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DESPERTAR Livro um Marco Borghi

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DESPERTAR Livro um

Marco Borghi

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Para todos aqueles que ainda têm sonhos...

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Sumário

4 - Prefácio 6 - Espíritos 16 - Mais do que uma história 28 - Viagem de conhecimento 48 - O início da aventura 51 - Aquele que monta um dragão 62 - A árvore de Zefryon 75 - Sob a luz do Sol e da Lua 81 - O trabalho de um Deus 92 - Quando a aventura começa 102 - Sobre a vida e a morte 113 - Volta ao lar antecipada 122 - Um pedido, uma história 134 - Os sonhos também contam 146 - Quando o Sol descansa 158 - O deserto da morte 172 - Medo da chuva 184 - Quando o espírito nasce 200 - O brilho no novo olhar 212 - A queda do Anjo 224 - Busca pelo poder

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Despertar – A saga do Anjo

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Prefácio

Era o começo da noite, o vento uivava nos seus ouvidos, fazia com que o seu equilíbrio esvair-se. Chegou ao castelo abandonado, entrou sem dificuldades, caminhou até as escadas em um silêncio absoluto, subiu o primeiro degrau que rangeu de forma estridente, chegou a ouvir uma movimentação agitada no alto da torre, pensou rápido e decidiu que não levaria mais tempo do que o necessário. Chegou ao alto da torre em três passos, tentou imaginar a cena que viria pela frente, mas nada veio. Abriu a porta, esperando por um forte estalo vindo dela, mas nada veio. Começou a estranhar a situação na qual havia se metido, quando olhou para dentro viu aquilo que nunca esperaria ter que confrontar. Aquela cena mexeu com ele de tal forma que a única coisa que pôde fazer foi atacar aquele ser que começava a sua transmutação. Pelo que se lembrava das vagas histórias que lhe contaram na sua infância, todo vampiro que beber sangue élfico se tornará algo tão horrendo e bestial que precisará ser morto antes que acabe a sua transmutação. Caiu ao chão com a força daquela aura que se aproximava, aquela criatura o agarrou pelo pescoço, e a última coisa que pôde ver foi a expressão do elfo jogado ao lado da cama. Aquela imagem, se pudesse viver, ainda ficaria guardada nele para sempre...

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Espíritos

Acordei assustado no meio da noite, olhei pela janela e vi que estava amanhecendo. Pensei no que iria fazer naquele dia, achei melhor tomar café e ir falar com meu avô para que me contasse alguma historia, meu avô era o mais velho contador da cidade e eu tinha o privilégio de ouvir as histórias dele quando quisesse. Levantei-me da cama e fiquei na janela porque sabia que minha mãe ainda não tinha acordado, e minha irmã com certeza ainda dormia profundamente. Ao olhar para a rua, via as primeiras pessoas saindo de suas casas pra buscar água ao poço, ou então ir aos comércios que acabavam de abrir. Fiquei observando até que minha mãe veio me chamar. - Karyn, acorde! – Chamou ela abrindo a porta. – Ah! Já esta de pé tão cedo. O que houve, o monstro te atacou? - Brincou ela. - Não, foi só um mau sonho... - Então vamos logo comer alguma coisa, acabo de preparar suco, e é o que você mais adora. Quando sentei na frente da mesa na sala pensei melhor e falei uma dúvida que me aterrava desde o amanhecer. - Mãe? - Sim querido, o que foi? - O que acontece quando um de nós, err... Você sabe... morde um elfo? - O que? - O que acontece quan-... - Não, não, já entendi não precisa repetir. – disse assustada diante do assunto – Seria melhor que você perguntasse ao seu avô. Agora coma seu sanduíche. - Tudo bem.

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- Fiquei sabendo que nessa semana vão abrir aquela passagem entre as duas cidades. Porque não vai ver e me conta o que acontecer? - Ok, agora vou ver o vovô. – disse sorrindo e acabando meu suco na mesma hora. Peguei meu casaco e saí de casa, depois de me despedir da minha mãe. Do lado de fora todos comentava sobre a nova passagem e coisas do tipo. Mas ninguém se importava muito com esse tipo de coisa, ultimamente estavam abrindo todas as passagens possíveis, sempre era bom conhecê-los mais, só que eles dificilmente vinham por aqui, parecia que tinham medo de nós. Cheguei à frente da casa e notei algo estranho no canto da porta, aquilo nunca esteve ali. Me aproximei e vi que era apenas uma fita vermelha, deveria ter voado com o vento, nada demais. - Vovô! – chamei da porta. Sem nenhuma resposta, talvez estivesse dormindo, seria melhor se eu entrasse e o acordasse. Sabia que não ia ter ninguém na sala, mas me assustei quando senti como se estivesse sendo observado. Olhei para todos os lados, não podia ter ninguém já que todas as janelas estavam fechadas e não havia nenhuma aura que eu pudesse sentir. - Vovô! – chamei de novo, dessa vez um pouco mais alto pra que pudesse me ouvir. - Venha aqui meu filho... – sua voz estava fraca demais. - Vovô! – corri até seu quarto e então o vi, parecia que estava para morrer. - Tenho algo para te contar pequeno... – sua voz fraquejava. – Já ficou sabendo daquela passagem que vão abrir para aquela outra cidade, não é? - Sim.

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- Tem alguém lá que você tem que conhecer, não importa quem seja, essa pessoa vai te ajudar com certeza. Você não pode se esquecer disso, pois é muito importante, essa pessoa sabe que tem que te encontrar porque é o vosso destino, agora vá. - Mas quem fez isso com você? Diga-me, por favor! Antes que pudesse dizer qualquer coisa ele caiu nos braços da morte. Agora, eu precisava respostas e não tinha ninguém pra dá-las. Só me restava esperar pela abertura da passagem e ir investigar aquela cidade. Tinha que saber mais sobre o meu sonho, saí assustado da casa do meu avô, tinha que contar logo para minha mãe, ela tinha que saber e talvez depois disso me contasse sobre o que se tratava meu sonho. Voltei correndo pra minha casa e minha mãe estava me esperando na porta com uma cara assustada. - Oh querido... Nós duas ficamos muito tristes com isso, venha me ajudar a confortar a sua irmãzinha. As duas estavam aos prantos, nem mesmo eu que o tinha visto ir estava tão afetado por aquilo, talvez fosse porque eu nunca fui muito ligado com a minha família, agora eu percebia o quão importante era estar ao lado daqueles que te amam. A única perda que me afetou muito foi quando perdi a minha avó. Era a única ligação da qual eu sentia falta, agora, eu só tinha a minha mãe e a minha pequena irmã, tinha que mudar tudo dali pra frente. Decidi que o melhor a fazer seria encontrar esse alguém que iria me ajudar contra aquilo que eu ainda não conhecia. A semana passava mais devagar do que todos os outros dias. Uma noite, antes de dormir, estava confortando Ally pela perda do vovô para que ela pudesse dormir em paz. Quando ela dormiu dei um beijo na sua testa e saí do quarto, mas quando fui

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deitar na minha cama uma vozinha sussurrou algo no meu ouvido: - Agora você vai saber a verdade. – e sumiu tão rápido quanto apareceu. Antes que pudesse pensar em algo desmaiei na cama assim como estava, e uma luz forte veio até mim e começou a declamar uma historia.

Ele ia debaixo da tempestade Sem sorrir nem respirar

Apenas esperava poder estar lá Sentiu quando chegou

Que o ar o sufocou Subiu correndo e o encontrou

A criatura mais horrenda Que um dia imaginou Seu sonho se perdeu

O espírito agora vagando Veio ao teu encontro

Assim que nasceu Agora está marcado

Dentro de você Existe um outro alguém

Que virá ao seu encontro Não perca as esperanças

Sempre vai estar ao teu lado Os espíritos daqueles

Que confiam na sua força Prove a eles que é capaz

E faça valer a sua escolha Pegue a sua arma e vá Que a batalha te espera

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E você vai decidir Qual caminho escolher

Você vai descobrir Assim que amanhecer

O sonho acabou e já era de manhã, me lembrava perfeitamente daquela luz que havia me ofuscado, a única coisa que pude distinguir foi uma forma feminina, era alva como a neve e parecia ter uma cara de sofrimento, parecia ter perdido alguém. Tinha que encontrá-la, precisava descobrir quem era. - Karyn acorde, já é hora do café e tem que ir ver a abertura da passagem. – gritou minha mãe da cozinha. Senti um arrepio assim que ouvi sobre a passagem, não sei por que, talvez porque fosse encontrar algo que me ajudasse do lado de lá, ou talvez pela ansiedade de conhecer pessoas novas, mesmo que não da mesma raça, mas já tinha tido contato com alguns deles antes. Eles me pareciam muito legais. - Bom dia mãe, tem suco? - Tem sim querido, mas porque essa cara de susto? - O quê? Ah, nada não, está tudo bem. - Teve outro pesadelo foi? - Não, está tudo bem mesmo. - Então tudo bem, quer um sanduíche? - Tudo bem. Depois do café fui até onde seria a abertura da passagem. Pouca gente estava indo naquela direção, talvez porque já estivessem todos lá e eu estivesse chegando um pouco atrasado, ou talvez porque poucos ligassem para esse tipo de coisa. Antes de chegar senti algo me observando de novo, olhei em volta e nada. Acho que estou ficando biruta. - Como é que está indo? – perguntei a um dos que trabalhava.

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- Vai indo bem, começamos a pouco, acho que não ligam mais pra essas coisas. – disse ele com algum esforço pelo trabalho. - Aposto com você que não ficam dez deles antes que acabemos isso! – disse outro do lado dele e ele aceitou a aposta. - Então... Bom trabalho pra vocês. - Brigado garoto. Fui me sentar em um banco ali perto e voltei a sentir que estava sendo observado. - Quem está aí?! Saia logo! – gritei sem perceber. – Tudo bem, agora sim, estou ficando mal da cabeça. – dessa vez sussurrei pra mim mesmo. Enquanto esperava que a passagem ficasse pronta, me veio aquele sonho na cabeça, o único sonho que conseguia me lembrar por completo, ainda poderia recitar aquilo se assim quisesse, fiquei pensando nas palavras daquele “anjo”. - O que foi filho? – me perguntou um senhor ao meu lado. - O quê? - Você estava recitando algo parecido com um poema. - Ah... Nada não. – nem havia me dado conta de que recitava enquanto pensava. Acho que estou piorando meu estado mental a cada segundo que passa, comecei a rir de mim mesmo, sem ninguém perceber é claro. Veio a mim aquilo que o “anjo” havia falado que eu iria descobrir ao amanhecer, talvez fosse isso que me esperasse do outro lado da passagem, todas as respostas seriam respondidas. E se não fosse isso que a mensagem quisesse dizer? Mesmo assim teria que tentar pra saber. A passagem tinha acabado de ser feita, mas como era a última de todas as abertas, teríamos que esperar até o amanhecer para conhecer o outro lado. Colocaram uns couros pretos para tapar a passagem. Eu não tinha tanto tempo assim para saber o que era.

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A minha curiosidade estava me matando. Mesmo assim voltei para minha casa e falei com minha mãe sobre o assunto. Já estava bem de noite quando me veio a idéia, pensei em sair de casa e ir olhar do outro lado antes que todos, seria bem legal e emocionante, além do mais, não estaria quebrando nenhuma regra da cidade. Decidi-me, peguei meu casaco e sai pela porta dos fundos porque sabia que a da frente era muito barulhenta. Assim que pisei na grama do lado de fora me veio uma forte emoção, e senti o sangue correr mais rápido nas minhas veias, corri o mais rápido que pude e sem fazer muito barulho para não chamar a atenção. Senti-me muito bem quando estava só a alguns metros da passagem. Ouvi alguém se aproximando, então me escondi atrás de um barril e o vi passando com uma tocha. Malditos guardas noturnos, mas é só esperar um pouco antes de poder descobrir o outro lado. Quando ele se foi, fui correndo até estar do lado da entrada, nesse ponto eu já conseguia ouvir as batidas do meu coração. Separei dois pedaços de couro preto, e entrei. Estava tão escuro que não enxergava nada, mas senti como se alguém estivesse vindo, se fosse o guarda ele não iria me ver porque ele não olhava para dentro, então ouvi uma voz. - Kandela! – tinha a natureza de um grito, mas era mais como um sussurro. Olhei para o outro lado e vi que estava iluminado, e havia alguém ali, me aproximei cada vez mais então a vi, voltei a ver aquela mesma forma feminina que estava no meu sonho e tinha exatamente a mesma expressão. Assim que me viu gritou e saiu correndo, e junto com ela se foi a luz que tinha aparecido. Com esse grito o guarda voltaria e dessa vez olharia para dentro, seria melhor que eu corresse se não seria pego. Corri o mais rápido que pude até voltar até minha casa, voltei a entrar pela porta dos fundos, olhei para ver se nenhuma das duas

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havia acordado, fui até o quarto da Ally, e a vi, meu pequenino anjo. Fui até meu quarto e deitei. Assim que fiquei confortável adormeci, não parecia que havia passado muito tempo antes que minha mãe me acordasse. Dessa vez não houve nenhum sonho estranho, também não houve nenhum sonho comum. - Acorde logo menino, daqui a pouco vão abrir a passagem! Então era por isso que senti que não havia dormido o suficiente, levantei apressado, mal me vesti já estava na cozinha comendo e bebendo apressado pra sair. Corri como na noite anterior, só que dessa vez ia descobrir o que havia do outro lado da passagem, aquilo mexeu comigo de certa forma que tudo que eu sentia explodiu por dentro. Pareceu-me estranho no começo, mas percebi que era porque eu iria descobrir um mundo novo que me esperava pela frente, e nada iria me deter de agora em diante. Se eu precisasse abandonar a minha família seria só fisicamente porque sempre estaria com elas, pelo menos meu espírito ainda estaria por perto para cuidar delas. Agora tinha que pensar no que faria se não encontrasse as respostas do outro lado da passagem, o que teria que fazer para encontrá-las. Perguntaria ao ancião do outro lado, talvez ele fosse como meu avô e, então, saberia das coisas tanto ou até mais que ele. Assim que cheguei na passagem, estavam se preparando para abri-la, a expectativa tomou conta de todos, a vontade de ver o outro lado era forte em todos nós. - Você vai se impressionar garoto. – disse uma voz sombria atrás de mim. Virei-me assustado, achando que poderia ser algum bicho estranho, mas não, era apenas o operário de ontem que trabalhava na passagem. - O que quer dizer com isso?

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- É que você vai se fascinar com o que vai encontrar do outro lado. - Pode me contar o que tem do outro lado? - Claro que não! Por que não vê você mesmo? – disse ele apontando pra passagem, que estava sendo aberta. Apertei-me através das pessoas pra poder chegar mais perto, então, a maior emoção da minha vida passou pelo meu corpo enquanto abriam a passagem. A passagem abriu e começou um murmúrio por todos os lados. - Veja como são lindos. – comentavam uns. - Podemos passar? – indagavam outros. - Vão cumprimentar os novos vizinhos. – foi o que disse o comandante do exército. Todos começaram a caminhar em direção a eles, então eu a vi de novo. Era a mesma pessoa de ontem à noite, e continua coma a mesma expressão no seu rosto. Aproximei-me com todos e fui ao seu encontro. - Como é seu nome? – perguntei confuso. - Sophye... – foi o único que pude ouvir dela antes que a multidão nos separasse. Pelo menos consegui ouvir a sua voz e ver um pequeno sorriso nos seus lábios, parecia até que a conhecia de algum lugar sem ser a noite de ontem, e senti que ela me reconhecia também. A multidão nos empurrava em sentidos opostos porque queria conhecer os dois lados. Assim que pisei no “território” deles senti algo novo percorrer meu corpo e comecei a caminhar, parecia até que eu sabia para onde ir e o que fazer. - Olá... – disse um senhor quando cruzava por um beco que tinha uma casinha no final. - O-Olá... –só fui capaz de dizer isso, ele parecia muito imponente. - Eu sei o que você quer e sei o que esta procurando.

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Não tinha como não acreditar naquela aura que parecia emanar tudo de bom que havia no mundo. - Realmente você sabe? - Se eu te dizer que sei por que seu avô morreu e quem fez isso você acreditaria em mim? - Co-como você sabe disso se acabaram de abrir a passagem? - Tem muitas coisas sobre mim que precisará de muito tempo pra saber. - Então, por onde começamos? - Começar o quê? - Você não vai me dizer por que meu avô morreu? - É claro que eu vou, mas pra isso tenho que saber seu nome. Se é que já não sabe o meu nome, e o de todos os integrantes da minha família. - Karyn Mandard. - Interessante, agora vou te dizer o porque. – ele fez uma pequena pausa e voltou a falar – Bem, bem, seu avô morreu, pois, além dele ser um sábio, era uma pessoa muito importante. - Importante? Como assim? - Bom, você e seus pais só o conheceram quando ele era contador de histórias, mas antes ele era um grande guerreiro, e foi depois da sua última vitoria, dele e do resto da confederação do Templo da Luz, que foram feitas essas barreiras entre as cidades. Como pode ver, a última foi desfeita hoje, mostrando que começou uma nova era. Nesse momento irrompeu na sala a menina que havia encontrado. - Vejo que vocês dois já se conhecem não é Sophye? - É... Mais ou menos... - Não precisa ficar envergonhada, o pequeno Karyn aqui não morde ninguém. Não é Karyn?

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- O-o que? – não havia prestado muita atenção ao que ele havia dito, pois estava admirando a beleza de Sophye. - Que tal uma xícara de chá Karyn? - Tu-tudo bem. – ainda me sentia um pouco acanhado na presença daquele senhor, e mais ainda na presença dela. - Pode ir buscar para nós três Sophye, por favor? - Sim vovô, pode deixar.

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Mais do que uma história

- Obrigado pequena. – disse ele logo depois que trouxe o chá. - Desculpe senhor, posso lhe fazer uma pergunta? - Claro que pode, vá em frente. - Poderia me dizer o seu nome? - Ah, mas é claro, que falta de gentileza a minha, me chamo Klaudius Vark. - Obrigado, senhor. - Não há de que, e não precisa me chamar de senhor, me faz parecer mais velho do que já sou. - Então o que vêm agora? - Vamos começar pelo começo, que tal? - Tudo bem. - Fique aqui também Sophye, assim vai saber de mais alguns detalhes. - Está bem vovô. – disse antes de beber seu chá. - Bem, bem... Quer saber primeiro o que é essa tal de confederação do Templo da Luz, não é pequeno? - Acho bom começarmos por aí. - Pois bem, a confederação foi fundada a trezentos anos atrás quando o “monstro” surgiu. - O que seria esse monstro, senhor? - Já lhe disse para não me chamar de senhor, e o “monstro” era um dos seus que mordeu um dos nossos, isso é uma das maiores aberrações do que pode imaginar. - Senhor, tenho algo pra lhe contar, já que vem ao caso. - Vá em frente pequeno. - O outro dia tive um sonho, ele era bem estranho, tinha um vampiro, e ele ia para um castelo quando um “monstro”, como esse, apareceu e o matou.

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- Interessante, interessante... e você era esse vampiro? - Sim, acho que era eu, porque podia saber o que ele pensava. - Bem, bem, me parece a continuação do seu sonho não é Sophye? - É-é... Parece sim, um pouco. - Não só um pouco, é a continuação. – disse ele como se já soubesse da história. - Então parece que tenho que continuar com a minha história não é mesmo? – fez uma pausa, olhou nos nossos olhos e continuou – Bem a confederação era formada no início por alguns elfos e alguns poucos vampiros, pois a maioria deles se recusava a aceitar que um deles tinha atacado um dos nossos. Eu fui um dos primeiros a me juntar a ela, dias depois veio o seu avô. Essa confederação depois de muita guerra e muito sangue derramado conseguiu chegar ao seu temível reino, e seu avô e eu fomos uns dos poucos que sobreviveram àquela última batalha. Agora parece que correm rumores de que outro “monstro” surgiu. - Como podemos ter certeza disso? – estava mais ansioso agora do que quando comecei a cruzar a passagem. - Podemos ter certeza disso porque esse novo “monstro” esta matando todos aqueles que sobreviveram àquela última guerra - O quê? Tem certeza disso? - Infelizmente é o que esta acontecendo, e eu sou o único que ainda sobrevive, por isso quero que você treine comigo. - Por que eu e não algum soldado poderoso? - Quer mesmo saber por quê? - Sim quero. - Eu também. – Sophye disse se recolhendo na cadeira depois disso. - Tudo bem, já que os dois estão aqui é melhor contar logo.

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Os segundos que se passaram antes da verdade pareciam eternos. - Vocês dois são a encarnação dos espíritos que morreram quando o primeiro surgiu. - O-o que? – perguntamos os dois ao mesmo tempo. - É isso mesmo que acabam de ouvir, eu soube que Sophye era, assim que nasceu, eu conhecia o elfo que morreu, seu nome era Skarlet. O vampiro eu tenho certeza que é você, porque a sua aura esta me confirmando isso. A aura mostra o espírito das pessoas, dificilmente o mesmo espírito vive duas vezes, e muito mais raras vezes dois espíritos que voltam, estão perto novamente. E é por isso que vocês têm que treinar. Bem... Sophye vem treinando comigo a algum tempo, mas não tinha dito a ela o porque. Fiquei pasmo com aquela revelação, eu nunca teria imaginado isso na minha vida! Agora, eu era outra pessoa, parecia que haviam tirado a minha vida e colocado outra no lugar. - Está ficando meio tarde pequenos. É bom que volte pra casa, pequeno. Sua mãe vai ficar preocupada e ela precisa de você pra passar pela morte do seu avô. Ally vai ficar feliz se levar isso com você. – e me entregou uma pequena bola de cristal com uma árvore velha nela, se a balançasse, a “neve” começava a cair – É melhor você voltar amanhã de tarde pequeno, vou ter algo especial esperando por vocês. Não conseguiria aguentar até amanhã pra saber o que me esperava pela frente, eu era a pessoa mais curiosa que eu conhecia. Cheguei em casa e minha mãe estava me esperando na porta, como sempre, parecia até que ela sabia quando eu ia voltar sempre. - Como foi querido? - Foi bem legal. - Vamos entrar e você me conta como é tudo bem?

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- Tudo bem mãe. Entramos e Ally estava sentada na frente da mesa sem nenhuma expressão no rosto. - Hey Ally! – chamei e ela se virou. - O que é? - Veja você mesma. – e entreguei o presente que Klaudius havia mandado. - O-obrigado mano, mas o que é isso? - Balance e vai ver... - Que bonitinho. Onde o encontrou Karyn? - Estava numa tenda e foi bem barato. - Adorei mano, muito obrigado. – e saiu correndo para o seu quarto ainda balançando a esfera. - Brigado filho, isso vai ajudar ela a se recuperar da perda. - De nada mãe, e comprei isso pra você. – estendi meus braços e a abracei o mais forte que eu pude. - Oh... Que meigo querido... Então... Quando vai caçar de novo. - Eu ainda não acho que seja necessário, mas talvez está noite, pra prevenir do que possa acontecer. - Tudo bem, que tal levar a Ally pra caçar com você, talvez ela precise também. - Tudo bem mãe, e você quando você vai? - Eu fui de manhã quando vocês estavam dormindo. - Então tudo bem. – olhei pelas escadas e gritei – Ally, quer ir caçar comigo hoje? Ela desceu correndo já arrumada e olhou pra mim bem nos meus olhos. - Tudo bem, mas você sabe que é um privilégio ir caçar comigo não é? E você só ganhou isso pelo presente que me deu. – depois me abraçou – Vá se arrumar logo que meu tempo é valioso. - Sua pequena... –disse enquanto subia as escadas.

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Cheguei no meu quarto e olhei na minha “montanha” de roupa. Sempre odiei isso de arrumar. Então coloquei a mão na pilha e puxei a primeira coisa que veio. Peguei um par de calças pretas e uma camiseta meio velha, me troquei e coloquei o casaco, olhei no bolso da camisa, de vez em quando deixava moedas nos bolsos e me esquecia. Então não encontrei nenhuma moeda, era um papel, nele havia algo escrito que eu não conseguia entender.

Em barkardur ta vel em sakart Coloquei de volta no bolso da camisa e desci as escadas o mais rápido que eu podia correr, assim Ally não ficaria brava comigo. - Agora eu estou pronto. Quando quiser saímos, tudo bem Ally? - Tudo bem, então vamos agora mesmo. – olhou pra mim com uma cara que parecia ser de desafio – Tchau mãe até daqui a pouco. – e beijou a sua bochecha. - Até daqui a pouco mãe. – disse enquanto a abraçava. Assim que chegamos na orla da floresta ela olhou pra mim e pensou um pouco. - Acho que você esta me escondendo algo, mas se eu tiver vontade você me conta então não vou me preocupar agora. - Pode ser, mas nem sempre conto tudo, só não se esqueça disso. –foi o que disse antes de começar a correr o mais rápido que eu podia. Via as árvores passando ao meu lado como se fossem poeira ao vento, em pouco tempo Ally me alcançou e segurou na minha mão. Dificilmente saíamos pra caçar juntos e geralmente era divertido. - Vou te dizer uma coisa pequena. – eu vi o brilho no seu olhar quando falei isso, afinal a curiosidade parecia ser algo genético – Você esta ficando boa nisso, mas aposto que não me alcança

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depois disso – correr era o que eu fazia de melhor, então soltei a mão dela e voei pela floresta. Avistei uma manada de alces galderianos e fui pra cima deles, antes de me focar em um deles eu consegui ver como Klaudius aparecia e desaparecia da floresta, devia estar alucinando, me foquei no alce e pulei nele, sem reação ele caiu no chão, apenas uma mordida bastou. Fiquei sentado esperando Ally acabar e pulei nela. - Olha só quem é o alce agora. - É... Então vamos ver como você se sai com o alce aqui. Ela se desfez do meu aperto e pulou na árvore e do tronco se impulsionou pra cima de mim, com quem ela tinha aprendido aquilo eu não fazia a mais mínima idéia, mas achei que seria legal que eu aprendesse aquilo. Me desviei pouco antes que me impactasse e me veio uma idéia. - Mana me ensina como fazer isso, por favor? - Por que eu teria que te ensinar algo que levei duas semanas pra aprender a fazer? - Por favor, eu vou precisar disso pra mim, por favor... - Tudo bem, tudo bem... - Então, quando posso aprender? - Que tal agora? - Isso tudo é pelo presente que te dei? - Não, isso é porque eu vejo que você aprecia minha superioridade. - Tudo bem. – ela ainda acha que pode me superar em alguma coisa. - A única coisa que você tem que fazer é pular bem alto, depois se apoiar no tronco com os pés, flexionar as pernas e se impulsar para baixo, como você viu que eu fiz. É bom tentar num alce primeiro. – ela disse com um ar de superioridade. - Tudo bem, vou tentar, espere um segundinho, por favor.

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Eu sabia o que tinha que fazer, então seria fácil. Pulei o mais alto que consegui, cheguei bem perto da árvore, parecia que eu iria tocá-la com qualquer parte do corpo, então eu me virei, apoiei meus pés nela, flexionei, ao parecer a flexão não era tão fácil assim, mas consegui me flexionar ao máximo e me impulsionei num alce próximo. O vento no meu rosto me fazia sentir tão bem que poderia ficar assim o resto da minha vida, isso era muito mais rápido do que eu poderia correr, estava chegando perto do alce, e cada metro que passava ia cada vez mais rápido. O alce nem deve ter sentido quando eu mordi o seu pescoço, parecia que eu tinha tocado nele e ele tinha morto sem que eu tivesse que fazer nada. Será que era tão rápido assim que eu tinha ido? - Muito bem irmãozinho. Mas isso é tudo que consegue? Dessa vez eu sabia em quem apontar meu impulso, se ela conseguisse desviar, então eu me veria inferior a ela, mas se não conseguisse, bem, eu seria o melhor de todos da família. A subida foi chata em comparação à adrenalina da descida, a flexão agora foi mais fácil e um pouco mais intensa, talvez com muito pouca prática eu ficasse bom nisso. Então a velocidade foi maior nesse impulso, talvez porque eu estivesse motivado por vencer ela, ou talvez porque estivesse ficando fácil mesmo, não passou meio segundo e eu estava a três metros dela, ela não tinha mais tempo de desviar, então caímos rolando por um bom tempo até que ela ficou de pé e eu continuei rolando, só que era porque tinha ficado engraçado. - É assim que tem que ser? – perguntou ela com uma cara bem irritada – Então acaba de ficar sem professora, daqui pra frente é só você. Levantei no mesmo instante implorando por perdão e rindo por dentro. Mas não fazia mal, eu achava legal quando ela se irritava assim. Fomos correndo até em casa, as roupas dela não tinham

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ficado tão intactas quanto as minhas, mas não fazia mal. Nossa mãe estava nos esperando na porta dos fundos que ficava mais perto da floresta, às vezes acho que ela fica esperando assim que alguém sai, e dá a impressão de que ela sabe o momento que as pessoas vão chegar na casa. - Oi mãe. – disse ela irritada ainda – Vou tomar uma ducha e ir pro meu quarto. - Oi mãe. – eu disse com um grande sorriso no rosto – Ela esta assim porque peguei o maior alce. - Vou fingir que estou acreditando em você pequeno. – ela disse entrando e pegando um copo de suco – É bom você tomar um banho e ir pro seu quarto também moçinho. Esperei Ally sair do banho e entrei, a água estava muito refrescante, então eu fiquei um pouco mais do que devia ficando um pouco cansado. Saí do banho e na mesma hora me deitei, e senti que era um pouco pesado aprender uma técnica nova de caça assim do nada, doíam os músculos. Encostei minha cabeça no travesseiro e dormi na mesma hora. Acordei assustado no outro dia, sentia como se tudo que eu tinha vivido ontem, todas as experiências novas que tinha sentido, toda a história que tinha aprendido, tudo havia sumido. Acalmei-me e pensei melhor, estava tudo no lugar, não havia nada para se preocupar. - Bom dia, mãe. - Oh, veja só, acordou cedo e eu nem tive que ir te chamar. – disse ela dando uma risadinha. - Ally está melhor? Acho que ela não está muito bem comigo. - Pode deixar, isso passa. Então, vai fazer o que de bom hoje pequeno? - Estava pensando em ir na vizinhança, ver se acho um presente bonito para vocês.

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- Não precisa trazer o presente, só ir passear já está muito bem, assim pode conhecer pessoas novas. – e sorriu com aquele sorriso que me deixava alegre por dentro. Nessa manhã eu comi muito pouco, estava meio sem apetite, além do mais ontem tinha caçado dois alces quando teria que ter sido apenas um, maldita técnica da Ally, me fez caçar demais. Subi as escadas e olhei pela porta do quarto da Ally. - Tchau pequena encrenqueira. – sussurrei antes de descer e sair da casa. O que será que Klaudius estará guardando pra mim? Será que foi ele que deixou aquela nota na minha camisa? E foi ele que apareceu na floresta ontem? Ou talvez seja só minha alucinação? Encontrei Sophye quando cheguei do outro lado. Será que ela estava me esperando ou era só coincidência? Era melhor perguntar pra ela. - Oi Sophye, tudo bem? - Ah, sim. Meu avô pediu pra que viesse te esperar pra te acompanhar até ele. Então ela estava mesmo me esperando, mas como é que Klaudius sabia que eu estava indo naquela hora? - Quantos anos você tem? – arrisquei a pergunta. - Tenho dezesseis. E você? – parecia que ela respondia instantaneamente, e a pergunta fazia parte da resposta automaticamente. - E-eu? Eu tenho dezesseis também. – parei um pouco pra formular outra pergunta, então arrisquei – A quanto tempo você anda “treinando” com seu avô? - Tem apenas algumas semanas, acho que ele desconfiava que íamos nos encontrar em breve então achou melhor ir logo me ajudando. – sorriu como se fosse algo comum que ela começasse as coisas mais cedo.

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- Então, você sabe com o que o treino começa não é? - Começa com a leitura de runas. – dessa vez quem falou foi Klaudius. Já havíamos chegado e eu nem tinha percebido. - O-o que? – me assustei vê-lo ali parado, nem tinha notado a sua presença. - Tenho umas coisinhas para te contar, pequeno. Mas antes é melhor que entremos na minha casa. Agora que eu percebia como era a sua casa, ontem havia ficado entretido com a história que ele tinha pra me contar, e também foi estranho entrar na casa de alguém que nunca haveria sonhado em conhecer. - Pois bem, aquele papel que você achou na sua camisa ontem. – disse ele enquanto sentava em uma pequena e aconchegante poltrona vermelha. - Bem, eu acho que é...- espere um segundo, pensei comigo mesmo – Co-como você sabe daquele papel? - Porque fui eu quem o colocou lá. E aquilo são runas, entendeu agora? - Sim, acho que sim. Mas o que elas significam? - Primeiro, achei muito impressionante aquela sua performance na floresta ontem pequeno. Eu já tinha visto a sua irmã fazendo aquilo, mas ela demorou muito mais que você para conseguir, vejo que você está ficando bom no que faz pequeno. E, sobre as runas, o papel que te dei você mesmo vai ter que decifrar. - Mas como eu vou fazer isso se nem mesmo sei lê-las! - Isso é o que você pensa agora, mas daqui a alguns dias vai saber ler qualquer coisa. - Se é o que você diz, acho que tenho que acreditar. – me forcei a dar um sorriso acanhado, esperando que ele me achasse mais legal. - Bem, bem, Sophye... – disse ele com um tom pensativo. - S-sim vovô?

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- Por onde acha que devemos começar com o pequeno Karyn aqui? – ele questionou torcendo um pouco a mão na minha direção. - Pode ser pela pronúncia das runas, não é? - É mesmo, parece que vai ser bem interessante a leitura de runas com você. – disse enquanto direcionava a fala na minha direção trocando de posição na pequena poltrona. - Então... Quando começamos? - Que tal agora mesmo pequeno? Depois de aprender a pronúncia de todas as runas, isso levou uns dois dias, tinha ficado um pouco fácil até. Começaram as “aulas” sobre significado das palavras que se formavam pela junção de duas ou mais delas. Ao longo de uma semana eu aprendi muitas palavras simples e seus significados. Até que um dia, ele se virou para mim e falou: - Que tal se começasse com algumas mais complexas dessa vez? - Por mim tudo bem. – disse meio desprevenido. - Que tal... – enquanto pegava um livro grosso na estante ao lado da poltrona vermelha. Abriu o livro e foi folheando até chegar a uma página, que eu distingui com palavras com seis ou sete runas, o máximo que eu tinha aprendido eram de até cinco runas, mas achei que seria interessante ver coisas mais avançadas. - Então leia isso pra mim, por favor. – enquanto apontava pra uma palavra de sete runas. - Kandela. – assim que eu li me lembrei de ter ouvido em algum lugar. - Muito bem, agora leia mais alto e com mais emoção, por favor. - KANDELA! – não acreditei no que aconteceu depois.

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Uma forte luz veio e iluminou toda aquela sala com a luz mais intensa que eu já tinha visto em toda minha vida. Assim como a luz veio ela se foi, foi algo muito rápido. - Muito bem pequeno, muito bem. – me aplaudia Klaudius. Virei-me e vi que Sophye estava sorrindo, talvez fosse pela luz, ou talvez fosse porque achava bom que eu avançasse na leitura de runas. Me senti aliviado depois daquele dia quando cheguei em casa.

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Viagem de conhecimento

Naquele dia Klaudius falou que iríamos fazer uma pequena viagem, na qual os dois aprenderíamos a nos desenvolver melhor em tudo que fazíamos até o momento. Preferi não me iludir muito com o que poderia acontecer. Acabei de tomar café, peguei meu casaco e algumas utilidades e saí pelas ruas até o outro lado. As ruas dos dois lados pareciam nunca mudar, eram sempre as mesma pessoas indo de lá pra cá, comprando sempre as mesmas coisas, se bem que minha vida e a da minha família não eram totalmente variadas todos os dias, mas pelo menos fazíamos coisas fora do “comum” de vez em quando. Assim que atravessei a passagem, senti um toque de energia, já era normal senti-lo, acho que era porque os elfos emanam sempre um pouco mais de energia que nós, além do mais são mais belos. - Olá pequeno. – disse Klaudius assim que me viu chegando à pequena praça. - Olá. – lhe respondi acenando, nada mais podia fazer. - Oi. – foi o que Sophye disse, olhando pra baixo ainda, parece que ela sempre vai ser bem tímida. - Bom dia Sophye. – sempre me sentia bem ao estar perto dela, isso fazia meus dias um pouco melhores. - Então!? – me assustei ao ouvir Klaudius gritando por trás – Vamos em frente. - Sim! – dissemos juntos, Sophye e eu. - Para que lado? – Sophye perguntou ao seu avô em uma voz calma e doce.

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- Para o norte, pequena. – ele sorria sempre que falava com Sophye, acho que era porque ele esperasse grandes coisas dela – Sempre para o norte, pequena. Foi inevitável rir diante daquela cena, ele parecia que estava falando com um bebezinho, sempre fala conosco assim, parecia que nós ainda não sabíamos diferenciar as coisas. - E vocês não sabem mesmo, pequeno Karyn, mas depois dessa viajem, irão saber. – o-o que? Eu estava falando alto ou só pensando aquilo? Sophye riu baixinho e eu ri junto com ela. Então começamos a caminhar sempre ao norte como Klaudius havia dito. Esperava que a viajem fosse um pouco mais curta, mas quando estava começando a ficar cansativo, ainda não havíamos chegado nem na metade do caminho. Quando Klaudius viu que eu estava começando a ficar cansado, ele propôs uma pequena pausa de alguns minutos para que bebêssemos um pouco de água e sentássemos para descansar os pés. - Então? – disse Klaudius olhando pra mim com um ar de superioridade – Como vai a viajem? - Vai muito bem, senhor. – a última palavra foi com um tom mais baixo que o resto, pois ele não gostava que eu e mais ninguém o chamasse de senhor. - A juventude esta perdendo para mim? Acho que ainda estou em boa forma. – ele riu com a própria brincadeira. - Acho que é isso mesmo, ainda preciso de muito treinamento. - Foi para isso que viemos aqui, não se lembra pequeno? - Lembro, sim e muito bem, estou ansioso para saber o que nos espera pela frente. - Então. – disse ele tirando dois pedaços de pergaminho dos bolsos, um pedaço de cada bolso do seu casaco verde – Isto é para vocês dois, para cada um de vocês.

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Nós já estávamos abrindo, me virei e vi que a timidez de Sophye não a impedia de ser muito curiosa, ri um pouco por dentro com essa afirmação. - Não, não, vocês dois têm que controlar a sua ambição e a sua curiosidade. Vocês vão saber a hora certa de abrir esses papéis. E agora não é a hora certa para fazer isso. – houve uma pequena pausa então ele continuou - Muito bem, agora sigamos em frente. – disse enquanto olhava meio desapontado para Sophye, parecia como que ele já a tivesse controlado contra os acessos de curiosidade, mas parecia desapontado com o treino que ele mesmo havia dado a ela. O Resto da viagem foi tranquila, e não foi tão cansativo quanto o começo, parecia que havíamos subido uma colina e agora estávamos descendo, mas não havia nenhuma inclinação que indicasse isso. - Muito bem! – disse Klaudius batendo palmas. – Enfim chegamos. - Mas isto não está meio deserto? - É mesmo vovô. Isso não tinha que ter vários perigos para nos treinar melhor? - E está. Está perigoso o suficiente para treiná-los para ficar quase tão fortes quanto eu. - E então? Qual o perigo por aqui? – perguntei enquanto ele se sentava à sombra de uma frondosa árvore de folhas rosas, com um tom de vermelho-sangue. - O perigo vai aparecer em seu momento. Agora, pequeno Karyn, você pode trazer alguns gravetos daquela floresta ali. – disse apontando para o leste – Enquanto Sophye vai buscar algumas plantas por aquele lado de lá. – dessa vez apontando para o oeste.

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Parece que ele está querendo nos separar por alguma razão, talvez assim nós vamos poder usar os nossos papéis. Estava com uma vontade imensa de ver o que havia dentro daquele pequeno pedaço de papel. E podia apostar que Sophye sentia a mesma coisa que eu. Fui até o lado dela abracei-a e desejei-lhe boa sorte, mesmo sabendo que não iria precisar, ir buscar plantas não deveria ser um trabalho tão difícil afinal de contas, e pegar alguns gravetos também não seria tão complicado. Quando Sophye se soltou do meu abraço eu comecei a caminhar para o leste. A viagem era tranquila, a floresta ia aumentando seu tamanho muito devagar, ainda parecia uma viagem longa, então decidi aumentar a velocidade da caminhada, comecei a correr pela grama de um verde vivo. Mesmo assim a distância até a floresta ia diminuindo de pouco em pouco, nem parecia que eu tinha começado a correr. Aumentei a minha velocidade ao máximo, e mesmo assim de nada adiantou. Parei e comecei a andar normalmente, já que a floresta não iria ficar mais perto se eu corresse. Quando cheguei ao que parecia a metade do caminho vi uma forma animal se aproximando de mim. Tinha certeza que agora era a hora de abrir aquele papel. Procurei no meu bolso e o encontrei, quando o desdobrei me assustei ao ver que não havia nada escrito. Mas para que Klaudius me daria um papel em branco? Talvez ainda não seja hora de abrir este papel. Então teria que lutar contra aquele animal sem ajuda de ninguém. Aquilo aproximava três vezes mais rápido que a floresta enquanto eu caminhava, a expectativa de lutar estava me consumindo, queria ver do que eu era capaz. Mas eu não havia treinado muito nesses últimos tempos, então, até mesmo eu estava duvidando um pouco de mim. A fera chegou e eu pude ver nos seus olhos um vermelho ardente que inundava toda a área com seu brilho. Aquilo me

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intimidou até o ponto em que eu pude canalizar a minha aura da forma certa. A senti tomando conta do meu corpo estava me sentindo cada vez melhor. Vi que a fera não atacava, então desferi o primeiro golpe, ia acertar o meu soco em cheio, mas no último momento ela desapareceu, era como se nunca estivesse estado ali. Virei-me e a vi, estava na mesma posição de antes, mas agora o brilho no seu olhar era de um tom ameaçador, parecia que estava ferindo por dentro só com o olhar. Arrisquei um segundo golpe. Dessa vez me concentrei melhor e pulei na fera com fúria. Consegui sentir o calor que ela emanava, mas antes de poder tocá-la ela se foi novamente. Comecei a odiar aquela situação, tinha que acertá-la a qualquer custo, não importava se fosse apenas um golpe! Parei para concentrar todos os meus sentidos, dessa vez a visão não iria me servir de nada se eu não pudesse sentir a sua aura. Concentrei-me e consegui ver. A sua aura era muito maior do que a aura de um lobo normal. Aquilo me animou por um tempo, percebi que não estava lutando contra algo normal. E aquela fera parecia saber que eu não era páreo para ela. Concentrei-me ao máximo e pude sentir uma segunda aura, esta era muito mais fraca e vinha do lado oposto ao do lobo. Percebi que a fera marcava o lugar para onde iria no próximo movimento, então pude planejar melhor o meu ataque. Dessa vez pulei com toda a minha velocidade em direção à fera, e no último momento mudei para a direção contrária. Abri os olhos e pude ver, eu tinha acertado a fera em cheio. Percebi que ela começaria a se mover, então me preparei. Ela explodiu e parecia ter crescido alguns centímetros, estava com uma face assassina, eu ri por dentro, mas não de alegria e sim de medo por enfrentar tamanho monstro. Nunca havia visto nada parecido em toda minha vida.

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O primeiro golpe veio tão rápido que mal pude desviar. Percebi que aquele monstro tinha a mesma capacidade que Ally tinha. Imaginei que seria fácil, mas depois percebi que nem mesmo eu sabia qual era a capacidade da minha irmãzinha e agora eu tinha que enfrentar aquela mesma potência. Achei divertido, imaginei quando eu brigava com minha irmã e eu sempre a deixava ganhar, agora percebi que talvez ela fosse forte como aquele lobo e que ela sempre ganhasse, e eu ficasse imaginando coisas. Então percebi que estava lutando contra um ser potente, mas sem capacidade de raciocínio, pelo menos isso era o que eu podia imaginar. Aquela fera avançou na minha direção outra vez. Eu percebi que reconhecia aqueles movimentos. Seria fácil lutar contra algo que eu conhecia, ao menos um pedaço agora. Das poucas árvores que havia por aquele caminho até a floresta, tive sorte, porque havia uma bem perto de mim. Agora teria que juntar duas técnicas. Corri na direção da árvore e pulei, sempre dando o meu melhor, quanto mais alto mais tempo eu teria. Cheguei ao meu limite encostei os pés na árvore, fechei os olhos e ampliei os meus sentidos. Vi as duas auras do lobo, pulei na direção da mais forte, aquela sensação de liberdade me veio de novo, mas não tinha tempo de ficar imaginando as coisas. A velocidade com que eu estava indo na direção do lobo me deu tempo de chegar até ele, mas dessa vez eu não o mordi como tinha feito com o alce, eu sabia que a qualquer momento ele iria para o outro ponto da sua aura. Apoiei os pés no lobo e no momento em que me impulsei na direção da outra aura ele já estava lá parado, ofegante, parecia que ainda tinha sofrido um impacto do meu golpe. Agora eu estava voando por cima da grama, com um tom avermelhado pelo brilho do olhar do lobo. O tempo parou de repente, no momento em que eu mordi o pescoço daquela fera, pude sentir o seu sangue escorrendo pelos meus lábios,

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enquanto o vermelho se esvaia do local, quando percebi que o único tom vermelho que restava ficava em uma poça encima da grama ao lado do lobo, me levantei e limpei meus lábios, me agachei olhei bem fundo naqueles olhos de um vermelho quase negro e continuei em direção à floresta. Dessa vez a corrida me deu um prazer, mesmo que não aproximasse mais rápido a floresta de mim, cheguei a um ponto onde vi se aproximando uma legião, que seria de uns cinqüenta homens armados completamente. Deitei-me na grama e senti o calor do sol no meu rosto, descansei um pouco e esperei aquela legião chegar a mim. Vi como aquelas figuras cresciam a cada segundo que passava, se a minha ida até a floresta estava sendo demorada, a chegada deles até mim era a mais rápida que eu poderia imaginar. Quando estavam a uns cem metros de mim me preparei, segurei bem forte o papel no meu bolso e esperei a chegada. Um deles, o que parecia o líder apontou na minha direção, parecia que estava falando com os outros. Depois disso eu só vi que eles começaram a correr mais rápido que antes na minha direção. - Atacar! – gritaram todos ao mesmo tempo. A única coisa que fiz foi ativar ao máximo todos os meus sentidos. Foi só depois que eu percebi que eles eram apenas humanos, bem treinados para a guerra. Não iria ser tão difícil assim como eu pensava. Eles chegaram perto e fizeram um círculo ao meu redor, dois vieram na minha direção com as lanças apontadas, parecia que tinham uma estratégia bem bolada, mas eles não foram tão rápidos o suficiente. Quando estavam chegando perto pulei, não muito alto e caí sobre um deles, pisei na sua cara com toda a minha força e senti seu nariz partindo enquanto voava na

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direção do outro. Assim que cheguei perto dele, percebi que vinham mais quatro correndo, quebrei o pescoço do que estava com a lança e me preparei para os outros quatro. Me agachei bem perto de um, quebrei sua perna e peguei a sua espada, me levantei rápido suficiente para ver a sua expressão de dor e cortei seu pescoço, me levantei empunhando a espada em direção aos outros que haviam parado diante da cena. Travei uma batalha com os outros três de igual a igual para dar um tempo aos outros. Até o momento que achei ser a hora certa e cortei os três ao meio antes que pudessem sair de seus lugares. No mesmo instante vi dez flechas voando em minha direção. Corri na direção em que elas vinham e alcancei os arqueiros antes que pudessem perceber que estava ali. Quebrei o pescoço de cinco dos dez, dos outros cortei apenas as pernas e voltei ao centro do círculo. Algumas mortes depois, já podia sentir um leve cansaço e vi que estava escurecendo e tinha que voltar logo ao lado de Klaudius e Sophye. Decidi então que seria um bom momento para abrir o papel. - KLAVELIA! – disse enquanto vinham todos os que restavam correndo na minha direção – Porque não fez efeito? – traduzi rapidamente a palavra na minha cabeça e tudo fez sentido. Pulei o mais alto que pude e gritei o encantamento. Klavelia a morte pelos céus, pensei enquanto sentia um forte vento batendo em mim que era como se estivesse suspenso no ar. Senti o ar formigando ao meu redor, imaginei então o que sentiam os humanos lá embaixo, olhei e vi que o vento os cortava em vários pedaços irreconhecíveis ao invés de formigar nos seus corpos também. Foi então que eu vi o quão fracos os humanos poderiam ser. Continuei correndo em direção à floresta, dessa vez a floresta parecia aproximar cada vez mais em relação ao que se

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aproximava antes. Era meio estranho como o ar ao meu redor mudava quando ia me adentrando na floresta, havia uma clareira na qual encontrei alguns gravetos que achei suficientes para uma noite inteira com a fogueira acessa. Voltei carregando-os, a volta foi bem mais curta do que a ida até a floresta, não sei se foi pela expectativa de descobrir mais coisas sobre o passado quando chegasse lá ou se foi pelas lutas na ida até a floresta. Klaudius estava sentado na mesma posição que quando havíamos partido, Sophye ainda não havia voltado da busca das plantas, parecia que o tempo para Klaudius era diferente do tempo que é para nós. - Olá pequeno, como foi a sua viagem? - Foi meio estranha e um pouco cansativa. - Interessante, mas oh! Veja! – disse apontando ao longe – Lá vem a pequena Sophye. Ela parecia exausta, vinha carregando muitos vegetais, mas o seu vestido amarelo estava rasgado, parecia que havia se metido em problemas. - Vejo que souberam usar bem os seus papéis. - Foi meio difícil encontrar a hora certa. – disse Sophye enquanto despencava ao lado da árvore. - Bem, bem... Vamos armar a fogueira e comer algumas coisas antes de começar a falar sobre o passado, meus pequenos. – dessa vez ele não pediu a nossa ajuda para nada. Armou a fogueira e cortou os vegetais com o material que havia trazido na sua bagagem. - Começamos? – perguntou depois do silêncio que havia sido enquanto apreciávamos o fogo e a comida durante um tempo. - Com certeza. – dissemos ao mesmo tempo.

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- Vou lhes contar como tudo aconteceu, desde o começo da caçada até a morte do seu avô, pequeno. – disse me olhando com uma cara de pena que eu não gostei. - Então... Como foi? – me arrisquei a perguntar. - Bom, a caçada começou assim que a confederação do Templo da Luz estava formada, isso foi a duzentos e cinquenta anos atrás. Nessa época a confederação era formada por vinte, dentre eles dez vampiros e dez elfos, estávamos o seu avô e eu. Quando a confederação estava completa, decidimos uma forma de matar a “grande besta”. Guiamos-nos pelas lendas que eram contadas, segundo as lendas, dois milênios atrás uma besta havia surgido e dizimado a metade da população desta terra, diziam ser uma praga do deus Glaërd contra os impuros, então, o deus da vida Malkus veio à terra e matou a fera usando uma espada encantada com os poderes dos quatro grandes deuses, eles eram Malkus, o deus da vida, Glaërd, o deus da morte, Varya, a deusa do sol e Läard, a deusa das sombras. Essa espada era a única coisa que podia matar a besta naquela época. Mas como nós nunca poderíamos invocar os deuses para nos ajudarem, teríamos que nos especializar para poder obter os poderes de um deus e então encantar uma espada considerada sagrada, os vinte dividimo-nos em quatro grupos, cada um para conseguir os poderes de cada deus. O grupo do seu avô ficou com o poder do sol, o meu com o poder da vida, os outros com o da morte e das sombras. Só depois de cinquenta anos de treinamento, e quatro membros perdidos, conseguimos alcançar os poderes de um deus. Agora a tarefa seria encontrar a espada sagrada, ela estava na montanha ao sul da cidade de Kalvinhia. A viagem até lá durou duas semanas inteiras e não foi apenas chegar lá para conseguir a espada, tivemos que lutar contra centenas de guardas treinados para protegê-la, foi uma batalha árdua e dolorosa, na qual perdemos metade do nosso grupo. - fez uma

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pequena pausa e continuou - Na volta para cá nós recrutamos os melhores de cada vila para poderem nos ajudar a encantar a espada. Não demorou muito, apenas dez anos, pois, nós já sabíamos as técnicas necessárias para poder alcançar o poder. Ao encantarmos a espada nos restava apenas uma coisa a fazer, encontrar o esconderijo da besta. Ano após ano nós buscamos na maioria das regiões remotas desse continente, não o achamos em lugar algum. Até que certo dia veio-me uma visão em um sonho, eu via o lugar exato do seu esconderijo, me via entrando no seu esconderijo, via alguns dos meus companheiros morrendo, e via a seu avô e a mim encravando a espada naquele bicho horrendo com asas. – olhou para nós e disse com uma cara sorridente – O que acharam da minha história? - O-o quê? – perguntamos ao mesmo tempo, agora via que estávamos bem perto de Klaudius para ouvir a sua história – E o final? - Bem, nós viajamos para o lugar adequado e o encontramos no lugar onde deveria estar. As mortes ocorreram exatamente como aconteciam no meu sonho, e seu avô e eu matamos aquela besta horrenda. - Agora nos conte, onde está espada, para que possamos encontrá-la e matar a besta, e por que meu avô morreu? - Bem a espada nós a escondemos em um lugar bastante seguro, que está indicado neste mapa. – e entregou à Sophye um pedaço de pergaminho meio envelhecido – Fizemos o mapa para que se algum dia a besta voltasse... - Interessante. – foi só o que pude dizer – E então, por que meu avô morreu? - Bem, isso é porque essa nova fera esta matando todos aqueles que se atreveram a enfrentar o seu antepassado.

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Nesse instante, não sei por que motivo senti a necessidade de me deitar no chão por medo de alguma coisa. Quando percebi Sophye estava gritando e abraçando seu avô. - O que aconteceu, Sophye? - Isso – disse apontando para ele enquanto o abraçava. Havia uma flecha apontada no seu peito, nela havia uma fita vermelha amarrada na parte de trás. - Mas por que isso tem que acontecer sempre na hora da verdade! O que eu pude fazer foi abraçar aqueles dois, um homem morto com honra e uma pequena menina que sofria pela perda. Naquele momento me lembrei do quanto eu havia sofrido com a perda do meu avô, aquele que poderia me mostrar a verdade, agora me era tirada a verdade novamente, mas também era tirada uma vida valiosa para Sophye. Pelo menos agora tínhamos algumas respostas, seria melhor não envolver ninguém nessa guerra sem sentido. Sophye adormeceu nos meus braços enquanto ainda lamentava a morte do seu avô. Não consegui dormir naquela noite. Primeiro a morte do meu avô, agora a perda daquele que ainda nos poderia mostrar o caminho a seguir. Agora só tínhamos um mapa, duas mortes com uma vaga justificativa, e o pior, uma besta para enfrentar, sem nem mesmo conseguir enfrentar um pequeno exército de homens sem nos desgastarmos. Precisaríamos de ajuda para o nosso treinamento, mas onde iríamos encontrar essa ajuda, e como conseguiríamos encantar a espada, se é que ainda a encontraríamos no lugar indicado no mapa? Ao abrir o mapa para ver se nele havia alguma resposta esperando para ser vista, apenas havia alguns traços que indicavam estradas e um lugar ao que pareciam semanas de corrida, e algumas indicações. Virei o papel e vi um nome, Marlëv Krifth.

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O inicio da aventura

Onde eu iria encontrar aquela pessoa que tinha seu nome escrito no mapa de um “sábio”? Quem ele seria? O que ele poderia nos dizer? Todas as respostas para essas perguntas Sophye e eu teríamos que buscar por conta própria. A noite passou tranqüila, deitei Sophye a um lado e levantei, encontrei uma pá junto com as coisas de Klaudius e comecei a fazer-lhe uma cova ao lado da árvore. Ao acabar olhei o meu árduo trabalho, e vi que o sol já se mostrava no horizonte. Carreguei Klaudius até a cova e acordei Sophye. - O que foi? – ela respondeu com uma cara de sono que ficava linda nela, não tinha como não sorrir. - Acorde, temos que ir. - Mas, e meu avô? - Já cuidei disso. – e apontei para a cova e a árvore logo atrás. - O-o que você fez? - A melhor homenagem que eu poderia fazer. – agora eu olhava o meu trabalho como algo precário, algo que não era digno dele. - Vamos lá, temos que terminar logo com isso. – ela estava bem determinada agora – Assim podemos fazer o que ele queria que fizéssemos. – ela se aproximou para marcar a árvore logo abaixo de onde eu havia marcado antes. Agora o seu túmulo tinha duas homenagens:

“Aqui jaz aquele que foi o único capaz de nos mostrar o verdadeiro caminho a seguir” [Karyn]

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“Aqui jaz aquele que me ensinou a viver, e me deu o melhor amigo que alguém pode ter.” [Sophye]

Ela foi a primeira a se despedir, e eu fiquei depois para preencher o que seria a última vez que o veríamos. Eu pensei enquanto tampava a cova, que Klaudius era o último parente que ela havia tido e eu tinha me achado solitário quando ainda tinha duas pessoas que me amavam de verdade, mesmo que uma delas não mostrasse. Acabei, me virei para olhar no seu rosto, e só que eu pude ver foi ódio emanando do seu olhar. - Vai ficar tudo bem, nós vamos conseguir por eles dois. – disse enquanto a abraçava o mais forte que eu podia. - É... Eu sei, mas não queria que fosse assim. – ela respondeu, agora com lágrimas nos olhos, ninguém queria que acabasse assim. O abraço durou mais do que os dois esperávamos, quando ele se desfez, fui pegar a bagagem de Klaudius. - Espere. – ela disse enquanto tirava algo da bagagem dele, era um ramo de flores quase tão branco quanto ela. Admirei aquela cena, aquilo ficaria guardado em mim para sempre. Ela caminhou na minha direção e não disse nada, apenas seguiu caminhando, o único que podia fazer era segui-la. Parecia que ela sabia onde estávamos indo, mas não era o caminho de volta. Eu me importava com minha mãe e Ally, mas se fosse melhor pra ela não voltaríamos para a cidade e seguiríamos em frente. - O que você viu Sophye? - Eu vi o caminho que temos que seguir. - Como? Uma visão repentina? - Não, meu avô já tinha me mostrado um mapa parecido com esse, mas o lugar marcado era outro, e naquele tinha escrito

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Espada de Glaërd, ao invés do nome que aparece nesse, acho que um indica o outro. - Como assim? - No outro mapa indicava o lugar onde encontraríamos esse tal de Marlëv, e nesse que temos agora encontraremos a espada sagrada. - Entendi, mas você se lembra onde temos que ir para encontrar essa pessoa? - Lembro sim, é numa cidade passando a montanha a sul daqui. - A montanha da morte? - Sim, essa mesmo... - Mas como se supõe que vamos atravessar aquela montanha? - Ninguém que chegou ao topo saiu vivo de lá. - Ninguém até que nós cheguemos lá. Assustei-me diante de tal afirmação, nunca havia visto aquela pequena e indefesa menina tão determinada a fazer nada até hoje, acho que o sentimento de perda foi muito forte e ela revelou o seu verdadeiro interior, agora parecia ser mais fria e calculista do que antes. - Então, vamos ou não? - S-sim. – me senti acanhado em relação àquela nova Sophye que estava parada diante de mim. – Tem certeza que está tudo bem com você? - É claro que eu tenho. – disse antes que aquela armadura de frieza que ela tinha montado desmoronasse – É só que eu, eu não quero que isso tenha que acontecer assim, se ao menos eu soubesse que isso iria acontecer eu teria me preparado emocionalmente. - Nem mesmo se você soubesse iria adiantar alguma coisa, eu tive tempo para me preparar para a morte do meu avô, ele andava doente, e mesmo assim a perda me abalou muito, mais do que eu poderia imaginar.

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- Eu sei, mas eu queria poder te feito alguma coisa. – as lágrimas não paravam de correr pelo seu rosto enquanto falava. - Será que eu posso te ajudar de alguma forma? – perguntei por instinto, porque sabia que não havia forma de ajudar uma perda daquelas. - Tem sim. – disse enquanto se aferrava nos meus braços, não havia forma de resistir àquilo, tive que sucumbir ao seu abraço apertado. - Esta melhor? – ela ainda não havia desfeito o abraço. - Estou sim, mas podia ficar melhor. - Como assim? – fiquei mudo depois daquilo, os seus lábios junto aos meus, era uma sensação estranha, nunca havia experimentado nada como aquilo em toda minha vida, era algo como passar aos céus. Seus lábios eram suaves e quentes, diante dos meus lábios gelados, não tinha como os meus lábios reconfortarem alguém, que não fosse um vampiro. O seu abraço amoleceu um pouco ao longo do beijo, mas ainda continuou por um longo tempo, cada segundo parecia uma eternidade diante daquela sensação magnífica. Ela se soltou, e um pouco mais envergonhada do que sempre era pediu desculpas. Não tinha nem porque desculpar aquela reação, mas mesmo assim a desculpei. - Então, vamos indo? – a sensação de vergonha tomou conta de nós dois, parecia que sabíamos que o que acabávamos de fazer era errado para pessoas que mal se conheciam. Seguimos a nossa caminhada, e corrida algumas vezes, em direção à montanha da morte, por vários dias e em uma noite de descanso veio a mim um sonho. Era a mesma voz do sonho que eu havia tido semanas atrás.

Nada vai mudar o destino

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Ninguém vai parar a viagem Daqueles que planejam o bom

E o belo para o mundo Todos os problemas que surgirem

Serão superados com louvor

O toque entre aqueles Que da viagem participam

Poderá afetar o futuro E poderá adiar ou atrasar

As coisas. Dessa vez acordei depois do sonho, mas não foi por um susto sobre o que viria pela frente, mas em relação à minha situação em relação à Sophye. O que seria de nós, talvez voltasse ao normal, ou seguiríamos tão próximos um do outro? Voltei a dormir, e acordei poucas horas depois, a aurora ainda estava aparecendo, mas mal pude perceber o céu atrás do rosto de Sophye, que estava quase colado ao meu. - Bom dia! – ela disse sorridente. - Bo-bom dia Sophye. – ainda não tinha tido tempo de falar com ela sobre a nossa situação e estávamos a apenas dois dias da montanha. - Olha... – disse meio sem jeito. – Temos que conversar sobre isso. - Sobre o quê? - Sobre a nossa relação... - Você não gosta de mim não é? - Não, não é isso, é que eu acho que é meio precipitado, e além do mais você vai achar alguém bem melhor que eu no futuro, e temos que acabar com a “besta” primeiro.

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- Entendo, então você quer esperar para ver se a besta mata algum de nós, aí sim vamos poder continuar a nossa relação? - Não, não é isso. – eu odiava aquele tipo de situação, eu acho que ela estava sendo meio precipitada em relação às coisas – A nossa relação vai existir até o final, só que acho que tem que ser um pouco mais calma. - Sei como é... - disse com aquele olhar triste que faria qualquer um sucumbir à sua vontade, mas pude me controlar – Se eu ainda puder estar ao seu lado para mim esta tudo bem. - Tudo bem mesmo? - É claro. – agora ela sorria de novo – Quer alguma coisa para comer? - Eu prefiro ir caçar, hoje já fazem quatro dias que não caço, e além do mais estamos gastando bastante energia indo em direção àquela montanha. - Posso te acompanhar nessa caçada? – voltou a usar a sua expressão de necessitada, dessa vez não resisti – Eu nunca fui, por favor? - Tudo bem, mas só dessa vez. – disse enquanto passava a mão pela sua cabeça, e remexia nos seus longos cabelos dourados. Ela sorriu toda a viagem em direção à floresta mais próxima, ela não parava de dar pulinhos de alegria. Começava a me acostumar com a sensação de que eu era mais do que apenas o seu amigo. Isso poderia ir mais longe quando toda essa perturbação acabasse, e a “besta” caísse. A caçada com ela por perto, não foi tão prazerosa como sempre era quando eu caçava sempre, ela ficava me admirando de longe, eu só não entendia porque, já que um elfo tem as mesmas habilidades que um vampiro, o único é que nós os vampiros tínhamos pressas maiores, mas em compensação eles eram mais belos do que nós.

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A viagem até a base da montanha nos dois dias seguintes foi fácil e tranqüila, não achei que perto da montanha fosse tão calmo, eu imaginava que haveria mais feras horrendas cuidando das redondezas, mas não havia nada em absoluto. - Agora começa a verdadeira aventura não é? - É sim... – disse abraçando-a para dar conforto. Não levávamos bagagem desde que abandonamos a árvore de Klaudius, deixamos tudo por lá, talvez servisse na nossa volta, mas agora que não tínhamos nada para carregar, subir a montanha seria mais fácil, e se tivéssemos que enfrentar alguma fera ajudaria para realizar movimentos. Mas também pensando nas feras, não teríamos nada para nos defender delas, a não ser os nossos próprios corpos. Ela segurou na minha mão e deu o primeiro passo em direção ao topo, me enchi de confiança e a acompanhei em um passo leve, que nos ajudaria para não chamar a atenção do que poderia existir aos arredores dos nossos movimentos. Chegamos ao que parecia um pequeno pedaço da subida, e senti uma aura forte vindo na nossa direção. - Fique quieta, tem algo vindo. – foi o que eu disse antes de calar a minha boca. Ao longe eu vi uma fera maior do que aquele lobo nas planícies, esse tinha três vezes o tamanho do anterior, e logo vi porque, esse era um urso glaërdiano, só havia visto um desses em uma tela na casa do meu avô, nunca havia sonhado em enfrentar uma criatura daquelas. Senti a sua aura me pressionando, olhei para o lado e vi que Sophye estava sentindo a mesma coisa que eu, o único que pudemos fazer foi pular para longe do seu ataque, assim que o desferiu, me virei e vi que o seu golpe havia deixado uma cratera de uns dois metros de diâmetro no lugar onde estávamos há poucos instantes.

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Ele se virou com um olhar de fúria animal que passou uma sensação de que o sangue no meu corpo parava de circular, era um frio que não tinha explicação. Então percebi que era uma ilusão mental, até porque ele não desviava o olhar, começava a pensar que as criaturas também raciocinavam tão bem quanto eu ou qualquer outra pessoa. Aquele olhar me prendeu alguns segundos que acabaram parecendo inacabáveis, olhei para Sophye de relance para ver a sua expressão e vi que aquele urso não havia focado seu olhar penetrante nela, voltei ao urso e ele estava correndo em direção à Sophye, parecia que seu olhar não havia funcionado nela, mesmo que ele tentasse uma e outra vez. Enquanto ele corria, ela dobrava um pouco seu joelho esquerdo fazendo um ponto de apoio, ele chegou perto, apenas alguns centímetros os separavam, mal percebi, mas ela havia pulado por cima dele girando algumas vezes e conseguiu chutá-lo por trás, aproveitei aquela chance, meu instinto avisou que havia uma pedra atrás de mim, pulei nela e me impulsei, a senti quebrando em infinitos pedaços assim que eu colocava minha força nela, o impulso foi mais forte do que eu esperava, então consegui atingi-lo e o segurei para que Sophye pudesse acabar com ele. A força dele era tremenda, mal conseguia mantê-lo no lugar por muito tempo. - Sophye, se apresse e faça alguma coisa! – pude gritar mesmo usando toda a minha força para manter o urso no lugar. Ela se concentrou por um longo tempo, parecia que iria fazer alguma magia, mas ela não podia atingi-lo porque eu ainda estava aferrado ao urso. Então antes dela gritar piscou um olho para mim, parecia que era para que eu não me preocupasse. - Shikkai Valda!!

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Senti uma grande força por perto, mas ela nunca chegou a mim, entendi então porque ela havia piscado para mim, ela sabia exatamente o que havia feito, mas isso parecia havê-la desgastado muito. - Esta tudo bem com você? – perguntei soltando o urso, agora com todos os ossos quebrados devido à pressão da magia dela. - Sim, estou perfeitamente bem é só que eu não conhecia essa magia, apenas me vieram as palavras à cabeça. - Então, o que ela significa. - Golpe individual, eu a fiz para acertar apenas o urso, para que não acontecesse nada com você. – depois disso desmaiou e caiu nos meus braços. Aquela magia havia mesmo desgastado ela, a deitei em uma parte que parecia confortável e então fiz uma proteção mágica ao nosso redor, eu só era capaz de fazê-la estável, e não conseguia fazer com que a proteção se movesse conosco, se não a viagem haveria sido mais fácil até aqui. Esperei algumas horas, até que ela acordasse disposta a seguir. - Então, como está se sentindo? – perguntei. - Bem melhor, mas antes já estava bem o suficiente. - Então você desmaiou porque quis não foi? – disse com um tom de ironia. - É isso mesmo, eu decido as coisas por aqui. – eu ri por dentro ao ouvi-la dizer isso. - Vamos? - Sim, vamos. – disse mais alegre do que antes, parecia que havia sonhado com alguma coisa bem legal. Ajudei-a a se levantar, então seguimos viagem, agora estávamos mais perto do topo do que eu nunca haveria imaginado estar, principalmente porque naquela montanha ninguém gostaria de subir para nunca mais sair vivo dela, mas

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como era vontade da única pessoa que eu poderia confiar naqueles dias, então eu a tive que seguir. Chegamos ao topo no decorrer de algumas poucas horas, a sensação de estar no topo do mundo veio a mim e uma felicidade veio, antes mesmo que eu pudesse ver a vista magnífica que havia ali encima. Aquilo me fez tão bem que eu pensei, talvez a fama da montanha estivesse tão errada como eu pensei, aquilo era o mais lindo que eu havia visto em toda a minha vida. Nada podia se comparar àquilo nunca, queria poder ficar ali para sempre admirando a paisagem, mas então me conformei com a minha boa memória. Começamos a descer a montanha, mesmo que fosse mais fácil descer do que subir, eu desconfiava que a parte mais perigosa era desse lado da montanha, as criaturas deveriam estar esperando, para nos atacar, mesmo assim tínhamos que enfrentá-los e dar o nosso melhor para chegar ao final de toda aquela história. - Eu senti algo. – disse Sophye enquanto parava em um lugar quase na metade do caminho até o final. - De novo não... – eu começava a odiar enfrentar as criaturas dessa montanha. - Acho que foi apenas ilusão. – disse ela – A aura sumiu do nada, o problema deve estar na minha cabeça. - Não precisa se preocupar, já aconteceu comigo duas vezes só nessa última hora. – disse e então sorri. - Tudo bem então. – seguimos a nossa viagem normalmente. No caminho ainda senti a presença estranha outras duas vezes mais, então eu distingui uma criatura ao longe, que parecia com aquele urso que havíamos enfrentado na subida. Parei e avisei Sophye.

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- Ele não está se movendo rápido demais para ser um urso daqueles, além do mais, dessa distância eu consigo sentir que esse tem uma aura bem maior que a do outro. Demos um passo para trás assim que vimos o que aquela criatura era. Era um dragão, tinha uns quatro ou cinco metros de altura, ele era de um branco tão forte que a luz se refletia nele, as suas asas estavam meio abertas, antão pude distinguir que ele havia travado uma batalha à pouco tempo, pois ainda estava ferido. Ele deu outro passo à frente e eu pude ver a cor dos seus olhos, eram de um negro tão profundo que eu não distinguia a cor do olho dele da sua pupila. - O que vamos fazer? – foi a única coisa que Sophye pôde dizer. - Não faço a mais mínima idéia. – respondi engolindo em seco. - Não seria bom se corrêssemos? - Não sei, será que ele vai ficar furioso se fugirmos, além do mais ele parece querer almoçar. - Não diga uma coisa dessas Karyn, por favor, isso não tem graça alguma. O dragão avançou um passo na nossa direção, e eu consegui sentir o calor que emanava do seu corpo e principalmente das suas narinas. Pensei que seria o nosso fim, mas então me concentrei bem e pude sentir que não estávamos sozinhos. Havia alguém para nos ajudar afinal de contas. Virei-me e então vi ao longe uma figura de aspecto humano se aproximando, era alto como um elfo e forte como um vampiro, tinha o cabelo preto como os olhos do dragão e era tão branco quanto ele também, os seus olhos, pelo pouco que podia distinguir eram de um vermelho mais intenso que o fogo, além de ter um aspecto macabro, e uma roupa um pouco esquisita, a sua beleza inundava toda a região e dava uma sensação de bem estar. Será que ele seria quem iria nos salvar do dragão, ou ele havia vindo morrer também?

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Aquele que monta um dragão

Aquela figura esbelta e magnífica se aproximou, poderia ser a nossa salvação ou então o nosso último momento com vida, ele passou por nós lentamente, fixando seu olhar no dragão na nossa frente, abrimos caminho sem nem mesmo percebermos, parou na frente do dragão e algo inacreditável aconteceu. O que eu pude ver foi ele desaparecer e aparecer do outro lado do dragão, por um momento pensei que ele seguiria seu caminho e nos deixaria morrer ali onde estávamos, mas depois olhei para o dragão e vi a cor dos seus olhos se esvaindo. Voltei meu olhar para a figura daquele homem, e o vi guardando a sua espada, instantes depois o sangue começou a escorrer do pescoço daquele dragão, ele caia lento e pesadamente, aquela cena me tocou, ver a morte de uma criatura tão bela era algo difícil de agüentar. Ele se virou e voltou caminhando lentamente, a sua beleza era ainda maior vista de perto, os seus olhos eram tão belos que ninguém iria querer parar de olhá-los, então estendeu a mão para Sophye. - Olá Sophye. – ela se espantou ao ver que ele sabia o seu nome – Meu nome é Marlëv Krifth. – ela sufocou um grito por encontrar aquele que ela vinha buscar. - Olá! – respondeu ela ainda emocionada pela situação. - Olá Karyn. – disse se virando para mim e estendendo a sua mão. - Olá. A sua pele era ainda mais fria do que a minha, e mesmo assim, emanava um calor interno, comecei a me perguntar o que ele era, será que existe uma raça além dos humanos, anões, elfos e vampiros?

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- Soube que estavam me procurando não é mesmo? - Como ficou sabendo? – Sophye indagou. - Existem muitas coisas que tenho que contar a vocês, como por exemplo... – disse fazendo uma pausa – Eu sinto muito pela morte dos seus avôs, e que também sei de quem são os espíritos que estão dentro de vocês. – fez uma pausa maior depois de dizer aquilo – Agora vou levá-los à minha casa para lhes contar o resto. Guiou-nos até o fim da montanha e depois viramos ao leste e andamos mais algum tempo, a cada passo que dávamos via uma figura imensa se aproximar, ela não estava andando em nossa direção, nós estávamos indo até ela e não parecia nem mesmo de longe com uma moradia. Quando chegamos perto suficiente eu pude perceber, ele estava nos levando em direção a outro dragão, mas este era umas dez vezes maior que o outro. - Você vai matar aquele dragão também? – perguntei apontando para a criatura imensa na nossa frente. - Não, eu nunca mataria um ser que me é tão fiel quanto Skarvöet. - Skarvöet? - É, meu grande, grande amigo dragão. - Quer dizer que você...- não pude terminar a frase, mas Sophye completou para mim. - Você o monta? - Sim, mas dessa vez vamos ter companhia. – ele parecia se divertir com a situação que nos encontrávamos, teríamos que montar um dragão. - Como se supõe que vamos te acompanhar, nós não montamos dragões, nem sequer temos um. - Mas é claro que vocês vão montar comigo nesse dragão, e além do mais vai ser muito bom ter companhia.

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- O senhor tem certeza que ele vai deixar que nós montemos nele? - Eu não me importo desde que não me machuquem. – disse o dragão com uma voz muito fina para ser uma grande fera. Nesse momento eu me assustei de verdade, nunca achei que um dragão poderia falar como uma pessoa normal. A partir daquele momento não desconfio mais nada nesse mundo, vou começar a tomar as coisas com mais calma. - Subam logo antes que eu me aborreça. – vociferou o dragão com uma voz ainda assim mansa. Marlëv nos ajudou a montar no dragão, nos carregando como se fosse a coisa mais fácil de fazer, nos fazia sentir como penas sendo içadas pelo vento. Depois que nos aferramos bem às costas do dragão, senti a sua respiração forte sob o meu corpo, então ele abriu suas grandes asas. Aquilo era como estar de novo realizando a manobra mais rápida que eu podia fazer, a sensação de poder voar agora se tornara realidade, nunca mais poderia esquecer esse momento. O vento trazia um aroma fresco vindo das montanhas mais ao sul, agora que estávamos do outro lado da montanha da morte me sentia renovado, sentia que podia começar tudo que quisesse e poderia concluir o que o destino me reservava. O chão a uma distância considerável passava tão rápido que mal podia distinguir uma árvore da grama ao redor, tudo era tão lindo visto do alto que nunca mais iria querer descer das costas de Skarvöet. - Estamos chegando perto. – disse Marlëv depois de meia hora de viagem – Daqui já podemos avistar a minha morada. – disse apontando para um castelo que estava a centenas de metros adiante. - Bela casa senhor. – disse um pouco encabulado.

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- Nunca ouvi ninguém dizer que tivesse algum defeito, queria que tivesse assim teria algo em que trabalhar nas horas vagas. - Não vejo nenhum defeito desta distância. – dessa vez foi Sophye que se pronunciou, ela parecia abismada com o tamanho daquela “casa”. - Que pena, esperemos estar mais perto para descobrirmos algum defeito. – disse ele sorrindo para nós, como se achar um defeito na sua morada fosse mais interessante do que derrotar um monstro. Chegamos pouco depois e o castelo era mais frondoso visto de perto do que visto à distância, mesmo com toda essa vasta e linda paisagem ao redor. Ao longe se via uma árvore de pétalas rosadas que estava sozinha no topo de uma pequena colina. O castelo tinha quatro torres, portas de madeira, de um tamanho incalculável. Toda a sua estrutura era de encher os olhos, as bandeiras no topo das torres indicavam cada uma delas um deus diferente, eram eles os deuses da vida, da morte, da luz e da sombra. - Vamos entrando? – perguntou enquanto a ponte descia para nos receber. - Sim. – dizemos ao uníssono. - Então... Depois de vocês. – disse enquanto esticava um braço em direção à construção gigantesca. - De perto tem muito menos defeitos que de longe, mesmo que de longe não tenha nenhum. – me arrisquei a dizer. - Obrigado Karyn, mas esperava que visse algum defeito em que poderia trabalhar. - Eu sinceramente, preferia a ponte preta com detalhes em prata, marrom é muito clássico. – disse em tom de zombaria. - Eu achava que marrom estava bom, mas já que você acha melhor, vou ver se faço alguma mudança. - O senhor tem cavalos?

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- Mas é claro que eu tenho cavalos, pequena. Que classe de cavaleiro seria eu sem alguns cavalos? – disse ele mostrando uma cara de tristeza enquanto dizia isso. - Continuaria sendo um cavaleiro, pois ainda tem um dragão. - Mas isso não me torna um cavaleiro, além do mais o dragão não é meu. - De quem é então? – arrisquei. - Ele é dele mesmo, nós somos apenas amigos. - Interessante, há quanto tempo se conhecem? - Uns cento e quarenta anos, eu acho. – disse pensativo. - Cento e quarenta anos? - Sim, cento e quarenta e três para ser mais exato, pequeno, e só para constar, eu tenho duzentos e trinta e cinco. – fez uma pausa e seguiu – Conheci os seus avôs quanto tinha apenas trinta anos, e estava em perfeito estado. Nesse momento, o tão fiel dragão planou ao longe, perto daquela árvore de pétalas rosadas, e depois de um longo momento subiu aos céus, tapando os rios de sol que chegavam até nós, indo embora. - Até outro dia. – dizia Marlëv acenando enquanto a ponte subia outra vez e tapava a visão do mundo exterior. Seguimos andando por um longo corredor, até que em certo momento ele parou um pouco antes que víssemos um quadro e começamos a admirá-lo, parecia que estava falando com algum empregado. - Continuamos? – perguntou quando nos alcançou. - Claro. - Mas antes pode me dizer quem está neste quadro? – disse Sophye apontando para uma tela onde havia quatro pessoas. - Vejamos, o mais jovem ali no canto sou eu. – apontou para uma figura esbelta, que já se sabia que era ele, só pela beleza,

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mesmo na pintura – Ali com sua linda espada é Mortan Mandrad. - O quê? – me assustei – Aquele ali é meu avô? - Mas é claro que é. O problema é que você o conheceu na sua velhice. – parou para me olhar um instante e seguiu – Aquele do lado do seu avô é seu avô. – virou-se para Sophye nessa hora – Um exímio mago, nunca vou me esquecer dele. – disse antes de fazer uma longa pausa, parecia se lembrar de algo. - E aquele outro que esta do seu lado? - Ah, aquele ali é meu grande amigo, ele foi o primeiro a morrer depois que essa nova besta surgiu. O seu nome é Malvelus Kandir. Continuamos o nosso “passeio” pelo castelo por mais algumas horas, visitando todos os cômodos e nos acostumando com o ambiente, decidimos ir jantar, na última sala que faltava visitar, a sala de jantar era luxuosa, cadeiras de madeira nobre em uma mesa imensa feita com a mesma madeira, e tinha as bordas em ouro, que combinavam com os detalhes das cadeiras, os talheres todos de ouro, e as taças de cristal, nos sentamos à mesa e logo veio um servente que escutou ao pedido de Marlëv e quinze minutos depois estava tudo em seu devido lugar sobre a mesa. Havia carne de todos os tamanhos e bebidas de todos os tipos, mas parecia que não tínhamos que dizer nada que ele já sabia das nossas vontades, e os empregados da casa também, nos serviam como desejávamos, sem nem mesmo pronunciarmos nenhuma palavra. Assim que eles se foram ele falou. - Desculpem por tomar a liberdade de dizer o que iriam comer e beber, mas é que sinto como se os conhecesse perfeitamente. – eu desconfiava que aquela frase fosse verdade. Sophye estava comendo um prato com vegetais de todas as cores, e uma bebida transparente que borbulhava loucamente, enquanto eu comia um grande pedaço de carne semi cru, e

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haviam colocado uma taça de sangue na minha frente, o vermelho do sangue brilhava através da transparência do cálice. Nesse momento dei-me conta de que Marlëv não tinha nenhum prato à sua frente, e não se alimentava. - Você não come, ou já comeu mais cedo? – atrevi-me a perguntar. - Boa pergunta, mas não, não comi mais cedo, eu também não como, nunca precisei. Só me alimento em momentos de desgaste intenso de energia, como por exemplo, se eu matar um dragão ancião, que é uma tarefa um tanto quanto complicada, aí sim eu iria me alimentar. - Mas, como assim, não precisa se alimentar? - Eu responderei a todas as suas perguntas quando acabarem de comer, enquanto isso desfrute da sua comida. Já na outra sala, sentados em poltronas individuais sentados diante do crepitante fogo, ele começou a falar. - Começarei pela pergunta que Karyn me fez mais cedo. – olhou para mim com uma cara de desculpas por não ter respondido antes – Bem, eu não preciso me alimentar porque a minha raça não é uma raça que precise, a não ser em casos extremos, como já disse antes. Já desconfiava que ele fosse de outra raça, só não tinha a mínima idéia de qual raça ele poderia ser. - Eu não sou de nenhuma raça que vocês conheçam. – disse como se soubesse o que eu estava pensando. - Então de qual raça o senhor é? – indagou Sophye. - Minha raça não tem nome especifico, já que ocorre raramente como acontece com a nova besta, ele é uma transformação de um vampiro em uma besta, pelo fato de morder um elfo. – fez outra pausa e seguiu – Já eu sou filho de um elfo e um vampiro,

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totalmente o contrario. E é por isso que sou assim, como podem ver, tenho características das duas raças. A conversa girou sobre as suas características toda a noite, até que chegou o momento em que precisamos ir dormir, já que era muito tarde e fomos para os quartos nas torres norte e sul do castelo. Sentia-me estranho estando longe de Sophye, sendo que havíamos passado por várias coisas juntos. No quarto me deitei na cama grande, com um cobertor de um vermelho intenso, me fez lembrar sangue e o sangue me fez lembrar da minha natureza, e de tudo que havia acontecido com a minha raça, as dificuldades que os vampiros e os elfos haviam passado para poder conquistar a sua liberdade. Fui olhar pela janela, por sorte ela mostrava uma paisagem linda, da janela do quarto dava para ver aquela espécie de montanha com a árvore de pétalas rosadas, a luz da lua caía exatamente naquela árvore. Decidi falar com Marlëv para ir visitá-la na manhã seguinte, então voltei para a cama e me deitei para dormir, os lençóis também eram do mesmo vermelho que o cobertor. Na manhã seguinte acordei com uns lábios pressionados contra os meus, imaginei que fosse um sonho, ou talvez fosse Sophye, mas então percebi que os lábios de Sophye eram mais macios que aqueles que estavam me beijando naquele momento, e também não senti o cheiro de cereja que ela emanava normalmente. Abri os olhos e na minha frente havia uma humana, em vestes pretas como a noite, se assustou quando abri os olhos e pulou para longe de mim. - De-desculpe-me... – disse envergonhada com a situação.

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- Não tem importância, mas por que estava fazendo aquilo? – não via problema, porque o que eu sentia por Sophye ia além de um simples beijo e aposto que ela não ficaria chateada com a situação. - Bem... É que eu não pude resistir... - Resistir? O quê? – não estava entendendo muito bem a situação. - Não pude resistir a você... – disse escondendo o rosto, mas mesmo assim ainda podia ver as suas bochechas avermelhadas de onde eu estava sentado na cama - É que você é muito bonito... Isso era a última coisa que eu esperava ouvir, eu era tão parecido com os outros garotos da minha cidade, queria poder ter sido tão bonito quanto minha mãe, ela sim era linda. - Eu? Bonito? - S-sim... Então entendi tudo, senti o cheiro diferente e percebi que ela era uma humana, os humanos viam formas perfeitas em nós vampiros, como nós víamos nos elfos. - Então está tudo bem. – foi o máximo que pude dizer naquela situação – Mas pode me dizer por que está aqui? - Eu sou empregada do castelo, estava limpando do lado de fora, então senti um cheiro doce vindo de dentro do quarto, e não sei por que não pude resistir. Percebi então que eu estava sem camisa, precisava me vestir, então agarrei a camisa que havia deixado no banco ao lado da cama e a coloquei. Ela pareceu não gostar daquilo, entender os humanos era uma tarefa difícil para mim. Então alguém bateu na porta. - Quem é? – perguntei levantando da cama. - Sou eu, Marlëv. – respondeu a voz do outro lado. - Pode entrar senhor. – respondi formalmente.

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- Obrigado Karyn, mas não tem que me chamar de senhor toda vez que se dirigir a mim. – fechou a porta atrás dele e se virou, vi uma leve expressão de curiosidade no seu olhar – Vejo que você e a Susan já se conheceram. Olhei para ela e percebia que ainda não havia me dito o seu nome, no momento que falei com acabei me esquecendo de perguntar. - Bom dia senhor. – ela disse se dirigindo a ele e saindo pela porta, antes de fechar acenou para mim. - Então, dormiu bem? – disse se sentando em minha cama. - Sim, sim, foi bem agradável, gostei principalmente da cor dos lençóis e do cobertor. - Eu escolhi pessoalmente, então, porque não desce para tomar café, Sophye esta te esperando lá embaixo. - Como ela está? – perguntei acompanhando ele porta afora. - Ela parece estar meio preocupada, talvez seja porque esteve longe de você durante um longo tempo. - Algumas horas não são um longo tempo. – para mim ainda eram um longo tempo se tratando de Sophye, mas decidi mostrar o contrário. - Bem, se é isso, então deve ser alguma outra coisa que está incomodando ela. Assim que entramos na sala ela se levantou e veio correndo me abraçar. - Que cheiro diferente é esse que tem em você? - O, o quê? – havia me esquecido que Susan havia estado no meu quarto assim que pensei em Sophye.– Não é nada, são os lençóis que têm esse cheiro. - Tudo bem. – disse ela se aproximando para um beijo.

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Voltei às nuvens naquele momento, já havia me esquecido daquela sensação de pureza, e voltei a sentir o cheiro de cereja emanando dela. - Vamos passear hoje não é Marlëv? - É sim, pequena. – disse sorrindo para mim. Depois do desjejum fomos pelo corredor até a entrada, pelo menos era o que parecia até ver um portão preto com detalhes prata, aquela não era a cor do portão de entrada. - Gostou? – perguntou Marlëv se virando para mim – Você me deu a dica, então resolvi mudar um pouco a cor. - Está perfeito senhor. – não podia acreditar que por minha causa ele havia mudado a cor do portão da entrada do seu castelo. - Já disse para não me chamar de senhor Karyn. – parecia que ele ia enfurecendo a cada vez que o chamava assim. - Foi sem querer... - Não se preocupe, só espero que não aconteça mais, só acho que isso me faz parecer mais velho do que realmente sou. - Então, para onde estamos indo? – indagou Sophye. - Para aquela árvore de pétalas rosadas. – meu sonho estava se realizando – A árvore de Zefryon.

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A árvore de Zefryon

O portão de entrada desceu completamente, então a luz invadiu aquele corredor escuro, os olhos de todos ficaram sem poder distinguir nenhuma imagem por um curto período de tempo, então a claridade voltou ao normal e o primeiro passo em direção à árvore de Zefryon foi dado, aquela viagem era o que eu mais esperava em todo o tempo que passei naquele castelo. - Então como se sentem ao estar ao ar livre de novo? – disse Marlëv se virando para nós e andando de costas. - Refrescante. – foi o que Sophye disse. - Emocionante... – dessa vez fui eu. - Então vão gostar desse pequeno passeio. – disse, e sorriu, parecia se sentir melhor essa manhã. Parecia que alguma coisa havia deixado o seu espírito elevado, talvez fosse porque iria fazer uma viagem, mesmo que curta, ou talvez fosse apenas por sair do castelo. - Esta calor hoje, não acham? - Sim, um pouco. - É tão bom poder sentir o ar puro roçando o rosto, não é mesmo? - Sim. – estava cada vez mais querendo perguntar por que estava tão alegre naquela manhã. - É uma pena que nem todos possam sentir o mesmo que nós estamos sentindo agora, não é? - Sim, posso lhe fazer uma... – ele me interrompeu antes que pudesse terminar a minha pergunta. - Eu estou feliz hoje porque há muito tempo eu não vou naquela árvore no topo daquela serra, e ela me trás lembranças muito boas, as quais eu prefiro recordar a lembrar do porque delas terem acabado como acabaram.

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- Entendo. – agora estava intrigado com o que acabará de acontecer, como ele sabia que eu ia perguntar aquilo. - Por que eu posso ler seus pensamentos meu pequeno Karyn, por isso eu pude saber o que você ia perguntar. - Como? Como alguém pode ler pensamentos? - Não é alguém que pode ler pensamentos, sou eu que posso lê-los e mais ninguém nesse mundo, cada um de nós “híbridos” temos uma habilidade especial, em toda a história, nenhum de nós teve a mesma habilidade que outro, fiquei sabendo que o anterior tinha a capacidade de levitar, mas também dizem que ele podia falar com animais, então não sei em qual historia eu devo acreditar. - Interessante. – nada mais saia da minha boca depois daquela explicação sobre o como ele era, por que ele não havia dito isso antes quando conversamos sobre ele na noite passada? - Por que eu esperava pegá-los de surpresa, e não iria contar quando estávamos falando sobre mim e sim quando ninguém desconfiasse. – eu já esperava que ele respondesse antes que eu sequer perguntasse. - Como você descobriu que tinha essa habilidade? - Para falar a verdade, eu não me lembro direito, minha pequena, só sei que um dia estava sentado na rua da cidadezinha que eu morava e pude ouvir que uns garotos estavam pensando em bater em mim, só porque eu era meio “diferente” deles, bem eles eram humanos, mas nenhum vampiro ou elfo quer me bater só porque sou “diferente” deles também, então pensei que alguém estivesse me contando aquilo, então procurei ao meu redor para agradecer, mas não havia ninguém. “- O que ele está fazendo, ele viu um fantasma por acaso?”, foi o que ouvi a seguir, então percebi que estava ouvindo o pensamento de um deles, a partir de então eu consegui controlar essa habilidade, ela me foi útil em inúmeras situações.

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- O que aconteceu com aqueles garotos que queriam bater em você? - Eles correram atrás de mim por horas, até que se cansaram e tombaram no chão, assim que percebi que eram os pensamentos deles que eu ouvia, comecei a correr o mais rápido que podia. - Bem interessante, queria poder ver essa cena. - Para ser franco você pode ver essa cena, não só você, mas qualquer um que souber usar magia. - Como assim? - Existe uma magia para ativar memórias e existe uma magia para ver memórias que foram magicamente invocadas. - Quando posso aprender essa magia? - Quando PODEMOS ver essa magia? – corrigiu Sophye. - Assim que chegarmos ao topo da serra, e além dessas duas existe uma que pode manipular essas memórias, fazendo com que o dono dessas memórias possa guardar segredos nelas, sem que ninguém saiba e assim, como pode colocar essas coisas, ele pode tirar. O silêncio tomou conta do momento, todos ficamos parados por um instante, até que Marlëv continuou a viagem, caminhando calmamente, todos o seguimos, parei para olhar e vi que o dia estava tão lindo como ele mesmo havia dito, e além do mais esse também era o meu sonho e percebi que estava tão feliz quanto ele, só pelo fato de estar a cada passo mais perto do meu desejo, cada passo era como um sonho que eu realizava, imaginei luzes guiando meu caminho até a árvore, como para marcar o caminho para que eu não me perdesse e pudesse chegar ao meu destino. Olhei para o lado e vi Sophye olhando fixamente para a árvore, ergui um pouco meu braço e me aproximei para segurar a sua mão, ela se virou e sorriu, eu sorri de volta, depois voltou a

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olhar para a árvore, parecia ter uma fixação extrema por ela, talvez nós três quiséssemos mesmo chegar naquela árvore. - No que estão pensando crianças? – perguntou Marlëv com uma cara zombeteira. - E ainda temos que contar? – perguntei também sorrindo. - É melhor quando os pensamentos são ditos pela própria pessoa, às vezes me sinto invadindo a privacidade das pessoas. – e fez um sorriso largo como para que desse para ver todos os seus dentes alvos e incluíndo os seus caninos um pouco maiores que os normais. - Marlëv? - Sim pequena. - Você já bebeu sangue não é mesmo? - Sim, eu já bebi. - Poderia me dizer que gosto tem? - Não tem como classificar o gosto do sangue, é algo diferente e especial, é um sabor quase divino. – então sorriu, o gosto do sangue que ele sentia era igual ao que eu sentia, talvez porque ele tivesse metade vampiro ainda tivesse algumas características como nós temos. Pensei nessa hora em que se ele tinha metade de cada um, quem seriam os seus pais? - Minha mãe era vampira, e meu pai era elfo. – disse virando-se na minha direção. - Eles ainda são vivos? - Sim, eles moram nas montanhas mais ao sul, quase no fim do continente. Ela se chama Maryn e ele Aleph. - Interessante. - Há quanto tempo você não fala com eles? – percebi então que Sophye era mais curiosa do que parecia ser, e então sorri, pelo fato de ainda não conhecê-la muito bem.

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- Alguns poucos dias, fui visitá-los para conversar sobre vocês e para receber alguns conselhos sobre a minha vida. – então sorriu. - Como assim conversar sobre nós? – fiquei um pouco intrigado – Se a poucos dias você ainda não nos conhecia. - Eu os conheço desde o dia em que nasceram. Que por sinal foi no mesmo dia e na mesma hora, teria sido melhor se tivessem nascido no mesmo lugar assim não teria que ter viajado de uma cidade para outra para conhecê-los. – voltou a sorrir com um ar de superioridade. - Para que você foi nos ver no dia em que nascemos? – Sophye se interessava por tudo que ele falava, esperava que um dia ele acabasse de contar tudo que sabia assim Sophye não teria mais que perguntar. - Como assim “para que?” – ele ficou um pouco frustrado com aquela pergunta, ou ao menos parecia – Eu fui visitá-los porque vocês dois são os que irão matar a besta, achei que já tivessem percebido isso. E não, não estou frustrado Karyn, apenas pensei que se lembrassem. - Desculpe-nos senhor. – pedimos ao mesmo tempo. A partir de agora vou guardar melhor todas as informações que me fornecidas, pensei sorrindo por dentro. - Falta pouco, parece que avançamos bastante. – disse Marlëv, andando de costas, como fazia para falar conosco, olhando a altura que nos encontrávamos. - Estamos a cada passo mais perto do destino... - O quê? – perguntou Sophye do meu lado. - Como assim? - Você disse algo sobre destino, eu acho. - Ah não, de novo não... – tinha acontecido outra vez. - De novo não o quê?

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- É que pensei alto de novo. – não acontecia desde o dia antes de atravessar a passagem e conhecer Sophye. - Pelo menos dessa vez ouvi a sua voz na hora do seu pensamento. – disse Marlëv rindo de leve. - Isso não é engraçado Marlëv. – disse tentando me impor – Eu tenho que me controlar na hora que for pensar, e ainda mais se eu estiver perto de você. - Só para avisar, se eu me acostumar com vocês, vou poder ouvir os seus pensamentos a mais de uma milha de distância. - Isso é impossível. – cada coisa nova que ele contava sobre si mesmo me assustava ainda mais. - Se fosse impossível, eu não poderia fazer. – e sorriu zombeteiro de novo. Chegamos ao pé da árvore, e ela era imensa, vista desde o castelo ela já era grande, e de perto, tinha o tamanho do castelo, nela podiam ser vistas linhas cor de esmeralda passando pelo tronco e pelos galhos, era mais linda do que eu havia imaginado, as folhas rosadas brilhavam ao sol, algumas poucas caiam, dessas poucas eu pude pegar uma para examinar, elas eram rosadas de onde eu podia ver, mas ao me aproximar eu vi pequenas linhas vermelhas passando por ela. - Sim, ela tem linhas vermelhas passando pelas folhas e por todo o tronco. – nesse momento Sophye pegou uma para examinar. - O que são exatamente essas linhas vermelhas? – Sophye perguntou ainda olhando para a folha. - Isso, é o sangue da árvore. - Então é a seiva, fica melhor dizer assim. - Não, não é seiva, é sangue, como o que corre por dentro de nossos corpos, essa é uma árvore especial como você pode ver, essa é uma das poucas árvores no continente que tem sangue correndo por ela.

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- Mas como isso pode acontecer? E para que serve para a árvore ter sangue correndo por ela? – dessa vez, eu parei para perguntar. - Como elas surgiram ninguém sabe, histórias contam sobre elas de milênios atrás, e ela serve para saciar a sede dos vampiros quando estão fracos e não há um animal por perto, como pode ver é isso que acontece nesse lugar, não há sequer um animal, a centenas de milhas daqui. - Entendi.

Ela aparece frondosa As suas folhas brilham ao sol

E o sol as presenteia com a vida A vida como conhecemos. O sangue que nela corre

É essencial para nós Ele nos serve

Quando não há mais nada As veneramos por toda a vida

Surgem onde vida não há Surgem para semear

O todo por lá - Esse é um dos exemplos de canções sobre essas árvores, essa era uma das canções que os seus avôs me ensinaram. - Falando neles. – Sophye largou a folha que segurava e se sentou – Para que eles te ensinaram todas essas coisas sobre nós. - Acho que vou ter que me sentar para lhes explicar, pequenos. - Então vamos saber mais não é? – perguntei enquanto me sentava junto à árvore também. -É. - Com o que começamos? – perguntou Sophye.

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- Com a sua pergunta inicial. Bem, eles me contaram isso tudo que eu sei sobre vocês e sobre a vida, apenas para uma coisa. - Para quê? – quis saber. - Apenas para ensinar vocês, pois eles sabiam que um dia eles dois iriam morrer e alguém teria que ensiná-los. - Mas como eles sabiam que seria você que nos ensinaria? Como eles tinham certeza que você não fugiria ou morreria antes? - Bem, a única coisa que pode me matar, é a mesma espada que vai matar a besta, e eu tenho pura certeza que vocês vão matar a besta antes de matarem a mim não é? – disse com um sorriso irônico estampado no rosto esperando por uma resposta positiva – Continuando, eles podiam ter certeza que eu não fugiria porque além deles confiarem em mim, e eu confiar neles, nós três havíamos feito uma promessa inquebrável, feita com magia antiga e somente a magia que vocês dois juntos podem criar é capaz de quebrá-la. - Você quer dizer que eu e Karyn somos capazes de fazer uma magia capaz de quebrar essa magia antiga, sem nem mesmo conseguirmos controlar os nossos poderes? - Eu não disse que vocês fossem capazes de fazer isso agora, até porque isso iria precisar de muito treinamento, antes de ser alcançado. -fez uma pausa para ver se iríamos perguntar mais alguma coisa, então continuou – Bem, agora vocês vão se separar dessa árvore, cada um para um lado. - Vamos buscar coisas de novo? – lembrei-me do dia em que nos separamos e quando voltamos vimos Klaudius morrer, espero que Marlëv não morra assim que voltarmos. - Pode se disser que sim. - disse olhando bem fundo nos nossos olhos – dessa vez não terão nenhum papel para ajudá-los, se encontrarem alguma dificuldade terão que se desenvolver sozinhos.

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- Então, para onde iremos? – questionou Sophye. - Você pequena, irá para o leste daqui, irá buscar água no primeiro rio que encontrar. Ela começou a andar assim que ele lhe deu as instruções. - Não vá ainda pequena. – olhou ela retornar e seguiu – E você Karyn, irá para o oeste, e trará a maior pedra que encontrar em um rochedo que eu conheço bem. - A maior pedra? – aquilo me deixou em dúvida diante daquela “missão” – Como se supõe que eu vá carregar a maior pedra? - Essa é uma pergunta que eu não posso responder. Agora vão os dois, os seus futuros dependem disso. O caminho que eu tinha que percorrer era uma planície, linda o suficiente como para me distrair na viagem, só tinha que tomar cuidado para ir em linha reta assim não iria me desviar e me perder do rochedo. A árvore de Zefryon estava longe o bastante, ainda não tinha percorrido muito, mas já podia perceber que ela estava diminuindo devido à distância. Avistei o rochedo depois de caminhar por várias milhas, porque se corresse gastaria mais energia que eu iria precisar para carregar a grande pedra. Essa era outra coisa que eu não sabia como fazer, tinha muitos problemas para resolver, talvez pudesse resolver problemas internos quando já soubesse como carregar a pedra no caminho de volta para a árvore. O rochedo era imenso, agora tinha outro problema. Como eu iria achar a maior pedra naquela infinidade de pedras de variados tamanhos? Decidi tirar do lugar uma pedra pequena, mas ela era tão pesada que eu não conseguia tirá-la do lugar. Decepcionei-me. Se eu não podia carregar aquela pequena pedra imaginei então o trabalho que me daria carregar a maior pedra do rochedo.

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Para achar a maior pedra eu tive que aguçar todos os meus sentidos, parei uma instante e olhei para as pedras de um lugar onde podia ver todas e aumentei os traços dos seus contornos para diferenciar os seus tamanhos. - AVERUS KRYP LETARE! – a maior pedra brilhou para mim, então, eu fui correndo na sua direção. Parei na frente dela e pensei em alguma magia que pudesse me ajudar a levitá-la, mas mesmo que eu encontrasse essa tal magia, eu iria precisar de uma tremenda força mental para carregá-la, a magia não era uma coisa fácil. Então me arrisquei a carregá-la, estendi meus braços para frente, para rodeá-la, então me concentrei apenas na pedra, canalizei toda a minha força e levantei-a. Assustei-me com a leveza dela, ela tinha o peso de uma pena. Então eu percebi, Marlëv deveria ter colocado uma magia em todas as pedras, exceto na maior, e por isso todas as outras, mesmo as pequenas eram tão pesadas que ninguém era capaz de carregar. Na viagem de volta, eu mal podia olhar para a paisagem porque estava carregando uma pedra leve, mas imensa na minha frente, e em momentos eu tinha que deixá-la no chão para ver se estava indo no caminho correto em direção à árvore. Em um determinado momento, quando eu deixei a pedra no chão, um forte vento vindo do norte chegou, e formou-se uma nuvem de areia, que eu não sabia de onde vinha, já que tudo ao meu redor era grama, então eu senti uma mão gelada, mais gelada que a minha pele agarrar o meu braço. Alí seria o meu fim? Quem seria aquele ser? Milhares de perguntas invadiram a minha cabeça. A dor que eu senti logo depois que aquele ser apertou meu braço foi tremenda, nada mais importava do meu corpo a não ser aquela parte na qual estava sentindo uma dor que eu imaginava

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ser a dor da morte. Então me virei e vi, um pobre senhor que pedia, pedia por qualquer coisa, contanto que lhe fosse dada. Só não entendia como ele havia chegado naquela planície e muito menos porque continuava ali para pedir algo a alguém que certamente não passaria por ali. - O que o senhor faz aqui? – perguntei na minha leve insensatez. - Me dê alguma coisa, por favor... – pedia com uma voz seca e desgastada pelo tempo. Virei-me e investiguei tudo que eu tinha eram as minhas roupas e a pedra que carregava. - Eu nada tenho senhor. - Por favor... – disse como se sua vida dependesse daquilo que eu fosse lhe dar. - Eu não tenho nada em absoluto. - Então terás que me dar a tua vida em troca. – uma voz muito mais forte ecoou de dentro dos seus pulmões. Assim que ele falou a sua forma transformou-se completamente, e então vi de onde vinha toda aquela força com que havia segurado o meu braço. Era um homem forte, bronzeado pelo sol, cabelos loiros e que parecia ter vivido mais do que esperava para servir a alguém que não desejava, mas adorava. - Eu... Eu não entendo... – aquilo me pegou de surpresa, tudo que eu podia entender é que estava prestes a morrer. - Vai entender depois que eu arrancar todos os seus membros. “Não, isso não pode acontecer.” Pensei comigo mesmo. Nada poderia tirar a minha vida, ainda poderia contar com a ajuda de Marlëv se assim quisesse, teria que chamá-lo pelo pensamento e ele estaria para me proteger em questão de segundos, chamava e chamava, mas nada acontecia, havia algo bloqueando os meus pensamentos.

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- Diga adeus a tudo que um dia foi seu, diga adeus a tudo que um dia poderia vir a ser seu e sofra seus últimos momentos neste plano. - Não! – gritei com todas as minhas forças, eu ainda queria cumprir o meu destino. - Então veremos como se sai diante disso. – disse enquanto da terra retirava uma espada imensa, deveria ser maior e mais pesada que eu. - AVERUS KRYPT KALARM! – da pedra com o peso de uma pena saiu uma espada que tinha o mesmo peso que o material do qual era composto, talvez Marlëv tivesse preparado esta batalha para mim, mas eu duvidava em relação a isso. O meu corpo começava a fraquejar depois de caminhar milhas e desenvolver duas magias de nível médio, meu corpo começava a sentir aquilo que eu ainda poderia suportar como dor. - Parece que aprendeu alguma coisa antes de morrer. - Parece que ainda tenho muito que aprender. - Antes de te matar quero que conheças o nome do teu assassino. - E qual seria? – os meus olhos começavam a expulsar a raiva que estava contida dentro de mim. - Sark Lëv. – disse sorrindo. Ele correu na minha direção, então brandi a minha espada para me proteger, pelo menos ela era leve e poderia me ajudar a batalhar sem gastar muita energia, a potência do seu golpe me impulsionou para trás, então melhorei a minha base no chão. Procurei pela barreira que impedia meus pensamentos de chegarem até Marlëv, então tive que caminhar metros até encontrar uma barreira que impedia até a mim de passar por elas. Utilizei a barreira como uma forma de fuga, quando ele desferiu outro golpe apenas desviei e ele bateu com tudo que

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tinha contra a barreira, fazendo com que o seu golpe voltasse contra ele, então vi uma abertura que me deixaria golpeá-lo. A força foi tamanha que nem eu consegui agüentar o golpe que havia desferido, senti um dos meus dedos quebrando no impacto. Nesse momento ele voou alguns metros e quando caiu, parecia que algo havia alertado ele de alguma coisa. Ele se levantou ainda disposto a lutar, uma cara de fúria era tudo que eu podia ver, ele largou a sua espada no chão e de algum lado tirou uma folha da árvore rosa, se aproximou, estendeu a minha mão, eu mal podia raciocinar, então ele colocou a folha na palma da minha mão e apontou um dedo, fez com que o sangue dentro corresse cada vez mais rápido até que a folha morresse. - Você é forte... –fez uma pausa e sorriu – Mas não chega aos nossos pés. Chegar aos pés de quem, aquilo me abalou, eu não conseguia pensar em nada, ele havia matado aquela folha, mas como? Ele havia acelerado a vida dela? Ou ele apenas a fez sangrar até morrer? Ele poderia fazer isso com qualquer ser vivo? Ele era subordinado da besta ou ele era a besta? Apenas o que pude ver antes dele ir embora foi a sua espada caindo no chão, aquela poeira que apareceu quando ele veio, apareceu quando ele se foi, quando a poeira abaixou, o nome dele na espada refletiu com a luz do sol, então caí ao chão.

Sob a luz do sol e da lua

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Acordei aos pés de Sophye e Marlëv e senti levemente uma baforada de ar quente e lembrei, Skarvöet poderia estar por perto também. - Veja! – era a voz de Marlëv – Ele parece estar acordando. Ouvi Sophye se remexendo ao meu lado, então a senti se abaixado e colocou a sua mão quente no meu coração. - Oi... – disse ainda fraquejando um pouco. - Oi, amor... – uma lágrima rolou e caiu nos meus lábios, não era salgada, mas sim doce, mais uma diferença entre vampiros e elfos, mas essa não era hora de pensar naquilo. Marlëv riu baixinho, deveria estar ouvindo meus pensamentos. Então abri os olhos e vi os olhos de Sophye fechados para conter as lágrimas dentro deles. - Ela pensou que havia te perdido. – disse dessa vez mais seca do que nunca, a voz de Marlëv. Então me levantei e fiquei sentado, e recolhi-a em meus braços por um longo tempo. Senti as lágrimas correndo pelo seu rosto e se juntando as minhas. - Está tudo bem amor, estou aqui, e nunca vou te abandonar. - Eu sei, só tive medo... - Não precisa se preocupar, se eu for morrer vou te avisar antes para que possa se preparar. – as lágrimas diminuíram um pouco, então nos separei e juntei os meus lábios aos dela. - Eca... – dessa vez foi a voz grossa de Skarvöet – Que coisa sem graça. Nesse momento o riso tomou conta de mim, ele ainda conseguia fazer caretas de nojo enquanto falava. Um dragão fazendo caretas não é algo que se pode ver todos os dias. - Deixe-os em paz, Skarvöet, eles estão em um momento íntimo. – disse rindo – Tanto é que vou me virar de costas.

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Nesse momento nenhum de nós foi capaz de conter as risadas, e acabamos rolando de rir na grama em frente à árvore. Uma folha caiu, então me fez lembrar do último que aquele maldito ser havia feito, o riso cessou e então me sentei reto e pensativo. - Marlëv? - Fale pequeno... - O que aconteceu comigo? - Não é uma longa historia... - Pode me contar? E com detalhes? - É claro que eu posso... - Pode deixar que eu vou começar... – disse a voz forte do dragão. - Então? Como foi? - Eu estava sobrevoando pelos arredores e vi vocês três subindo a serra então pensei que Marlëv iria aplicar um treinamento em vocês, então não me aproximei, vi vocês se separando e vim falar com ele. Depois de um tempo crendo que vocês estivessem prestes a voltar voltei a ascender. – fez uma pausa para me deixar pensar no que havia falado e continuou – Então a pequena voltou, mas você estava demorando demais, então sai à sua procura, vi que estava em uma batalha e vim avisar Marlëv. - Isso é parte da historia, pequeno. – disse Marlëv para que eu começasse a prestar atenção nele. - Conte-me o resto, por favor. - Bem, depois que Skarvöet saiu de novo, veio Sophye, então ficamos esperando por você, mas estava demorando muito. Sophye falou que de vez em quando você ficava sonhando acordado, então não nos preocupamos muito, até que Skarvöet veio e nos avisou que você estava batalhando. – fez uma pausa para respirar, então continuo - Corremos até o lugar e então ao longe eu vi o seu corpo caindo em meio à poeira.

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- Nessa hora comecei a chorar. – dessa vez Sophye se intrometeu na história. - Tive que deixá-la para poder ver o que havia acontecido com você, mas nesse momento, um montão de pedidos de socorro com a sua voz vieram na minha direção, então fiquei atordoado por alguns instantes. Percebi que uma barreira de pensamento havia sido quebrada, por isso não podia ter te ouvido antes. - parou para analisar a minha expressão e para ler meus pensamentos. Visto deste lado a história parecia grotesca, parecia uma batalha de vida ou morte que só tinha fim quando um caíse. - Então corri para ver se havia acontecido o pior com você, me aproximei o suficiente e ainda conseguia ouvir as batidas do seu coração, estava batendo uma vez a cada trinta segundos, então imaginei que aquilo havia sido demais para você, então chamei Skarvöet para te levar à árvore. - Onde fiz você comer algumas folhas, para que recuperasse a força perdida na batalha, que por sinal foi quase toda a que você tinha. - Carreguei o que lá havia ficado no chão e voltei até Sophye, ela ainda estava aos prantos e tentei acalmá-la, demorei um pouco, eu concordo, mas depois disso me acompanhou até a árvore com o que havia carregado e foi pouco depois que você acordou. Sophye pulou nos meus braços de novo, como se aquela explicação da cena a fizesse lembrar o sofrimento de me “perder”, mesmo que não tivesse sido desta maneira. - Então, o que havia ficado caído por lá? – perguntei ainda curioso com os acontecimentos. - Isso. – disse puxando duas espadas e um pedaço de pedra, e por último uma fita vermelha.

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- Essa foi a espada que eu fiz. – disse apontando para a espada feita de pedra. - Muito boa, se quiser a minha opinião. – dessa vez foi Marlëv. - Ainda tem que melhorar um pouco. – tentou dizer baixinho Skarvöet, só que a sua voz potente o impediu. - Essa foi a espada que ele empunhava. – disse lembrando-me da potência que aquela espada havia colocado sobre a minha, a levantei e percebi que era tão leve quanto a minha de pedra, com certeza aquilo era magia. - Uma boa espada, se pedir a minha opinião. – apontou Marlëv examinando a espada, e continuou – Não vem da melhor forja e mesmo assim está boa. - Existe alguma magia para mudar a aparência? – perguntei me lembrando que o atacante havia trocado a sua aparência na hora de lutar. - Sim, existe, e por sinal é uma das magias mais fáceis que existe, ela tem apenas um problema. – disse como se estivesse se lembrando de um momento que houvesse usado aquela magia. - E qual é? – indaguei no mesmo instante. - Se a pessoa que a usar não estiver concentrado nela em cem por cento do tempo naquilo que quer parecer, a magia falha. - Então é por isso que uma pessoa “transformada” não fala muito não é? - É. – disse antes de uma pausa – Como sabe disso? – indagou fixando o seu olhar no meu. - O atacante estava usando essa magia, creio eu, pois no começo parecia apenas um velho mendigo, mas depois mostrou a sua verdadeira face. - Interessante. - Tem algo importante nisso? – indaguei pensando que havia contado tarde demais.

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- Não, não por enquanto... - E essa fita vermelha? – lembrei de onde havia visto ela antes – Eu encontrei uma na frente da casa do meu avô no dia em que ele morreu, e a flecha que acertou Klaudius morreu. – nesse momento olhei para Sophye que parecia lembrar da cena. - Essa “fita” na verdade é apenas uma folha da arvore de Zefryon murcha. – parou um momento para olhar para a árvore que estava acima de nossas cabeças e continuou – Ela só aparece em um lugar onde foi consumida por um vampiro, ou então representa a morte. - Mas ninguém morreu naquela batalha. – analisei melhor a situação, mas Marlëv roubou as palavras da minha boca. - Pode ser uma forma de ter intimidar, penso eu, mas pode ser também que ele te considere um alvo fácil e te considere por morto já. - Outra pergunta é quem ele era... - Temos apenas o nome dele. – disse apontando para a espada – Mas de nada adianta. - Sark Lëv... – aquilo não fazia sentido – Isso está errado... - Por que diz isso? – perguntou Sophye – Você esta vivo, isso está certo. - Não é isso, eu estava fraco, prestes a desmaiar, tanto é que eu desmaiei depois, mas mesmo assim ele parou e se foi, ele poderia com um golpe me matar. - Talvez quisessem apenas te marcar, ou talvez o seu mestre não quisesse a tua morte tão repentina, ou talvez por mãos que não fossem as dele. - Tem que haver uma resposta para isso. - Agora não é hora de discutirmos isso. – disse Marlëv se levantando. Nesse momento dei uma olhada ao redor de onde estava. Não havia prestado atenção nas coisas desde que havia acordado. – Agora temos que voltar ao castelo para que vocês

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descansem. Você pela batalha. – disse apontando para mim – E você, pequena, pelo susto que tomou. - Tudo bem. – disse pegando a sacola ao meu lado e me pondo de pé. - Vamos indo. – indicou Marlëv rumando de volta ao castelo, que era do mesmo tamanho que a árvore à distância. A viagem de volta não foi tão cansativa, apenas começou a ficar mais frio assim que chegávamos ao castelo. No portão, já baixo, esperavam alguns empregados, entre eles estava Susan esperando com um olhar apreensivo, que desapareceu assim que viu que Sophye estava abraçada a mim. No dia seguinte começaríamos o treinamento.

O trabalho de um deus

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Olhando-me no espelho percebi que faltava algo, faltava um pouco de sangue correndo por mim, a minha beleza era plena. Via o mundo refletido nos meus olhos castanho-avermelhados, minha pele era mais lisa do que a água sem um toque, de um branco pálido, músculos não muito proeminentes, mas davam para ser vistos, e um belo par de asas negras, que com certeza eu nunca abriria mão nem mesmo por mais poder, aquilo para mim dava um toque especial. Estava totalmente diferente de quando eu nasci. Naquela época era um monstro horrendo, um rosto desfigurado, lábios partidos, hoje uma boca de lábios finos e carnudos, pouco vermelhos, devido ao pouco sangue que por mim corria. Era careca, e agora tinha um cabelo negro como a noite, que caia levemente, parecia que era feito de penas. Sai da frente do espelho e fui buscar algo para vestir, entrei no quarto das roupas e busquei por algo para aquele dia especial. Escolhi uma túnica negra, junto com umas calças também negras. Olhei-me na frente do espelho, outra vez, e as bordas brancas da túnica serviam perfeitamente para distinguir a túnica das minhas lindas asas. Fui até a janela da torre e me apoiei no parapeito, via apenas um lugar desolado, com uma pequena estrada que vinha na direção do castelo, e ao longe se aproximava uma carroça, ainda faltavam umas poucas horas até que chegasse ao seu destino. Alguém bateu na porta. - Quem é? – perguntei com voz suave- Quem é Larry? - Sark Lëv, senhor. - Ele demorou bastante. – ele havia demorado umas quantas horas depois que dei o aviso para voltar ao castelo – Diga-lhe que o encontro em uns instantes na sala principal.

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- Sim senhor. – a voz servil servia apenas para determinar quem mandava no castelo, sempre tratei todos iguais, não importando quem fosse. Apenas havia uma pessoa que merecia meu respeito, pensando bem, eram duas, mas uma valia mais que a outra. Vigiei um pouco mais a paisagem. Então me lancei pela janela até a grama na frente do castelo, aparando a queda com umas poucas batidas de asas, o pouso era leve, sempre era assim, eu não gostava da aspereza e da rudeza, além do mais eu não queria passar uma imagem autoritária. Bati três vezes no portão cinza do castelo e um mordomo abriu. - Vem uma carroça se aproximando Lewins. – avisei, enquanto entrava no recinto pela porta principal. - Bom dia senhor. – nesse instante parei. - Desculpe-me a rudeza Lewis. – fiz uma reverência e continuei – Tenha um bom dia também. - Obrigado senhor. – disse um pouco tocado pela minha ação, ele era o mais novo mordomo no castelo, parecia ainda não estar acostumado com a minha maneira de ser. - De nada. E, por favor, trate bem aqueles que chegarem naquela carruagem, em umas três horas eles devem estar chegando. - Sim senhor. Entrei e passei direto pelo corredor principal, entrando, não de súbito, mas alguma impressão devo ter causado, no salão principal, onde vi que Sark estava sentado no sofá vermelho. - Bom dia senhor. – disse se levantando e reverenciando. - Bom dia Sark. – o nome eu pronunciei de maneira seca, ele era um dos poucos empregados que eu não gostava – Por que a demora? – questionei enquanto sentava no sofá em frente ao dele. - Eu me precipitei senhor.

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- Faz bem em saber quais foram os erros cometidos. Me diga, o que havia lhe ordenado fazer? - Pediu para assustar o menino. - Você o assustou? - Sim, mas um pouco mais do que o necessário. - Um pouco? Ele quase morre Sark. – disse com um tom de raiva, que eu odiava em mim mesmo. - Mil desculpas senhor, o que posso fazer para compensar meu erro? - Nada. - Então, o que fará comigo? – parecia estar entrando em desespero, mas era apenas para disfarçar, eu sabia que ele não se importava com estar ali. Ele havia se posto contra mim e eu me interessei na sua força, era apenas temporário, nada mais. - Hoje virá um possível membro do castelo, se ele for bom irei te substituir e te deixarei livre para ir. – apostava minha própria vida em que ele estava festejando por dentro, deveria querer poder fazer qualquer coisa apenas para mostrar a sua felicidade, incluindo matar alguém – Mas até que eu não me decida você ainda terá que me obedecer. - Sim senhor. - Está dispensado. – disse começando a planejar o que faria naquela tarde. Acomodei-me no sofá e pensei no que faria por algumas horas, até que consegui organizar todas as idéias de uma maneira boa o suficiente. - Senhor. - Sim Lewis. – reconhecia todos apenas pela voz, estava com os olhos fechados apenas esperando o novo integrante chegar. - A carruagem chegou senhor. Gostaria que os fizesse passar?

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- Mas é claro caro Lewis, deixe-os passar e me traga uma xícara de chá. – me lembrei do plano, fiz uma pausa e continuei – E aquele frasco com o líquido verde. - Sim senhor. Alguns minutos depois os convidados estavam sentados onde estivera horas antes o sujo e baixo Sark, me limitei a pensar no assunto e comecei a estudar os convidados. Um era alto e magro, com uma roupa muito social, deveria ser o contratante então não perdi meu tempo estudando-o. O outro, uma jovem de alguns poucos anos, cabelos loiros, olhos azuis penetrantes, mas ao mesmo tempo cálidos e amorosos, uma boa estrutura física, roupa elegante, ao seu modo, mas elegante. - Boa tarde. – disse fazendo uma pequena reverência, ainda sentado. - Boa tarde. – disse o contratante, dando uma cotovelada no jovem que estava fixado no meu belo par de asas – Sou Karl Swart. - Gostou? Jovem? – disse questionando sobre as asas, vi um leve momento para fazer uma pequena brincadeira – Elas são genuínas. – disse me pondo de pé e batendo duas vezes as asas só para fazê-lo se focar no que eu diria, e para quebrar um pouco o gelo da situação – Qual é o seu nome, posso saber? – questionei usando uma voz suave. - Max Sart, senhor. – disse um pouco encabulado diante da situação que se encontrava. - Não se preocupe. Isso é normal, muitos ficam fascinados com elas. Elas são lindas não são? – já previa o que viria a seguir e isso me fazia sentir bem. - S-sim, senhor. – ele parecia não saber se devia ou não ter respondido, talvez porque pensasse demais nas coisas, ou talvez porque fosse tímido e nada mais.

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- Bem, como posso provar que você confia em mim e você possa me provar que eu confie em você? – questionei sem esperar a resposta. Nesse momento entrava Lewis com uma bandeja com o meu chá e o líquido verde que eu havia pedido, colocou tudo sobre a mesa de centro e saiu com uma leve reverência. - Bem. – disse me preparando para a situação – Não precisa me responder, eu tenho a solução para a pergunta que acabei de formular. Se você confiar em mim vai beber esse líquido verde, que eu posso lhe garantir não irá lhe fazer mal algum, e se você beber, terei uma prova de que posso confiar em você. - Isso é uma poção para a devoção? –perguntou o contratante. - Não, é apenas um líquido verde. – disse eu sorrindo, meus caninos não intimidavam muito, mas já serviam para alguma coisa. Busquei uma posição confortável no sofá para ver o que o rapaz fazia diante aquela situação, ele titubeava diante daquele líquido, enquanto olhava para o contratante e para mim. Eu lhe retribuía com um olhar penetrante, esperava pelo exato momento, ele começou a suar frio em determinado momento, percebi que estava prestes a acontecer, bebi um pouco do chá e apoiei a xícara meio vazia na mesa, e esperei pelo momento. Ele colocou a poção diante dos lábios, que vacilavam a entrar em contato com aquilo, que para ele era desconhecido, mas eu conhecia exatamente a natureza daquela poção, e era perfeita para provar a devoção de alguém. Ele começou a virar a poção, antes que o líquido tocasse seus lábios eu me movi, tão rápido quanto eu podia e parei o seu movimento, segurando firmemente a sua mão, ele não reagiu, talvez fosse inteligente o suficiente como para perceber o que aconteceria antes que acontecesse, talvez soubesse que aquilo

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iria matá-lo e ele havia considerado tudo que era possível antes de beber aquilo. Tirei a poção das suas mão e me afastei até uma planta que estava ali perto, derramei todo o conteúdo do frasco nela, ela murchou instantaneamente, o contratante me olhou com ódio, e eu sorri, voltei ao lado do jovem que estava duro como pedra. Encostei meu rosto no dele e sussurrei, com uma voz que de tão angelical, até eu mesmo me assustei. - Obrigado por confiar em mim. – beijei-lhe a bochecha, demorei um pouco por lá e continuei – Não sei se sou bom o suficiente como para merecer uma devoção semelhante. Senti que os seus olhos se preenchiam com lágrimas, encontrei então o momento perfeito. - Desculpem-me por um instante. Tenho que ir resolver um assusto urgente. – voltei ao lado de Max – Bem vindo a uma nova vida. – e então saí pela porta. Iria encontrar Sark naquele mesmo instante. Ele estava esperando exatamente pelo que havia acontecido, ele sabia que seria substituído, então havia preparado a sua ida. - Vejo que percebeu que iria embora. - É o que parece não é? – disse com um sorriso sarcástico no rosto. - Bem, pode ir, sem despedidas embaraçosas então? – disse já tendo o fim daquela história planejada. - Sim, sem despedidas embaraçosas. Ele já estava do lado de fora do castelo e mesmo assim pude ouvi-lo. - Até nunca mais, maldita mutação. Aproximei-me sem que ele percebesse, e mesmo que percebesse não teria remédio, e disse.

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- Até nunca mais, não sentirei sua falta, apenas te fiz sofrer um pouco antes de você sumir do mundo. Encostei meus lábios no seu pescoço, mesmo que pequenos, meus caninos ainda perfuravam perfeitamente bem, senti o seu sangue correndo pescoço abaixo, então o deixei cair ao chão, limpei-me e voltei ao castelo. Na porta Lewis estava esperando. - Pode limpar a sujeira, por favor, Lewis? - Sim senhor. – essa era mais uma qualidade de Lewis, ele nunca se importava por assuntos alheios, ou pelo menos não parecia... - Desculpem a demora. – disse entrando na sala principal e me sentando no sofá – Onde paramos? Limpei a última gota do sangue amargo de Sark que pairava no meu queixo, pensei que ninguém havia percebido, mas havia me enganado. - O que era aquilo no seu queixo senhor? – indagou o jovem Max. - Nada demais. – nesse momento já esperava uma série de perguntas, mas percebi que ele havia notado algo diferente e pareceu entender tudo. - Desculpe a intromissão. – percebi então que Max seria alguém que eu poderia confiar muita coisa, a devoção ia além de mestre e servo, ia até algo mais espiritual que eu não podia entender naquele momento. - Seria melhor se fossem buscar as suas malas Max. – disse procurando uma brecha para ter um pouco de noção do que teria que fazer dali pra frente, do que contaria para Max, se seria muito ou pouco, ou talvez algum dia ele tivesse que acabar como Sark. Esperei enquanto acabavam de colocar as coisas no novo quarto de Max, que acabou sendo um dos mais próximos ao meu. Eu mal usava o meu quarto, mas preferia considerá-lo como um. Talvez essa proximidade viesse a calhar em algum momento.

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Na manhã seguinte, depois que o contratante se foi, Max se aproximou de mim e perguntou. - Aquilo era sangue não é mesmo? – perguntou desafiante, nele havia uma alma decidida e isso eu percebi no mesmo instante em que colocou a poção próxima dos seus lábios. - O quê? – o papel de desentendido nunca funcionara tão bem comigo, mas tentei da mesma forma. - Eu sei que o senhor sabe muito bem do que estou falando. - O que você faria se eu te contasse a verdade? - Cuidaria dela como se fosse um segredo meu. – vi então uma possibilidade de ter um ponto de apoio em toda aquela história, eu podia ser considerado o monstro por muitos, mas para ele eu era muito mais que uma simples aberração. - Muito bem... – disse pensando na situação e do perigo que causaria se algo desse errado – Você será meu confidente. – nesse instante ouvi uma forte batida de coração, parecia que havia alguém atrás da porta do salão principal, desconfiei que fosse Lewis, e considerei que ele havia ouvido aquilo, ele era um dos meus mais antigos empregados, e eu nunca havia confiado nada a ele, talvez ele considerasse aquilo um insulto. - Eu? Seu confidente? – poderia parecer muito para alguém que se conhece a menos de um dia, mas eu via naquele jovem um futuro muito promissor, humano, mas promissor. Qualquer um pode se tornar um deus, não importando a sua raça, basta que seja lhe dado poder, e isso eu tinha, se alguém quisesse me derrubar, seria uma guerra entre deuses e não apenas mortais. - Sim, e terá que fazer um juramento. - Um juramento como? Com magia? –ele começava a duvidar, mesmo que pouco, das minhas atitudes. - Um juramento de sangue e magia, um juramento antigo. - Como ele pode ser quebrado?

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- Só existem três pessoas no mundo que podem quebrá-lo, e uma delas está falando com você. – ao expressar meu poder eu vi os seus olhos brilharem mais do que quando viram as minhas asas, vi que começava a me apreciar mais do que antes. - Então eu aceito. – disse com uma voz decidida, comecei a acreditar que me tornaria um deus mesmo antes de conseguir poder pleno. - Quando quer fazer esse juramento Max? – na hora em que falei, olhei o mais fundo que eu podia nos seus olhos e vi uma chama se acendendo para mim, e também para o seu futuro, aquela chama não se apagaria jamais, alguém iria carregá-la, se aquele pobre mortal morresse. - Pode ser agora? – vi a chama ganhar forma e tamanho diante dos meus olhos, aquilo foi o que sempre esperei em toda minha vida. - Mas é claro. – Disse segurando as suas mãos e me aproximando dele para beijar-lhe a bochecha, demonstrar afeto era melhor para conseguir algo que se quer. O pacto durou alguns minutos, e depois daquilo parecia que ele me apreciava mais, os seus olhos brilhavam, não sei se por devoção ou a emoção do momento apenas. - O que tenho que fazer agora? – questionou ainda sorridente. - Nada, apenas irá me ouvir quando quiser contar um segredo para alguém. Isso parecia haver sido a melhor das coisas que aconteceram na sua vida. O dia passou tranquilo, até tarde da noite quando decidi dar uma volta para arejar as idéias. - Para onde vai senhor? – indagou Lewis assim que cheguei no portão de entrada. - Vou dar uma volta, apenas para pensar.

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- Tudo bem senhor, tenha um bom passeio. – disse fazendo uma leve reverência. - Já pode ir dormir Lewis, eu não vou voltar tão cedo. – respondi com outra reverência. - Obrigado senhor. - Tenha uma boa noite Lewis. –não me sentia mal ao tratá-los de igual para igual aos meus empregados, eles valiam tanto quanto eu, eu apenas detinha o poder. Abri e fechei o portão por minha conta, eu não precisava daquilo, poderia apenas ter pulado da janela até o exterior, mas talvez tivesse uma necessidade de parecer mais normal do que eu mesmo poderia imaginar. O vento estava fresco, normal naquela região, mesmo assim não me fazia sentir frio, minha pele mais fria que o normal, mais fria até que a de um vampiro, não me deixava sentir nem o frio nem o calor, coisas que eu sentia saudades. Poucas vezes queria de volta as coisas que um dia eu tive. E nessas raras vezes me sentia só, sabendo que não havia mais ninguém no mundo que fosse igual a mim, talvez parecido, mas nunca igual. O mundo me tratava com desdém, alguns poucos, como os meus “empregados”, me tinham em uma posição elevada. Como se ser diferente fosse ser especial, ou talvez pelo meu aspecto, ou por falta de proteção, algo que eu podia brindar. A lua estava pálida, sem brilho, pouco intenso, de uma forma deprimente, fazendo com que quem a olhasse se sentisse um pouco triste, ou talvez apenas eu. A lua controlava quase tudo em mim. Naquela noite revivi tudo aquilo que havia se passado em toda minha vida, desde o momento que planejei me tornar alguém grande até agora, passando pelo momento em que me transformei, e pelo momento no qual eu me tornei o que eu sou hoje.

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O dia amanheceu lindo como nunca antes, era momento de voltar para casa, aposto que Max estava esperando com um chá ou algo do tipo, Lewis começaria a odiá-lo qualquer dia desses, começaria a matar um por um que no meu caminho atravessasse ao topo, de agora em diante Mark Leahy iria ser aquele que mudaria o mundo. Esse era o trabalho de um deus.

Quando a aventura começa

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O sono após a batalha foi muito mais longo do que o desmaio durante ela, minha cabeça estava doendo muito, sentia-a latejar, e não conseguia concentrar meus pensamentos, isso Marlëv percebeu, indagando todo o tempo como eu estava me sentindo e não adiantava mentir para ele, pois ele sabia exatamente o que eu pensava. Sentia-me preso entre o meu destino e a minha pouca capacidade de enfrentar uma batalha, Marlëv disse que só começaríamos o treino se eu me sentisse bem de verdade, até porque ele saberia o momento, sempre me curei rapidamente, esperava que agora fosse assim, levantei da cama de manhã. Naquele dia eu iria precisar de energia, não só pela batalha do dia anterior, mas também para melhorar logo e poder ir treinar, minha força de vontade superava os meus limites, ou pelo menos isso era o que eu imaginava e esperava de mim mesmo. Ninguém conhece os seus próprios limites, nem físicos, nem psicológicos. Sophye já estava sentada à mesa, esperando que eu acordasse para acompanhá-la remexendo uma uva com um garfo. Usei minha habilidade, um pouco escassa, para me aproximar furtivamente. Então lhe tampei os olhos por trás. - Oi... – disse com um sorriso se formando no seu rosto. - Bom dia. – beijei-lhe a bochecha e me sentei ao seu lado. Nesse momento cravou o garfo na uva e a levou até a boca com uma velocidade incrível. - Estava com fome não é? - Um pouco, por que, dá para ver? - Não, quase nada. – menti com um sorriso zombeteiro cravado no meu rosto. Peguei uma maçã estranha, de uma cor roxa, a primeira vez que via uma assim, dei uma mordida e senti o seu gosto, a

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melhor maçã que havia comido em toda minha vida, a comi inteira antes de voltar a falar. - Como foi a noite? - Tranquila, sem muitos sonhos, e a sua? – disse com um olhar esperançoso. - Foi boa, nenhum sonho. - Então daqui a alguns dias vai ter uma revelação, não é? - Não sei, talvez sim, talvez não, depende do mundo. - Espero que se houver, que seja boa. - Também espero... – mudei meu tom para um mais desolado, eu não gostava de ter que esperar pelas revelações de um futuro que mesmo sabendo o que poderia acontecer seria incerto, nessa hora Marlëv entrou na sala. - Bom dia, pequenos. - Bom dia Marlëv. – dissemos. - Como passaram a noite? – estranhei assim que perguntou. - Foi... – não deu tempo para Sophye acabar a frase. - Obrigado, já sei como foram, apenas estimulei seus pensamentos nelas para saber como foram. – e sorriu se sentando ao meu lado, pegando uma maçã. - Gastou muita energia? – perguntei ao vê-lo comer um pedaço da maçã. - Não, apenas quero me lembrar do gosto dessas frutas, um tempo sem comê-las deixa saudades. – e sorriu outra vez, o seu jeito alegre parecia criar alegria no lugar onde se encontrava, sempre era assim. A pessoa poderia estar quase morrendo que ele a fazia alegrar com apenas uma palavra, pelo menos era o que eu imaginava, nuca falei com ele quando estava quase morrendo. - Vamos começar o treino hoje? – Sophye indagou mudando seu olhar do dele para o meu, ela sabia que tudo dependia de mim para aquele treinamento.

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- Creio que podemos começar hoje. – me examinou cuidadosamente enquanto respondia, estava examinando melhor meus pensamentos – Seria bom que vocês se alimentassem antes de sairmos, e colocassem umas roupas m pouco mais aconchegantes, o dia parece estar frio lá fora, até para você Karyn. Enquanto isso irei tratar uns assuntos com os empregados do castelo, vejo vocês em uma hora no portão da frente. – disse enquanto levantava da cadeira levando consigo outra maçã. Levei Sophye até o seu quarto na torre oposta a minha antes de me dirigir ao meu, no caminho encontrei com Susan, que fez de tudo para me levar até lá segurando na minha mão. Na frente da escada ela teve que ir embora, e se ela não quisesse, eu a teria expulsado da mesma maneira. Subia as escadas circulares em poucos segundos e parei na porta do quarto, imaginei que houvesse algo me observando, então olhei escadas abaixo, mas não havia nada. Entrei com calma e me deixei levar pelo meu instinto para ver se encontrava algum som, cheiro estranho, mas não havia nada, as roupas que usaria naquela tarde já estavam sobre a cama, me vesti e me olhei no espelho. Uma túnica negra com detalhes vermelhos, com o meu nome escrito em runas no lado direito do peito, como se fosse uma marca para o meu coração, e antes de morrer precisassem saber meu nome, talvez estivesse sendo extremista, mas essa era a minha natureza. Umas calças também negras, combinando com a túnica, só que estas não tinham detalhes em vermelho, mas em branco. Pensei em fazer algo diferente, algo que ainda não havia tentado no castelo, outra forma de sair sem ser pelo portão da frente, olhei pela janela e vi a altura e o tamanho do rio que

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havia ao lado do castelo, me apoiei no parapeito e subi nela. Senti o vento que vinha do norte, abri os braços e pulei. Não era tão alto como eu imaginava que seria, o vento no meu rosto não me dava aquela sensação de liberdade, mas sim uma de perigo, de experiência nova, abri os braços no meio do caminho, tive que me virar para cair no chão. Assim que eu caí, a poeira subiu, não sei de onde veio, olhei para o rio e apareceram algumas pequenas ondas, talvez a queda tivesse sido forte, mas não era tanto para mim. Esperei até que Marlëv e Sophye saíssem, mas o portão não descia, Marlëv deveria saber que eu estava do lado de fora, e Sophye saberia por que ele haveria contado. Esperei um pouco mais e fiquei olhando para a janela do meu quarto e me lembrei que não havia fechado a porta, até que o rosto de Sophye apareceu pela janela e olhou para baixo, me viu e fez uma cara de reprovação. Depois disso, ela saiu sem dizer uma palavra, assim que sumiu da janela o portão começava a descer. Assim que o portão acabava de descer, eu via Sophye chegando ao lado de Marlëv para atravessarem-no, ele olhou para mim com uma cara zombeteira, mas sem que Sophye percebesse, depois sorriu como se eu estivesse em problemas. Sophye saiu do lado dele e se aproximou a mim. - Por que fez aquilo? Posso saber? – olhei para Marlëv e ele riu baixinho. - Eu apenas queria experimentar algo novo... – eu estava mesmo em sérios problemas. - E não podia ter avisado? - Como eu faria aquilo se eu pensei em pular no último momento. – surgiu uma idéia para me ajudar a fugir do problema – Ele - disse apontando para Marlëv – poderia ter lido meus pensamentos tranquilamente, coisa que eu tenho certeza que fez e sabia que eu iria pular, ele também não contou, e nós

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estamos aqui para receber a proteção dele, se ele quer me proteger, não deixaria que eu pulasse. – Olhei para ele, ele sabia que eu só estava fazendo aquilo para me livrar de um problema com Sophye e então sorriu. - Isso não interessa agora, eu me preocupo com você, não pode fazer algo tão perigoso assim sem dizer a ninguém. - Está bem. – não havia forma de acalmar aquela situação se eu não aceitasse a minha “derrota”. - Muito bem, seguimos em frente? – Marlëv perguntou se aproximando. - Sim. – disse Sophye esperando um pouco antes de falar. Aquela viagem poderia ser boa ou ruim, a depender do humor de todos nós. Começamos a caminhar, percebi que o caminho era o mesmo que havíamos feito no dia anterior. - Estamos indo para a árvore de Zefryon? - Sim. – respondeu Marlëv como se isso não importasse muito. - O treino vai ser lá?- aquele dia não estava sendo um bom dia para mim. - Não, é melhor esperar um pouco e vai saber de tudo. – disse olhando para o céu, como se esperasse que alguma coisa viesse de lá para salvá-lo de alguma situação na qual não queria estar envolvido. - Tudo bem, é bom ter surpresas de vez em quando. - Surpresas... – Sophye ainda estava afetada porque eu havia pulado da janela sem tê-la avisado, de agora em diante eu contaria tudo que eu fizesse para ela. A viagem foi rápida, poucas conversas, e percebi que Sophye ia se acalmando a cada passo que dava. Em um momento ela caminhou até mim e segurou a minha mão e eu a abracei bem forte. - Está melhor? –perguntei ainda abraçando ela. - Sim. – uma lágrima escorreu pelo seu rosto.

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- Está tudo bem, ninguém vai ficar chateado com você. Eu cometi um erro e não percebi quando o fiz, nada demais, tudo vai passar. – limpei a lágrima e soltei o abraço. Um pouco mais na frente que nós Marlëv aplaudiu, e riu baixinho. - Que emocionante... – disse fingindo estar afetado com a situação – Vamos lá ninguém aqui vai ficar chateado com ninguém não é mesmo? – perguntou vindo até nós e colocando uma mão no ombro de cada um. Agora eu via nele um protetor, um pai, um pai que eu nunca tive. Nesse momento uma lágrima rolou do meu rosto – Hey! Não fique assim Karyn, você teve um pai sim, e ele fez o melhor que ele pôde para cuidar de você. - Eu sei, eu apenas não me lembro disso, eu era muito novo, e ele se foi assim que Ally nasceu. - Não se preocupe com isso agora. Agora você tem que ser forte, e com essa força poderá talvez um dia vingar o seu pai é isso que as pessoas fazem, superam seus problemas. - Obrigado. – tive que abraçá-lo, não havia outra forma de expressar meus sentimentos naquele momento. Poucas lágrimas depois chegamos ao topo, onde estava a árvore de Zefryon, e ao longe eu vi que alguma coisa se aproximava até nós. - O nosso treino começa aqui pequenos, iremos agora a um lugar especial, onde aprenderão a ser mais fortes do que jamais sonharam. - Fortes como? - Fortes como guerreiros que são, aprenderão a arte da batalha, poderão enfrentar cinquenta guerreiros normais sozinhos. – fez uma pausa para se lembrar de algo e continuou – Se bem que um de vocês já fez isso, muito bem, serão capazes de enfrentar cem guerreiros. Pelo menos isso nenhum dos dois fez antes.

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Skarvöet pisou terra firme, então Marlëv nos ajudou a subir nas suas costas, então Skarvöet bateu as asas fortemente para se elevar com peso extra, que não seria muito comparado ao seu peso original. - A viagem vai ser um pouco longa, então vou poder instruir vocês com algumas coisas que iremos treinar. Mas agora desfrutem um pouco da paisagem. O que havia a nossa frente era desconhecido para nós, nunca havíamos ido tão a leste em nossas vidas, nem Sophye que já havia treinado com Klaudius havia saído muito da sua cidade natal. O chão sob nós era imenso ao longe se via uma cadeia de montanhas e um rio que parecia atravessá-la, mas eram dois rios um era para leste e o outro para oeste. - Vamos atravessar aquela cadeia de montanhas e seguir o rio até o fim, ele desemboca em um lago bem mais a leste. – disse Marlëv ao ler meus pensamentos. - Quanto tempo mais ou menos para que cheguemos lá? - Umas quantas horas pequeno, mas já vou lhes avisando, na volta não voltarão com tanta mordomia, voltarão a pé, essa será a última parte do seu treinamento, então é bom que descansem um pouco. - Acho que vamos sofrer Karyn. – Sophye olhou pra mim já esperando aquele treino, ela tinha mais experiência que eu nesse tipo de coisa. - É, mas vamos fazer isso juntos. - Um pouco no começo e um pouco no fim. - Como assim senhor? – indagou Sophye, ela não ficava feliz se passava muito tempo longe de mim. - Tem um treinamento especial para cada um então terão o seu tempo a sós comigo, cada um de vocês, quando eu achar necessário. - fez uma longa pausa para analisar os nossos

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pensamentos e as nossas reações diante daquela confissão – Vai ser bom para o futuro de vocês dois. - Espero que assim seja. – disse Sophye com uma voz desolada. - Vai ficar tudo bem. – disse passando um braço sobre os seus ombros. O espaço que havia sobre Skarvöet era gigantesco, tinha metade do tamanho da minha casa e a pessoa poderia andar sobre ele, se tivesse habilidade suficiente, como fazia Marlëv, ficava andando sobre Skarvöet, pensando em nosso treinamento, não muito bem em como seria, apenas repassando. Eu apostava minha vida que ele já havia planejado tudo e tinha revisado milhares de vezes, ele tinha tempo, coisa preciosa para uma pessoa perfeccionista como ele. - Bem, já é hora que saibam algumas coisas dessa viagem. – fez uma pausa para que prestássemos atenção a ele - Irão aprender magias mais avançadas, mas sem a minha ajuda, elas fluirão de dentro de vocês, a depender das suas necessidades. Irão aumentar a sua energia para poder resistir a uma batalha. – quando disse isso olhou para mim se lembrando do momento em que desmaiei contra Sark – E haverá um treinamento especial para cada um baseado nas suas melhores habilidades. - Como vamos saber quais são as nossas melhores habilidades? – eu deixava as perguntas para Sophye, ela sempre sabia o que eu e ela queríamos perguntar em comum. - Isso nós saberemos com o treinamento prévio, que será para os dois. - Por que o treinamento tem que ser naquele lago? – dessa vez fui eu quem perguntou, pois essa era a parte que mais me interessava de todo aquele treinamento, talvez houvesse algo especial do lado de lá, ou talvez ele quisesse nos fazer correr um longo caminho de volta para casa.

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- Porque na volta para casa, vocês terão que usar as suas melhores habilidades, para poder passar pelo terreno, ou pelo menos isso eu espero, pois já tenho uma noção básica de quais e como funcionam as suas melhores habilidades, por enquanto. – fez uma pausa curta e seguiu – Ou talvez descubramos as suas habilidades nesse treinamento, essas que vocês têm agora podem ser apenas provisórias. Depois dessa explicação, eu comecei a esperar cegamente pelo treinamento, sem me importar com o que poderia acontecer, eu queria saber quais eram as minhas melhores habilidades, eu acho que a melhor habilidade de Sophye é com as magias, ela foi capaz de criar uma magia, com pouca noção, para poder matar o urso na montanha a pouco tempo atrás, e agora que receberia treino ficaria muito mais forte em relação àquilo. - Quase ia me esquecendo. – disse Marlëv de súbito, eu duvido que ele tenha se esquecido de alguma coisa, ele seguramente fez suspense e nos deixou pensando em tudo antes de dar o golpe final, uma boa tática pensei. – vou ensiná-los sobre a vida e a morte, com experiência própria. - Vai nos contar histórias sobre a vida e a morte? – perguntou Sophye de forma inocente. - Não, vão experimentar o quão bela é a vida, e o quão ruim, e dolorosa pode ser a morte. - fez uma pausa, para examinar os nossos rostos, e disse calmamente – Não, eu não vou matar vocês, apenas uma experiência. - Mesmo assim vai ser doloroso? - Se não for, de nada vai adiantar, pequena. - Vai dar tudo certo. – passei um braço sobre os seus ombros. Muitas vezes me via em uma posição onde dizer que ia ficar tudo bem era o melhor que eu podia fazer, eu teria que libertar meus sentimentos naquele treino, eu teria que me tornar alguém

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melhor, não apenas com os outros, mas sobretudo comigo mesmo.

Sobre a vida e a morte

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Assim que chegamos acima das montanhas pude ver o que vinha a nossa frente, era uma planície imensa, tudo era tão verde quanto era atrás daquela cadeia de montanhas. Na altura que estávamos o frio era intenso, mas criamos uma pequena chama para poder nos aquecer, e continuamos viagem, bem esperamos que Skarvöet chegasse logo ao seu destino. Eu estava ansioso pelo que nos esperava mais adiante, entravamos ali como jovens com um destino traçado, e sairíamos de lá como guerreiros capazes de enfrentar todo o mal que poderia existir. Sophye dormia um pouco aconchegada com a chama e o pouco calor que Skarvöet liberava pelas suas costas, que era suficiente como para que não morrêssemos, enquanto Marlëv olhava o horizonte, eu espero que não seja lá no horizonte que nós vamos treinar, já estava sendo cansativo agüentar toda aquela viagem sem fazer nada haviam passado umas duas horas desde que Marlëv havia dito que faltavam umas poucas horas. O sol estava quase alinhado com o meio-dia, esperava não passar muito mais tempo naquela viagem, o sol depois de um tempo fazia mal a nós vampiros, e eu espero que Marlëv tenha se lembrado disso no momento que programou a viagem. - Não se preocupe Karyn, eu lembrei perfeitamente. Pode acordar Sophye? - Para que? – indaguei com um tom fora do comum, eu não gostava de ficar muito tempo sem nada para fazer, talvez fosse isso que tivesse mudado a minha atitude, eu estava sentado e sério, sem nem saber o porque. - Porque estamos quase chegando. – disse tentando emanar pensamentos positivos para que minha atitude voltasse ao normal.

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- Pode ficar despreocupado, meu humor vai voltar ao normal assim que pisarmos terra firme. – avisei com um sorriso estampado no meu rosto. - Assim espero pequeno, porque se continuar assim pode gerar problemas para você mesmo. - Eu entendo. – disse um pouco frustrado. O tempo passou mais rápido do que eu esperava, a cada milha que avançávamos a temperatura ia caindo e o ar ia ficando mais pesado, começava a ficar um bom lugar de treinamento avançado. Com aquelas características do terreno e do ambiente nós poderíamos nos desenvolver muito mais rápido do que em um clima cálido. Chegamos a um lago congelado e desmontamos das costas de Skarvöet. O frio atacou, não tão forte como para me fazer sentir o frio, mas percebi porque Sophye estava quase morrendo de frio, até que conseguiu equilibrar a sua temperatura corporal. - Já pode ir Skarvöet. – disse Marlëv dando uns tapinhas nas costas do grande dragão. - Ele vai voltar assim que vocês tiverem que ir embora. - Mas nós não íamos fazer a viajem de volta sozinhos? – perguntei, pois aquilo me fez duvidar do que Marlëv dizia naquele momento. - Ele vai voltar para me buscar. – sorriu – Se eu acompanhar vocês não vou poder ver a expressão de vocês dois assim que chegarem ao castelo. – Então soltou um risinho abafado. - Engraçado! – disse sarcasticamente Sophye, olhando para a cara dele, talvez fosse porque não fosse gostar do treinamento, ou talvez porque não quisesse fazer a volta ao castelo sem a companhia de alguém experiente.

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Naquela noite descansamos. No outro dia acordamos assim que o sol nasceu. Que não era bastante tarde. O treino começou com magia simples para que pudéssemos nos lembrar do básico, para desenvolvermos o complexo por nós mesmos, criando novas magias ou então utilizando-as para vários fins, e até misturamos algumas para ver o resultado, algumas tiveram resultados excelentes, e outras foram tão desastrosas que Marlëv nos disse para nunca mais usá-las! No outro dia passamos ao treino de batalha, básico, mas mesmo assim continuava sendo de batalha. Começamos com espadas de madeira, para que ele pudesse avaliar o que nós éramos capazes de fazer. Já de tarde, depois de caçarmos algumas coisas para que pudéssemos recuperar as energias usamos as mesmas espadas de madeira, mas era para que ele nos ensinasse técnicas novas, coisas que nós seriamos capazes de fazer no final do treinamento, como por exemplo, desferir um golpe com a espada usando uma mão e usar a mão livre para agarrar a espada do oponente e usá-la contra ele no mesmo movimento. Na manhã seguinte, ao acordar com o sol mal iluminando a grama em uma clareira perto do lago, ouvi água escorrendo. Percebi, então, que os dias que vinham seriam dias quentes, Marlëv me avisou que não criasse esperanças, pois quando o treinamento acabasse os dias seriam frios outra vez, parecia que ele havia programado para que não fossemos embora em dias felizes para nós. Continuamos o treino com espadas, só que dessa vez com espadas normais, que eram muito mais pesadas que espadas de madeira, ele usou magia para que as espadas não nos cortassem, então praticamos novamente o básico, até que pudéssemos passar para o treino complexo nos levou uns três dias, mas conseguimos. Então ele prometeu que no dia seguinte caçaríamos, e se nos saíssemos bem na caçada, aprenderíamos

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movimentos mais complexos, incluído os que ele conseguia fazer melhor, brincou dizendo que não faríamos como ele, mas talvez conseguíssemos alguma coisa. Já no outro dia acordei com a voz de Sophye me chamando para ir caçar. - Você não caça desde que chegou ao treinamento não é? - É. – resmunguei ainda meio dormido. - Então, não acha que esta na hora? Vai melhorar seu rendimento com a espada e com a magia. – disse tentando fazer com que eu ficasse sentado para acordar direito. - Tudo bem, eu vou, mas pelo menos me deixe acordar direito. - Ok. – então saiu e trouxe uma bacia com água. - Obrigado. – disse antes de mergulhar o meu rosto na água gelada – Você fez isso não fez? - Sempre me preparo para conseguir te acordar. – respondeu ela sorrindo, e vindo se certificar de que eu estava realmente acordado. - Tudo bem, agora acho que estou mais do que disposto para ir caçar. - Vejo que estamos animados hoje. – disse Marlëv enquanto aparecia da floresta – Estava dando uma olhada, e não tem nada de muito perigoso que vocês possam enfrentar na floresta. - É o que parece, não é? – perguntei para ele me levantando de onde eu estava. - Quando caçar, vai ver que o seu rendimento vai aumentar. – mudou seu olhar de mim para Sophye e continuou – Já que você não se alimenta do sangue de nenhum animal, andei dando uma olhada, e tem uma planta que pode te dar energia também, só tem que tomar um pouco de cuidado quando a achar, ela é bem parecida com uma planta com um veneno mortal.

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- Vou tomar cuidado. – respondeu Sophye, já pensando no que poderia fazer para não sofrer nenhum acidente com plantas inesperadas para aquela viagem de treinamento. - É bom irem andando. – disse Marlëv se sentando e pegando uma faca para esculpir algo em um pedaço de madeira. - Você poderia fazer isso usando apenas três palavras e magia. – disse antes de sair para caçar um pouco junto com Sophye. - Um dia vai aprender que fazer as coisas com as próprias mãos previne você de coisas indesejadas e te dá experiência, pequeno. – disse ele e se despediu de nós com um aceno, ainda com a faca bem afiada na sua mão esquerda Ele era destro, mas como me disse um dia, é bom treinar todas as partes do seu corpo que você possa crer que são inúteis para você, pois com a experiência poderá se livrar de problemas futuros. Então deduzi que aquele seria um dos momentos, mas eu não conseguia ver muita importância em talhar madeira com uma mão que não corresponde aos seus hábitos. A floresta tinha poucas árvores, mas a quantidade ia aumentando a cada passo que dávamos para longe da clareira. As árvores iam ficando maiores, e o com os troncos mais grossos. Ainda podíamos ouvir o som do rio ao longe mesmo adentrando fundo na floresta. Sophye se separou assim que eu avistei uma manada de cervos de Glaërd. Ela disse que ia empenhar a sua busca naquela planta que Marlëv havia falado, eu falei que se por acaso encontrasse a planta errada mandasse um sinal telepático. A manada de cervos não me ouviu quando me aproximei, esperei e analisei o porte de cada um, como eu sabia que iria precisar de energia para o treinamento avançado decidi que iria precisar dos três maiores. Eles estavam separados do bando como se esperassem que alguma coisa estivesse prestes a os

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atacar, então percebi que os animais tinham um instinto avançado para se preparar contra algum ataque. Procurei um ponto estratégico, o mais próximo possível para um ataque contra os cervos, me escondi atrás de um arbusto, então pulei contra um deles, o maior, o mais rápido que eu pude, me impulsei com uma árvore e ataquei o segundo, o terceiro havia ficado encurralado, então não precisava de muita coisa para atacá-lo. Ele se virou tentando fugir, mas atrás dele só havia uma árvore, então o ataquei e comecei a me alimentar. O resto dos cervos saiu correndo, fugindo do perigo, eu me desculpei, pensando que entenderiam o meu ponto, mas pareceu não agradá-los. O sangue estava ainda quente, tinha bastante energia, pois além dos cervos terem sido os maiores eles se alimentavam com plantas com bastantes proteínas e minerais, assim que acabei de me alimentar eu ouvi, um grito telepático vindo de Sophye que estava mais ao sul, o meu único impulso foi sair correndo para ajudá-la. Corri pela floresta em direção ao “grito” havia muitos caminhos, mas eu sabia qual eu devia seguir, eu estava duvidando, se ela havia comido a planta errada, ou talvez tenha sido atacada por alguma criatura da floresta, pelos meus conhecimentos sobre pegadas, pegadas de cinquenta centímetros não eram um bom presságio. A encontrei desmaiada no chão, e vi que não havia nenhuma planta como Marlëv havia descrito, mas havia no lugar dela uma besta das montanhas, que eu não entendia como havia chegado tão longe e se adentrado tão fundo na floresta. Ela urrou e veio na minha direção, eu tentei fazer um escudo mental, mas não adiantou a besta o quebrou com facilidade, sem nem perceber que ele existia. Foquei-me no que faria adiante, peguei a minha faca de bronze e dei uma estocada no seu flanco direito, ela

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urrou o mais alto que eu poderia imaginar e me deu um golpe nas costelas, imaginei que alguma delas havia quebrado, mas não tinha tempo para pensar naquilo, então dei outra estocada, desse vez no flanco esquerdo, e ela caiu agonizando no chão, não podia deixá-la viver, então cortei-lhe o pescoço e corri para Sophye ainda com a faca gotejando. Na mão dela havia um ramo de folhas vermelhas como sangue, iguais as que Marlëv havia dito que recuperariam as energias dela assim como o sangue recuperava as minhas. Peguei-as da sua mão e tentei acordá-la para que se recuperasse, mas de nada adiantaram os meus esforços, tive que reanimá-la com magia, aquilo me desgastou um pouco, então peguei uma folha vermelha e mastiguei até que se desintegrou, senti a energia correndo por todo o meu corpo, então Sophye abriu os olhos. - Coma. – disse lhe entregando o punhado de folhas vermelhas. - Mas isso pode me fazer mal. – proclamou, me entregando as folhas de volta. - Não tem problema, eu já me certifiquei disso. – disse para confortá-la. Ela pegou o punhado de folhas e foi comendo uma por uma, se recuperando a cada minuto, até que ficou em cem por cento e se levantou comigo do lado e olhou a besta caída no chão. - Você que fez isso? – perguntou apontando para a besta. - Sim, qualquer coisa para salvar você. – disse dando-lhe um abraço bem apertado. - Que bom que é assim. Agora vamos voltar, Marlëv deve estar nos esperando ansioso para continuar o nosso treinamento. Assim que estávamos chegando perto da clareira ouvimos um par de vozes conversando, eu reconheci uma delas como sendo a de Marlëv, a outra parecia uma voz espectral. Quando a voz sumiu, nós nos aproximamos.

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- Com quem estava falando? – perguntei, na mesma hora esperei por uma resposta cortante e furiosa, mas não foi bem assim. - Vamos ter que adiar o treinamento avançado para amanhã de manhã. – disse fazendo um gesto com a mão como quem diz que não importava. - Tem alguma explicação? – dessa vez foi Sophye que perguntou. Aquilo não soava muito bem aos seus ouvidos. - Um pequeno problema. – respondeu enquanto se sentava ao lado de uma árvore – Tenho que pensar no que faremos daqui para frente, remodelar as minhas idéias. Nunca o havia visto tão desolado, eu o conhecia a pouco, mas ele era uma pessoa que eu nunca iria esperar que enfrentasse o inesperado, ele era uma pessoa que eu poderia dizer que conhecia o futuro, o que aconteceria com ele e com quem estava ao seu redor, mas mesmo assim era o futuro. Aquilo pegou de surpresa a todos, Sophye parecia abatida, o seu “herói” estava derrotado, não só o dela, ele era uma fonte de inspiração para tudo o que eu fazia, ele era alguém que eu queria me guiar, ele era minha fonte de força de vontade, bem que ele nunca precisou, ele sempre foi especial, nunca precisou de ninguém, mas ele era alguém de quem eu precisava e eu tinha certeza que um dia conseguiria ser como ele, ele dizia que nós éramos capazes de superar tudo que ele já teria feito, mas eu desconfiava. Naquela noite nós comemos pouco e fomos nos deitar, era difícil dormir naquela situação que nada se sabia sobre o problema. O som do rio correndo era calmo, e deixava o sono melhor, mas o vento fazia o contrário, e ficava pior a cada segundo que passava, parecia que havia uma tempestade se aproximando.

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Eu estava parado na mesma clareira que havia dormido, mas não havia nenhum dos meus pertences, mesmo que poucos, e não conseguia ver nada além das árvores ao redor dela, Marlëv e Sophye também não estavam. Eles não me deixariam assim sem nada no meio de uma clareira em uma noite tempestuosa sem nada, nesse momento percebi que não havia nenhuma tempestade, também não conseguia ouvir o rio. Gritei os seus nomes o mais forte que os meus pulmões permitiam, mas não ouvi nenhum som em resposta, não conseguia ouvir as criaturas da noite, tentei me aproximar da borda da clareira, mas havia uma força me impedindo de sair do lugar onde eu estava parado. Então veio uma voz familiar. - Karyn! Socorro me salve! – era a voz de Ally, não ouvia há muito tempo, mas no instante em que eu ouvi a reconheci e ela estava correndo perigo. - Ally! Onde você está?! – gritei esperando que eu a pudesse ouvir de volta, mas nada veio de novo. - Ela nunca mais vai voltar... – disse uma voz rouca, soava como o mal, aquilo era a voz mais assustadora que eu já havia ouvido em toda a minha vida – Você não será capaz de salvá-la... – nesse instante a voz parou e foi substituída por outra voz familiar, mas não era a de Ally. - Karyn... – sussurrou a voz da minha mãe – Por favor, nos ajude... – e sumiu na escuridão. - Elas não podem mais te ouvir... – a voz sombria estava de volta – Elas nunca mais poderão ouvir a sua voz... - Ally! Mãe! Voltem por favor! – gritei desesperado, com o que parecia o meu último ar. Então o pesadelo acabou. - O que aconteceu? – Perguntou Marlëv assustado, quando eu acordei no meio da noite gritando pela minha família. - Elas... Elas... se foram...

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- Quem? – perguntou perplexo. - Minha mãe e a pequena Ally. - Oh não... – disse em um sussurro longo. - Você sabia e não quis me contar! – gritei empurrando-o para longe. - Eu não tinha certeza, isso foi o que o espírito veio me dizer ontem, eu queria ter certeza antes de poder te avisar. Eu pensei que os espíritos quisessem me pregar uma peça. Eu acreditei no começo, mas depois do que eles me disseram sobre o que aconteceu com a sua mãe eu não acreditei. - O quê? O que aconteceu com a minha mãe? – as lágrimas escorriam pelo meu rosto, não havia nada que pudesse conter a minha emoção, a família que eu prometi cuidar quando era o único que me restava estava indo embora de mim. Não, alguém estava tirando de mim, eu mataria quem estivesse fazendo aquilo, eu mataria a sangue frio, sem me importar se também tivesse família. - Ela... Morreu... – disse em um sussurro mais baixo que o anterior. Percebi que ele não queria acreditar naquilo, se ele pudesse chorar ele haveria chorado tanto quanto eu, ele podia sentir o que eu sentia ao ouvir aquelas palavras, e eu sabia que ele não tinha palavras para me confortar. - Não... Eu não posso acreditar nisso... – aquilo estava me consumindo por dentro. - Os espíritos vêm comentando isso a dias. – disse ele - E dizem também que a sua irmã foi sequestrada. - Vou me despedir de Sophye. – disse assim que fiquei sabendo daquilo, a raiva e o ódio estavam me consumindo por dentro, queria acabar com aquilo urgentemente. - Sophye. – disse assim que cheguei ao seu lado e a sacudi para acordar – Estou partindo. – ao ouvir aquilo, ainda que meio dormida, acordou assustada.

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- Não, você não pode ir assim. - Eu tenho que ir. – comentei – Minha mãe está morta e minha irmã foi sequestrada. - Não, eu não posso acreditar nisso. - Mas foi o que aconteceu. – tentei dizer aquilo contendo as minhas emoções, mas mesmo assim uma lágrima escorreu pelo meu rosto – Eu tenho que ir. – beijei os seus lábios, pelo que poderia ser a última vez. Senti o que parecia ser a morte chamando por mim, tudo que me restava fora tirado de mim, se um dia eu morresse, eu não sentiria dor tão grande como essa que acabei de sentir...

Volta ao lar antecipada

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Peguei a minha faca de bronze, um pouco de água e uma folha da árvore de Zefryon que eu sempre carregava comigo desde o dia em que quase morri contra Sark. Comecei a correr em direção ao castelo, pois de lá poderia pedir ajuda para que Skarvöet me levasse até a minha casa, esperei que não chegasse muitíssimo tarde, pois atrasado em relação ao acontecimento eu já estava, chegaria lá em dois dias se eu me apressasse o suficiente. A floresta ia começando a ficar densa, as árvores estavam muito mais juntas do que desde a clareira. Seguia o curso do rio, me guiava pelo som dele vindo da minha direita, começava a sentir a elevação da montanha, eu sabia que teria algumas dificuldades para alcançar o topo, mas se eu não conseguisse alcançar o topo, não seria capaz de enfrentar aquilo que havia seqüestrado a minha irmã e matado a minha mãe. Caiu a tarde e ouvi um uivo vindo da floresta, parecia aquele monstro que havia enfrentado quando Sophye havia pedido ajuda, mas aquele uivo tinha a magnitude do berro quando o outro morreu, percebi então que teria problemas, o monstro seria maior, teria um poder maior e talvez fosse o líder de um bando, não iria gostar que o bando estivesse com ele quando fosse atacá-lo, ou ele me atacasse. O uivo soou novamente, mas dessa vez estava mais perto, eu havia me aproximado, e ele também, talvez andasse com seu bando, pois havia se movido pouco, talvez estivesse protegendo-o, eu deveria lutar apenas contra o maior, do mesmo jeito que com os cervos, ou contra todos, mas eles não eram tão covardes quanto os cervos. Pelo que parecia aquelas bestas atacavam todos aqueles que se infiltrassem no seu território. Segui o uivo, até que os vi em uma clareira, se protegendo um com as costas do outro, apenas um estava fora daquela formação, era o maior e tinha uma cicatriz nas suas costas.

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Estava se mexendo como quem procurava o perigo, e uivava para avisar para quem causava o perigo não se aproximasse, era um aviso da sua força, esperei o momento certo, no lugar estratégico eu já estava. Então no momento certo eu pulei para dentro da clareira. Segurei a minha faca de bronze como se fosse a última coisa que pudesse me salvar naquela batalha. Ele urrou, ao invés de uivar ele avançou na minha direção, desviei no último momento e ele se bateu contra uma árvore, quando a soltou ela despedaçou-se. O sol no alto da clareira me iluminou, dentro da floresta sempre parecia ser de noite, mas naquele momento o sol me revigorou. Ao refletir na lâmina da minha faca lembrou-me de fogo, então através de magia encantei a faca e ela ficou incandescente. O fogo não era tão forte como para me fazer largar a faca, mas também não era fraco demais como para não fazer efeito. Ele avançou outra vez, e desta vez eu não desviei, enfiei a minha faca no seu flanco direito, os pêlos no seu corpo começaram a queimar, mas ele parecia ter um pouco de raciocínio, pegou uma espécie de tigela com água e jogou na parte que estava queimando. Desferi outro golpe, mas dessa vez ele desviou e acertei uma árvore, ela começou a queimar instantaneamente, mas o fogo não se espalhou para o resto das árvores ao seu redor. O fogo crepitou na lâmina, ela continuava tão afiada quanto no começo, mas o excesso de fogo poderia fazer com que ela começasse a derreter e os ataques não surtiriam efeito, então, teria que acabar com aquela luta naquele momento. Ataquei-o pelas costas no momento em que se levantava, pois havia tropeçado no momento do desvio, foi apenas um golpe de sorte, mas mesmo assim consegui acertá-lo, ele caiu e rasguei-

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lhe as costas ao meio. Enquanto o sangue jorrava as outras bestas saiam amedrontadas daquela clareira. Saí da clareira com a faca ainda quente pelo fogo, e com sangue. O gosto do sangue daquelas bestas era totalmente diferente de todos que eu já havia provado, tinha um toque de mel, talvez fosse porque era daquilo que eles se alimentavam, ou talvez fosse da sua natureza. O sangue recuperou parte da energia perdida naquela luta, mesmo que curta custou de mim um pouco de magia e desgaste físico, ainda não havia tido o treinamento r contra o desgaste físico, porque por um motivo importante, que eu odeio lembrar, tive que sair para resgatar o que restava da minha família. A floresta voltava a perder árvores assim que saia da parte mais densa, a medida que me aproximava eu podia sentir como a temperatura ia caindo, já havia experimentado o frio das montanhas no topo, em comparação aquilo ainda não era nada. Tinha que pensar em uma forma de subir aquelas montanhas, teria que procurar uma boa estrutura, e teria que me preparar contra os problemas que poderiam surgir. Cheguei à borda da floresta, assim que a floresta acabava, começava a subida para a montanha, antes havia uma inclinação, dentro da floresta, como se as árvores parassem para dar passo àquela cadeia de montanhas. O branco da neve parecia refletir a luz do sol da manhã, me deixava com a vista ofuscada, ainda conseguia enxergar perfeitamente, mas aquilo poderia atrapalhar ao tentar ver objetos ao longe ou então saliências na montanha na hora da escalada. Encontrei uma parte com bastantes saliências perto da base da montanha. Dava para subir uns duzentos metros sem problemas. Mas ainda assim havia um grande problema, a montanha tinha dois quilômetros de altitude. O que eram duzentos metros diante de dois quilômetros?

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Comecei a escalada com as mãos nuas tocando a neve, sentia o vento forte no meu rosto, não havia muitas saliências mais ao alto, mas com pequenos impulsos e precisão seria capaz de chegar ao topo. Cheguei na metade da escalada, me sentia bem porque e quando chegasse no topo, saberia que a descida seria muito mais fácil. Faltando apenas umas poucas centenas de metros comecei a sentir o frio da neve em minhas mãos, pelo contato excessivo, comecei a me sentir um pouco cansado, na realidade um pouco seria pouco! O cansaço tomava conta de mim, o frio se espalhou por todo o meu corpo a medida que eu avançava na escalada, estiquei a minha mão para a minha bolsa e tirei a folha da árvore de Zefryon e comecei a beber o sangue de dentro dela, senti o calor percorrendo o meu corpo, desde as pontas dos dedos dos pés, até a raiz dos cabelos. Consegui chegar ao topo em pouco tempo, depois de recuperar as minhas energias, percebi que teria que ter começado aquele treinamento muito antes, assim seria capaz de enfrentar o que viria pela frente. Olhei para o outro lado da montanha, a parte da descida seria mais fácil, mas não por isso menos perigosa, havia muito mais defeitos nesse lado do que no lado da subida. Pulei para uma saliência o suficientemente grande como para aguentar o meu peso, fui descendo pouco a pouco, sempre procurando bases grandes o suficiente como para suportarem o meu peso. Não era muito pesado, mas mesmo assim a queda seria forte graças à gravidade. Tive apenas um deslize, que me custou um pouco de sangue na perna esquerda. Geralmente quando estava ferido, e se tivesse bebido sangue, era muito mais fácil para sarar qualquer ferida, levava apenas alguns segundos. Gostava do sangue pelo seu efeito instantâneo. Nesse momento eu avistei mais perto da base

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uma cabra montanhesa, pensei que poderia servir muito bem para sarar as minhas feridas e me dar um pouco de energia até que chegasse ao castelo de Marlëv. Ela pareceu perceber que eu ia me aproximar, então tentou fugir, mas não existe nenhum animal vivo que consiga escapar de um vampiro, mesmo que jovem, onde a habilidade é imensa, além do mais eu havia sido treinado por Marlëv para poder avançar mais rápido, foi apenas um treinamento teórico enquanto ainda estávamos no castelo. Nesse momento lembrei-me de Sophye, como ela poderia estar sofrendo por que eu tive que sair correndo sem nenhuma explicação completa dos fatos, esperava que Marlëv explicasse o ocorrido para ela e pudesse se acalmar, seguindo com seu treinamento, incluindo o especial. A situação parecia muito mal contada, qual a possibilidade de que uma pessoa esteja treinando para poder ficar melhor contra “o mal” e assim que começa o treinamento “o mal” ataca aqueles que ele mais ama? Era quase impossível imaginar que aquilo tinha que acontecer justamente comigo, eu que era destinado a acabar com “o mal” era atacado pelo “mal” e nem havia me dado conta daquilo, tive que ser informado por outros, nem o meu lado sensitivo estava funcionando corretamente naqueles dias. O treinamento tinha que ser adiado, mas me foquei na idéia de que se as pessoas que eu mais amava continuavam em perigo constante, não me importaria com o treinamento e iria em frente sem seguir as instruções de desenvolvimento mental e físico de Marlëv. Só o que eu queria naquele momento era chegar ao castelo e implorar a Skarvöet para que me levasse até a minha cidade natal, implorar, porque ele não tinha a obrigação de me levar, era uma decisão dele. Para ele todas essas coisas afetivas não iam muito além de se acostumar a viver perto de alguém e criar um laço muito estreito, eu podia dizer que ele só havia criado laços muito bem

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firmados apenas com Marlëv, e depois de vários anos de reconhecimento. Acompanhei o vulto do suposto animal até que a descida pela montanha acabasse, em um território plano era mais lento, e a aproximação estava sendo fácil, até que de algum lugar por perto, enquanto corria atrás do animal, algum outro vulto humano se aproximou correndo pela lateral, se agarrou ao animal e sumiu no vento como se nunca tivesse existido. Parei, me sentei e coloquei as minhas mãos sobre a cabeça, estava frustrado, talvez estivesse tendo alucinações, vendo animais que não existiam, e me sentindo só, teria que parar para descansar as idéias, eu poderia ser um vampiro e ter uma raça superior a dos humanos, mas ainda assim era um mortal e tinha minhas frustrações e problemas emocionais. Havia uma pequena floresta não muito longe de onde haviam desaparecido aqueles vultos. Fui até a orla da floresta e me adentrei porque conseguia ouvir o rio e sentia a necessidade de me refrescar um pouco, correr desesperadamente atrás de um animal que com certeza teria sido uma criação da minha cabeça era traumatizante, talvez o fato de ter perdido as pessoas mais próximas a mim estivesse mexendo com o meu interior. Com certeza o fazia emocionalmente, mas tinha dúvidas sobre o que estava acontecendo com o meu psicológico. Aproximei-me do riacho e me sentei perto da beira, encostado em uma pedra grande e cinza, que tinha um pouco de musgo em um dos lados, que era o que a correnteza do rio geralmente atingia, me sentei no lado oposto e coloquei a minha mão no rio, para sentir a suavidade da água passando enquanto repensava as idéias. A pedra atrás de mim continuava gelada, assim como estava quando eu cheguei, a água do rio passava pelos meus dedos, como um véu de seda leve. O sono tomou conta de mim, meus olhos começaram a se fechar, enquanto a água fazia

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cócegas na minha mão, antes de cair em um sono pesado, me agarrarei um pouco mais forte à minha adaga de bronze, me acalmando com a sensação fria que ela passava, não havia nada tão reconfortante como uma peça de bronze frio. E lá estava eu outra vez, mergulhado em sombras, com uma voz a me estilhaçar a cabeça. Desta vez, a voz de pronunciou forte, como se estivesse por perto. Uma luz pairou sobre mim, eu a agarrei, era uma esfera luminosa. Assim que entrou em contato com a minha pele, a sua intensidade aumentou iluminando tudo ao meu redor, se bem que tudo continuava negro como antes, mas uma criatura apareceu. Nada que eu pudesse alguma vez ter sonhado. Parecia uma cobra que acabava de trocar de pele, era de um brilho verde esmeralda, tinha olhos rachados, mas não era mais uma cobra quando percebi que andava sobre quatro patas, patas fortes, para uma criatura como aquela. A sua voz ressoou dentro de minha cabeça por um longo tempo.

Quando o sangue derramado For tocado novamente

Tudo aquilo que lhe foi roubado Terá um preço a ser pago

O sonho de vingança A conquista esperada

Virá... Mas com uma incerteza

Se o certo a fazer É aquilo que se deseja

Ou aquilo que se espera Dentro de cada um há uma resposta

Cada um tem uma chave

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Para abrir uma mesma porta Todas as chaves abrem a porta

Mas cada chave abre um destino novo O mais forte cairá

E o mais fraco não alcançará a porta O mais forte seria

Aquele que conseguirá o seu desejo O mais fraco seria

Aquele com o melhor destino O mais forte teria

A melhor solução para o problema Aqueles que chegam ao destino

Tem que ter todas as chaves As suas

E as de seus amigos Tem que ter todas as respostas

Inclusive aquelas Que não lhes foram perguntadas

Tem que ter toda a coragem Que um dia lhes foi dada Tem que ser capaz de ver

Além do horizonte Tem que conseguir

Passar a porta e chegar ao fim Sem derramar uma gota de sangue

Ou uma lágrima sequer Aguentar as dores

Sem sofrer por dentro Segurar os céus

Enquanto caem sobre todos Plantar na terra

Uma semente de esperança

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Dar ao mundo Uma nova chance

De viver Dar a todos

Uma nova chance de escolher Qual chave usar...

Um pedido, uma história

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A sua voz se foi, mas ainda conseguia ouvir as suas palavras uma e outra vez, com vozes diferentes, vozes de todos aqueles que haviam me ensinado alguma coisa, desde a minha mãe e minha irmã, até Marlëv e Klaudius. Continuei encostado na pedra repensando tudo que aquela criatura havia me dito, parecia tudo sem sentido, se eu passasse as falas rápido, mas tudo tinha um significado, como daquela vez que uma voz veio me falar do meu destino. Eu tinha que descobrir o significado daquelas palavras, mas também tenho que chegar até o castelo de Marlëv. Levantei-me da pedra, lavei meu rosto com a água do rio, assim que a água tocou no meu rosto eu ouvi a voz da criatura mais forte do que nunca, assustei-me e cambaleei para trás. Recuperei-me, agarrei minha adaga e coloquei-a na bainha dourada, presa a minha cintura, então segui viagem em direção ao castelo. A floresta já ia se esvaindo a cada passo que eu dava, as árvores iam perdendo o seu tom de verde forte, a copas ficavam cada vez mais baixas, até que mal passavam a minha altura. Nas duas últimas árvores da floresta eu me encostei e escondi para verificar a vasta planície que vinha pela frente. Comecei a correr pela planície, o vento era mais forte do que na floresta, mas era um pouco mais seco, pela falta de umidade vinda das árvores. O trajeto que eu teria que fazer seria de aproximadamente duas horas de viagem de corrida, sem nem um segundo de descanso, isso se não houvesse nenhum problema à minha espera no meio do caminho. Eu tinha que contar a Skarvöet sobre o meu sonho, talvez ele pudesse entender o que tudo aquilo significava. A esperança de uma resposta simples para uma pergunta tão complexa fez com que o tempo da corrida passasse rápido, até demais. Consegui chegar ao castelo antes mesmo que me desse conta de que eu já estava correndo pelos campos verdejantes

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perto da árvore de Zefryon e estivesse adentrando nos terrenos do castelo. Assim que me aproximei Skarvöet apareceu por cima da construção, voando com magnificência. Quando pousou ao meu lado, a grama se balançou freneticamente, enquanto todo o seu peso criava uma tempestade. - O que faz aqui pequenino? - Eu preciso da sua ajuda. - Disso eu já sei, mas para que precisa da minha ajuda? – o seu tom seco nas respostas às vezes causava fúria nas pessoas, mas nesse caso eu mal o percebi. - A minha mãe está morta, e eu preciso ver a minha irmã. - Como eu poderia te ajudar nessa situação? - Pode me levar até Glorienn? - Eu tenho que pensar nisso por um tempo. - Eu tive um sonho... – arrisquei a dizer. Nesse momento ele parou de pensar e olhou fixamente para mim. - Que tipo de sonho, pequeno? - Havia uma criatura, e uma revelação... - Como era essa criatura, pequeno? - Parecia com um dragão, mas não tinha asas, e parecia uma cobra, mas tinha quatro grandes patas, era verde, e quando falava ele não mexia a sua boca... - Oh, não! – exclamou Skarvöet. - O quê? O que tem demais nisso? - A criatura que você viu no seu sonho é um Braülek. - Um quê? - Braülek, é uma criatura da água, mais especificamente de rios, e rios bem longos e fundos. - Mas como eu ia vê-lo se nunca nem sequer havia ouvido falar dessas criaturas e muito menos estava em um rio longo e fundo no meu sonho.

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- Quando você adormeceu você estava perto de algum rio? - Eu estava do lado daquele rio que corta as montanhas, mais especificamente, estava com uma mão dentro da água quando adormeci. - Agora está muito melhor explicado. Essas criaturas são criaturas de revelação elas aparecem para aqueles que tem sérios, e quando falo em sério são realmente muito sérios, problemas. - O meu único problema é que minha mãe está morta... - E também tem o problema do seu destino, e o de Sophye, talvez a morte da sua mãe esteja relacionada com o seu destino, pequeno. - Então, vai poder me levar para Glorienn, ou não? - Não é assim que se pede um favor, pequeno. Mas sim, eu vou levá-lo até Glorienn, apenas porque está passando por uma grande dificuldade. Assim que alçamos vôo depois de pagar algumas coisas dentro do castelo, comecei a lhe contar o meu sonho, o mais explicado que eu pude, das mudanças no tom de voz, e de como tudo voltou à escuridão assim que o Braülek sai do meu campo de visão. - Isso tem muito a ver com o seu destino, pequeno. - Mas como? - Não conseguiu enxergar? - Não, se eu conseguisse, não teria te pedido ajuda com isso. - Não trate assim aqueles que são mais sábios e mais fortes que você, pequeno. Vou te explicar, ele falou de uma chave, essa chave é o poder que cada um de nós tem dentro, esse poder variar de acordo com o destino de cada pessoa. A sua chave e a de Sophye são as mais fortes que eu poderia imaginar no momento. - Então isso quer dizer que nós pereceremos?

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- Não, eu não quis dizer que vocês dois perecerão como disse o Braülek, o que irá perecer será o mais forte, no caso é aquele que vocês têm que enfrentar e esse alguém é o monstro que se formou. - E quem seria o mais fraco? - No caso, eu acho, seria: A mais fraca. - E que seria A mais fraca? - A sua mãe. - Mas por que a minha mãe? Ela nem sequer está no caminho entre o monstro e nós. - Mas que ela esteja no seu caminho ou não, não a impede de ter “O melhor destino” como diz no sonho, o melhor destino é ser mãe, ou pai, é ter a possibilidade de dar vida a alguém. - Mas e minha irmã? - O que é que ela tem? - Ela, ela deve estar sofrendo pela perda da sua mãe. - Eu não poderia te confirmar nada, mas pode ser que ela não esteja mais lá. - O quê? Você quer dizer que ela está morta também? - Não, ela não está morta, se não você já o saberia. - Então o que aconteceu a ela? - Creio que eles vão usá-la contra você. - O que você quer dizer com isso. - Eles podem tê-la sequestrado, ou algo do tipo. Podem usá-la contra você se estiver sequestrada realmente, usá-la como uma arma contra você, ou então podem te atrair para uma armadilha. - Eu não vou cair em uma armadilha. - Espero que você não caia em nenhuma. - Mas e se eles não a seqüestraram, e ela não estiver lá, o que teria acontecido a ela?

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- Essa é uma pergunta com infinitas respostas, pode ter caído em depressão e tentado se matar, pode ter fugido para qualquer canto do mundo, pode... - É bom parar por ai. – a sensação de perder mais alguém da família era devastadora – Espero que ela não tenha sido sequestrada, que não tenha tentado se matar, nem tenha fugido para qualquer lugar, nem nada parecido. - Todos assim esperam. A viagem continuou silenciosa com breves comentários sobre a temperatura e os ventos, vindos de Skarvöet. O vento naquela altura era refrescante, e me dava uma sensação de alívio. Ele me disse para cochilar um pouco durante a viagem porque precisaria de energia quando pisasse em terra firme de novo. O vento começou a ficar mais frio à medida que a noite caia, o ar gelado começava a me deixar com um pouco de frio, se eu precisasse eu poderia me aquecer com o calor que Skarvöet emanava. Voltei a descansar um pouco, e assim que acordei, podia ver o sol nascendo no horizonte. - Bom dia, pequeno. – Skarvöet era um dragão, de aparência dura e meio insensível, ele até poderia ser seco com as palavras quando era necessário, mas quando se passava um bom tempo ao seu lado, ele podia ser tornar um dragão extremamente dócil e sensível. - Bom dia. - Aqui encima não temos comida, mas me lembro de ter visto umas folhas de Zefryon na sua sacola, pequeno. - Obrigado por me lembrar, você não está cansado nem nada parecido? - Não, eu estou acostumado com longas viagens, e além do mais, naquela hora que você apareceu no castelo ontem eu tinha acabado de caçar. - Bom pra você, que tipo de animais você caça?

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- Cervos, ursos pardos, animais que guardem guarde quantidade de energia. - Posso te fazer uma pergunta um pouco pessoal? - Sim, se eu achar que não devo responder te darei um por que à altura. - Obrigado. Você tem família? Digo de dragões, se você me entende. - Eu tinha, mas prefiro não falar no assunto. - Desculpe... - Não há porque se desculpar, pequeno. É apenas um passado do qual eu me orgulho, mas não quero lembrar muito, pois é repleto de emoções fortes. - Entendo. - Agora eu lhe pergunto sobre a sua família, você não fala muito nela, pequeno. - A única família que me resta é minha irmã e meus poucos amigos, bem poucos. - O que aconteceu ao resto? - Meu pai abandonou a minha mãe antes de Ally nascer, e minha avó está morta. Minha família se resume a minha mãe, minha irmã e meu avô. Meu avô, depois de se libertar dos conflitos que teve antes, passou a ser o contador de histórias da cidade, minha mãe era cozinheira, e eu e minha irmã apenas aprendíamos na cidade, até que abriram o último caminho a uma cidade élfica ao lado da nossa, onde eu conheci Sophye e Klaudius, que passaram a fazer parte da minha família. Agora depois da morte de Klaudius, eu encontrei você e Marlëv, também fazem parte da minha pequena família, eu apenas não quero que tenham o mesmo destino do resto dos meus familiares. – me atrevi a sorrir assim que pronunciei as últimas palavras, e uma lágrima rolava pelo meu rosto.

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- Então estamos praticamente iguais em termos de família, pequeno. Temos que nos acostumar com a nossa situação e nunca deixemos que piore. - Nunca... – mais outra conversa com Skarvöet um pouco antes de alcançarmos o nosso destino. A luz do sol inundava a planície em direção à Glorienn, já podíamos ver a cidade de pequenas casas se formando, não muito longe de onde estávamos. Eu podia sentir o cheiro familiar de estábulos e festa, de bebidas que todos tomavam, e podia também sentir o cheiro da morte, da perda e da dor. Skarvöet pousou a uns poucos quilômetros da cidade, dizendo que não poderia ser visto por ali, pois se não começariam a desconfiar de certas coisas. Eu me despedi e comecei a correr em direção ao portão da cidade, que a esta hora da manhã já estaria aberto. Não pisava naquelas terras há quase um mês, nada havia mudado muito na cidade, mas minha família não teria mais que pisar ali, nunca mais, aquela cidade parecia ter uma maldição com ela. O portão estava aberto como eu imaginava, e lá estava o mesmo guarda sonolento de sempre, que acenou quando passei. Ele não desconfiava de ninguém que não tivesse aparência humana, todos os outros podiam passar normalmente, aquilo um dia seria ruim para a cidade, mas por hora não seria bom me preocupar com isso. Já conhecia todas as ruas, qual cruzava com qual, quantas casas havia em cada uma e desconfiava de quantos viviam em cada uma, dezesseis anos vivendo ali com tempo de sobra para sair e olhar a cidade te dão um plano bem grande de como se mover por ela. Cheguei à minha casa passando apenas por três ruas diferentes. Vacilei ao olhar para a porta, parecia como que não havia acontecido nada, que tudo fora apenas um sonho, e que eu era

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apenas um vampiro normal como todos os outros, que não tinha nenhum destino diferente do de ninguém. Mas não, agora é a hora de enfrentar todos os meus problemas, eu tenho que aceitar quem eu sou. “O mais fraco cairá...” Pensei enquanto cruzava a porta de entrada da casa, que agora estava silenciosa, onde sempre havia um cheiro adocicado, agora havia apenas o cheiro da morte e da dor. Aproximei-me das escadas e fui em direção ao quarto da minha mãe, no passado eu nunca havia entrado nele, a primeira vez seria para ver um cadáver, o cadáver da minha própria mãe. A cena era totalmente diferente daquilo que eu havia imaginado, ela estava deitada com um vestido branco, com os braços cruzados sobre o seu ventre. A única coisa que mudava de tom era uma fita vermelha que ela tinha amarrada no braço. Então percebi que aqueles que eu tinha que matar, eram os mesmos que eu tinha que matar antes. Por que eles tinham que se meter no meu destino e tirar de mim todos os que eu amo? Por que não podia apenas vir e me matar? Vê-la naquela posição angelical era um insulto a tudo aquilo que haviam feito. Todos aqueles que eles tinham matado, morreram por uma causa justa, mas e ela? Morrera apenas para satisfazer um desejo, apenas para me fazer mal, havendo tantas outras formas de me fazer mal, escolheram logo a que mais me afetava. As lágrimas corriam sem parar pelo meu rosto, a dor que eu sentia, não iria se recuperar nunca, nem com a melhor magia do mundo. Agora só o que me restava era encontrar a minha irmã e matar o monstro. Peguei os meus pertences, muito poucos, para não carregar muito peso, peguei apenas o essencial, e também um retrato da minha mãe abraçada com a minha irmã. Ally... o que seria dela agora, o que ela estaria enfrentando, será que ela está tendo os

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mesmos problemas que eu estou tendo? Ou será que ela mal sabe das coisas que vem acontecendo? Eu tinha que procurar alguém que me contasse o que havia acontecido na minha casa. Eu não queria esperar mais por uma resposta, tinha que enfrentar o meu destino de frente agora. Eu poderia até morrer tentando, mas tinha que enfrentar aquele que fez isso com a minha família. Peguei a minha sacola com minhas poucas coisas, fechei a porta atrás de mim e a tranquei com magia. Aquele seria o sarcófago da minha mãe, e ninguém nunca mais pisaria ali dentro, nem mesmo eu. Irei deixá-la no seu último sono em paz. Reuni o máximo de notícias que pude sobre o que havia acontecido. As pessoas diziam que apenas um homem passara pelos portões, tarde da noite, estava com uma túnica e um capuz negros, então seria difícil saber se era humano ou não. Disseram que ele foi direto para minha casa, como se já conhecesse o caminho, entrou e pouco tempo depois saiu carregando um vulto, que parecia ser uma menina, alguns diziam que era de treze, e outros que era de uns quatorze anos. Ele saiu pelos portões carregando o vulto e se perdeu na noite. Alguns dizem que o ouviram resmungando “Kalyförd, Kalyförd” e outros dizem que ele só fazia resmungar e soltar suspiros de vez em quando. Eu tinha pistas duvidosas apenas, eu tinha que criar a minha própria história com aqueles fatos, com as que eu achasse mais prováveis. “Um alguém com um capuz entra na cidade, vai até uma casa, entra silenciosamente, mata uma mulher e sequestra uma criança, sem nenhum barulho sequer, a criança estava desacordada, ou então anestesiada. Enquanto ele ficou dentro da casa, teve todo o trabalho de deitar a mulher, e colocá-la como

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um anjo antes de sair e fugir da cidade com uma criança em direção a Kalyförd.” Aquela parecia com certeza uma história convincente, pelo menos para mim que estou envolvido nela, para os olhos de qualquer outra pessoa, aquilo não faria o menor sentido, eu teria que saber onde era Kalyförd. Agora eu tinha um novo destino. Eu tinha que encontrar minha irmã, para depois encontrar a espada. Passei pelos portões naquela mesma noite, antes de ir me despedi de algumas pessoas daquela cidade para sempre, espero que nunca mais tenha que ver aqueles rostos desolados e desconfiados na vida, o portão ficava aberto até altas horas da noite, era fechado umas poucas horas todos os dias. A cidade apagada à noite e algumas luzes solitárias pareciam pequenos vaga-lumes que haviam se perdido do grupo. A distância da cidade até mim foi aumentando a cada passo que eu dava, queria me lembrar daquela cidade, em algum momento da minha vida eu fui feliz lá, não queria pensar nas infelicidades que tive por morar por lá. Eu pelo menos tinha o meu destino para colocar a culpa dos acontecimentos encima. O vento tocava na minha pele, o vento frio fazia cócegas em mim, o frio da noite era temperado para mim, eu podia sentir, iria nevar, como nunca antes havia nevado, o vento me dizia isso, o clima conversava comigo, a cada passo que eu dava, era uma história nova sobre alguém que já havia passado por aquelas terras, eu ouvia os seus gritos de alegria, eu ouvia os seus choros de tristeza, quando perdiam alguém, ou então podia ouvi-los agonizando deitados se arrastando ao meu lado. Os choros e os risos pararam assim que eu parei para admirar a lua. Alva como, sempre, grande como nunca, as estrelas ao seu lado pareciam lágrimas. A luz da lua me banhava como se o sol

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ainda quisesse me aquecer. Foi então que eu me lembrei de uma canção sobre a lua.

Quando o sol morre Ao longe nasce

Um orbe brilhante Que reflete o original

Apenas para não perder A luz no final

Um véu vem esconder O seu rosto a chorar

As lágrimas acompanham Seu caminho até o fim

O orbe que ilumina Espera que você consiga

Aquilo que deseja Que você possa ser

O reflexo do seu sonho Assim como ele é

O orbe ainda chora Esperando alguém

Que consiga conquistar O sol em outro lugar

Ele chora por que Quer que alguém consiga

O seu destino e ele possa ver Antes do amanhecer

A lua estava cheia como nunca antes, o seu brilho de alvo passou para um tom de vinho, talvez fossem os meus olhos, mas eu pude ver morte, ver sangue e ter sorte ao poder ainda estar vivo diante daquela cena.

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Antes de adormecer vi um anjo, não um anjo qualquer, o anjo me observava, ele tinha asas negras, e era lindo como a lua e o sol, parecia a fusão entre o belo e o perfeito. Meus olhos se fecharam e eu não pude vê-lo indo embora.

Os sonhos também contam

Ally estava sentada na beira da sua cama falando sozinha.

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- Por favor, que ele volte seguro à casa, que ele possa ficar mais forte, que ele consiga ganhar dos maus. Ela esperava por uma voz em resposta, mas essa voz nunca vinha. Uma lágrima rolou pelo seu rosto, ela amava o seu irmão, mas ela achava que se o mostrasse seria frágil, e poderiam caçoar dela. Ela só não sabia que o irmão a amava tanto quanto ela o amava. Todas as noites antes de dormir, ela pedia a alguém imaginário para que tomasse conta do seu irmão e que o trouxesse de volta à casa são e salvo. Ela se deitou e como toda noite teve um sonho, um sonho no qual ela vingava o seu irmão, e ela conseguia uma espada. - Você não é capaz. – disse uma voz rouca, era um homem alto e forte. Ele se calou e foi embora, no seu lugar apareceu um ser perfeito, ela não conseguia definir qual era a sua raça, o que ela poderia dizer sobre ele era que ele era perfeito em todos os sentidos. - O que esperas, pequena? – disse o ser com uma voz doce demais. - Eu apenas quero o meu irmão de volta... - Eu posso fazer qualquer coisa por você minha pequena, exceto trazer ele de volta. - É o único que eu desejo. - Eu posso fazer algo por você – disse o ser se aproximando – que poderá te ajudar a trazer o teu irmão de volta. - O que é? Eu tenho que trazê-lo de volta. - Eu posso te dar poder. – disse o ser quase sussurrando no seu ouvido. - Mas como? E que tipo de poder? - É somente você vir comigo e eu te mostrarei. – o sussurro começava a se tornar difícil de ouvir. - Mas como eu chego até você?

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- Essa não é a pergunta certa, pequena... - E qual é então? - A pergunta certa é: Quando eu chego até você? - E quando vai ser isso? – ela já começava a se agitar. - Você vai saber... – o sussurro se fora. A única noite com um sonho diferente, desde que o irmão havia ido embora. Ela queria saber quem ele era, ela também queria saber que espada era aquela que ela via em todos os outros sonhos. Daquela noite em diante ela tinha sonhos com aquele ser perfeito. E em todos eles sempre começava com aquela voz rouca dizendo: “Você não é capaz...”. E lá estava ela mais uma vez na escuridão plena, ela usava um vestido branco. E estava tão pálida como sempre. - Você não é capaz... –lá estava a voz rouca de novo, mas ela não se importava, ela apenas prestava atenção ao que vinha depois daquela voz, ela somente tinha ouvidos para aquele ser perfeito. - Hoje eu vou te mostrar uma coisa que é o meu maior segredo. – disse o ser sorrindo, os seus dentes brancos cintilavam mesmo sem que houvesse luz. - Posso ver agora? - Não, só vou te mostrar quando eu for embora. - Então, sobre o que quer falar hoje? – perguntou a menina quase sem conseguir dizer as palavras, a beleza daquele ser a deixava sem jeito. - Antes de qualquer coisa, pode me chamar de Mark. – disse ele sorrindo novamente. - É... É claro... Mark... – outra vez estava sem jeito. - Hoje eu queria te perguntar, quanto você ama a sua mãe?

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- Eu... Não tem como dizer quanto, para mim ela e meu irmão são as coisas mais preciosas que existe no mundo, eu daria tudo somente para tê-los ao meu lado. - Eu não sabia que você tinha um irmão. – disse Mark mostrando um dos seus caninos para ela, um pouco para intimidar e um pouco apenas por charme. - Eu não falo muito dele com ninguém, ele é mais velho, então ele sempre aparece mais na família, já que o nosso pai foi embora antes que eu nascesse. - Entendo... O que você seria capaz de fazer se alguém tirasse a sua mãe e o seu irmão de perto de você? - Eu faria tudo para tê-los de volta, se bem que já tiraram o meu irmão de mim e eu não pude fazer nada... - Por que não pode fazer nada, pequena? - Ele foi por vontade própria, minha mãe disse que era algo sobre o seu destino, disse que eu iria entender algum dia. - Então, você só tem a sua mãe do seu lado agora? - Ela foi a única que me restou de toda a minha família. - A minha família toda foi tirada de mim, eu entendo como você se sente, mas eu fiz amigos para superar a perda, eu fiz grande amigos, eles me entendem e eu os entendo, nós passamos pelos mesmos problemas. - Eu posso ser a sua amiga também? - Nós somente fazemos amigos com aqueles que perderam todos, mas talvez nós possamos fazer uma exceção para alguém tão bonita e gentil como você. - O-obrigada... – o seu rosto ficou vermelho com o que Mark havia dito. - Não há de quê. - Quando vou poder conhecer vocês? – perguntou ela meio sem jeito por ser tão insistente. - Eu não sei, mas agora eu tenho que ir embora.

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- E o seu segredo que você disse que ia me mostrar? – perguntou a menina apertando os lados do seu vestido. - Eu quase ia me esquecendo, me desculpe. – disse Mark dando as costas para a menina, mostrando as suas imensas asas negras – Ai está. – e agitou as asas para que ela visse que eram reais. - Eu... Eu não sei o que dizer... - Não tem que dizer nada. – Mark estendeu uma mão e arrancou uma pena. A dor de perder uma pena não era nada para ele, ele sabia que em menos de duas horas aquela pena nasceria de novo com toda a beleza da anterior. Entregou a pena à Ally – Tome, guarde até que nos encontremos de novo. Os sonhos com Mark nunca voltaram, mas quando ela acordou, ela tinha uma linda pena negra do tamanho se sua mão ao lado do seu travesseiro. - Se foi... – disse ela olhando para a pena – Ele se foi para sempre... – dessa vez foi um sussurro. Ela somente não sabia que naquela noite ela iria encontrar aquele que ela queria conhecer. A sua mãe veio e bateu na porta do seu quarto, chamando-a para acordar. - Já vou mãe. – respondeu ainda se levantando da cama. - Dormiu bem? – perguntou a mãe do outro lado da cozinha. - Bastante bem. – respondeu ela sorrindo. - Vejo que alguém teve sonhos muito bons. – disse a mãe sorrindo para ela em resposta. - Os mesmos de sempre. - Mudando de assunto, a quanto tempo que você não vai caçar nada? - Uns quatro dias, eu acho. - Então seria bom se você fosse hoje de tarde caçar um pouco. - Tudo bem. E você mãe?

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- Eu? Eu o quê? - A quanto tempo você não vai caçar? - Uns três dias, eu vou de novo amanhã, não se preocupe, filha, a mamãe sabe se cuidar muito bem. – ela disse enquanto se aproximava e puxava uma cadeira para se sentar. - Tem um assunto sério pra conversar comigo não é, mãe? - Como sabe? – disse a mãe sorrindo. - A cara que você fez, só isso. - Eu tenho sim, temos que pensar o que vamos fazer, agora que o seu irmão está longe. - Nós vamos continuar como estamos não é? - Sim, mas temos que nos proteger de alguma forma. - Temos que nos proteger contra o quê? - Eu também não sei, filha, mas tem algo perigoso contra o que seu irmão irá lutar, até que esse algo ou alguém não seja destruído nós temos que nos proteger de alguma forma. - Nós somos fortes o suficiente, mãe, não precisamos nos preocupar. - Tudo bem, se você diz... – a mãe se levantou, beijou a testa de Ally e voltou aos afazeres da cozinha. - Vou sair pra passear, tudo bem? - Traga um presentinho para mim. – disse e sorriu em direção à filha. - Vou pensar no seu caso. – beijou a testa da mãe e saiu correndo, com toda a alegria dos seus quatorze anos. A cidade estava calma, como todos os outros dias, ela estava com seus estudos em dia, ela sempre sonhou em aprender magia, ela prometeu a si mesma que um dia aprenderia magia, mesmo que fosse a última coisa que fizesse na vida. Os anciãos estavam sentados em frente as suas casas, as lojas estavam abertas, o bar da cidade estava lotado como sempre. Podia se

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ouvir uma briga dentro do bar, a cada cinco minutos era uma briga diferente, às vezes cadeiras e garrafas saiam voando pelas janelas ou pela porta. Ela decidiu ir caçar antes de voltar para casa, ela tomou um rumo diferente do que fazia, em direção à floresta. Na orla da floresta as árvores frondosas convidavam todos que por ali passassem a entrar na floresta e se aventurar nos seus atalhos. Ela já podia sentir o cheiro de uma manada de alces antes de entrar na floresta, ela pensou que se vivesse mais perto da floresta do que vivia, ela caçaria todo dia, apenas pelo cheiro forte que os alces dali emanavam. Ela começou a correr em direção à manada, quando ouviu o som do riacho passando ali perto sentiu uma vontade imensa de ir olhar a correnteza enquanto passava, aquilo nunca havia acontecido com ela, mas ela sentia necessidade de fazê-lo. Ela se aproximou e se abaixou na orla do rio, estendeu uma mão e tocou a água. Nesse exato momento foi como se ela tivesse entrado em transe, os seus músculos ficaram rígidos, e os seus olhos ficaram de um branco assustador. Ela pôde ouvir uma voz saindo do rio: - “Ele está por perto, e vem te buscar, para te levar para casa, onde você vai ser mais útil do que sempre sonhou.” – ela não sabia, mas aquela era a voz de um Braülek. Ela fez pouco caso do acontecido, achando que estivesse sonhando acordada, como às vezes acontecia, viu que havia uma pequena manada de cervos que ela não havia sido capaz de cheirar, ao outro lado do rio. Ela investiu contra eles e matou os dois maiores, enquanto o resto da manada fugia para dentro da floresta se esconder dela. Como estava caindo a noite, ela esperou para poder desfrutar da visão do reflexo da lua sobre o rio. Quando ela estava sentada em uma pedra começou a relembrar todos os sonhos que teve

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com Mark, e esperava poder vê-lo algum dia. O seu desejo de vê-lo era imenso, assim que acabou de relembrar todos os sonhos que tivera lembrou-se do que aquele ser disse quando tocou o lago. Ela ficou mais feliz do que nunca, pensou que Mark viria buscá-la e esse dia estava próximo. A noite caiu, e depois de ficar admirando a lua sobre a água e imaginar como seria estar perto de Mark ela tomou o rumo de volta para casa. As ruas estava desertas, mesmo que as pessoas dali fossem muito agitadas, naquele noite pareciam ter medo de alguma coisa, como se fosse possível que um monstro invadisse a cidade, ao passar por uma das ruas ela viu a passagem para a cidade élfica, lembrou-se que nunca havia ido lá e pensou em ir no dia seguinte. Assim que pensou sobre a passagem e a cidade élfica lembrou do presente que o irmão havia trazido para ela de lá, pensou em comprar um para ele e entregá-lo assim que o irmão voltasse para casa. Abriu a porta de entrada e a mãe estava sentada em uma poltrona lendo um livro de cozinha como sempre fazia, sempre lendo para ver se podia criar coisas novas com comidas que já foram criadas. - Vou tomar um banho, um bom banho. – disse Ally sentando na poltrona na frente da mãe e desmoronando nela. - Vejo que alguém andou caçando hoje não foi? - Decidi antecipar a caçada para mais cedo, agora não precisa se preocupar com o meu jantar. - Então hoje eu vou dormir um pouco mais cedo, eu acho. – respondeu a mãe fechando o livro e colocando na mesa à sua frente. - Vou tomar banho e dormir também. – disse Ally levantando-se da poltrona e indo em direção às escadas. - Onde está o beijo de boa noite da sua mãe? – disse a mãe fazendo uma cara como se fosse de desaprovação.

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- Aqui! – disse Ally pulando encima dela abraçando-a e dando-lhe um beijo estalado no meio da testa. - Boa noite, filha, bons sonhos. - Bons sonhos pra você também mãe. – disse Ally subindo os degraus da escada. A água morna aqueceu os seus pés assim que entrou na banheira. A sua imaginação a atacou novamente assim que se recostou na borda da banheira. Ela imaginou como se Mark estivesse entrando pela porta do banheiro, com as suas grandes asas negras enchendo a sala, e vindo se agachar ao seu lado. Enquanto ela sonhava com um anjo vindo buscá-la para levá-la embora, alguém entrava pela porta dos fundos ia até o quarto de sua mãe e lhe cortava o pescoço sem um barulho sequer, a colocava sobre a cama no seu último sono e lhe amarrava uma folha morta da árvore de Zefryon em seu pulso, subia as escadas e entrava no banheiro. Ally se surpreendeu quando viu alguém entrando pela porta do banheiro causando um estrondo imenso, acabará de acordar do seu sonho, a figura se aproximava com um pedaço de pau, que com certeza fora um pedaço da escada abaixo deles, a golpeava na cabeça e a enrolava em um pano preto, descia as escadas e saia pelo portão da cidade. O vento frio da noite entrou nos seus pulmões de súbito quando acordou amarrada sendo carregada pelo meio do nada. - Vejo que acordou, menina, uma carruagem está a nossa espera, queria poder ter a sorte que o mestre tem de poder escolher quem ele quer para si. Ela queria responder, mas nenhuma palavra saia de sua boca, a sua cabeça estava para fora do pano, então ela podia ver a paisagem ao seu redor passar como um raio, enquanto quem a carregava corria pela planície. Ao longe começava a se formar a

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figura de uma carruagem puxada por quatro cavalos negros como a noite. A porta se abriu e dentro estava sentada a figura mais magnífica de todas na terra. - Ma-Mark... – foi apenas o que a menina pôde dizer quando o viu sentado dentro da carruagem. - Desculpe por trazê-la até aqui desta maneira. – e olhou para aquele que a carregava. - Desculpe mestre, eu sei que o senhor pediu para ser cuidadoso, mas a pressa me pressionou. – disse fazendo uma reverência ainda com Ally embaixo do seu braço direito. - Tudo bem, agora pode deixar a menina aqui dentro. – apontando para o banco à sua frente. - Sim, mestre. Ele apoiou a menina vestida apenas com o pano preto e foi em direção à frente da carruagem para se sentar ao lado do condutor. - Eu trouxe roupas secas e quentes para você eu já desconfiava que ele fosse te trazer desta maneira. – Mark se importava com o estado que a menina se encontrava. - Obrigada... - Desculpe-me se eu te assustei, trazendo-a assim e sem aviso prévio. - Está tudo bem, pode me desamarrar, por favor... – disse a menina com a cara vermelha de vergonha de como se encontrava diante de alguém tão fascinante. - Posso sim. - estalou os dedos e as cordas sumiram do corpo da menina, então ele lhe passou as roupas – Então, o que acha de mim pessoalmente? – perguntou sorrindo para a menina. - Perfeito, é a única palavra que vem a minha cabeça. – disse enquanto colocava uma túnica negra bordada com detalhes em ouro, e um par de sapatos negros.

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- Ainda vou encontrar alguém que veja os defeitos que eu também vejo em mim. – disse sorrindo para a menina. - Eu, eu me esqueci da sua pena, desculpe-me. – Se lembrou da pena e do presente que o irmão lhe dera, aqueles eram os presentes mais valiosos para ela. - Está tudo bem, - disse apontando para as suas asas – ainda tenho mais não é mesmo? – a menina riu com a cara que ele fez ao apontar para as asas. - Posso te fazer uma pergunta? – ela estava um pouco mais à vontade diante de Mark, mas mesmo assim ainda se sentia envergonhada. - É claro que pode minha pequena. - Como conseguiu as suas asas? - Quando eu renasci, eu renasci com elas no lugar onde estão hoje. – disse ele como se fosse a coisa mais normal do mundo. - Como assim? Você renasceu de onde? - Essa é uma longa história, eu vou te contar assim que chegarmos a casa. – disse ele rindo, então bateu as mãos e a carroça começou a andar em direção do horizonte. – A viagem vai ser um pouco longa, se não se incomoda, eu preferiria não voar em uma noite como essa. - Você, você voa com elas? - Mas é claro que eu vôo. Se não de que me serviriam? Eu posso voar, e também posso levar alguém junto comigo. - Posso voar com você? Por favor... – disse ela fazendo uma cara que sempre convencia as pessoas a lhe darem as coisas que ela pedia. - Pode sim, mas não hoje, tudo a seu tempo. - Então, - disse passando um dedo pelo banco vermelho. – como é a sua casa?

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- Não é bem uma casa, - disse ele olhando para cima como se pudesse ver o seu castelo através do teto da carruagem – é mais como um castelo. - Um castelo? - Sim, um castelo. – disse rindo um pouco da cara da menina e esticando uma mão para lhe fechar a boca – Se continuar com essa expressão vai acabar babando, disse rindo. O dia amanheceu, e eles estavam bem perto do castelo de Mark, e a conversa ainda fluía, eles falavam sobre a vida de cada um, ela falando sobre a sua infância, e ele mentindo sobre o seu passado, e escondendo o seu presente obscuro. - Está amanhecendo. - disse Mark olhando pela janela – Seria bom se você comesse alguma coisa. - Como? Você tem comida aqui também? – perguntou a menina já sabendo a resposta. - Eu tenho sim, - disse se virando e puxando uma mesinha com uma bandeja encima com comida, preparada especialmente para ela – você não esperava que eu tratasse uma convidada da forma equivocada, não é? - Você é mais perfeito a cada palavra que fala... – disse a menina admirando a sua face e a mesa que ele apoiava no meio da carruagem. Mark abriu as cortinas que cobriam as janelas, para deixar a luz do sol entrar e iluminar a carruagem, depois apagou as velas que havia dentro. - Espero que goste da minha humilde residência. – disse Mark pensativo. - Eu tenho certeza que vou gostar, vou gostar ainda mais se você estiver do meu lado. - Eu vou estar do seu lado, não se preocupe em relação a isso. – abaixou a sua cabeça e segurou o rosto de Ally pelo queixo suavemente – Eu tenho grandes planos para o seu futuro,

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pequena. –disse antes de lhe dar um beijo no canto dos seus lábios vermelhos.

Quando o sol descansa

O sol escaldante sobre a minha cabeça me fazia mal. Já a três dias não caçava e estava em viagem em direção à Kalyförd, eu havia me perdido do meu rumo e a norte eu consegui deslumbrar a silhueta de uma cidade, alguns quilômetros a mais e eu chegaria até lá para poder descansar e ver a direção que teria que tomar.

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O sol estava perto da sua altura máxima quando estava perto dos portões da cidade, em runas escrito bem grande estava o nome gravado no topo do portão: Ellorien. O guarda estava sentado à sombra de um protetor rústico, feito com pedaços de madeira e um pano para protegê-lo do sol, eu conseguia sentir que estava chegando cada vez mais perto do deserto. À noite o frio era tão intenso que eu conseguia senti-lo atravessando a minha pele, mas durante o dia o sol era tão forte que eu me sentia abatido somente com correr pela campina amarelada. O guarda, de aparência forte e bronzeado pela forte exposição ao sol, mesmo com a proteção do seu artefato, me avistou ao longe e prestou atenção nos meus passos enquanto eu me aproximava do portões, a cidade ia se erguendo atrás dos portões de madeira nobre. - Bom dia, viajante. – disse o homem com voz rouca. - Bom dia. –eu respondi com dificuldade – Nessa cidade tem algum lugar onde eu possa descansar depois de uma longa viagem. - Tem sim viajante, siga em frente até a fonte no meio da cidade, depois vire à esquerda, vai ver uma grande estrutura, chamada de A casa de Samira. Lá vai conseguir comida, bebida e um bom lugar para descansar por um preço justo. - Obrigado... - esperei para saber o seu nome. - Malttus. – respondeu com prudência, secando um pouco de suor que caia pela lateral da sua face. - Obrigado Malttus. Tenha um bom dia. Humanos, aquela cidade seria um paraíso para que eu me alimentasse, mas a minha razão ainda dominava sobre a minha sede, talvez encontrasse algum elfo ou vampiro que pudesse me ajudar e conhecesse o problema pelo qual o mundo inteiro estava passando.

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Parei na fonte da cidade para me refrescar, a água cristalina caia de quatro bicas, lavei o meu rosto e bebi aquela água de sabor magnífico. Virei à esquerda como Malttus havia indicado e continuei andando. A casa de Samira era um lugar imenso, tinha quatro andares e era bastante extensa, as paredes externas eram em tom de areia, como todo o restante das construções daquela cidade. Entrei pela porta de madeira e o saguão era imenso, o balcão feito da mesma madeira da porta de entrada tinha uma humana como atendente. Então me aproximei para pedir referências e alguma hospedagem. - Bom dia, - resolvi dizer – quanto custa a diária aqui? - Quarenta e cinco Dans. Quantos dias pretende ficar na cidade? – ela ficou acanhada assim que parou de falar – Desculpe a intromissão, mas dá para ver que você é um viajante pela sua sacola. - Não há problema algum, - disse meio sem jeito – eu pretendo ficar tempo suficiente como para resolver alguns problemas. - Então, o seu quarto é o trinta e três, quer que eu mostre o caminho? - Sim, por favor. – disse para ela, já esperando alguma atitude vinda dos humanos. - Por aqui. - disse indicando o corredor à direita – Se quiser, depois posso lhe apresentar a dona Samira. - Há quanto tempo este estabelecimento existe nessa cidade? – perguntei enquanto andávamos pelo corredor. - Desde que a cidade foi fundada, na realidade a cidade foi fundada depois que o estabelecimento foi fundado, começou com algumas poucas casas, depois foi crescendo até ficar como é hoje, dona Samira é bastante influente nessa cidade. - Qual é a origem do nome da cidade? - Ellorien?

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- Sim, sim. - Eu não sei ao certo, mas eu creio que seja o nome de alguma deusa. - Interessante... – disse assim que vi o número trinta e três gravado na porta do quarto, a porta era da mesma madeira de todo o resto das estruturas de madeira, o número estava gravado na madeira e pintado em vermelho – Obrigado. - Bom, tenho que voltar ao meu trabalho. – disse a menina virando-se de volta ao corredor. - Obrigado, de novo. – disse eu – A propósito, o meu nome é Karyn. – acrescentei. - Lara, tenha uma ótima estadia, qualquer coisa é só me avisar. – e foi andando devagar e cantarolando. A cama era forrada em vermelho sangue, isso me lembrou do meu quarto no castelo de Marlëv. Ao me lembrar disso, não pude não pensar em Sophye e em todos os sentimentos que eu tinha por ela. A saudade me invadiu, então me deitei na cama por um período que não pareceu muito longo, mas também não foi muito curto, até que alguém bateu na porta. - Entre! – avisei ainda deitado na cama, sem nem mesmo ter perguntado quem era a pessoa. - Desculpe a intromissão, mas me disseram que havia alguém parecido comigo que havia chegado a pouco ao meu estabelecimento. – disse uma senhora que aparentava ter uns quarenta e cinco anos para um humano normal – A propósito, o meu nome é Samira. - Karyn. – disse levantando da cama assim que ela disse o seu nome. - Eu já ouvi falar de você, através de pessoas parecidas conosco, disse apontando para as suas orelhas pontudas. - Como pôde ficar sabendo tão rápido da minha existência? – perguntei um pouco assustado.

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- As noticias sobre os novos heróis correm rápido. – disse ela caminhando mais para perto – Principalmente no nosso mundo. – fez uma pausa longa e continuou – Posso ver a arma que carrega? - Pode sim. – disse meio sem jeito, não tinha como negar a minha arma a alguém da minha mesma raça que era com certeza mais velha do que eu – Aqui está. – entreguei a minha adaga de bronze. Ela esticou a sua mão na minha direção, então tocou a minha testa, passou um longo tempo com os seus dedos frios encostados em mim, logo depois recuou o seu braço, então sorriu. - Vejo que a sua arma não foi encantada ainda. - Como assim? – perguntei meio assustado, nunca soube de que as armas comuns podiam ser encantadas. - Vou te contar um pouco mais do nosso mundo, você é muito novo ainda, não teria como você saber disso, mas eu não estranharia se ficasse sabendo em pouco tempo. - O que eu tenho que aprender? - Vou te ensinar um pouco sobre as armas encantadas. –fez uma pausa e se sentou na borda da minha cama e me indicou para me sentar ao seu lado – As armas feitas de bronze podem ser encantadas, não com o encanto celestial que tem que ser encantada a arma para matar a besta, elas são encantadas com o espírito do portados, elas mudam a sua cor ao depender da natureza de cada pessoa, que podem ser, azul se for água, vermelho pelo fogo, continuaria bronze se for de terra e ficaria branca se o seu espírito forre de vento, a cor da bainha também mudaria de acordo com a cor da lâmina. O encanto na sua arma vai deixar a sua arma mais forte e mais capaz de lutar com as bestas que você encontrará no seu caminho até onde você tem que chegar.

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- Como eu poderia encantar a minha arma? - Eu posso te ensinar, mas agora você está muito cansado, tome, - disse me entregando um par de folhas de Zefryon – Depois de se recuperar, amanhã eu te ensino como encantar uma arma. Lara passava de vez em quando pelo meu quarto para ver se eu precisava de alguma coisa, algumas vezes pedi alguns petiscos, somente para disfarçar que eu era um vampiro, Samira havia me contado que para os seus empregados as suas orelhas pontudas eram uma questão genética, eu seria alguém com uma genética parecida à dela, então eles ainda acreditariam que eu era um humano normal, então tinha que comer alguma coisa. A noite caiu, a lua subiu branca como sempre, eu não tinha vontade de dormir, então me debrucei sobre o parapeito da janela antes que Lara passasse novamente pelo meu quarto. - Pode entrar. – disse um pouco antes que Lara batesse na porta, eu pude sentir a sua presença. - Obrigado, como sabia que eu estava atrás da porta? - Não sei, eu apenas senti, sou meio sensitivo. – tentei disfarçar. - Que estranho. – disse ela parando na frente da porta fechando-a atrás de si – Samira me disse a mesma coisa a tempos atrás, deve ser uma questão de genética. – disse sorrindo para mim. - É bem provável. Só para avisar, eu não quero comer nem beber agora. – disse e sorri. - Eu não vim para te perguntar sobre isso. - Então, qual foi o propósito? - Eu vim aqui por você. – disse avançando para perto de mim. - Eu ainda não entendi. – eu suspeitava o porquê, mas preferia não demonstrar. - Você, eu nunca vi ninguém tão lindo como você na minha vida, eu quero tê-lo para mim.

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- Eu, eu sou o quê? – a forma que ela havia falado o que eu suspeitava me afetou. - Você é perfeito, eu quero tê-lo, e ninguém vai te tirar de mim. – ela avançou e me segurou nos seus braços. Eu passei os meus braços pela sua cintura, e senti a sua pele se arrepiando. Então soube exatamente o que falar. - Eu não posso ficar aqui com você, eu tenho alguém que espera por mim e está sentindo a minha falta, eu fugi de minha casa, e eu fugi do meu amor, pela minha família, mas eu tenho certeza que o sentimento ainda não mudou, estou aqui e Samira pode me ajudar, eu vou ficar no máximo por uma semana, mas enquanto eu estiver aqui você não vai poder me ter, nem eu vou poder ter você. - Mas eu te quero pra mim... – uma lágrima titubeou na beira dos seus olhos. - Uma pessoa me disse isso uma vez, e roubou um beijo de mim, eu não entendo porque, mas ainda me quer, e eu tenho certeza que ela não irá me esquecer por um bom tempo, mas eu não posso tê-la nem ela pode me ter, eu não sinto nada por ela, mesmo ela sentindo algo por mim. - Eu quero te amar, mesmo não podendo, eu tenho que te ter, é algo que eu não consigo controlar. - Desculpe-me, mas vou ter que fazer algo que eu não quero. – fechei meus olhos, então coloquei uma das minhas mãos sobre o seu ombro e fiz com que ela desmaiasse, levei-a para um sofá no saguão de entrada – Desculpe-me eu não queria mesmo fazer isso. O resto da noite foi tranquila, sem interrupções e com bastante tempo para pensar no que poderia fazer com uma arma encantada, ficava pensando de que cor iria ficar a minha adaga, ficava pensando em que marca ficaria nela, qual seria o meu verdadeiro espírito, talvez meu espírito fosse o passado, já que

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minha alma estava conectada ao passado muito diretamente. Talvez fosse o amor, mas se o amor desmedido mudasse o espírito das pessoas, então todos que tivessem armas encantadas teriam uma arma do amor. Ainda estava acordado quando o sol raiou no horizonte. - “Tão longe de mim, e ainda posso sentir o teu calor correndo pelo meu corpo e invadindo o meu sangue, meu coração batendo mais forte e meus olhos esvaziando de amor”. – Sophye invadia meus pensamentos antes que Samira batesse na porta do meu quarto – Pode entrar, eu não pude dormir. - Vejo que as folhas te deixaram recuperado e bem acordado também. - Não é isso, é tudo que eu já vivi, que está tomando conta de mim, fico pensando qual será a marca da minha adaga e qual vai ser o meu elemento. - Não é bom ficar pensando nisso até que a marca e o elemento apareçam por si próprios, vai ter tempo para se acostumar com a sua adaga depois que ela estiver encantada, agora é hora de se preocupar em como você vai encantá-la. - Então, vou aprender a encantá-la agora? - Tem que esperar um pouco, até que eu esteja preparada. – disse Samira sorrindo – Se eu te contar você não vai acreditar quantos anos eu tenho. - Pode dizer, eu já conheci pessoas que são realmente antigas. - Eu tenho Mil duzentos e quarenta e nove anos. – fez uma pausa e suspirou, se lembrando dos tempos de juventude – Eu nasci antes que esta cidade fosse fundada, poucos sabem que eu sou vampira, muitos acreditam que estou morta, pois não sabem que alguém pode sobreviver por tanto tempo. - Como conseguiu chegar a essa idade? – perguntei me sentindo mal por perguntar assim que acabei de formular a pergunta.

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- Magia, e além do mais eu não me esforço muito há anos, estou aqui para aqueles que sabem quem eu sou e querem ajuda com alguma coisa do passado da qual mais ninguém lembraria. - Então, não sei se soa indiscreto, mas, você é a mais velha dos que existem de nós? - Não, não, e não é indiscreto, existem alguns que são mais velhos do que eu, bem mais velhos, eles sabem mais do que eu, mas quase ninguém sabe onde eles estão, nem como conseguem se esconder. Alguns dizem que foram viver entre os dragões, outros dizem que não existem mais, que são apenas mais uma história para manter o passado vivo. – fez uma pausa antes de continuar, concertando a sua postura – Bom, agora não é hora para ficar falando do passado e nem da geração antiga, agora é hora para você v aprender como encantar uma arma, para isso nós vamos para a sala secreta. – ao falar isso e se levantar ela deu uma piscadela na minha direção. Mesmo tendo a idade que ela tinha, ela aparentava juventude e boa disposição, como se fosse uma tia que você sempre gostou e sempre te deixou fazer o que você quis, talvez os meus sentimentos estivessem afetando meu cérebro, mas todos pareciam boas pessoas ultimamente. Passamos por um corredor subterrâneo iluminado por tochas, sempre foi o meu sonho me envolver em uma aventura investigativa onde teria que passar por túneis como aquele para desvendar um segredo que salvaria o mundo, agora que eu estava envolvido em uma aventura do tipo, não me sentia tão herói, mas sim aquele que aprende com a aventura. - Está começando a ficar quente não acha? - Mais ou menos. – respondi. - Isso é por causa da juventude, a juventude não sente muito frio e nem muito calor, isso é algo que somente nós os anciões começamos a senti com frequência.

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- Não é isso, é que você está desacostumada com mudanças de temperatura, está sempre no calor escaldante da cidade e aqui está mais quente ainda. - Obrigada por me fazer sentir mais jovem Karyn, mas eu ainda lembro muito bem da minha idade. – então ela riu baixinho e continuou caminhando até o fim do corredor, onde não havia porta, mas sim um arco onde havia uma sala com um forno em brasa colocado no centro. Em cada uma das extremidades da sala quadrada havia um buraco, parecia um lugar para colocar a arma que seria encantada, mas o que encantaria quatro armas de uma só vez? - Agora vamos começar. – disse Samira depois de pigarrear para retomar a minha atenção, pelo visto eu estava pensando de mais no que poderia acontecer naquela sala. - Então, o que faremos? - Primeiro pegue a sua adaga. – disse ela apontando para a bainha da adaga, onde aparecia apenas o cabo – Pelo menos não se esqueceu de trazê-la. – E riu novamente. - O que eu faço com ela. – disse enquanto a desencapava. - Coloque-a no fogo. - Mas como, não tem nenhum objeto para segurá-la enquanto estiver lá. – disse enquanto examinava a sala ao meu redor. - Não se preocupe o fogo não irá afetar você, é um fogo único, feito apenas para materiais de bronze, vamos lá coloque. Eu avancei em direção ao forno com brasas dentro, peguei a minha adaga e coloquei no forno. - Mergulhe-a nas brasas. – fiz exatamente como ela falou, até que se passassem alguns minutos – Agora a tire e a coloque naquele buraco da ponta. – disse apontando para o buraco que estava na parede oposta à entrada, localizado à direita. Nada aconteceu, repeti o processo três vezes e quando a coloquei no último buraco disponível Samira falou.

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- Não foi do elemento fogo, nem do ar, e muito menos da terra, só sobrou uma opção a você, Karyn. – disse ela apontando para o buraco onde já se encontrava a adaga – Você sabe por que o seu elemento é água, já aconteceu algo nela que fizesse o seu espírito se direcionar? - Contato com Braüleks conta? - O quê? Braüleks? Se conta? Conta sim, e muito, quase ninguém teve contato com Braüleks, como foi o seu? - Foi através de um sonho. - Ah! - disse como se fosse uma decepção – Imaginei que fosse um contato mais direto, das poucas pessoas que tiveram contato com Braüleks, apenas duas foram por contato físico direto e depois do presságio concluído voltaram e mataram aqueles que eles haviam encontrado. - Oh meu... – não tinha palavras para expressar o que eu sentia – Prefiro ter me encontrado com um deles apenas pelo sonho, não gostaria de morrer tão cedo. - Pode me contar o que o Braülek disse a você no sonho? - Posso sim - recitei todo o meu sonho incluindo as mudanças no tom de voz do Braülek, e ela pareceu gostar do que ouvia – E então? - E então o quê? - O que achou do sonho? - Bem explicativo. Você já conseguiu decifrar tudo que ele diz? - Eu tive ajuda de Skarvöet. - Skarvöet? - Um dragão, ele é amigo de Marlëv. - Agora eu entendo, agora vejamos como ficou a sua adaga. – disse apontando para a adaga que brilhava no buraco à direita da porta de entrada. Puxei a adaga, ela parecia mais leve que o normal. Então notei que no cabo havia uma inscrição em runas.

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- Kral... – pronunciei assim que pude entender o que dizia nela. - Esse é o seu elemento, agora descobriremos o seu espírito, pegue a sua bainha. – a bainha ainda não estava azul como a lâmina da minha adaga. Então coloquei a adaga dentro, no mesmo instante a bainha brilhou e ficou azul, exatamente do mesmo tom que a lâmina. - E então? – perguntei impaciente. - Retire a lâmina, nela vai estar escrito o seu espírito. Fui puxando devagar, não pude ver a inscrição ao longo da lâmina, então supus que estaria do outro lado da lâmina, a impaciência aumentava a cada centímetro que eu puxava para fora. A lâmina havia acabado, então tive que virar a lâmina, com o fio da adaga apontado para o chão e para o teto a virei completamente com um único movimento. - Sarson... – aquilo veio a mim como um golpe. Nunca pensei que o meu espírito fosse aquele. - Anjo, eu nunca vi um espírito assim em toda a minha vida, isso é praticamente impossível... – disse Samira assim que ouviu o que havia escrito na minha lâmina. Passei o resto do dia deitado na minha cama com os olhos fechados, com a minha adaga em uma mão, e a bainha de um azul celestial na outra. Como poderia ser que o meu espírito fosse o de um anjo, segundo Samira ninguém nunca tivera um espírito igual. Naquele momento me lembrei de quando eu sai da minha cidade natal pela última vez, quando eu vi aquele anjo de asas negras, talvez aquele fosse o meu espírito, talvez aquele fosse o meu destino. Eu estava preso, eu fora eleito por um Braülek para marcar o meu destino e fora marcado pelo meu próprio espírito para ser um anjo, eu não tinha escapatória. Eu seria o anjo que acabaria com o demônio que havia se erguido na face da terra.

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O deserto da morte

À tarde pude descansar enquanto admirava a minha nova adaga dentro do meu quarto deitado. Tive sorte, já que Lara não apareceu mais para me buscar. O sol estava quase indo embora para o fim de mais um novo dia, quando Samira bateu na porta do meu quarto. - Pode passar. – avisei sem sair do meu lugar. - Vejo que ainda está admirando a sua adaga e posso apostar que está tentando descobrir porque o seu espírito é o que é, estou certa? - Vejo que os anos lhe deram a capacidade de ler os pensamentos das pessoas. – ela riu junto comigo. - Então, já descobriu o porque do seu espírito ser o de um anjo?

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- Antes de responder, posso fazer uma pergunta? - Mas é claro que pode, diga. - Você conheceu o vampiro do qual eu tenho a alma? - Sim, eu conheci, foi há um bom tempo, por que a dúvida? - A arma dele era encantada? - Sim, eu o ajudei a encantá-la, por quê? - Qual era o espírito dele? - Ele era do elemento fogo, e o seu espírito era o espírito da Luz, por quê? - Eu não sei, acho que foi só curiosidade. - Só vou te contar uma coisa, o espírito de uma pessoa não passa pela sua alma, assim como o elemento, a alma é apenas o que cada um sente e é próprio de cada um. - Obrigado, então, onde eu posso treinar com a minha nova arma? - Pode ser na parte traseira da pousada, muitos guerreiros passam por aqui, então tenho que ter um lugar preparado para eles, onde possam treinar antes de seguir viagem. - Antes de ir, posso fazer outra pergunta? - Pode sim, você é muito curioso. – disse rindo logo depois. - Quantos você ajudou a encantar as suas armas? - Uns dez no total, por quê? - Só curiosidade, nada de mais. - Então, vai treinar agora, ou vai esperar o dia nascer de novo? - Vou esperar o dia nascer de novo. - Tenha uma boa noite. – disse antes de sair pela porta. - Obrigado. – disse antes da porta se fechar por completo. A noite passou tão rápido como os pensamentos sobre para onde eu iria agora e como eu iria sobreviver até chegar a Kalyförd. Talvez Samira pudesse me ajudar conseguindo algum mapa para mim, ou algo do tipo, eu teria que comprar

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mantimentos. Olhei na minha sacola e vi que tinha quatrocentos e vinte e três Dans, o suficiente como para comprar mantimentos por uma semana, sem contar as diárias na pousada de Samira. Eu ficaria mais um dia, treinaria de manhã de tarde, procuraria saber de mapas e o caminho mais curto até Kalyförd, talvez eu fosse até a biblioteca, não havia saído muito da pousada desde que eu chegara, então seria bom tomar uns ares antes de ir embora. O vento que entrava pela janela era frio, não muito frio, mas ainda conseguia me fazer sentir a sua temperatura, fui tomar um banho um pouco tarde da noite, por sorte não apareceu ninguém no meu caminho nem na ida e nem na volta. Me deitei na cama com a adaga do lado, decidi deixar saber o porque meu espírito era de anjo para algum outro dia, aquilo não iria influenciar em muita coisa por enquanto. A lua hoje estava amarelada, o seu brilho era intenso como em todas as outras noites, mas era como se algo tivesse acontecido que pudesse afetar a sua luz. A manhã estava pálida, eu levantei da cama junto com o primeiro raio de sol, pelas escadas do fundo da pousada para um lindo capinzal cor de bronze. O vento que vinha do norte balançava a grama, ao longe cravados no chão havia alguns postes para treino de espada, e mais adiante havia um tronco com tocos saindo para treino de armas de curta distância. Aproximei-me do tronco e puxei a minha adaga, nos golpes que desferi com sutileza, velocidade e graça usei pouca força, pois sabia que se eu usasse todo o meu potencial eu acabaria destruindo o equipamento. Eu podia sentir a adaga na minha mão mais leve, sentia como se houvesse uma pequena corrente emanando de dentro dela, fazendo cócegas na minha mão a cada golpe que eu dava.

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Ao finalizar o meu treinamento ouvi alguém batendo palmas atrás de mim, virei-me e encontrei Samira parada a alguns metros de mim. Estava usando um vestido branco, com umas sandálias azuis, e carregava embaixo do braço, uma bainha marrom, era a bainha de uma espada, podia ver que estava desgastada com o tempo, então me aproximei guardando a minha própria arma na bainha que estava do meu lado esquerdo. - Vejo que levantou junto com o sol. – disse apontando para o horizonte onde o sol já não se encontrava, então com o dedo descreveu a trajetória que o sol havia percorrido até quase ao ápice – Então, como foi o treino? - Foi bom, pra falar a verdade foi muito bom, eu pude usar todos os golpes que aprendi, mas os utilizei com menos força que o habitual, e pude melhorar alguns que eu andava querendo aperfeiçoar. - Posso ver que não usou toda sua força somente olhando para o tronco que ainda está de pé. – disse sorrindo para mim – Vim lhe mostrar uma coisa. - A sua espada? – disse apontando para a bainha embaixo do seu braço – Desculpe a minha interrupção. - Não tem problema, e sim é a minha espada. – disse puxando a lâmina para fora da bainha marrom, a lâmina tinha o mesmo tom de terra que a bainha – Como pode ver eu sou do elemento terra, mas o que eu quero te mostrar está escrito aqui. Esse é o motivo por eu ter ajudado tantas pessoas até hoje. – disse apontando para a escritura na lâmina. - Esperança, - disse eu lendo a inscrição – você tem esperança em quê? - Nas pessoas, nos vampiros, nos elfos, enfim, em qualquer um que falar comigo e me disser os seus objetivos, é por isso que eu abri uma pousada, para poder ajudar aqueles em quem eu tenho

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esperança. Muitos viajantes falam comigo e eu os ajudo esperando que eles possam alcançar os seus objetivos. - Esse é o porquê de você ter me ajudado? - Não, na realidade sim e não, em parte eu te ajudei pala minha esperança de você se tornar alguém importante, e em parte pelo seu destino que eu conhecia há pouco tempo. - Já que estamos falando de mim, posso te pedir um favor? – perguntei enquanto ela voltava a colocar a sua espada dentro da bainha e de volta embaixo do seu braço. - Pode sim. - Onde eu posso conseguir um mapa e saber qual é o caminho mais curto até Kalyförd? - Na biblioteca deve haver algum mapa, mas qual a razão de você ter que ir até Kalyförd? - Seqüestraram a minha irmã e ela foi levada para Kalyförd. - A biblioteca deve estar aberta, é melhor você ir agora buscar um mapa, depois você trás aqui e vemos o caminho mais curto até Kalyförd. – disse apontando para a porta. – Tome, é bom depois de um treinamento. – me entregou uma folha de Zefryon. - Obrigado. – disse pegando a folha e indo em direção à porta para ir buscar a biblioteca. As explicações da recepcionista, de onde teria que estar a biblioteca foram bastante específicas, Lara não estava na recepção, segundo a recepcionista atual ela estava passando mal. O calor nesse dia era suportável, então fui à biblioteca o mais rápido que eu pude, passei pela fonte no centro da cidade e refresquei o meu rosto. Cheguei na biblioteca umas três ruas depois. - Bom dia. – anunciou a voz da bibliotecária – O que anda procurando? - Bom dia, eu estava querendo um mapa do continente, pode ser?

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- Claro, naquele corredor, tem alguns mapas na mesa no final. - Obrigado. – disse me dirigindo ao corredor. As estantes ao meu lado estavam repletas de livros, a biblioteca era imensa, a quantidade de livros que haveria ali seria incalculável, as prateleiras eram bem maiores do que eu e em cada uma havia umas dez fileiras de livros. Os mapas estavam mesmo sobre uma mesa no final do corredor como havia dito a bibliotecária, mas aqueles eram mapas que eu não poderia levar comigo nem que eu pagasse por eles. Olhei para os lados procurando algum mapa que eu pudesse levar, então encontrei uma pilha de cópias feitas à mão, não tão detalhas quanto o original, mas iria me servir, para o que eu precisava, peguei um e sai pela porta. - Adeus. – disse pouco antes da porta se fechar atrás de mim, então não pude ouvir se a bibliotecária respondeu ou não a minha despedida. Na volta para a pousada passei antes em um armazém e comprei suprimentos para uma semana, passei pela fonte outra vez e bebi um pouco água. Ao chegar à pousada percebi que sentiria saudades daqui depois que fosse embora, mesmo tendo passado pouco tempo ali tinha certeza que havia sido um tempo bom, sem contar à parte de Lara. Samira estava esperando sentada em um sofá vermelho não saguão de entrada, estava com uma xícara de café em uma mão e um livro escrito em runas na outra, o título do livro era As fábulas de Skardinër. - Esse livro é bom? – me atrevi a perguntar sentando ao seu lado. - Sim, e então, conseguiu o mapa? - disse abaixando o livro e bebendo um pouco de café.

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- Sim, está aqui. – então, puxei o mapa da minha sacola e o coloquei sobre a mesa. - Bem, bem, vejamos como pode chegar mais rápido. – disse se colocando sobre o mapa – Vejo que não é bem detalhado, onde o conseguiu? - Na biblioteca, o que estava completo eu não poderia pegar, pois era da biblioteca e pelo visto não tinham outro. - Entendo, mesmo assim esse serve bastante bem, e vai poder te ajudar em várias situações, não consigo entender como chegou aqui sem um mapa. - Eu pretendia ir para Kalyförd, mas acabei chegando aqui. - São coisas do destino. –acrescentou ainda examinando o mapa – Você teria que atravessar o deserto, é o caminho mais rápido até Kalyförd, tem mantimentos, não tem? - Comprei mantimentos para uma semana, porque? - Vão te durar quatro dias no máximo, o deserto é uma parte ruim para se atravessar, mas quatro dias é tempo suficiente para atravessar o deserto, logo depois do deserto está Kalyförd. - Lá é tão quente como aqui? - Não, é um fenômeno estranho, mesmo estando perto do deserto não há tanto calor como aqui, lá é bastante frio para falar a verdade. Nunca ninguém soube explicar o porque da baixa temperatura do local, então é algo que as pessoas pouco se importam por lá. - Eu tenho que me preparar para começar a minha nova pequena aventura. - Então, vai amanhã ao nascer do sol? - Vou sim, talvez um pouco antes. - O que achou da minha hospedagem? - Uma das melhores pelas quais passei, agradeço a ajuda e gostaria de não ter que ir. - Seria bom se algum dia voltasse aqui.

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- Espero poder reviver os bons momentos que tive por aqui, mas é hora de dizer adeus. - Até outro dia, é uma pena não poder vê-lo indo embora. – o sorriso no seu rosto ia se esvaindo, antão me deu um abraço, o qual eu não podia recusar, ela seria uma boa amiga seu eu pudesse ficar mais tempo por lá. Me despedi também da recepcionista, e mandei um adeus para Lara e pedi para que ela não me esperasse. A noite passou mais rápido que o normal. Mesmo dormindo eu pude perceber o tempo voando para longe. Os primeiros raios de sol invadiram a minha janela, então arrumei as minhas coisas e saí pela porta da frente, o único que aquela cidade poderia ter visto era um vulto envolto entre umas roupas negras e uma sacola da mesma cor correndo através da campina amarelada em direção ao Deserto da Morte. O calor escaldante ainda não havia começado no início da manhã, para falar a verdade, ainda estava frio para a temperatura que faria quando o sol atingisse o seu ápice. A grama amarelada ia morrendo a cada passo ao longe que eu dava, ia ficando cada vez mais amarelada e cada vez mais perdendo volume, até que veio a areia avermelhada. No deserto nada se via, apenas algumas pedras de pequeno porte e muito raramente uma pedra grande aparecia ao longe e se aproximava. A areia avermelhada voava a cada rajada de vento que vinha de algum lado no horizonte, raramente entrava nos meus olhos, e tinha que usar água para limpá-los, porque se usasse magia iria me desgastar mais rápido, a água eu poderia repor em algum lugar, mas a energia seria mais difícil de conseguir. Em certo momento pude ver um oásis, havia poucas árvores de médio porte e alguns poucos arbustos. Talvez fosse uma miragem causada pelo calor, mas então percebi que a

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temperatura para mim era diferente do que para os humanos, para que meu cérebro começasse a ter ilusões seriam necessárias temperaturas bem superiores as daquele deserto. O oásis ia aumentando e chegou a ficar do tamanho de uma pousada, a água nele estava fresca, então pude me refrescar e beber um pouco de água. As árvores não eram frutíferas, então comecei a examinar os arbustos, eles tinham pequenas frutinhas azuis que reconheci como lärds, elas eram comestíveis e, como diziam, tinham um gosto agridoce. Peguei um punhado e comecei a comer uma por uma experimentando o gosto delas, o gosto começava com um toque salgado para depois passar a um toque adocicado, o que fazia dela uma fruta perfeita para os dois gostos, se passasse do doce para o salgado com certeza eu não iria gostar muito delas. Fiquei ali descansando até que a noite caiu, eu havia passado ao redor de doze horas correndo pelo deserto, as montanhas no horizonte não havia se movido do lugar onde estavam, mas a temperatura começara a cair, então pude sentir que era tarde. Naquele deserto, mesmo que as horas passassem o sol não baixava de onde se encontrava. Percebi que nele havia muito poucas horas de sono. Se ali houvesse grama, ela estaria balançando de um lado para o outro loucamente, o vento à noite era forte, devido à falta de vegetação para pará-lo. Deitei-me ao lado de alguns arbustos que poderiam barrar um pouco o vento durante a noite. Percebi que não encontraria mais um oásis para poder descansar e me deitar sob proteção, então me cobri com um cobertor que Samira havia me dado e me deitei sobre a minha sacola bem longe dos arbustos e das árvores, para poder experimentar como seria sobreviver ao frio que me afetava durante os próximos três dias, no mínimo.

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Pouco depois de ficar deitado, a baixa temperatura do vento parou de me incomodar, comecei a me acostumar com o frio. Ao menos havia algo de bom em dormir no meio de um oásis, era tranquilo, às vezes parecia tranquilo demais para ser de verdade, mas as dúvidas cessaram quando o sono me agarrou e me levou a mais um sonho. Estava tudo escuro, desta vez eu não conseguia enxergar nada, estava frio, muito mais frio do que quando eu havia me deitado no oásis, eu podia sentir o meu coração batendo devagar, a minha respiração era pausada. Uma luz se acendeu e iluminou um quarto todo branco, agora eu podia me ver perfeitamente, estava vestido com um sobretudo negro. Encontrei um espelho e me olhei nele, meu rosto estava mais pálido que o normal, então, olhei para as minhas costas através do espelho. O espelho escorregou devagar até cair ao chão e se quebrar em inúmeros pedaços. - O que foi? Não gostou do que viu? – disse uma voz suave, uma figura havia aparecido na minha frente, era lindo, estava vestido com um sobretudo branco e as suas asas negras brilhavam como o céu da noite. - Quem é você? O que está acontecendo comigo? – o desespero tomou conta de mim, eu já havia sonhado com aquilo, mas eu não queria que acontecesse em um sonho onde tudo parecia real demais. - Eu sou um anjo, não vê? – disse ainda com a sua voz suave, e sorriu pra mim, aquilo chegava a ser perturbador. - O que está acontecendo comigo? - Não se preocupe, não são reais, as minhas são. Eu gostei das suas asas brancas, combinam com você. – deu um passo à frente.

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- As suas também combinam com você. – disse dando um passo atrás tentando me livrar dele. - Obrigado por notar, eu gosto muito delas, elas me dão liberdade. – ele ia se aproximando cada vez mais, enquanto eu caminhava para trás – Em pouco tempo irá acabar na parede e não vai ter mais pra onde correr. – disse sorrindo enquanto eu ia cada vez mais contra o final daquela sala. - Quando eu chegar à parede esse sonho irá acabar. - Quando você começou a pensar que era um sonho? Quando viu o seu lindo par de asas brancas? Ou quando me viu? - Isso é um sonho desde que eu comecei a querer sair dele, e nada mais. A imagem dele se aproximando ia se esvaindo lentamente enquanto, os sonhos que teriam que ter estado no lugar daquele, não apareciam. Os raios de sol no horizonte me acordaram cedo demais. Mas foi bom, pois assim não teria que enfrentar aquele “anjo” por mais tempo. Aquelas asas, ele disse que eram reais, e as minhas não, então quer dizer que se ele existe realmente, ele tem asas? Aquele sonho não era para ter acontecido, a realidade, se é assim é cruel, aquele ser não teria que existir. Peguei um pedaço de pão da minha sacola e o comi aos pedaços, depois bebi água e me lavei no rio, para poder seguir viagem com uma dúvida cruel dentro de mim. Espero poder ter a certeza sobre aquele sonho quando acabar o que o meu destino quer, pois vou ter mais tempo para pensar no assunto, espero que ele não esteja envolvido no meu destino, pois se estiver eu teria que enfrentar minha metade diabólica e doentia. Aqueles olhos emanavam terror e dor, eram de um vermelho intenso, como se chamas fossem sair e queimar tudo que havia naquela sala.

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Depois que arrumei as minhas coisas segui viagem em direção à Kalyförd, o vento agora era quente, muito quente se comparado ao vento da noite. A areia ainda levantava quando o vento vinha e formava algumas nuvens de poeira, ainda não conseguia ver nada além de montanhas ao redor do deserto, o oásis já havia saído de vista, quando do silêncio absoluto veio um rugido fantasmal, procurei ao meu redor e não havia nada, talvez estivesse começando a alucinar, mas pouco depois eu ouvi o rugido novamente. Então percebi que não estava vindo de nenhum dos meus lados, mas sim de cima de mim, quando levantei o rosto para olhar para o céu uma besta alada imensa passou por mim e cobriu a luz do sol. Tinha corpo de leão, os seus caninos eram mais avantajados que o de um leão normal, eles se sobressaiam pelos lados da boca, tinha aproximadamente uns seis metros tinha um par de asas, de um tom laranja avermelhado, ele tinha pelagem amarelada. Pousou na minha frente e rugiu, o cheiro que ele soltou pela boca era horrível era pior do que carne que estava enterrada e apodrecida por duas semanas, ele parou em frente a mim e ficou me estudando por poucos segundos, para ver se eu seria uma boa refeição, ao que ao parecer foi exatamente o que aconteceu, pois ele pulou em mim no mesmo instante que parou de olhar para mim, tinha uns dois metros de largura, então fugir dele era meio complicado. Várias vezes pulei para os lados até o momento em que eu não tive tempo de fugir e ele me tombou, foi então que percebi que passar por baixo seria mais eficiente. Na segunda vez que parei embaixo da sua barriga eu puxei a minha adaga e cravei-a com força, a sua pele era dura demais, mas mesmo com um pouco de dificuldade eu consegui perfurá-lo e fazê-lo sangrar. Ele rugiu furiosamente, então começou a pular em mim tão rápido e tantas vezes que eu mal tinha tempo de me desviar dos

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seus golpes, em outro momento eu encravei a adaga outra vez, mas dessa vez passou entre duas das suas costelas. Nessa hora vi o seu ponto fraco, então pulei nas suas costas e me segurei do seu pêlo, assim que ele se recuperou e notou minha presença ele subiu aos céus, levantando tanta areia como era possível. A adrenalina havia tomado conta de mim, o medo de cair daquela altura não podia se comparar com a vontade de matar aquele animal, o sangue corria tão rápido em mim como corria em um humano normal, mas em mim aquilo era quase o limite. Assim que ele alçou vôo eu fui avançando em direção à sua cabeça, o seu pescoço estava bem perto de mim. Segurando-me apenas com uma das mãos eu peguei a minha adaga e com um golpe rápido e preciso acertei a adaga no meio da sua garganta, aquilo ainda não era o fim para aquela besta, a adaga passou por todo o seu pescoço até que o sangue manchasse meu braço quase por completo. Ele ia caindo, cada vez mais rápido, ele havia subido uns cem metros, a queda ia ficando cada vez mais apressada, então, pouco antes dele cair, eu pulei, assim teria como amortecer a minha queda. A lâmina da minha adaga estava encharcada em sangue espesso de um vermelho escuro. Tive que usar um pouco da água que eu tinha na minha sacola para limpar o meu braço e a adaga. O deserto continuava igual, a não ser por um pequeno monte que era feito de pêlos e carne, me aproximei e roubei umas poucas penas das suas asas, os seus olhos abertos estavam perdendo a sua cor, não gostava de matar criaturas grandes que depois sentia pena, fechei os seus olhos para então poder seguir viagem. Depois de retomar viagem eu me lembrei de uma história que Samira havia me contado sobre aquelas criaturas que pareciam leões.

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Ao longe já se ouve O seu urro gutural

Sempre estão por perto Mas nem sempre fazem mal

Quando noite cai se escondem Voam longe para os montes

Brilham como o sol De meio dia

São tão rápidos e vorazes Que nada os enfrenta Senhores do deserto

Estarão sempre por perto Mansos como cães

Ferozes como a morte Vorazes como a Lua

Que leva toda a luz do Sol Se estiver por perto

Não olhe para a sombra Procure sempre a luz

Se conseguir ver a morte Apenas toque a sua mente

Nada é eficaz A não ser a luz de dentro

A luz da mente A luz da força E da vontade

Quando o sangue arde É o momento certo pra atacar

O coração

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A história não acabava aí, mas era o máximo que eu conseguia lembrar, ficar fugindo dos ataques de uma besta daquelas havia tirado um pouco das minhas energias.

Medo da chuva

Sophye acordou assustada, havia sonhado com Karyn de novo. - O que foi, pequena? – perguntou Marlëv do outro lado da fogueira. - Ele, ele estava lutando com um bicho estranho. - Com o que o bicho se parecia? - Parecia um leão, mas... Tinha asas. - O quê? – Marlëv parecia assustado com aquela resposta. - Um leão, com asas. – até mesmo Sophye duvidava um pouco do que estivesse falando, tais criaturas para ela não existiam. - Um Planydius... – disse Marlëv, sussurrando. - O quê? - Um Planydius, um leão com asas. – disse Marlëv enquanto gesticulava. - Não, esse tipo de criatura não existe.

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- Sim, existem e estão no deserto, não me diga que você o viu com um Planydius em um deserto, viu? - Sim, sim, era um deserto. – Sophye entrou em estado de pânico – Ele não pode estar lutando contra um bicho tão grande, pode? - Na realidade, se ele estiver passando pelo deserto que tem no meio de Ellorien e Kalyförd, pode sim. - Mas porque ele estaria lá? – Sophye havia se acalmado um pouco, mas ainda estava um pouco agitada. - Os boatos dizem que a irmã dele foi levada por um homem que ficava sussurrando: “Kalyförd, Kalyförd”, se for verdade ele tem um bom motivo para ter ido lá. - E se for verdade e ele estiver mesmo lutando com esse tal de Plany-não-sei-o-quê? - Se for assim temos que esperar notícias dele. – ele fez uma pausa para analisar o rosto de Sophye – Eu sei que é difícil, mas é o que temos a fazer. - Vamos para Kalyförd, se ele estiver bem, ele irá estar lá. - É bem provável, mas e o seu treinamento? - Eu não me importo mais com o meu treinamento se Karyn estiver em problemas. - Então acho que não temos muitas escolhas, vamos para o castelo e falaremos com Skarvöet para nos levar até Kalyförd. - Vou arrumar as minhas coisas. – disse Sophye apressada. - Ainda não, tenho que te falar algumas coisas. - Algum problema? – ela já começava a se agitar de novo. - Não, apenas algumas explicações se por acaso acontecer algum problema. - Pode falar. – disse ela. - Se por algum acaso, você soubesse que os sonhos que você tem com Karyn, acontecem de verdade, o que você faria?

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- Eles não podem ser reais, são apenas sonhos... – ela estava ficando cada vez mais desesperada. - Ninguém disse que eles são reais, mas o que você faria se fossem? - Eu tentaria ajudá-lo da melhor maneira possível, se ele estivesse passando problemas, e ficaria feliz em vê-lo bem. - Então seria melhor que você se acalmasse, agora vou te contar uma coisa bem importante sobre os seus sonhos com Karyn. - Ele não são de verdade, são? - Se acalme, beba água. – ele gesticulou e apareceu uma taça de água que ele entregou para Sophye – Vocês têm uma forte ligação, não apenas pelas suas almas, mas também pelo amor que sentem um pelo outro e pode ser, não há certeza, mas pode ser que esses sonhos estejam sendo momentos reais da vida dele, mas não é bom confiar nisso, muitas vezes quando os que tem essa ligação confiam demais nisso acabam imaginando coisas e sonhando coisas ruins que certamente não aconteceram, e acabam acontecendo coisas piores. - Mas, existe a possibilidade de que sejam reais? - Existe, em uns cinquenta por cento. - Então temos que partir, agora! – ela estava agitada demais, mas Marlëv sabia como acalmá-la. - Espere Sophye, ainda há algo que tenho que te dizer. - É pior que a outra notícia? – perguntou voltando a se sentar, ainda com o coração acelerado. - Em certo ponto sim, mas tem uma solução mais simples. - Então me conte logo, tenho que arrumar as coisas para irmos à Kalyförd. - Está bem. – ele respirou fundo e continuou – Se por acaso, existe uma possibilidade muito remota de que aconteça, Karyn morresse, o que você faria?

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- Eu, eu... Não sei. – uma lágrima rolou pelo seu rosto, mas agora ela estava calma, ela não tinha resposta. - E, o que aconteceria se eu morresse agora ou em pouco tempo? - Eu, também não sei, me desculpe. – as lágrimas saiam dos seus olhos de uma forma incontrolável. - Acalme-se, pequena! - disse Marlëv abraçando-a – Não há nada com o que se preocupar, nós dois estamos bem, e aposto que Karyn está em perfeita forma. - Mas, e se acontecer? Eu não vou saber o que fazer... – a sua voz saia cortada por soluços. - Nada vai acontecer, mas se acontecer, só se preocupe depois, a vida é algo para se questionar depois da morte. – fez uma pausa para secar as lágrimas de Sophye e continuou – Agora vá arrumar as coisas, que com sorte chegaremos à Kalyförd antes que Karyn. - Tudo bem. – agora Sophye tinha algo para pensar, mesmo que não quisesse. Quando acabou de arrumar as coisas dentro da sua sacola, Sophye ficou repassando todas as magias novas que havia aprendido no seu treinamento. Ela esperava que Karyn estivesse tão forte quanto ela, mesmo não tendo treinado com ela e Marlëv. - Eu posso apostar que está sim. – Sophye soltou a sacola no chão quando Marlëv apareceu por trás dela, com certeza havia lido os seus pensamentos. - Não é interessante ficar lendo os pensamentos dos outros, Marlëv. – apontou Sophye recolhendo a sacola. - É interessante, principalmente quando a pessoa de quem se lêem os pensamentos andam sabendo de mortes inexistentes. – nessa hora Marlëv riu, mas parou quase instantaneamente – Me desculpe, não é engraçado, eu só estava checando para o caso de você andar pensando muito no assunto. – Sophye não deu

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resposta, então ele continuou – Acho que eu deveria confiar mais em você, não é? – outra vez sem resposta – Então, vamos indo? - Vamos, - a resposta foi seca – sim, é claro que pode confiar em mim, já que em nenhuma das perguntas você disse que eu fosse morrer, em qualquer um dos casos eu vou sobreviver. – dessa vez ela riu, um pouco forçado. - Isso não teve graça, Sophye. Mas eu entendo que você esteja assim. – então Marlëv também sorriu. - Quanto irá durar a viagem até Kalyförd? - Eu não lembro muito bem, perguntaremos a Skarvöet quando chegarmos ao castelo. - Então seria bom se fossemos arrumar as nossas coisas. - Sim, você tem toda a razão. – aquela parte da conversa acabou ali. Assim que terminaram de arrumar as suas coisas, sem nenhuma palavra a mais começaram o seu caminho em direção ao castelo de Marlëv, a espera, de que Skarvöet estivesse lá para poder lhes informar o caminho e o tempo de duração da viagem até Kalyförd. - Desculpe por ter te tratado mal antes de começarmos a viagem. – disse Sophye com a voz um pouco baixa. - Não tem problema, não se esqueça que eu leio pensamentos, eu pude entender perfeitamente o momento que você estava passando. – Marlëv tentava buscar uma forma de se desculpar sobre a desculpa de Sophye. - Obrigado, tudo em paz de novo? - Tudo em paz, se for começar uma guerra com você eu sei que vou sair perdendo. – disse Marlëv rindo baixinho. - Todos perdem para mim!

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- Se eu tivesse o seu poder de persuasão eu conseguiria fazer com que a besta atual e a anterior tivessem se curvado a mim. - Ei, não é para tanto. – dessa vez Sophye riu. A viagem era calma, Marlëv conhecia melhor o caminho que Karyn por isso a viagem demorou pouco mais de um dia até o castelo. Durante a noite, Sophye treinava as magias que ainda não dominava muito bem, sob os olhos atentos de Marlëv, agora Sophye era capaz de lançar bolas de fogo a mais de dez metros, conseguia fazer as coisas levitarem e tinha uma grande capacidade de cura. Marlëv sabia que a habilidade especial de Sophye era poder persuadir as pessoas, então ele a ajudou a desenvolver uma grande técnica de ilusão, uma vez ela tentou iludir Marlëv com um jarro de água, mas como Marlëv é capaz de diferenciar ilusões de coisas reais não funcionou, o que fez com que Sophye ficasse triste e Marlëv começasse a gargalhar. - Você tem avançado bastante no seu treinamento, espero que Karyn tenha avançado também. - Eu também, só que ele não é muito habilidoso com magias, você sabe qual é a habilidade especial dele? - Ele é alguém que luta muito bem, espero que tenha conseguido uma arma melhor e tenha se aperfeiçoado. Falando nisso, você, no sonho, o viu com alguma arma estranha ou coisa do tipo? - Se me lembro bem, ele estava com uma adaga de metal azul, parecia que era feita de escamas, mas não tenho certeza. - Pode ser que seja verdade, mas teremos que esperar para encontrá-lo para descobrir se ele ficou melhor, ou continua no mesmo nível. - Eu não me lembro de ter visto você usando magia, - disse Sophye na noite da viagem – poderia fazer alguma para que eu veja uma magia avançada? - Poder eu até posso, mas a maioria das magias avançadas é para serem usadas em combate, e eu não tenho nenhum combatente

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no momento. – respondeu ele enquanto se recostava em uma árvore. - Não há nenhuma que seja de suporte, ou algo parecido? - Agora me lembro, existe sim. - O que ela faz? - Apague a fogueira, por favor. - RAMENST LUKKA. – um pequeno jato de água saiu da mão esquerda de Sophye e apagou a fogueira – E agora? - KAMIN MANTILE. – saindo da mão direita de Marlëv, havia um orbe luminoso, que substituía perfeitamente a fogueira – Além de iluminar, se alguém em um raio de dois quilômetros fizer outro igual, as pessoas podem se comunicar. - Interessante. - Espere um segundo. - disse Marlëv retirando alguns papéis da sua sacola – Me lembrei agora que eu escrevi um poema retratando a história de amor entre você e Karyn, quer ouvir? - Sim. – assim que ele falou do amor que eles tinham, os olhos de Sophye brilharam a luz do orbe. - Não sei se está bem feito, mas fiz poucos dias depois de começarmos o treinamento. E à luz do orbe Marlëv recitou o poema com a história de amor.

A lua airosa No céu brilhou

Uma noite dolorosa Com uma morte começou

Alguém especial Cada um deles perdeu A lua brilhou no alto No momento do beijo

Em que cada um sentiu

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Um imponente desejo O amante insatisfeito

Decidiu continuar Levou aquela história

Até que o Sol Deixasse de brilha.

Um anjo surgiu Para tirar deles a paz Na busca da solução

A um amigo vão de encontro Buscar uma resposta

Para poder matar o monstro Treinar é necessário

Mas outra morte se aproxima Da mãe do apaixonado

Lhe é tirada a vida, Tempos de noite se aproximam

Onde uma guerra se impõe Diante de todos surge um herói

Acompanhado pela amada E amigos a ajudar

Encontrar a solução Para a vida do anjo findar

O herói altivo corre Pelas campinas a lutar Contra leões e dragões Ele batalha sem cansar

A amada Para o bem se reforça Lutando ainda altiva

Contra o tempo e a dor da perda Seu amado correu para longe

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Mas ainda fica no coração Uma marca ainda forte Da dor de uma paixão

A amada vai ao encontro Do seu amor

Que juntos conseguem Uma espada sagrada

Para o anjo poder matar A guerra se inicia Sob a luz do luar

Quando menos se espera Uma alma irá surgir Ajudar ou destruir

A força dos guerreiros Que com amigos contam E de amigos se apóiam Para no fim conseguir Não apenas a glória, Mas também a paz

Para eles e para todos Em um lugar tranquilo

Até que em um distante futuro O anjo retorne das profundezas

Para outros guerreiros Terem o trabalho de matar.

Sophye adormeceu logo após Marlëv ler o poema, mas sem antes comentar do otimismo que ele tinha diante da situação. O orbe brilhou pelo resto da noite, enquanto Marlëv rabiscava em suas folhas criando novos poemas.

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- Bom dia, pequena, - disse Marlëv assim que Sophye acordou – quer alguma coisa para comer? - Ainda têm aquelas maçãs roxas? – disse Sophye esfregando o rosto para poder acordar um pouco melhor. - Tem sim, tome. – disse ele jogando uma maçã para ela, que mesmo ainda meio adormecida conseguiu agarrar. - Obrigada. – e então deu uma forte mordida na maçã. - E então, mais algum sonho estranho? – disse ele tomando um gole de água. - Não, pelo menos nenhum que esteja ligado à Karyn. - Ainda bem, chegaremos ao castelo hoje, por volta do meio-dia. - Espero que Skarvöet esteja descansado, para poder nos levar até Kalyförd. - Teremos que conseguir que ele queira ir primeiro, para depois ver se ele está descansado. – Marlëv sorriu para ela. - Então espero que ele esteja de bom humor e tenha um pouco de piedade por uma pobre garota apaixonada que tem o seu amor correndo perigo. – assim que ela disse isso, Marlëv não conteve o riso, a expressão de Sophye de garota sofrendo era de matar qualquer um de rir. - Antes de pedir a ele, então teríamos que rever essa sua cara de “pobre garota”, porque essa está muito engraçada. - Não era pra rir, era para ter pena de mim. - Tudo bem, mas você não vai precisar fazer nenhuma careta para que Skarvöet queira te levar para algum lugar, eu duvido que até aquele coração gelado que ele tem resista ao seu poder se persuasão. - Pelo menos tem um ponto positivo. - E qual é? - Ele vai nos levar até Kalyförd. - É, você tem razão.

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A viagem durante a manhã foi calma, e quando o meio-dia ia se aproximando, também se aproximava o castelo de Marlëv. Skarvöet estava deitado sob a sombra da árvore de Zefryon, que parecia ter crescido alguns centímetros desde que eles foram treinar. - Bom dia. – isse Skarvöet ainda com a voz meio rouca de sono, o que fazia a voz dele ainda mais sóbria que o normal. – O que os trás mais cedo do treinamento? - Temos que te pedir um favor, Skarvöet. – disse Marlëv se aproximando para tocar o focinho do dragão, em forma de saudação. - Vocês querem que eu os leve onde Karyn está? Não é mesmo? - Sim, mas como você sabe disso? - Eu ainda posso ver bem e entender as expressões nos rostos das pessoas, pequena. – disse ele soltando uma baforada quente no rosto de Sophye. - Você tem sorte de ter um hálito refrescante, porque se fosse fedorento eu poderia te bater agora mesmo... – disse Sophye fazendo uma cara de malvada. - Eu no seu lugar, não gostaria de apanhar dela, ela tem ficado cada vez mais forte, mas é só um conselho. – disse Marlëv para Skarvöet, que riu baixinho. - Tudo bem, pequena, sinta-se feliz por eu te levar ao teu amado. - Obrigado, você já ouviu o poema que Marlëv fez sobre mim e Karyn? – perguntou Sophye esperançosa. - Não, durante a viagem ele pode me mostrar, não é Marlëv? - Sim, agora, quando poderemos partir? - Eu vou caçar algumas coisas pequenas e já volto, até lá arrumem as suas coisas. – disse logo antes de abrir suas imensas asas e voar por cima do castelo. - Pronto, agora temos que esperar e em pouco tempo estaremos com Karyn. – disse Marlëv se abaixando para tirar os seus

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poemas da sacola, entregou alguns que havia escrito na noite anterior e guardou a historia de Karyn e Sophye no bolso, para depois recitar para Skarvöet. - É... Pouco tempo... – disse ela pegando os papéis e começando a ler quase instantaneamente. - Vai ser bom vê-lo de novo, mesmo tendo passado pouco tempo, com aquele garoto é como se tivesse passado uma eternidade. - Aquele garoto quase me mata do coração, ele e suas idéias loucas de sair correndo no meio da noite. – disse Sophye amassando um pouco uma das folhas de papel, enquanto Marlëv ria baixinho. Skarvöet voltou pouco depois, então Sophye e Marlëv subiram nas suas costas. Ele estendeu as suas asas e partiram rumo ao campo aberto para depois chegar na campina avermelhada e passar à doce areia do deserto, enquanto Marlëv lia seus poemas para Skarvöet e pedia a sua opinião, fazendo pequenas modificações. Marlëv queria poder fazer um livro de poesia, então ele ia fazendo trabalhos sobre a sua vida e a vida dos que lhe rodeavam, podendo assim fazer um livro de histórias em verso.

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Quando o espírito nasce

Assim que chegamos com a carruagem, no castelo, acompanhei Ally ao seu interior, ela ficou admirando tudo, como se fosse um bebê olhando para as nuvens, ela parava em cada tela, em cada vaso e em cada pedra embutida nas paredes, para ficar apreciando o que ela chamava de “perfeição”. - Quer que eu te acompanhe ao teu quarto? Deve estar cansada depois da viagem sem paradas. - Podemos dar uma volta no castelo antes de irmos lá? - Seria melhor que você descansasse, assim estaria mais acordada para apreciar as coisas. – enquanto falava isso passava uma mão pela sua cintura para guiá-la pelo caminho – Max! – chamei o meu mais novo ajudante – A partir de agora teremos mais um convidado à mesa, espero que esteja tudo preparado no horário certo, pode ir agora. – disse para ele enquanto levava, com pequenos empurrões, Ally para o seu quarto.

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- Adorei o casteloe Mark, por quanto tempo vou poder ficar aqui? - Vai poder ficar todo o tempo que quiser. – estávamos já subindo as escadas em direção ao andar com os quartos – O seu quarto vai ser ao lado do meu, o que acha disso? - Perfeito, assim vou sentir-me segura sabendo que você pode me ajudar a qualquer momento... - Aqui estamos. Bem vinda ao seu novo quarto. – disse abrindo a porta e mostrando a ela o seu quarto, que tinha uma cama de dois corpos, com doseis pretos ao redor, tinha um armário com espelhos, quatro portas e quatro gavetas, todo feito em madeira vermelha, adornado com detalhes em ouro – O que achou? - Tem que esperar um pouco, assim eu posso me acostumar com a beleza deste lugar. – disse ela e veio me abraçar – Obrigada, Mark. - Não há de que, era o mínimo que eu poderia fazer por uma convidada tão especial. – entrei no quarto e caminhei em direção ao armário – Ainda não acabou. - disse abrindo as portas – Tem tudo isso por aqui. – o armário estava completamente cheio de roupas do tamanho exato dela, todas elas estavam na cor preta – Se não gostar da cor, é só me avisar que eu posso trocá-las para você. - Não precisa, são todas lindas. – os olhos delas estavam embevecidos em alegria e êxtase, em pouco tempo se acostumaria àquilo e se sentiria normal, sem nenhum excesso de emoção. - Então, tenho que te deixar, até amanhã de manhã, meu doce. – beijei a sua bochecha e sai do quarto, antes mesmo de poder ouvir o seu: “Obrigado e boa noite.”, que eu não pude responder.

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A noite demorou a passar, enquanto eu pensava em como faria que ela pudesse satisfazer algumas das minhas vontades, teria que encontrar uma forma de fazer ela me obedecer. Seria com carinho e presentes? Seria com os sentimentos? Ou seria pela força? Eu teria que encontrar a resposta o mais rápido possível, se não eu ficaria sem tempo. Logo de manhã, bem cedo, quase com o nascer do sol, eu desci para os campos em frente do castelo para andar e respirar ar puro, mesmo que eu não precisasse dele. - Bom dia, dorminhoca. – disse sentado ao lado da sua cama. - Oh! Bom dia. – ela estava com a voz ainda sonolenta, mas mesmo assim era bonita. - Dormiu bem? Teve algum sonho interessante? - Não, não pude dormir bem. – disse com uma cara triste – Eu dormi perfeitamente bem. – mudou a expressão no mesmo instante – Agora, podemos conhecer o resto do castelo? Podemos? - Não, ainda não, você tem que se alimentar bem. O café está pronto para você lá embaixo, quer que eu te acompanhe, ou vai sozinha? - Me leva, por favor? - Vamos, mas antes, troque a roupa, vou te esperar lá fora. - Vá logo, - disse ela me empurrando gentilmente da cama – eu não posso perder tempo, nem um segundo. - Tudo bem. - em uns poucos passos já estava do lado de fora – Agora se apresse. – e fechei a porta atrás de mim. Esperei aproximadamente meia hora, quando ela saiu, estava com os cabelos, ainda molhados, penteados para trás, e vestia um sobretudo preto, junto com umas botas pretas. - Estou pronta. – disse sorrindo e segurando o meu braço.

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- Percebi, mas não precisa ficar tão bonita apenas para tomar o café da manhã. - Não, eu não fiquei assim pelo café, fiquei assim por você. - disse parando com uma cara entristecida. - Ah, obrigado, eu não sabia. – disse meio sem graça – Então tudo bem, você acaba de ganhar isso. – disse me abaixando um pouco para ar um beijo na sua bochecha. - Obrigada, agora vamos. – agora ela estava radiante. Sentamos à mesa, ela estava na ponta, e eu me sentei ao seu lado direito, um pouco afastado pelas asas, mas mesmo assim podia ouvir o som do seu coração batendo, e da sua respiração perfeitamente. - Hoje, eu vou te mostrar coisas surpreendentes. De noite te mostrarei o resto do castelo. - Que tipo de coisas? - Vou te mostrar magias além do imaginável. - Eu vou poder aprender? – disse mordendo uma maçã. - É claro, eu te trouxe aqui, por que, além de gostar muito de você, eu acredito no seu potencial, e eu sei que você pode se tornar alguém forte e poderá me ajudar no futuro. - Obrigada, mas, eu não sei se serei capaz de aprender magias, eu nunca fui muito boa aprendendo coisas, levou um bom tempo até que eu pudesse caçar com facilidade sozinha. - Não se preocupe com isso, teremos tempo de sobra para que você aprenda tudo que precisa saber. – disse levantando da cadeira ao seu lado – Agora vou sair um pouco para resolver umas coisas, enquanto isso continue apreciando o seu café da manhã. Voltarei em breve para te levar e daremos um passeio pelos arredores do castelo. - Me diz pelo menos que tipo de magia é o que você vai me ensinar?

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- É claro, são magias ofensivas e defensivas, quando você estiver forte, espero que possa treinar comigo. – então sorri para ela. - Interessante, pode fazer alguma coisa com essa maçã? – disse ela sorrindo pegando uma maçã da cesta. - Posso sim, quer ver? - Você não tem que fazer esse tipo de perguntas, é claro que eu quero ver. - Então tudo bem, lá vai. – pensei o que poderia fazer e resolvi fazer algo simples – EXEMMO ROZZ – a maçã foi perdendo o seu tamanho, foi afinando e esticando, até que do topo, surgiu uma rosa, o resto da maçã havia se transformado em um caule e algumas poucas folhas bem verdes – É para você... - entreguei a rosa a ela, beijei a sua bochecha e saí da sala. - Obrigado... – a ouvi murmurando atrás da porta. - Max! – chamei três salas à frente. - Aqui estou, - disse quase instantaneamente aparecendo por trás de uma porta de madeira – o que precisa? - Eu tenho que lhe pedir um favor bem grande, pode ser? - O seu desejo é uma ordem, senhor. – disse ele fazendo uma leve reverência. - Max, quantas vezes eu tenho que te dizer que não é para ficar me tratando como o seu superior, eu sou igual a todos vocês, a única diferença está na força, mas isso não conta nesse caso. - Desculpe-me. – disse começando outra reverência. - Pode parar. - disse levantando o seu tronco – Então, o favor que tenho que te pedir. Eu preciso que você traga a espada aqui e coloque encima do guarda-roupa de Ally, eu tenho certeza que ela será capaz de empunhá-la em seu momento. Voltei à sala onde Ally se encontrava pouco depois de dispensar Max, ela ainda estava sentada no mesmo lugar comendo maçãs, pelo visto ela havia adorado aquelas maçãs.

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- Voltei, acho você não sentiu a minha falta comendo todas essas maçãs, - apontei para uma pilha de caroços já comidos – deve haver no mínimo umas vinte maçãs dentro de você agora, não é mesmo? - Não é para tanto. – disse ficando um pouco vermelha. - Tudo bem, já acabou de tomar o seu café? - Sim, agora podemos ir ver as magias? Talvez eu aprenda alguma. - Não se preocupe, tenho certeza que você vai conseguir, e bem rápido. - Obrigada. - Primeiro vou te mostrar algumas, depois vou te ensinar o que fazer para poder usar as magias. Já estávamos do lado de fora do castelo quando ela começou a insistir em ver magias mais poderosas do que aquela que eu havia feito na sala de jantar, enquanto ela estava tomando o seu café da manhã. - Por favor, Mark, só mais uma magia. - Vamos passear um pouco e só então te mostrarei mais magias, além do mais, eu quero que você conheça um lugar especial. - Fica muito longe daqui? – perguntou, com certeza esperando que não fosse muito longe. - Nada que uma forte vampira de 14 anos não consiga aguentar, mas eu acho que seria melhor para você se eu te carregasse, não é mesmo? - Você vai me carregar até lá? – os seus olhos já estavam brilhando. - Sim, suba nas minhas costas e se mantenha firme. Ela subiu, e com um pulo eu quase alcancei a altura do castelo, e a partir daí eu comecei a bater as asas, para tornar a viagem mais prazerosa eu fui a uma velocidade moderada, nem tão rápida para que não desse para ver os pássaros passando por nós,

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e nem tão lento como para que se um pássaro batesse em nós nos derrubasse. - Como está se sentindo? – perguntei no meio da viagem. - Estou me sentindo perfeitamente bem. - Como é a sensação de estar aí encima? - É perfeita, eu nunca havia experimentado nada parecido, vamos poder fazer isso mais vezes? - Vamos sim, e cada vez vai ficar melhor, até que um dia você possa fazer sozinha. - Como assim? Eu vou poder flutuar? - Tudo há seu tempo, Ally. – disse com uma voz em um tom carinhoso. - Eu odeio quando você faz isso? - O que eu faço? - Me deixa curiosa, eu odeio quando as pessoas me deixam curiosas. - Tudo bem, a partir de hoje eu não vou te deixar curiosa, então não vou poder te dar pistas sobre o que pode acontecer, na hora que tiver que acontecer, talvez você não esteja preparada para certas emoções. - Eu posso sobreviver. - Assim espero Ally, não quero que você morra por um susto, você ainda vai me ajudar muito no futuro. E não, não vou te dizer como, então nessa parte vai ter ficar com a curiosidade. - Ainda falta muito para que cheguemos até o lugar de pouso? - Não, falta pouco, você vai adorar aquele lugar. - Como ele é? - Eu não posso te dizer, desculpe, mas eu adoro deixar os outros curiosos, eu vou me controlar, eu prometo. –disse quase instantaneamente. - Assim espero Mark. – ela estava com um tom de raiva na voz, mas aquilo a deixava mais linda do que já era.

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- Olhe lá na frente, - disse apontando para um rio – está vendo o rio? - Estou sim, ele parece bem pequeno daqui de cima. - Então, temos que seguir aquele rio até encontrarmos um ponto de pouso. - Posso ajudar a procurar? - Deve ajudar, se não nunca encontraremos um bom lugar. - O que seria de você sem mim, iria cair no meio dessa floresta, com certeza. – disse ela rindo da sua própria piada. - Isso seria a primeira coisa que eu terei em conta quando vier aqui sozinho. - Você nunca mais virá aqui sozinho se esse lugar for tão bom como você diz, eu vou quere vir aqui sempre que você vier. - Seria bem legal não vir sozinho, mas e se você me abandonar, o que é que eu vou fazer? - Eu te prometo que nunca vou te abandonar, a não ser que você me trate mal e não cuide de mim. – disse ela se esticando nas minhas costas para beijar a minha bochecha. - Eu não vou te tratar mal nunca, isso você pode ter certeza, você é algo precioso para mim, mesmo eu ainda não te conhecendo completamente. Eu retribuirei o beijo assim que pousarmos, porque agora eu sou incapaz de olhar no seu rosto. – então sorri, mesmo que ela não pudesse ver. - Assim espero, por que se não vai me desapontar, eu quero o meu beijo de volta. Assim que pousamos e ela pulou das minhas costas eu me virei e a abracei bem forte, depois disso beijei a sua bochecha no mesmo lugar que ela havia beijado a minha, com isso, o seu rosto ficou um pouco avermelhado. - Então, gostou do lugar? – disse apontando para toda a floresta que dava para ver na clareira, incluindo a parte do rio.

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Ela ficou admirando tudo que ali havia, os diferentes tipos de folhas, o movimento da grama com o vento, os pequenos insetos que ali se encontravam, e depois ficou parada me olhando por um longo tempo, até que eu não aguentei mais o silêncio. - E então, gostou ou não? - Eu, eu adorei, Mark... – disse ela com a voz trêmula – É o lugar mais perfeito que eu já vi em toda a minha vida. - Mais ainda que o castelo? – disse eu, já sabendo a resposta. - Sim, eu devo dizer que é mais belo que o castelo. - Eu admito, a beleza desse lugar supera qualquer castelo, não importando o quão maravilhoso ele seja. - Então, - disse ela um tempo depois de ter apreciado mais o lugar – quando vai mostrar as magias. - Eu vou te mostrar uma delas, e já que você não caça a alguns dias eu quero que você a use para caçar, tudo bem? - Mas, eu não sei como usar uma magia. - Você vai ser capaz, apenas confie em mim. - Então qual é a magia? - Ela é uma magia ofensiva, ela libera energia de alguma coisa que tenha vida para doar. Por exemplo, essa folha. – disse eu pegando uma folha grande o bastante de uma árvore próxima a mim – Preste bastante atenção a pronuncia. – olhei para ela, mas depois me concentrei na árvore à minha frente, para a qual eu iria direcionar a magia – EXEVO VITTA – eu estava com os dois braços estendidos para frente, o esquerdo estava com a palma aberta para a frente e o direito segurava a folha. A folha na minha mão começou a murchar, eu pude sentir a leve energia passar pelo meu corpo, então uma bola de energia começou a se formar na palma da minha mão esquerda, quando não havia mais energia na folha a bola saiu disparada em direção à árvore. A bola havia alcançado um palmo de diâmetro, a fazendo bastante forte, o problema foi o resultado na árvore, ela perdeu

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bastantes folhas, e mesmo com um grande buraco nela, ainda conseguiria sobreviver – Então, pronuncie você agora. - Exevo Vitta. - Muito bem, agora precisamos encontrar alguma criatura para que você possa testar a sua magia. Andamos pela floresta por alguns minutos, até que encontramos uma manada de cervos na beira do rio. Eu parei Ally e tirei uma folha bem grande de uma árvore ao meu lado, passei a folha a ela e a incentivei a ir em frente. - Exevo Vitta. – disse ela, mas nada aconteceu – Qual é o problema, eu pronunciei corretamente não é? - Sim, mas você tem que se concentrar no que quer fazer, focalize a sua mente na folha da qual você quer tirar energia, e se focalize no seu alvo, que eu presumo ser o maior cervo. - EXEVO VITTA – ela se estremeceu quando a energia começou a passar pelo seu corpo, a bola de energia já começava a se formar na sua mão esquerda quando os cervos se deslocaram, eu pensei que ela pararia já que o seu alvo estava se movendo, mas ela seguiu o alvo com a mão esquerda estendida na sua direção, quando a bola de energia chegou ao seu limite, mais ou menos um palmo e meio, saiu em direção ao cervo, ele não teve tempo de reagir sendo atingido no flanco esquerdo – Consegui! Mark, eu consegui! - Parabéns! – eu disse acariciando a sua cabeça – Agora vá pegar o fruto do seu esforço. Quando ela voltou estava com a boca um pouco suja de sangue e a sua roupa preta também tinha manchas, mas eram menos perceptíveis do que no seu rosto branco-papel. Estiquei a minha mão e limpei o sangue no seu rosto, ela ainda estava completamente feliz por ter conseguido fazer uma magia. - Então, como foi a sensação?

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- Foi... Estranho. É a única palavra que pode descrever o que eu senti. - A magia que você aprendeu é uma magia que gasta pouca energia, já que ela se baseia na energia das coisas vivas externas a você, mas quando voltarmos para a clareira eu te ensinarei uma magia que irá consumir a sua própria energia. - Eu me senti um pouco cansada usando aquela magia, será que eu vou ser capaz de usar uma magia que consuma minha própria energia? - Vai sim, eu tenho certeza, e se não estiver conseguindo aguentar, eu poderei te ajudar, não é mesmo? - Obrigada. – disse ela sorrindo – Vamos logo que eu quero saber qual é a magia que você vai me ensinar. Chegamos à clareira depois de caminhar alguns minutos, então ela pulou para o meio e ficou dando pulinhos à espera da nova magia. - Antes que eu te ensine uma magia mais complexa, quero ver se você é capaz de usar a magia que eu te mostrei hoje no café da manhã, pode ser? - Qual? Exemmo Rozz? - Sim, ainda bem que você tem boa memória, se não ficaria complicado para você poder gravar os nomes das magias. Então, vá em frente, tente. - Tem que ser obrigatoriamente uma fruta como a maçã? Ou pode ser qualquer coisa viva como a magia anterior? - Tem que ser alguma coisa que tenha vida, a depender da vitalidade do objeto a rosa ficará mais vermelha, ou mais rosada. Uma vez eu fiz uma rosa completamente preta. - O que você utilizou para fazê-la? - Eu não posso dizer, mas foi um momento importante na minha vida. – eu havia matado um humano para fazê-la, mais especificamente o meu ex-criado.

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- Então, vou tentar fazer a magia. – ela disse pegando uma fruta verde que estava por perto demorou pouco tempo se concentrando, enfim pronunciou as palavras – EXEMMO ROZZ. – a fruta foi se esticando e ganhando pétalas, acabou sendo mais rosa do que vermelho propriamente dito. - Muito bem para a primeira tentativa, mas você escolheu um fruto pouco vivo. A rosa acabou clara e com poucas folhas. - Agora, posso saber qual é a magia que você quer me ensinar? - Tem tantas magias que eu quero te ensinar Ally, escolha uma. - Eu quero saber qual é a magia que você disse que iria me desgastar. - Sabe quando eu te falei que eu poderia vir sozinho aqui? - Sei sim, e eu te disse que não viria. - Eu sei, mas na hora eu me referia a vir voando sozinho e você do meu lado, e para você vir do meu lado. - Então eu vou aprender a flutuar? - Não é flutuar especificamente, eu vou te mostrar, não se assuste, também não irá doer, apenas feche os olhos. - Tudo bem, eu confio em você, eu sei que não me faria mal. – ela disse enquanto fechava os olhos e ficava parada no meio da clareira. - AVICUS MATTER – nada aconteceu na hora, mas pouco tempo depois estava saindo um lindo par se asas vermelhas das costas de Ally, ela estava parada na mesma posição, um leve sorriso apareceu nos seus lábios, até que as asas apareceram por completo, a envergadura era um pouco maior do que a própria Ally – Então, o que sentiu? - Cócegas, eu quase começo a gargalhar aqui, mas eu pude me conter. – Disse ela ainda de olhos fechados. Mas afinal, o que você fez.

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- Abra os olhos e descubra você mesma. – disse eu me aproximando um passo dela, para que se por acaso ela se assustasse com o que viria. Ela abriu os olhos e ficou olhando para mim, eu então apontei para os lados dela, ela se virou quase no mesmo momento. Ela ficou parada olhando para a sua asa direita, parecia petrificada ou algo do tipo, então as suas asas bateram, depois disso, ela voltou a se mover e começou a me encarar, parecia que ela havia descoberto que as asas eram realmente dela. - O que você... O que você fez comigo? – ela tinha dificuldade em se concentrar no que havia acontecido. - Eu te dei asas, apenas isso. – disse eu sorrindo, mas então ela ficou com o rosto mortificado - Não se assuste elas não ficarão para sempre como as minhas, é apenas magia, enquanto eu tiver energia você as terá, mas quando a minha energia acabar elas irão embora da mesma forma como vieram. – completei, antes que ela começasse a imaginar coisas estranhas. - Mas? Eu? Como eu vou poder voar assim? - Desta forma. – disse eu batendo as asas e me elevando do chão – Tente. – a encorajei. Ela, meio sem jeito, bateu as asas repetidas vezes até que conseguiu sair do chão, nesse momento ela se desesperou e começou a se balançar, acabou caindo, mesmo que de pouca altura ela caiu com a cara no chão. - Está tudo bem com você? – perguntei me aproximando e ajudando-a a se levantar. - Eu, estou bem sim, mas eu não consegui me manter lá encima. - Você disse lá encima como se você estivesse se equilibrando sobre uma montanha imensa, mas não se preocupe é fácil, você vai conseguir voar tão bem quanto eu em pouco tempo.

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- Assim espero, Mark. – ela disse, enquanto uma lágrima escorria pelo seu rosto – Eu disse que eu não era boa nesse tipo de coisa. - Você é boa se você se determina a sê-lo, tem que querer fazer alguma coisa para poder fazê-la. – eu me sentei ao seu lado e passei uma mão pelos seus ombros. - Eu era assim também, mas eu me foquei no que eu queria, e consegui, além do mais, essas asas vermelhas ficaram bem em você. – disse beijando uma das suas bochechas rosadas. - A cor das asas, foi você quem escolheu? - Não, as asas saem da cor do espírito da pessoa, pelo visto o seu espírito é de fogo. Só espero que não seja tão explosiva quanto o seu espírito. –acrescentei brincando. Depois que aprendeu a soltar a magia nós voltamos para o castelo, eu com meu par de asas preto e ela com seu lindo par de asas vermelhas, eu mantive as suas asas, pois seria bem provável que ela não aguentasse todo o trajeto até o castelo. Jantamos, bem, ela jantou enquanto eu conversava com ela. Fiquei vendo como devorava as frutas e as verduras no seu prato, logo depois disso eu a acompanhei até o seu quarto e fui até a sala de estar, onde eu havia combinado com Max de me encontrar para poder planejar o destino de Ally. - Max. – chamei assim que entrei na sala de estar pela porta dupla. - Aqui estou. – respondeu ele aparecendo pela porta lateral – Como foi a viagem? - Foi prazerosa, aquela garota tem um grande futuro pela frente. - Ela tem potencial? - Potencial é pouco para o que ela tem. – tomei um ar e me acomodei na poltrona e continuei – Ela conseguiu aprender

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Avicus Matter depois de aprender Exevo Vitta e Exemmo Rozz, tudo em um dia só, melhor, uma tarde! - Ela conseguiu aprender Avicus Matter em uma tarde? - Sim, aquela garota tem um futuro e tanto. – nesse momento eu cancelei o que ia dizer, pois ouvi um rangido no chão do corredor ao lado da sala, mas depois de Max olhar e voltar dizendo que não havia ninguém, continuei – Eu acho que ela pode dominar a espada em uma semana. - Em tão pouco tempo? O senhor me disse que o anterior havia tentado depois de um mês de treinamento e mesmo assim não conseguiu. - Mas, ela é diferente... – não tinha como qualificá-la – A espada ainda está sobre o seu armário? - Sim, senhor, está, suponho que ela ainda não a encontrou, não é mesmo? - Não, se tivesse visto teria me perguntado. - Assim espero, porque se ela tocar naquela espada sem estar devidamente preparada... – ele fez uma pausa e engoliu em seco – O senhor sabe o que pode acontecer. Nesse momento eu voltei a ouvir o rangido no chão do corredor, esperei em silêncio para ver se voltava, mas nada aconteceu, decidi então deixar o planejamento para o outro dia. Na manhã seguinte fui direto para o quarto de Ally e bati na porta, era bem cedo então eu duvidava que ela estivesse acordada. - Ally! – chamei depois de bater e esperar mais algumas vezes, mas não veio nenhuma resposta. Tentei mais algumas vezes esperando que ela acordasse, mas mesmo assim nada aconteceu. - KAL LATTE – a fechadura se abriu instantaneamente e a porta começou a se abrir sozinha.

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No quarto não havia nada fora do normal, o único problema é que Ally não estava deitada na cama, e a janela estava completamente aberta e as cortinas estavam balançando ao vento. - Max! – chamei na mesma hora enquanto ia em direção à janela. - Sim senhor. – disse ele ofegante chegando correndo no quarto – Algum problema? - Sim, procure Ally por todos os arredores do castelo. - Tudo bem, vou mandar buscarem por todos os lugares possíveis. Incluo a floresta na busca? - Sim, inclua a floresta, ela me pareceu gostar bastante daquela floresta ontem. - Vou indo, senhor. Ele foi embora quase instantaneamente, só me restava olhar se uma última coisa estava fora do lugar, me aproximei do armário dela e olhei a parte de cima. No lugar da espada estava agora um bilhete. Você estava me usando, Eu acreditei em você Mark, por que você estava me usando? Eu ouvi você conversando com Max ontem de noite, espero que quando eu levar isso comigo você não consiga realizar o seu plano. Você não podia me desapontar desse jeito, eu te odeio, tudo que eu sentia por você se esvaiu, espero poder ver o momento da sua morte.

Ally

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O brilho no novo olhar

O meu tempo estava quase acabando, já que os meus mantimentos só aguentariam apenas mais um dia, decidi então correr durante a noite também, adiantando assim o meu passo em direção à Kalyförd, esperava poder encontrar a minha irmã para poder seguir viagem em busca da espada sagrada. Eu teria que pensar na melhor forma de cuidar de Ally quando a encontrasse, já que todos os nossos parentes estavam agora mortos, talvez, se ela fosse forte o bastante, poderia seguir viagem conosco em busca da espada e ter o seu destino entrelaçado com o nosso para poder acabar com a besta que havia surgido. O pensamento de como Sophye avançava na sua magia e na arte da luta não me saiam da cabeça, assim que eu encontrasse Ally, a levaria para conhecer Marlëv e Sophye, eles talvez pudessem me ajudar a decidir qual era a melhor opção para que Ally fizesse na sua vida. O deserto à noite era mais frio, mas mesmo assim ficava bem mais belo do que aquele amarelo ouro que tinha durante o dia,

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as sombras das pedras sob a luz da lua era mais bonita do que durante o dia, além do mais, se eu corresse de noite o calor não tirava tanto as minhas energias do que se eu corresse durante o dia. A areia ficava imóvel aos meus olhos, o vento fazia com que a areia se elevasse desaparecendo e ficava apenas uma leve brisa que faria com que qualquer um se arrepiasse. Correr com a brisa da noite era uma das melhores sensações do mundo, perdia apenas para o toque dos lábios de Sophye e para o gosto do sangue. A lua brilhava alva naquela noite, segundo os meus cálculos eu chegaria à Kalyförd durante o meio dia do dia seguinte, tendo assim percorrido o deserto no tempo que eu desejava, e tinha de sobrevivência. Além de um pouco de comida eu ainda tinha comigo um par de folhas de Zefryon. Podendo assim me recuperar quando chegasse à cidade e a comida eu usaria na estadia por lá, até que eu encontrasse Ally. O fim da noite e a manhã passaram voando diante dos meus olhos, e sob os meus pés. A cada passo que eu dava em direção à mancha que seria a cidade de Kalyförd ao longe, no deserto apareciam resquícios de grama avermelhada. O vento quente ia sendo substituído por um vento mais fresco, como o da noite do deserto, fazendo assim com que a corrida ficasse mais leve. Os portões da cidade estavam abertos, com dois guardas parados nas laterais. - O que te traz por aqui? - Estou aqui para buscar a minha irmã. – informei ao que tinha o cabelo amarrado em um rabo de cavalo, ele tinha sobrepeso, o que fazia com que parecesse menos intimidante. - A sua irmã? – perguntou o outro guarda com um tom de ironia.

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- Sim ela veio aqui sequestrada ou algo do tipo, eu vim aqui buscá-la para levá-la embora. - BRIGA! BRIGA! – passou gritando uma mulher pela rua – BRIGA NA PRAÇA! – Gritou quando viu os guardas, imediatamente os guardas começaram a correr em direção à praça. Aproveitei-me da oportunidade e os segui. Lá de dentro eu veria para onde ir encontrar Ally. As casas eram de boa estrutura, parecia ser uma cidade antiga, pois muitos prédios ainda mantinham as fachadas de séculos passados. Havia uma roda formada ao redor da praça, o que tornava a visão quase impossível. Fui me aproximando cada vez mais até que cheguei na frente da roda e pude ver os combatentes, um deles era um guarda. O outro, ou melhor, a outra era uma garota, aparentava ter entre quinze e dezesseis anos, tinha os cabelos pretos amarrados com um lenço vermelho, estavam sobre uma espada que cobria as costas da garota, que parecia vestir um sobretudo negro, a espada tinha uma cabo preto com jóias, uma vermelha, uma branca, uma azul e uma marrom, a lâmina era completamente dourada. Ela tinha movimentos leves, estava lutando com uma adaga de lâmina cor de bronze. O guarda era corpulento, mas não conseguia acertar a garota, ela se movia muito rápido. Eu pude vislumbrar um pouco do rosto da garota, ela tinha traços finos, o rosto era completamente pálido. Então eu pude perceber quem era aquela garota, ela era Ally. O que ela estava fazendo em uma luta no meio da cidade de Kalyförd? Ainda por cima com um guarda da cidade. Eu dei um passo à frente, então ela se virou para mim. Os seus olhos se encheram de lágrimas, nesse momento o guarda veio correndo para atacá-la pelas costas, ela desviou no mesmo momento. Agarrou o guarda por trás e segurou a adaga

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bem perto do seu pescoço. Disse-lhe algo que eu não pude ouvir, então chutou o guarda para longe, então agarrou uma folha, que eu pude perceber ser de uma árvore de Zefryon e a segurou na mão direita, eu imaginei que ela fosse comê-la para recuperar energias, mas ela fez totalmente o contrário. - EXEVO VITTA – disse ela, então a folha foi murchando e uma bola de luz imensa apareceu na sua mão esquerda, a bola saiu disparada em direção ao guarda que caiu morto, em vários pedaços dentro do chafariz. Os olhos de Ally estavam vermelhos, como o chafariz, ela estava chorando, então eu saí da multidão que corria para ver o corpo do guarda feito pedaços. Agarrei-a pelo braço e a levei a uma rua onde não havia movimento, na hora em que vi a sua expressão eu a abracei. - Está tudo bem... - Eu... Eu não queria fazê-lo... – disse ela soluçando e se abraçando mais forte. - Tudo bem, você tem uma explicação para isso, não é mesmo? – perguntei afastando-a um pouco, e lhe beijei a testa. - S-sim... – respondeu ela enquanto enroscava a fita vermelha que havia ficado em sua mão. - Vamos sair daqui, vamos a algum lugar calmo, lá você poderá me contar tudo que aconteceu. - Espere. – disse ela um pouco mais confiante de si mesma - Você sabe como está a mamãe? – aquilo me tomou de surpresa, eu imaginava que ela soubesse que a nossa mãe havia morrido, eu teria que contar-lhe em outra hora, agora tínhamos que resolver a situação. - Eu te conto quando você me contar o que eu quero saber, eu tenho que saber como você está agora.

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- Tudo bem, mas eu não vou me esquecer de perguntar. – disse ela secando a última lágrima do seu rosto e ficando de pé – Vamos, eu quero saber como a mamãe está logo. Quando chegamos a uma praça próxima, onde não havia ninguém, já que estavam todos querendo saber quem fora a menina que matará o guarda na outra praça. A praça era ampla e tinha alguns poucos bancos, no meio havia um campo aberto, havia apenas quatro árvores, uma em cada ponta da praça. - Eu, só fiz aquilo, por que... – na hora em que ela ia contar o motivo que a levou a matar o guarda ela gritou e apontou para o céu – O que é aquilo? – olhei em direção ao que ela apontava e percebi o que se aproximava. - É, é um dragão, - titubeei um pouco e me levantei do banco – mas o que um dragão faria em Kalyförd? - Um, um dragão? – perguntou Ally se escondendo atrás de mim – Ele vai nos comer, não é mesmo? - Espero que não seja como você esta dizendo, espero que passe longe. – disse enquanto o dragão ia ficando cada vez maior e ia diminuindo a velocidade. – Mas ainda não entendo o que esse dragão está fazendo aqui. - Vamos correr, por favor, Karyn. – ela só me chamava assim quando estava muito estressada comigo, ou então quando queria fazer alguma coisa para poder sair de uma situação da qual não queria se encontrar, como fugir de um bando de pessoas bravas com ela, ou então quando se encontrava perto de um dragão que estava pousando em frente a nós no meio da praça! - Ele esta pousando, espere mais um pouco - então eu pude reconhecer o dragão que estava pousando no meio da praça – É Skarvöet... – disse quase sussurrando. - Quem? O quê? – perguntou Ally atrás de mim. - É Skarvöet, eu conheço esse dragão.

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O que Skarvöet iria querer em Kalyförd? Ele sabia que eu estava aqui, mas não teria que vir me ver por isso. Mas antes que eu pudesse pensar demais no assunto alguém gritou meu nome. - KARYN! – gritou uma voz que eu não confundiria com outra no mundo inteiro, era Sophye que vinha correndo em minha direção – Mas, o quê? – perguntou quando Ally saiu de trás de mim e parou na minha frente com os braços abertos. - Quem é você? – indagou ela a uma Sophye confusa. - Eu? Eu, eu sou Sophye, prazer. – disse depois de olhar para mim e ver que eu pisquei para ela. - O que você quer com meu irmão? – perguntou ela furiosa. Nessa hora eu pude ver Marlëv descendo de Skarvöet, ele carregava um par de sacolas, antes de Skarvöet alçar vôo ele olhou para mim e piscou, depois de rugir bem alto subiu ao céus como uma bala. - Eu, ele é meu amigo... – respondeu Sophye meio sem jeito. - Ora, ora, veja o que temos aqui. – disse Marlëv se aproximando e deixando as sacolas no chão – Você não mudou nada, Karyn. - Foi pouco tempo, senhor. – disse eu meio sem jeito abaixando um pouco a cabeça – Então, podemos esclarecer as coisas aqui? – perguntei olhando para Sophye e Ally, que ainda olhava para ela com um olhar de fúria. - Seria bom sim aclararmos as coisas, e quem sabe saber dos acontecimentos na vida dos outros, não é mesmo, Karyn? - S-sim... – concordei. Agora eu estava confuso. - Então, que tal se todos nos sentamos e conversamos um pouco. – propôs Marlëv, estalando os dedos e fazendo com que os bancos se aproximassem. - Não é certo desmontar a estrutura da praça, senhor, vão achar estranho os bancos terem mudado de lugar.

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- Tudo bem, depois faço com que eles voltem aos seus lugares. – acrescentou se sentando em um banco, onde Sophye se sentou logo depois – Que tal começarmos pelas apresentações. Prazer, eu sou Marlëv. – disse ele esticando sua mão direita para Ally. Ela olhou para mim, meio desconfiada e então esticou a sua mão para ele, que a apertou gentilmente. - Creio que vocês já se conheçam, não é mesmo. – disse ele olhando para Sophye e Ally – Então, Karyn, ela é Ally, a garotinha que você fala tão bem? – perguntou Marlëv, Ally ficou com o rosto meio avermelhado e assentiu. - Karyn, - disse Sophye olhando para mim – não aconteceu nada de ruim com você nesse tempo, não é mesmo? – perguntou com os olhos marejados. - Não, pelo menos, nada que tenha deixado marcas notáveis. –disse sorrindo me lembrando do leão com asas do deserto. - Então, podemos saber das suas aventuras, oh grande Karyn? – disse Marlëv fazendo uma leve reverência que me deixou meio acanhado. - Podem sim, mas não há nada de “grandes” nas aventuras. - Isso é o que você diz, mas para quem correu um deserto, é claro que as aventuras são grandes, não é mesmo? - É mesmo, espere... - havia ficado intrigado – como você sabe que eu atravessei um deserto correndo? - Além de ser um dos poucos caminhos para chegar a Kalyförd, - disse ele – temos alguém que andou tendo sonhos com você. – disse apontando para Sophye, que assentiu - Então, pode nos contar o que aconteceu na sua viagem? Para termos certeza se os sonhos retrataram a realidade. - Podem sim, vou lhes contar desde que eu saí do treinamento. Contei a história toda, desde a parte que eu tive que atravessar a floresta e lutar com algumas criaturas, a parte em que escalava a montanha e chegava ao castelo, contei como Skarvöet havia

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me levado até a minha cidade. Quando contei a parte em que vi a minha mãe morta Ally chorou e se agarrou ao meu braço, expliquei como cheguei a Ellorien e como Samira me havia ajudado a encantar a minha adaga, que eu mostrei a eles. Marlëv a segurou e leu o que havia escrito. - Eu sabia das armas encantadas, mas não sabia que havia muitos que soubessem como encantá-las ainda. – comentou enquanto estudava a adaga. - Ela me contou que sobraram poucos que são capazes de encantá-las. – expliquei a ele. - Então, temos um Anjo entre nós, não é? – disse apontando para o símbolo na lâmina da adaga. - É o que parece, mas eu ainda não entendi o significado disso para a minha vida. Bem, continuando... – disse continuando a explicação da minha viagem, contei o meu treinamento nos postes de Samira, também contei a parte do Planydius, onde Sophye prestou muita mais atenção. E contei como havia chegado aqui e como havia encontrado Ally brigando na praça. - Então era por isso que havia uma aglomeração de gente quando estávamos chegando, e eu estava pensando que estavam admirando Skarvöet, coitado, vai ficar desapontado quando souber a realidade. - Marlëv, - disse interrompendo o pensamento dele – já que acabamos com Ally brigando na praça, podemos ouvir a história dela, e o porquê dela ter matado o guarda, eu gostaria muito de saber as explicações. - Nós devemos ouvir a história dela. - Vamos lá, Ally, pode nos contar, por favor. – pedi a ela esperando uma resposta imediata. - Tudo bem, eu vou contar. - disse segurando a minha mão – Eu andava tendo sonhos, não como os que ela teve em relação à Karyn, até porque, os meus não envolviam Karyn, era sempre eu

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em um quarto escuro, onde depois de alguns sonhos, apareceu alguém, eu não sei dizer bem o que ele era, se era vampiro, ou humano, ou elfo, ele parecia uma mescla de tudo, e para completar, ele tinha um par de asas, um lindo par de asas negras. - Espere aí! – pedi - Ele tinha asas negras? - Sim, foi o que eu acabei de dizer. - Como ele estava vestido? - Isso importa? - Sim, importa muito. - Ele usava um sobretudo negro, as vezes era branco, satisfeito agora? - Sim, mas isso me deixa mais intrigado ainda. - Com o quê? – perguntou Ally, ela estava furiosa por eu tê-la parado para perguntar coisas que para ela eram pura besteira. - Um sonho, que eu tive... - Como era esse sonho, Karyn? – perguntou Marlëv se colocando mais sério que o normal. - Eu, eu estava em uma sala pouco iluminada, depois de um tempo veio um ser, que não parecia ser nem elfo e nem vampiro, parecia uma mescla, assim como o que Ally descreveu, ele também tinha um par de asas negras, mas nesse sonho eu tinha um par de asas brancas, ele usava um sobretudo branco e eu usava um sobretudo negro, como o que estou usando agora. - Interessante, vamos tratar dele depois de ouvirmos o final da história de Ally, prossiga, pequena. – disse Marlëv lhe oferecendo um sorriso que ela retribuiu. - Então, continuando, os sonhos foram sendo cada vez mais seguidos e cada vez mais reais, eu ia contando um pouco da minha vida e ele ia contando um pouco da dele, até que um dia ele arrancou uma pena de uma de suas asas e me deu, quando eu acordei a pena que ele havia arrancado estava sobre o meu travesseiro. – nesse momento Sophye sufocou um gritinho –

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Esse foi o último sonho que eu tive, nesse mesmo dia eu fui caçar, quando voltei eu falei com a mamãe e fui tomar banho, quando eu estava me banhando um homem entrou no banheiro e me seqüestrou, acho que foi nessa noite que a mamãe morreu, aquele homem me carregou pela cidade e me levou até uma carruagem, dentro da carruagem estava o meu “anjo”, fomos conversando durante a viagem, que durou tempo demais, chegamos ao castelo dele, onde ele me deu comida, cama, roupa e tudo que eu quisesse, até que uma noite eu não conseguia dormir, antão desci para passear pelos corredores, onde eu pude ouvir a conversa dele com Max, um criado dele, ele planejava me usar para poder usar essa espada. – disse ela tirando a espada de suas costas, que até então eu imaginava ser uma espada comum, nem Sophye e nem Marlëv haviam percebido a existência da espada como espada sagrada até aquele momento – Ele queria me usar para controlá-la eu acho... – concluiu ela, passando a espada para Marlëv. - Seria interessante saber como foi que ele conseguiu esta espada, mas agora não temos que nos preocupar com encontrá-la temos apenas que nos concentrar em conseguir encantá-la. – disse passando a espada para Sophye. - Ela, tem umas pedras lindas incrustadas aqui. – disse apontando para as pedras coloridas no cabo da espada. - São pedras dos quatro elementos, fogo, água, terra e ar, não que a espada tenha que ser encantada com os elementos, mas sim com o poder dos quatro principais deuses. – então começou a explicar como funcionava a espada para Ally, que ia ficando cada vez mais animada com toda a história, eu já imaginava que ela iria querer se juntar a nós e eu tinha certeza que Marlëv iria aceitá-la. - Será que eu, posso... – ela não pode concluir a frase sem que Marlëv a interrompesse.

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- Se juntar a nós? – disse ele piscando para mim. - S-sim, como você sabia? – perguntou Ally assustada. - Ele lê pensamentos. – respondeu Sophye. - Obrigado Sophye, eu leio pensamentos, é um dos meus poderes especiais por ser um híbrido. – disse ele. - O que é um híbrido? – perguntou Ally, a curiosidade dela ia mais longe que a de qualquer que eu conhecesse. Marlëv teve que contar a historia toda sobre como os híbridos são formados e do seu poder mágico e as habilidades especiais que possuem, enfim, teve que contar tudo o que contou a nós, só que de forma resumida. Logo depois de Ally ser “aceita” no grupo, e dela ter saciado a sua curiosidade sobre tudo que poderia encontrar na jornada na qual estava se envolvendo, fomos à praça principal, onde Ally havia matado o guarda, ainda havia sangue pelo chão, mas os pedaços dele não estavam mais caídos no chafariz, agora só restava água em um tom avermelhado. - Vejo que fez um belo trabalho, pequena. – disse Marlëv afagando os cabelos negros de Ally enquanto olhava para o estrago que ela havia causado – Pelo menos não quebrou a estátua de pedra ali no centro. – concluiu ele apontando para o Cavaleiro que se encontrava ajoelhado no centro do chafariz, embaixo podia se ler:

Aqui jaz o corpo de Sir Kadorgan Homem honrando, que defendeu a todos que necessitaram da

sua ajuda.

- Talvez ganhemos chafarizes também... – disse Ally ainda olhando para a estátua de Sir Kadorgan. - Aposto que irão ganhar muito mais do que simples chafarizes no meio da cidade. – discordou Marlëv.

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- Vamos andando, temos que começar a pensar no que fazer daqui pra frente, vou reestudar as suas habilidades e vou pesquisar qual é o melhor deus para cada um adquirir os poderes para encantar a espada. – disse Marlëv. - O que é aquilo? – perguntou uma mulher que passava por perto – Mais cedo veio algo voando também, mas era bem maior do que isso. – concluiu. Todos nós viramos na direção que ela apontava, mas não se parecia nada com um dragão, mesmo tendo um par de asas, tinha o corpo bem mais esticado. Parecia um anjo.

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A queda do anjo

Ele vinha voando devagar, a cada metro que ele se aproximava podia se distinguir melhor como ele estava vestido e o que carregava. Vestia um sobretudo branco, completamente impecável e carregava uma espada prateada de mão e meia, a cor da sua pele e do sobretudo faziam com que as suas asas aparecessem mais, até que ele pousou no outro lado do chafariz. - Vejo que fez um ótimo trabalho, Ally. – disse mergulhando um pouco da sua lâmina prateada na água avermelhada. Ele começou a se aproximar, ele caminhava por cima da água em direção à estátua, estava à distância da lâmina da estátua, por pouco tempo, ele deu mais um passo e cortou a estátua no meio, com um corte vertical, ao invés dela se partir ela virou poeira e foi levada por uma rajada de vento que ele mesmo fez com as suas asas negras. - Eu vim buscar aquilo que me foi roubado. – disse ele num tom casual, com uma voz suave e aveludada. - Você não veio buscar aquilo que lhe foi roubado, você veio roubar pela segunda vez. – e disse Ally segurando a espada em suas costas para protegê-la das mãos dele. - Eu gostaria de saber quem vai lutar comigo pelo meu tesouro. – ele havia parado onde antes estava a estátua, esperando que alguém fosse lutar com ele.

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- Ninguém vai lutar com você. – disse Sophye. - Então eu terei que escolher o meu oponente. – disse ele apontando o dedo indicador para todos os presentes – Vejamos... Ela não, ela irá me servir... Ela... Também não, não serve para um combate corpo a corpo... Ele... Não, parece forte demais. – disse ele como se estivesse pensando em voz alta – Eu escolho você vampiro. – disse apontando para mim. Aproxime-se. Olhei para os lados em busca de Marlëv, esperando que ele me protegesse, mas ele não retribuía o olhar. - Quando eu quero um oponente, eu tenho um oponente. – disse estalando os dedos e no mesmo momento comecei a me mover em direção a ele, os meus músculos não respondiam aos meus comandos – Agora, me siga. - disse pulando em direção aos céus – Esqueci que vocês mortais não tem asas, dêem um par de asas a ele. – Eu ouvi a voz de Ally murmurando algo, mas então parou e Marlëv falou. - AVICUS MATTER - Espero que você tenha a sua arma, vampiro, essa não será uma simples batalha, esta na hora de decidir a sua morte. Comecei a sentir algo estranho nas minhas costas, até que começou a fazer cócegas, eu não podia olhar para trás, porque meus músculos não me obedeciam, na hora em que as cócegas pararam e ouvi um grito abafado de Sophye e Ally atrás de mim o “anjo” soltou meus músculos. - Olhe o que você acaba de ganhar. – disse apontando para as minhas costas – Pena que não são da cor das do sonho. Havia aparecido um par de asas com penas em várias tonalidades de azul e algumas em branco, eu podia senti-las anexadas ao meu corpo, as balancei algumas vezes, então antes de subir eu pude ouvir Marlëv falando comigo. - Estão na cor errada, tinham que ser da mesma cor da sua lâmina. – deveria estar se referindo à minha adaga, mas mesmo

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assim eu não entendia – A sua alma deve tê-lo afetado, esse garoto tem mais coisas escondidas do que eu imaginava. A sensação de subir aos céus sem a ajuda de nada era fantástica, não conseguia me equilibrar direito no ar, mas depois de algumas poucas batidas de asas era a melhor sensação do mundo, eu podia sentir o ar tocando o meu rosto e me sentia livre, não havia nada tocando os meus pés, mas então a alegria acabou quando eu vi o que tinha na frente. - Por que o seu sorriso se foi, vampiro? – perguntou ele sorrindo com o canto da boca. - Por que eu não posso sorrir quando vou matar alguém, e meu nome não é vampiro, é Karyn, espero que se você sobreviver consiga se lembrar do meu nome. – eu sabia que não seria capaz de matá-lo, mas esse era um dos momentos em que se fala o que vem à cabeça. - Mark Leahy, prazer em conhecê-lo Karyn. Espero, se você sobreviver, que consiga se lembrar do Meu nome. Aquele sorriso no canto da sua boca era ameaçador, se eu me concentrasse eu podia sentir o seu poder emanando pelos poros, então ele pegou a sua espada prateada e segurou firme diante de si. - Pronto? Ou prefere esperar que eu mate o resto? - Você só irá tocar neles quando passar por cima do meu cadáver. - Bela frase para encorajar a si mesmo, mas nesse caso não deve funcionar muito. – disse apontando para a minha adaga que tremia em minha mão direita. Eu não havia percebido o quão nervoso estava até aquele momento, então firmei a adaga em minha mão e sorri para ele, o seu sorriso só fez aumentar, então eu pude ver os seus caninos de tamanho médio.

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- Então, - disse ele fazendo uma pausa enquanto sumia da minha frente. – como se sente ao lutar comigo? – completou atrás de mim, com a espada levantada pronta para cortar o meu pescoço. - Eu? Me sinto fantástico. – respondi sentindo a adrenalina começando a fazer efeito em mim. Assim que respondi, me virei com a minha adaga onde antes estaria o seu coração, se ele não tivesse saído do lugar, deixando apenas vento para trás. - Ainda está lento... – comentou ele de volta a sua posição inicial. - Posso melhorar... – sobrepus a minha voz e avancei sobre ele com a minha adaga agarrada com força na minha mão, ele apenas esquivou. Eu estava conseguindo controlar cada vez melhor o me vôo com as asas mágicas, além da sensação de liberdade, em alguns momentos era melhor para se mover. - Espero que seja certo o que você diz. – disse atrás de mim, vindo me acertar com a espada. Eu consegui defender com a minha adaga, percebi que ele não estava lutando a sério pela força que colocou no ataque, aquilo me deixou destruído. Eu não estava sendo capaz de acertá-lo com ele lutando com menos da sua capacidade total, se ele lutasse com todo o seu poder então me esmagaria apenas com um golpe. - Por favor, – pedi – lute com todo o seu poder. - Não entendo. - disse ele parecendo confuso – Esse é todo o meu poder, pelo menos é todo o poder do qual você é digno. Então ele avançou como uma flecha na minha direção, eu mal pude ver o seu corpo vindo a mim. Apenas o que senti foi a sua lâmina prateada atravessando o meu corpo, fez um buraco no meu lado esquerdo. Então me descontrolei e comecei a cair, eu não conseguia me equilibrar, parecia como se eu tivesse perdido

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o controle das asas, até que ao invés de cair eu parei no ar, para depois, bem devagar, ser apoiado no chão. - Foi lindo. – disse Mark – Parecia um anjo caindo, pena que os anjos são imortais. – disse ele sorrindo – Eu não vou levar o que é meu por direito hoje, vou esperar até ter um oponente digno de lutar, e cuide bem das suas asas até lá. – foi a última coisa que disse antes de colocar a sua espada na minha bochecha e fazer um corte, depois levou o sangue até a sua boca. Depois disso ele saiu voando, com Ally gritando para que ele voltasse e lutasse com ela, ou então que lhe desse uma explicação do por que ele a havia tratado como havia tratado ela. - Como você está? – perguntou Sophye parando do meu lado. - Eu, eu estou perfeitamente bem. – tive que responder, mesmo sentindo uma dor imensa. - Temos um problema. – disse Marlëv se aproximando. - Eu já vi, ele está gravemente ferido. – disse Sophye olhando para ele como se ele tivesse notado agora que eu estava ferido. - Não é isso, é isso... – disse apontando para as asas. - O que elas têm, você já disse que elas tem uma cor diferente, mas isso não é um problema tão grande, ou é? – perguntei a ele enquanto Ally se aproximava. - Por que ele ainda está com as asas? – ela perguntou se abaixando ao meu lado para olhar a ferida que Mark havia deixado – Maldito Mark, ele me paga... – murmurou ela. - Esse é o problema. – disse Marlëv – Eu já parei a magia, e elas continuam aí. – apontou ele mais uma vez. - Como? Como assim? – indaguei, aquilo estava completamente fora do normal. Enquanto Sophye curava a minha ferida Marlëv explicou a suposição dele sobre o problema. - Aquela espada. – murmurou.

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- O que ela tinha? Para mim parecia uma espada normal de prata. – respondi ao seu comentário. - Não, tinha alguma coisa que te deixou assim. - Assim como? – perguntei assim que o ferimento havia se curado por completo. - Ainda com as asas, - respondeu abaixando o rosto para pensar – ela fazia algo mais do que simplesmente cortar. Ela deveria ter algum tipo de magia. - Que ela tinha algum tipo de magia é bem provável, mas para que serviria esse tipo de magia? - Para deixar alguma magia até que o portador não tivesse mais energia. - O que você quer dizer com isso? – dessa vez quem perguntou foi Sophye, enquanto Ally tirava a espada dourada das suas costas. - Eu quero dizer, que ele vai ficar com essas asas até que Mark perca todas as energias que têm, ou seja, até que ele morra. - Quer dizer que vou ficar assim para sempre? - Não, nós iremos matá-lo então a magia não surtira mais efeito. - Mas, como ele é capaz de fazer isso? - É uma magia avançada, Hur Kammare, toma a magia para si, ou seja, se eu faço uma rosa à partir de uma folha e ele usá-la, então a rosa irá para as mãos dele. Mas nesse caso é diferente, ele tomou a magia para si, e no momento que ele tomou ele teve que escolher qual seria o alvo dela, mas manteve o mesmo e não há forma de cancelá-la, pois cada vez que tentarmos ele irá perceber. - Então, o que vamos fazer? – perguntei, eu não seria capaz de conviver com aquilo até que Mark morresse. - Você terá que aguentar, pequeno. – disse Marlëv – Enquanto isso, eu sei de uma pessoa que podemos visitar para continuarmos a nossa viagem.

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- Quem seria essa pessoa? – indagou Ally, que agora estava mais calma pelo meu ferimento curado. - Uma pessoa que Karyn conhece, - disse Marlëv piscando um olho para mim, que já estava sentado no chão – Samira é o nome dela. Ela tem um lugar bem legal, ela é velha o suficiente como para poder nos ajudar nessa nossa busca pelo poder. - Então, quando iremos partir? - Talvez em poucas horas, quando Karyn já estiver completamente curado e consigamos resolver os problemas que causamos para a cidade. – disse Marlëv apontando para o lugar onde antes estava a estátua de Sir Kadorgan. - Eu já me sinto perfeito, - avisei – temos que nos preocupar pelos estragos feitos na cidade. - Então vamos logo. – disse Sophye se levantando do meu lado e começando a pensar em uma magia para limpar o chafariz avermelhado. A cidade já estava livre de qualquer estrago que nós tenhamos causado, agora só restava decidir quando partiríamos, ainda estava de dia seria melhor começarmos a nossa caminhada até Ellorien assim conseguiríamos chegar lá em menos tempo. Então Marlëv teve uma idéia brilhante e pediu para que esperássemos até o anoitecer porque assim teríamos uma surpresa. Quando a noite caiu, estávamos sentados na praça onde Skarvöet apareceu mais cedo, Marlëv havia nos levado até ali porque era naquele lugar que a surpresa apareceria. E apareceu. Ao longe, no céu, vinha uma forma com asas, vinha se aproximando cada vez mais, era Skarvöet, mas o que eu não entendia era como ele sabia que nós estaríamos ali. - Marlëv me disse para vir buscar vocês a esse horário, ele disse que iriam embora hoje mesmo, mas só não disse se voltariam ou

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não para o castelo. – se explicou Skarvöet assim que pousou – A propósito, belo par de asas, pequeno. – disse dando mais uma piscadela em minha direção. - Obrigado. – disse eu meio acanhado. – Mas não é por isso que você não irá me levar mais com você, não é mesmo? - Ora, agora que você tem asas eu não tenho mais a obrigação de te levar, mas eu vou fazer essa caridade quando você estiver bastante cansado. - Não seja cruel com o pobre Karyn, essas asas são um “castigo” de Mark. - Quem é Mark? – perguntou Skarvöet intrigado. - É a besta que estamos tentando matar. – explicou Ally. - Entendo, e você é...? – perguntou Skarvöet ao ver um rosto desconhecido. - Ally, irmã de Karyn. - Vejo que a família toda está envolvida nisso, não é mesmo? - Tem razão, - disse Marlëv pulando nas suas costas – mas isso não é hora para conversas casuais, temos que chegar o mais rápido possível na estalagem de Samira. Espero que você tenha caçado como eu te pedi. – comentou Marlëv para finalizar o seu pedido. - Sim, eu cacei, posso perguntar o que vocês desejam por lá? Se é que algum de vocês a conhece... - Eu vou fazer um pedido a minha velha amiga. – respondeu Marlëv – E quero que ela conheça a nossa companhia. - Interessante... – concluiu Skarvöet assim que todos subimos nas suas costas, que a cada dia parecia ficar maior, e alçou vôo. - Aproveitem a viagem, porque será curta. – avisou Marlëv quando já estávamos bastante alto. - Pequeno de asas... – chamou Skarvöet durante a viagem – Por que você não experimenta tentar me acompanhar em vôo.

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- Eu prefiro não tentar, você é com certeza muito mais rápido do que eu e pode ser que eu ainda não consiga controlá-las muito bem. – disse balançando-as ao vento. - Que tal então sentir como é voar pelas suas próprias asas a essa altura, eu te garanto que vai ser emocionante para você, eu acompanho o seu ritmo. - Tudo bem, vou confiar em você, mas como eu faço para me impulsionar daqui de cima? - Eu vou diminuir a velocidade e você toma um pouco de impulso em algum espinho nas minhas costas, entendido? - Entendido. – disse com um frio na barriga. - Pronto? – perguntou assim que havia diminuído a velocidade pela metade. - Pronto... - Três... Dois... Um... Pule! – gritou em minha mente. Apoiei-me em seu espinho o mais próximo possível da sua cabeça e me impulsionei para frente. O vento no meu rosto era como uma brisa suave, mas muito mais frio que o normal, comecei a bater as asas e a velocidade ia aumentando, consegui controlar as asas para poder virar, fui para a direita e então eu pude ver Skarvöet voando perto de mim, todos sobre ele estava olhando para mim, então resolvi fazer algo mais arriscado. Fechei as asas e desci quase vertical em relação ao chão, consegui me equilibrar e subir junto com o impulso da queda mudando a posição das asas, a sensação de liberdade me afetou de novo, não precisava mais dos meus pés naquela situação. Era perfeito! Assim que consegui a altura de Skarvöet de novo eu pude ver a expressão de susto no rosto de Sophye e Ally, Marlëv parecia sorrir ao longe, então me aproximei e pousei nas costas de Skarvöet, assim que eu me equilibrei ele acelerou com poucas batidas de asas.

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- O que você estava pensando na hora em que se jogou ao vazio ali no meio do nada?! – perguntou Sophye assim que eu me sentei ao lado dela. - Eu, eu só estava tentando ver do que eu era capaz. - Mas e se você não fosse capaz de fazer aquilo? Você teria ido parar amassado contra o chão no meio do deserto, você acha que isso seria legal? - Ela se preocupa demais com a vida de Karyn, desde que ele quase morre em outro deserto... – explicava Marlëv para Ally atrás de nós, ouvindo tudo que estava acontecendo. - Entendo... – dizia Ally a cada nova explicação sobre a discussão para que eu cuidasse mais da minha vida. No final Sophye se acalmou e eu tive a oportunidade de abraçá-la de novo, ficamos lá por um tempo, até que Skarvöet avisou que já estávamos chegando ao nosso destino. - Já? Nem passou tanto tempo assim. – resmungou Ally. - O que achou da sua primeira viagem de dragão? – perguntou Marlëv a ela. - Foi bem legal, o vento nas alturas é bem mais frio, eu pude sentir frio, isso é muito legal. - Vampiros... – suspirou Sophye – Sempre se divertindo com coisas extremas. Para ela sempre fazia frio demais quando para nós fazia apenas frio, os elfos eram mais afetados por temperaturas e nós tínhamos um sistema sensorial menos sensorial. - Não é com o extremo, - expliquei a ela – isso é algo que a nossa família tem, nós só gostamos de sentir a adrenalina, não é, maninha? - Sim. – concordou ela rindo enquanto Skarvöet começava a sua descida em direção à cidade de Ellorien. - Então, volto em quanto tempo? – perguntou Skarvöet assim que pousamos na frente da cidade, o sol já estava nascendo.

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- Nós voltamos para casa sozinhos, enquanto isso, cuide de tudo por lá por mim, espero que tudo esteja pronto quando chegarmos lá. – depois disso começamos a andar, mas então Marlëv parou no portão da cidade e observou tudo como se encontrava por lá, voltou para Skarvöet e disse a ele alguma coisa que ninguém pode ouvir. - O que foi isso? – perguntei a ele assim que voltou ao nosso encontro. - O que foi o quê? - Por que você parou para analisar tudo e voltou para falar com Skarvöet? - É que faz tempo que não voltamos aqui, então fui contar o que havia de novo no lugar. - Entendo, é melhor irmos andando, não é? – conclui os questionamentos por ali. - É vamos... – disse Ally meio desanimada ao meu lado. - O que foi Ally? – perguntou Sophye, que estava do meu outro lado. - É que é meio estranho ir passando por tantas cidades diferentes em tão pouco tempo. - Com o tempo você se acostuma, pequena. – disse Marlëv a ela enquanto caminhava na nossa frente. - Então, essa tal de Samira é legal, mano? – perguntou Ally depois de se sentir aliviada em relação às mudanças de cidade. - Ela é sim, pode ser velha, mas não parece, e tem um espírito alegre, e não faça ela te olhar feio, ela tem uma arma muito linda e muito poderosa, não é mesmo Marlëv? - Sim, nesse ponto você tem razão, nunca faça ela te olhar feio, eu ainda tenho a marca da ferida que ela fez em mim. - Ainda bem que eu nunca a enfureci, ou pelo menos espero que seu o tenha feito ela tenha tido piedade de mim para não me ferir. – brinquei com a situação.

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- Foi bom assim... – comentou Sophye. Chegamos à estalagem e continuava exatamente igual, a recepcionista havia mudado, talvez as outras ainda trabalhassem ali, mas não naquele dia, quando ela viu as minhas asas deu um gritinho abafado, quase desmaiou e foi logo correndo chamar Samira, gritando pela dona da estalagem no caminho. - Ora, ora, o pequeno Karyn ganhou um belo acessório nesse meio tempo em que eu não o vi. – brincou ela – Depois você vai me explicar isso, enquanto isso eu tenho que falar com meu velho amigo. – disse se dirigindo à Marlëv e lhe dando um abraço bem apertado. - Quanto tempo... – disse Marlëv retribuindo o abraço. - Como está aquele dragãozinho? – disse Samira quando o abraço acabou. - Vai bem, mas desculpe não podermos falar disso agora, temos coisas muito sérias para te contar e queremos que você nos ajude Samira, pode ser? - Com toda a certeza, eu já ajudei dois de vocês, agora eu ajudarei os cinco no total. - Mas, somos quatro... – corrigiu Sophye. - Não, não são, são cinco, vou te mostrar. – disse ela se virando para o corredor – Johan venha cá, vou te apresentar alguém. Quem seria Johan?

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Busca pelo poder

Johan era alto, vestia um sobretudo preto, as suas orelhas eram meio pontudas, tinha o nariz afinado, os seus olhos eram negros como a noite, assim como o seu cabelo, a sua pele era mais pálida que a própria neve, parecia que não via o sol desde que nasceu. - Lhes apresento Johan Bast. Ele é neto de Malvelus Kandir. - O quê? – perguntou Marlë. – Malvelus nunca disse que tivesse filhos ou filhas. - Mas ele tinha, uma filha, e ele é o herdeiro do seu sangue. - Entendo... – deisse Marlëv parando para examinar as suas memórias. - Johan, - disse Samira – estes são, Marlëv, Karyn, e... – ela parou na hora de falar o nome de Sophye e Ally, pois não os sabia. - Sou Sophye. – disse ela - Oi... – disse ele com uma voz suave, que parecia sonolenta, talvez ele fosse assim, mas também poderia ser por desprezo aos outros. - Oi, sou Ally. – disse ela toda sorridente. - Oi... - Esse menino... - disse Samira.– Venho tentando fazer dele mais enérgico, mas parece que não estou obtendo bons resultados. - É bom seguir tentando, um dia se consegue. – disse Ally. - Então Marlëv, - disse Samira tirando ele dos seus pensamentos profundos – qual era o assunto tão sério do qual vieram tratar?

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- Era sobre a espada sagrada, nós a conseguimos. – ele contou a ela, que fez uma expressão de intriga – Melhor, foi Ally quem a conseguiu. Marlëv fez um resumo de nossas aventuras por separado, poucas vezes Samira fazia comentários, e mais raramente ainda fazia questionamentos. - Então a adaga serviu perfeitamente para você não é mesmo, Karyn? - Serviu sim, ela já me salvou a vida uma vez, obrigado Samira. - Entrando nesse campo de armas encantadas, você poderia nos ajudar encantando as armas que ainda estão desencantadas? - Posso sim, mas só pode se encantar uma arma por dia, e hoje eu já encantei a arma de Johan. – disse ela meio triste. - Tudo bem, enquanto isso Sophye decide que arma usará daqui para frente. - Bom, você usa uma adaga, não é Karyn? – perguntou Samira. - Sim, uma adaga agora azul. - Johan usa uma espada de mão e meia, e você Ally, o que usa? - Eu uso uma adaga também. – disse a garota sorrindo. - Johan, pode trazer a sua espada para que eles vejam? Na mesma hora o garoto saiu pelo corredor, entrou em um quarto e saiu pouco depois, carregando uma bainha marrom claro. - Então, o seu elemento é terra? - Sim... – respondeu ele, era um garoto de poucas palavras e respostas objetivas, talvez isso fosse bom, ou talvez fosse ruim para quem tentasse conhecê-lo melhor. Ele tirou a espada da bainha e passou por cada um de nós, eu fui o último a segurá-la, era leve demais para uma espada, mas eu sabia que tinha aquele peso apenas por estar encantada, a inscrição que tinha na sua alma era: Sombra.

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- Interessante a descrição da sua alma. – comentei assim que devolvi a espada a ele. - Eu já provei como funciona a alma dele, assim como temos a prova de como funciona a sua. – disse apontando para as minhas asas. - Como funciona a dele? – perguntei, olhando para os lados vi que Ally queria muito saber como funcionava também. - Não se pode detectar por meio algum que ele está no lugar através de magia e além do mais ele tem certo poder de mexer com as sombras das pessoas, modificando-as, ou então fazendo com que elas desapareçam. - Interessante... – comentou Marlëv – Veremos qual é a alma dessas garotas e saberemos quais são as suas habilidades. Depois, quando Samira e Marlëv foram mostrar às garotas como funcionava o encantamento das armas eu e Johan ficamos a sós. - Como foi que chegou até aqui sozinho? - Minha mãe morreu, mas como ela guardava tudo sobre o meu avô tinha muitos mapas e muitos manuscritos dele sobre as suas aventuras, eu li tudo aquilo e decidi seguir o caminho que ele seguiu, depois de saber o porquê da sua morte, que veio à tona quando eu comecei a ouvir boatos sobre esse tal “anjo”. Mas e você, como conseguiu esse par de asas? – perguntou ele, mesmo que falando bastante dessa vez continuava com a mesma expressão meio-morta no rosto. - Uma história meio longa, mas acho que temos tempo para que eu conte. – eu sorri, esperando que ele sorrisse de volta, mas o único gesto dele foi um sorriso no canto da boca, aquelas expressões poderiam matar qualquer um de desgosto – Então, quando nós, quer dizer, eu lutei contra Mark na cidade de Kalyförd hoje eu tive que usar este par de asas, criado por magia

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para poder lutar com ele no ar, mas então ele me acertou e nesse momento ele usou uma magia para tomar a magia das asas para ele, ou seja, ele controla o tempo que eu vou ficar com as asas, ou então quando ele ficar sem energia para mantê-las, então só vou me livrar delas quando ele morrer. - Bela história. - disse ele sorrindo com o canto da boca – Mas tem algum por que para a cor das asas? - Segundo Marlëv e Ally, que conhecem a magia, as asas teriam que ficar da mesma cor do meu espírito, ou seja, azuis, pelo meu espírito de água, mas parece que a minha alma afetou a cor delas, deixando-as um pouco esbranquiçadas. - Como assim? A sua alma afetou? – indagou ele, sem nenhuma expressão de dúvida no rosto. - Veja por você mesmo. – disse entregando a minha adaga para que ele visse a inscrição nela. - Interessante. – disse ele me entregando de volta – Talvez possa ser assim comigo, vou pedir para alguém usar essa magia em mim para ver como fica. - É bom não arriscar, mas se você prefere assim, é melhor esperar que as garotas encantem as armas. Posso te fazer outra pergunta? - Pode sim, eu ainda tenho perguntas a fazer também. – mesmo não mostrando muitas expressões ele parecia ser bastante curioso. - O que você é? Eu não consegui distinguir, e ainda não consigo. – essa pergunta poderia parecer meio indiscreta, mas era algo que eu teria que saber. - Eu? Eu também não sei, o meu avô era elfo, e teve uma filha com uma humana, então ela era meio-elfa, mas então ela me teve com um vampiro, então eu sou meio-vampiro e um pouco elfo, não sei se há alguma definição para isso, mas é o que eu sou.

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- Interessante... - não sabia o que dizer – Nunca vi ninguém que fosse assim, eu, por exemplo, sou totalmente vampiro, mas por algum acaso a minha família toda sempre pôde sair ao sol, começou com o meu avô, talvez fosse porque ocorreu alguma mutação, mas não há como saber. Então, qual era a pergunta que você tinha para fazer? - Eu queria saber como você conheceu aquelas garotas? – ele não tinha muita cara de se interessar por relacionamentos, mas eu tinha que responder mesmo assim. - Ally é a minha irmã, e Sophye, eu a conheci quando abriram o ultimo portão para a cidade élfica, encontrei-a ma vez e então conheci o avô dela, que nos apresentou, hoje somos mais que amigos. - Interessante, conhecer as pessoas ao acaso é legal, eu acho, não é mesmo? - É...Conhecer as pessoas ao acaso é muito bom. – eu não conseguia decifrar a personalidade de Johan – Posso fazer uma pergunta indiscreta sobre a sua personalidade? - Pode sim, vá em frente. – disse ele sorrindo com o canto da boca. - Você foi sempre tão calmo e indiferente? Pelo menos na aparência. - Sim, desde que o meu pai morreu que eu sou assim, eu já me acostumei, e até acho legal ser assim. - Interessante, posso fazer outra pergunta indiscreta sobre você? - Pode sim, as suas perguntas indiscretas não são tão indiscretas assim, se eu fosse fazê-las eu não as chamaria de indiscretas, para mim são perguntas normais. – fez uma pausa e acabou a sua fala – Agora pode perguntar o que quiser. – e sorriu com o canto da boca. - Há quanto tempo você não toma sol? – ele riu baixinho, mas ainda assim podia se ouvir o seu riso, o seu riso era suave.

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- Você está falando pela minha cor de pele, não é mesmo? – eu fiquei meio encabulado por ter parecido besta – Eu nasci assim, se é tão importante saber, geralmente as pessoas me fazem esse tipo de perguntas, quando se atrevem a fazê-las, porque pensam que por eu ser uma pessoa fechada eu vou mordê-las ou algo do tipo. Eu nem preciso de sangue para sobreviver, para que eu as morderia? - Você não precisa de sangue? - Não, nem de um pingo, e você? - Eu preciso sim, mas eu não sou obrigado a consumir sangue humano, eu posso sobreviver bem com sangue de animais. - Que bom, assim as pessoas ao redor não correm perigo, agora vêm outra das minhas perguntas. – disse sorrindo com o canto da boca – Posso? - Pode sim. – disse eu sorrindo, eu estava conseguindo tirar mais “sorrisos” dele do que eu imaginava ser capaz. - Onde é que nós iremos depois que sairmos da estalagem? - Iremos ao castelo de Marlëv. - Que bom... Ficar mudando de cidade para cidade perde a graça depois de um tempo. - Posso fazer uma pergunta agora? - Pode sim, - disse ainda com o “sorriso” estampado nos lábios – não precisa mais perguntar se pode ou não fazer perguntas, contanto que eu não precise pedir também, tudo bem? - Tudo bem então, lá via a minha pergunta, quantos anos você tem? - Eu tenho quinze, e você? - Eu tenho dezesseis. Você tem algum mapa aí? - Aqui? Comigo eu não tenho nenhum, eu tenho alguns no meu quarto. - Quanto tempo você levou até encontrar a estalagem de Samira?

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- Eu demorei um mês desde que saí de casa. E você? - Eu não sei ao certo. Saí de casa e fui treinar com o avô de Sophye, mas então ele morreu, depois encontramos Marlëv e treinamos com ele também, mas depois eu voltei para casa e vim até aqui antes de viajar para Kalyförd, eu perdi a conta do tempo. - Pelo visto teve bastantes aventuras, não é mesmo? - Não tantas quanto você deve ter tido... Nessa hora as garotas, Samira e Marlëv chegaram. - Pelo visto andaram se conhecendo, meio à distância, mas tudo bem. – comentou Marlëv ao nos ver sentado um na poltrona contrária do outro e no meio estava a mesa de madeira. - Mano! – gritou Ally vindo parar ao meu lado de um pulo – Eu vou ter a minha adaga de fogo sabia? - Como você sabe o seu elemento assim tão facilmente? - É que quando Mark usou a magia das asas em mim, elas saíram com um vermelho vivo, eu já posso controlá-las melhor que você. – disse ela sorrindo. - Acho que para mim sobrou apenas ar... – disse Sophye de uma forma triste se sentando no sofá. - Como você sabe disso? – Perguntou Ally. - Você é de fogo, Karyn é de água e Johan é de terra, para mim só sobrou ar, - Não é tão estruturado assim. – disse eu – Você pode ser de qualquer elemento, mas o que mais vai contar vai ser o que a sua alma é. Nesse dia nós passamos a tarde conversando e de noite nós escolhemos os nossos quartos, no dia seguinte encantaríamos a adaga de Ally, eu estava ansioso para ver a alma da minha irmã, mas estava mais ansioso ainda por saber o que a alma de Sophye seria, e gostaria de saber que tipo de arma ela usaria.

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Assim que acordamos Ally queria ir encantar a sua adaga, mas Samira a proibiu até que não tomasse o seu café da manhã e esperasse que todos nós acabássemos. Ela teve que esperar bastante tempo, pois Johan comia muito devagar e andava mais lento ainda, ou pelo menos parecia, sempre estava de preto, que fazia um contraste imenso com a cor da sua pele, mais branca que a própria neve. Fomos encantar a adaga de Ally, então Samira perguntou a ela o que tinha que fazer e ela respondeu corretamente, entrou na sala acompanhada de Samira e Marlëv. Sophye, Johan e eu esperamos na sala. Ally veio pulando da sala do encantamento, com a sua adaga de um vermelho vivo, parecia que estava incendiando a cada movimento que ela fazia com ela. - O que tem escrito na sua alma, Ally? – perguntou Sophye. - Veja você mesma. – disse Ally passando a adaga para Sophye com um sorriso que ia de um lado ao outro do rosto. Se alguém conseguisse fazer Johan sorrir daquele jeito, iria se tornar a pessoa mais famosa do mundo, acho que ninguém seria capaz de fazê-lo. Quando a adaga chegou às minhas mãos eu a segurei e percebi que era tão leve como a minha, a única diferença era a cor, virei a lâmina e vi a inscrição da alma dela. Amor era o que estava escrito naquela lâmina, então eu percebi que Johan estava sorrindo para Ally e ela estava retribuindo o sorriso, pude perceber que se alguém seria capaz de fazer Johan sorrir verdadeiramente, esse alguém seria Ally e sua alma amorosa. O resto do dia passou como um raio, enquanto estávamos no quintal, com Ally e Johan treinando, enquanto Ally ria à gargalhadas e Johan apenas sorria, eu e Sophye estávamos sentados em um banco sob uma árvore, conversando sobre o que

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faríamos à partir daquele dia em nossas vidas, a cada segundo que se passava era mais um segundo perto da batalha que um dia iria vir contra nós. Quando o treinamento de Ally e Johan acabou eles apertaram as mãos, mas depois disso Ally deu um forte abraço nele, ele não pode fazer mais do que abraçá-la de volta e sorrir para ela e depois para nós. Tudo isso acontecia enquanto Marlëv e Samira pesquisavam caminhos e mapas, buscavam formas de se conseguir os poderes dos deuses. Depois de jantarmos eu acompanhei Sophye até o seu quarto, onde, sobre a cama havia uma adaga, uma espada de mão e meia, e uma espada de duas mãos, ela perguntou qual era melhor para ela, então eu decidi que teríamos que testar as armas para ver qual servia melhor nela. Ela pegou cada arma e desferiu um golpe sobre a minha adaga, percebi que ela se movimentava melhor e golpeava mais forte com a espada de duas mãos, lhe contei o que eu achava das armas em relação à ela, então ela se decidiu pela espada, nos despedimos com um beijo. As sensações que aqueles beijos me passavam, não mudaram nunca desde o nosso primeiro beijo. Fui dormir imaginando qual seria o espírito de Sophye, e qual seria a sua alma. Então, eu não tive sonhos naquela noite, o que enchia a minha mente eram as dúvidas em relação ao futuro incerto. Logo de manhã Sophye veio bater à minha porta, eu me arrumei e saí para tomar o café, em pouco tempo descobriríamos qual seria ao seu elemento e os segredos que a sua alma escondia. Fomos à sala do encantamento Sophye, Samira e eu, assim que entramos a porta se trancou. Sophye tentou primeiro no elemento fogo, não conseguiu nada, passou para a água, nenhum resultado também, testou a terra, e nada conseguiu. Quando ela disse que seria de ar estava certa, mas eu não via nenhum

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problema em ser de ar, para mim todos os elementos seriam iguais. Agora só faltava descobrir o que a sua alma revelaria. A alma da última integrante a encantar a arma do nosso grupo, ela virou a lâmina lentamente e leu o que havia escrito, então ela desmaiou tempo depois. Samira e eu corremos na sua direção, eu a carreguei para fora enquanto Samira carregava a espada e a bainha, fechando a porta atrás de si, passamos correndo pela sala e a levamos até o seu quarto, onde eu a deitei sobre a sua cama, então ao poucos ela foi recobrando a memória. - A minha alma... – ela disse meio fraca ainda – Tem alguma coisa errada nela... – foi só o que ela pôde dizer antes de cair no sono. Samira olhou para a lâmina, estava assustada, depois mostrou para Marlëv, que me chamou a um canto do quarto e me mostrou o que a lâmina tinha escrito. A alma dela era tão rara quanto a minha, ou talvez um pouco mais que a minha, a alma dela era uma alma Sagrada. Se as minhas asas ficavam brancas por ter a alma de um anjo, então a alma dela, que já teria as asas brancas, ficariam transparentes, ou então prateadas. Passei o resto da manhã e a tarde inteira, até que ela acordasse, do seu lado, enquanto Ally e Johan treinavam no quintal da estalagem. Todos já haviam se acostumado ao espaço que as minhas asas ocupavam. Ally e Johan vinham de vez em quando para ver como Sophye estava. Ally me enchia de perguntas, enquanto Johan ficava só olhando para ver as expressões que ela fazia. Quando ela acordou, perguntou se a alma dela era aquela mesma.

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- Sim, aquela é a sua alma, você não teria que desmaiar por ter uma alma Sagrada, você teria que agradecer aos deuses por ter uma alma assim. - Mas, como é que eu posso ter uma alma sagrada? - É uma boa pergunta, mas se nem eu consigo saber porque eu tenho uma alma de anjo, como vamos saber o porquê de você ter uma alma sagrada? - Acho que foi por isso que o destino nos juntou, temos o mesmo tipo de alma, almas puras. - Espero que seja por isso, e não por algum motivo macabro. – eu consegui fazer com que ela ri-se. Então saímos e fomos jantar, estava todo mundo preocupado com o estado de Sophye, ela acalmava um por um dizendo que estava tudo bem e que não haveria nenhum problema. - Hoje vamos festejar uma nova era! – anunciou Samira assim que todos estavam sentados à mesa - E para isso sairemos todos para a rua e passearemos pela cidade. - Que forma estranha de se comemorar alguma coisa... – comentou Johan. - Esse é o jeito correto, ao sair para andar pela rua de noite, antes que o sol nasça é uma forma de mostrar que uma nova geração se formou, eu e os seus avôs fizemos a mesma coisa, e Samira fez junto conosco também. - Interessante, então nós somos a nova geração? – perguntou Sophye, que ainda estava um pouco adormecida pelo desmaio. - Sim, garotos, vocês são a nova geração e a salvação do mundo também. - Se falar assim parece que é um peso demais para se carregar nas costas, por que não falar que somos apenas o novo grupo de guerreiros para enfrentar um novo problema? - É bem melhor assim. – concordei com Sophye.

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Saímos para a frente da estalagem assim que acabamos de comer, e começamos a andar pela rua em uma fila única, com Marlëv de um lado e Samira do lado oposto. Assim que chegamos no chafariz paramos e Marlëv e Samira ficaram de pé na borda. - Vocês, meus pequenos heróis, são o futuro do mundo, os seus espíritos são totalmente diferentes uns dos outros e as suas almas são mais ainda, então, espero que unidos possam conquistar tudo aquilo que sempre sonharam, e consigam o que todo o mundo deseja, a morte do “anjo”. – foi o discurso de Marlëv. - Crianças, vocês vão decidir a vida de muitas pessoas, e talvez se envolvam em muitas batalhas para alcançar o seu objetivo, então, espero que se esforcem, assim como a geração anterior o fez para salvar o mundo. Nesse momento Marlëv e Samira levantaram os braços e antes que pudessem fazer alguma coisa, duas flechas prateadas passaram por nossas cabeças e acertaram os seus corações. Nós quatro corremos na direção deles, Eu e Ally seguramos Marlëv antes que caísse ao chão, e Sophye e Johan seguraram Samira antes que ela caísse ao chão. Os corpos estavam sem vida, então eu os deixei para trás, com lágrimas nos olhos e pulei aos céus, as minhas asas iam contra o vento enquanto eu buscava os arqueiros que haviam feito aquilo, por mais que eu buscasse eu não encontrava nada, nem ninguém que pudesse ter feito aquilo. Antes que eu voltasse à praça principal eu pude ver que Mark estava sentado sobre o telhado em frente ao chafariz, olhando tudo aquilo como se não passasse de uma tela mal pintada. - Foi você, maldito! – gritei indo na sua direção. - Vejo que aprendeu a usar as suas asas muito bem, pequeno. –ele riu – Espero que os próximos com quem vocês encontrarem,

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não tenham um destino tão cruel, agora a nova geração está só, sem a ajuda de ninguém, vou esperar por vocês, quem sabe um dia vocês consigam alcançar o seu objetivo e encantem a espada. Aí sim eu terei um oponente à altura para lutar. Antes que eu pudesse responder, ou sequer me mexer de onde eu estava, ele pulou para a noite, eu desci até o chafariz, Ally e Sophye estavam chorando sobre os corpos mortos. - Pelo visto a nova geração ficou sozinha... – disse Johan assim que eu desci ao seu lado, ainda estava com lágrimas nos olhos. - Eu vi Mark, ele atirou as flechas. – eu não estava com humor para falar nada naquela situação. - Acho que temos que fazer um belo par de túmulos em sua homenagem. Não sei de onde conseguimos forças para fazer o que fizemos, mas conseguimos. Johan abriu o chafariz no meio, se usando do elemento terra, o separou completamente no meio e fez dois túmulos de pedra, onde nós colocamos os corpos e os fechamos, mas antes de que tudo acabasse, Ally usou do seu fogo e da pedra bruta um cristal limpo, mas ainda com os defeitos da pedra. Sophye usou o vento ao nosso redor para lapidar os túmulos de cristal. Então colocamos as nossas inscrições nas lápides.

“Estão aqui enterrados os últimos heróis da última geração...” [Ally]

“Se alguém quiser ser um grande herói, aprenda

dos dois que aqui se encontram, nunca usem apenas da força bruta...” [Sophye]

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“Só o que posso dizer é que não há ninguém no mundo capaz de ensinar coisas como eles o

fizeram...” [Johan]

“Quando se perde alguém querido, se chora, mas quando se perde alguém que nunca poderá ser

substituído, se morre por dentro...” [Karyn]

As inscrições na pedra polida no meio dos dois túmulos eram perceptíveis de longe. - Agora só me resta prestar homenagem a eles, mas como eu não posso fazer túmulos da pedra, nem transformá-la em cristal e muito menos poli-la, eu vou dar a eles algo que eles me disseram que sempre gostaram, vou dar a eles a neve do meu coração. Concentrei-me naquele lugar e fiz acima dos túmulos, e do chafariz dividido ao meio uma nuvem eterna de neve, não sei de onde veio esse poder, talvez fosse o poder de um anjo, ou talvez fosse o poder do amor. - Agora temos que voltar para o castelo, espero poder um dia voltar aqui. – disse Ally. - Nós voltaremos, e voltaremos com o coração de quem os matou na mão. – disse eu para apoiar Ally. - É uma pena que o anjo ainda esteja vivo. – comentou Johan. - O “anjo” morreu, mas o problema é que ele virou um demônio ainda pior... – foi o último comentário de Sophye.

Continua...