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MIA  > Biblioteca  > Mandel > Novidades

Teoria Marxista do Estado

Ernest MandelTranscrição autorizada

Escrito em: .....Fonte: MANDEL, Ernest. Teoria Marxista do Estado. Lisboa: Edições Antídoto, 1977. pp.

9-46.Transcrição: Daniel MonteiroHTML: Fernando A. S. AraújoDireitos de Reprodução:  © Edições Antídoto. Gentilmente cedidos pela AssociaçãoPolítica Socialista Revolucionária.

A. A sociedade primitiva e as origens do Estado

O Estado nem sempre existiu.

Certos sociólogos e outros representantes da ciência políticaacadêmica laboram em erro quando falam do Estado nas sociedadesprimitivas.

O que fazem apenas na realidade é identificar o Estado com acomunidade. E, ao fazê-lo, despem o Estado da sua característicaespecial, isto é, o exercício de certas funções da comunidade como umtodo, passa a ser uma prerrogativa exclusiva de uma pequena fracção

dos membros dessa comunidade.

Por outros termos, o nascimento do Estado é o produto da divisãosocial do trabalho.

Enquanto esta divisão social de trabalho é apenas rudimentar, todosos membros da sociedade exercem, alternada e praticamente, todas asfunções sociais. Não há Estado. Não há funções especiais de Estado.

Referindo-se aos Bushemanos, o Padre Victor Ellenber escreve queesta tribo jamais conheceu a propriedade privada, nem os tribunais, nem

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autoridade central, nem órgãos especiais de qualquer tipo(1).

Outro autor escreve da mesma tribo:

"O bando, e não a tribo, é o verdadeiro corpo político entre osBushemanos. Cada bando é autônomo, levando a sua própriavida independentemente da dos outros. Os seus assuntos são,em regra, regulados por caçadores peritos e pelos homens mais

velhos e experientes"(2).

O mesmo acontece com os povos do Egito e da Mesopotâmia naremota antiguidade:

"o tempo não só não está amadurecido para a família patriarcalcom a autoridade paterna, como para um agrupamento político

realmente centralizado (...) Obrigações activas e passivas sãocolectivas no regime do clã totêmico. Poder e responsabilidadenesta sociedade activa têm caráter indivisível. Estamos empresença de uma sociedade comunal e igualitária, dentro daqual, no mesmo totem, a própria essência de cada indivíduo e abase da coesão geral colocam todos os membros do clã em pé

de igualdade"(3).

Mas logo que a divisão social do trabalho se desenvolve e a

sociedade se divide em classes, aparece o Estado e é definida a suanatureza: aos membros da sociedade como um todo, é negado oexercício de um certo número de funções; só uma pequena minoria tomao exercício dessas funções.

Dois exemplos ilustrarão este desenvolvimento, que consistiu emtirar à maioria dos membros da sociedade certas funções queprimitivamente exerciam (coletivamente a princípio), com o fim de daressas funções a um pequeno número de indivíduos.

Primeiro exemplo: Armas.

O exercício das armas é uma função importante. Engels disse que oEstado é, em última análise, nada mais do que um corpo de homensarmados.

Na colectividade primitiva, todos os membros do grupo (e às vezesaté as mulheres) andavam armados.

Numa tal sociedade, o conceito de que pegar em armas constitui uma

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prerrogativa particular de uma instituição chamada exército, ou  polícia,

ou agentes militares de vários tipos, não existe. Qualquer adultomasculino tem o direito de usar armas. (Em certas sociedades primitivas,a cerimônia da iniciação, que marca o início da maioridade, confere odireito ao porte de armas).

É exatamente o mesmo que se dá nas sociedades que ainda sãoprimitivas, mas já próximas do estádio da divisão em classes. Porexemplo, pelo que se deu nos povos germânicos ao tempo em queatacaram o Império Romano: todos os homens livres tinham o direito aoporte de armas e podiam empregá-las na sua defesa e dos seus direitos.A igualdade de direitos entre os homens livres, que vemos. nas primitivassociedades germânicas, é, de facto, a igualdade entre soldados, como a

anedota do vaso de Soissons tão bem ilustra(4).

Na Grécia e na Roma antigas, as lutas entre patrícios e plebeusgiravam muitas vezes em torno deste assunto do direito ao porte dearmas.

Segundo exemplo: Justiça.

Em geral, a escrita era desconhecida nas sociedades primitivas. Nãoexistiam portanto códigos escritos de leis. Mais ainda: o exercício da justiça pertencia à colectividade.

À parte contendas decididas por famílias ou pelos próprios indivíduos,só assembléias colectivas tinham o poder de pronunciar juízos. Naprimitiva sociedade germânica, o presidente do tribunal do povo não julgava: a sua função consistia em verificar que eram observadas certasregras e certas formalidades.

A ideia de que pudesse haver certos homens destacados dacolectividade, a quem fosse reservado o direito de dispensar justiça,

parecia aos cidadãos de uma sociedade baseada no colectivismo do clãou da tribo, tão fora de sentido como o reverso parece à maioria dosnossos contemporâneos.

Em resumo: até certa altura do desenvolvimento da sociedade, antesde ser dividida em classes sociais, certas funções, tais como a das armasou a administração da justiça, eram exercidas coletivamente - por todosos membros adultos da comunidade. Só quando esta sociedade sedesenvolve mais, no momento em que aparecem classes sociais, é que

estas funções são retiradas à colectividade e reservadas a uma minoriaque passa a exercê-las de modo especial.

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Quais são as características deste "modo especial"?

Examinemos a nossa sociedade ocidental no período em que osistema feudal principia a ser dominante.

A independência (não formal nem jurídica mas muito real e quase

total) dos grandes Estados feudais pode mostrar-se no facto de o senhorfeudal, e só ele, exercer em todo o seu domínio todas as funções quetinham sido entregues à colectividade adulta nas sociedades primitivas.

Este senhor feudal é dono absoluto do seu reino. É o único comdireito ao porte de armas em qualquer momento; é o único polícia, oúnico agente de autoridade; é o único com direito a cunhar moeda; é oúnico ministro das finanças. Exerce em todo o seu domínio todas asclássicas funções desempenhadas pelo Estado, tal como hoje o

conhecemos.

Mais tarde, deu-se uma evolução. Enquanto o Estado émedianamente pequeno, as funções de "Estado" do senhor sãorudimentares e nada complicadas; como o exercício dessas funções nãorouba demasiado tempo ao senhor, ele pode manejar a situação eexercê-las pessoalmente.

Mas logo que aumente a extensão do território, e aumente

igualmente a população, as funções da responsabilidade do senhor feudaltornam-se cada vez mais complexas, mais pormenorizadas e maisfatigantes. Torna-se impossível para um só homem exercer todas essasfunções. Que faz então o senhor feudal?

Delega em parte os seus poderes em outras pessoas, mas não emhomens livres, visto que estes pertencem a uma classe social emoposição à classe senhorial. Delega-os em pessoas completamente sob oseu controle: os servos, que são parte do seu pessoal doméstico.

Esta origem servil ainda se reflete em muitos títulos dos temposatuais: "condestável"(ou chefe de polícia) vem de "comes stabuli", servochefe dos estábulos; "ministro" serf ministrable, isto é, o servo designadopelo senhor para servir as suas próprias necessidades; "marechal" é oservo que cuida da carruagem e dos cavalos, etc.(de marah scalc, doVelho Alto Alemão, que significa guarda de cavalos).

Porque estes indivíduos, homens não-livres, estes domésticos, estãosob o seu controle, o senhor delega parcialmente neles os seus poderes.

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Este exemplo leva-nos à seguinte conclusão, que é o verdadeirofundamento da Teoria Marxista do Estado:

O  Estado é um órgão especial que surge em certo momento da

evolução histórica da humanidade , e que está condenado a desaparecer 

no decurso da mesma evolução. Nasceu da divisão da sociedade emclasses e desaparecerá no momento em que desaparecer esta divisão.

Nasceu como instrumento nas mãos da classe dominante, com o fim de

manter o domínio desta classe sobre a sociedade, e desaparecerá quando

o domínio desta classe desaparecer.

Voltando atrás à sociedade feudal, notar-se-á que as funções deEstado exercidas pela classe dominante não se limitam apenas aosaspectos mais imediatos do Poder, tais como o exército, a justiça, asfinanças. Também sob o dedo do senhor existem ideologia, lei, filosofia,ciência, arte, etc. Os que exercem estas funções são pobres que, parapoderem viver, vendem os seus talentos ao senhor feudal, que seencarrega por sua vez das suas necessidades. Podemos e devemosincluir Chefes eclesiásticos na classe dos senhores feudais, uma vez quea Igreja era proprietária de vastas terras.

Nestas condições, pelo menos enquanto a dependência é total, odesenvolvimento da ideologia é inteiramente controlado pela classedominante: esta é a única que ordena a "produção ideológica" e só ela é

capaz de subsidiar os "ideólogos".

Eis as relações básicas que temos que ter sempre em mente, se nãoquisermos perder-nos em emaranhados de complicações e de sutisdistinções.

Escusado será dizer que, no decurso da evolução social, a função doEstado torna-se muito mais complexa, com muitas mais tonalidades doque tinha no regime feudal, tal como acabamos de descrever muito

esquematicamente.

Contudo, temos de começar a partir desta clara e óbvia situação paracompreendermos a lógica da evolução e o processo por que estasdiferentes funções se tornaram cada vez mais autônomas e principiarama parecer cada vez mais independentes da classe dominante.

B. O Moderno Estado Burguês

Origem burguesa do Estado moderno

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Também aqui a situação é perfeitamente clara. O modernoparlamentarismo tem a sua origem no grito de guerra que a burguesiainglesa lançou com violência ao rei: "Nada de impostos sem a nossarepresentação!" Em palavras simples isto quer dizer: "Nem um chavoreceberás de nós enquanto nada tivermos a dizer sobre a maneira como

o irás gastar". Podemos ver imediatamente que isto não é muito maissutil do que a relação entre o senhor feudal e o servo nomeado para osestábulos. E um rei Stuart, Carlos I, morreu no cadafalso por não terrespeitado este princípio que se transformou em princípio sagrado; todosos representantes, diretos ou indiretos do aparelho de Estado, têm tidoque lhe obedecer desde o aparecimento da moderna sociedade burguesa.

O Estado burguês, um Estado de classe

Esta nova sociedade já não é dominada pelos senhores feudais, maspelo capitalismo, pelos modernos capitalistas.

Como sabemos, as necessidades monetárias do Estado moderno — onovo poder central, mais ou menos monarquia absoluta — tornaram-secada vez maiores, desde o século XV em diante. E o dinheiro doscapitalistas, comerciantes, banqueiros, negociantes, que, em larga parte,enche os cofres do Estado. Sempre, desde esse tempo, um vez que os

capitalistas pagam para manter o Estado, exigirão que este se coloqueinteiramente ao serviço deles. Tornam isto perfeitamente claro e sentidopela própria natureza das leis que promulgam e pelas instituições poreles criadas.

Várias instituições que hoje parecem de natureza democrática, porexemplo a instituição parlamentar, revelam claramente a natureza declasse do Estado burguês.

Assim, na maioria dos países em que foi instituído oparlamentarismo, só a burguesia tem direito a voto. Esta situação durou,na maioria dos Estados Ocidentais, até fins do último século e mesmoprincípios do século XX.

O sufrágio universal é, como se sabe, de invenção relativamenterecente na história do capitalismo. Como explicar este facto? Muitosimplesmente. No século XVII, quando o capitalismo inglês proclamou:"Nada de impostos sem nossa representação!", era apenas arepresentação da burguesia que ele tinha em mente; porque a ideia de

que o povo, que nada tinha e não pagava impostos, pudesse votar,

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parecia-lhe ridícula e absurda.

Pois não é criado o parlamento para o próprio fim de controlar asdespesas feitas com o dinheiro dos contribuintes?

Este argumento, extremamente válido sob o ponto de vista da

burguesia, foi adoptado e desenvolvido pelo partido da burguesiadoutrinária(5) no tempo em que se reivindicava o sufrágio universal. Paraeste partido burguês, o papel do parlamento consistia em fiscalizarorçamentos e despesas e só quem paga impostos tem essa fiscalização;quem não paga tem uma tendência constante para aumentar os gastosvisto que não custeia as despesas.

Mais tarde, a burguesia começou a encarar o problema de outramaneira. Com o sufrágio universal nasceu o imposto universal que cada

vez mais sobrecarga os operários. Foi deste modo que a burguesiarestabeleceu a "justiça" inerente ao sistema.

A instituição parlamentar é um exemplo típico do laço muito direto emuito mecânico que existe — até no Estado burguês — entre o domínioda classe dominante e o exercício do poder de Estado.

Existem outros exemplos: Consideremos os jurados no sistema judicial. Os jurados parecem ser uma instituição eminentemente

democrática no seu caráter, especialmente quando comparada com aadministração da justiça por juízes inamovíveis, todos membros da classedominante, sobre o qual o povo não tem qualquer controle.

Mas qual a camada social de onde eram escolhidos os jurados — eainda, em muito larga medida, continuam hoje a ser escolhidos? Daburguesia. Havia mesmo qualidades especiais para ser jurado,comparáveis às necessidades para o voto, como a de ser proprietário —um jurado tinha de ser proprietário da sua casa e pagar uma certa

quantia de impostos, etc.Para ilustrar este laço muito direto entre o aparelho de Estado e a

classe dominante na época burguesa, podemos citar a famosa lei de LeChapelier, promulgada na Revolução Francesa que, a pretexto deestabelecer a igualdade entre todos os cidadãos, proibiu as organizaçõespatronais e as dos trabalhadores.

Assim, sob pretexto da banir as corporações patronais quando asociedade industrial tinha ultrapassado o estádio de corporação — foram

postos fora de lei os sindicatos. Desta forma, os trabalhadores ficavam

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impotentes perante os patrões, visto que só a organização da classeoperária pode (até certo ponto e em extensão bastante limitada) servirde contrapeso à riqueza dos patrões.

O Estado Burguês Aspecto da Realidade Diária

Por meio da luta empreendida pelo movimento operário, certasinstituições do Estado burguês tornaram-se mais sutis e mais complexas.

O sufrágio universal foi substituído pelo sufrágio só de proprietários oserviço militar tornou-se obrigatório; todos deviam pagar impostos. Ocaráter de classe do Estado tornou-se então menos transparente. Anatureza do Estado comoinstrumento do domínio de classe passou a ser

menos evidente do que no tempo em que reinava a burguesia clássica,quando as relações entre os diferentes grupos no exercício de funções doEstado eram — tão transparentes como na época feudal.

A análise do Estado moderno terá de ser, portanto, um pouco maiscomplexa; estabeleçamos primeiramente a hierarquia entre as diferentesfunções do Estado: Hoje só os mais ingênuos acreditam que o parlamento governa de facto, que é senhor do Estado, baseado nosufrágio universal. (Esta ilusão, contudo, está muito espalhada nospaíses onde o Parlamento é uma instituição criada de há pouco).

O poder de Estado é permanente e é exercido por um certo númerode instituições isoladas e independentes dessa tão mutável e instávelinfluência como é a do sufrágio universal. São estas instituições quedevemos analisar se quisermos saber onde reside o verdadeiro poder:"Governos aparecem e governos desaparecem, mas a polícia e osadministradores permanecem".

O Estado é, acima de tudo, um conjunto de instituições

permanentes: o exército (efetivo e de reserva), a polícia geral, a políciaespecial, a polícia secreta, os altos administradores nos departamentosgovernamentais (os serventuários-chave dos serviços, os corpos desegurança nacional, os juízes, etc.) — todos quantos estão livres dainfluência do sufrágio universal.

Este poder executivo está a ser constantemente reforçado. À medidaque aparece o sufrágio universal e se vai desenvolvendo uma certademocratização, aliás completamente formal, de determinadas

instituições representativas, verifica-se que o poder efetivo e real

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desloca-se dentro dessas instituições para outras que estão cada vezmais afastadas da influência do Parlamento.

Se o rei e os seus funcionários perdem uma série de direitos emfavor do Parlamento durante a fase ascendente do parlamentarismo (que

principia na obtenção do sufrágio universal), o Parlamento perde umasérie contínua de direitos que revertem para as administrações doEstado, permanentes e inamovíveis. E o fenômeno geral na EuropaOcidental. A actual Quinta República Francesa é presentemente oexemplo mais chocante e completo deste fenômeno.

Deveremos considerar esta viragem, esta inversão, como conspiraçãodiabólica contra o sufrágio universal, feita pelos capitalistas?

Estamos em presença de uma realidade objectiva mais profunda: os

poderes reais são transferidos do legislativo para o executivo; o poder doexecutivo é reforçado de maneira permanente e contínua, comoresultado de mudanças que também se dão dentro da própria classecapitalista. Este processo começou nos tempos da Primeira GuerraMundial na maioria dos países beligerantes e desde então tem continuadoininterruptamente.

Mas este fenômeno existiu muitas vezes antes desse tempo. Assim,no Império Alemão, esta prioridade do executivo sobre o legislativo

apareceu ao mesmo tempo que o sufrágio universal. Bismark   e osJunkers concederam o sufrágio universal para empregarem a classeoperária, até certo ponto, como alaca [no original "alaca" - erro deimpressão, provavelmente seria alavanca - nota MIA] contra a burguesiacapitalista assegurando deste modo (naquela sociedade jáessencialmente capitalista) a relativa independência do poder executivoexercido pela nobreza prussiana.

Este processo mostra perfeitamente que a igualdade política é mais

aparente do que real e que o direito do cidadão ao voto não passa de ummero direito de meter um pedacinho de papel na caixa da assembléia devotos, de tantos em tantos anos. O direito não vai mais longe, nem(sobretudo) alcança os centros reais onde se tomam as decisões e seexerce o poder.

Os monopólios apoderam-se do Parlamento

A época clássica do parlamentarismo foi a da livre concorrência.Naqueles tempos, o burguês individual, o industrial, o banqueiro, erammuito fortes como indivíduos. Eram muito independentes, muito livres,

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dentro dos limites da liberdade burguesa, e podiam arriscar o seu capitalno mercado da maneira que desejassem.

Naquela sociedade burguesa atomizada, o Parlamento desempenhouum papel muito útil, objectivo, e até indispensável ao funcionamento

tranquilo dos assuntos quotidianos.De facto, era só no Parlamento que o denominador comum dos

interesses da burguesia se podia determinar. Podiam organizar-se dúziasde grupos capitalistas, separados uns dos outros, grupos opostos a outroqualquer por uma quantidade de interesses locais, regionais ecorporativos. Estes grupos só podiam unir-se de forma ordenada noParlamento. (É verdade que também se podiam encontrar no mercado,mas aí era à navalha e não com palavras!). Foi só no Parlamento queuma linha média pôde ser estabelecida, linha de tal ordem que pudesseexprimir os interesses da classe capitalista como um todo.

Porque então era esta a função do Parlamento: servir de lugarcomum de reunião onde os interesses colectivos da burguesia pudessemser formulados. lembremos que, na época heróica do parlamentarismo,não era só com palavras e votos que o interesse colectivo semanifestava; também usavam os punhos e as pistolas. Não mandou aConvenção milhares de cidadãos à guilhotina, pela mais ínfima dasmaiorias, essa Convenção, clássico Parlamento burguês da Revolução

Francesa?

Mas a sociedade capitalista não permaneceria atomizada. Pouco apouco, pôde ver-se a organizar-se, a estruturar-se, em concentraçõescada vez maiores, de forma cada vez mais centralizada. A livreconcorrência desaparece e é substituída por monopólios, por trusts e porgrupos capitalistas.

O Parlamento e, mais ainda, o governo de um Estado capitalista, por

mais democrático que pareça ser, está atado à burguesia por cadeiasdoiradas que tomam o nome de dívida pública.

Nenhum governo poderia durar mais de um mês sem bater à portados bancos para pagar assuas despesas correntes. Se os bancos serecusassem, o governo abriria falência.

São duplas as origens deste fenômeno. Os impostos não entramdiariamente nos cofres; as receitas concentram-se em certos períodos doano mas as despesas são contínuas. É deste modo que surge a dívidapública a curto prazo.

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Este problema não é de solução difícil, mas surge ainda outroproblema, muitíssimo mais grave. Todos os modernos Estadoscapitalistas gastam mais do que recebem. Eis a origem da dívida públicaa longo prazo para a qual os bancos e estabelecimentos financeirosadiantam dinheiro a juros elevados. Aqui está uma conexão direta e

imediata, um laço diário, entre o Estado e a Alta Finança.

 A hierarquia no aparelho de Estado...

Outras cadeias doiradas, cadeias invisíveis, fazem do aparelho deEstado um instrumento nas mãos da burguesia.

Se examinarmos, por exemplo, o método de recrutamento dofuncionalismo público, veremos que para ser um empregado de umministério, é preciso passar num exame. De facto, esta regra parece ser

muito democrática. Por outro lado, ninguém pode submeter-se a examepara qual quer nível de emprego. O exame não é o mesmo para o cargode secretário geral de um ministério, ou de chefe do estado-maior doexército, ou de terceiro oficial de uma pequena repartiçãogovernamental. Também, à primeira vista, parece ser absolutamentenormal. Mas — e eis aqui um grande mas — há uma progressão nestesexames que lhes confere caráter seletivo. O candidato tem de possuircertos diplomas, teve de seguir certos cursos para se candidatar a certasposições, especialmente às mais importantes. Um tal sistema exclui

vasto número de pessoas que não puderam obter instrução universitáriaou equivalente, porque uma igualdade de oportunidades de instrução nãoexiste na realidade. Ainda que o sistema de exame para cargos públicosseja democrático superficialmente, não deixa de ser um instrumentoselecionador.

...é um espelho da hierarquia na sociedade capitalista

Estas invisíveis cadeias doiradas encontram-se ainda na remuneração

que auferem os membros do aparelho de Estado.

Todas as agências governativas, incluindo o exército, apresentam umaspecto de pirâmide, a estrutura hierárquica, que caracteriza a sociedadeburguesa. Estamos tão influenciados e embebidos pela ideologia daclasse dominante que temos a tendência para não ver nada de anormalno facto de um secretário geral de um ministério receber um ordenadodez vezes superior ao do aspirante no mesmo ministério ou da mulherque limpa os escritórios. O esforço físico desta mulher é por certo maior,

o que, como todos sabem, é muito mais cansativo, mas o secretário geraldo ministério  pensa.   De igual modo, o ordenado do chefe do

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estado-maior (mais outro que pensa.) é muito maior que o do soldado.

Esta estrutura leva-nos a pôr em destaque a existência de secretáriosgerais, generais, bispos, etc, com o mesmo nível de ordenado e,portanto, com o mesmo nível de vida, idêntico ao da grande burguesia,

de modo que participam do mesmo clima social e ideológico. Vêm depoisos funcionários médios, oficiais no meio da escala, com o mesmo nívelsocial e com o mesmo rendimento da pequena e média burguesia. Porfim, a massa dos empregados sem títulos, mulheres de limpeza,contínuos e serventes, que muitas vezes ganham menos que os operáriosfabris. É claro que o seu nível de vida corresponde ao do proletariado.

Portanto, o aparelho de Estado não é um instrumento homogêneo:compreende uma estrutura que corresponde de perto à estrutura dasociedade burguesa, isto é, com uma hierarquia de classes e diferençasidênticas entre si.

A estrutura em pirâmide corresponde às necessidades reais daburguesia. Ela quer ter à sua disposição um instrumento que possamanipular à vontade. É óbvia a razão por que a burguesia tem andado aprocurar há muito tempo, e com estranha vivacidade, negar aostrabalhadores dos serviços públicos o direito à greve.

Será o Estado um simples árbitro?

Este ponto é importante. No próprio conceito do Estado burguês —independentemente de ser mais ou menos democrático na forma —existe uma premissa fundamental que se liga sobretudo à própria origemdo Estado: pela sua natureza, o Estado está em contradição, ou antes,inadaptado às necessidades da colectividade. Por definição, o Estado éum grupo de homens que exercem as funções praticadas, antigamente,por todos os membros da colectividade. Estes homens não fazem umtrabalho produtivo mas são mantidos pelos outros membros dasociedade.

Em tempos normais, não há muita necessidade de cães de guarda.Em Moscou, por exemplo, não há vendedores de bilhetes nos autocarros:os passageiros depositam o dinheiro no respectivo receptáculo, quer hajaou não quem esteja de vigia. Mas nem sempre é assim: na sociedade emque é baixo o nível de desenvolvimento das forças produtivas, ondetodos travam uma luta árdua com os restantes para obter o suficiente

para viver, tirado de um rendimento nacional demasiado baixo para ser

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distribuído, torna-se necessária uma forte engrenagem de fiscalização.

Assim, durante a ocupação alemã da Bélgica, proliferaram serviçosespecializados de fiscalização (polícia especial nas estações ferroviárias,fiscalização de tipografias, de racionamento, etc.). Em tempos como

esse, a área de conflito é tal que se torna indispensável uma imponenteengrenagem fiscalizadora.

Se pensarmos um pouco sobre o problema, poderemos ver que todosquantos exerçam funções do Estado e pertençam à sua engrenagem, são— de um ou de outro modo — cães-de-guarda. São cães-de-guarda apolícia vulgar e a especial, bem como os recebedores de impostos, os juízes, os arranha-papéis das repartições governamentais, os cobradoresdos meios de transporte, etc. Em suma, todas as funções governativasreduzem-se a isto: vigilância e controle da vida da sociedade, nointeresse da classe dominante.

Muitas vezes diz-se que o Estado contemporâneo desempenha opapel de árbitro. Esta afirmação não altera nada ao que acabamos dedizer: "fiscalização" e "arbitragem" não serão, basicamente, a mesmacoisa?

Há que fazer dois comentários. Primeiro: o árbitro não é neutro.Como atrás explicamos, os homens importantes do aparelho governativo

são parte e parcela da grande burguesia. Assim, a arbitragem não se dáno vácuo: dá-se na estrutura que mantém a sociedade existente declasses. Sem dúvida que podem ser feitas pelos árbitros concessões aosexploradores; isso depende essencialmente da relação de forças. Mas oobjectivo básico da arbitragem é manter a exploração capitalista comotal, transigindo um pouco em assuntos secundários, no, caso de serpreciso.

O Estado cão-de-guarda é testemunha da pobreza dasociedade.

Segundo comentário: o Estado é uma entidade criada pela sociedadepara fiscalização do funcionamento diário da vida social; está ao serviçoda classe dominante, com o fim de manter o seu domínio. Existe umanecessidade objectiva para esta organização-cão-de-guarda, umanecessidade muito intimamente ligada ao grau de pobreza, ao grau deconflito social que existe na sociedade.

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De um modo geral e histórico, o exercício das funções do Estado estáintimamente ligado à existência de conflitos sociais. Por sua vez, estesconflitos sociais estão intimamente ligados à existência de certa escassezde bens materiais, de recursos, de meios necessários para a satisfaçãodas necessidades humanas.

Este facto tem que ser sublinhado: enquanto existir o Estado,  será

ele a prova de que há conflitos sociais, (portanto, uma relativa escassez 

de bens e serviços). Desaparecendo os conflitos sociais, desaparecerão

os cães-de-guarda, por inúteis e parasitas, — mas nunca antes disso!

Com efeito, a sociedade paga a esses homens para exerceremfunções de vigilância, enquanto esta vigilância for do interesse de umaparte da sociedade. Mas é perfeitamente evidente que, não havendonenhum grupo na sociedade que esteja em perigo, para que tenha de seexercer a função dos cães-de-guarda, a função desaparecerá logo porinútil. E, ao mesmo tempo, desaparecerá o próprio Estado.

O próprio facto da sobrevivência do Estado prova que permanecemos conflitos sociais, bem como a relativa escassez de bens — marca decontraste daquele vasto período na história humana entre a pobrezaabsoluta (condição durante o primitivo comunismo) e a abundância(condição da futura sociedade socialista).

Enquanto estivermos neste período de transição que abrange dez milanos da história humana, período que também inclui a transição entre ocapitalismo e socialismo, o Estado há-de sobreviver, continuarão osconflitos sociais e terá de haver gente a arbitrar estes conflitos, tudo nointeresse da classe dominante, e nada mais.

O facto de o Estado burguês permanecer, fundamentalmente, aoserviço da classe dominante, quererá significar que os operários devemficar indiferentes à forma particular que tome o Estado: parlamentar,

democrático, ditadura militar, ditadura fascista?

De modo nenhum! Quanto mais liberdade tiverem os operários nasua organização e na defesa das suas ideias, tanto mais sedesenvolverão dentro da sociedade capitalista as sementes da futurademocracia socialista e tanto mais facilmente terá, historicamente, oadvento do socialismo. Por isso, devem os operários defender os seusdireitos democráticos contra todas as tentativas de os reduzir (leisanti-greves, instituição de um "Estado forte") ou de os esmagar

(fascismo).

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O Proletariado no Poder

O que dissemos serve para responder a algumas perguntas que selevantam sobre o Estado e o Socialismo.

Precisará a classe operária de um Estado?

Quando dizemos que o Estado existirá ainda, mesmo na sociedade detransição entre capitalismo e socialismo, surge a pergunta sobre se aclasse operária ainda necessitará do Estado quando alcançar o poder.

Não poderia esta classe, ao tomar o poder, abolir o Estado de um diapara o outro? A História já respondeu a esta pergunta. Por certo,

teoricamente, a classe operária podia abolir o Estado. Contudo, seria issoapenas um ato formal, jurídico, uma vez que os operários não seapoderavam do poder numa sociedade já tão rica e com tal abundânciade bens materiais e serviços que os conflitos sociais como tais, isto é,centrados na distribuição desses produtos, tivessem desaparecido; e quea necessidade de árbitros, de cães-de-guarda e polícia que dominassemtodo aquele caos, desaparecesse ao mesmo tempo que a relativaescassez de bens. Tal facto nunca aconteceu e não é provável que venhaa dar-se em qualquer tempo.

Se a classe operária tiver de tomar o poder num país em que existaainda escassez de bens, embora parcial, ou exista certa pobreza, durantealgum tempo esta sociedade não pode ainda funcionar sem um Estado.Continuarão a existir conflitos sociais.

O contrário é o recurso a uma atitude hipócrita, como fazem certosanarquistas: destruamos o Estado e demos outro nome às pessoas queexerçam as funções governamentais. Mas isso é só uma pura operação

verbal e nada mais. É a "abolição" do Estado apenas no papel. Enquantoos conflitos sociais existirem, haverá uma real necessidade de alguémque regule esses conflitos. Ora, as pessoas que regulam conflitosequivalem a Estado. Para a humanidade, é impossível regular conflitoscoletivamente, numa situação de desigualdade real, ou de realincapacidade, para satisfazer as necessidades de cada um.

Igualdade na pobreza

Pode surgir uma objecção, embora seja algo absurda e não haja

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muitos que possam apresentá-la.

Pode imaginar-se uma sociedade em que a abolição do Estado estejaligada à redução das necessidades humanas, numa tal sociedade,pode-se estabelecer uma perfeita igualdade que, certamente, não será

outra a não ser a igualdade na pobreza. Assim, se a classe operáriativesse de tomar amanhã o poder na Bélgica, todos passariam a ter pão emanteiga — e talvez mais alguma coisa.

Mas é impossível negar artificialmente as necessidades humanascriadas pelo desenvolvimento das forças produtivas — necessidadesaparecidas como resultado de a sociedade ter alcançado um certo nívelde desenvolvimento. Quando a produção de um nível total de bens e deserviços não for suficiente para cobrir as necessidades de todos, banirtais bens e serviços será sempre ineficaz. Um tal banimento apenascriaria condições ideais para o mercado negro e para a produção ilegaldesses artigos.

Assim, todas as seitas comunistas, durante a Idade Média, e nostempos modernos, pensavam organizar imediatamente a perfeitasociedade comunista, baseada na perfeita igualdade dos seus membros,proibindo a produção de artigos de luxo, de artigos para confortocorrente — incluindo a tipografia! Todas estas tentativas falharam. Efalharam porque a natureza humana é tal que, quando o ser humano se

dá conta de certas necessidades, estas não podem ser reprimidasartificialmente. Savonarola(6), ao pregar o arrependimento e aabstinência, atacou o luxo e pediu que fossem queimadas todas aspinturas; mas, com tudo isso, não teria sido capaz de evitar que um ououtro incorrigível amante da beleza, pintasse em segredo. E então, oproblema da distribuição de tais produtos "ilegais", que se tornariammais escassos do que antes, levantar-se-ia de novo — inevitavelmente.

O Jogo do Proletariado

Outra razão, embora menos importante, tem de se acrescentar aoque dissemos no princípio deste capítulo.

Quando o proletariado alcança o poder, é em condições muitoespeciais, diferentes da tomada do poder por qualquer outra classesocial. No decurso da história quando todas as outras classes sociaistomaram o poder, já tinham na mão o poder efetivo da sociedade:

econômico, intelectual e moral.

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Não há um único exemplo, antes do nosso exemplo do proletariado,de uma classe social chegar ao poder quando ainda oprimida sob ospontos de vista econômico, intelectual e moral. Por outros termos:postular que o proletariado possa tomar o poder é uma espécie de jogo,porque, coletivamente, como classe num sistema capitalista, este mesmo

proletariado está esmagado, está impossibilitado de um completodesenvolvimento do seu potencial criativo. Não se podem desenvolvercompletamente as capacidades intelectuais e morais quando se éobrigado a trabalhar oito, nove ou dez horas por dia na oficina, na fábricaou no escritório. E tal é ainda hoje a condição do proletariado.

Resulta que o poder da classe operária, quando o alcançar, évulnerável. Em muitos setores o poder do proletariado tem de serdefendido de uma minoria que continuará, durante todo um período

histórico de transição, a gozar de enormes vantagens no domíniointelectual e com largas posses materiais — pelo menos das suasreservas de bens de consumo — relativamente à classe operária.

A revolução socialista expropria a grande burguesia, como detentorados meios de produção; mas não arrebata aos detentores burgueses assuas posses acumuladas, nem os seus diplomas. Menos ainda podeexpropriar-lhes o cérebro e o conhecimento. Durante todo o período queprecedeu a tomada do poder pelo proletariado, foi a burguesia que teve o

quase exclusivo monopólio da instrução.Assim, numa sociedade em que o proletariado obteve o poder por

algum tempo (poder político, poder de homens armados, seja como for),muitas alavancas do poder efetivo estão e permanecerão nas mãos daburguesia — mais exatamente, nas mãos de uma parte da burguesia aque se pode muito bem chamar "intelligentsia", ou burguesia intelectuale tecnológica.

Poder operário e técnicos burgueses

Sobre este assunto, Lenin teve algumas experiências amargas. Defacto, pode provar-se que, de qualquer ângulo de que o problema sejaencarado, sejam quais forem as leis, os decretos promulgados, asinstituições estabelecidas, se houver necessidade de professores, defuncionários de alto nível, de engenheiros, de pessoal técnico de grandetreino, em todos os níveis do maquinismo social, é muito difícil colocar deum momento para o outro, proletários nessas posições — nem mesmo

antes de cinco ou seis anos, ou mais, após a conquista do poder. Durante

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os primeiros anos do poder Soviético, Lenin, armado de uma fórmulateoricamente correta, mas levemente incompleta, dizia:

"hoje os engenheiros trabalham para a burguesia; amanhãtrabalharão para o proletariado; para isso serão pagos e, se

necessário, serão forçados a trabalhar. O que importa é quesejam fiscalizados pelos operários".

Mas, alguns anos depois, pouco antes da sua morte, Lenin, ao fazer obalanço daquela experiência, perguntava para si próprio: Mas quemcontrola? Serão os peritos controlados pelos comunistas ou será ocontrário?

Quando abordamos esta pergunta, dia após dia, em termos concretose pensamos nos países subdesenvolvidos, e vemos o que significa na

prática um país como a Argélia, compreendemos perfeitamente que setrata de um problema fácil de resolver sobre o papel, com algumasfórmulas mágicas, mas dá-se completamente o contrário quando oproblema tenha de se resolver num país real e na vida real.

Em países como a Argélia; por exemplo, significa um controleperfeito: o privilégio da instrução universitária (ou de qualquerilustração) é apanágio de uma infinitésima minoria da sociedade, aopasso que a grande massa do povo que combateu heroicamente para

obter a independência, encontrou-se, quando chegou o momento deassumir o poder, perante uma total carência de conhecimentos que sóagora irá principiar a obter. A mais heróica experiência neste domínio, amais radical e mais revolucionária em toda a História humana, foi aempreendida pela revolução Cubana. Tirando lições de todas as variadasexperiências do passado, a revolução Cubana empreendeu resolver esteproblema, em larga escala, e no mínimo espaço de tempo, por meio de

uma extraordinária campanha de instrução(7), para transformar dezenasde milhares de operários e camponeses analfabetos em outros tantos

mestres, professores e estudantes universitários — e num tempomínimo. Ao fim de cinco ou de seis anos de trabalho, os resultadosobtidos foram consideráveis.

Contudo, um simples engenheiro, ou simples agrônomo, num distritocom dezenas de milhares de operários, pode, na prática, tornar-se patrãodo distrito, a despeito do admirável espírito revolucionário do povocubano, se tiver o monopólio do conhecimento técnico que seja vital paraesse distrito.

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Mais uma vez, a falsa solução seria uma transformação a nível tãosimples que os técnicos não fossem precisos. Mas esta é uma utopiareacionária.

O Estado como guarda do poder operário

Todas estas dificuldades indicam a necessidade que tem oproletariado, como nova classe dominante, de exercer o poder de Estadocontra todos quantos possam arrebatar-lhe o poder, pouco a pouco, oude uma só vez. É nesta nova sociedade de transição, em que oproletariado possui o poder político e as principais alavancas do podereconômico, mas em que defronta uma constelação de fraquezas e deinimigos recém-criados, que tem de ser exercido o poder de Estado. E

uma situação que torna necessário manter o Estado após a conquista dopoder, e que torna impossível abolir esse Estado repentinamente, mas éevidente que este Estado operário tem que ser de tipo especial.

Natureza e características do Estado operário

O proletariado, pela sua posição especial na sociedade, será obrigadoa manter o Estado. Mas, para preservar o poder desse Estado, tem deser radicalmente diferente do Estado que sustentava antes o poder da

burguesia ou da classe feudal e escravizadora. O Estado operário é, aomesmo tempo, um Estado, e não o é. Cada vez mais se torna em menosEstado. É um Estado que começa a extinguir-se, a deperecer, no própriomomento em que nasceu, como foi dito corretamente por Marx e Lenin.

Marx, ao desenvolver a teoria do Estado operário, da ditadura doproletariado, como lhe chamou, deu-lhe também várias características,exemplos dos que se encontraram na Comuna de Paris em 1871. Sãotrês as características essenciais:

1) Não há uma separação nítida entre o poder executivo e o

legislativo.

Há necessidade de um órgão que promulgue as leis e ao mesmotempo as faça cumprir. Em resumo, é preciso voltar ao Estado quenasceu do primitivo comunismo do clã e da tribo e que se podia aindaencontrar na antiga assembléia dos Atenienses.

Isto é importante. É o melhor caminho para reduzir, tanto quantopossível, a separação entre o poder efetivo, cada vez mais concentrado

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nas mãos de um órgão permanente, e o poder crescentemente fictício doparlamentarismo burguês. Não basta substituir uma assembléiadeliberativa por outra, se nada de essencial for mudado com respeitoàquela separação. As assembléias deliberativas devem dispôr de efetivopoder executivo nas suas mãos.

2) Os cargos públicos devem ser eletivos na máxima extensão.

Não só os membros das assembléias deliberativas devem ser eleitos.Juízes, funcionários de alto nível, oficiais da milícia, inspetores deinstrução, dirigentes das obras públicas, têm de ser todos eleitos. Istopoderá ser algo chocante em países com tradições napoleônicas ultra-reacionárias. Mas certas democracias especificamente burguesas, porexemplo os Estados Unidos, a Suíça, o Canadá, a Austrália, conservaramo caráter eletivo de certo número de funções públicas. É assim que nosEstados Unidos o chefe da polícia é eleito pelo seus concidadãos.

No Estado operário, a eleição de oficiais públicos deve seracompanhada em todos os casos pelo direito de revogabilidade oudemissão, isto é, os oficiais que não dêem boa conta de si, podem serimediatamente demitidos em qualquer ocasião.

Assim, será possível um controle permanente e extensivo por partedo povo sobre os que exercem funções públicas; e a separação entre os

que exercem o poder e aqueles em cujo nome é exercido, será tãopequena quanto possível. Será por isso necessário assegurar umaconstante mudança das pessoas eleitas, para evitar permanências noscargos infinitamente. As funções de Estado devem ser exercidas, emescala sempre crescente, pelas massas como um todo.

3) Não pode haver ordenados elevados

Nenhum funcionário, nenhum membro dos órgãos representativos e

legislativos, nenhum indivíduo que exerça poder governativo, devereceber um ordenado superior ao de um operário especializado.

É o único método válido de evitar que haja quem procure cargospúblicos com o intuito de viver comodamente a sugar a sociedade, etambém de evitar os caçadores de bons lugares e os parasitas bemconhecidos de todas as anteriores sociedades. Estas são regras queexprimem corretamente o pensamento de Marx   e de Lenin   sobre oEstado operário. Este já não se assemelha a nenhum Estado anterior,porque é o primeiro Estado que se vai extinguindo ao nascer; é umEstado cuja engrenagem é composta de pessoas sem qualquer privilégio

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em relação à massa da sociedade; as funções são, cada vez mais,exercidas pelos membros da sociedade como um todo e vão sendosubstituídos uns pelos outros; não é um Estado constituído por um grupode indivíduos destacados da massa, a exercerem funções separadas e àparte das massas, mas, pelo contrário, é indistinguível do povo e das

massas trabalhadoras; é um Estado que se extinguirá quandodesaparecerem as classes sociais, os conflitos sociais, a economiamonetária, a produção mercantil, as mercadorias, e o dinheiro. Estedeperecimento do Estado deve ser concebido como um governo dospróprios produtores e dos cidadãos, que se expande cada vez mais, atéque, em condições de abundância material e de alto nível de cultura detoda a sociedade, esta se encontre estruturada em comunidades deprodutores-consumidores que a si próprias se governem.

Que se passa na União Soviética?

Ao olhar para a história da URSS nos passados trinta anos, aconclusão a tirar quanto ao Estado é simples: um Estado com exércitopermanente, com marechais, diretores, empresas e até dramaturgos ebailarinas que ganham cinquenta vezes mais do que um operário manualou uma empregada doméstica, um Estado em que se estabeleceu umaseleção para certas funções públicas, tornando o acesso a essas funções

praticamente impossível para a vasta maioria da população; um Estadoem que o poder efetivo é exercido por pequenas comissões de pessoascujo cargo é renovado de modo misterioso e cujo poder continua fixo epermanente por largos períodos — tal Estado não é com certeza umEstado em deperecimento.

Por quê?

É simples a explicação. Na URSS o Estado não se extinguiu porquenão desapareceram os conflitos sociais. E estes não desapareceramporque o grau de desenvolvimento das forças produtivas não o permitiu— porque a situação de meia escassez que caracteriza ainda os paísescapitalistas mais avançados, continua a existir na URSS. E, enquantoessa meia escassez existir, são necessários fiscais, cães-de-guarda,polícia especial.

Sem dúvida, num Estado operário, estes indivíduos servem uma

causa melhor, pelo menos na proporção em que defendem umaeconomia socialista. Mas temos de reconhecer que estão separados do

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corpo social e que em larga medida são parasitas. O seudesaparecimento está condicionado ao nível de desenvolvimento dasforças produtivas, único que pode permitir um termo aos conflitos sociaise abolir as funções que Ihes estão adstritas.

E, na medida em que estes cães-de-guarda, estes fiscais, cada vezmais monopolizam o exercício do poder político, nessa medida semdúvida que eles poderão assegurar privilégios materiais crescentes emanjares escolhidos na relativa escassez que domina a distribuição.Constituem assim uma burocracia privilegiada, sem o controle efetivo dosoperários, pronta a defender, antes de mais (e sobretudo), os seuspróprios privilégios.

O argumento do "cordão sanitário" (8)

Os perigos resultantes de estarem cercados pelo capitalismo sãoconstantemente citados pelos que põem objecções às críticas apontadas.O argumento é este: enquanto existir um perigo externo, o Estado seránecessário, como dizia Stalin, mesmo que se trate apenas de defender opaís das hostilidades que o cercam.

Este argumento baseia-se num equívoco. A existência de um cercocapitalista ameaçador só pode provar a necessidade de armamento e deinstituições militares, mas não justifica que estas instituições fiquem

separadas do corpo social. A existência de tais instituições militares,separadas da sociedade como um todo, indica que dentro delapermanece uma quantidade substancial de tensões sociais que impedemo governo de armar o próprio povo e que assustam os chefes que nãopodem confiar no povo para resolver os problemas militares deautodefesa, e segundo a sua maneira.

O povo seria capaz de o fazer se a colectividade tivesse realmente ograu de superioridade que uma sociedade realmente socialista deve ter,

em relação à sociedade capitalista.

Na realidade, o problema do cerco externo é só um aspectosecundário de um fenômeno muito mais geral: o nível dedesenvolvimento das forças produtivas, a maturidade econômica do país,estão muito longe do nível que deveriam ter numa sociedade socialista.

A União Soviética tem continuado a ser uma sociedade de transiçãocujo nível de desenvolvimento das forças produtivas é comparável ao de

uma sociedade capitalista avançada. Tem, pois, de combater com armascomparáveis.

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Não tendo eliminado os conflitos sociais, a URSS teve de mantertodos os órgãos de controle de vigilância da população e, por isso, tevede manter — e até de reforçar — o Estado, em vez de permitir o seudeperecimento. Por numerosas razões específicas, produziram-sedeformações e degenerescências burocráticas nesta sociedade de

transição, as quais têm provocado grave prejuízo à causa do socialismo,especialmente porque a etiqueta "socialismo" foi atribuída à sociedadeSoviética com medo de dizer a verdade: "Somos ainda demasiado pobrese demasiado atrasados para podermos criar uma verdadeira sociedadesocialista".

Na medida em que se pretendeu usar a etiqueta "socialista", a todo ocusto, para fins de propaganda, pode ser explicada a existência de coisascomo purgas "socialistas", campos de concentração "socialistas", direitos

das minorias nacionais, etc., etc.

Garantias contra a burocracia

Que garantias poderão ser introduzidas no futuro para evitar ocrescimento anormal da burocracia que surgiu na URSS?

1) Respeitar escrupulosamente as regras já mencionadas,respeitantes ao começo da extinção do Estado operário (em particular a

limitação de ordenados a todos os funcionários — econômicos epolíticos).

2) Respeitar escrupulosamente o caráter da gestão econômica:comissões de auto-gestão operária, eleitas pelos operários nasempresas; congresso de produtores ("Senado Econômico"), eleito poressas comissões. Em última análise, os que controlam o sobre produtosocial devem controlar toda a sociedade.

3) Respeitar escrupulosamente o princípio de que o Estado operárioque tem necessidade de restringir as liberdades políticas de todos osinimigos de classe que se opõem ao advento do socialismo (restrição quedeve ser proporcional à violência e à resistência oferecidas), deve, aomesmo tempo, alargar aquelas liberdades a todos os operários: liberdadepara todos os partidos que respeitem a legalidade socialista; liberdade deimprensa para todos os jornais que respeitam essa legalidade; liberdadede reunião e de associação — sem qualquer restrição; independência realdos sindicatos em relação ao Estado; direito de greve reconhecido.

4) Respeitar o caráter democrático e público de todas as assembléias

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deliberativas e a sua completa liberdade de debate.

5) Respeitar o princípio de uma lei escrita.

Teoria e prática

A teoria marxista sobre o deperecimento do Estado tem sidocompletamente desenvolvida durante mais de meio século. Na Bélgica sóhá um pequeno pormenor que falta, uma pequena coisa que ainda nãofoi feita — pôr a teoria em prática.

Início da página

Notas:

(1) La fin tragique des Bushem: Paris, Amiot-Dumont, 1953. pp.70-73. (retornar aotexto)

(2) I. Shapexa. The Khoisan Peoples of South Africa: Georges Routledge and Sons,1930. p.76. (retornar ao texto)

(3) A. Moret e G. Davy. Des clans aux Empires: Paris Reinaissance du Livre, 1923. p.17.(retornar ao texto)

(4) Anedota do vaso de Soissons. A lenda narra um incidente do reinado do Clovis entreos Francos no Século V da nossa Era (Clovis foi o primeiro franco a aceitar o

cristianismo e, durante o seu reinado , a maior parte da Bélgica e da França foi unidanum reino). Depois da vitória de Soissons (486), quando dividiam o espólio igualmenteentre todos os soldados , Clovis quis guardar para si um certo vaso. Um soldado saiu dafileira e esmigalhou o vaso com a espada para mostrar que nenhum combatente tinhadireito a qualquer privilégio especial na partilha do espólio. (retornar ao texto)

(5) Doutrinária. Chamaram doutrinários aos membros da ala conservadora do PartidoLiberal da Bélgica no século XIX. Opunham-se violentamente ao sufrágio universal, aopasso que os chamados Progressistas do Partido Liberal estavam prontos a aceitar essesufrágio. (retornar ao texto)

(6)   Savonarola   (1452-1458). Reformador religioso italiano e chefe de massas queatacou a corrupção e o vício em sermões ardentes. Caiu na inimizade do Papa AlexandreVI, devido a Ter desvendado escândalos na corte pontifícia, que tornou públicos.Acusado como herege, foi queimado no cadafalso em Florença. (retornar ao texto)

(7) A delegação cubana à Conferência sobre Instrução e Desenvolvimento Econômico,realizado em Santiago do Chile, em março de 1962, declarou o seguinte: “Para secomparar a eficiência dos métodos cubanos com relação aos adotados pela Conferência,bastará notar que os autores da chamada “Aliança para o Progresso” ofereceram umempréstimo de 150 milhões de dólares por ano a 19 países com uma população de 200milhões, ao passo que um simples país – Cuba – com 7 milhões de habitantes,

aumentou o seu orçamento de instrução e cultura, gastando 200 milhões por ano, sem

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Inclusão 16/05/2009

ter que pagar juros fosse a quem fosse.Só durante a ano de 1961, 707000 adultos aprenderam a ler e a escrever em Cuba,cujo analfabetismo baixou para 3,9 %. Para 1961- 1964, Cuba estabeleceu os seguintesobjetivos no domínio da instrução: 1) passar os que recentemente aprenderam a ler e aescrever para o nível médio da instrução primária; 2) completar a instrução primária demeio milhão de operários que só tenham três anos de escola elementar; 3) assegurar a

instrução secundária básica a 40000 operários que completaram a instrução primária.(retornar ao texto)

(8)   “Cordão Sanitário”. Quando já no nosso século, surgia uma doença grave econtagiosa em qualquer cidade, estabelecia-se um cerco militar para não permitirentradas nem saídas de pessoas e dava-se a este cerco o nome de “cordão sanitário” .A Rússia Soviética foi também cercada por tropas estrangeiras e seus aliados naPrimeira Guerra Mundial, privada de relações comerciais, diplomáticas e culturais com oresto do mundo. Foi uma época de tremendas privações para a Rússia. O mesmo se dácom Cuba, bloqueada pelos Estados Unidos, econômica e efetivamente, com o fim deevitar “infecções”. (retornar ao texto)

Este texto foi uma colaboração

Teoria Marxista do Estado http://www.marxists.org/portugues/mandel/ano/mes/teoria.htm