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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
ERIC MONTEIRO DE MEDEIROS
FINANCIANDO A CONCORRNCIA: UMA PROPOSTA DE EFETIVAO E
PROMOO DA LIVRE CONCORRNCIA MEDIANTE A TRIBUTAO E A
INTERVENO ESTATAL
NATAL/RN - 2016
ERIC MONTEIRO DE MEDEIROS
FINANCIANDO A CONCORRNCIA: UMA PROPOSTA DE EFETIVAO E
PROMOO DA LIVRE CONCORRNCIA MEDIANTE A TRIBUTAO E A
INTERVENO ESTATAL
Dissertao apresentada como requisito de
concluso do Mestrado em Direito pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Orientador: Prof. Dr. Otaclio dos Santos Silveira
Neto.
NATAL/RN - 2016
Catalogao da Publicao na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Medeiros, Eric Monteiro de. Financiando a concorrncia: uma proposta de efetivao e promoo da
livre concorrncia mediante a tributao e a interveno estatal / Eric Monteiro de Medeiros. - Natal, RN, 2016.
203f. Orientador: Prof. Dr. Otaclio dos Santos Silveira Neto.
Dissertao (Mestrado em Direito) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Cincias Sociais Aplicadas. Programa de Ps-graduao em Direito.
1. Direito antitruste Dissertao. 2. Livre concorrncia - Dissertao. 3. Direito constitucional Dissertao. 4. Funo social - Dissertao. 5. Justia social - Dissertao. I. Silveira Neto, Otaclio dos Santos. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Ttulo.
RN/BS/CCSA CDU 346.546.4
Dedico o presente trabalho a meus pais, meus maiores investidores.
AGRADECIMENTO
Primeiramente, agradeo a Deus, logo em seguida aos meus pais, pelos
ensinamentos e educao iniciais, bem como pelo apoio e incentivo.
Agradeo tambm aos professores, em especial ao orientador, que, alm
de me apresentar para o Direito Econmico e Antitruste em muito colaborou para
minha aprendizagem e pesquisa jurdicas.
"Freedom has a thousand charms to show, That slaves, howe'er contented, never know".
SEN, Amartya.
RESUMO
O Direito Antitruste contemporneo, da forma como se originou e se desenvolveu ao
longo dos ltimos anos, apresenta uma compreenso de sistema normativo que serve
para promover o desenvolvimento socioeconmico, sobretudo pela gerao de
competitividade, a qual vai promover a eficincia, inovao e bem-estar do
consumidor, alm de melhorar os nveis de liberdade, igualdade, democracia e justia.
Suas ampliao e efetivao no Brasil se revelam importantes, justamente pela
constatao dos baixos ndices brasileiros de competitividade e liberdades
econmicas e com a pretenso de proporcionar a percepo desses benefcios, o que
perpassa pela consolidao da funo e da justia sociais inerentes ao Princpio da
Livre Concorrncia, do papel da interveno estatal nessa exigncia, especialmente
mediante as atividades da agncia concorrencial, e pela necessidade de financiar,
fomentar e induzir essas ampliao e efetivao, o que se prope por intermdio da
criao de uma nova Contribuio de Interveno sobre o Domnio Econmico.
Palavras-chave: Direito Antitruste. Livre Concorrncia. Funo e Justia Sociais.
Regulao e autoridade concorrencial. CADE. Contribuio de Interveno sobre o
Domnio Econmico.
ABSTRACT
The current Antitrust Law, under its origin and last years development shape, presents
a normative system comprehension to promote social and economic development,
especially by generating competition, which promotes efficiency, innovation,
consumers welfare, besides the improve on liberty, equality, democracy and justice
levels. Its extension and effectiveness in Brazil are important, precisely under the
finding of the low Brazilian competitiveness and economic freedom indexes, and the
willing to allow these benefits by socials role and justice consolidation attached to the
Free Competition principle, the Estate intervention role to this requirement, especially
throughout the antitrust enforcement authority activities, and the necessity to fund,
foment and induce these extension and effectiveness, which it is proposed by the
creation of a new Tax Contribution of Economic Domain Intervention.
Keywords: Antitrust Law. Free competition. Socials Role and Justice. Antitrust
Regulation and Enforcement Authority. CADE. Tax Contribution of Economic Domain
Intervention.
LISTA DE ABREVIAES E SIGLAS
ANATEL Agncia Nacional de Telecomunicaes
ANEEL Agncia Nacional de Energia Eltrica
ANP Agncia Nacional do Petrleo
Art. Artigo
BEPS Base Erosion and Profit Shifting
CADE Conselho Administrativo de Defesa Econmica
Ce Critrio Espacial
CF Constituio Federal
CIDE Contribuio de Interveno sobre o Domnio Econmico
Cm Critrio Material
Cq Critrio Quantitativo
Cs Critrio Subjetivo
Ct Critrio Temporal
DRU Desvinculao de Receita da Unio
FTC Federal Trade Commission
FUNTTEL Fundo para o Desenvolvimento Tecnolgico das Telecomunicaes
FUST Fundo de Universalizao dos Servios de Telecomunicaes
GATT - Acordo Geral de Tarifas e Comrcio
INOVAR-AUTO Programa de Incentivo Inovao Tecnolgica e Adensamento da
Cadeia Produtiva de Veculos Automotores
N - Nmero
OCDE Organizao para Cooperao e Desenvolvimento Econmico
OMC Organizao Mundial do Comrcio
RMIT Regra-Matriz de Incidncia tributria
SMC Agreement on Subsidies and Countervailing Measures
STF Supremo Tribunal Federal
UNCTAD Conferncia das Naes Unidas sobre o Comrcio e Desenvolvimento
US United States
V. Versus
SUMRIO
1 INTRODUO ................................................................................................. 1
2 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO DIREITO ANTITRUSTE: A
IMPORTNCIA DA LIVRE CONCORRNCIA E SUA RELAO COM
DESENVOLVIMENTO SOCIOECONMICO ............................................................. 9
ORIGEM E DESENVOLVIMENTO: O COMMON LAW E A CULTURA CONTRA
AS RESTRIES MERCANTIS ................................................................................. 9
O PENSAMENTO ANTITRUSTE NAS ACADEMIAS: CINCIAS JURDICAS,
CINCIAS ECONMICAS E FILOSOFIAS ............................................................... 13
OS BENEFCIOS DA COMPETITIVIDADE E DA CONCORRNCIA............. 25
BREVE INTRODUO AO DIREITO ANTITRUSTE BRASILEIRO ............... 36
CONCLUSO PARCIAL ................................................................................. 38
3 FUNO SOCIAL DA LIVRE CONCORRNCIA E SUA PROMOO:
INTERVENO ESTATAL ....................................................................................... 40
O PRINCPIO DA LIVRE CONCORRNCIA: A LEITURA CORRIQUEIRA ... 40
FUNO SOCIAL E JUSTIA SOCIAL: VALORES DO SISTEMA
CONSTITUCIONAL ................................................................................................... 44
LIVRE CONCORRNCIA: LIBERDADE E IGUALDADE; COMPROMISSO
SOCIAL; DESENVOLVIMENTO SOCIOECONMICO............................................. 53
3.3.1 Liberdade como Meio e Fim ......................................................................... 53
3.3.2 Liberdade Individual, Compromisso Social, Cooperao e Interveno
Estatal....................................................................................................................... 58
3.3.3 Competitividade (Liberdade e Igualdade) como elemento promotor do
Desenvolvimento Socioeconmico ....................................................................... 63
CONCRETISMO: INSTRUMENTO E MTODO HERMENUTICOS DE
VERIFICAO E EXTRAO DO CONTEDO E ALCANCE DA LIVRE
CONCORRNCIA E SUA FEIO SOCIAL ............................................................. 66
CONCLUSO PARCIAL ................................................................................. 76
4 REGULAES SETORIAL E CONCORRENCIAL: HISTRICO,
DESENVOLVIMENTO, DICOTOMIA E COMPLEMENTARIDADE. ......................... 79
REGULAO SETORIAL X REGULAO CONCORRENCIAL ................... 88
COMPLEMENTARIDADE E DILOGO ........................................................ 103
CONCLUSO PARCIAL ............................................................................... 107
5 FINANCIANDO A CONCORRNCIA: UMA PROPOSTA DE EFETIVAO E
PROMOO DA LIVRE CONCORRNCIA MEDIANTE A TRIBUTAO E A
INTERVENO ESTATAL ..................................................................................... 110
ATIVIDADES DO CADE E OS NVEIS CONCORRENCIAIS
BRASILEIROS ........................................................................................................ 110
ORAMENTO .............................................................................................. 119
5.2.1 Taxas............................................................................................................ 122
5.2.1.1Classe tributria, Conceito, Caractersticas e Regra-Matriz de Incidncia
tributria .................................................................................................................. 123
5.2.1.1.1Servio Pblico e seus critrios material e
subjetivo. ................................................................................................................ 128
5.2.1.1.2Poder de Polcia e seus critrios material e
subjetivo. ................................................................................................................ 130
5.2.1.2Quantificao das taxas: valor prefixado, suas ineficincia e
inadequao. ........................................................................................................... 133
5.2.2 Multas .......................................................................................................... 137
5.2.2.1Quantificao da multa: (i)legitimidade e escassez de parmetros
objetivos. ................................................................................................................. 139
5.2.2.2Carncia de benefcios advindos da aplicao de multa e confuso com a
reparao dos danos pelas prticas antitrustes ...................................................... 141
PROPOSIO: CONTRIBUIO DE INTERVENO SOBRE O DOMNIO
ECONMICO PARA O DIREITO ANTITRUSTE .................................................... 144
5.3.1 Classe tributria, Conceito, RMIT, Caractersticas e Finalidade da CIDE: a
adequao constitucional da proposta ............................................................... 145
5.3.1.1Critrio Material ............................................................................................ 147
5.3.1.2Critrio Espacial ........................................................................................... 150
5.3.1.3Critrio Temporal .......................................................................................... 150
5.3.1.4Critrio Subjetivo .......................................................................................... 151
5.3.1.4.1Sujeito ativo e competncia
constitucional ........................................................................................................ 151
5.3.1.4.2Sujeito passivo e correlao
material................................................................................................................... 152
5.3.1.5Critrio Quantitativo ...................................................................................... 155
5.3.1.6Demais caractersticas: a vinculao da receita e da
despesa ................................................................................................................... 157
5.3.2 Induo de Comportamento, Neutralidade Tributria, Igualdade e Art. 146-
A da Constituio Federal .................................................................................... 160
5.3.3 Aumento de receita..................................................................................... 166
5.3.4 Justificativa e conformao do aumento da carga tributria e atual
contexto econmico brasileiro. ........................................................................... 167
6 CONCLUSO FINAL ................................................................................... 170
7 REFERNCIAS ............................................................................................ 174
8 ANEXOS ....................................................................................................... 184
LENINCIAS E EFEITOS CRIMINAIS NOS ESTADOS UNIDOS ................ 184
DIREITO ANTITRUSTE NO BRASIL: ACORDOS DE LENINCIA E
PROCESSOS CORRELATOS ................................................................................ 185
NDICES DE INOVAO GLOBAL .............................................................. 187
QUALIDADE DE INOVAO ....................................................................... 188
FUNDAO HERITAGE E NDICES DE LIBERDADE ................................ 189
CLASSIFICAO DAS ESPCIES TRIBUTRIAS ..................................... 191
1
1 INTRODUO
O presente trabalho se origina de reflexes e buscas de solues e
medidas que galguem a promoo do desenvolvimento socioeconmico, da eficincia
e do aprimoramento dos valores de liberdade, justia, democracia, cujo resultado se
deu na Livre Concorrncia.
Prestando-se a analisar uma forma de implementao e efetivao da livre
concorrncia no Brasil, a partir da reflexo a ela pertinente e suas importncia e funo
em prol do desenvolvimento socioeconmico, o presente trabalho apresenta uma
forma de efetivao do Direito Antitruste, mediante uma interveno estatal, sobretudo
por intermdio da proposta de criao de uma contribuio para o financiamento do
fortalecimento do CADE.
Com o objetivo de demonstrar a possibilidade tcnico-jurdica de o Estado,
por meio da interveno sobre o domnio econmico, efetivar a funo social no
exerccio da livre concorrncia, por ser fator determinante na promoo do
desenvolvimento do pas, precipuamente, por estabilizar e equilibrar o mercado e
combater os efeitos nocivos de prticas e condutas contrrias aos ditames
constitucionais, bem como proporcionar uma srie de benefcios oriundos de um
ambiente competitivo, a presente dissertao de mestrado ser realizada mediante
pesquisa legislativa, bibliogrfica e documental, com objetivos-alvo terico-
descritivos-analticos.
Para isso, o autor se lastrear em pesquisas e leituras amplas sobre o tema
proposto, utilizando-se da doutrina interdisciplinar nacional e internacional, de
esforos hermenuticos e reflexes crticas para melhor compreenso da
instrumentalizao e do processo de interveno sobre o domnio econmico no
exerccio da livre concorrncia, bem como das caractersticas tributrias correlatas e
que se fizerem necessrias.
A investigao aqui posta utiliza o mtodo investigativo na doutrina e na
jurisprudncia, bem como anlises hermenuticas para dar suporte aos argumentos
que defende, como tambm conta com uma representatividade do Direito Norte
2
Americano advindo de uma pesquisa feita na Faculdade de Direito da Universidade
Fordham (Nova Iorque-EUA).
Na primeira parte deste trabalho, a partir de um reporte histrico do Direito
Antitruste contemporneo desde seu grmen, sobretudo no Direito Norte Americano,
o que leva para o ano de 1711, bem antes da comum referncia ao Sherman Act.
Essa verificao histria demonstra o importante papel da sistemtica do Common
Law, tendo sido determinante na edificao de uma cultura e preocupaes acerca da
fluidez mercadolgica e o combate s restries mercantis e concorrenciais, o que,
inclusive, fazia parte da pauta de debates polticos dos candidatos presidncia dos
Estados Unidos, com destaque para o pleito de 1912.
Seus desenvolvimento e florescimento demonstraram uma srie de valores
enraizados e pressupostos, partindo da Doutrina Anci, a Constitucionalizao do
Direito Antitruste, as Escolas de Chicago e Yale, o Movimento Ps-Chicago e a
participao do Poder Judicirio, que ajudaram na identificao de seus objetivos e a
justificao de sua prpria existncia, cuja funo se dava para uma tutela amplssima,
seja para proteger o consumidor, o mercado ou os prprios agentes econmicos.
Nesse percurso, o Direito Antitruste se associou, em muito, s demais
reas de conhecimento, em especial, s cincias econmicas, juntos, conseguiram
verificar que a competitividade um dos maiores fatores de impulso econmica e
produtiva, que proporciona eficincia em suas mais variadas acepes , bem-estar
do consumidor, inovao, bem como melhora os nveis de liberdade, democracia,
igualdade e justia.
Nessa interdisciplinaridade, vrias foram as teorias que se prestaram a
assentar posicionamentos associativos e aditivos, dentre as quais a Teoria da
Informao, a Teoria das Instituies, a Teoria da Liberdade como Desenvolvimento,
mediante o trabalho de grandes pensadores que, inclusive, chegaram a ganhar a
honra mxima do Prmio Nobel.
No Brasil, o desenvolvimento do Direito Antitruste foi muito peculiar, a
merecer destaque especial, inclusive para melhores elucidaes no curso do trabalho,
mas, na primeira parte, j se consegue perceber a necessidade de aperfeioamento
do Direito Antitruste, sobretudo em seus nveis de amplitude e efetividade.
3
Na segunda parte do presente trabalho, faz-se uma anlise quanto
compreenso mais genrica, difundida e corriqueira acerca do que significa o Princpio
da Livre Concorrncia para, primeiramente, verificar a necessidade de
aprofundamento e desenvolvimento.
Ento, prostra-se a uma anlise de respaldo filosfico acerca da prpria
funo do Direito em prol da sociedade, pois, esta uma unio de pessoas que vivem
em harmonia coletiva e equilbrio. Para o devido alcance dessa harmonia e equilbrio
necessria a instituio de regras de convivncia regulamentares e restritivas, sob
pena de se permitir todas e quaisquer condutas, quer sejam positivas, quer sejam
negativas para o grupo e seus membros, o que no se tem como interessante para a
perpetuao da coletividade.
Nesse contexto, o filsofo Rousseau imaginou o Estado como entidade
representativa do corpo social, constituda pelo chamado Contrato Social, no qual
cada membro da sociedade se comprometeria a limitar suas liberdades em benefcio
da coletividade, conferindo ao Estado poderes para gesto e administrao do grupo
so, como tambm poderes de atuao para o caso de descumprimento individual.
Noutras palavras, ao compor um grupo de pessoas, o indivduo abre mo
de parte de seus direitos e liberdades para possibilitar a convivncia harmnica e
equilibrada, remanescendo aqueles direitos e liberdades cujos exerccios no sejam
prejudiciais aos demais membros e/ou ao grupo como um todo, em tese.
No curso da histria, os direitos individuais se desenvolveram por geraes
ou dimenses, a partir do contexto no qual estavam inseridos e a necessidade
decorrente de sua promoo.
A primeira gerao promoveu a liberdade, com os direitos civis e polticos,
contra o Estado opressor; a segunda gerao tratou da igualdade, buscando garantir
direitos sociais, isonmicos a todos, precipuamente o direito ao trabalho e os direitos
prestacionais; e, por fim, a terceira gerao, ainda em curso, que promove o direito
fraternidade, com os direitos difusos e coletivos, em especial no presente trabalho, o
direito ao desenvolvimento, pois seus reflexos atingem a toda a sociedade e um
interesse de todos que haja um progresso nacional.
4
Com a promulgao da Constituio Federal de 1988 da Repblica
Federativa do Brasil, o ordenamento jurdico ptrio inaugurou uma nova perspectiva e
sistematizao dos direitos, modificando a dinmica da relao que havia entre eles
e inserindo uma nova hermenutica sobre os direitos e garantias clssicos, aps
passar 03 anos de maturao do texto constitucional e seu contedo.
Nesse cenrio, enalteceu-se a chamada funo social e justia social,
novos vetores e diretrizes constitucionais, tanto verdade, que a Carta Magna atual
chamada de Constituio Social, justamente porque destaca e fortalece esses
valores e vetores em todo seu contedo.
O resultado disso, preliminarmente, o chamando dirigismo constitucional
que passa a exigir uma constitucionalizao de diversos institutos, tais como,
exemplificativamente, a propriedade, o contrato e a economia, pois estes, alm de
servir para o particular, tm que servir socialmente tambm. Alm de recair sobre as
condutas individuais tambm, como por exemplo, o abuso de poder econmico. A
propsito, essa evoluo do constitucionalismo tambm refletida nos direitos civis,
quando se constata a mitigao do individualismo em prol da sociedade, com a
reduo das liberdades individuais antes exacerbadas para uma confluncia de seu
exerccio positivo para o grupo, a partir do princpio da socialidade, presente no atual
Cdigo Civil, que enseja a funo social dos contratos e dirigismo contratual, como
tambm a funo social da empresa, por exemplo.
Essas funo e justia sociais consistem na busca pelo Estado de
funcionalismo benfico ao grupo. o aspecto teleolgico inserido amplamente no
ordenamento jurdico como objetivo-fim, passando a adquirir, dessa forma, um vis
interpretativo no ordenamento jurdico, precipuamente, e um vis norteador das
atividades estatais, em primeiro lugar, e das atividades individuais em segundo lugar.
Quer dizer, um direito de eficcia vertical, na relao entre Estado x
Indivduo, como tambm de eficcia horizontal, na relao entre Indivduo x Indivduo,
ainda que de maneira indireta e mediante normas.
Assim sendo, exige-se das atividades uma serventia positiva coletividade,
uma gerao de efeitos positivos ou a no gerao de efeitos negativos, por atos
praticados e do prprio patrimnio, seja mediante servios, emprego ou utilizao da
5
propriedade, uma vez que, estando ausente, retira-se o interesse pblico de sua
perpetuao, por contrariar ao alicerce no objetivo republicano de se construir uma
sociedade livre, justa e igualitria e na justia social da ordem econmica, contexto no
qual foi inserida a livre concorrncia, numa ntida evoluo dos direitos coletivos e
conformadores das liberdades individuais, pois, a partir dela, pretende-se diversas
garantias, tanto a liberdade como a igualdade, alm da prpria melhoria do mercado.
Essa discusso se faz pertinente pela deciso constitucional de 1988 na
qual o Estado no seria mais agente econmico direto, reconhecimento, inclusive, de
seu fracasso e/ou dificuldades de produzir economicamente enquanto tem que reger
a poltica, prestar os servios pblicos essenciais etc. Isso o fez entregar a atividade
econmica para o setor privado, ficando para si apenas a regulamentao e a
interveno econmica.
Diante disso, a Constituio precisava, concomitantemente, garantir a livre
concorrncia e a livre iniciativa, para que o setor privado atue e produza de forma
positiva. Contudo, como o Texto Constitucional pautado, como dito alhures, nas
funo e justia sociais, e a economia tem essa serventia social e coletiva, pois dela
se espera proveitos positivos, que, da livre concorrncia, tambm se visualiza funo
e justia sociais, que so justamente a finalidade que a economia tinha antes de ser
entregue aos particulares.
Noutras palavras, no porque o Estado deixar de ser agente econmico
direto que a economia deixa de ter funo e justia sociais e a finalidade de gerar um
benefcio coletivo. E , precisamente por entregar a atividade econmica para o setor
privado, que a Constituio passa a dispor acerca da livre concorrncia, que deve,
necessariamente, manter a mesma finalidade que a economia sempre teve, ou seja,
a livre concorrncia tem que se coadunar com as funo e justia sociais.
Para essa compreenso necessria a utilizao da hermenutica
constitucional, suas tcnicas e teorias, para compreender o alcance e o contedo dos
institutos jurdicos, quer sejam constitucionais ou infraconstitucionais, como tambm
os direitos e garantias, para que tudo seja colocado num ambiente de harmonizao,
conformao e sistematizao.
6
No obstante, a livre concorrncia, por ser valor, princpio e postulado com
alto grau de abstrao e indeterminao, necessita dessa harmonizao,
conformao e sistematizao com a Constituio Federal e seus valores, sobretudo,
as funo e justia sociais, ainda que j decorra do prprio texto constitucional, no
pode se dissipar da unidade.
Portanto, primeiramente, imprescindvel compreender o que viria a ser a
livre concorrncia, sob o enfoque filosfico, perpassando por sua perspectiva meio e
fim, entrelaando-a com as funo e justia sociais para, ao fim, visualiz-la como
elemento promotor do desenvolvimento socioeconmico, a partir da doutrina de
Amartya Sen.
Logo aps, tentar-se- estabelecer o alcance e o contedo da livre
concorrncia sob a perspectiva jurdica, em consonncia com as diretrizes e valores
apregoados pela Constituio Federal vigente, sobretudo, as funo e justia sociais,
o que se far, no exaustivamente, mediante a utilizao da corrente Concretista
encontrada, sobretudo, na Teoria Estruturante do Direito de autoria de Friedrich
Mller.
Nesse aspecto, ser apontado que a finalidade social ou a busca do
benefcio coletivo uma constante no ordenamento jurdico, de modo que a livre
concorrncia deve se coadunar com a funo e justia sociais como forma de
promover o desenvolvimento socioeconmico.
Na terceira parte do presente trabalho, adentra-se na discusso
interveno estatal em prol da livre concorrncia. Numa economia na qual o Estado
tem uma interveno mediante regulao, o Direito Antitruste pode ser aplicado tanto
a partir de um rgo prprio, como o CADE, como qualquer outra agncia reguladora
setorial, ou seja, ele compreende uma feio descentralizada.
O Direito Antitruste Norte Americano, a partir de seus precedentes,
enfrentou a possibilidade de concentrao da livre concorrncia apenas no rgo que
lhe prprio, ou permitir que o rgo regulador setorial o faa oportunidade na qual
o primeiro no poder faz-lo , e uma opo mista, que permite ambos os rgos de
tratar da livre concorrncia, do que resultou numa srie de doutrinas de interessante
anlise.
7
Ademais, parte da doutrina Norte Americana desde de 1970 defende e
comprova a maior efetividade do Direito e da Agncia Concorrencial nas intervenes
econmicas. As regulaes setoriais exigem mais e constantes atualizaes para se
adequarem s prticas mais modernas que as atividades econmicas empreendem.
Enquanto que o Direito Antitruste, de maneira geral, j possui uma incidncia mais
genrica e transversal que vai permitir aplicao constante sobre todas as atividades
econmicas, independente do segmento.
Muito embora o Direito Antitruste Norte Americano no tenha qualquer
forma de aplicao no ordenamento brasileiro, essas reflexes dicotmicas se fazem
muito interessantes para o desenvolvimento da relao entre regulao setorial e
regulao concorrencial, pois, como se depreende, a bem da verdade, ambas as
regulaes, seja setorial seja concorrencial vo refletir pontos positivos e negativos.
Ao contrrio da regulao setorial, a concorrencial no consegue lidar com
questes intimamente especficas e tcnicas de determinados mercados, o que pode
lhes impedir de enfrentar analises quanto ao preo, por exemplo. Enquanto que a
regulao concorrencial tem uma incidncia mais transversal a correr menos riscos
de captura, em tese.
Dessa forma, essas duas feies regulatrias apresentam caractersticas
que tornam interessantes um dilogo e a atuao complementar como uma forma
mais adequada, eficiente e necessria de interao e existncia de ambas as feies
regulatrias com vista a maximizar a positividade de cada qual, bem como reduzir
suas fraquezas e fragilidades.
Na quarta e ltima parte do presente trabalho, considerando todo o suporte
terico precedente, apresenta-se uma proposta que se acredita proporcionar a
efetivao da livre concorrncia no Brasil e trazendo todos seus benefcios, mediante
a necessria interveno do Estado, qual seja, a ampliao e a efetividade do Direito
Antitruste, sobretudo mediante e atuao do CADE. Contudo, quanto mais complexas,
elaboradas e amplas forem suas atividades, mais recursos financeiros iro exigir.
Acreditando que o CADE no possui os recursos necessrio para adotar
uma postura mais proativa, ampliada e efetiva e considerando as funes
arrecadadoras e indutoras da tributao, interessante a criao de uma Contribuio
8
de Interveno sobre o domnio econmico para, juntamente com as taxas que j lhes
so prprias, permitir o aumento de suas receitas.
A partir da proposta de criao e cobrana de um novo tributo, necessrio
enfrentar o crivo de constitucionalidade e adequao de todos os critrios e quesitos
necessrios para se realizar a atividade tributante, bem como do instrumento
escolhido. Do que ser percorrido a Regra-Matriz de Incidncia Tributria da CIDE em
tese e adstrita proposta, dando ateno especial para as questes de induo de
comportamento e vinculao de receita que se pressupe ao se mencionar a ideia de
Contribuio, bem como outras questes que se fazem necessrias, tais quais, a
efetividade do objetivo arrecadatrio e a conformao do aumento da carga tributria,
especialmente considerando o atual contexto econmico. Para, ao fim, tentar traar
consideraes finais.
9
2 ORIGEM E DESENVOLVIMENTO DO DIREITO ANTITRUSTE: A
IMPORTNCIA DA LIVRE CONCORRNCIA E SUA RELAO COM
DESENVOLVIMENTO SOCIOECONMICO
ORIGEM E DESENVOLVIMENTO: O COMMON LAW E A CULTURA CONTRA
AS RESTRIES MERCANTIS
Os registros histricos apontam que a primeira lei contempornea do
Direito Antitruste adveio no Canad, o chamado Act for the Prevention and
Suppression of Combinations formed in restraints of trade, em 1889. Muito embora
se saiba que, em tempos idos, tambm h registros jurdicos de prticas
anticoncorrenciais que ensejaram a produo de normas antitruste pelo Imperador
Romano Zeno, em 483 a. C., proibindo monoplios, arranjos e acordos de preo, bem
como um julgamento de um tribunal ingls em 1603 (Darcy v. Allin) para invalidar
monoplio do jogo de cartas1.
No obstante, foi nos Estados Unidos que o Direito Antitruste e seu
desenvolvimento ganharam destaque. E foi l de onde se inspirou para a edificao
do sistema brasileiro.
A despeito da vasta doutrina apontar a origem do Direito Antitruste
Americano como sendo o Sherman Act de 18902, sabe-se hoje que seu grmen foi o
prprio sistema Common Law e sua produo jurisprudencial. Os problemas
envolvendo a restrio mercantil em detrimento da livre concorrncia foi
primeiramente solucionado pelo Poder Judicirio.
Uma investigao mais apurada3 demonstra que o progenitor ancio da
doutrina na qual a restrio mercantil uma limitao da concorrncia, que deu origem
ao Direito Antitruste, remonta ao ano de 1711 com o julgamento Mitchel v. Reynolds4.
Logo, tal precedente se tornou o Leading Case para a produo jurisprudencial
1 AGUILLAR, Fernando Herren. Direito econmico: do direito nacional ou supranacional. 4 ed. So Paulo: Atlas,
2014. p. 261
2 15 US Code
3 COLLIN, Thomas J.; Antitrust common law: restrictive covenants and reasonableness. Akron Law Review. Vol
24:3. 1990-1991. P. 480-481
4 1 P. Wms. 181, 24 E.R. 347 (Q.B. 1711)
10
subsequente, vindo a ser citada por casos levado Suprema Corte Norte Americana,
como Oregon Steam Navigation Company v. Winsor5, Gibbs v. Consolidated Gas
Company6, e Fowle v. Park7, antes mesmo da promulgao da lei Sherman Act.
Portanto, constata-se que, na verdade, o embrio do Direito Antitruste
Norte Americano foi justamente sua cultura, que desde tempos idos j detinha
compreenso mercadolgica suficiente e se preocupava com a fluidez mercantil.
Inclusive, possvel verificar tal embrio inserido na prpria Carta Magna
dos Estados Unidos de 1787 que, na chamada Commerce Clause (artigo I, seo 8,
clausula 3)8, j fazia aluso ao poder de regular as atividades mercantis,
compreendendo a importncia e a necessidade dessa fluidez mercantil e j inseria
normatividade alusiva atuao estatal nesse aspecto.
Foi com todo esse suporte pressuposto que surgiu a primeira legislao
Antitruste no Direito Norte Americano, o Sherman Act de 1890, colocando as
disposies num patamar mais elevado, de garantia bsica do sistema econmico em
si e garantia fundamental do cidado9.
A partir do Sherman Act, o Direito Antitruste Norte Americano, agora
formalizado em lei, foi se desenvolvendo com mais dinamismo e sempre em busca de
atualizao para fazer frente s mais modernas tcnicas mercantis que pudessem
gerar as restries comerciais que o sistema visava a combater.
Ora, num mercado em que se preza pela no restrio mercantil, razovel
que as prticas comerciais se desenvolvam com maior naturalidade e agilidade. Logo,
o Direito Antitruste tem que possuir uma postura de renovao constante. O que de
fato aconteceu nos Estados Unidos.
5 87 U.S. (20 Wall) 64 (1873)
6 130 U.S. 396 (1889)
7 131 U.S. 88 (1889)
8 Constituio dos Estados Unidos da Amrica: The Congress shall have power To regulate Commerce with
foreign Nations, and among the several States, and with the Indian Tribes.
9 SALOMO FILHO, Calixto. Regulao da atividade econmica (princpios e fundamentos jurdicos). 2 Ed.,
revista e ampliada. So Paulo: Malheiros, 2008. P. 137
11
No curso da histria, cuidou-se em inserir previses que legais que
contemplassem, alm do combate ao monoplio e formao de cartis (Sherman
Act), outras disciplinas que propiciassem: uma agncia prpria para fiscalizao e
combate de condutas anticompetitivas (Federal Trade Commission Act, 1914); o
controle posterior de fuses e aquisies (Clayton Antitrust Law, 1914), o controle de
discriminao de preo (Robinson-Pactan Act, 1936); o controle de verticalizao e
formao de conglomerados (Celler-Kefauver Act, 1950); o controle prvio de fuses
e aquisies (Hart-Scott-Rodino Antitrust Improvements Act, 1976); a
extraterritorialidade do sistema antitruste Norte Americano (Foreign trade antitrust
improvement act of 1982); o agravamento das penalidades e sujeies do sistema
antitruste (Antitrust Criminal Penalty Enhancement and Reform Act, 2004), dentre
outras10.
Como se no bastasse, a sistemtica Norte Americana permite a
convivncia harmnica e paralela entre leis federais e estaduais11, de modo que, em
adio s leis exemplificadas acima, ainda h as leis estaduais que versam sobre
antitruste nos 50 Estados Americanos. Isso viabiliza uma maior plenitude e
completude do sistema antitruste, alm de inserir vrios partcipes, sobretudo de
controle e fiscalizao, quer sejam agentes de controle federal, quer sejam agentes
estaduais.
Ademais, inclusive em correlao com sua origem, muito do
desenvolvimento do Direito Antitruste se deu tambm no seio do Poder Judicirio,
mediante os vrios precedentes erigidos pelas Cortes. A partir dos casos que lhes
foram apresentados, com as mais variadas caractersticas, nuances prticas e em
altos e profundos nveis de complexidade, exigia-se um posicionamento, uma soluo,
as quais transcendiam os limites prprio do Direito e faziam uso, tambm, das cincias
econmicas, principalmente, o Direito Antitruste nos Estados Unidos se engrandeceu
muito.
Essa sistemtica de uma pluralidade de instrumentos normativos
implementados e aprimorados no curso do tempo, quando interpretada em unidade,
10 15 US Code
11 California v. ARC America Corp., 490 U.S. 93 (1989)
12
demonstram que o mago mais nuclear do Direito Antitruste a garantia do equilbrio
das relaes econmicas, o que vai exigir impulsos de reequilbrio a cada vez que um
patamar mnimo de harmonia no se revele satisfeito12.
Alis, a partir disso possvel ver tambm que a prpria cultura e a
preocupao que deram azo criao do Direito Antitruste nos Estados Unidos
evoluiu, disseminou e se incutiu de tal maneira na sociedade que as prticas
anticompetitivas so de extrema averso social, associadas desonestidade,
ganncia, cobia e ao prejuzo coletivo imensurvel13.
Inclusive, a preocupao com a competitividade econmica e o Direito
Antitruste eram pauta dos debates polticos. DANIEL CRANE nos conta que, na
corrida presidencial de 1912, os quatro candidatos, Theodore Roosevelt (Partido
Republicano), Eugene Debs (Partido Socialista), William Howard Talf (Partido
Republicano) e Woodrow Wilson (Partido Democrata), incluam em seus debates e
agendas polticas a importncia de uma economia competitiva e a necessidade de um
arranjo institucional que melhor proporcionasse isso14.
Uma preocupao levantada por Wilson em 1912 viria a ser comprovada e
efetivada anos depois, na dcada de 70, que foi justamente a manuteno da
eficincia e da competitividade advindas pela abertura econmica competio
estrangeira. Isso causaria uma reduo dos preos muito menor do que um
fortalecimento da agncia antitruste15.
Por fim, independentemente da posio que cada candidato adotou, havia
o denominador comum quanto necessidade de interveno estatal para o combate
12 Nesse sentido, fica a lio de CALIXTO: "O centro da garantia est no equilbrio das relaes econmicas por
ela proporcionado". SALOMO FILHO, Calixto. Regulao da atividade econmica (princpios e fundamentos
jurdicos). 2 Ed., revista e ampliada. So Paulo: Malheiros, 2008. P. 137.
13 A esse respeito fica a seguinte reflexo: participation in a cartel is viewed in the US as a property crime, akin
to burglary or larceny, and it is properly treated accordingly. Like other serious crimes, cartel are never socially
desirable. WERDEN, Gregory J.; HAMMOND, Scott D.; BARNETT, Belinda A.; Deterrence and Detection of
Cartels: Using All the Tools and Sanctions. Department of Justice. The 26th Annual National Institute on White
Collar Crime. March 1, 2012. P. 2
14 CRANE, Daniel A,. All I really need to know about antitrust I learned in 1912. Iowa law Review. Vol. 100:2025.
2015. P. 2028
15 CRANE, Daniel A,. All I really need to know about antitrust I learned in 1912. Iowa law Review. Vol. 100:2025.
2015. P. 2034
13
s prticas anticompetitivas16, o que exigia o relacionamento entre concorrncia e
regulao como ncleo das questes econmicas17-18.
De todo modo, as preocupaes com eficincia econmica,
competitividade, restrio de mercado e Direito Antitruste j se faziam presentes no
contexto poltico Norte Americano desde pelo menos 1912, enraizando-se e trazendo
tona questes importantes tanto quanto ao Direito Antitruste quanto regulao
econmica que persistem at os dias atuais19.
O PENSAMENTO ANTITRUSTE NAS ACADEMIAS: CINCIAS JURDICAS,
CINCIAS ECONMICAS E FILOSOFIAS
A livre concorrncia, em consubstanciao e desenvolvimento tanto
conjunto quanto paralelo entre as cincias jurdicas e econmicas, sob os olhos de
hoje, podem ser sintetizadas nas doutrinas com maior destaque. A Anci,
Constitucionalizao, Escola de Chicago, de Yale e o Movimento Ps-Chicago, que
cuidaram em apontar suas preocupaes motrizes, os benefcios alcanados e
proporcionados em compasso com a livre concorrncia e suas implementao,
efetivao e aprimoramento.
A bem da verdade, as doutrinas tiveram influncia e suporte
imprescindveis das cincias econmicas, cujas pesquisas tambm lograram o
recebimento do Prmio Nobel de Economia, nos Sculos XX e XXI, alm de auxiliarem
16 CRANE, Daniel A,. All I really need to know about antitrust I learned in 1912. Iowa law Review. Vol. 100:2025.
2015. P. 2036
17 CRANE, Daniel A,. All I really need to know about antitrust I learned in 1912. Iowa law Review. Vol. 100:2025.
2015. P. 2037
18 Esse relacionamento ser enfrentado um prximo captulo.
19 Em concluso de seu artigo, CRANE sintetiza a mentalidade e preocupao acerca da importncia da Regulao
e do prprio Direito Antitruste no meio poltico em tempos pretrito, muito embora tenha diminudo no decorrer
da histria essas mesmas questes e debates permanecem atuais: "1912 was a magnificent year for antitrust because
its prime contestants posed and debated so eloquently the foundational questions about a competition law system
and its regulatory alternatives. Antitrust has diminished dramatically in political salience since that time;
candidates for higher office pay it precious little attention. However, the set of questions posed and debated in
1912 persist to this day. Natural experimentation over the last century has given us more data with which to debate
the questions, but no better framing of the questions". CRANE, Daniel A,. All I really need to know about antitrust
I learned in 1912. Iowa law Review. Vol. 100:2025. 2015. P. 2038
14
numa percepo emprica acerca da importncia da livre concorrncia para o
desenvolvimento socioeconmico, dando suporte tanto para o desenvolvimento da
legislao quanto da doutrina20.
Primeiramente, a doutrina anci, como j dito alhures, foi o grmen do
Direito Antitruste Norte Americano construdo pelo sistema Common Law. Partindo de
uma difundida cultura preocupada com o fluxo das transaes e as restries de
mercado que representavam mitigao concorrncia e, consequentemente,
prpria livre iniciativa.
Essa doutrina permaneceu como o substrato do entendimento antitruste,
inclusive no Poder Judicirio Norte Americano, e consistia, em sntese, na ideia de
harmonizar as vrias liberdades, em especial o exerccio da livre iniciativa e a
liberdade contratual, que, por vezes, podiam vir a colidir com o exerccio de outro titular
e, dessa forma, ultrapassar o exerccio legtimo da liberdade individual. Assim, era
necessrio analisar, num juzo de razoabilidade, a ento denominada Rule of Reason,
se as restries mercantis eram (i)legtimas, logo, (no) podiam ser admitidas, ento
(no) estariam submissas incidncia da lei antitruste21.
Mais adiante, em meados das dcadas de 40 e 50, a doutrina que se
desenvolvia no Estados Unidos era chamada de Constitucionalizao do Direito
Antitruste. Um grande diferencial deste movimento foi a menor influncia sofrida pelas
cincias econmicas para se ater com mais foco nas nuances jusfilosficas de cunho
nitidamente constitucional, especialmente quanto aos valores de igualdade e
liberdade, bem como suas implicaes, a partir do sentimento de um vazio no
20 Na verdade, as cincias econmicas tiveram e ainda tm importante influncia no desenvolvimento do Direito
Antitruste, como destaca KAPLOW e SHAPIRO: Having surveyed several key economic underpinnings of
antitrust policy and applied the lessons to the core features of existing regimes, we have seen that economics has
had a tremendous influence on the law, but also that there is still much unfinished business for economists and
lawyers alike. () we have noted that modern antitrust law in the United Statesand to a substantial degree in
the European Unionis aimed in large part at economic objectives and heavily employs economic tools in
achieving them. KAPLOW, Louis; SHAPIRO, Carl. Antitrust. Working Paper 12867
http://www.nber.org/papers/w12867 P. 130
21 COLLIN, Thomas J.. Antitrust common law: restrictive covenants and reasonableness. Akron Law Review. Vol
24:3. 1990-1991. P. 550
15
substrato jusfilosfico havido nas ideias de anlise concorrencial e competio sem a
preocupao com os ideais de coletividade/cooperao22.
Aqui, defendia-se a ideia de regulao econmica como uma engenharia
social que deve pressupor uma configurao constitucional para a criao de polticas,
inclusive as polticas antitruste23, o que levaria a no s proteger o indivduo contra o
poder coercitivo do Estado, mas tambm a resgat-lo de uma situao de dominncia
social em prol da preservao da sociedade24.
Essa construo deveria influenciar a hermenutica e a produo jurdicas
erigidas no Direito Antitruste, especialmente aquelas tidas sobre o Sherman Act, por
incluir consideraes constitucionais a respeito da preservao da dignidade, da
liberdade e da igualdade dos indivduos, preocupaes muitos mais amplas e
elaboradas do que aquelas eficincia, organizao e distribuio das cincias
econmicas25.
Acreditava-se, pois, que seria muito mais atrativo e flexvel no combate ao
monoplio a ideia de constitucionalizao dos centros de poder econmico privado. A
partir disso se garantiria uma proteo isonmica que ofertaria a igualdade perante a
lei sob o ponto de vista mercadolgico e de exerccio da livre iniciativa , sobretudo
porque a liberdade no era mais vista apenas numa relao indivduo-Estado, mas
tambm indivduo-indivduo, na qual no podia um se sobrepor aos outros,
especialmente o detentor de maior poder econmico. Assim, buscava-se instituir uma
orientao positiva como condies necessrias para aproveitar e gozar dos frutos da
organizao social de maneira plena e igual26.
A viso de proteo isonmica viabilizava uma satisfao maior de
constitucionalizao e seus objetivos, bem como oferecia uma arquitetura mais
compreensiva quanto aos padres de gerncia dos problemas econmicos antitruste
do que as teorias econmicas davam. Entretanto, as Cortes no utilizaram claramente
22 WILSON, Richard B.; Antitrust policy and constitutional theory. 46 Cornell L. Q. 505 1960-1961. P. 506-507
23 WILSON, Richard B.; Antitrust policy and constitutional theory. 46 Cornell L. Q. 505 1960-1961. P. 510
24 WILSON, Richard B.; Antitrust policy and constitutional theory. 46 Cornell L. Q. 505 1960-1961. P. 514-515.
25 WILSON, Richard B.; Antitrust policy and constitutional theory. 46 Cornell L. Q. 505 1960-1961. P. 518
26 WILSON, Richard B.; Antitrust policy and constitutional theory. 46 Cornell L. Q. 505 1960-1961. P. 527
16
tais dogmticas para articular a igualdade como fundamento do Direito Antitruste27.
Um dos poucos precedentes que o fez foi FTC v. Morton Salt Co28.
O ncleo central da ideal de isonomia constitucional Norte Americana, seja
advinda da clusula de proteo individual, da quinta emenda, da clusula de
comrcio ou da primeira emenda, traz o conceito de razoabilidade na oferta de
privilgios ou na imposio de restries oriundas de decises particulares ou
pblicas. Tudo assente na premissa basilar de que os iguais devem ser tratados
iguais29.
Assim, a constitucionalizao do Direito Antitruste apresentava e defendia
uma racionalidade mais satisfatria sob o ponto de visto jusfilosfico e constitucional
do que as orientaes econmicas. A constitucionalizao da ideia de igualdade
apresentava uma rota que interliga os extremos do individualismo e do coletivismo e
as implicaes de uma competio imperfeita. Alm disso, era uma frmula que partia
da prpria Constituio30 e tentou inserir novas perspectivas aos juzos e anlises
econmicas31. Contudo, a fora dos argumentos econmicos foi maior e mais
convincente, sendo, portanto, mais acolhida pelas Cortes.
Nesse sentido, floresceu a Escola de Chicago, em meados da dcada de
70, envolvida num contexto econmico problemtico. Primeiramente, a recuperao
econmica ps-guerra vivida na Alemanha e no Japo permitiu uma produo forte e
a entrada de produtivos altamente competitivos em preo e qualidade no mercado
Norte Americano32. Havia, tambm, a crise do petrleo oriunda da cartelizao dos
grandes produtores mundiais, que resultou no aumento vertiginoso dos preos do
27 WILSON, Richard B.; Antitrust policy and constitutional theory. 46 Cornell L. Q. 505 1960-1961. P. 527-528
28 334 US 37 (1948)
29 WILSON, Richard B.; Antitrust policy and constitutional theory. 46 Cornell L. Q. 505 1960-1961. P. 528
30 WILSON, Richard B.; Antitrust policy and constitutional theory. 46 Cornell L. Q. 505 1960-1961. P. 531
31 Ao final de seu artigo, RICHARD WILSON cita uma frase sintetizadora e muito esclarecedora de EUGENE
ROSTOW, para quem uma economia deve ser julgada pelo que agrega riqueza da nao... Alm desse objetivo,
julgamento deve medir seus efeitos sobre os homens, poltica, e sobre os valores e cultura da sociedade. [traduo
livre] WILSON, Richard B.; Antitrust policy and constitutional theory. 46 Cornell L. Q. 505 1960-1961. P. 531
32 SALOMO FILHO, Calixto. Regulao da atividade econmica (princpios e fundamentos jurdicos). 2 Ed.,
revista e ampliada. So Paulo: Malheiros, 2008. P. 138
17
petrleo e trouxe vrias consequncias negativas para os mais variados mercados e
segmentos produtivos e de consumidores.
Portanto, viu-se a necessidade de melhorar as qualidades do mercado
Norte Americano, sobretudo quanto eficincia e competitividade, tanto para fazer
frente aos produtos importados quanto para oferecer opes e inovaes que se
coadunassem com as novas realidades e necessidades da vida cotidiana e
promovessem o bem-estar do consumidor. Essa reflexo foi buscar respaldo no
Direito Antitruste33.
Nesse cenrio, a Escola de Chicago encontrou na eficincia34 uma forma
de garantir a competitividade mercantil como tambm o bem-estar do consumidor e,
por conseguinte, o bem-estar social, sedimentando tais atributos como o suporte e o
objetivo para pensar e desenvolver o Direito Antitruste35.
Apesar de no ser necessariamente da Escola de Chicago, o pensamento
quanto importncia do consumidor, a busca por seu bem-estar e seu papel na
economia influenciaram outros economistas. Em meio a esse contexto, advindo da
Escola Clssica Austraca, LUDWIG VON MISES, defendia a sociedade vista a partir
do consumidor. Na verdade, para ele, as relaes de consumo eram quem ditavam o
caminhar econmico, a prevalncia ou a falncia de determinados modelos
produtivos, influenciavam os valores financeiros de tudo, dos produtos e servios at
da prpria mo-de-obra36. Mas para tanto, era necessria a liberdade.
33 Nesse sentido, destaca-se o registro histrico de CRANE que verificou de maneira associativa o
desenvolvimento do pensamento do Direito Antitruste junto aos acontecimentos havidos poca bem como os
valores que refletiam: "In the post-War Era, the rise of the free trade movement allowed testing of the claim
advanced by Wilson that the trust problem was largely a function of trade barriers. The Chicago School arose at a
time when foreign competition was flooding the U.S. market as never before. Its generally laisse faire policy
recommendations for antitrust resonated with realities that many markets were becoming intensely more
competitive as a result of foreign entry". CRANE, Daniel A,. All I really need to know about antitrust I learned
in 1912. Iowa law Review. Vol. 100:2025. 2015. P. 2037
34 SAMPAIO, Patrcia Regina Pinheiro. Regulao e concorrncia: a atuao do CADE em setores de
infraestrutura. So Paulo: Saraiva, 2013. P. 42
35 SALOMO FILHO, Calixto. Regulao da atividade econmica (princpios e fundamentos jurdicos). 2 Ed.,
revista e ampliada. So Paulo: Malheiros, 2008. P. 138
36 "MISES, Ludwig von. As seis lies. 7 ed. Traduo de Maria Luiza Borges. So Paulo, Instituto Ludwig von
Mises Brasil, 2009. P. 29
18
Contempornea Escola de Chicago, havia tambm a Escola de Yale. A
primeira, considerada mais positiva, centrava-se muito na ideia de eficincia como
fator de promoo do bem-estar. Contudo, a segunda, criticando a impossibilidade de
se ater e se prender tanto ao critrio de eficincia e a no adequao total de tal juzo
para promover o bem-estar, defendia a insero de outras variveis nos juzos de
bem-estar, como, por exemplo, a felicidade37.
Entretanto, a Escola de Chicago foi muito mais difundida que a Escola de
Yale, pois, ao fim, conseguiu demonstrar que a busca pela eficincia uma importante
contribuio econmica para a prpria justia distributiva. Alm disso, a insero do
juzo e a avaliao de custo-benefcio no implica compulsoriamente em se deixar de
lado outros valores, pois ela consegue conviver bem com as polticas redistributivas e
as ideias de justia38.
Posteriormente, viu-se o surgimento do movimento Ps-Chicago, que trazia
uma preocupao quanto proteo da concorrncia em si como o mago central do
Direito Antitruste. Aqui, defende-se que a concorrncia gera competitividade e ambas
so fatores imprescindveis para a preservao das prprias liberdades econmica e
de iniciativa39.
FOX sintetiza e narrar os trabalhos de JOSEPH BRODLEY, quem defendeu
que, mediante uma mistura de eficincia econmica promovida pela competitividade,
que o Direito Antitruste poderia alcanar seu objetivo econmico de incrementar o
bem-estar social e do consumidor. Para ele, o chamado bem-estar antitruste se
suporta pelo trip eficincia, bem-estar do consumidor e rivalidade. S assim, o Direito
37 SAMPAIO, Patrcia Regina Pinheiro. Regulao e concorrncia: a atuao do CADE em setores de
infraestrutura. So Paulo: Saraiva, 2013. 43-44
38 SAMPAIO, Patrcia Regina Pinheiro. Regulao e concorrncia: a atuao do CADE em setores de
infraestrutura. So Paulo: Saraiva, 2013. P. 43
39 Nesse sentido, j traando as diretrizes iniciais do movimento Ps-Chicago, o Ministro da Suprema Corte dos
Estados Unidos disse: Antitrust laws are the Magna Carta of free enterprise. They are as important to the
preservation of economic freedom and our free-enterprise system as the Bill of Rights is to the protection of our
fundamental personal freedoms. US Supreme Court Justice Thurgood Marshall in US v. Topco Associates, Inc.,
405 U.S. 596, 610 (1972). De igual sentir, atualmente, AREEDA e HOVENKAMP sintetizaram muito bem essa
ideia do foco sobre a competitividade que se compreende do Direito Antitruste: Today it seems clear that the
general goal of the antitrust laws is to promote competition as the economist understands that term. Thus we say
that the principal objective of antitrust policy is to maximize consumer welfare by encouraging firms to behave
competitively. AREEDA, Philip E.; HOVENKAMP, Herbert.. Antitrust law: an analysis of antitrust principles
and their application (2013) 100, p. 4
19
Antitruste poderia perseguir metas alm da dinmica e da progressividade
econmicas para alcanar, tambm, questes sociais no econmicas40.
Para BRODLEY, h trs tipos de eficincia: a produtiva, a alocativa e a
dinmica (inovadora), sendo esta ltima a mais importante por beneficiar as outras
duas41. Alm disso, ele tenta firma uma definio para a ideia de bem-estar do
consumidor, pois discorda da associao disso com eficincia e com interesse
superior. Para ele, o termo representa benefcios quantitativos e qualitativos,
harmonizados com um interesse social geral entrelaado com a eficincia gerada e
promotora da inovao42.
BRODLEY apontou que a rivalidade que gera a competitividade o novo
paradigma Ps-Chicago43. A partir do trabalho de MICHAEL PORTER, BRODLEY
enfatizou que fuses e alianas so tendncias que asseguram a mediocridade44.
Para ele, a perda de rivalidade domstica como uma raiz seca que vagorosamente
corri as vantagens da competitividade e reduz o ritmo da inovao e de dinamismo45.
BRODLEY disse, ainda, que o Direito Antitruste que no promove a
rivalidade uma tolice, pois, apenas a competitividade gerada pela rivalidade que
vai proporcionar o bem-estar antitruste46. Por fim, como FOX narra, BRODLEY
conseguiu contornar a ideia negativa de rivalidade no contexto antitruste para associ-
la com vetor de eficincia dinmica47.
Como dito anteriormente, o desenvolvimento das doutrinas Antitruste se fez
paralelamente nos campos do saber jurdico e econmico, um dando suporte ao outro.
Nessa equao, essas cincias juntas demonstram que outras caractersticas que
40 FOX, Eleanor M.; Antitrust welfare - the Brodley synthesis. 90 B.U. L. Rev. 1375 2010. P. 1377-1378
41 FOX, Eleanor M.; Antitrust welfare - the Brodley synthesis. 90 B.U. L. Rev. 1375 2010. P. 1378
42 FOX, Eleanor M.; Antitrust welfare - the Brodley synthesis. 90 B.U. L. Rev. 1375 2010. P. 1378
43 FOX, Eleanor M.; Antitrust welfare - the Brodley synthesis. 90 B.U. L. Rev. 1375 2010. P. 1378-1379
44 FOX, Eleanor M.; Antitrust welfare - the Brodley synthesis. 90 B.U. L. Rev. 1375 2010. P. 1379
45 FOX, Eleanor M.; Antitrust welfare - the Brodley synthesis. 90 B.U. L. Rev. 1375 2010. P. 1379
46 FOX, Eleanor M.; Antitrust welfare - the Brodley synthesis. 90 B.U. L. Rev. 1375 2010. P. 1380-1381
47 FOX, Eleanor M.; Antitrust welfare - the Brodley synthesis. 90 B.U. L. Rev. 1375 2010. P. 1383
20
ajudam a fortalecer ainda mais o Direito Antitruste so a informao, a instituio, a
liberdade, a democracia e a justia.
No que diz respeito informao, ressaltam-se os trabalhos de AKERLOF,
a partir de suas pesquisas, ele constatou um problema envolvendo a assimetria da
informao no mercado, sobretudo no tocante qualidade das mercadorias e
servios, o que pode levar, inclusive, ao desaparecimento do prprio segmento, em
face das incertezas geradas e os malefcios decorrentes48.
Para ele, o melhor instrumento de contra-ataque dessa assimetria a
presena de instituies49, que vo atuar em prol de garantias, especialmente das
informaes de quantidade, qualidade e correspondncia de preo, para dar suporte
ao fluxo mercadolgico.
Em associao a essa linha de raciocnio, h tambm os trabalhos de
STIGLITZ e SPENCE. O primeiro trabalhou a sistematizao da ideia da economia da
informao e a importncia que a informao tem nas transaes mercantis50; e o
segundo discutiu as formas pelas quais se transmite informao e a consequente
reduo das assimetrias decorrente dessa difuso51. Os trs autores compartilharam
o Prmio Nobel de Economia de 2001.
Portanto, a informao circunstncia importante que vai proporcionar
cenrio benfico s transaes comerciais, logo, combate as restries mercantis,
bem como subsidia garantias ao consumidor, dando-lhe condies de discernir o que
realmente est adquirindo, quantitativa e qualitativamente, e se o preo condizente
48 SALOMO FILHO, Calixto. A paralisia do antitruste. In: GABAN, Eduardo Molan e OLIVEIRA
DOMINGUES, Juliana (coord.). Estudos de direito econmico e economia de concorrncia. 1 Ed. 2 Reimpr.
Curitiba: Juru, 2012. P. 17
49 AKERLOF, George A.; The Market for "Lemons": Quality Uncertainty and the Market Mechanism. The
Quarterly Journal of Economics, Vol. 84, No. 3. (Aug., 1970). P. 499.
50 SALOMO FILHO, Calixto. A paralisia do antitruste. In: GABAN, Eduardo Molan e OLIVEIRA
DOMINGUES, Juliana (coord.). Estudos de direito econmico e economia de concorrncia. 1 Ed. 2 Reimpr.
Curitiba: Juru, 2012. P. 17
51 SALOMO FILHO, Calixto. A paralisia do antitruste. In: GABAN, Eduardo Molan e OLIVEIRA
DOMINGUES, Juliana (coord.). Estudos de direito econmico e economia de concorrncia. 1 Ed. 2 Reimpr.
Curitiba: Juru, 2012. P. 17
21
ou se h sobrepreo injustificado , bem como teria cincia da oferta, logo, d bem-
estar aos consumidores.
Em consonncia com a economia da informao, HAYEK defendia a ideia
de conhecimento econmico52. Nesse sentido, segundo a narrativa de CALIXTO, o
conhecimento seria o fator a partir do qual se conferiria proteo ao consumidor,
mormente a descoberta das utilidades dos produtos e das opes existentes no
mercado. Assim a concorrncia, sob essa perspectiva, o nico fenmeno que
permitir o conhecimento no ambiente mercadolgico, servindo, principalmente ao
consumidor, mas tambm aos prprios concorrentes53, que vo se dimensionar e
ajustar as caractersticas e peculiaridades de cada ambiente econmico.
Quanto s instituies, destacam-se os trabalhos de DOUGLASS C.
NORTH. Sob a narrativa econmica de PAULO GALA, as instituies vo combater
as incertezas e os custos de transao54 e vo proporcionar um contexto que viabiliza
uma abertura para as novas organizaes, ou seja, as instituies constroem um
ambiente favorvel efetivao do exerccio da livre concorrncia pelos outros
titulares e maximiza a democracia55.
J sob a narrativa econmica de FIANI, as instituies de NORTH so
vetores garantidores da democracia e da liberdade. Justamente por reduzir os custos
de transao, reduz-se, tambm, os custos de transao inerentes democracia,
favorecendo o aumento das transaes democrticas, especialmente nos processos
de deciso que envolvem eleitores, parlamentares e burocratas, alm de reduzir a
ignorncia e aumentar as percepes subjetivas dos processos democrticos56.
52 Segundo relata CALIXTO, para HAYEK, o conhecimento econmico , por sua natureza, prtico, e o melhor
conhecimento adquirido individualmente, atravs do processo de escolha, isto , atravs da efetiva existncia de
concorrncia". SALOMO FILHO, Calixto. Regulao da atividade econmica (princpios e fundamentos
jurdicos). 2 Ed., revista e ampliada. So Paulo: Malheiros, 2008. P. 38
53 SALOMO FILHO, Calixto. Regulao da atividade econmica (princpios e fundamentos jurdicos). 2 Ed.,
revista e ampliada. So Paulo: Malheiros, 2008. P. 39-41.
54 GALA, Paulo. A teoria institucional de Douglass North - Revista de Economia Poltica, vol. 23, n 2 (90), abril-
junho/2003. P. 100
55 GALA, Paulo. A teoria institucional de Douglass North - Revista de Economia Poltica, vol. 23, n 2 (90), abril-
junho/2003. P. 101
56 FIANI, Ronaldo. Crescimento econmico e liberdades - a economia poltica de Douglass North. Economia e
Sociedade, Campinas, v. 11, n. 1 (18), p. 45-62, jan./jun. 2002. P. 60
22
Ademais, a partir do momento em que as instituies garantem direitos,
especialmente propriedade e liberdade, reduz-se os custos transacionais
econmicos a proporcionar um incentivo para o desenvolvimento, mediante a
ampliao, tambm, do universo de escolhas e da oferta de ferramentas para se
tomarem escolhas timas57.
Agora, sob a narrativa jurdica de BOHRER e SCORZA, v-se a grande
ascenso das teorias neoinstitucionalistas58, nas quais se destaca NORTH, quem
atribuiu especial importncia da concorrncia como componente fundamental para o
desenvolvimento econmico e a evoluo das instituies, as quais vo se utilizar da
concorrncia e do desenvolvimento para aument-los59.
Na leitura que BOHRER e SCORZA fizeram de NORTH, ficou claro que as
instituies amoldam a interao humana e tm como funo reduzir as incertezas e
estabilizar as estruturas60 e vo atuar de forma a influenciar na construo e da
definio das possibilidades de escolha que, com o vetor de informao, induzem a
participao dos agentes nas atividades econmicas61. Ou seja, a concorrncia uma
garantia institucional mnima62.
57 FIANI, Ronaldo. Crescimento econmico e liberdades - a economia poltica de Douglass North. Economia e
Sociedade, Campinas, v. 11, n. 1 (18), p. 45-62, jan./jun. 2002. P. 61
58 BOHRER, Carolina Pancotto; SCORZA, Flavio Augusto Trevisan. Instituies, concorrncia e comrcio
internacional: criando competitividade para o desenvolvimento. In: GABAN, Eduardo Molan; OLIVEIRA
DOMINGUES, Juliana (coord.). Estudos de direito econmico e economia de concorrncia. 1 Ed. 2 Reimpr.
Curitiba: Juru, 2012. P. 243
59 BOHRER, Carolina Pancotto; SCORZA, Flavio Augusto Trevisan. Instituies, concorrncia e comrcio
internacional: criando competitividade para o desenvolvimento. In: GABAN, Eduardo Molan; OLIVEIRA
DOMINGUES, Juliana (coord.). Estudos de direito econmico e economia de concorrncia. 1 Ed. 2 Reimpr.
Curitiba: Juru, 2012. P. 244
60 BOHRER, Carolina Pancotto; SCORZA, Flavio Augusto Trevisan. Instituies, concorrncia e comrcio
internacional: criando competitividade para o desenvolvimento. In: GABAN, Eduardo Molan; OLIVEIRA
DOMINGUES, Juliana (coord.). Estudos de direito econmico e economia de concorrncia. 1 Ed. 2 Reimpr.
Curitiba: Juru, 2012. P. 244.
61 BOHRER, Carolina Pancotto; SCORZA, Flavio Augusto Trevisan. Instituies, concorrncia e comrcio
internacional: criando competitividade para o desenvolvimento. In: GABAN, Eduardo Molan; OLIVEIRA
DOMINGUES, Juliana (coord.). Estudos de direito econmico e economia de concorrncia. 1 Ed. 2 Reimpr.
Curitiba: Juru, 2012. P. 245
62 SALOMO FILHO, Calixto. Regulao da atividade econmica (princpios e fundamentos jurdicos). 2 Ed.,
revista e ampliada. So Paulo: Malheiros, 2008. P. 158
23
As instituies podem atingir vrios nveis de eficincias, mensurados pelas
condies de realizao da garantia maior ou menor de direitos. Portanto, cada
sociedade tem suas prprias formataes institucionais e nveis de eficincia
estabelecidos e almejados63 a impossibilitar ou tornar inapropriadas comparaes
rpidas e superficiais.
De todo modo, esses dois autores apontam que, a partir de NORTH, a livre
concorrncia oferece ntidos e robustos benefcios institucionais. A competitividade
fator fundamental para um processo contnuo de desenvolvimento econmico,
mormente o incentivo s mais variadas formas de inovao (mtodos produtivos,
produtos, servios, formas de distribuio etc.), como tambm um incentivo entrada
de novos agentes econmicos. Tal ambiente promove a competitividade, aumenta a
eficincia sistmica e efetiva o desenvolvimento socioeconmico64.
Por outro lado, a carncia da livre concorrncia e das instituies gera uma
srie de prejuzos, tanto competitividade quanto inovao. Num ambiente de
monoplio, no h incentivos para qualquer tipo de inovao e ainda se chega ao
ponto de subverso da prpria lei da oferta e demanda, logo, apenas os monopolistas
percebem benefcios em detrimento do consumidor65.
E mais, a competitividade e a inovao geradas pela livre concorrncia vo
exigir tambm um ritmo evolutivo das prprias instituies, como por exemplo, a
regulao setorial que vai ter que acompanhar novidades tecnolgicas dos nichos que
regem, como se viu na segunda metade do Sculo XX e comeo do Sculo XXI66.
63 BOHRER, Carolina Pancotto; SCORZA, Flavio Augusto Trevisan. Instituies, concorrncia e comrcio
internacional: criando competitividade para o desenvolvimento. In: GABAN, Eduardo Molan; OLIVEIRA
DOMINGUES, Juliana (coord.). Estudos de direito econmico e economia de concorrncia. 1 Ed. 2 Reimpr.
Curitiba: Juru, 2012. P. 249.
64 BOHRER, Carolina Pancotto; SCORZA, Flavio Augusto Trevisan. Instituies, concorrncia e comrcio
internacional: criando competitividade para o desenvolvimento. In: GABAN, Eduardo Molan; OLIVEIRA
DOMINGUES, Juliana (coord.). Estudos de direito econmico e economia de concorrncia. 1 Ed. 2 Reimpr.
Curitiba: Juru, 2012. P. 251
65 BOHRER, Carolina Pancotto; SCORZA, Flavio Augusto Trevisan. Instituies, concorrncia e comrcio
internacional: criando competitividade para o desenvolvimento. In: GABAN, Eduardo Molan; OLIVEIRA
DOMINGUES, Juliana (coord.). Estudos de direito econmico e economia de concorrncia. 1 Ed. 2 Reimpr.
Curitiba: Juru, 2012. P. 251
66 BOHRER, Carolina Pancotto; SCORZA, Flavio Augusto Trevisan. Instituies, concorrncia e comrcio
internacional: criando competitividade para o desenvolvimento. In: GABAN, Eduardo Molan; OLIVEIRA
24
Por fim, a concluso de NORTH foi que o chamado Path Dependence vai
alm da criao da matriz das instituies e seu desenvolvimento as instituies de
ontem que criam o cenrio orgnico e econmico de hoje , h, na verdade, um
emaranhando de instituies independentes que, alm de permitir que organizaes
e ambientes econmicos aflorem, vai permitir, tambm, as oportunidades67.
Em se tratando de oportunidades, destacam-se os trabalhos de AMARTYA
SEN. Para ele, o desenvolvimento requer a remoo das privaes das liberdades, o
que implica dizer oferecer reais oportunidades68. O leque de oportunidades um
reflexo da moldura das instituies e das liberdades instrumentais que aos sujeitos
so oferecidos em determinado sistema normativo69. Sejam oportunidades para a
participao das decises pblicas (democracia)70, sejam como o leque de opes de
exerccio das liberdades individuais (plenas, inadequadas, insuficientes ou
inexistentes)71, ambos vo refletir as chances que a pessoa tem para levar uma vida
boa e viver numa situao de bem-estar como tambm vo servir de substrato para
compreender as influencias causais que prejudicam as oportunidades72.
Sendo assim, SEN vai demonstrar que a negao das oportunidades pode
ser uma privao de liberdade, dentre as quais as liberdades de iniciativa e poltica,
mediante restries arbitrrias73, como por exemplo, prticas anticompetitivas, como
tambm, a participao das tomadas de decises pblicas ou falta de acesso
isonmico aos servios pblicos.
DOMINGUES, Juliana (coord.). Estudos de direito econmico e economia de concorrncia.1 Ed. 2 Reimpr.
Curitiba: Juru, 2012. P. 253
67 NORTH, Douglass C.; Institutions. The Journal of Economic Perspectives, Vol. 5, No. 1. (Winter, 1991), p.
109.
68 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como Liberdade. Traduo Laura Teixeira Motta. So Paulo:
Companhia das Letras, 2000. P. 18
69 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como Liberdade. Traduo Laura Teixeira Motta. So Paulo:
Companhia das Letras, 2000. P. 25
70 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como Liberdade. Traduo Laura Teixeira Motta. So Paulo:
Companhia das Letras, 2000. P. 31
71 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como Liberdade. Traduo Laura Teixeira Motta. So Paulo:
Companhia das Letras, 2000. P. 31
72 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como Liberdade. Traduo Laura Teixeira Motta. So Paulo:
Companhia das Letras, 2000. P. 40.
73 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como Liberdade. Traduo Laura Teixeira Motta. So Paulo:
Companhia das Letras, 2000. P. 41.
25
Por isso, SEN defende que a oportunidade o instrumento que proporciona
a liberdade individual, a qual subsidia o aprimoramento pessoal e coletivo, quando o
exerccio singular feito de modo socialmente adequado, apropriado e eficaz74. De
igual modo, SEN v a democracia tanto como instrumento criador de um conjunto de
oportunidades quanto um vetor sobre o uso das oportunidades por ela criadas75.
Noutra obra, SEN defende que mais liberdade proporciona mais
oportunidade e quanto mais oportunidades mais se consegue buscar a satisfao
daquilo que cada pessoa valoriza76. Por isso, para ele, a oportunidade vista sob as
perspectivas da igualdade e justia, mediante os aspectos de processo e capacidade.
Ele entende ser necessrio haver oportunidades reais para a realizao de
funcionamentos valiosos, o que seria a formalizao das liberdades que vem a chamar
de capacidade, mas vai exigir tambm um procedimento para implementao e
efetivao, bem como decises livres e conscientes77. Um aprofundamento maior na
obra de AMARTYA SEN ser feito no prximo captulo.
Diante disso, entende-se que a oportunidade um fator intrnseco
liberdade, democracia e justia. Para o Direito Antitruste, quando se defende a
competitividade e a efetivao da livre concorrncia, quer-se maximizar as liberdades
de iniciativa e contrato de forma harmnica entre seus titulares, em doses equivalentes
para cada qual, proibindo e coibindo excessos, mas compelindo um exerccio
republicano, logo justo e democrtico.
OS BENEFCIOS DA COMPETITIVIDADE E DA CONCORRNCIA
Tomando como base todo esse suporte terico, constata-se que a
importncia da livre concorrncia e das instituies no s para a performance
74 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como Liberdade. Traduo Laura Teixeira Motta. So Paulo:
Companhia das Letras, 2000. P. 46
75 SEN, Amartya Kumar. Desenvolvimento como Liberdade. Traduo Laura Teixeira Motta. So Paulo:
Companhia das Letras, 2000. P. 182
76 SEN, Amartya Kumar. A Ideia de Justia. Traduo Ricardo Doninelli Mendes e Denise Bottmann. So Paulo:
Schwarcz, 2009. P. 228
77 SEN, Amartya Kumar. A Ideia de Justia. Traduo Ricardo Doninelli Mendes e Denise Bottmann. So Paulo:
Schwarcz, 2009. P. 353
26
econmica, mas tambm para outros segmentos, a exigir instituies de natureza
poltica e social, alm daquelas propriamente econmicas78.
Portanto, o que se v que o movimento Ps-Chicago no superou ou se
ops s ideias defendidas pela Escola de Chicago, mas tratou de implement-las e
atualiz-las, mediante a insero dos fatores informao, instituio e competitividade,
aliada importncia da liberdade, da igualdade, da democracia e da justia, as quais
resultam tanto na proteo e no bem-estar do consumidor, quanto no desenvolvimento
socioeconmico que preza pela eficincia e pelo dinamismo.
Dessa forma, o Direito Antitruste comprovadamente um instrumento que
proporciona benefcios sociedade em vrias perspectivas. Um dos grandes nomes
associados Escola de Chicago e ao Direito Econmico RICHARD ALLEN
POSNER. Em um de seus mais de 300 artigos, ele demonstra o custo social (negativo)
gerado pelas atividades em monoplio, mormente a transferncia da riqueza do
consumidor para os detentores do poder econmico abusivo79, a reduo da
competitividade causada pelo monoplio80, o surgimento da perda pelo peso morto
(deadweight loss)81 e a ineficincia (x-inefficiency)82. O que o leva a defender a
utilizao do Direito Antitruste para combater todas essas negatividades e promover
a competitividade, pois, apesar de representar um custo social e um custo transacional
em si, menor e melhor do que a existncia de prticas anticompetitivas83.
78 FIANI, Ronaldo. Crescimento econmico e liberdades - a economia poltica de Douglass North. Economia e
Sociedade, Campinas, v. 11, n. 1 (18), p. 45-62, jan./jun. 2002. P. 61
79 POSNER, Richard A.; The social cost of monopoly and regulation. Working paper n 55. Center for economic
analysis of human behavior and social institutions. National Bureau of Economic Research. Inc.. New York,
September 1974. P. 1-3, 20 e 24.
80 POSNER, Richard A.; The social cost of monopoly and regulation. Working paper n 55. Center for economic
analysis of human behavior and social institutions. National Bureau of Economic Research. Inc.. New York,
September 1974. P. 20
81 POSNER, Richard A.; The social cost of monopoly and regulation. Working paper n 55. Center for economic
analysis of human behavior and social institutions. National Bureau of Economic Research. Inc.. New York,
September 1974. P. 20
82 POSNER, Richard A.; The social cost of monopoly and regulation. Working paper n 55. Center for economic
analysis of human behavior and social institutions. National Bureau of Economic Research. Inc.. New York,
September 1974. P. 26-27
83 POSNER, Richard A.; The social cost of monopoly and regulation. Working paper n 55. Center for economic
analysis of human behavior and social institutions. National Bureau of Economic Research. Inc.. New York,
September 1974. P. 30.
27
No obstante, ALAN DEVLIN comprova que o Direito Antitruste uma
ferramenta muito poderosa em tempos de crise econmica, especialmente quando a
regulao setorial no se consegue ajustar para fazer frente s novas prticas
mercadolgicas de maneira adequada e em tempo hbil suficiente. Segundo o referido
autor, o Direito Antitruste se revela aplicvel e constante mesmo diante das inovaes
ocorridas, pois as formataes econmicas, em regra e de maneira geral,
permanecer-se-o enquadrveis aos conceitos antitruste84.
Nesse mesmo sentido, ainda na dcada de 70, RICHARD POSNER, em
outro de seus artigos, analisa as teorias de regulao econmica para concluir que
nem a tradicional teoria do interesse pblico ou a teoria da regulao econmica so
satisfatrias85. Ele defende, ao fim, a melhor adequao e efetividade do Direito
Antitruste e refora esse mesmo entendimento em tempos atuais, especialmente
diante da economia digital que se desenvolve com muita celeridade, no sendo
devidamente acompanhada pela regulao setorial86.
Em trabalho de referncia tanto jurdica quanto econmica, LOUIS
KAPLOW e CARL SHAPIRO apontam e demonstram empiricamente os malefcios
que prticas anticompetitivas resultam, tais como o aumento do preo decorrente da
formao de cartis87, bem como o aumento dos preos decorrente das fuses
horizontais e formao de conglomerados88, a prtica de preos predatrios pelos
monoplios89, alm da consequente reduo da concorrncia do setor90.
Um dos principais efeitos dessas prticas a subverso da primeira lei do
mercado, a lei da oferta e demanda, mormente o conluio instaurado passa a gerir
84 DEVLIN, Alan. Antitrust in an era of market failure. Harvard Journal of Law and Public Policy. Vol. 33. N 02.
85 POSNER, Richard A.; Theories of economic regulation. Working paper n 41. Center for economic analysis of
human behavior and social institutions. National Bureau of Economic Research. Inc.. New York, May 1974, p. 37.
86 POSNER, Richard A.; Antitrust in the new economy. 68 Antitrust L.J. 925 2000-2001. P. 19
87 KAPLOW, Louis; SHAPIRO, Carl. Antitrust. Working paper 12867. http://www.nber.org/papers/w12867. P.
59
88 KAPLOW, Louis; SHAPIRO, Carl. Antitrust. Working paper 12867. http://www.nber.org/papers/w12867. P.
77.
89 KAPLOW, Louis; SHAPIRO, Carl. Antitrust. Working paper 12867. http://www.nber.org/papers/w12867. P.
113
90 KAPLOW, Louis; SHAPIRO, Carl. Antitrust. Working paper 12867. http://www.nber.org/papers/w12867. P.
81.
http://www.nber.org/papers/w12867http://www.nber.org/papers/w12867http://www.nber.org/papers/w12867http://www.nber.org/papers/w12867
28
arbitrariamente a produo e a distribuio, bem como o respectivo preo, impedindo
que novos agentes possam tentar ingressar no mercado com uma nova equao
financeira.
O referido trabalho ainda enfrenta o suposto argumento de eficincia
trazido como argumento de justificao das fuses. Para eles, muitas vezes as
propostas de fuses se utilizam de estudos robustos que tentam demonstrar uma
suposta eficincia advinda da formao do conglomerado. Contudo, se no for
verdadeiramente analisado, acaba por legitimar a formao de conglomerados que
vo aumentar apenas preos arbitrariamente sem capacidade alguma de inserir
qualquer eficincia91.
Portanto, os KAPLOW e SHAPIRO demonstram que essas prticas apenas
reduzem a competitividade dos segmentos e mercado, bem como das prprias
liberdades de iniciativa e contratual92.
Com efeito, verifica-se uma srie de benefcios advindos do Direito
Antitruste e da efetivao da livre concorrncia, tais como a estabilizao, o equilbrio
e a correspondncia de preos. Nem eles so alterados discricionariamente mediante
decises unilaterais abusivas dos cartis ou monoplios, nem eles deixam de refletir
o real valor do que representam, so preos enquadrados num patamar justo.
Ademais, favorece-se e se estimula a inovao tecnolgica. A disputa pelo
consumidor faz com que os agentes econmicos desenvolvam novas tecnolgicas
para angariar maiores fatias do mercado, seja mediante a oferta de produtos mais
inovadores, mais eficientes, seja por produtos que satisfaam mais os anseios
pessoais e detalhistas do consumidor.
E isso gera uma maior fluidez mercadolgica, aumentando a eficincia
(produtiva, distributiva, alocativa e dinmica) e reduzindo os custos (de transao e
91 KAPLOW, Louis; SHAPIRO, Carl. Antitrust. Working paper 12867. http://www.nber.org/papers/w12867. P.
83
92 KAPLOW, Louis; SHAPIRO, Carl. Antitrust. Working paper 12867. http://www.nber.org/papers/w12867. P.
121.
http://www.nber.org/papers/w12867http://www.nber.org/papers/w12867
29
de produo), criando um cenrio de maior pujana mercantil a dar suporte a um
desenvolvimento socioeconmico.
Por fim, implementa-se um melhor cenrio de acesso e informao em prol
do consumidor que vai, justamente com todas as caractersticas anteriores, enaltecer
suas liberdades, bem como as liberdades do prprio mercado, quanto iniciativa,
concorrncia e ao contrato.
E precisamente nesse contexto que ALBERT FOER discute os objetivos
do Direito Antitruste. Segundo sua pesquisa, h um leque variado de finalidades a que
o sistema antitruste se preza, dentre as quais a adequao/conformao de um
enquadramento da economia conforme os valores da sociedade (objetivo poltico)93;
fazer mais a partir do menos (eficincia produtiva) e melhorar a distribuio (eficincia
alocativa)94; e fazer a torta economia como um todo crescer (eficincia dinmica)95.
Para, ao fim, concluir que, na verdade, esses objetivos so todos secundrios, pois o
foco principal instituir a competitividade como princpio regente bsico da economia,
a partir do que se conseguir galgar os objetivos que entende por secundrio96.
Assim, em sntese, v-se que o Direito Antitruste, sob o prisma
propedutico, tutela a liberdade (econmica, contratual, iniciativa e concorrncia), a
democracia, a igualdade, a justia, protegendo no s o consumidor, mas tambm,
93 FOER, Albert A.; The goals of antitrust: Thoughts on consumer welfare in the US. MARSDEN, Philip.
Handbook of research in trans-Atlantic antitrust. 2007. P. 574-575
94 FOER, Albert A.; The goals of antitrust: Thoughts on consumer welfare in the US. Philip Marsden. Handbook
of research in trans-Atlantic antitrust. 2007. P. 575-576
95 FOER, Albert A.; The goals of antitrust: Thoughts on consumer welfare in the US. Philip Marsden. Handbook
of research in trans-Atlantic antitrust. 2007. P. 576-577
96 A reflexo conclusiva de FOER de um brilhantismo sem comparaes, veja-se: "I would say that there is only
one primary goal of antitrust, namely a market-based economic system in which competition should be the ruling
principle so long as it creates a reasonable balance of certain specified outcomes, which constitute the secondary
goals: stimulation and opportunity for innovation and growth; efficient production and allocation of resources;
competition-determined prices for consumers; a reasonable range of choices for all participants in the market; and
a set of guiding rules make decisions within the system. I would admit that sometimes these desired outcomes will
clash and that there are no lasting algorithms for setting priorities in such instances. Human judgment (primarily
that of law enforcers and courts, egged on by the critiques of learned commentators) will simply have to sort things
out on a case-by-case basis. Dependent upon the strength of the evidence that happens to be available, and informed
by best economic analyses and legal argumentation of the day. A science? No. More or an art form that goes by
the name, common law". FOER, Albert A.; The goals of antitrust: Thoughts on consumer welfare in the US. Philip
Marsden. Handbook of research in trans-Atlantic antitrust. 2007. P. 586
30
indiretamente, o prprio competidor97, objetivando o desenvolvimento
socioeconmico, do que se conclui que protege, tambm, o mercado e a sociedade.
Alm disso, o Direito Antitruste um instrumento fortssimo para o combate
corrupo. JOSH GOODMAN verificou vrias tendncias de convergncia e
paralelismo entre o sistema antitruste de combate a prticas anticompetitivas e o
sistema de combate corrupo. Segundo aponta, possvel combinar ambos os
sistemas nos mesmos casos de persecuo, o que o leva a crer e defender que as
prticas antitruste e anticorrupo se beneficiam muito de um intercmbio de