, foi contratado pelo Volkswagen Group’s Advanced Studio em Sitges (Espanha), onde foi um dos responsáveis pelo relançamento da marca Bugatti. Em 2005, já designer sênior da empresa, pediu demissão e fundou um estúdio próprio em Berlim, passando a oferecer consultoria em Design para grandes clientes da indústria automobilística.

Em paralelo com o trabalho no Daniel Simon Studio, o designer desen-volveu ainda a marca e o website Cosmic Motors, para o qual desenvol-

76 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 77

de ser produzido tridimensionalmente. Evitam-se, assim, descaracte-rizações resultantes de “adaptações” necessárias no desenvolvimento dos modelos virtuais.

Você pode trabalhar de duas formas, uma delas é fazer desenhos ma-ravilhosos para o filme e entregar para outro artista transformá-los em alguma coisa. Você termina com um bom portfólio, mas o resultado final será inevitavelmente diferente do que você imaginou.

Ou você pode rabiscar alguma coisa para se inspirar e cair dentro do computador para modelá-los em 3D, sabendo que por vários meses você não terá trabalho algum para mostrar, mas todos os diretores de arte, empreiteiros e construtores de sets saberão exatamente o que fazer para transformar sua visão em realidade. Não haverá perda de informação, é um processo totalmente diferente do comum adotado hoje em dia (Ibid.).

Simon defende que os produtores da Disney já conheciam seu método de trabalho que integra a modelagem 3D com o processo de design, e que provavelmente já viram nesta característica uma oportunidade de unificar diferentes processos em uma única pessoa. O designer assu-me que traduzir desenhos para objetos reais tridimensionais é difícil, especialmente porque o bom projeto de design não pensa apenas na aparência do produto final, mas também em sua funcionalidade. Este tipo de pensamento não era comum nos artistas conceituais de cinema até poucos anos atrás. Via-se na arte conceitual uma exploração criati-va das possibilidades visuais da estória descritas no roteiro. Nas notas de produção, onde lê-se “Cruise dirige um carro esporte vermelho”, um artista conceitual explora as alternativas que tal frase lhe permite e desenvolve um Lexus vermelho que rouba a cena no filme. O trabalho do concept artist terminaria aí. Mas o trabalho do concept designer, inserido na nova lógica da indústria do entretenimento, vai mais além — é preciso mais do que arte, é preciso um projeto que possa ser construído e possa ser guiado pelas estradas com Tom Cruise em seu interior. As grandes produções hoje seguem a lógica do entertainment design, que pensa não apenas da na obra cinematográfica, como tam-bém em seus desdobramentos. Para Simon, uma das principais van-tagens de sua metodologia de trabalho é que o design de um veículo,

criar uma nova imagem corporativa para o ínício de 2011, ano em que a HR corre sua segunda temporada. Trabalhou ainda como concept designer para a Bugatti em 2007 e como Lead concept designer para Honda, Puma e DKNY em 2008. Entre seus clientes, destacam-se ain-da multinacionais como Fiat, Mazda e Ford.

Figuras 6 e 7 – A esquerda, projeto automobilístico e visual de Daniel Simon para o carro HRT F 111 da Hispania Racing. Na imagem à direita, o carro de corrida, seguindo o projeto do designer. Disponíveis em <http://cosmic-motors.blogspot.com/>. Divulgação do autor.

5 - O legado de TronQuando o primeiro Tron foi lançado nos cinemas, foi considerado uma revolução no uso de efeitos visuais gerados por computação gráfi-ca. A tecnologia CGI da época, contudo, não foi capaz de acompanhar a mente criativa e os traços no papel dos artistas conceituais. Apesar das dificuldades técnicas, a moto light cycle tornou-se um dos veículos mais icônicos da era da computação gráfica na produção audiovisual (que aos poucos se estabelecia) e um dos mais conhecidos da história do cinema. Curiosamente, foi também um dos primeiros veículos do cinema que nunca existiu no mundo real.

Apesar de deixar claro em entrevista que o início de seu processo cria-tivo parte da transposição de ideias da cabeça para o papel, Simon fez poucos desenhos à mão livre para a produção de Tron. Além de ilustra-dor, o designer também é hábil modelador tridimensional. O emprego das ferramentas de computação gráfica 3D, para ele, garante um resul-tado final semelhante ao projeto originalmente concebido pelo desig-ner, uma vez que prova que o conceito por ele desenvolvido é possível

78 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 79

6 - Algumas conclusões

Por se tratar de um ensaio baseado em dois estudos de caso, não há aqui pretensões em definir conclusões a respeito do campo da arte conceitual, do design automobilístico ou da atuação profissional do designer nessas áreas. Podemos observar, contudo, algumas questões acerca dos temas trabalhados que se sobressaem nos dois exemplos estudados.

As semelhanças entre um projeto para a indústria e outro para as grandes produções cinematográficas é grande. Para os designers de produto, desenvolver projetos conceituais para o cinema permite-lhes explorar e extrapolar conceitos ainda pouco usuais. Servindo como um laboratório de criação, o desenho conceitual desvinculado com a tecnologia necessária para fazer o produto funcionar possibilita ao designer projetar objetos e veículos em que possa avaliar tendências e antever soluções futuras, ou simplesmente elaborar formas e funções inusitadas e originais. E toda matéria projetada ganha forma e veros-similhança nas salas de exibição.

Talvez a maior crítica feita por esses profissionais à indústria cinemato-gráfica seja a falta de tempo e de mais testes sobre aquilo que é projetado. Afinal, como não é todo dia que o designer tem a oportunidade de pro-jetar uma moto de luz, o mínimo que ele deseja é ter a oportunidade de fazer um trabalho sem falhas, que prescinda de um recall nas sequências.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALOTTONI, A. Profissão: Projetista de veículos futuristas — Entrevista com Daniel Simon. In:

Jovem Nerd, Curitiba, 5 dez. 2010. Disponível em: <http://jovemnerd.ig.com.br/especiais/filmes/profissao-projetista-de-veiculos-futuristas/>. Acesso em: 22 abr. 2011.

BAXTER, M. Projeto de produto: guia prático para o desenvolvimento de novos produtos. Tradu-ção de Itiro Iida. São Paulo: Edgard Blücher, 1998.

DOGRAMACI, A. C. Interview: Harald Belker. In: Designophy Magazine, 2002. Disponível em: <http://www.designophy.com/interview/design-article-1000000003-harald-belker-.htm/>. Acesso em: 27 abr. 2011.

SIMON, D. Daniel Simon: vehicle design for this and other galaxies. Disponível em: <http://www.danielsimon.net/>. Acesso em: 26 maio 2011.

WADE, D. P. The art of Harald Belker. In: CGSociety Feature Article, 11 fev. 2004. Disponível em: <http://features.cgsociety.org/>. Acesso em: 24 abr. 2011.

uma vez solucionado tridimensionalmente, poderá ser empregado já pela equipe de efeitos visuais do filme, e também pela equipe de divul-gação, de web, licenciamento e até pelos fabricantes de brinquedos e jogos eletrônicos (Ibid.).

Ainda que defenda o projeto de design com emprego de ferramentas de modelagem tridimensional digital, o designer traça um paralelo en-tre a sua experiência com a indústria cinematográfica em Tron e com a indústria automotiva e se diz um pouco assustado com a velocidade com que os projetos são desenvolvidos na primeira, o que diminui a possibilidade de realização de testes, aumentando a responsabilidade do artista/projetista. Simon explica que sua experiência com a com-putação gráfica começou nos projetos de carros para a indústria auto-mobilística, mas lembra que a mesma ainda trabalha exaustivamente com protótipos e modelos confeccionados em argila.

Não se pode projetar um carro apenas no computador, porque há tanta emoção envolvida e as decisões de mudanças são tomadas por questões de centímetros — ou até menos que isso. Mesmo com a experiência de projetar carros todo dia por anos e anos, não dá para ver só na tela, você tem que poder andar em volta da coisa para saber se é boa mesmo.

E no filme não tínhamos tempo para isso, o que me assustou um pouco. Em uma moto, cinco centímetros de comprimento fazem toda a diferença. Pode estabelecer se é uma Chopper ou um modelo de corrida. E no computador cinco centímetros não são nada, você move seu mouse um pouco, bum, estragou tudo (Ibid.).

Figuras 8 e 9 – Modelos tridimensionais de Daniel Simon para as motos light cycle (esq.) e light cycle 1.5 (dir.). Disponíveis em <http://cosmic-motors.blogspot.com/>. Walt Disney

Enterprises. Divulgação do autor.

Em busca de fontes primárias: um papel para o colecionismo na

pesquisa sobre designGerson Lessa

EBA-UFRJ

“Trata-se de parte essencial do trabalho de investigação a ser feito: olhar em volta, pôr em questão a naturalização das formas e aparências pela saturação e iluminar as relações

constituídas na paisagem que nos cerca.” (Cardoso, 2005)

1 - IntroduçãoDiscutimos aqui aspectos da pesquisa voltada à história do Design, interessada nas conquistas materiais e técnicas que dão razão de ser a esta atividade e formam a bagagem de referências deste campo do co-nhecimento. Consideramos, também, fundamental o conhecimento do passado histórico da atividade do Design na formação de profissionais com capacidade e desejo de aprimoramento cultural e de munir-se de referencial para sua atuação e avaliações estéticas e funcionais que são parte das metodologias de projeto.

Queremos demonstrar/defender a importância da coleta e manuten-ção de acervos privados de objetos na construção de corpora de pes-quisas em design, este entendido em sentido amplo; os interesses do pesquisador podem abarcar de maneira semelhante objetos tridimen-sionais, impressos ou em meio eletrônico. E qual seria a importância destes acervos?

2 - Os estudos culturais e os objetos

O design, onde quer que queiramos afixar suas raízes e origens tem-porais, geográficas e ideológicas, vem auxiliando, ao longo do tempo, a produção de uma incalculável gama de objetos. Os objetos com a fina-lidade da produção industrial se distinguem pela intenção de que sejam produzidos em grandes quantidades, com variedade sempre atualizada

82 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 83

ambiente deste processo, existe outro problema que diz respeito ao ambiente cultural, no que tange os estudos interessados nessa cultura dos objetos.

Se os estudos da área da Cultura Material se baseiam em objetos e nas mensagens neles codificadas, surge um alerta relativo à nossa cultura do descartável: as fontes primárias para o entendimento da sociedade industrial estão sendo rapidamente perdidas, soterradas em lixões ou, na melhor hipótese ambiental, sendo recicladas. Barros (2008, p 57)1 relata essa situação com relação aos impressos efêmeros, seu objeto de estudo:

(...) a relativa fragilidade de um impresso e sua condição efêmera faz com que ele tenha um poder limitado de permanência. Apesar de se-rem produzidos em quantidade (...) poucos impressos em série têm a chance de se perpetuar por um longo período. A grande oferta é sinônimo de descartabilidade. Podemos considerar, então, que está virtualmente embutida em cada reprodução múltipla a chance de que esta venha a se tornar testemunha única de seu tempo. A passagem do tempo transforma o múltiplo em único.

Cabe entender, em primeiro lugar, como funcionam os objetos em nossa cultura industrial. Como referência básica para a leitura de acer-vos de objetos, tomamos obra de Abraham A. Moles, Teoria dos Ob-jetos2, numa adaptação dos métodos e parâmetros de análise do amplo universo tipicamente humano dos objetos desenvolvidos por ele, para nos referirmos ao micro universo gerado por iniciativas de colecio-nismo. Nos sentimos particularmente interessados pela análise destes métodos a partir de sua definição de cultura, que abarca o objeto coti-diano e suas estruturas de circulação social, sendo esta condizente com a definição de Cultura Material.

1 BARROS, Helena de. Em busca da aura: dinâmicas de construção da imagem im-pressa para simulação do original. Rio de Janeiro : Dissertação de mestrado pelo PPD/ ESDI/UERJ, 2008.

2 MOLES, Abraham A. Teoria dos Objetos. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1981.

e distribuição global. Essa intenção, própria da estrutura de produção e consumo da chamada sociedade de consumo, resulta num ritmo de substituição dos produtos que só fez crescer ao longo dos dois últimos séculos e início do atual, o período onde vemos se desenrolar o fenô-meno do Industrialismo. O fluxo destes objetos pode ser imaginado como avalanche ou turbilhão, que suga os materiais que encontra no ambiente e cospe-os transformados como lhe impõem as mais diver-sas técnicas produtivas e comerciais, arrastando consigo a nós, espécie híbrida de produtores e consumidores.

Figura 1 - O colecionismo metodológico da produção industrial pode proporcionar acervos ricos e variados; fontes primárias ideais para a pesquisa da Cultura Material.

Através de estratégias que visam manter e acelerar o consumo de pro-dutos industriais, como as obsolescências funcionais ou estilísticas, vemos esse fluxo passar sob nossos olhos e desaparecer sob o tapete do meio ambiente, de onde saiu sob a forma de matérias-primas e volta sob a forma de lixo e poluição. Mas além dos efeitos nocivos ao

84 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 85

zação de um universo de objetos deve considerar a lógica de identificar, nesta ordem, a estrutura denotativa de um objeto e os demais níveis conotativos que se apóiam sobre ela4.

O objeto é, assim, ferramenta e meio de comunicação, mediando a re-lação dialética entre indivíduo e sociedade, e mais determinantemente, representando a sociedade na esfera do indivíduo, carregando consigo uma ampla gama de mensagens5. O objeto se presta ainda a estabelecer e demarcar domínio, pela acumulação e ostentação; à catarse da posse e do consumo; à definição da estética do cotidiano no tempo6. Depen-dendo do conteúdo destas mensagens e da capacidade de leitura por parte do indivíduo, o objeto pode conceder ou exercer poder sobre ele, equipando-o ou alienando-o.

Os objetos apresentam dificuldades às tentativas de classificação taxio-nômica devido à sua aparente infinita multiplicidade. Eles funcionam em um “algoritmo de lista aberta”, que prevê a ampliação ilimitada de uma dada lista, por mais que esta seja compreensiva7. Esta ampliação ilimitada vem a ser justamente a manifestação dos modos de produção das sociedades industriais aos quais nos referimos anteriormente.

Algumas fontes colocam à disposição dos pesquisadores da Cultura Material porções dessa multiplicidade. Com óbvio destaque encon-tram-se os acervos dos museus, a que Moles8 se refere como embal-samados; objetos que, protegidos pelas práticas conservacionistas das instituições, se encontram preservados por tempo indeterminado, po-rém fora do alcance das mãos e de um exame mais detalhado e íntimo para a maior parte dos pesquisadores, assim como descontextualizados e fora do uso originalmente pretendido. Outra limitação são os crité-rios de curadoria destes acervos, que em sua maioria tendem a valorizar

4 Op cit, p 43.

5 Op cit, p 16.

6 Op cit, p 18-19.

7 Op cit, p 43.

8 Op cit, p 75-81.

O campo da Cultura Material refere-se a estudos que buscam o entendi-mento do ser social e suas relações com seu mundo artificializado atra-vés de seus instrumentos, ferramentas, próteses ou ícones, construídos para essas relações. Eles são os meios para um grande repertório de mensagens que povoam as esferas sociais à nossa volta. Estas mensa-gens podem ter caráter individual, coletivo, político, ideológico, afir-mativo ou reativo. Estas esferas podem ser íntimas, como o lar, ou públicas, como o shopping, a cidade ou o globo. Busca-se entender os objetos e suas condições de produção como causas e efeitos das relações humanas nestas esferas, se fazendo valer destas mensagens em qualquer sociedade; passada ou presente. Os conjuntos de objetos ar-tísticos ou técnicos, prosaicos ou raros, valorizados ou ignorados, que formam o universo material de uma sociedade em um determinado momento são as fontes que alimentam este entendimento; igualmente válidos são os objetos que cristalizam os avanços tecnológicos que mu-dam a percepção do mundo ou a peça de merchandising com poucas horas de sobrevida.

O objeto, como observado por Moles, é definido como elemento ar-tificial, de origem humana, que atinge caráter de elemento essencial do ambiente, seja ele privado ou social, nas sociedades modernas. O ambiente é imaginado como dotado de dimensões espaciais e tempo-rais, como “esfera fenomenológica”, onde se dá a comunicação entre o indivíduo e o mundo exterior a ele. Colocado entre o indivíduo e o ambiente, o objeto é um mediador universal, enquanto constitui esse mesmo ambiente e reflete o indivíduo3.

Essa mediação se dá num nível mais imediato, denotativo, quando o objeto se presta às funções elementares para que foi construído. O objeto serve, então, como ferramenta ou prótese, numa ação sobre o ambiente. Ele encarna também aspectos conotativos, em camadas de significação apostas ao funcionamento: valores simbólicos e subjetivos que se somam ao objeto como mensagens. Como qualquer linguagem, a dos objetos comporta dimensões semânticas e estéticas. A sistemati-

3 Op cit, p 8.

86 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 87

rados como constituintes inseparáveis da porção material do objeto ou como campos de interesse desvinculados da materialidade; é uma questão de recorte e foco de interesse. Assim mesmo, nossa questão se mantém: poderá ser obtida a compreensão ampla de um objeto de estudo sem o acesso direto a ele?

Por tudo isto, propomos a consideração de métodos de pesquisa que têm potenciais a acrescentar à pesquisa de Cultura Material, do de-sign e da materialidade. Estes métodos nada têm de inovadores ou originais, mas acreditamos serem pouco utilizados em pesquisas aca-dêmicas acerca de design. Esse método implica um contato íntimo com o corpus de pesquisa; contato que viabiliza o acesso a índices importantes para o completo entendimento dos processos materiais e técnicos envolvidos na construção e uso dos produtos industriais, especialmente se estamos falando de objetos já não pertencentes ao nosso momento histórico imediato. Esse contato íntimo está com-preensivelmente vetado nos museus e bibliotecas, onde a preserva-ção destes elementos obriga ao distanciamento das mãos do público através de proteções museologicamente adequadas de diversos tipos, sendo apenas a um pequeno número de especialistas autorizada uma maior aproximação.

Mas como se justifica a necessidade de contato físico direto com obje-tos para deles ser possível obter informações?

3 - Evidências perdidas no distanciamento

Nos estudos da Cultura Material, como na maioria dos campos de es-tudo, é possível realizar estudos teóricos baseados apenas em todos os estudos que nos precederam. Assim, cruzamos informações e conclu-sões de diversas fontes, na esperança de construirmos novos pontos de vista acerca dos mesmos temas ou de fazermos surgir novos temas das observações de certo número de teóricos. Para fugir dessas limitações, o estudioso pode buscar acesso direto ao seu objeto de estudo; é desse contato que podem surgir novidades: aspectos negligenciados ou ina-cessíveis aos pesquisadores precedentes; aspectos físicos, materiais ou

o valorizado e, com isso, perdem muito do potencial de originalidade e variedade do ambiente do produto industrial. Existem os acervos cons-cientes deste problema e que se dedicam a coletar o prosaico significa-tivo. De qualquer forma, porém, embalsamados, descontextualizados e fora de alcance, situados, assim, como a obra de arte clássica.

De maneira análoga se posicionam as fontes contidas nas bibliotecas e arquivos, que abrigam mais do que conteúdos textuais e imagéticos: abrigam com eles seus suportes tridimensionais, seus materiais, suas técnicas de produção, suas respostas ao tempo e às condições de preservação, os índices de seu uso, de sua posse e de sua contextua-lização. O suporte da informação pode torna-se um objeto tridimen-sional em parte desvinculado do seu conteúdo; passa ele próprio a ser objeto de estudos para além do bibliográfico. Mas pelas mesmas justificativas conservacionistas, o conteúdo pode estar acessível nes-tas fontes de diversas maneiras indiretas: não na forma de originais acessíveis, mas como microfilmes, digitalizações e reproduções de algum tipo que fazem o papel de distanciar o pesquisador do suporte original.

Nas suas pesquisas acerca de impressos efêmeros, Barros (2008, p 31) tem a oportunidade de constatar as vantagens do contato direto com o objeto:

Levando-se em conta os objetivos (...) de avaliar a qualidade material de técnicas distintas, é considerado o corpus do estudo a reunião e apresentação de fontes primárias. [Este] corpus é constituído de im-pressos (...) nas técnicas em que foram concebidos, vista a necessidade do contato direto e aprofundado com a matéria impressa (...) com o objetivo de ilustrar, elucidar, confirmar ou confrontar o levantamento teórico [pois] as ilustrações (...) nas fontes secundárias (...) não forne-ciam evidências necessárias para perceber as especificidades da modu-lação espacial ou da composição da cor.

Além das questões de design relativas à materialidade, estes suportes carregam também questões referentes ao design gráfico e ao design de interação, dentre muitas outras possibilidades. Estes podem ser enca-

88 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 89

A coleção de objetos de estudo deve objetivar abordagens complexas e refletir interesses no longo prazo, ou o esforço necessário a esta ativi-dade não se justificará. A coleta de um acervo de objetos que resultem num corpus de pesquisa acadêmica pode ser trabalhosa e demorada, então a precisa determinação de seus objetivos otimizará a tarefa no tempo. Qualquer área de interesse no campo da Cultura Material visto sob a ótica do design poderá ser beneficiado por um acervo pessoal, estejamos falando do design de eletrodomésticos ou de software, de períodos históricos passados ou do presente.

O interesse pelo colecionismo está muito relacionado à inclinação psi-cológica do indivíduo; algumas pessoas simplesmente não se identifi-cam com a atividade. Acreditamos, porém, que considerar o colecionis-mo como um método de pesquisa de campo com potencial para gerar material inédito ou original para a pesquisa acadêmica é um enfoque que justifica a atividade, encorajando a preservação de porções da pro-dução material que, na vertigem da produção em massa acelerada ou da interminável inovação tecnológica, tendem rapidamente ao desapareci-mento. Ao invés de buscar fontes institucionais ou particulares para a produção intelectual desejada e obrigatória ao pesquisador inserido no meio acadêmico como o conhecemos hoje, criar estas fontes primárias; reunir um acervo e mergulhar mais intimamente nele para extrair tudo o que eles permitirem, sem as restrições impostas pelas instituições dedicadas à preservação dos elementos da Cultura Material.

As fontes para estas coletas estão em toda a parte. Esta atividade pode ser dispendiosa ou gratuita; pode ser praticada por tempo indefinido ou como parte de um projeto com prazo delimitado. As limitações podem também ser muitas, como a raridade dos elementos visados ou mesmo sua abundância, o que dificultaria a determinação de recortes; ou o custo dos elementos encontrados no mercado ou as dificuldades em seu armazenamento, manipulação e conservação. Os interesses, o senso de adequação e os recursos disponíveis ao pesquisador devem fazer concessões mútuas.

formais, que a reprodução fotográfica não consegue abarcar; o escla-recimento de pontos equívocos encontrados na bibliografia estudada.

Corroborando ainda mais este ponto de vista, em estudos em que a materialidade presente nos objetos é fundamental, sejam eles má-quinas ou livros, o contato direto proporciona, após certo período, a possibilidade do desenvolvimento de uma sensibilidade com relação aos materiais e as técnicas utilizadas. Tato, visão e demais sentidos se unem para reconhecer padrões e índices relativos a cores, densidades, opacidades, refrações, deteriorações, processos de produção; essas percepções, em cruzamento com seu cabedal de informações teóri-cas, transformam a mente em um instrumento de pesquisa de campo cujos limites são determinados pela sensibilidade, capacidade cogni-tiva e imaginação de cada indivíduo. Esse contato físico possibilita o aguçar da percepção material e técnica; embasa e abre caminho para novas relações e descobertas impraticáveis num enfoque estritamente teórico e bibliográfico.

E de que modo é possível estabelecer um contato íntimo com os ob-jetos estudados?

4 - A construção da fonte primária pessoal

Uma alternativa para o estudioso do design e da Cultura Material que busca esse contato mais próximo com seu objeto de estudo passa por uma atividade que permite manifestações muito diversas, da mais me-todológica e objetiva à mais compulsiva e sem critério. Essa atividade é o colecionismo. Trata-se, no que diz respeito ao pesquisador acadê-mico, de considerar o primeiro extremo. Esse método implica em co-letar, nas mais diversas fontes, na medida do possível, seus objetos de interesse. Essa coleta implica em estudo e planejamento metodológico, tornados ferramentas para essa atividade de campo. O que propomos ao pesquisador é determinar racionalmente seu recorte no imenso uni-verso da produção industrial e/ou do design e atacá-lo com a paixão do colecionador.

90 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 91

riais, como metais ou madeiras, percebemos uma mutação no tempo com relação a qualidades e características. Essa percepção nos mos-tra que os diversos materiais embutem sensações diversas nos objetos com que são feitos; o mesmo vale para seus processos de fabricação. Assim, se estabelecem critérios subjetivos acerca dos materiais, cons-tituídos por seus acabamentos, densidades, resistências, toque, tempe-raturas, ruídos, a maneira como envelhecem. Faz-se perceber que ma-teriais plásticos obsoletos ou extintos apresentam características mais nobres que os em uso corrente na produção em larga escala; questões de valor relevantes num momento em que se discute o conceito de design emocional.

As questões básicas ao entendimento deste conjunto e, ao mesmo tem-po, passíveis de serem extraídas dele, relativas ao design, à tecnologia, à sociedade industrial, à sociedade de consumo, ao fenômeno socioe-conômico do consumismo, podem ainda, a partir das ferramentas te-óricas adequadas, gerar conteúdos de viés historiográfico. Todas estas abordagens podem ser desenvolvidas e evidenciadas a partir do objeto presente, sem intermediações.

O processo de construção deste acervo é, em si, um interessante obje-to de estudo. As influências e motivações pessoais que deram início ao processo, a maneira como ele se estabeleceu; suas estratégias de coleta, pesquisa, restauração, preservação e divulgação; a importância que o processo e seus resultados tiveram sobre os direcionamentos profis-sionais e acadêmicos do sujeito/agente; a observação da reação por parte de públicos de diferentes formações acerca deste conjunto; suas possibilidades didáticas. Estas possibilidades já se colocam como parte de um universo pesquisável em si mesmo.

A despeito de toda objetivação, a captação dos objetos na prática colecionista voltada às produções passadas se dá em parte por acaso; o “terreno de caça9” do pesquisador está num circuito paralelo ao consumo regular do objeto na sociedade industrial. O suprimento

9 Op cit, p 36.

5 - Um exemplo entre tantos possíveis

Esta nossa proposição surge de nossa própria experiência nesse mé-todo de geração de um corpus de estudo através do colecionismo e da experiência de colegas pesquisadores que se valem da mesma estra-tégia. Em nosso caso, o interesse pela materialidade dos plásticos e o design gerado com ela.

Com esse interesse amplo, devido à imensa quantidade de objetos que nele se encaixam, foi possível reunir um acervo abrangente, onde encontramos subsídios para análises de temas os mais diversos. Essa amostra reúne objetos que remontam às origens pré-industriais destes materiais, sua apropriação e desenvolvimento pela estrutura industrial a partir do século XIX e sua evolução até os dias de hoje. Na dimen-são geográfica, abarca a produção da maioria dos países industria-lizados na extensão desse recorte temporal. A amostragem assume um caráter necessariamente limitado e aberto, em face da vastidão do universo que explora: uma parte considerável de toda a produção industrial feita até hoje.

Os critérios empregados para o estabelecimento deste acervo são em si amplos, não se limitando a nenhuma categoria tipológica de obje-tos, nem atenta a nenhuma categoria funcional específica. A intenção básica é a obtenção de exemplos de um número significativo de ma-teriais plásticos tornados objetos duráveis ou transitórios, executados nos principais processos de transformação. Isto resulta num conjunto heterogêneo de objetos, num largo espectro de utilidades, funções e estilos de design, refletindo as mudanças das formas e políticas produ-tivas, da tecnologia e da moda, dos costumes e da economia, ao longo do período. Um mosaico de materiais, formas e cores que reflete uma pequena parte da cultura industrial e de consumo como esta se estabe-leceu em quase todo o mundo.

O contato direto com este conjunto de objetos permite o desenvolvi-mento de questões sensíveis ao designer, como uma maior consciência acerca de aspectos da materialidade. Ao mesmo tempo em que apren-demos que a palavra plásticos se refere a uma categoria geral de mate-

92 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 93

da produção cultural relativa à indústria, ao design e ao consumo nestes materiais plásticos. Uma pequena parte deste acervo pode ser vista na figura da página 82.

Este acervo pessoal tem características que lhe são muito próprias, como ter sido coletado por um longo período de duas décadas, iniciado como um hobbie informal de graduado em design e, só posteriormen-te, ter sido utilizado como objeto na construção de trabalhos de pós--graduação. Esse acervo, rico de possibilidades, atingiu tais proporções e peso na vida do colecionador que se tornou a razão de ser de uma car-reira acadêmica que passou despercebida como possibilidade por muito tempo. Esse trabalho longo demonstra uma paixão e um envolvimento que nos parecem os motores adequados para o trabalho de longo prazo.

6 - Conclusão

Nossa argumentação central parece simples e, na verdade é: para retirar o máximo de seu objeto de estudo, quanto mais próximo dele, melhor. Essa aproximação pode se dar de muitas maneiras, mas no que tange aos estudos dos objetos e de seu design, utilizar, testar, tocar, sentir, sopesar, autopsiar e, quem sabe, desfazer e destruir, são possibilidades de um contato íntimo que apenas são possíveis na posse do objeto. O envolvimento com uma série de objetos e o interesse em sua con-servação como unidade lógica, visando uma posteridade, é o trabalho possível ao indivíduo interessado nas questões suscitadas pela presença dos objetos cotidianos. A responsabilidade individual por esta preser-vação pode não encontrar respaldo futuro em instituições oficiais, mas pode, com investimento afetivo e sorte, encontrar herdeiros no círculo familiar ou novos proprietários no sistema paralelo de circulação de mercadorias, constituída por colecionadores amadores ou acadêmicos.

Nesta atividade colecionista vemos a possibilidade de preservar parte do espírito do nosso tempo; de conservar parte da produção que, se atesta as condições culturais de nossa sociedade de consumo, é presa da roda de criação e destruição contínuas que lhe são próprias. Será dos acervos privados dos colecionistas, que conseguirem se preservar, que

destes objetos não está contido num universo de oferta comercial organizada, como a loja ou o shopping, mas em “camadas sedimen-tárias”, ao sabor do processo de capitação e revaloração dos objetos descartados no ciclo de consumo, em quase completa ausência de sistemática classificatória10. Estes ambientes de coleta são, princi-palmente, os mercados marginais de objetos usados: os brechós, as feiras de antiguidades, os antiquários e, território de natureza mais sistemática e organizada, a Internet.

Em meio deste caos de oferta, critérios de interesse se estabelecem visando o preenchimento de categorias pré-estabelecidas, referentes à história de apropriação e criação dos materiais, sejam primitivos, ob-soletos, contemporâneos ou de tecnologia de ponta; referentes aos di-versos processos de fabricação, do manufaturado no sentido estrito do termo, à produção automatizada em massa; referentes ao design, na concepção mais ampla deste termo, sendo notável aí a prevalência de critérios subjetivos e idiossincráticos por parte do colecionador. Essa subjetividade funciona como critério último; não sendo possível ou viável a coleta de todos os objetos de uma categoria ou tipo, as escolhas finais podem ficar por conta de critérios nem sempre racionalizáveis.

Fica clara aqui a necessidade do estabelecimento de parâmetros básicos que permitam ao pesquisador garantir que esse processo seja menos caótico e aleatório do que parece; e ao mesmo tempo, buscar métodos que organizem o trabalho feito e determinem o ainda por fazer.

Na abrangência de seu campo de ação, este acervo não associa a rele-vância de seus elementos a conceitos como “bom design” ou “clássi-cos”, tampouco a associa a alguma linha filosófica/ideológica de de-sign específica. Os parâmetros deste colecionismo estão abertos à boa e à má qualidade, ao permanente e ao efêmero, ao design culto e ao design vernacular, ao consagrado e ao anônimo. São objetos de prove-niências muito distintas, não só no tempo, mas também no espaço. To-dos estes extremos contribuem com igual importância para o quadro

10 Op cit, p 65-66.

94 | Instituto Infnet

Ruben Martins por ele mesmo: o cartaz forminform1967/68

Luiz Claudio Franca Barros ESDI-UERJ

Guilherme Cunha Lima ESDI-UERJ

IntroduçãoRuben Martins (1929 - 1968) foi um dos personagens-chave no pro-cesso de implantação e divulgação do design moderno no Brasil. Sua trajetória profissional como designer ocorre na Forminform, escritório pioneiro que funda em 1958 em sociedade com Alexandre Wollner, Geraldo de Barros e Walter Macedo; e que dirige a partir de 1959, após o desligamento dos dois primeiros. De uma maneira bem brasileira, seus projetos aliam o rigor construtivo preconizado pela Escola de Ulm - o principal modelo referenciado pelos designers modernos no Brasil - a diversas outras referências como a poesia concreta, a publi-cidade norteamericana e a pop-art. Foi um designer prolífico, que pro-duziu utilizando-se dos mesmos critérios e com a mesma desenvoltura projetos de identidade visual, stands de exposição, anúncios publicitá-rios, embalagens e produtos.

Esse artigo traz como recorte dessa produção uma seleção de imagens feita pelo próprio designer, utilizada por ele mesmo para a confecção da peça gráfica em estudo: o cartaz Forminform 1967/68.

Com o objetivo de tirar o máximo proveito da especificidade dessa peça, a análise proposta movimenta-se por duas vias: o impresso em si e um inventário das imagens apresentadas nesse impresso. A aná-lise conjunta da forma e do conteúdo dessa peça gráfica é oportuna por reunir os projetos que revelam suas escolhas conceituais e forma escolhida para apresentá-los. Todos os projetos da Forminform que

os estudiosos futuros retirarão conteúdo para suas análises da socie-dade industrial em que vivemos. Além, claro, dos resultados da futura arqueologia dos depósitos de lixo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBARROS, Helena de. Em busca da aura: dinâmicas de construção da imagem impressa para simu-

lação do original. Rio de Janeiro : Dissertação de mestrado pelo PPD/ ESDI/UERJ, 2008.CARDOSO, Rafael (org). O Design Brasileiro Antes do Design. São Paulo : Cosac Naify, 2005.

MOLES, Abraham A. Teoria dos Objetos. Rio de Janeiro : Tempo Brasileiro, 1981.

Bibliografia relacionada

BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos. São Paulo : Perspectiva, 1973.

FEATHERSTONE, Mike. Cultura de Consumo e Pós-Modernismo. São Paulo : Studio Nobel, 1995.

FORTY, Adrian. Objetos de Desejo. São Paulo : Cosac Naify, 2007.

KATZ, Sylvia. Classic Plastics. Inglaterra : Thames & Hudson, 1984.

QUYE, Anita e WILLIAMSON, Colin (eds). Plastics: collecting and conserving. Inglaterra : NMS Publishing Ltd, 1999.

SLATER, Don. Consumer Culture and Modernity. Inglaterra : Polity Press, 2000.

96 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 97

Figura 1 - Cartaz Forminform 1967/68 (960 X 645 mm)

Ilustram o cartaz foram desenvolvidos sob direção exclusiva de Ruben Martins, no período entre 1959 e 1967.

A importância dessa peça vem do fato de que, diferentemente dos de-mais trabalhos gráficos do designer - desenvolvidos em resposta a ne-cessidades específicas de seus clientes e cuidadosamente direcionados a seu público - aqui o designer teve a liberdade de selecionar o que con-siderou mais importante ou representativo do conjunto de sua obra, e utiliza essa seleção para apresentar-se perante potenciais clientes. O designer mostra seus trabalhos mais importantes da maneira que consi-dera mais conveniente. Por esse teor essa peça equivale a um manifesto do rumo determinado por Ruben Martins para a Forminform.

No decorrer da análise do cartaz algumas de suas escolhas formais serão explicadas pelas características da produção de uma peça gráfica dessa natureza na época. A montagem de uma arte final envolvia o po-sicionamento e colagem manual de todos os elementos, e as peças que a constituíam eram dispendiosas: geralmente reproduções em papel fotográfico. A reunião desses elementos necessitava de um trabalho adicional de retoques. Antes da fotolitagem, última etapa anterior à gravação da chapa de impressão, as bordas das áreas de colagem eram preenchidas - geralmente com tinta gouache branca - para minimizar as sombras produzidas pela espessura do papel. Após a fotolitagem, por vezes o filme também precisava de retoques, geralmente feitos a pincel com uma tinta cerâmica opaca chamada “abdec”.

Uma particularidade funcional dessa peça é o fato de ter sido projeta-da de forma a funcionar inicialmente como cartão de natal, e reapro-veitada como cartaz/portfolio. Essa peça gráfica possui características que atestam o domínio por seu autor da linguagem visual, observado em experimentações que vão além de suas referências iniciais, poden-do sua obra ser vista como uma contribuição original para um design moderno e brasileiro. A sua criação mantêm a identidade moderna da época em seu racionalismo, porém não se restringe apenas aos dogmas que vieram a reboque da metodologia ulmiana, incorporando aspectos

98 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 99

1) Suporte das informações

2) Delimitação dos componentes principais

3) Delimitação dos componentes secundários

4) Características textuais

5) Características das imagens

6) Artifícios gráficos a) enfatizadoresb) delimitadoresc) separadores

7) Inventário do conteúdo a) Marcasb) Publicidadec) Embalagensd) Impressose) Desenhos técnicos / Layouts / Diagramasf ) Produtosg) Obras de arteh) Grafismosi) Desenhos e ilustraçõesj) Fotografiasl) Retratos da equipe Forminform

O primeiro objeto de análise é o suporte das informações, caracteri-zado por suas dimensões, sentido (vertical ou horizontal), material e ocupação. Como a peça é destinada a funcionar prioritariamente como um cartaz, impressão é feita em apenas uma face do papel. Nessa im-pressão é utilizada apenas uma cor: um tom de marrom avermelhado escuro que não pôde ser definida por não apresentar uniformidade ao longo da superfície do papel.

Chama a atenção o material do cartaz: impresso em um tipo de papel Kraft calandrado, não revestido, monolúcido; papel de baixo custo e que não proporciona boa qualidade de impressão, sendo normalmente utilizado para outras finalidades, como a confecção de envelopes admi-nistrativos e sacaria.

Suas dimensões são 960 X 645 mm, tendo quase a totalidade de sua superfície impressa (há uma pequena margem não impressa nas 4 ex-

lúdicos e propostas experimentais nas quais a tônica não é a percepção, mas sim a interpretação das mensagens visuais.

Esse tipo de pesquisa contribui para divulgar uma parte da produção de design moderno no Brasil, importante não só como produto de uma época, mas também como processo que permitiu a institucionali-zação do design no Brasil. Guilherme Cunha Lima ressalta a importân-cia desse tipo de pesquisa:

É pois imprescindível que reconheçamos a presença do design no nosso passado. É necessário que criemos nossos próprios parâmetros de análise, para que possamos compreender nossa própria história. (LIMA, 2005)

Dessa forma a história do design pode ser construída a partir da pro-dução de seus protagonistas. Segundo Steven Heller:

Embora o design gráfico possa ser definido como massas críticas de forma e estilo, que mudam de acordo com os ditames do mercado, a compresensão de um trabalho singular - ou de gêneros de trabalhos analisados por meio de critérios subjetivos - pode ser útil para deter-minar como os designers fizeram o design gráfico funcionar ao longo do tempo. (HELLER, 2005).

ANÁLISE DO CARTAZA forma de análise do objeto foi baseada em um modelo proposto pela Professora Doutora Edna Lucia Cunha Lima, originalmente destinado à análise de anúncios impressos. Algumas modificações foram introdu-zidas com o objetivo de atender a particularidades dessa peça gráfica, iniciando a abordagem em suas características morfológicas e de confi-guração, etapa necessária para a observação da hierarquização de suas informações. Dessa forma a sequência proposta para essa análise parte das macroestruturas (ou aspectos físicos gerais) para seus elementos componentes (informações). As etapas de análise são:

100 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 101

Figura 3 - Cartaz Forminform 1967/1968 dobrado

As imagens são distribuídas por toda a superfície do cartaz, ao passo que o texto, apesar de presente em muitas das imagens, só se destina à leitura no rodapé do cartaz, exatamente na parte visível após a dobra.

Num terceiro passo a análise recai sobre cada um dos componentes secundários, ou seja a composição dos elementos delimitados no passo anterior (imagem, texto e dobras) e suas subdivisões. Ou seja, como a imagem, o texto e as dobras se relacionam.

Quando dobrado as informações que aparecem com ênfase são as da-tas, uma fotografia de olhos, informações da empresa (nome, telefone e endereço), a palavra FORMINFORM e um desenho de uma per-sonagem. Em segundo plano observa-se partes de imagens que va-zam pela parte superior, escondidas pela dobra. A idéia de passagem de ano é salientada, visto seu uso como cartão de final de ano. Uma imagem de olhos faz analogia a duas informações sobre a empresa: a personagem Barbarella e à programação visual. Esses olhos dirigem-se para as informações da empresa (nome, endereço e telefone). No verso

tremidades do cartaz, que varia entre 3 e 8 milímetros no exemplar estudado).

Na delimitação dos componentes principais temos imagens, texto e dobras, abordadas ainda genericamente por sua posição e proporção em relação ao conjunto. Essa segunda etapa mostra as categorias prin-cipais que definem a forma como as mensagens deverão ser passadas; imagens e texto evidenciam escolhas diferenciadas de comunicação, e as dobras podem ressaltar a hierarquia e sequência na apreensão dessas informações.

O impresso possui oito dobras em cruz (sete na horizontal e uma na vertical), que permitem que o cartaz de grandes dimensões se torne algo mais facilmente manipulável, reduzindo-o a 120 X 322,5 mm.

Figura 2 - Cartaz Forminform 1967/1968 - diagrama das dobras

Sendo uma peça destinada a apresentação como cartaz, sua visualiza-ção quando dobrada é prejudicada. Ruben atenua a sensação de ser uma peça adaptada ao sangrar a informação escrita da mesma forma que as imagens, conforme mostrado na figura 6.3.

102 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 103

apoio ao desenho da Barbarella, que engatinha sobre o texto.

A quinta etapa analiza as características das imagens, como posicio-namento relativo, agrupamento, relações (sequencias, explicações etc), natureza (fotografia, desenho, diagrama) e forma (caracterização de planos de fotografia, tabelas, árvores etc).

As imagens não obedecem a nenhum grid específico, são apenas apli-cadas ortogonalmente ao longo de toda a superfície do cartaz. Ne-nhum elemento é aplicado diagonalmente. A grande maioria está po-sicionada de cabeça para cima, porém algumas poucas são aplicadas lateralmente - geralmente informações cujos significados não mudam e nem tem compreensão dificultada com esse posicionamento, como a palavra “forminform” aplicada na lateral superior esquerda do cartaz. Isso pode ter permitido uma maior homogeneidade e equilíbrio.

O cartaz possui imagens de diversas naturezas: fotografias, desenhos e diagramas, (desenhos técnicos, pranchas de apresentação de marcas). Esses elementos não possuem características em comum - a única coi-sa que os une é a escolha do autor em utilizá-los como melhor forma de comunicação a informações variadas. Nem todas as informações são aplicadas integralmente em relação aos projetos que referenciam - Ruben seleciona as partes mais importantes de alguns projetos para representá-los. É o caso dos grafismos dos anúncios para a Bozzano ou Laboratório Procienx, que não são apresentados da maneira como foram veiculados (com textos e demais informações).

A sexta etapa trata dos artifícios gráficos, definidos como A) enfatiza-dores (cores, signos gráficos, fundos, arejamentos, pesos, dimensiona-mentos etc), B) delimitadores (elementos demarcadores de campos), C) separadores (arejamentos, intervalos etc).

O cartaz apresenta poucos artifícios gráficos que definam hierarquia ou direções de leitura. São utilizados apenas os arejamentos que deter-minam as informações principais (institucionais). Todas as imagens são aplicadas diretamente sobre o fundo, usando a mesma cor (como já sa-lientado, o cartaz é impresso com apenas uma cor), e a única divisão de

novamente aoarece a personagem Barbarella, agora desenhada como nas histórias em quadrinhos. A personagem interage com as fontes que compõem o nome Forminform. Isso ressalta uma característica do trabalho da Forminform: a utilização de informações textuais como imagem (como nas marcas Casa Almeida ou nos anúncios publicitários para os Laboratórios Procienx, Lafi, ou para a Bozzano).

Passada a manipulação, o impresso passa a funcionar plenamente como cartaz, e todas as informações são apresentadas de uma só vez. Apenas a parte inferior - justamente a que permanece à mostra quando o cartaz está dobrado - mantêm-se com alguma evidência por possuir áreas não impressas, que funcionam como arejamento.

Disso se conclui que as dobras, além de viabilizar sua manipulação como impresso promocional, são parte importante na definição da hierarquização das informações dessa peça. A área delimitada pelas dobras e pelos arejamentos apresenta predominância de informações textuais, ao contrário do restante do cartaz, que é tomado por imagens.

A quarta etapa discute as características textuais - existência ou não de chamadas, blocos de texto, direção de leitura e localização. Aqui tam-bém são classificadas as informações textuais.

Sendo um portfolio, muitas informações textuais apresentadas não funcionam como textos, mas sim como parte de layouts. Por isso lo-gotipos, partes de aúncios e impressos ilustrados serão tratados aqui como imagens. A única parte do cartaz que apresenta texto destinado à leitura é a parte inferior, que se configura como um espaço institucio-nal. Ali estão informações institucionais e a informação de passagem de ano. As informações institucionais são compostas em Helvética, nos corpos 9 e 10 (palavra “Forminform”), somente em caixa baixa. formando um bloco de texto pequeno, porém com importância as-segurada pelo arejamento que foi deixado em sua volta. As demais informações são compostas em uma fonte estêncil, inteiramente em caixa alta, aplicadas com sangramento na parte inferior do impresso. Na palavra Forminform a letra R é deslocada para cima, servindo de

104 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 105

a) Marcas

Conteúdo: Hugo de Abreu / ABECIP / FRIUSA / ENTECO / Kartro / Banco Baiano de Produção / SIBRA / CIM - Cia. Inte-ramericana de Metalurgia / Marsicano / CIMBA / (?) / Grupo de Criação Publicitária / Light / CInesina / Televolt / Procienx / Di-côco / Morgenroth Leoni / Lojas érmor / Desembanco / Banco do Recôncavo / Efecê editora / Forminform / Willys / Doçúcar / MARSIM / Prima / Promon / Icomi / Fazenda Leão de São Marcos / Cia. União Manufatora de Tecidos / Brasiljuta / Bozanno / Ame-rino Portugal / Empreendimentos da Bahia / Sociedade Hípica da Bahia / Casa Almeida / Braspérola / Balas Belavista

Figura 4 - Cartaz com marcas enfatizadas.

campos não é gráfica, mas sim física: determinada pelas dobras. Essa divisão é tornada secundária por se tratar de um cartaz.

A sétima etapa define, à luz dos elementos descrito acima, o conteúdo efetivamente mostrado no cartaz. Nesse momento não há mais ne-cessidade de identificar posicionamentos e nem hierarquias, mas sim-plesmente observar as escolhas do designer. Ao contrário do que se espera de um portfolio, as imagens não se limitam a projetos e clientes, mas formam um conjunto no qual misturam-se ao trabalho referências pessoais, esboços, layouts não aprovados e diversas outras facetas. Isso se deve à dinâmica muito particular do escritório e sua equipe. O espa-ço de trabalho também era um espaço de convívio, onde aconteciam reuniões com convidados de outras áreas, e onde se discutiam cultu-ra, design, cinema, arte etc. Vários depoimentos fazem menção a essa característica do escritório, que inclusive encorajava aos estagiários o desenvolvimento ali seus trabalhos acadêmicos. A divisão casa/traba-lho era muito tênue, e chega a desaparecer quando o escritório muda para a Rua Chingamira, nos fundos da casa da família. Isso se reflete no cartaz, onde a posição central é ocupada por um desenho de Fernanda Martins, filha de Ruben que posteriormente decide seguir a carreira do pai, sendo a grande responsável pela preservação de seu acervo.

Para melhor descrever esse conteúdo, as imagens presentes no cartaz foram divididas nas seguintes categorias:

a) Marcas; b) Publicidade; c) Embalagens; d) Impressos; e) Desenhos técnicos / Layouts / Diagramas; f) Produtos; g) Obras de arte; h) Grafismos pictóricos e tipográficos; i) Desenhos e ilustrações; j) Fotografias; l) Retratos da equipe Forminform.

106 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 107

c) Embalagens

Conteúdo: Embalagem papelão loção Barbelétrica Bozzano / Foto em-balagem papelão Cuecas Sinatra / Embalagens vidro produtos mascu-linos Bozzano / Embalagem saco plástica Doçúcar / Embalagem pa-pelão remédio Beglucil Procienx / Embalagem papelão não identificada Bozzano / Foto embalagens de papelão e vidro Scotch Cologne for men Senior / Foto embalagens papelão tipo caixa não identificadas / Embalagem papelão loção Barbelétrica Bozzano / Embalagem papelão CETECO / Foto embalagens diversas Procienx / Embalagem papelão creme de barbear Bozzano / Embalagem papel tipo envelope Norbrasil / Embalagem papelão tipo caixa linha feminina 1010 Bozzano

Figura 6 - Cartaz com embalagens enfatizadas.

b) Publicidade

Conteúdo: Tranquilizante Procienx / Cosméticos Cinesina Bozzano / ienpax Procienx / Fitovite Procienx / Sedavier Procienx / Disen-fórmio Procienx / Infecções vias urinárias Procienx / Vitamina B12 Bituelve Procienx

Figura 5 - Cartaz com anúncios publicitários enfatizados.

108 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 109

e) Desenhos técnicos / layouts / diagramas / apresentações de projetos

Conteúdo: Desenhos técnicos embalagem esmalte / lay out não aprova-do da marca Banco de Crédito da Bahia / Apresentação marca Braspé-rola / Estudos de tipografias Bozzano / Apresentação veículos Balas Be-lavista / Diagrama Marsicano / Diagrama ASITE / Comparação marca antiga X marca nova Braspérola / Apresentação desenhos balas Belavista / Desenho técnico Ferro de passar Prima / Explicação marca ICOMI

Figura 8 - Cartaz com desenhos técnicos, lay outs, diagramas e apresentações de projetos enfatizados.

d) ImpressosConteúdo: Cartão de festas Prima / Convite Galeria Atrium / Livro Aratu

Figura 7 - Cartaz com impressos enfatizados.

110 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 111

g) Obras de arte

Conteúdo: Parte do grupo do Laocoonte / pintura não identificada

Figura 10 - Cartaz com obras de arte enfatizadas.

f) Produtos

Conteúdo: Ferro Elétrico Prima / Máquina de lavar Prima / Display para máquina de solda Eutectic Prodelec / Equipamento não identi-ficado

Figura 9 - Cartaz com produtos enfatizados.

112 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 113

- Grafismos pictóricosConteúdo: Setas / rabiscos

Figura 12 - Cartaz com grafismos pictóricos enfatizados.

h) Grafismos tipográficos

Conteúdo: ANA / Grafismos com números / BAHIA / SADE / GO / Onomatopéias

Figura 11 - Cartaz com grafismos tipográficos enfatizados.

114 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 115

j) Fotografias

Conteúdo: Radiografia de uma mão / não identificada / Casa Sede da Forminform na Alameda Franca / vegetação não identificada / Bar-barella (?) / Mão / Pilha de papéis (jornais?) / Colagem com foto e tipografia / Colagem “Stop the war”

Figura 14 - Cartaz com fotografias enfatizadas.

i) Desenhos / ilustrações

Conteúdo: Pictogramas / Vinheta automóvel / Desenho da filha de Ruben Martins (Fernanda Martins) / Corações / Gotas / Boca com balão Barbarella / Onomatopéias / Barbarella

Figura 13 - Cartaz com desenhos e ilustrações enfatizados.

116 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 117

Conclusão

Ruben Martins foi um dos personagens fundamentais para o design moderno brasileiro. Essa afirmação encontra sustentação não somen-te no pioneirismo de sua atuação, mas principalmente na qualidade de uma produção que demonstra sua inquietação diante de fórmulas prontas, levando-o a buscar novas estratégias quando confrontado com diferentes necessidades.

A análise desenvolvida aqui recai sobre um projeto não usual: um pa-norama da obra de Ruben Martins feito por ele mesmo. Editado como um portfolio, essa peça é uma rara oportunidade de análise do conjun-to de uma obra feita pelo próprio designer e contemporânea do mo-mento em que o trabalho se desenvolvia. Através dessa obra temos a confirmação de tudo o que se observa ao analizar a trajetória de Ruben - desde a importância da coletividade do escritório, até as suas escolhas em se fazer mostrar através de uma peça com as características distin-tivas ressaltadas aqui.

Esse artigo busca contribuir para uma conceituação mais profunda do trabalho desenvolvido por Ruben nos seus dez anos de atividade como designer.

BIBLIOGRAFIARevistas

LEON, E. 1989. Ruben Martins, o pioneiro transgressor. In: Design & interiores, Ano 3, 15. pp. 133-138.

Livros

HELLER, S. 2005. Linguagens do Design: Compreendendo o Design Gráfico. São Paulo: Rosari.

LIMA, E.L.C. 1994. Sobre Design e Designers. In Estudos em Design, ano 2, v.2, nov, Anais P&D, pp V21-27.

WOLLNER, A. 2003. Design visual: 50 anos. São Paulo: Cosac Naify.

Entrevistas

MARTINS, F. S/d. Entrevista com Eduardo Riedel. São Paulo

l) retratos da equipe

Conteúdo: Celso / Sampaio / Carlos Alberto (Montoro Amorim) / Célia (Beatriz) / ? / Noronha / Cristina / Ruben (Martins) / Emily (Emilie Chamie) / Barbarella (olhos)

Figura 15 - Cartaz com retratos da equipe enfatizados.

Design de entretenimento: arte conceitual e design para a indústria

cinematográficaDaniel Moreira de Sousa Pinna

UFF

Marcos Aurélio Machado dos Santos Instituto Infnet

1- Projetando na tela grande

Vivemos em uma sociedade baseada em imagens. Tal fato não chega a ser novidade. Sempre foi, essencialmente, por meio destas que per-cebemos o mundo e os acontecimentos a nossa volta. Por meio de imagens nos comunicamos, adquirimos e armazenamos informações e contamos estórias. A comunicação, entretanto, modificou-se em suas maneiras a partir do advento da tecnologia digital e do surgimento de novos canais de comunicação. Tornou-se mais dinâmica e muitís-simo mais ágil, aumentando cada vez mais a importância das imagens (e também do som, a elas frequentemente atrelado) nos processos de comunicação. As imagens no mundo contemporâneo não são simples-mente visuais. São audiovisuais, dinâmicas e interativas.

A rápida alteração destas “imagens”, que a cada segundo se renovam, é sustentada tecnicamente através das tecnologias digitais, numa ace-leração que determina, inevitavelmente, grande parte dos processos sociais.

A novidade dessa situação não reside nas imagens, pois sempre foi através delas que vimos o mundo, o que se altera é a sua permanente presença em quase todas as manifestações culturais, entendendo-se a palavra “cultura” como o conjunto das experiências vividas, materia-lizadas em objectos e instituições e (rememoradas) pelos indivíduos (Alegre, 2008: 9).

Com as mudanças nas relações entre comunicação, cultura e as ima-gens, portanto, mudaram-se também as maneiras de se contar estórias.

120 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 121

A arte conceitual (ou concept art) surgiu no contexto das artes visuais clássicas e evoluiu juntamente com as artes cinematográficas do cine-ma de atores e de Animação, ganhando importância ainda maior na contemporaneidade a partir do desenvolvimento da tecnologia CGI (Computer-generated Imagery), que torna concreta no espaço diegéti-co qualquer criação da imaginação, desde que a mesma possa ser pre-viamente visualizada. O artista conceitual torna-se então fundamental para a criação das realidades fantásticas apresentadas na tela. A ele é passada a tarefa de imaginar o inexistente.

Pensemos, nesse sentido, no mundo actual, em que quase tudo nos é dado a ver através de infindáveis replicações visuais, e verifiquemos como continua, à semelhança de outras épocas, a existir uma certa exterioridade, da qual fazem parte as coisas (objectos, instituições, imagens e desejos) dotadas de uma certa materialidade.

As múltiplas possibilidades que a vida nos suscita decorre pela acção do relacionamento entre os objectos, as imagens e as “ideias”, que deste ponto de vista, não são menos materiais.

É a constituição deste fundo matérico que possibilita todo o agir, e não apenas o do passado, mas também o do presente e eventualmente o do futuro (Alegre, 2008: 9-10).

É fácil identificar a importância do artista conceitual em filmes fantás-ticos como os recentes Avatar (2009) ou Alice no País das Maravilhas (ganhador do prêmio Oscar de melhor direção de arte em 2011). En-tretanto, mesmo em obras ambientadas em realidades próximas à nos-sa como os recentes A origem (2010) ou o argentino Um conto chinês (2011), em que a atuação deste profissional torna-se bastante sutil, a mesma se faz necessária.

O ensaio a seguir foi escrito a quatro mãos. O objetivo principal é fazer um levantamento prévio de referências para a pesquisa com bolsistas de iniciação científica do professor Marcos Machado sobre a arte con-ceitual no Brasil e para a pesquisa do professor Daniel Pinna sobre o papel — e a inserção — do designer na produção cinematográfica. De fato, a aridez de um referencial teórico que reflita sobre a arte concei-

Um aspecto tão antigo da comunicação humana, por milênios baseado na tradição oral, as narrativas ganharam novo impulso nas imagens dinâmicas, que extrapolaram as salas de cinema e encontram-se presen-tes em televisores, computadores, jogos eletrônicos, telefones celulares e nos menores dispositivos móveis.

Toda obra narrativa tem por elemento central um enredo, um eixo es-trutural que conduz a ação de seu início à conclusão. A narração oral exige-nos uma participação do cérebro, que se baseará em nossas expe-riências prévias e nas descrições presentes no discurso para compor e oferecer ao ouvinte uma imagem mental da matéria narrada. Quando a obra se caracteriza por propriedades visuais, contudo, faz-se necessário no momento de sua pré-produção o desenvolvimento da visualidade da mesma, que envolverá a concepção de personagens, elementos de cena, figurinos e cenários. A conceituação visual da narrativa abrange aspectos relacionados ao mostrar de uma obra visual. Está relacionada com a atmosfera e ambientação do enredo, e permitirá ao espectador visualizar a matéria até então apenas verbalizada, no enredo ou no ro-teiro. Tal processo torna-se ainda mais importante quando tratamos de narrativas fantásticas ou de ficção científica, em que não existe referente prévio de muitos dos seres e ambientes apresentados, como nos lembra o pesquisador Francesco Casetti, ao definir o cinema (e o audiovisual):

O cinema não é uma máquina anónima que registra automaticamente o existente e o restitui como tal: o cinema encena universos inteira-mente pessoais e pede ao espectador a sua adesão individual. O cine-ma tem a ver com a subjetividade, e é dessa subjetividade que nasce o imaginário (Casetti, 1999: 50 apud Denis, 2010: 9).

A concepção de Casetti é evidentemente distante do realismo ontoló-gico da imagem cinematográfica tão caro a André Bazin, mas explica o gosto pelo espetacular e íntimo que pode nascer na mente do criador e ressoar no imaginário do espectador. Na falta da experiência prévia co-tidiana do espectador (e também do próprio diretor e da equipe), faz-se necessária e essencial a criação conceitual que anteveja as invenções presentes no roteiro e dê-lhes o aspecto de real, na diegese da obra.

122 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 123

que exploravam no traço novos caminhos para os veículos das mon-tadoras para os anos vindouros. A partir das artes conceituais produ-zidas, eram desenvolvidos os carros-conceito, projetos experimentais de cada empresa. Até hoje essa prática permanece, alimentando novas soluções não apenas no design dos automóveis, como também no uso do espaço interno e na pesquisa de tecnologias de engenharia, combus-tíveis, potência e serviços (os modelos de carros elétricos são ótimos exemplos).

A crescente popularização dos jogos eletrônicos nas últimas três dé-cadas e o aumento significativo do volume de produções de longa--metragens e séries de animação no mesmo período, bem como de filmes de ação ao vivo que se utilizam amplamente de efeitos especiais visuais gerados por computador, fizeram com que os artistas concei-tuais começassem gradualmente a sair dos bastidores onde atuam e passassem a ser cada vez mais valorizados, não apenas pelo público (que se organiza em grupos de fãs em convenções, blogs, fóruns e redes sociais na internet) como também nesse crescente mercado de entretenimento no qual, através da arte, é possível criar experiências que excitam e estimulam cada vez mais a imaginação dos espectadores. Fala-se nos dias de hoje, portanto, em Entertainment Design (Design de entretenimento) como área de atuação estratégica na indústria cul-tural e do entertainment designer como esse profissional de conceitua-ção visual e projeto industrial de inserção transmídia, fundamental nas etapas criativas e de produção dos projetos voltados para a indústria do entretenimento.

3 - O artista conceitual no cinema

Para entendermos a importância da arte conceitual para uma obra ci-nematográfica, faz-se necessário, em primeiro lugar, entendermos sua inserção no processo de realização de um filme. Grosso modo, pode-mos dizer que a confecção de um filme, da ideia inicial a cópia master, passa por três grandes etapas, dentro das quais os procedimentos e o tempo necessário irão variar de acordo com as especificidades exigidas

tual, seus procedimentos metodológicos e que dê voz a seus agentes (que normalmente encontram espaço apenas nos websites e páginas de fãs) é crônica, mesmo em mercados editoriais mais aquecidos como o norte-americano ou europeu. Nestes, é comum encontrarmos belís-simos artbooks dos blockbusters hollywoodianos, sem grandes refle-xões acerca do que é exibido em suas páginas. Não é de se estranhar, portanto, que atualmente as principais referências sobre tais temas são entrevistas com os profissionais, extras de home videos e websites.

2 - Desvendando a arte conceitual

Ao longo de séculos, com especial destaque para o período do Re-nascimento (séculos XIII-XVI), as artes visuais (como o desenho e a pintura) foram em muito influenciadas diretamente pela representação clássica da figura humana e pela cópia da natureza. O humanismo, com sua racionalidade e rigor científico, influenciaram diretamente tais artes em seus maneirismos. Somente no início do século XX, por meio de artistas como Marcel Duchamp, a arte conceitual se apresenta como uma forma de expressão artística onde o desafio é a interpretação de uma ideia ou conceito. A função da arte conceitual era a de instigar o observador a refletir e interagir com a obra, sensibilizando a sociedade para questões instigadoras até então pouco trabalhadas nas artes visu-ais, como meio ambiente, violência e consumo. Desta forma, também o desenho e a pintura passaram a conviver com novas linguagens, no-vos materiais expressivos e suportes não convencionais, como instala-ções, intervenções e performances.

Em paralelo com o universo das artes plásticas, Marcos Machado afir-ma que o termo concept art (arte conceitual) já era empregado em outro contexto — o da indústria cinematográfica e do entretenimento — pelo estúdio de Animação dos irmãos Roy e Walt Disney na dé-cada de 1930, na pré-produção dos filmes animados. Curiosamente, também na mesma época, a indústria automobilística já empregava o termo concept art em suas equipes criativas. Surgiam departamentos de criação com artistas especializados em ilustrações de automóveis,

124 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 125

retores conhecidos por seus desenhos thumbnails1 ao lado do roteiro. Uma vez aprovados os desenhos, planos de construção (de cenários, objetos ou mesmo de criações virtuais) começam a ser elaborados.

Não há regras para os desenhos conceituais dos filmes. Muitos dese-nhos podem ser feitos para representar um único objeto cênico, ou inúmeras ilustrações podem ser produzidas para a compreensão de um momento-chave do filme.

Desenhos conceituais podem ser pequenos, com muitas possibilida-des em uma página, ou sketches enormes em carvão, como os cria-dos por Ken Adam quando ele planejou os primeiros filmes de James Bond. O trabalho de Adam estabeleceu a atmosfera visual para a fran-quia que durou mais de quarenta anos (Idem, 58).

Na prática, cabe ao artista conceitual produzir ilustrações que ajudem o designer de produção a conceber a visualização do filme. Esses profissionais são encontrados normalmente em obras com grandes orçamentos, nos gêneros Histórico, Ficção científica ou Fantasia, em que o visual e os efeitos especiais são necessários para a (re)criação de ambientes passados, fantásticos ou futuros possíveis, todos com suas criaturas, veículos, armamentos e outros artefatos de toda a espécie. Os designers de produção normalmente requisitam o trabalho dos artistas conceituais nos estágios iniciais da pré-produção e estes, em conjunto, iniciam o desenvolvimento do conteúdo visual do filme. O artista con-ceitual normalmente trabalha por contrato, e como sua função é muito especializada, a demanda por seus talentos é limitada aos grandes mer-cados do entretenimento.

Os grandes estúdios trabalham com grupos de artistas conceituais em que cada profissional pode ficar encarregado de desenvolver um elemento específico, seja uma criatura fantástica ou um cenário. Se o

1 Thumbnail significa, literalmente, unha do polegar. O nome se dá pela medida das diminutas imagens esboçadas. Trata-se de pequenos rabiscos do tamanho aproximado da ponta do polegar, que servem para capturar rapidamente a essência de uma ação ou a visualização de uma descrição verbal.

por cada obra — a pré-produção (etapa de planejamento), a realização (ou produção, em que imagens e sons são criados ou capturados) e a pós-produção (ou finalização, em que imagens e sons são montados e tratados até seu formato final). A arte conceitual tem por função prin-cipal a visualização dos elementos descritos no roteiro, o que a insere inequivocamente na etapa de pré-produção (ainda que desdobramen-tos da realização do filme por vezes exijam o trabalho dos profissionais envolvidos com a arte conceitual na etapa de realização — efeitos es-peciais — ou na pós-produção, na criação dos efeitos visuais digitais).

A pré-produção de um filme é o momento de descoberta e de inven-ção da obra. É nesta etapa que antecede as filmagens que o designer de produção — figura-chave em uma produção cinematográfica, que trabalha diretamente com o diretor de arte de um filme — e o depar-tamento de arte desenvolvem ideias e criam a visualidade da narrativa. O designer de produção se envolve então em um processo sistemático de planejar os métodos e as etapas do desenvolvimento do design do filme. O autor Vicent LoBrutto explica o momento inicial da relação entre o design de produção, o roteiro e a direção:

Designers de produção pensam desenhando. A primeira etapa do pro-cesso de design, depois de absorver o roteiro e entender o ponto de vista do diretor a respeito do estilo visual do filme, é o processo de projetar fisicamente a produção. Desenhos conceituais são impressões dos sets desenhadas com lápis, carvão ou marcadores. Desenhos con-ceituais colocam ideias visuais no papel. Eles depois são apresentados ao diretor para aprovação. Ao começar com formas em um estilo es-boçado com linhas grossas, o designer está pensando em voz alta no papel (LoBrutto, 2002: 57).

LoBrutto revela ainda que diretores que já planejam suas cenas visual-mente — como Alfred Hitchcock, Martin Scorsese e Brian DePalma — ficaram conhecidos por passar suas ideias para as equipes de arte por meio de seus próprios simples desenhos conceituais rabiscados, por ve-zes nas laterais do script, que posteriormente eram desenvolvidos pela equipe de arte conceitual em imagens elaboradas, que retornavam para a aprovação do diretor. Hitchcock e Ridley Scott, por exemplo, são di-

126 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 127

• Facilidade de expressão e comunicação;• Percepção e visualização do espaço tridimensional;• Profundo interesse em Design, arquitetura e em audiovisual;• Habilidade interpretativa e repertório iconográfico para transfor-mar ideias de outros em imagens;

• Flexibilidade para adaptar ou fazer alterações no trabalho sempre que solicitado;

• Capacidade de trabalhar em equipe.

Apresar de se tratar de um campo de atuação restrito, o artista conceitu-al não precisa trabalhar exclusivamente na produção audiovisual. Será a própria indústria cinematográfica que irá abrir as portas da indústria cultural e de entretenimento para esses profissionais e para os designers.

4 - Novas demandas da indústria do entretenimento

O sucesso de um filme nas bilheterias é normalmente acompanhado por um movimento que vai da exibição do mesmo nas salas de cinema às suas conjugações em outros suportes. Tal fato não chega a ser novi-dade, e remonta da primeira série do gato Felix nos anos 1920 (ainda que muito timidamente) e da visão empresarial de Walt Disney que, em 1929, exibia seu personagem-símbolo Mickey Mouse em um porta--canetas, fechando em 1930 seu primeiro contrato de licenciamento de marca para produtos (Denis, 2010: 198). O lucro oriundo das vendas de produtos com as personagens de Disney foi colossal já nas décadas de 1930 e 1940, e foi fundamental para cobrir as despesas do estúdio com a pesquisa e o desenvolvimento de seus filmes seguintes.

A venda dos produtos derivados de filmes e séries de televisão to-mou tal importância econômica para os estúdios que, frequentemente, o argumento e o design de obras e personagens sofrem modificações em função de planos de negócios, de marketing ou de alguma dificul-dade industrial na fabricação de itens como jogos e brinquedos com as formas desta ou aquela personagem. “Certa personagem, demasia-do complexa para produzir em cadeia, deve ser alterada e simplificada ao nível dos estudos preparatórios” (Merlock Jackson, 2006: 32). Não

roteiro é de uma obra adaptada, os artistas conceituais podem analisar a obra original como forma de aprofundar ainda mais seu conheci-mento sobre seu conteúdo. É possível ainda contar com a assessoria de pesquisadores e especialistas nas mais diversas áreas como fonte de informações específicas para o desenvolvimento de suas ilustrações. Artistas conceituais trabalham junto ao departamento de arte dos estú-dios, produzindo imagens no papel (nas técnicas as mais variadas) ou valendo-se de softwares gráficos.

Após a aprovação do designer de produção, as artes conceituais são apresentadas ao produtor, ao diretor e ao coordenador de efeitos vi-suais para suas análises. O artista conceitual continua desenvolvendo ilustrações durante a produção da obra e pode ser requisitado para al-guma mudança ou adaptação em seus conceitos originais durante o de-senvolvimento do filme. Deste modo, constata-se que o grande desafio de um artista conceitual é o de produzir ilustrações impressionantes e originais e, ao mesmo tempo, precisas e claras, contribuindo decisiva-mente para a conceituação visual da obra.

Não existe uma formação específica para tornar-se um artista conceitu-al. Alguns iniciam suas carreiras como designers gráficos, ilustradores, diretores de arte, artistas gráficos de jornais ou das histórias em quadri-nhos. Outros trabalharam com modelagem tridimensional, animação ou produção de efeitos visuais e “migram” para a arte conceitual. Para que um artista conceitual possa exercer sua atividade em plenitude, é importante que este saiba ler e interpretar um argumento, roteiro ou perfil de personagens e esteja familiarizado com a sintaxe e estética cine-matográfica, entendendo o que o diretor, o diretor de fotografia e (por vezes) o coordenador de efeitos visuais necessitam para uma tomada.

Muitos websites apontam ainda outros conhecimentos e habilidades exigidos atualmente aos artistas conceituais pelo mercado, tais como:

• Excelentes conhecimentos de ilustração: habilidades em desenho de anatomia, perspectiva, desenho técnico, volume, cores;

• Domínio das ferramentas de ilustração e pintura digital;

128 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 129

tecnologia (e estética) da computação gráfica 3D (CGI).A lógica de valorização mercantil do uso das imagens de síntese pelas majors (...) deve ser relacionado com a problemática do marketing mul-timercados. A multiplicação de produtos derivados com o objetivo de estender grandemente o espaço de rentabilização é típico do modelo hollywoodiano, ao ponto de poderem representar a maior fatia das re-ceitas. Para cada vez mais projectos, já não se trata de um filme cinema-tográfico cujo tema pode ser conjugado em outros setores, mas de um conceito matricial que está na origem de uma multiplicidade de espaços de valorização, sendo o cinema um de entre eles, com o peso de uma responsabilidade singular na promoção desse conjunto mercantil coor-denado (CRETON, 1998: 127 apud Denis, 2010: 199).

É feliz a designação de conceito matricial dada por Laurent Creton à origem deste produto comercial multiplataforma, pois a atividade pro-fissional do artista conceitual trata justamente de visualizar tais concei-tos. A multiplicidade dos espaços de valorização de um mesmo produ-to potencializou a necessidade de pensar o mesmo em escala industrial, desde os primeiros esboços de conceitos. O advento da tecnologia CGI promove então, na indústria cinematográfica, a demanda por um profissional capaz de projetar produtos funcionais e de reprodução em escala industrial, que lide cotidianamente com as tecnologias digitais e que ainda tenha uma base conceitual artística em sua formação. Este profissional de pré-produção que se mostra adequado à nova aborda-gem mercadológica dos estúdios não é mais um artista conceitual, mas sim um designer conceitual (concept designer).

5 - Designers e a indústria do entretenimento

Por se tratar de um ensaio baseado em reflexões a partir de um levan-tamento bibliográfico, não há aqui pretensões em definir conclusões sobre o campo da arte conceitual ou do design de entretenimento. Pa-rece-nos, entretanto, que podemos observar algumas questões acerca dos temas trabalhados que se sobressaem ao longo da pesquisa.

apenas brinquedos, jogos e colecionáveis tornam-se em desdobramen-tos rentáveis de filmes ou séries, como também livros e revistas em quadrinhos, licenciamento em produtos que não possuem ligação dire-ta com a obra original (da indústria alimentícia, de produtos de higiene e para o lar etc.), aparelhos eletrônicos, roupas e acessórios, veículos, museus e parques temáticos. Por outro lado, não é incomum a “migra-ção” de brinquedos e jogos populares para os meios cinematográfico e televisivo. Há casos bem-sucedidos como He-man, G.I.Joe e Trans-formers, coleções de brinquedos da década de 1980 que migraram para os desenhos animados, ganhando narrativas atreladas que atraiam fãs e impulsionaram, assim, a venda de brinquedos e a criação de novos derivados e licenciamentos. Obras audiovisuais e produtos com essas personagens se realimentam até os dias atuais, gerando novas narrati-vas — para televisão, cinema e quadrinhos; com atores, desenhos ou empregando CGI — e novos produtos derivados destas.

A questão da produção industrial em escala desses produtos ainda exi-ge um planejamento conjunto e uma estratégia maior de negócios para que o espectador identifique os produtos derivados com a obra de que é fã. As tecnologias digitais, nesse sentido

(...) parecem ter possibilitado aos produtores franquear uma impor-tante barreira psicológica; o vaivém entre os media digitais é mais simples e funcional, e o universo desrealizado da síntese da imagem permite a concretização de um mundo inteiramente virtual na forma de dezenas de produtos diferentes (Denis, 2010: 199).

Filmes que empregam recursos de CGI — sejam animações como Toy Story (1995) ou filmes como Jurassic Park (1993) e Tron: o Legado (2010) — são mais facilmente transpostas para séries derivadas, brin-quedos e jogos eletrônicos do que desenhos bidimensionais ou filmes baseados em performances de atores reais. São obras que atraem pela dita “inovação” dos efeitos visuais e, ao mesmo tempo, funcionam bem na exploração comercial extra-fílmica. A despeito da maneira com que instigam o espectador, ávido por novidades, e faturam com as bi-lheterias, parece vir daí o interesse das majors norteamericanas pela

130 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 131

E o designer parece ser, cada vez mais, o profissional apto a desem-penhar as tarefas que os novos tempos exigem da arte conceitual. São profissionais focados não apenas na forma, mas na funcionalidade dos produtos projetados, habituados a trabalhar com imperativos projetu-ais e limitadores os mais variados e a pensar na fabricação em escala industrial das peças. Por fim, sua facilidade não só em transpor suas ideias para o papel, como também deste para o computador, e sua facilidade com as ferramentas gráficas digitais, o aproximam cada vez mais dos efeitos visuais do filme, criando uma ponte entre a pré e a pós-produção da obra, que perpassa todo o projeto cinematográfico e, por vezes, interfere inclusive na maneira com que as cenas são filmadas.

Do lado dos designers, a possibilidade de trocar o trabalho por ve-zes solitário pelas equipes multidisciplinares de artistas talentosos que povoam as produções cinematográficas parece ser recebida com inte-resse. Nos filmes, há a possibilidade de o designer projetar objetos e veículos fantásticos ou impossíveis, em que podem avaliar tendências e antever soluções futuras ou simplesmente serem inusitados e originais. E o melhor: todos os produtos podem ser vistos em uso, materializado na diegese fílmica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALEGRE, L. A linha do Design. Coleção Imagens, sons, máquinas e pensamentos, v.9. Lisboa:

Edições Universitárias Lusófonas, 2008.CASETTI, F. Les théories du cinéma depuis 1945. Paris, Armand Colin, 1999.

CRETON, L. Innovation technologique et discourse promotionnels: les strategies hollywoodiennes en question. In: DUBOIS, P. (org.) et al. Cinéma et dernières technologies. Paris; Bruxelas: INA/DeBoeck, 1998, pp. 121-128.

DENIS, S. O cinema de Animação. Tradução de Marcelo Félix. Coleção Mi.Mé.Sis, v.7. Lisboa: Edições Texto & Grafia, 2010.

LoBRUTTO, V. The filmmakers guide to Production Design. New York: Allworth Press, 2002.

MERLOCK JACKSON, K. Walt Disney conversations. Jackson: University of Mississippi Press, 2006.

Logo de início, fica visível na bibliografia tratada um reflexo na atuação do artista conceitual a partir das mudanças ocorridas na indústria do entretenimento, hoje cada vez mais voltada para os produtos deriva-dos, desdobramentos e licenciamentos de marca dos filmes e séries produzidos. O artista conceitual não está mais envolvido apenas na visualização do filme, mas em todo o processo produtivo industrial que envolve também jogos, brinquedos vestuário, websites, álbuns mu-sicais, home videos... a lista é vasta, e cresce a cada dia. O artista con-ceitual, por vezes tornado em designer conceitual, precisa não apenas visualizar e ilustrar os elementos descritos no roteiro, como também projetá-los — torná-los possíveis de serem construídos, reproduzidos em escala, empregados nos efeitos visuais e nos subprodutos da obra. Objetos precisam ser funcionais, antevendo soluções reais de uso, em-prego de materiais na fabricação e valor afetivo agregado para poste-rior venda ao público espectador — seja o projeto de um novo modelo de telefone celular, como ocorre na cinessérie Matrix (1999-2003), seja o novo modelo da Audi dirigido pelo protagonista de Homem de fer-ro (2008). Modelos tridimensionais devem ser facilmente empregados também nos jogos eletrônicos ou séries derivadas para a televisão, pen-sando ainda em possíveis adaptações para o mundo real como parques temáticos e até espetáculos da Broadway. Esse conceito que transcende a mídia original e demanda uma nova visão do projeto, com muito mais variáveis a lidar, é cada vez mais comum na indústria cultural, se popu-larizando pelo nome de Entertainment Design.

Com as novas demandas, temos também tarefas cada vez mais espe-cíficas para os designers conceituais. Mais do que a especialização de cada um neste ou naquele motivo dentro das demandas da direção de arte de um filme, hoje falamos em concept vehicle designer, con-cept creature designer, concept environment designer, concept prop designer e assim por diante, cada qual se aprimorando em aspectos muito específicos da arte conceitual para a obra audiovisual. É nesse contexto que o designer vai se inserir com mais força na indústria cinematográfica.

Design Colaborativo: O potencial dos sistemas Web 2.0

Gonçalo Cruz Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

António Correia Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Vinicius LoureiroUniversidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Ricardo Rodrigues NunesUniversidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

1 - Introdução

O conceito de“Web 2.0”, também conhecido por “Web Social”, foi in-troduzido por O’Reilly (2005) para sintetizaruma relação entre intera-ção, participação e reciprocidade que começava adespontar no paradig-ma anterior da “Web 1.0”. Atualmente,são usados sistemasonlinepara criar conteúdo e partilhar opiniões, experiências, compreensões e pers-pectivas numverdadeiro “ecossistema de participação, onde o valor é criado pela agregação de diversas contribuições individuais”(Gruber, 2008). Na conceção desses sistemas, busca-secriar uma interaçãoa-cessível ealcançar nichos de mercado específicos,levando em contao paralelismo entre as noções de “comunidade”e “conectividade”numa simbiose de conhecimento entre as pessoas que se relacionamnaWeb (Lincoln, 2009). Na visão “Enterprise 2.0”,são oferecidasinúmeraspos-sibilidades de uso dossistemasonlinepara fornecersuportee fomentar o trabalho colaborativo entreorganizações, clientes e parceiros de negó-cio (McAfee, 2006).Tal visãoleva em consideraçãoas raízesideológicas do “softwaresocial”sobre o uso de computadores para conectar pesso-as e aumentar o intelecto humano (Licklider, 1960; Engelbart, 1963).

134 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 135

analisado o“Índice de Aplicações Web” (http://www.go2web20.net) tendo em consideração os critérios de capacidade de colaboração, gra-tuitidade e base na Web.

2.2 Método formal de categorização

Com a construção de um método de categorização para sistemas de design encontrados nossítios da “Web Social”, foi possível determi-nar uma linha de categorizaçãobaseada nas “taxonomias”apresentadas emCSCW ao nível dos Domínios de Aplicação (Ellis et al., 1991). Na secção seguinte, são apresentados os domínios orientados aodesignco-laborativo na “Web 2.0” e é feita uma breve descrição das ferramentas selecionadas.

3 - Estudo descritivo dos sistemas

Com o estudo dasdiversas funcionalidades dos sistemas de suporte ao design colaborativo, é possível alcançar uma visão holística do poten-cial de desenvolvimento de produtos e serviços com qualidade, susten-tando múltiplos ambientes para a criação de conteúdo sob orientação de outros usuários numa participação simples ou em massa indepen-dentemente da sua localizalização.

3.1- Desenvolvimento de jogos

Numa era marcada pela“explosão” de produtividade e inovação, a indústria de jogos exige uma junção de contribuições de milhões de pessoas ao envolvê-las de forma participativa nas fases de concepção (Tavares & Roque, 2007). Onúmero significativo de sistemaspresen-tes na “Web 2.0” direcionado ao desenvolvimento de jogos indica um domínio que não exige conhecimentos muito aprofundados ao nível de design e programação. O progresso pode ser alcançado de forma colaborativa pelas comunidades conectadas e orientadas à resolução de problemas a nível social e tecnológicocom uma base comumem ter-mos de conhecimento, permitindo a criação online de conteúdo onde o “co-design” assume um papel relevante (Volk, 2008).

A sustentação lógica das fases de concepção e implementação de sis-temas de colaboração adequados às necessidades sociais e organiza-cionaissurge a partir dos resultados alcançadosno campo de Trabalho Cooperativo Suportado por Computador (Computer Supported Co-operative Work – CSCW) (Koch, 2008). Neste contexto, o conceito de “designparticipativo” (Muller & Kuhn 1993) é introduzido com o intuito de envolver ativamente os usuários em diferentes contextos de participação, englobando um processo de negociação, comunicação, análise e tomada de decisão (Koch & Gross, 2006).

A capacidade da Web para combinar multimédia com o processo de design motivou a sua adoção generalizada como uma ferramenta que permite desenvolvimento colaborativo, fornece acesso a um conjun-to de informações, ferramentas de design e serviços,permitindo a comunicação entre membros de equipes multidisciplinares(Wang et al., 2002). Neste contexto, o conceito decrowdsourcingrepresenta-se como um modelo distribuído de produção e resolução de problemas (Kim & Lee, 2009),congregando a natureza social da criatividade na medida em que a colaboração assume um papel fundamental em pro-jetos que requerem conhecimento de vários domínios (Fischer, 2004).

2 - Metodologia

2.1 - Discussão da idéia

O objetivo do presente trabalho concentra-se na apresentação de “sis-temas 2.0” que potencializem o trabalho colaborativo em design. Após a utilização do método de brainstorming (Osborn, 1942) para a nego-ciação e tomada de decisão na obtenção de um entendimento mútuo, foram escolhidas as palavras-chave ‘design+tools+web2.0+apps’com o intuito de encontrar uma base lógica de pesquisa na Websobre sis-temas usados para suportar o “design colaborativo”. Asreferidas pala-vras-chave foram filtradas através de votação e introduzidas no motor de busca Google, por apresentar níveis elevados de eficáciapara que-brar a disposição estruturada e rígida dos diretórios na Web (Albors et al., 2008). Com os resultados apresentadospelo motor de busca, foi

136 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 137

nindo transições, orientação e operações “touch” para todos os seus componentes.Assim, o designer poderá decidir se a sua aplicação será exibida na horizontal ou vertical, incluir botões, formulários, código HTML, barras, textos, listas e menus, editando a posição de cada com-ponente. Após a criação, as aplicações poderão ser testadas e revisadas-por outros membros.

AppMakr (http://www.appmakr.com): é um sistema projetado para uma criação fácil e rápida de aplicativos de iPhone, iPad, Windows Phone, sem a necessidade de executar ou saber linguagens de progra-mação. O AppMakr permite ainda aosusuários partilhar a sua aplica-ção mobile antes mesmo de publicá-las (de modo a obter feedback)e permiteanalisar e gerir os downloads efetuados por outros usuários, conter notificações e até adicionar publicidade, proporcionando assim uma oportunidade de negócio electrónico.

Wirenode (http://www.wirenode.com): é um sistema que permite a criação personalizada depáginas para mobile. Através do seu editor em AJAX, é possível editar o cabeçalho da página, conteúdo,wallpaper, etc.eadicionar widgets para galerias de imagem, inquéritos e votações. Há integração com o Google Maps, Twitter, RSS Feed,etc.Com a ferra-menta Wirenode os designers podem obter feedback dos visitantes e é ainda possível armazenar e gerir uma biblioteca multimédia e adminis-trar várias páginas ao mesmo tempo.

3.3 - Webconferência

Os sistemas de webconferência possibilitam a comunicação síncrona e podem criar ambientes virtuais para diferentes conjunturas nos domí-nios de aprendizagem, diversão e trabalho (Foreman & Jenkins 2005). As ferramentas sob esta insígnia oferecem grande facilidade de visuali-zação etêm um papel vital no design ao permitir um acompanhamento do trabalho desenvolvido.

Voicethread (http://voicethread.com):permite realização e partilha de conferências em grupo num só local. Sendo uma ferramenta colabora-

Atmosphir (http://www.atmosphir.com): é um sistema que funciona no browser com um plugin Unity que permiteo design de jogos 3D. A interface permite ao designer editarobjetivos, personagens e skills, mú-sica, cenário, etc. e assumir o papel de jogador, experimentandoaproxi-madamente 50 mil jogos desenvolvidos por membros da comunidade, inclusive sessõesmultiplayer. O usuáriopode ainda avaliar jogos criados por outros membros da comunidade.

Stencyl (http://www.stencyl.com): permite a criação de jogos 2D, em iOS e Flash, sem que a pessoa seja “expert” em linguagens de progra-mação. No entanto, para os designers com conhecimentosde progra-mação, a aplicação possibilitaa adição de código ActionScript 3. Pos-sibilita ainda a personalização do aspecto visual (criação de cenários, personagens, etc.) e determina as ações e cenas que deverão ocorrer ao longo do jogo.Após a criação, é possível testá-lo, partilhá-lo e colocá--lo à venda num portal. O potencial colaborativo deste sistemaestá na possibilidade de experimentar, avaliar e comentar outros jogos e em comunicar com outros designers/desenvolvedores via fórum e chat.

Gamesalad (http://gamesalad.com): é um sistemade criação e publi-cação de jogos direcionadoa não-programadores, onde cada usuário que pertença à comunidade GameSalad poderá criar e gerir o seu pró-prio portfolio, jogar, votar, trocarfeedback e seguir outros usuários, recebendo atualizações de novas versões, publicação de novos jogos e notícias de suas atividades.

3.2 - Desenvolvimentomobile

Com os padrões de designparatelas táteis e métodos colaborativos, sur-ge um paradigma adaptado às alterações temporais e espaciais das pes-soas como uma forma rápida e simplificada de desenvolver ferramentas e captar diversos “públicos” através da interação social (Firtman, 2010).

Proto.io (http://proto.io): é uma ferramenta criada para o desenvol-vimento rápido de aplicações móveis. O Proto.io permite a designers não-programadores criar as mais diversas telas da sua aplicação, defi-

138 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 139

conceito de “engenharia Web” focaas aproximações sistemáticas para o desenvolvimento de sistemas Web (Murugesan et al., 1999) e apre-senta uma maior rapidez na fase de inserção do produto no mercado, granularidade ao nível de linguagens de programação e multimédia e redução no tempo de execução (Reifer, 2000).

DevHub (http://www.devhub.com):possibilita a criação de websitese bloguespersonalizados (sem saber de HTML), com recursos a gale-rias de fotos, integração de RSS Feed, redes sociais e muitos outros widgets.O DevHube proporciona ainda a hospedagem da sua página num domínio gratuito.

Weebly (http://www.weebly.com): é um sistema de gestão de conteú-dos online que possibilita a criação colaborativa de websites. Permite adicionar outros membros da equipe, clientes ou públicos-alvo, defi-nindo diferentes permissões a cada usuário. Desde a edição de imagens e slideshows, players de áudio e vídeo, à cor, temas, logotipo e marca, o usuário pode facilmente (sem saber HTML) personalizar o seu website. É ainda possível a utilização de CSS ou HTML caso o designer tenha noções básicas dessas linguagens.Com o Weebly, o designer e as equi-pes poderão recolher rapidamente feedback e opiniões acerca dos seus visitantes, bem como analisar e gerir toda a atividade do seuwebsite, oferecendo possibilidades para visualização em versão mobile.

SnapPages (http://www.snappages.com): permite que qualquer designer,sem noções de programação, crie conteúdo e desenhea sua própria página Web. Semelhante ao WordPress, oferece ao designer níveis de personalização de cada componente/elemento da sua página (temas, cores, texto, imagem, audio, vídeo, efeitos, mapas, slideshows e outros plugins, etc.). O serviço ainda oferece domínios parahospe-dagem de cada página, bem como a possibilidade de divulgação. Ten-do como recurso um calendário e blogue pessoal, qualquer utilizador pode agendar e notificar a publicação de novos trabalhos, mantendo atualizados os outros usuários da comunidade.

tiva, ela possibilita a criação conjunta de slides multimédia que suportam imagens, documentos e vídeos. Os seus usuários poderão contribuir para o processo, não só navegando pelos slidescomo também comen-tando de cinco maneiras diferentes: voz (telefone e microfone), texto (teclado), rabiscos (mouse), áudio (MP3 ou Wave) e vídeo (webcam).O produto final poderá ser exportado no formato MP3 ou vídeo e parti-lhado nos grupos da comunidade Voicethread ou na página pessoal (My voice) de cada usuário. Assim, existe a possibilidade de transmitirfeed-backsobre todo o conteúdo produzido, bem como incorporar o mesmo noutros locais na Web. O sistema tem ainda um aplicativo disponível para mobile, nomeadamente iPhone, iPad e iPod touch.

Mikogo (http://www.mikogo.com): é um sistema para realização de reuniões virtuais, conferências, apresentações de produtos e suporte remoto até um limite de dez participantes (versão gratuita). Aliado à possibilidade de compartilhamento de tela, permite ainda trocar o apre-sentador da sessão, controlar remotamente o teclado e mouse do apre-sentador, agendar e gravar múltiplas sessões (que podem ser consulta-das posteriormente), transferir arquivos, utilizar whiteboard com outros participantes, discutir e trocar ideias durante qualquer apresentação.O Mikogo trata-se de mais uma ferramenta útil para a colaboração síncro-na num artefato/produto e pode ser usada por vários perfis de usuários e organizações,nomeadamente osdesignerse outros stakeholders.

DimDim (http://www.dimdim.com): é outrosistema que através de um plugin Flash, possibilita a realização de conferências online. Esta, permite a criação de documentos, o compartilhamento de tela e apli-cativos, a criação de apresentações, a comunicação via teclado, voz e vídeo (chat, microfone e webcam), whiteboard, possibilidade de ano-tações, e transmissão de vídeos até 20 participantes (versão gratuita).

3.4 - Desenvolvimento Web

A colaboração permite a criação de sinergias entre vários programa-dores e designers para assegurar um maior controle de qualidade. O

140 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 141

usuários Creately, dando-lhes permissões para visualizão e edição. É possível interagir com comentários e acessar o histórico de alterações efetuadas e integrar o sistema com aplicações Google (ex.:Gmail, Docs e Calendário), facilitando o trabalho entre equipes.

3.6 - Livros eletrônicos

As aplicações de armazenamento e visualização de livros no formato digital permitem o acesso fácil à informação através da Internet. Com a difusão dos dispositivos móveis, este tipo deaplicações torna-se um importante meio de suporte à leitura, incorporando funcionalidades colaborativas. A forma de interagir e perceber o conjunto de elemen-tos multimédia disponíveis torna-se fundamental numa era tecnológica mutável (Larson, 2009).

My ebook (http://www.myebook.com): é um sistema que permite a criação, publicação, partilha e venda de livros e revistas em formato digital. Para além de importar conteúdo (texto, imagens, áudio e ví-deo), o usuário poderá ainda editar os templates e backgrounds para as páginas do seu livrooferecidos pela biblioteca do sistema, bem como criar capas personalizadas.A ferramenta My ebook facilita a publicação e o armazenamento de livros na sua loja online. Cada usuário pode categorizar o seu próprio livro (usando palavras-chave/tags), exportá-lo, receber comentários, realizar votações e até mes-mo comercializá-lo, tornando assim o sistema numa oportunidade de negócio.

Panraven (http://www.panraven.com/home):possibilita a criação, or-ganização e partilha de histórias digitais e personaliza os elementos de cada página da história, desde as funcionalidades de edição de fotos, audio, vídeo, texto, layouts e backgrounds, a mapas e ilustrações pré--concebidas. O seu potencial colaborativo é proporcionado pela parti-lha, visualização e edição de histórias digitais em co-autoria, oferecen-douma biblioteca multimédia para gerir arquivos, bem como recolher outros existentes na comunidade.

3.5 - Editores de diagramas e arquivos multimédia

Numa situação colaborativa com divisão de tarefas, os membros de uma equipa necessitam de uma representação do processo de trabalho, onde é apresentada a solução para determinado problema de forma a organizar uma estrutura de dados através de artefatos (Mehra et al., 2005). Segundo Lee et al. (2008), estes sistemas são usadospara otimi-zar atividades de produção, partilhar estas representações e suscitar a discussão temática do mesmo.

Aviary (http://www.aviary.com): é um conjunto de aplicaçõesque per-mite a criação e edição de imagens, vetores, padrões, texturas e músicas. Todas as aplicações oferecem ferramentas com diversas funcionalidades úteis para a criação de conteúdo. O Phoenix (editor de imagens), a título exemplar, trabalha com layers, possibilitando a sua edição, duplicação ou agrupamento e ainda oferece filtros semelhantes ao Photoshop (ex.: Bevel, Blur, Drop Shadow, Gradiente Bevel e Gradient Glow), bem como ferramentas de distorção,eye droper, seleção, brushes,brilho, con-traste, saturação e cor. Um designer que esteja ligado à comunidade Aviary, tem a possibilidade de gerir um portfolio de trabalhos, criar ami-zades, adicionar trabalhos favoritos, trocarfeedback, pertencer a grupos e acompanhar a atividade de todos os outros membros.

MindMeister (http://www.mindmeister.com/pt): é um sistema para-criação, edição e partilha colaborativa de diagramas de mapas mentais. Osdesignerspoderão iniciar sessões de brainstormingpara o processo criativo, tendo como recurso ferramentas de chat, edição de texto, for-mas, cores, etc. É ainda possível acessar ao histórico de alterações efe-tuadas pelos usuários a cada mapa, construir o seu próprio canal para divulgação e recolherfeedback.

Creately (http://creately.com): é um sistema que permite criação de desenhos, diagramas, wireframes e mockupsepossibilitaa edição e se-leção de cor, templates, tamanhos e tipos de fontes, bem comoacesso ilimitado a uma vasta biblioteca de imagens.Como possibilidades de colaboração, o designer poderá partilhar o seu diagrama com outros

142 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 143

a representação visual de cada linha do tempo, o designer poderá ainda partilhar, seguir e colaborar com outros membros da comunidade, vi-sualizando e editando linhas do tempo em co-autoria com os mesmos. Cada linha do tempo poderá ser incorporada em qualquer websiteatra-vés de HTML.

Many Eyes (http://www-958.ibm.com): projeto da IBM que oferece um sistema de acesso gratuito a qualquer usuário que pretenda criar uma representação visual de dados. A ferramenta possibilita ao designer importar dados/informação e organizá-la,oferecendo diversas formas para personalizar a sua representação visual (ex.: gráficos de dispersão, mapas com estruturas hierárquicas, histogramas, circulares, diagramas, etc.).Apesar de não haver possibilidade de exportar os gráficos criados, o usuário poderá explorar osque se encontram publicados, visualizando, comentando e participando assim num processo de colaboração com os autores e usuários presentes na comunidade. Podemos considerar este projeto como um serviço que fomenta a interação de membros na exploração do potencial de visualização de dados/informação.

3.8 - Bibliotecas digitais

As bibliotecas digitaiscapacitam os membros de um grupo com mé-todos de armazenamento, acesso e partilha de ficheiros digitais (Mit-tleman et al., 2008). Neste contexto, os designers podem organizar os dados que sustentam a criação de conteúdo e partilhá-los de forma efetiva.

Icon Finder (http://www.iconfinder.com): é uma biblioteca com mais de 150 mil ícones, todos organizados e filtrados por categorias, de modo a facilitar a sua procura e visualização através do motor de busca. Todos os ícones estão disponíveis para download em formato PNG e ICO, sendo que também é possível a qualquer usuário partilhar os seus próprios ícones, criar novas categorias e comentar ícones produzidos por outros membros da comunidade. Sem dúvida que se trata de um local com uma grande variedade de ícones que poderá ser útil a qual-quer designer para o seu site ou aplicação.

BookRix (http://www.bookrix.com):comunidade onlinecomposta por mais de 300 mil usuários. O BookRix permite a criação de livros digitais através da importação de arquivos multimedia (áudio, texto, imagem e vídeo). Com ele, é possível a inserção defeeds das redes so-ciais (Twitter e Facebook) e outros tipos de widgets. Com o seu maior potencial na colaboração, o BookRix revela-se também um ótimo local para promover e descobrir livros digitais. O designer poderá perten-cer a grupos de escritores e leitores, não só partilhando e recebendo feedback acerca dos seus livros (podendo até comercializá-los), como também consultando, avaliando e divulgando livros de outros usuários.

3.7- Infográficos

Os infográficos podem ser entendidos sob a forma de estatísticas, características, padrões ou tendências da informação, tendo a capaci-dade de fornecer representações visuais dinâmicas que combinam o desenho vectorial e os vários tipos de arquivos para comunicar deter-minados aspectos (Williams, 2002), apelando ao uso colaborativo em diversos domínios.

Visual.ly (http://visual.ly): é uma comunidadeonline de designers de visualizações do tipo infográficos. A comunidade é suportada por um sistema com diversas funcionalidades que permite ao seu usuário criar e personalizar visualizações gráficas de dados importados e o sistema possui funcionalidades semelhantes ao Adobe Illustrator.É possível a criação de infográficos levando em conta o tratamento de dados e ode-sign/representação visual dos mesmos. Para além dessas característi-cas, osistemapermite a partilha dos infográficos criados pelo usuário, bem como a consulta, análise e procura de infográficos criados por outros membros da comunidade.

Dipity (http://www.dipity.com):é um sistema para criação e edição co-laborativa de linhas de tempo que oferece a possibilidade de organizar a informação por data e tempo, quer através da criação manual em branco, ou de modo automático através da integração com tecnologia de RSS feed.Para além de criar e personalizar tanto a informação como

144 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 145

Popplet (http://popplet.com):através da lógica de mapas mentais, per-mite a construção de apresentações dinâmicas parecidas às da ferra-menta Prezi e a realização de sessões síncronas num espaço onde mais do que umapessoa entra e colabora com outros usuários na edição de apresentações. Poderão ser usados diversos tipos de mídia (links, ima-gens, textos, vídeo, etc.) e as apresentações podem ser partilhadas na comunidade ou até incorporadas em outro local da Web através de um código HTML gerado pela ferramenta.

GoogleDocs (http://docs.google.com):permiteedição colaborativa e partilha de arquivos multimédia entre usuários e a importação ou criação de ficheiros Word, Excel, Powerpoint, formulários etemplates/wireframes para Web e mobile.Permite aindaa importação de ficheiros Photoshop, Illustrator e Autocad, criação e organização de um portfo-lio digital e edição de vários tipos de documentos com outros stakehol-ders envolvidos, quer em tempo real ou de forma assíncrona (tendo acesso a todo o histórico de alterações efetuadas), revelando-se numa ferramenta com potencial para qualquer designer.

3.10 - Gestão de Projetos

As ferramentas que sustentam a execução e gestão de projetos na Web alargam, substancialmente, o espectro de colaboração nas atividades de planeamento, criação e gestão de arquivos. A aplicação de conheci-mentos ou técnicas na elaboração de atividades relacionadas para atin-gir um conjunto de objetivos pré-definidos assume-se como a base de sustentação dos sistemas referidos (McKeon & Thompson, 2008).

Zoho (http://www.zoho.com):é umsistemade suporte à gestão de pro-jetos que permite gerir um projeto desde a sua fase de planejamento, monitorização e execução.Tem funcionalidades como a criação e atri-buição de listas de tarefas, marcos, partilha e edição de documentos, calendário, wikis, fóruns, registo de tempos, gráficos de Gantt e defini-ção de papéis, todas elas úteis para o desenvolvimento de um projeto colaborativo.

Da font (http://www.dafont.com):arquivo online com milhares de fontes que permitedownload grátis de todas elas. As fontes são catego-rizadas por tema, mas você também pode efetuar a busca pelo nome da fonte. Um recurso bastante útil é a possibilidade de definir uma palavra ou texto e exibí-lo usando todas as fontes encontradas, assim fica mais fácil saber em qual delas o nome da sua empresa ou cliente fica melhor. Cada usuário poderá ainda publicar as suas fontes e manter-se atualiza-do sobre os outros membros.

Colour Lovers (http://www.colourlovers.com): trata-se de uma comu-nidade online de designers com uma biblioteca composta por milhões de paletas, templates e padrões de cor. Para além de cada usuário poder efetuar o download dos trabalhos desenvolvidos pela comunidade, o mesmo poderá ainda publicar os trabalhos de sua autoria e pertencer a grupos mais focados no desenvolvimento de determinados artefatos.

3.9 - Edição partilhada

As ferramentas de co-autoria são orientadas à produção conjunta de diversos tipos de dados, fornecendo uma ou múltiplas janelas que po-dem ser visualizadas simultaneamente, permitindo a contribuição de múltiplos usuários (Mittleman et al., 2008).

Prezi (http://prezi.com):é um sistema de criação de apresentações di-nâmicas e interativas, totalmente diferentes das criadas por programas de apresentação em slide (ex. Powerpoint). O usuário tem a total liber-dade de organizar o conteúdo através de um único mapa visual, de-senhando a sua sequência e possibilitando a criação de apresentações não lineares. Poderão ser iseridos os mais diversos tipos de mídia (links, imagens, textos, vídeo, Flash, etc.) na apresentação e as funcionalidades dezoom oferecem uma dinâmica interessante.Com a opção “meeting”, o Prezi oferece ainda a possibilidade de realizar sessões síncronas de criação e edição de apresentações que podem ser ainda publicadasna Web, comentadas por outros membros, exportadas em formato SWF e partilhadas na comunidade.Esta ferramenta, para além de Windows e Mac, apresenta já um aplicativo para diapositivos iPad.

146 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 147

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALBORS, J.; RAMOS, J. C.; HERVAS, J. L. New Learning Network Paradigms: Communities of

Objectives, Crowdsourcing, Wikis and Open Source. International Journal of Information Ma-nagement, 28: 194-202, 2008.

ELLIS, C. A.; GIBBS, S. J.; REIN, G. L. Groupware: Some issues and experiences. Communications of the ACM, 34(1), pp. 38-58, 1991.

ENGELBART, D. C. A conceptual framework for the augmentation of man’s intellect. In P. W. Howerton and D. C. Weeks (Eds.), Vistas in Information Handling, Washington, D. C.: Spartan Books, 1963.

FIRTMAN, M. Programming the Mobile Web. Sebastopol: O’Reilly Media, pp. 45-50, 2010.

FISCHER, G. Social creativity: Turning barriers into opportunities for collaborative design.In F. deCindio & D. Schuler (Eds.), Proceedings of the Participatory Design Conference (PDC’04), 152-161, 2004.

FOREMAN, J.; JENKINS, R. Full-featured Web Conferencing Systems.Innovate 1 (4). Disponível em http://innovateonline.info/?view=article&id=45Acesso em 15 de Junho de 2008.

GRUBER, T. Collective knowledge systems: Where thesocial web meets the semantic web. Journal of WebSemantics, 6(1):4–13, 2008.

KIM, D.; LEE, K.-P.A case study of Internet based user participatory design method. International Association of Societies of Design Research, 2009.

KOCH, M. CSCW and Enterprise 2.0 –Towards an integratedperspective.In Proc. Conf. Bled eConference eCollaboration, 416–427, 2008.

KOCH, M.; GROSS, T. Computer-Supported Cooperative Work – Concepts and trends.In Proc. Conf. of the Association Information and Management (AIM), Lecture Notes in Informatics (LNI), 92, Bonn: Koellen Verlag, 2006.

LARSON, L. C. E-reading and e-responding: New tools for the next generation of reader. Journal of Adolescent &Adult Literacy, 53(3), 255-258, 2009.

LEE, S.; MURPHY, G.; FRITZ, T.; ALLEN, M. How Can DiagrammingTools Help Support Pro-gramming Activities? In Visual Languages and Human-Centric Computing (VL/HCC), 2008.

LICKLIDER, J. C. R. Man-Computer symbiosis.IRE Transactions on Human Factors in Electro-nics, HFE-1, 4-11, 1960.

LINCOLN, S. R. Mastering Web 2.0: Transform your business using key website and social media tools. London: Kogan Page, 2009.

O’REILLY, T. What is Web 2.0–Design patterns and business models for the next generation of software.Disponível em: http://pressdelete.files.wordpress.com/2006/12/o-que-e-web-20.pdf. Acesso em 4 de Outubro 2011.

MCAFEE, A. P. Enterprise 2.0: The dawn of emergent collaboration. MIT Sloan Management Review,47(3):21–28, 2006.

MCKEON, K.; THOMPSON, E.A Web 2.0 vision, Web 2.0 project management and real-world student learning in a website redevelopment project.Australian Library Journal, 2008.

MEHRA, A.; GRUNDY, J.; HOSKING, J.A Generic Approach to SupportingDiagram Differen-cing and Merging for Collaborative Design”. In: 20thIEEE/ACM International Conference on Automated Software Engineering(ASE’05), pp. 204-213, Long Beach, CA, USA, 2005.

Wiggio (http://wiggio.com):possibilita a comunicação por e-mail, fó-rum, mensagens de texto (através de SMS) e de voz (através de Pod-cast). Permite ainda a realização de videoconferência com partilha de tela e chat, criação e partilha de calendários, listas de tarefas, sondagens/votações, edição de documentos e publicação de artefatos. Revela-se como um serviço útil em contextos acadêmicos e empresariais e faci-litaa colaboração entre membros envolvidos em torno de um projeto.

Project2Manage (http://www.project2manage.com): trata-se de um sis-tema que permite a gestão de projetos, ajudando o designer a manter-se organizado e conectado com a sua equipe, acerca das tarefas de cada membro. Com a possibilidade de controlar totalmente um projeto onli-ne, o Project2Manage oferece várias aplicações como serviços de men-sagens, lista de tarefas, criação, edição e partilha de documentos (tendo acesso ao histórico de versões), gestão de arquivos e tempo (atribuição de periodos de tempo a tarefas individuais e/ou a todo o projeto). É ainda possível atribuir diferentes permissões aos stakeholders envolvi-dos, controlando o acesso e definindo privilégios para os mesmos.

4 - Considerações finais

Por existirem vários sistemasonlinecolaborativos para a concepção deartefatosdedesign,épossível aproveitar a diversificaçãode ferramen-taspara a definição deum workflow mais organizado em projetos.Tais sistemas podem auxiliar na organização da informação,nacomunicação entre oselementos gráficos,na produção em grande escala com rápida alteração(não apenas pordesigners), nos requisitos mínimos de quali-dade de um produto e no trabalho colaborativo de equipes.

Através da colaboração (avaliações e feedbacks) da comunidade envol-vida em torno dos sistemas apresentados, o designer pode compreen-der em tempo real como o seu artefato funciona.Além dodesignerter a possibilidade de expôr seus trabalhos à comunidade, também pode aproveitar tal recurso para focarem nichos mais específicos, tais como seusparceiros, clientes epúblico-alvo.Podendo assim, alcançar resulta-dos mais significativos.

148 | Instituto Infnet

Visualização da informação em relatórios gerenciais

Erica Zambrano FontesESDI-UERJ

André Soares MonatESDI-UERJ

RESUMOGerentes de negócios precisam controlar dados envolvendo vendas, gastos, produção, e outras variáveis essenciais para o acompanhamento do desempenho de uma empresa. Para isso, recorrem a relatórios que mostram essas informações compondo o chamado dashboard (painel) de KPI (Key Performance Index – Índices Vitais de Desempenho). Estes relatórios, dentro de uma mentalidade de BI (Business Intelli-gence – Inteligência de Negócios) muitas vezes podem ser gerados automaticamente a partir de bancos de dados. Este trabalho busca jus-tamente mostrar as deficiências dos relatórios automáticos advindos de Data Warehouses (Armazém de Dados), principalmente quando as informações presentes nos relatórios são georeferenciadas e permitem que um mapa possa dispor melhor as tendências do negócio. A partir dos relatórios mais típicos que um gestor pode precisar, mostramos principalmente como as informações advindas de um Data Warehoiu-se, de cunho geográfico, podem ser redesenhados de forma a terem uma melhor visualização da informação.

Author Keywords

Design de Informação, Visualização da Informação, Business Intelligence.

ACM Classification KeywordsH5.m. Information interfaces and presentation (e.g., HCI): Miscellaneous.

MITTLEMANN, D.D., BRIGGS, R.O., MURPHY, J., DAVIS, A. Toward a taxonomy ofgroupware technologies. In: Groupware: Design, Implementation and Use, pp. 305-317,Springer-Verlag Berlin / Heidelberg, 2008.

MULLER, M.J.; KUHN, S. Special Issue on Participatory Design.Communications of the ACM, 36(6), 1993.

MURUGESAN, S.; DESHPANDE, Y.; HANSEN, S.; GINIGE, A. Web Engineering: A New Disciplinefor Development of Web-based Systems. In First ICSE Workshop on Web Engineering,International Conference on Software Engineering, 1999.

OSBORN, A. F. How to think up. New York: McGraw-Hill, 1942.

REIFER, D. J. Web Development: Estimating Quick-to-Market Software’, IEEE Software, 17(6), 57-63, 2000.

TAVARES, J. P.; ROQUE L. Games 2.0: Participatory Game Creation. In Walter, M. and da Silveira, L.G. (Eds.) Proc. of the 6th Symposium on Computer Games and Digital Entertainment, 2007.

VOLK, D. Co-creative game development in a participatory Metaverse.In Proceedings of the Tenth Anniversary Conference on Participatory Design (PDC ‘08).Indiana University, Indianapolis, IN, USA, 262-265, 2008.

WANG, L.; SHEN,W.; XIE, H.; NEELAMKAVIL, J.; PARDASANI, A. Collaborative conceptual design – State of the art and future trends. Computer-Aided Design, 34(13), 981–996, Elsevier Science: Kidlington, 2002.

WILLIAMS, F. M. Diversity, thinking styles, and infographics.In Proceedings of the ICWES12 Conference, 2002.

150 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 151

A visualização é uma atividade cognitiva humana que forma um mo-delo ou imagem mental de algo, e, embora o termo possa nos levar a pensar que a visualização é ligada apenas a algo visual, outras mo-dalidades sensoriais também podem ser envolvidas nesse processo de representar dados. A principal tarefa da visualização da informação é permitir justamente que a partir de dados sejam extraídas informações. Segundo Herbert Simon (apud [4]), “resolver um problema significa apenas representá-lo de maneira que a solução se torne transparente”.

2 – Sistemas de Business Inteligence (BI)

Uma empresa gera uma quantidade muito alta de dados que traduzem seu desempenho. Tal quantidade impossibilita a detecção de problemas e tendências por parte de seu corpo de gerentes caso eles não possuam ferramentas computacionais adequadas.

Neste sentido que sistemas de apoio à decisão desempenham um papel vital. Eles ajudam a definir tendências, apontar problemas e evidenciar as soluções inteligentes. A ideia básica é tirar dos dados operacionais da empresa as visões e os comportamentos do negócio.

Já nos anos setenta, podia se antever a tendência por este tipo de sis-tema. Sistemas como RPG, Focus, Datatrieve e Nomad já procuravam dar ao usuário não especializado em informática, o acesso direto aos dados e aos relatórios gerados a partir dos mesmos. Nos anos oitenta, esta tendência se alastrou para os Banco de Dados relacionais.

Esta mentalidade é fundamental quando se pensa em trabalho em equipe, onde todos podem consultar as bases de dados da empresa, em simulações diversas. Também é necessário rapidez. Empresas cos-tumam definir metas (de tempo) para suas atividades.

Bases de dados, disponibilizados em redes, e devidamente auxiliados por ferramentas de extração e guarda de conhecimento para gerentes e técnicos, formam os principais tipos de ferramentas computacionais de apoio a uma política de planejamento. Em particular, três linhas de atuação pertinentes à pesquisa de Banco de Dados são aplicáveis a este

1- INTRODUÇÃO – O papel da visualização da informação

Gerentes de negócios precisam controlar dados envolvendo vendas, gastos, produção, e outras variáveis essenciais para o acompanhamen-to do desempenho de uma empresa. Para isso, recorrem a relatórios que mostram essas informações de uma forma solitária e específica ou entre muitos outros índices de desempenho compondo o chamado dashboard (painel) de KPI ( Key Performance Index – Índices Vitais de Desempenho). Estes relatórios, dentro de uma mentalidade de BI (Business Intelligence – Inteligência de Negócios) muitas vezes po-dem ser gerados automaticamente a partir de bancos de dados, porém nem sempre a configuração formal desses relatórios é a melhor pos-sível para que o gerente consiga ter o ‘insight’ da informação que ele procura. Este trabalho busca justamente mostrar as deficiências dos relatórios automáticos advindos de Data Warehouses (Armazém de Dados), principalmente quando as informações presentes nos relató-rios são georeferenciadas e permitem que um mapa para melhor dispor as tend6encias do negócio. A partir dos relatórios mais típicos que um gestor pode precisar, mostramos principalmente como as informações advindas de um Data Warehoiuse, de cunho geográfico, podem ser re-desenhados de forma a terem uma melhor visualização da informação e assim serem mais objetivos e eficazes.

Para isto, utilizamos linguages gráficas consagradas (ISOTYPE, Jac-ques Bertin e as análises de Edward Tufte) [4] para mostar os relatórios advindos de um sistema exemplo de BI, construído dentro do SQL SERVER 2008 [3] da Microsoft e acessado através da linguagem de padrão aberto MDX (Multi Dimensional Expression) [5].

Toda vez que temos que expor uma informação, temos um objetivo: comunicar algo a um leitor. Para que isso seja feito com eficácia e a maior objetividade possível, essas informações devem ser configura-das de maneira que ajudem o leitor a ganhar entendimento sobre o assunto, que a informação salte aos seus olhos ao invés de ele ter um processo complicado de busca pela informação de que necessita.

152 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 153

Bancos OLTP precisam tratar transações como ACID, uma abrevia-tura para Atomicidade (transações formam os elementos mínimos de operações nos bancos de dados), Consistência, Independência (uma tranasção não deve interferir em outra) e Durabilidade (os efeitos da transação permanecem ao final das mesmas, até que uma outra tran-sação modifique tais efeitos). Data Marts e Data Warehouses não são orientados ao processamento da transação e dos momentâneos (snap-shots) da empresa. Eles são orientados ao processamento analítico, ou seja, a descoberta de padrões, realizações de estatísticas e agrupamen-tos, evoluções temporais, etc.

Um Data Mart tem a mesma proposta que um DataWarehouse, mas tem o foco sobre um dos processos da empresa. Em geral, Data Marts serão feitos em torno da chamada arquitetura estrela, onde uma base de dados numérica (chamada de tabela de fatos) pode ser particionada conforme as dimensões do negócio envolvido. Uma decisão vital será a decisão a respeito da granularidade do fato a ser acompanhado. Vamos ilustrar esta decisão a partir da situação de uma rede de lojas que deseja acompanhar suas vendas com o uso de um data mart. Tal rede de lojas poderia armazenar como fato cada venda, em cada loja e o momento de tal venda, produto a produto. Tal decisão, fatalmente levaria a um alto volume de fatos armazenados mas permitiria excelentes simula-ções e análises por parte dos estrategistas da empresa.

No entanto, caso o volume armazenado se mostre computacionalmen-te intratável, a rede de lojas poderia partir para outro nível de granula-ridade. Poderíamos acompanhar (armazenar) apenas os valores diários de vendas por produto e por loja. É claro que esta outra granularidade conduzirá a um volume menor de dados armazenados mas também perderemos informações que poderiam ser vitais para o processo de planejamento. Não poderemos saber, por exemplo, que momentos do dia as pessoas compram certos produtos e a rede não terá este dado na hora de fazer ofertas momentâneas pelos seus alto falantes.

As instâncias nas dimensões que escolhemos para o negócio não são imutáveis. Um determinado cliente, por exemplo, pode se casar, ter

problema: DataWarehouse / Data Mart (em português armazém de dados) , OLAP (do inglês Online Analytical Processing) e Data Mining (mineração de dados em português).

Alguns aspectos caracterizam o processo de decisão auxiliado por com-putador. Raramente as bases de dados passam por updates. Em geral, os dados são guardados após uma forte análise de consistência para não mais serem alterados. Em geral, os bancos de dados para tomada de decisão são de dados históricos, ou seja, existe uma dimensão tempo associada ao fato sendo guardado. Tais banco de dados são muito ex-tensos (em geral na faixa de terabytes ou petabytes) e costumam apre-sentar redundâncias controladas visando melhor rapidez nas respostas. Os principais elementos computacionais para a tomada de decisão são:

DataWarehouse / Data Mart - A definição oficial, dada por Bill Inmon, um dos criadores do conceito (apud [3]), diz que um Data Warehouse é uma coleção de dados históricos e temporais, integrados em torno de um assunto, de forma não volátil, visando o auxílio ao processo de tomada de decisão. O objetivo de um Data Warehouse é o de fornecer a gerentes e administradores de projetos, uma visão de temdências dos dados, de uma forma interativa, sem a intermediação de analistas de sistemas e programadores [3].

Ao contrário de sistemas ditos operacionais, o Data Warehouse esta-rá mais preocupado com dados que mostrem históricos e padrões, do que retratos momentâneos da situação da empresa, como normalmente ocorre em bancos de dados tradicionais. Um sistema dito operacional é orientado a transações. Uma transação é um programa, consulta, ou sequência de operações que visam levar um banco de dados de um es-tado consistente para outro. A evolução histórica dos bancos de dados se faz principalmente em torno da necessidade de se fazer tais transa-ções, o que fazer quando tais transações precisam ser abortadas e como garantir integridade de dados ao final (às vezes durante) tais operações.

Bancos de dados operacionais recebem a sigla OLTP (On Line Tran-saction Processing) para demonstrar sua preocupação com transações.

154 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 155

3 – Relatórios empresariais com informações georeferenciadas

A seguir mostramos como as informações advindas de relatórios feitos sobre um data warehouse de vendas em um supermercado, podem ser mostradas de forma a melhor conduzir a insights sobre os dados. O data warehouse utilizado é disponibilizado pela Microsoft para testes e avaliações de sistemas de banco de dados. O trabalho consistiu na transformação de tabelas geradas como relatórios gerenciais no Analy-sis Manager do programa SQL Server, em gráficos visualmente mais interessantes e objetivos para que a informação a ser percebida através deles fosse mais evidente [2].

Sales

Baked Goods $16,455.43

Baking Goods $38,670.41

Breakfast Foods $6,941.46

Canned Foods $39,774.34

Canned Prod $3,314.52

Dairy $30,508.85

Deli $25,318.93

Eggs $9,200.76

Frozen Foods $55,207.50

Meat $3,669.89

Produce $82,248.42

Seafood $3,809.14

Snack Foods $67,609.82

Snacks $14,550.05

Starchy Foods $11,756.07

Tabela 1 – Relatório de vendas de categorias de produtos em um supermercado.

Como os dados e dimensões do sistema da Microsoft estão escritos em Inglês, esta língua foi mantida nos gráficos criados. Por limitação de espaço disponível para este artigo, apresentamos o uso de linguagens gráficas para relatórios através de apenas três exemplos de relatórios:

filhos, mudar de religião, etc. Para acompanhar tais mudanças (e ao mesmo tempo manter os registros históricos) é comum manter o regis-tro atual e os registros antigos como instâncias da tabela de fato. Uma outra estratégia seria manter os dados fixos do cliente separados dos dados voláteis (ou seja passíveis de mudança). O fundamental é enten-der que raramente dispensamos uma informação quando o assunto é data mart/data warehouse. As transformações também fazem parte de um registro histórico.

OLAP – Atualmente, este conceito está firmemente ligado ao de Data Warehouse. Gerentes e administradores precisam de formas de visualização e acompanhamento de seus dados, que possibilitem a criação de uma noção intuitiva do comportamento da empresa. OLAP permite uma elaboração de relatórios de dados multidimen-sionais que é fundamental no processo de tomada de decisões e cria-ção do conhecimento.

O OLAP tem o conceito de hipercubo para trabalhar as visualizações. Um hipercubo será uma tabela de fatos com as dimensões envolvidas, que será trabalhada para gerar todos os “joins” que podem ser essen-ciais para as visualizações e relatórios. Ou seja, um cubo é uma coleção de dados que foram agregados em várias dimensões para fazer com que as consultas ocorram com mais rapidez [1].

A tabela de fatos contém as informações numéricas que sofreram esta-tísticas e análises. Valores de venda, tempo de entrega, valor de descon-to, etc são exemplos de dados que poderiam estar em tabelas de fatos. Já lojas, regiões, estados, meses, estações do ano, etc poderiam estar em dimensões de um cubo. As dimensões podem ser analisadas em pro-cessos chamados de drill-up e drill-down. No primeiro as agregações podem ser continuamente aumentadas. Por exemplo, para a dimensão região de uma loja, em um cubo de vendas de uma cadeia de eletrodo-mésticos, podemos primeiramente analisar os dados por loja, depois por cidade, depois por estado e finalmente por país. Se fizessemos a análise no sentido contrário estaríamos trabalhando drilldown.

156 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 157

Gráficos de barra criados para ilustrar a tabela, codificados com as co-res verde, amarela e vermelha representando respectivamente ‘melho-res vendas’, ‘vendas medianas’ e ‘piores vendas’. Esses gráficos pode-riam ser modificados interativamente através das opções em cima (no caso, escolhida Sales x Most Sold). O gráfico da esquerda é ordenado alfabeticamente, e o da direita, pelos mais vendidos. É interessante no-tar que apenas a mudança de ordem já gera uma mudança significativa na rapidez da apreensão da informação, e que mesmo assim ambas as soluções já realizam uma comunicação muito mais imediata do que a tabela gerada pelo programa.

Exemplo 2: Vendas por região

Neste exemplo, mostramos como dados geograficamente referenciados podem ser inseridos em mapas para permitir uma melhor visualização.

Figura 2 : Porcentagem de consumidores de cada produto distribuídas em gráficos de pizza geograficamente localizados.

Exemplo 1: Vendas por categoria de produto

Na Tabela 1 encontramos um relatório que pode ser criado a partir de tabelas dinâmicas dentro do Analysis Manager da Microsoft. Na Figura 1 mostramos como os dados poderiam ser exebidos para permitir uma melhor visualização.

Figura 1 - Uso de Barras coloridas para mostrar vendas de categorias de produtos

CA OR WA

Drink $14,203.24 $12,137.29 $22,495.68

Food $115,193.17 $102,564.67 $191.277.75

Non-Consume $29,771.43 $27,575.11 $50,019.79

Tabela 2 - Vendas, de famílias de produtos, geograficamente referenciados.

CA OR WA

Drink $7,102.00 $6,106.00 $11,389.00

Food $53,656.00 $48,537.00 $89,747.00

Non-Consume $13,990.00 $13,016.00 $23,230.00

Tabela 3 - Vendas, de famílias de produtos, geograficamente referenciados.

158 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 159

Figura 4 - Proporções de vendas por tipo de produto e estado. Características e objetivos são os mesmos da Figura 2 (porcentagem de consumidores).

Figura 5 - Quantidade de vendas por tipo de produto e estado. As características e objetivos são os mesmos da figura 3 (número de consumidores).

Figura 3 - Número de consumidores por estado e tipo de produto.

As tabelas foram geradas pelo Analysis Manager com dados sobre ven-das de determinados tipos de produtos por estado americano (acima) e número de consumidores de determinados tipos de produtos (abaixo).

Projetados para serem interativos, os gráficos das figuras 2 até 6, vol-tados para os mesmos conjuntos de dados, contam com um menu su-perior que permite escolher as opções desejadas de exibição. Os balões com dados numéricos exatos seriam abertos apenas quando se clicasse dentro de cada estado para se obter esses detalhes extras.

160 | Instituto Infnet Com/Para: design, comunicação e cultura | 161

Figura 7 – Gráfico com referências ISOTYPE.

IV - ConclusõesEmbora as ferramentas de BI permitam ao gerente de uma empresa construir seus próprios relatórios com facilidade, estes são construídos sempre de forma tabular, onde o uso de mapas e linguagens gráficas mais apropriadas não acontece. Neste trabalho procuramos mostrar, a partir de alguns exemplos, as deficiências desta abordagem e estimular o uso de formas de visualizar a informação que podem ser automatiza-das e que fornecem um melhor insight ao leitor dos dados.

REFERÊNCIASJACOBSON, Reed; Misnr, S.. SQL Server 2008 Analysis Services. Microsoft Press, 2009.

MACEACHREN, Alan M. How Maps Work: Representation, Visualization, and Design The Guil-ford Press, 2004.

KIMBALL, Ralph. Data Warehouse Toolkit. Makron Books, 1998.

TUFTE, E. R. Visual Explanations- Images and Quantities, Evidence and Narrative.Graphics Press. 1997.

WHITEHORN, Mark, Zare, Robert. Pasumanski, Mosha., Fast Track to MDX. Springer-Verlag 2002.

Figura 6 - Gráfico com os menus interativos abertos para exemplificação

A área dos gráficos é proporcional ao número total de consumidores em cada estado. Logo, pode-se notar que embora estado de Washing-ton tenha muito mais consumidores do que o Oregon, as porcentagens se mantém as mesmas [2].

Exemplo 3: Unidades vendidas por tipo de produto

Para este relatorio, usaremos a linguagem gráfica ISOTYPE [4] para produzir uma melhor visualização dos dados. A Tabela 4 fica visualiza-da conforme a Figura 7. Procura-se mostrar, além dos dados numéri-cos, a proporção entre esses números visualmente.

1997

Bagels $815.00

Muffins $3,497.00

Sliced Bread $3,558.00

Tabela 4 - unidades vendidas por tipo de produto

Edição produzida em 2013 no Rio de Janei-ro pela Editora Infnet, utilizando-se fontes Ga-ramond e Myriad sobre papel offset 95g/m³.