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2011 Luiz Carlos Bivar Corrêa Júnior ERRATA Noções de Direito Penal

ERRATA - vestcon.com.br · tada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de pres-tar imediato

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2011

Luiz Carlos Bivar Corrêa Júnior

ERRATA

Noções de Direito Penal

© 2011 Vestcon Editora Ltda.

Todos os direitos autorais desta obra são reservados e protegidos pela Lei nº 9.610, de 19/2/1998. Proibida a reprodução de qualquer parte deste material, sem autorização prévia expressa por escrito do autor e da editora, por quaisquer meios empregados, sejam eletrônicos, mecânicos, videográ-ficos, fonográficos, reprográficos, microfílmicos, fotográficos, gráficos ou outros. Essas proibições aplicam-se também à editoração da obra, bem como às suas características gráficas.

Título da obra: TRT – Tribunal Regional do Trabalho – 1ª RegiãoTécnico Judiciário – Área Administrativa – Nível Médio

Atualizada até 2-2011 (E2/AT445)

(Conforme o edital nº 01/2011 de abertura de inscrições – FCC)

Noções de Direito Penal

Autores:Luiz Carlos Bivar Corrêa Júnior

DIRETORIA EXECUTIVANorma Suely A. P. Pimentel

PRODUÇÃO EDITORIALMaria Neves

SUPERVISÃO EDITORIALReina Terra Amaral

SUPERVISÃO DE PRODUÇÃOLuciana S. D. Santos

EDIÇÃO DE TEXTOIsabel Cristina Aires LopesMicheline Cardoso Ferreira

CAPARalfe Braga

ILUSTRAÇÃOHumberto A. Castelo Branco

PROjETO GRáfICORalfe Braga

ASSISTENTE EDITORIALSamyra Campos

ASSISTENTE DE PRODUÇÃOGabriela Tayná Moura de Abreu

EDITORAÇÃO ELETRÔNICADiogo Alves

REVISÃOKátia RibeiroÉrida Cassiano

SEqUENCIADORACláudia Freires

ESTAGIáRIARenata Passos Morgado

SEPN 509 Ed. Contag 3º andar CEP 70750-502 Brasília/DFSAC: 0800 600 4399 Tel.: (61) 3034 9576 Fax: (61) 3347 4399

www.vestcon.com.br

Dos Crimes contra a Pessoa ...................................................................................................................5Dos Crimes Contra o Patrimônio ..........................................................................................................38Dos Crimes Contra Administração Pública .........................................................................................61

SUMáRIO

Noções de Direito Penal

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NoçõEs dE diREiTo PENAlLuiz Carlos Bivar Corrêa Júnior

DOS CRIMES CONTRA A PESSOA

O Código Penal, em seu Título I, define os crimes contra a pessoa.

A pessoa humana está protegida antes mesmo do seu nascimento.

Em determinadas situações a pessoa jurídica também pode ser sujeito passivo.

Por fim, o Título I do Código Penal encontra-se dividido em seis capítulos, a saber:

Capítulo I – Dos crimes contra a vida;Capítulo II – Das lesões corporais;Capítulo III – Da periclitação da vida e da saúde;Capítulo IV – Da rixa;Capítulo V – Dos crimes contra a honra;Capítulo VI – Dos crimes contra a liberdade

individual.

Dos Crimes Contra a Vida

Homicídio

Homicídio SimplesArt. 121. Matar alguém:Pena – reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de Diminuição de Pena§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Homicídio Qualificado§ 2º Se o homicídio é cometido:I – mediante paga ou promessa de recompen-sa, ou por outro motivo torpe;II – por motivo fútil;III – com emprego de veneno, fogo, explosi-vo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:Pena – reclusão, de doze a trinta anos.

Homicídio Culposo§ 3º Se o homicídio é culposo:Pena – detenção, de um a três anos.

Aumento de Pena§ 4º No homicídio culposo, a pena é aumen-tada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de pres-tar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou

foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos.§ 5º Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as consequên cias da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária.

Homicídio é a destruição da vida humana por outrem. O objeto jurídico tutelado, assim, é a vida humana extrauterina. O sujeito ativo pode ser qual-quer pessoa (crime comum). Quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que executado por um só agente, será considerado crime hediondo (Lei nº 8.072/1990).

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “matar alguém”, ou

seja, eliminar. O homicídio é crime de ação livre, pois admite qualquer meio de execução.

O elemento subjetivo é o dolo (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de matar alguém (animus necandi), admitindo-se a modali-dade culposa.

Como diferenciar a tentativa de homicídio, quan-do a vítima sofre lesões corporais, do crime de lesão corporal previsto no art. 129 do CP? A resposta encontra-se no elemento subjetivo do tipo, compre-endido como a própria intenção do agente ao come-ter o delito. Assim, se a intenção era matar e o crime não tenha se consumado por circunstâncias alheias a sua vontade, estaremos diante da tentativa de homicídio. Mas se a intenção do agente era apenas de lesionar a vítima, o crime será de lesão corporal.

Do mesmo modo, não se confunde a tentativa de homicídio com o crime de lesão corporal seguida de morte (art. 129 §3º). No primeiro caso, o agente de-seja provocar a morte da vítima, mas o crime não se consuma por circunstâncias alheias a sua vontade. Já no segundo caso, o agente visa apenas a lesionar a vítima, mas acaba provocando, culposamente, a sua morte.

Consumação e TentativaA consumação se dá com a morte da vítima (crime

instantâneo de efeitos permanentes).Nos termos da Lei nº 9.434/1997 a morte se dá

com a cessação da atividade encefálica. Por se tratar de crime material, o homicídio admite tentativa.

Homicídio Privilegiado (art. 121, § 1º)O homicídio privilegiado encontra-se previsto no

§ 1º do art. 121 do CP. Trata-se de verdadeira causa especial de diminuição da pena. Apesar de o Código Penal utilizar a expressão “pode” para autorizar a diminuição da pena, a maioria da doutrina entende que, presentes os requisitos, é obrigação do juiz diminuí-la, por se tratar de direito subjetivo do réu.

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Motivo de relevante valor social é aquele que busca satisfazer um anseio social. Exemplo: matar um traidor por amor à pátria. Já o motivo de relevante valor moral é aquele nobre, correspondente a um interesse individual, mas aprovado pela moralidade média. Exemplo: eutanásia (matam-se pessoas para livrá-las de seus sofrimentos). Devem ser analisados de acordo com o senso comum.

Também será privilegiado o homicídio cometido sob o domínio de violenta emoção, logo após a injus-ta provocação da vítima. São necessários, portanto, três requisitos:

a) domínio de violenta emoção: apesar de o art. 28, I, do CP estabelecer que “não excluem a imputabilidade, a emoção e a paixão”, a emoção, que é um estado transitório de perturbação, pode funcionar como causa especial de diminuição da pena ou como atenuante genérica. Já a paixão, ca-racterizada por uma emoção prolongada, não produz qualquer efeito. Caso o agente não esteja fortemente consumido pela emoção, mas tão somente esteja influenciado por uma violenta emoção, será o caso de uma atenuante genérica (art. 65, III, c, in fine, do CP), e não causa de diminuição de pena;

b) imediatidade da reação por parte do agente: só haverá o privilégio se a reação do agente for logo após a injusta provocação da vítima. A jurisprudência entende que essa reação não precisa ser atual, bas-tando que seja compatível com o estado emocional do agente;

c) provocação injusta feita pelo ofendido: é aquela sem motivo justificável. Não se exige que a vítima tenha tido a intenção específica de provocar, bastando que o agente se sinta provocado. A aná-lise deve ser feita conforme o senso comum, mas levando em consideração as qualidades e condições pessoais dos envolvidos.

O homicídio privilegiado não é considerado crime hediondo. Além disso, o STF e o STJ têm admitido a coexistência do privilégio (circunstância subjetiva) com as qualificadoras de caráter objetivo (chamado homicídio privilegiado-qualificado), sendo que a exis-tência do privilégio afasta a hediondez do homicídio qualificado.

Homicídio Qualificado (art. 121, § 2º)O homicídio será qualificado quando praticado

por certos motivos; se cometido com certos recursos que demonstrem a crueldade do agente, insídia, de que resulte perigo comum ou dificulte ou torne impos-sível a defesa da vítima. A qualificadora pode existir ainda se cometido com o objetivo de se atingir deter-minados fins considerados reprováveis (exemplos: execução, ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime). Hipóteses descritas no § 2º do art. 121:

a) mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe (inciso I): essa primeira hipótese tem caráter subjetivo, pois se refere à motivação do agente para cometer o crime. Torpe é o motivo moralmente desprezível, reprovável, por exemplo, matar alguém para receber a herança. O ciúme, por si só, não é considerado motivo torpe. Na paga, o agente recebe a vantagem econômica

antes de cometer o crime, diferentemente, na pro-messa o agente primeiro pratica o homicídio para depois receber. Essa qualificadora aplica-se tanto para o executor do homicídio quanto para aquele que efetua a paga ou promessa de recompensa, ainda que o mandante não cumpra sua promessa. Posição majoritária da doutrina entende que sendo o motivo torpe elementar do tipo, aplica-se também ao mandante nos termos do art. 30 do CP;

b) por motivo fútil (inciso II): também se refere à motivação do agente para cometer o crime (caráter subjetivo). Motivo fútil é aquele insignificante, banal, totalmente desproporcional em relação ao crime. Exemplos: matar o motorista que deu uma fechada no trânsito. A existência do motivo fútil deve ficar pro-vada para que se possa aplicar essa qualificadora, pois a ausência de motivos para cometer o crime não corresponde a motivo fútil;

c) com emprego de veneno, fogo, explosivo, as-fixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum (inciso III): essa qualificadora refere-se aos meios empregados pelo agente para a consecução do crime de homicídio (ca-ráter objetivo).Veneno é uma substância química ou biológica que ingerida pelo agente é capaz de colocar em risco sua vida. O veneno que é ministrado com o emprego da força física, a qualificadora será de meio cruel. Fogo ou explosivo: explosivo é a substância que causa estrondo ou detonação. Exemplo: dinami-te. Asfixia: consiste em impedir a função respiratória. Pode ocorrer por estrangulamento, enforcamento, soterramento etc. Segundo a doutrina, a asfixia pode ser mecânica (estrangulamento, enforcamento, so-terramento, afogamento, esganadura, sufocação ou imprensamento) ou tóxica (uso de gás asfixiante ou confinamento). Tortura é o sofrimento desnecessário da vítima antes da morte. Exemplos: furar os olhos da vítima antes de matá-la, decepar-lhe os dedos ou as mãos. Não se deve confundir essa qualificadora com o crime de tortura com resultado morte (art. 1º, § 3º, da Lei nº 9.455/1997). Meio insidioso é aquele dissimulado, empregado para que a vítima não perceba que está ocorrendo um crime. Exemplos: envenenamento, sabotagem dos freios da vítima. Meio cruel é aquele que causa um sofrimento des-necessário na vítima, revestindo-se de brutalidade incomum. Exemplo: desferir pontapés na cabeça da vítima. Meio de que possa resultar perigo comum: é aquele que, além de causar a morte da vítima, é ca-paz de causar perigo para a vida ou saúde de um número indeterminado de pessoas. Exemplo: atear fogo na residência da vítima, colocando em situa-ção de perigo seus vizinhos. Não se exige a prova de risco efetivo no caso concreto, bastando que o meio escolhido pelo agente seja capaz de causar risco a outras pessoas. Caso fique evidenciado que o meio empregado, além de matar a vítima, causou risco efetivo para outras pessoas, deverá o agente responder pelo homicídio qualificado em concurso com o crime de perigo comum (art. 250 do CP);

d) à traição, de emboscada, ou mediante dis-simulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido (inciso IV): essa qualificadora refere-se ao modo de execução do

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crime (caráter objetivo). A traição pode ser física (ou material), que se refere ao ataque brusco, normal-mente quando a vítima se encontra de costas; ou moral, em que ocorre a quebra de confiança entre os sujeitos. Exemplo: atrair a vítima para um local onde exista um poço. Emboscada significa tocaia; nela o agente se oculta, aguardando clandestinamente a passagem da vítima para surpreendê-la e, assim, alvejá-la. Já a dissimulação é o encobrimento dos próprios desígnios, ocultando-se o propósito crimi-noso. Qualquer outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido: se assemelha com os outros já vistos. Exemplos: matar a vítima que está dormindo, alvejar alguém pelas costas, número de agressores muito grande (comum em linchamentos). A simples superioridade física do agressor (pessoa mais forte) ou a mera presença de arma de fogo não qualifica o crime;

e) para assegurar a execução, a ocultação, a im-punidade ou a vantagem de outro crime (inciso V): essa qualificadora de caráter subjetivo, uma vez que se refere aos motivos determinantes do crime. Trata das hipóteses de conexão teleológica e consequen-cial. A conexão teleológica ocorre quando o homicídio é cometido com o intuito de garantir a “execução” de outra infração penal. Exemplo: matar o segurança para sequestrar o empresário. Nesse caso, o agente responderá pelos dois crimes (homicídio e sequestro) em concurso material. Existem casos, no entanto, em que o agente pratica o homicídio, visando a cometer outro delito, mas esse último sequer chega a ter iniciada sua execução. Responderá, nessa hipótese, pelo homicídio qualificado, mas não pelo outro crime. Exemplo: agente mata o marido com o intuito de estuprar a esposa, mas é preso antes que esta retorne do trabalho.

Já a conexão consequencial se dá quando o homicídio é cometido com o fim de assegurar a “ocultação”, (procura-se evitar que se descubra o crime que ele cometeu), “impunidade” (este procura evitar que descubram ter sido ele o autor do delito) ou “vantagem” de outra infração penal (busca-se permitir que o agente usufrua a vantagem decorrente da prática de outra infração). Exemplos: ocultar o cadáver após o homicídio; matar a testemunha de um crime; um dos comparsas espanca o outro para ficar com todo o produto do furto.

Homicídio Culposo (art. 121, § 3º)O homicídio culposo encontra-se previsto no

§ 3º do art. 121 do CP. Nos termos do art. 18, II, do Código Penal, o crime será culposo quando o agente der causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Pode-se dizer que culpo-sa é a conduta voluntária que produz um resultado ilícito, não desejado pelo agente, mas previsível e, excepcionalmente, previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado.

O agente que falta com o dever de cuidado obje-tivo está agindo imprudentemente (conduta positiva em que o agente faz mais do que devia, praticando um ato perigoso), negligentemente (conduta negativa em que o agente faz menos do que devia) ou atua

com imperícia (é a imprudência ou negligência no ter-reno específico da arte, técnica, ofício ou profissão).

Observaçõesa) Matar o próprio pai (parricídio) ou a própria

mãe (matricídio) não qualifica o homicídio, sendo, nos termos do art. 61, II, e, do CP, mera agravante genérica. A premeditação não qualifica o homicídio.

b) Aquele que mata dolosamente o Presidente da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Supremo Tribunal Federal comete crime contra a Segurança Nacional (art. 29 da Lei nº 7.170/1983). Já quem mata, com a intenção de destruir, no todo ou em parte, grupo nacional, étnico, racial ou religioso, comete crime de genocídio (Lei nº 2.889/1956).

c) Nos termos da Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos) constituem crime hediondo o homicídio qualificado e o homicídio simples quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que por uma só pessoa.

d) Nos termos do art. 121, § 4º, do CP, no ho-micídio culposo a pena é aumentada de um terço, se o crime resulta da inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício (o agente tem o conhecimento técnico, pois é um profissional, mas não o aplica. Difere da imperícia, em que o agente não tem os conhecimentos técnicos exigidos), ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima (o agente, após dar causa culposamente ao evento danoso, não presta imediato socorro à vítima, deixando-a a sua própria sorte), não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Além disso, sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 anos (introdução trazida pela Lei nº 8.069/1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente) ou maior de 60 anos (acréscimo feito pela Lei nº 10.741/2003 – Estatuto do Idoso).

e) O art. 121, § 5º, do CP prevê o perdão judicial no crime de homicídio. Trata-se de causa extintiva da punibilidade (art. 107, IX, do CP), só podendo ser aplicada quando expressamente prevista em lei. De acordo com o Supremo Tribunal Federal, a senten-ça que concede o perdão judicial é condenatória, afastando apenas o efeito principal da condenação (cumprimento da pena) e a reincidência, subsistindo os efeitos secundários (exemplo: obrigação de repa-rar o dano) e o lançamento do nome do réu no rol de culpados. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, editou a Súmula nº 18, entendendo que a sentença que concede o perdão judicial é declaratória, afas-tando todos os efeitos da condenação (principais e secundários). Ademais, não geraria reincidência, obrigação de reparar o dano ou lançamento o nome do réu no rol de culpados. Exemplo de aplicação do perdão judicial no homicídio culposo se dá quando o pai, dirigindo de maneira imprudente, acaba capo-tando o veículo, causando a morte do próprio filho.

f) O homicídio doloso é e competência do Tribunal o Júri. A ação penal é pública incondicionada em qualquer das modalidades de homicídio. O homi-cídio culposo (art. 121, § 3º) admite a suspensão

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condicional do processo nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995. Com a Lei nº 11.464/2007, que alterou a Lei nº 8.072/1990, os crimes hediondos passaram a admitir a progressão de regime.

Induzimento, Instigação ou Auxílio a Suicídio

Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suici-dar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:Pena – reclusão, de dois a seis anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de um a três anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.Parágrafo único. A pena é duplicada:Aumento de PenaI – se o crime é praticado por motivo egoístico;II – se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência.

O objeto jurídico tutelado é a preservação da vida humana. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é qualquer pessoa que possua capacidade de discernimento e resistência. Do contrário, o crime será de homicídio. Exemplo: induzir um louco a se matar. Segundo Fragoso (1981, p. 99):

[...] suicídio é a supressão voluntária e cons-ciente da própria vida e, por isso, é indis-pensável que a vítima tenha capacidade de discernimento para entender o ato que pratica. O induzimento, instigação ou auxílio que atinja várias pessoas não tipifica o delito em tela.

A conduta típica consiste em induzir (introduzir a ideia na cabeça do agente), instigar (reforçar uma ideia já existente) ou auxiliar (colaborar material-mente com o cometimento do suicídio – exemplo: fornecer a arma) alguém a se suicidar. Trata-se de crime de ação múltipla, já que a conduta criminosa é composta de vários núcleos (verbos). Ainda que o agente realize todas as condutas, o crime será único. O induzimento e a instigação são chamados de participação moral, enquanto o auxílio é chamado de participação material. No entanto, no caso da participação material, a ajuda deve ser acessória (exemplo: emprestar a arma para que alguém se mate), pois caso essa ajuda seja direta e imediata, o crime será o de homicídio. Exemplo: puxar o gatilho a pedido da vítima.

O elemento subjetivo é o dolo (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de parti-cipar do suicídio de outrem. Exige-se, ainda, que o agente realmente queira que a vítima se mate (ele-mento subjetivo especial do tipo). Assim, não haverá o crime em tela se o agente, por brincadeira, falar para outro se matar. Inexiste modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a produção da morte

da vítima ou de lesões corporais de natureza grave (entenda-se também gravíssima). Trata-se de crime material que só será punido se resultar morte ou

lesão grave. Não haverá crime se a vítima, apesar de ter sido induzida, instigada ou auxiliada a se sui-cidar, não chegar a tentar o suicídio ou, se, embora tente, vier a sofrer apenas lesões leves. Qual será, portanto, a natureza jurídica do resultado morte e lesão corporal grave? Duas correntes se formaram:

a) para Hungria (1979) e Greco (2005), trata-se de condição objetiva de punibilidade, pois o crime se consuma com a ação ou omissão descrita no tipo incriminador (induzir, instigar ou auxiliar alguém a se suicidar), porém a punição fica subordinada a ocorrência de um certo resultado danoso (morte ou lesão corporal de natureza grave);

b) para Noronha (1988), Jesus (1998) e Capez (2004), trata-se de elemento do tipo. A morte e lesão corporal grave são elementares do tipo, de modo que a participação em suicídio do qual não resulte um desses dois eventos danosos é fato atípico, não se enquadrando na norma penal incriminadora. O pro-blema seria de atipicidade e não de punibilidade.

Não importa o lapso temporal transcorrido entre o comportamento do agente e a conduta da vítima, bastando que se comprove o nexo causal entre es-ses dois comportamentos. Assim, se induzo alguém a se suicidar, mas este só vem tirar a própria vida um mês depois, influencia o por meu comportamento, ainda, sim, respondo pelo delito do art. 122 do CP.

Não é admitida a tentativa. Não há punição para o agente que tenta se matar e não consegue.

Observaçõesa) A pena será duplicada se o crime for cometido

por motivo egoístico (refere-se à obtenção de algu-ma vantagem pessoal – exemplo: induzir, instigar ou auxiliar alguém a se suicidar para ficar com sua herança) ou se a vítima é menor ou tem diminuída, por qualquer causa, a capacidade de resistência (exemplos: embriaguez, idade avançada, efeito de entorpecentes). Conforme corrente majoritária, a me-noridade a que o artigo se refere é da vítima maior de 14 e menor de 18 anos. Caso ela seja menor de 14 anos, seu consentimento é irrelevante, e o crime cometido será o de homicídio.

b) A ação penal é pública incondicionada. Por se tratar de crime doloso contra a vida, é de competên-cia do Tribunal do Júri.

c) Suicídio a dois ou pacto de morte: ocorre quando duas pessoas resolvem se suicidar juntas. Exemplo: sala fechada com gás aberto. Podem ocorrer as seguintes situações: I) havendo um sobrevivente: se for aquele que abriu a torneira de gás, responderá pelo crime de homicídio (art. 121), já que praticou os atos executórios desse delito. Se, ao contrário, for o que não abriu a torneira respon-derá por participação em suicídio (art. 122); II) caso haja dois sobreviventes, havendo lesão corporal de natureza grave: aquele que abriu a torneira de gás responderá por tentativa de homicídio (art. 121 c/c 14) e o que não abriu o gás responderá por par-ticipação em suicídio (art. 122); III) caso haja dois sobreviventes, sem que ocorra lesão corporal de natureza grave: aquele que abriu a torneira de gás responderá por tentativa de homicídio (art. 121 c/c

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14) e o que não abriu o gás não responderá por nada, sendo o fato atípico; IV) caso ambos sobrevivam, tendo os dois aberto a torneira de gás, respon‑derão por tentativa de homicídio (art. 121 c/c 14).

d) Roleta russa e duelo americano: no primeiro, tem-se uma arma, com um só projétil, sendo que cada participante, em sua vez, aperta o gatilho. No segundo, têm-se duas armas, mas apenas uma de-las está carregada. Nos dois casos, os participantes que sobreviverem responderão por participação em suicídio (art. 122).

e) O agente que tenta se suicidar e não consegue não comete crime, mas poderá responder por outras infrações penais, como, por exemplo, o porte ilegal de arma de fogo (Lei nº 10.826/2003).

Infanticídio

Art. 123. Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:Pena – detenção, de dois a seis anos.

O objeto jurídico tutelado é a vida humana. O su-jeito ativo é a mãe que se encontra sob a influência do estado puerperal (crime próprio).

Já o sujeito passivo é o nascente (aquele que está nascendo) ou neonato (aquele que acabou de nascer, já estando desprendido da mãe). Consta-tado que o feto nascente estava com vida, haverá o crime de infanticídio. A comprovação de que a vítima nasceu com vida se faz normalmente pelas docimasias respiratórias, geralmente utilizando-se a pulmonar-hidrostática (método de Galeno), ou seja, coloca-se o pulmão do feto na água e aguarda-se para ver se ele boia. Havendo flutuação é sinal que ele respirou e, portanto, houve vida; caso isso não ocorra, significa que o feto já nasceu morto.

A conduta típica consiste em “matar, sob a influ-ência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”. Percebe-se, então, que o núcleo desse delito é “matar” (eliminar a vida) o próprio filho. A conduta típica, entretanto, deve ocorrer durante o parto ou logo após, ainda que a morte, propriamente dita, se dê em momento posterior.

Estado puerperal trata-se de perturbações, de ordem física e psicológica, que acometem grande parte das mulheres durante o parto ou, em alguns casos, até mesmo após o parto.

Não se exige apenas a existência do estado puer-peral, mas, sim, que ela atue influenciada por esse estado puerperal. No infanticídio a mulher, em razão do estado puerperal, tem diminuída sua capacidade de entendimento sobre o delito, sendo, assim, punida com uma pena mais branda. No entanto, caso fique comprovada sua inteira incapacidade para compre-ender o caráter criminoso de seu comportamento, será o caso de inimputabilidade, nos termos do art. 26 do CP.

Exige-se, ainda, para a configuração do delito em tela, a presença da cláusula temporal “durante o parto ou logo após”. Antes do início do parto, o cri-me será o de aborto. Finalmente, o que significa a expressão “logo após o parto” a que o art. 123 do CP faz referência? Para Capez (2004, v. 2, p. 102):

[...] delito de infanticídio deve ser cometido enquanto durar o estado puerperal, não im-portando avaliar o número de horas ou dias após o nascimento, e, se aquele não mais subsistir, não mais poderemos falar em delito de infanticídio, mas em delito de homicídio.

O elemento subjetivo é o dolo (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após. Não se admite a moda-lidade culposa. A doutrina diverge quanto qual crime cometido pela mãe que, sob a influência do estado puerperal, provoca a morte do próprio filho, durante o parto ou logo após, em decorrência da inobservância do dever de cuidado objetivo (culposamente).

a) Jesus (1998) defende a atipicidade da con‑duta, não devendo a mãe responder por infanticídio ou homicídio. Argumenta que a culpa, nos termos do art. 18 do CP, exige previsão expressa, o que não ocorre no caso;

b) Hungria (1979), Mirabete (2005), Bitencourt (2001), Capez (2004), Greco (2005) defendem que o crime seria de homicídio culposo. É a posição que vem predominando.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a morte do nascente

ou neonato (crime material). Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) A mãe que mata um adulto, sob a influência

do estado puerperal, cometerá o crime de homicídio. Caso a mãe, sob a influência do estado puerperal, mate outra criança, supondo tratar-se de seu filho, responderá pelo delito de infanticídio putativo.

b) Admite-se a coautoria ou participação no crime de infanticídio? A doutrina majoritária posiciona-se favoravelmente a tal possibilidade, com fundamento no art. 30 do CP. De acordo com esse dispositivo, “não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”. Analisando-se o art. 123 do CP, percebe-se que ele possui a seguintes elementares: I) ser mãe; II) matar o próprio filho; III) durante o parto ou logo após; IV) estar sob a influência do estado puerperal. Desse modo, mesmo se tratando de circunstâncias e condições de caráter pessoal, comunicam-se, pois são elementares do crime. Podem surgir três situações:

I) A mãe mata o próprio filho com o auxílio de terceiro: ambos respondem por infanticídio, nos termos do art. 30 do Código Penal.

II) Um terceiro mata o recém‑nascido com a participação da mãe: tecnicamente, conforme bem explica Capez, o terceiro deveria responder por homicídio, sendo a mãe partícipe desse crime. No entanto, isso geraria um contrassenso, pois se a mãe matasse a criança, responderia por infanticídio, mas como apenas ajudou a matá-la, responde por homi-cídio. Assim, deve a mãe responder por infanticídio.

III) A mãe e um terceiro, em coautoria, matam o recém‑nascido: ambos responderão por infanti-cídio, nos termos do art. 29 do CP (teoria monista

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ou unitária). Entretanto, existe entendimento de que não seria possível o concurso de pessoas (coautoria ou participação) no infanticídio. Segundo essa cor-rente, o estado puerperal não é condição de caráter pessoal, e sim personalíssima que, portanto, não se comunicaria.

c) Caso a mãe, após matar o próprio filho, sob a influência do estado puerperal, durante o parto ou logo após, também ocultar o cadáver do infante, haverá concurso material entre o infanticídio e a ocultação de cadáver (art. 211 do CP).

d) A ação penal é pública incondicionada. Tra-ta-se de crime doloso contra a vida e a competência para o julgamento será do Tribunal do Júri.

Aborto

Aborto Provocado pela Gestante ou com seu ConsentimentoArt. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lho provoque:Pena – detenção, de um a três anos.

Aborto Provocado por TerceiroArt. 125. Provocar aborto, sem o consenti-mento da gestante:Pena – reclusão, de três a dez anos.Art. 126. Provocar aborto com o consentimen-to da gestante:Pena – reclusão, de um a quatro anos.Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de qua-torze anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

Forma Qualificada

Art. 127. As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto NecessárioI – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de Gravidez resultante de EstuproII – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

O objeto jurídico tutelado é a preservação da vida humana intrauterina. No caso de aborto cometido por terceiro, também protege-se a vida e a incolumidade da gestante. O sujeito ativo, no autoaborto ou aborto consentido (art. 124), é somente a gestante. Nesse caso, não se admite a coautoria, embora seja possí-

vel a participação. No aborto provocado por terceiro, com ou sem consentimento da gestante (arts. 125 e 126), qualquer pessoa pode ser sujeito ativo. Já o sujeito passivo, no autoaborto ou aborto consentido, é o feto. No aborto provocado por terceiro sem o consentimento da gestante, os sujeitos passivos são o feto e a gestante.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoO art. 124 do CP trata do caso em que a própria

gestante pratica as manobras abortivas (autoaborto) ou consente para que terceira pessoa faça o aborto (aborto consentido). Note que, na última hipótese, a gestante responderá pelo crime do art. 124, 2ª parte, e o terceiro responde pelo art. 126 (provocar aborto com o consentimento da gestante). É, portan-to, exceção à teoria monista prevista no art. 29 do CP. Esse crime do art. 124, segundo a doutrina, é crime de mão própria, já que somente a própria gestante é que pode cometê-lo. Dessa forma, não admite coautoria, porém permite a participação. Exemplo: uma mulher grávida, desejando o aborto, ingere, com a ajuda do namorado, remédio abortivo, causando a morte do feto. Nesse caso, a mulher será autora do autoaborto e o namorado partícipe do mesmo crime.

O art. 125 do CP trata do aborto provocado por terceiro, sem o consentimento da gestante. O terceiro realiza o aborto sem a gestante ter dado efetivamente o seu consentimento ou tendo ela dado este consentimento, porém sem ele ser considerado válido (art. 126, parágrafo único, do CP). Não se exige que ela diga expressamente que não permite o aborto, bastando que o agente empregue os meios abortivos sem o seu conhecimento. Ainda que, caso a gestante consinta o aborto, ainda assim haverá crime por parte de terceiro que realizar a prática abortiva. Ele, porém responderá pelo art. 126 e não pelo art. 125.

O art. 126 do CP trata do aborto provocado por terceiro, com o consentimento da gestante. A dou-trina esclarece que, tecnicamente, tanto a gestante quanto o terceiro que cometem o aborto deveriam responder pelo mesmo crime, nos termos da teoria monista ou unitária adotada pelo Código Penal no concurso de pessoas (art. 29 do CP). Entretanto, temos, na hipótese, exceção a essa teoria, pois a gestante responderá pelo art. 124, 2ª parte, en-quanto o terceiro que pratica o aborto responderá pelo art. 126 do CP. O aborto só será consentido se o consentimento da gestante for tido como válido. Assim, se a gestante não é maior de quatorze anos, é alienada ou débil mental, ou se o seu consen-timento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência, seu consentimento será considerado inválido. O consentimento da gestante, este deve perdurar toda a fase de execução do aborto, caso não perdure, o crime será o previsto no art. 125 do CP, e para a gestante o fato será atípico.

O elemento subjetivo é o dolo (direto ou even-tual), consistente na vontade livre e consciente de interromper a gravidez e provocar a morte do feto. Não se admite a modalidade culposa. O terceiro que culposamente dá causa ao aborto responderá por lesão corporal culposa, sendo a gestante a vítima.

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Já a conduta da gestante de, culposamente, provocar a morte do feto é atípica, já que o direito brasileiro não pune a autolesão.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a morte do feto,

decorrente da interrupção da gravidez (crime ma-terial). Pouco importando se o feto chega ou não a ser expulso do ventre materno. É indispensável que se prove que o feto encontrava-se vivo quando do emprego das manobras abortivas, pois, do contrário, poderá ficar configurado o crime impossível (art. 17 do CP). A tentativa é perfeitamente possível. Caso seja realizada a manobra abortiva e o feto venha, ainda assim, a nascer com vida, haverá tentativa de aborto.

Caso, entretanto, seja realizada a manobra abor-tiva e o feto venha a nascer com vida, mas morra, logo em seguida, em razão dos meios abortivos empregados, o crime será de aborto consumado.

Aborto Legal – Causa de Exclusão da Antiju‑ridicidade

O art. 128 do CP prevê duas modalidades de aborto legal, ou seja, autorizado pela lei penal. São elas:

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

A primeira hipótese trata do chamado aborto necessário ou terapêutico (art. 128, I). É o aborto realizado por médico quando não há outro meio de salvar a vida da gestante. Trata-se de um caso de estado de necessidade em que dois bens jurídicos estão em conflito: a vida da gestante e a vida do feto. O legislador optou por proteger a vida da gestante. A concordância da gestante é dispensável, poden-do o médico intervir mesmo contra a sua vontade. Não se exige que o risco de vida da gestante seja atual, bastando que o médico constate a existência de um risco futuro. Difere, portanto, do estado de necessidade previsto no art. 24 do CP, que exige a atualidade da situação de perigo ou, pelo menos, sua iminência. A enfermeira ou a própria gestante que cometem o aborto respondem por qual crime? Caso o perigo sofrido pela gestante seja atual, não res-ponderão por crime, pois estarão acobertadas pela excludente da ilicitude do estado de necessidade próprio (quando realizado pela própria gestante) ou de terceiro (quando o aborto é feito pela enfermeira).

A segunda excludente da ilicitude ou da antiju-ridicidade trata do chamado aborto sentimental, humanitário ou ético (art. 128, II). Ocorre nos casos em que a gravidez é resultante de estupro. Esse aborto deve ser realizado por médico e contar com o consentimento da gestante ou, caso seja incapaz, de seu representante legal. Pouco importa se o estupro foi cometido com violência real ou pre-sumida (art. 224 do CP). A doutrina e jurisprudência admitem também o aborto quando a gravidez resulta

da prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal (exemplo: atentado violento ao pudor). E se esse aborto for praticado por enfermeira ou pela própria gestante? Ambas responderão por crime (a gestante pelo art. 124 e a enfermeira pelo art. 126), já que a lei só autoriza ao médico realizar, nesse caso, a prática abortiva. Importante destacar que a lei não exige autorização judicial para que o médico possa praticar esse aborto, bastando prova inidônea do ato sexual, mas na prática, os médicos acabam por só realizar esse tipo de aborto com autorização judicial, como forma de se resguardarem e evitar eventual responsabilização penal.

Observaçõesa) O art. 127 do CP traz duas causas de aumen-

to de pena no aborto. Apesar de o Código Penal chamá-las e de formas qualificadas, trata-se, em verdade, de causas de aumento de pena. Essas majorantes aplicam-se apenas aos arts. 125 e 126, ficando excluído o autoaborto ou aborto consentido (art. 124). Isso ocorre porque o Direito brasileiro não pune a autolesão nem o ato de matar-se. As causas de aumento previstas no art. 127 existem apenas na modalidade preterdolosa, ou seja, dolo com relação ao aborto e culpa com relação à lesão corporal grave ou homicídio. Do contrário, isto é, havendo o dolo do agente com relação à lesão ou morte, deverá respon-der pelo aborto em concurso com a lesão corporal grave ou homicídio. Por fim, para a doutrina, caso a gestante acidentalmente morra, mas o aborto não se consume por circunstâncias alheias à vontade do agente, deverá este responder por aborto qualificado consumado (art. 127), pouco importando se o abor-tamento se efetivou ou não. Não há que se falar em tentativa de aborto qualificado.

b) O aborto natural ou espontâneo e o aborto acidental não constituem crime.

c) O aborto eugenésico, eugênico ou piedoso é aquele realizado para impedir que a criança nasça com deformidade ou enfermidade incurável. Não é admitido pelo Direito Penal Brasileiro. O Supremo Tribunal Federal também não vem admitindo o abor-to nos casos de anencefalia (ausência de cérebro) (ADPF nº 54 MC/DF).

d) O aborto econômico ou social, isto é, aquele em que o nascimento de mais uma criança agravaria a crise financeira familiar, também não é admitido, havendo crime na hipótese.

e) A conduta de anunciar processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto constitui contra-venção penal, nos termos do art. 20 do Decreto-Lei nº 3.688/1941 (Lei de Contravenções Penais).

f) A ação penal é pública incondicionada. Por se tratar de crime doloso contra a vida, a competência para julgamento será do Tribunal do Júri.

DAS LESõES CORPORAIS

Lesão Corporal

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:Pena – detenção, de três meses a um ano.

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Lesão Corporal de Natureza Grave

§ 1º Se resulta:I – Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;II – perigo de vida;III – debilidade permanente de membro, sen-tido ou função;IV – aceleração de parto:Pena – reclusão, de um a cinco anos.§ 2º Se resulta:I – Incapacidade permanente para o trabalho;II – enfermidade incurável;III – perda ou inutilização do membro, sentido ou função;IV – deformidade permanente;V – aborto:Pena – reclusão, de dois a oito anos.

Lesão Corporal seguida de Morte§ 3º Se resulta morte e as circunstâncias evi-denciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo:Pena – reclusão, de quatro a doze anos.

Diminuição de Pena§ 4º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Substituição da Pena§ 5º O juiz, não sendo graves as lesões, pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis:I – se ocorre qualquer das hipóteses do pa-rágrafo anterior;II – se as lesões são recíprocas.

Lesão Corporal Culposa§ 6º Se a lesão é culposa:Pena – detenção, de dois meses a um ano.

Aumento de Pena§ 7º Aumenta-se a pena de um terço, se ocor-rer qualquer das hipóteses do art. 121, § 4º.§ 8º Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.

Violência Doméstica§ 9º Se a lesão for praticada contra ascen-dente, descendente, irmão, cônjuge ou com-panheiro, ou com quem conviva ou tenha con-vivido, ou, ainda, prevalecendo- se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)Pena – detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)§ 10. Nos casos previstos nos §§ 1º a 3º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas

no § 9º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). (Incluído pela Lei nº 10.886, de 2004)§ 11. Na hipótese do § 9º deste artigo, a pena será aumentada de um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de defici-ência. (Incluído pela Lei nº 11.340, de 2006)

O crime de lesão corporal, nos termos do art. 129 do CP, consiste em “ofender a integridade corporal ou saúde de outrem”. A proteção da lei não se limita apenas à normalidade anatômica, mas também à regularidade fisiológica e psíquica.

Equimoses (rouxidão decorrente do rompimento de pequenos vasos sanguíneos) e hematomas (equimoses com inchaço) constituem lesões. Já os eritemas (mera vermelhidão da pele decorrente de um tapa, por exemplo) e a simples provocação de dor não são considerados lesão corporal.

A ofensa à saúde diz respeito ao desajuste no funcionamento de algum órgão ou sistema do cor-po humano (paralisia, impotência sexual) ou a uma perturbação mental (desarranjo no funcionamento cerebral – exemplos: convulsões, doenças mentais).

Percebe-se, então, que o objeto jurídico tutelado nesse delito é a incolumidade da pessoa humana. Em regra, a integridade física e a saúde constituem bens indisponíveis. No entanto, a Lei nº 9.099/1995 abrandou tal concepção ao exigir a represen‑tação da vítima ou de seu representante legal para os crimes de lesão corporal leve e culposa. Nesses dois últimos casos, tem‑se hipótese de bem jurídico disponível.

Sujeitos Ativo e PassivoO sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, me-

nos o próprio ofendido. Trata-se de crime comum. A autolesão é irrelevante penal, desde que a ofensa física não vise a lesionar outro bem jurídico. É o que ocorre, quando o agente se mutila para obter inde-vidamente indenização ou valor de seguro (art. 171, § 2º, V, do CP). Caso o agressor seja um policial em serviço, responderá também pelo crime de abuso de autoridade.

O sujeito passivo também pode ser qualquer pes-soa, salvo na figura qualificada prevista nos §§ 1º, IV, e 2º, V, do CP, em que deve ser mulher grávida. Caso a vítima seja menor de 14 anos, incidirá a causa de aumento de pena prevista no § 7º do CP. Ofender a integridade física de um cadáver configura o delito previsto no art. 211 da lei penal.

Consentimento do OfendidoConsiderando que a integridade física e psíquica

constitui, em regra, bem indisponível, o consentimen-to do ofendido, em princípio, não gera nenhum efeito. No entanto, algumas considerações podem ser feitas quando se tratar de lesões esportivas e cirúrgicas:

a) lesões esportivas: predomina o entendimento de que o fato seria típico, porém não é antijurídico, diante da excludente da ilicitude do exercício regular de direito. Alguns autores, entretanto, defendem se tratar de fato atípico em razão da aplicação da teoria da imputação objetiva;

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b) intervenção médico‑cirúrgica: quando con-sentida, constitui causa de exclusão da ilicitude pelo exercício regular de direito. Caso não haja o consen-timento da vítima, poderá ser o caso de estado de necessidade em favor de terceiro. Exemplos: ampu-tação de uma perna para salvar a vida da pessoa;

c) transplante de órgãos: segundo a maioria da doutrina, a intervenção cirúrgica realizada em razão da disposição gratuita de órgãos, tecidos ou partes do corpo vivo de pessoa juridicamente capaz com o fim de viabilizar a realização de transplantes ou terapia (Lei nº 9.434/1997) constitui exercício regular de direito;

d) cirurgia transexual: constituiria, em tese, o crime de lesão corporal gravíssima (art. 129, § 2º, IV, do CP), pois a cirurgia para mudança de sexo im-plica mutilação dos órgãos genitais externos. Tem-se admitido, no entanto, a realização de tal cirurgia com o intuito de corrigir desajustamento psíquico, sendo, assim, um procedimento sem o dolo de lesionar;

e) esterilização cirúrgica: a Lei nº 9.263/1996 permite que o médico realize a esterilização cirúrgica como método contraceptivo, por meio da laquea-dura de tubária, vasectomia ou outro método cien-tificamente aceito, desde que haja consentimento expresso do interessado. Caso o médico realize o procedimento sem o consentimento do interessado, responderá pelo crime previsto no art. 15 da referida lei, por ser norma especial (“Art. 15. Realizar esteri-lização cirúrgica em desacordo com o estabelecido no art. 10 desta Lei”);

f) existem certas lesões que são social e cultu-ralmente aceitas, como, por exemplo, colocação de brincos ou similares.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “ofender [atingir] a

integridade corporal ou a saúde de outrem”. O crime de lesão corporal é de ação livre, ou seja, admite qualquer forma de execução. Desse modo, pode ser comissivo ou omissivo, por meios materiais (facada) ou morais (susto que provoca lesão no sistema ner-voso da vítima).

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de ofender a integridade física ou saúde de outrem. Há, também, a previsão de formas preterdolosas (algumas figuras do art. 129, §§ 1º e 2º, e o § 3º, do CP) e a lesão corporal culposa (art. 129, §§ 6º e 7º, do CP). Note que é o elemento subjetivo que vai diferenciar o crime de lesão corporal de outros, tais como: tentativa de homicídio (art. 121 c/c 14, II, do CP), perigo para a vida ou saúde de outrem (art. 132 do CP), maus-tratos (art. 136 do CP) etc.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento da efetiva

ofensa à integridade corporal ou saúde da vítima (trata-se, assim, de crime material e de dano). De acordo com Delmanto (2000, p. 253) “ainda que a vítima sofra mais de uma lesão, o crime será único”.

Por se tratar de crime de dano, a tentativa é possível nas formas dolosas. Assim, não admite ten-tativa a lesão corporal culposa (§ 6º) e suas formas

preterdolosas (§§ 1º, II, 2º, V e 3º, do CP). Eventual dificuldade que poderia surgir é quanto à prova de qual lesão foi intencionada pelo agente, isto é, leve, grave ou gravíssima.

formas de Lesão CorporalA lesão corporal dolosa subdivide-se em simples

(leve – art. 129, caput) e qualificadas (grave – § 1º; gravíssima – § 2º e seguida de morte – § 3º). Há, também, a forma culposa (§§ 6º e 7º) e uma figura privilegiada (§§ 4º e 5º). A Lei nº 10.886/2004 intro-duziu os §§ 9º e 10º, que tratam de lesões relativas à violência doméstica. Já o § 8º do art. 129 do CP prevê o perdão judicial. Por fim, o § 11 foi introduzido pela Lei nº 11.340/2006.

Lesão Corporal LeveA lesão corporal leve ou simples encontra-se

prevista no art. 129, caput, do CP e consiste em ofender a integridade física ou saúde de outrem, desde que o fato não constitua outra modalidade de lesão (critério de exclusão).

Lesão Corporal Qualificada pelo Resultado (§§ 1º a 3º)

O art. 129, §§ 1º a 3º, do CP prevê modalidades de lesão corporal em que a sanção penal é agravada devido ao resultado produzido. Os crimes preterdo-losos ou preterintencionais (aqueles em que há dolo na conduta antecedente e culpa na consequente) são uma modalidade de crime qualificado pelo resultado. Entretanto, nem todos os crimes qualificados pelo resultado são preterdolosos. Portanto, se houver dolo na conduta antecedente e dolo na consequente, o crime será qualificado pelo resultado.

Lesão Corporal Grave (§ 1º)A lesão corporal grave está descrita no art. 129,

§ 1º, do CP. Nada impede que coexistam duas ou mais modalidades de lesão grave.

Incapacidade para as Ocupações habituais por mais de trinta dias (inciso I)

Por ocupação habitual, deve-se entender qual-quer atividade rotineira (trabalhar, andar, praticar esportes etc.). A atividade deve ser lícita (exclui-se, assim, os criminosos), porém mesmo ocupações imorais são protegidas (prostituição). A incapacida-de tanto pode ser física como psíquica. A simples vergonha de praticar as ocupações habituais não configura a lesão grave.

Nos termos do § 2º do art. 168 do CPP, a com-provação desse tipo de lesão se faz por meio de um exame de corpo de delito, que deve ser feito depois de transcorridos 30 (trinta) dias do crime. De acordo com o STF, esse prazo não é peremptório, ou seja, admite-se exame feito poucos dias depois de transcorridos esse prazo, e a ausência desse exame complementar pode ser suprida pela prova testemunhal (art. 168, § 3º, do CPP), porém não sendo esta feita, fica impossível a configuração da qualificadora, devendo o delito ser desclassificado para lesão corporal leve.

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Se Resulta Perigo de Vida (inciso II)O perigo de vida é o risco grave e imediato de

morte deve ser concreto e demonstrado por perícia devidamente fundamentada, não bastando a simples menção à lesão. Essa modalidade de lesão corporal só admite o preterdolo (dolo com relação à lesão e culpa quanto à situação de perigo de vida), pois, se o agente agiu com a intenção de matar e não conseguiu, responderá por tentativa de homicídio.

Se Resulta Debilidade Permanente de Mem‑bro, Sentido ou função (Inciso III)

Debilidade é a redução ou enfraquecimento da capacidade funcional. Não se exige que essa debi-lidade seja perpétua, bastando que seja duradoura. Haverá a qualificadora ainda que a debilidade seja possível de correção por intervenção cirúrgica.

Membros são as partes do corpo humano que se prendem ao corpo. Exemplos: braços, pernas, coxa. Sentidos são os mecanismos sensoriais. São eles: visão, audição, olfato, paladar e tato. função é a atividade específica de um órgão ou aparelho do corpo humano. Exemplos: circulatória, reprodutora, locomotora, respiratória.

Tratando-se de órgãos duplos (exemplo: olhos), a supressão de um deles debilita a função, configu-rando lesão grave. Já a supressão de ambos, ficará configurada perda da função visual e, consequente-mente, a lesão será gravíssima.

Se Resulta Aceleração de Parto (Inciso IV)Ocorre quando, em razão da lesão, ocorre a

antecipação do parto. O agente deve saber que a mulher está grávida para responder por essa qua-lificadora (do contrário, responderá por lesão leve). É indispensável que o feto venha a nascer com vida, pois, do contrário, a lesão corporal será gravíssima (art. 129, § 2º, V, do CP).

Lesão Corporal Gravíssima (§ 2º)A lesão corporal gravíssima está descrita no

art. 129, § 2º, do CP, cuja pena é de dois a oito nos de reclusão, em razão das consequências mais danosas produzida pelo delito em tela. Quanto à expressão lesão corporal “gravíssima”, a doutrina e jurisprudência assim o fazem para diferenciar dos outros tipos de lesão. Nada impede a coexistência de mais de uma forma de lesão gravíssima. O cri-me, no entanto, será único, devendo o juiz levar em consideração essa situação quando da fixação da pena-base (art. 59 do CP). Caso, entretanto, fique constatado no laudo que a vítima sofre lesão grave e gravíssima, responderá apenas pela lesão gravíssi-ma. As circunstâncias qualificadoras previstas nesse § 2º podem ser tanto dolosas quanto culposas, com exceção do inciso V (quando resulta aborto) que será necessariamente preterdolosa.

Incapacidade Permanente para o Trabalho (Inciso I)

A incapacidade deve ser genérica, ou seja, para exercer qualquer atividade lucrativa e não apenas a atividade laboral anteriormente exercida pelo agente. Note que como a lei usa a expres-

são “trabalho”, abrangendo apenas a atividade lucrativa, excluindo-se, por conseguinte, a crian-ça e a pessoa idosa aposentada. Não se exige que a incapacidade seja perpétua, bastando que seja duradoura.

Se Resulta Enfermidade Incurável (Inciso II)É a doença para a qual ainda não existe cura no

atual estágio da medicina. Havendo a necessidade de intervenção cirúrgica arriscada e recusando-se a vítima a realizá-la, ainda assim incidirá a qualifica-dora. Existem entendimentos de que a transmissão dolosa de Aids, caracterizaria o delito de tentativa de homicídio, já que tem a morte como consequência natural.

Se Resulta Perda ou Inutilização de Membro, Sentido ou função (Inciso III)

Perda é a ablação (extirpação) de uma parte do corpo. Pode se dar por mutilação (exemplo: agente que decepa a mão ao usar um facão para limpar cana) ou amputação (o seccionamento de parte do corpo decorre de intervenção cirúrgica necessária para salvar a vítima de consequências mais graves. Exemplo: amputar uma perna que está gangrena-da). Na Inutilização, o membro continua ligado ao corpo, porém incapacitado de realizar suas próprias atividades (exemplo: paralisia).

A perda de parte dos movimentos do braço é lesão grave pela debilidade do membro. A perda de todo o movimento do braço é lesão gravíssima pela inutilização, enquanto a perda de todo o braço constitui lesão corporal gravíssima pela perda de membro. A perda de um dedo constitui lesão grave em razão de debilidade permanente, enquanto a perda da mão é lesão gravíssima, pois configura inutilização do membro.

A correção por meio de aparelhos ortopédicos ou próteses não exclui essa qualificadora. No entanto, caso haja o reimplante, com total êxito, do membro perdido, haverá a desclassificação do delito.

Se Resulta Deformidade Permanente (Inciso IV)

Trata-se do dano estético, permanente e visível, capaz de causar situação vexatória. Exige-se, assim, que o dano seja de monta razoável, não havendo a qualificadora caso resulte dano mínimo. A defor-midade será considerada permanente quando não puder ser reparada pelo transcurso do tempo. Assim, mesmo que a vítima use aparelhos que camuflem a deformidade (exemplos: olho de vidro, prótese), não deixará de incidir essa qualificadora.

Se a vítima se submeter a tratamento cirúrgico com sucesso, estará afastada a qualificadora.

Se Resulta Aborto (Inciso V)Esse dispositivo é exclusivamente preterdoloso

(dolo com relação à lesão corporal e culpa com relação ao aborto), pois caso o aborto tenha sido causado intencionalmente, haverá crime de aborto. É imprescindível que o agente saiba que a vítima está grávida; do contrário, haveria responsabilidade penal objetiva.

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Lesão Corporal seguida de Morte (§ 3º)Essa modalidade de lesão corporal é exclusi-

vamente preterdolosa (dolo com relação à lesão e culpa com relação à morte). Do contrário, isto é, se o agente quis ou assumiu o risco do resultado morte, o crime será de homicídio. Por se tratar de crime preterdoloso, essa modalidade de lesão corporal não admite tentativa. Esse delito não se confunde com o homicídio culposo, pois, neste, o resultado morte decorre de um ato prévio que representa um indife-rente penal ou, quando muito, um ato contravencio-nal (exemplo: agente que dirige em alta velocidade e acaba atropelado pedestre que tentava atravessar na faixa), enquanto no delito do art. 129, § 3º, do CP, a morte decorre de uma lesão corporal dolosa prévia por parte do agente. O crime de lesão corporal seguida de morte é de competência do juiz singular.

Lesão Corporal Privilegiada (§ 4º)A lesão corporal privilegiada encontra-se previs-

ta no § 4º do art. 129 do CP, devendo a pena ser reduzida de um sexto a um terço, caso o crime seja cometido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida injusta provocação da vítima. Esse privilégio legal se aplica a todos os tipos de lesão dolosa, incabível nas lesões culposas.

Motivo de relevante valor social é aquele refe-rente ao interesse coletivo. Exemplo: matar o trai-dor por amor à pátria. O motivo de relevante valor moral é aquele correspondente a um interesse individual, mas aprovado pela moralidade média. Exemplo: eutanásia (mata-se a pessoa para livrá-la do sofrimento). Devem ser analisados de acordo com o senso comum. Também será privilegiada a lesão corporal cometida sob o domínio de violenta emoção, logo após a injusta provocação da vítima. São necessários, portanto, três requisitos:

a) domínio de violenta emoção: apesar do art. 28, I, do CP estabelecer que “não excluem a imputabilidade, a emoção e a paixão”, a emoção pode funcionar como causa especial de diminuição da pena ou como atenuante genérica.

Essa emoção só é causa de diminuição da pena quando consumir totalmente o agente que age em estado de ira. Caso esteja apenas influenciado por uma violenta emoção, não se aplica essa causa de diminuição da pena, mas, sim, uma atenuante genérica (art. 65, III, c, in fine, do CP);

b) imediatidade da reação por parte do agente: só haverá o privilégio se a reação do agente for logo após a injusta provocação da vítima, entretanto de acordo com a jurisprudência, essa reação não pre-cisa ser atual, bastando que seja compatível com o estado emocional do agente. Assim, o agente que, após ter sido provocado injustamente pela vítima, após armar-se, volta ao local do crime e esfaqueia o ofendido, não estará despido da violenta emoção que o dominara;

c) provocação injusta feita pelo ofendido: é aquela sem motivo justificável. Não se exige que a vítima tenha tido a intenção específica de provocar, bastando que o agente se sinta provocado. A aná-lise deve ser feita conforme o senso comum, mas

levando em consideração as qualidades e condições pessoais dos envolvidos.

Lesão Corporal Culposa (§ 6º)Ocorrerá quando a lesão decorrer da falta do

dever de cuidado objetivo, manifestado pela imperí-cia, imprudência ou negligência. As consequências, embora previsíveis, não foram previstas pelo agente, ou, se foram, ele não assumiu o risco de produzir o resultado.

O Código Penal não fez distinção com relação às lesões culposas, assim, qualquer que seja a inten-sidade da lesão, responderá o agente apenas por lesão culposa. A gravidade da lesão deve ser levada em consideração pelo juiz quando da fixação da pena-base (art. 59 do CP). Nos termos do art. 88 da Lei nº 9.099/1995, o crime de lesão corporal culposa depende da representação de vontade da vítima ou do seu representante legal.

Nos termos do § 7º do art. 129 do CP, a pena da lesão corporal será aumentada de um terço quando o agente deixar de prestar imediato socorro à víti-ma, quando foge para evitar a prisão em flagrante, quando não procura diminuir as consequências de seu ato ou quando o crime resulta da inobservância de regra técnica de arte, profissão ou ofício. O au-mento de pena também se aplica às lesões dolosas quando a vítima for menor de 14 (inovação trazida pelo art. 263 da Lei nº 8.069/1990) ou maior de 60 anos (Lei nº 10.741/2003).

Nos termos do art. 129, § 8º, do CP, o juiz pode aplicar ao crime de lesão corporal culposa o instituto do perdão judicial quando as consequências do crime tiverem atingido o agente de forma tão grave que a imposição de pena se torne desnecessária. Trata-se de causa extintiva da punibilidade cabível apenas quando expressamente previsto na lei. Nos termos da Súmula nº 18 do Superior Tribunal de Justiça, “a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo qual-quer efeito condenatório”, ou seja, a sentença que concede o perdão judicial é meramente declaratória, não gerando reincidência, inscrição do nome no rol de culpados etc. Já o Supremo Tribunal Federal en-tende que a sentença que concede o perdão judicial é condenatória, afastando somente o efeito principal da condenação (obrigação de cumprir pena) e a reincidência, remanescendo a obrigação de reparar o dano e a obrigação de lançamento do nome do réu no rol de culpados.

Substituição da Pena (§ 5º)Nos termos do art. 129, § 5º, do CP, não sendo

graves as lesões, o juiz poderá substituir a pena de detenção pela de multa, nos seguintes casos:

a) quando a lesão corporal for privilegiada. Note que, caso as lesões sejam leves, o juiz terá duas opões: I) reduzir a pena de um sexto a um terço (§ 4º); ou II) substituí-la por multa (§ 5º);

b) se as lesões leves forem recíprocas. Ocorre-rá quando uma pessoa agride outra e, cessada essa primeira agressão, ocorrer uma retorsão. Não há que se falar em lesão corporal se a pessoa apenas se defende de seu agressor, provocando-lhe lesões.

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Nesse caso, estaremos diante da excludente da legítima defesa.

Violência Doméstica (§§ 9º e 10º)A Lei nº 10.886, de 17 de junho de 2004, buscan-

do aumentar o âmbito de proteção quando as lesões corporais fossem cometidas no âmbito doméstico, acrescentou os §§ 9º e 10º ao art. 129 do Código Penal, criando o tipo especial denominado “Violência Doméstica”. Assim, a pena do delito de lesão corporal passaria a ser de detenção de seis meses a um ano quando a lesão fosse praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésti-cas, de coabitação ou de hospitalidade. Além disso, a pena aumenta-se de um terço quando a lesão corporal qualificada pelo resultado (art. 129, §§ 1º a 3º, do CP) for cometida em situações envolvendo violência doméstica (§ 9º). Trata-se de uma causa de aumento de pena quando as lesões corporais grave, gravíssima e seguida de morte (§§ 1º a 3º) forem cometidas as circunstâncias indicadas no § 9º. Essa circunstância especial de aumento de pena prefere a agravante genérica do art. 61 do CP.

A Lei nº 11.340 de 2006 aumentou a pena do § 9º do art. 129 do CP que passou a ser de deten-ção de três meses a três anos quando a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade. Além disso, a referida lei incluiu o § 11 no art. 129, estabelecendo que a pena aumen-te um terço se o crime for cometido contra pessoa portadora de deficiência.

Finalmente, a Lei nº 11.340, de 2006, inovou ao dispor, em seu art. 41, que os crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, inde-pendentemente da pena prevista, não estão sujeitos às disposições da Lei nº 9.099, de 1995 (Lei dos Juizados Especiais Criminais). Consequentemente, não se aplicam os institutos da transação penal e conciliação civil próprios das infrações penais de menor potencial ofensivo. A União, no Distrito Fede-ral e nos Territórios, e os Estados poderão criar os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher, enquanto não forem criados tais Juizados, as varas criminais acumularão as competências cível e criminal para conhecer e julgar as causas decor-rentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher (art. 33 da referida lei).

Observaçõesa) Cortar o cabelo ou a barba da vítima, sem o

seu consentimento, pode constituir crimes de lesão corporal, injúria real ou contravenção penal de vias de fato, dependendo dos motivos. A questão é bas-tante polêmica. Parte da doutrina e jurisprudência sustenta que seria crime de lesão corporal leve, pois os pelos e os cabelos pertencem à integridade corporal da vítima.

b) O crime de lesão corporal não se confunde com a contravenção penal de vias de fato (art. 21 do

Decreto-Lei nº 3.688/1941). Nestas, o agente agride sem a intenção de lesionar (exemplos: empurrão sim-ples, puxão de cabelos), enquanto na lesão corporal o agente tem o dolo de machucar. Caso a intenção do agente, ao lesionar, seja a de ridicularizar a vítima ou expô-la a uma situação vexatória, poderá ocorrer o crime de injúria real (tapa no rosto da vítima para humilhá-la).

c) A continuidade delitiva (art. 71 do CP) é admi-tida no crime de lesões corporais quando o agente, nas mesmas condições de tempo, lugar, meios de execução e outras semelhantes, praticar várias le-sões corporais, em vítimas diversas.

d) A multiplicidade de lesões contra a mesma vítima, em um mesmo contexto criminoso, constitui crime único, uma vez que se trata de crime plurissub-sistente (perfaz-se com vários atos executivos, mas que constituem uma só ação). Exemplo: o agente dá um soco na vítima, corta sua pele e, ainda, lhe des-fere uma facada. No entanto, caso as lesões sejam interrompidas e, posteriormente, em uma nova ação criminosa, o agente produza novas lesões contra a mesma vítima, haverá concurso de crimes.

e) Nos termos da Lei nº 9.099/1995, com as alterações introduzidas pela Lei nº 10.259/2001, os crimes de lesão corporal leve e culposa, inclusive na sua forma majorada (§ 7º), constituem infração penal de menor potencial ofensivo. A lesão corporal de natureza grave (§ 2º), apesar de não ser de com-petência dos Juizados Especiais Criminais, poderá ser objeto de suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

DA PERICLITAÇÃO DA VIDA E DA SAÚDE

Este capítulo do Código Penal trata de diversos crimes de perigo que se consumam com a mera exposição do bem jurídico ao perigo (neste, o bem jurídico não é efetivamente lesado, bastando que o agente crie uma situação de risco). Nesses delitos, o elemento subjetivo do agente consiste na vontade livre e consciente de produção de perigo (a vontade do agente envolve apenas a criação de uma situação de risco, não estando a ocorrência do dano compre-endida no dolo do agente). Dentre as várias espécies de crime de perigo, destacam-se as seguintes:

a) perigo individual: ofende um número deter-minado de pessoas. Exemplo: art. 130 e seguintes do CP;

b) perigo coletivo ou comum: ofende um nú-mero indeterminado de pessoas. Exemplo: art. 250 e seguintes do CP;

c) perigo concreto: o perigo deve ser demons-trado. Exige-se prova efetiva de que certa pessoa sofreu uma situação de perigo;

d) perigo abstrato: a lei descreve uma conduta e presume (jure et de jure) a ocorrência de uma situa-ção de perigo. Não se exige a demonstração do risco efetivamente criado, bastando que o agente pratique a conduta típica. Exemplo: crime de quadrilha ou bando (art. 288 do CP).

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PERIGO DE CONTáGIO VENÉREO

Art. 130. Expor alguém, por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea, de que sabe ou deve saber que está contaminado:Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.§ 1º Se é intenção do agente transmitir a moléstia:Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.§ 2º Somente se procede mediante repre-sentação.

O objeto jurídico tutelado é a incolumidade física e a saúde da vítima. O legislador busca evitar o contágio e a propagação de doenças sexualmente transmissíveis. Esse delito é de ação penal pública condicionada à representação. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, inclusive a prostituta, já que a lei protege a sua saúde.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em expor (colocar em

perigo, arriscar) a vítima, por meio da prática de re-lações sexuais ou qualquer ato libidinoso, a contágio de moléstia venérea. Esse tipo penal exige o contato corporal entre o autor e a vítima. Assim, se o agente transmite a moléstia venérea para sua amante e esta a transmite para seu marido, apenas ela responderá pelo crime em tela. Não haverá crime se o contágio venéreo se der por outro meio que não o ato sexual. Exemplo: transmissão por meio de objetos pessoais (nesse caso, o crime poderá ser o previsto no art. 131 ou 132 do CP).

O elemento subjetivo pode ocorrer em três modalidades: a) na hipótese do art. 130, caput, primeira figura, do CP, o agente “sabe que está contaminado”, sendo, portanto, caso de dolo direito de perigo. A vontade do agente não é transmitir a moléstia venérea, mas, sim, expor a vítima a uma situação de perigo; b) no caso do art. 130, caput, segunda figura, do CP, o agente “deve saber que está contaminado”. A doutrina majoritária entende que a expressão “deve saber” indica culpa, no entanto, existe posição minoritária no sentido de que essa expressão é indicativa de dolo eventual; c) o art. 130, § 1º, do CP trata do caso em que o agente sabe que está contaminado com a moléstia venérea e tem a intenção de transmiti-la. Tem-se caso de dolo direto de dano, pois, diferentemente da situação descrita na letra a, o agente não visa apenas a criar uma si-tuação de perigo, e sim tem a intenção de transmitir a moléstia venérea.

Consumação e TentativaA consumação se dá com a prática do ato sexual

capaz de transmitir a moléstia venérea, ainda que a vítima não seja contaminada. Basta a simples expo-sição à situação de perigo de contágio de moléstia venérea. Caso ocorra a contaminação, o agente responderá pelo art. 130, caput, do CP.

Caso a intenção do agente tenha sido de transmi-tir a moléstia (dolo de dano), responderá nos termos do art. 130, § 1º, do CP. Ainda que sobrevenham lesões leves, responderá o agente por esse delito. Caso, entretanto, o sujeito efetive o contágio e sobre-venha lesão corporal grave ou gravíssima (art. 129, §§ 1º e 2º, do CP), responderá o agente pelo crime de lesão corporal grave ou gravíssima, pois a pena destes é maior que a prevista no art. 130 desse di-ploma. Caso, após o contágio, sobrevenha a morte da vítima, poderá ocorrer uma dessas situações:

a) se a intenção do agente era matar a vítima, responderá pelo crime de homicídio doloso;

b) se a intenção era apenas a de contaminar a vítima, mas o evento morte era previsível, respon-derá pelo crime de lesão corporal seguido de morte (art. 129, § 3º, do CP);

A tentativa é admissível quando o agente quer manter relações sexuais com a vítima, mas não consegue.

Observaçõesa) Admite-se o concurso de crimes entre o

art. 130 do CP e os crimes contra a dignidade sexual (art. 213 e seguintes do CP). Exemplo: o agente, acometido de moléstia venérea, comete um estupro.

b) O delito de perigo de contágio venéreo possui uma forma simples (art. 130, caput, do CP) e outra qualificada (art. 130, § 1º, do CP). No primeiro, o agente possui dolo de perigo, ou seja, não tem intenção de transmitir a moléstia. Já na forma qualifi-cada o dolo do agente é de dano, isto é, sua intenção é transmitir a moléstia. Esse delito, em sua forma simples (art. 130, caput, do CP), constitui infração penal de menor potencial ofensivo, estando, assim, sujeito às disposições dos Juizados Especiais Crimi-nais. Em sua forma qualificada (§ 1º), não se enqua-dra no conceito de infração penal de menor potencial ofensivo, mas está sujeito à suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

c) A ação penal é pública condicionada à repre-sentação.

PERIGO DE CONTáGIO DE MOLÉSTIA GRAVE

Art. 131. Praticar, com o fim de transmitir a ou-trem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio:Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

O objeto jurídico tutelado é a incolumidade física e a saúde da vítima. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa contaminada por moléstia grave. O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, desde que não infectada com a mesma moléstia.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em praticar qualquer

ato capaz de transmitir a moléstia grave. Trata-se, assim, de crime de ação livre, pois admite qualquer meio de execução (aperto de mão, beijo, injeções e, até mesmo, relações sexuais). Caso a moléstia seja venérea e a transmissão se dê por meio de

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relação sexual ou qualquer ato libidinoso, o crime será o previsto no art. 130 do CP. A moléstia deve ser grave (capaz de causar séria perturbação à saú-de), pouco importando se é incurável ou não. Parte da doutrina entende que o art. 131 do CP é norma penal em branco, pois o preceito primário da norma exige uma complementação pelos Regulamentos da Saúde Pública.

No entanto, entendo que a razão encontra-se com Bitencourt (2001, p. 222), que afirma tratar-se de um tipo anormal, pois

[...] o fato de determinada moléstia grave não constar, eventualmente, de regulamentos ofi-ciais não lhe retirará, por certo, a idoneidade para tipificar esse crime. Ser grave ou conta-giosa decorre da essência da moléstia e não de eventuais escalas oficiais. Por isso, a nos-so juízo, o conteúdo do tipo penal do art. 131 não pode ser definido como norma penal em branco. Trata-se, em verdade, daqueles cri-mes que, historicamente, a doutrina tem deno-minado tipos anormais, em razão da presença de elementos normativos ou subjetivos; neste caso, ambos estão presentes: a finalidade de transmitir a moléstia (elemento subjetivo) e moléstia grave (elemento normativo).

No que tange à Aids, se o agente tem a intenção de transmiti-la e consegue fazê-lo, responderá por homicídio doloso tentado ou consumado. Caso transmita o vírus culposamente, responderá por lesão corporal culposa ou homicídio culposo, mas não pelo delito do art. 131 do CP.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo direto de dano, acrescido do elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir) “com o fim de transmitir a outrem a moléstia grave”. Não se admite o dolo eventual, já que o tipo exige expressamente que o agente queira transmitir a moléstia grave. Caso o agente apenas assuma o risco de transmitir a moléstia grave a outrem, responderá por tentativa de lesão corporal ou o crime do art. 132 do CP (pe-rigo para a vida ou saúde de outrem). Ocorrendo a efetiva transmissão, responderá o agente por lesão corporal dolosa ou lesão corporal seguida de morte, dependendo do resultado que advir. Não se admite a modalidade culposa. Caso o agente transmita imprudentemente a moléstia grave, o crime será de lesão corporal culposa.

Consumação e TentativaA consumação se dá com a prática do ato capaz

de transmitir a moléstia grave, não importa se hou-ve o efetivo contágio (crime formal). Caso ocorra a transmissão da doença, implicando lesão leve, responderá o agente pelo crime do art. 131, ficando as lesões absorvidas. Caso resulte lesão grave ou gravíssima (art. 129, §§ 1º e 2º, do CP), o agente responderá por lesão corporal grave ou gravíssima. Se resultar morte, responderá o agente por homicí-dio, se teve a intenção de matar. Caso não tivesse esse ânimo, responderá por lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, do CP). Caso tenha agido com culpa, responderá por homicídio culposo.

Em tese, cabe a tentativa quando o agente não consegue praticar a conduta que visa à transmissão de moléstia grave por circunstâncias alheias a sua vontade.

Observaçõesa) É cabível o concurso de crimes caso o agente

deseje causar uma epidemia.b) Trata-se de crime de ação penal pública in-

condicionada.c) Não se trata de infração penal de menor po-

tencial ofensivo (pena máxima supera dois anos), porém, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, admite a suspensão condicional do processo.

PERIGO PARA A VIDA OU SAÚDE DE OUTREM

Art. 132. Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente:Pena – detenção, de três meses a um ano, se o fato não constitui crime mais grave.Parágrafo único. A pena é aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transpor-te de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com as normas legais.

O objeto jurídico tutelado é a vida e a saúde da pessoa humana. Por se tratar de bem jurídico indisponível, o consentimento da vítima não exclui o delito. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, mas exige-se que ela seja determi-nada. Não se exige qualquer vinculação ou ligação jurídica entre autor e vítima.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “expor [colocar em

perigo] a vida ou saúde de outrem a perigo direto e iminente”. Esse delito pode ser comissivo ou omissi-vo, admitindo qualquer meio de execução (crime de ação livre). O perigo deve ser direto (atinge pessoa certa e determinada) e iminente (imediato), pois a possibilidade futura de perigo não caracteriza o delito em tela.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo de perigo, consistente na vontade livre e consciente de expor alguém a uma situação de perigo. Admite-se tanto o dolo direto como o dolo eventual. O exemplo apontado pela doutrina é dos pais que, Testemunhas de Jeová, não autorizam a transfusão de sangue imediata e urgente para seu filho. Caso a intenção do agente seja de causar dano a alguém, respon-derá por outro delito (lesão corporal ou tentativa de homicídio). Não se admite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a produção do peri-

go concreto. Caso resulte lesão corporal à vítima, responderá o agente por esse delito e não pela lesão. Se da conduta de expor a vida ou a saúde de outrem resultar morte, responderá o agente por

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homicídio culposo. Não pode o agente responder por lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º, do CP), pois não age com dolo de dano, mas, sim, com dolo de perigo.

A tentativa é admissível na modalidade comissiva desse delito.

Observaçõesa) A simples conduta do patrão que não fornece

os equipamentos de segurança a seus funcionários configura a contravenção penal prevista no art. 19 da Lei nº 8.213/1991. Mas se, em razão dessa conduta, sobrevier perigo concreto aos funcionários, estará configurado o delito previsto no art. 132 do CP.

b) Esse delito é expressamente subsidiário, pois, conforme estabelece o art. 132 do CP, o agente só responderá por esse delito “se o fato não constituir crime mais grave”. A doutrina majoritária não admite o concurso formal por se tratar de delito subsidiário. Ainda que o agente, com uma só conduta, exponha várias pessoas à situação de perigo, haverá crime único.

c) A Lei nº 9.777/1998 acrescentou um parágrafo único ao art. 132, estabelecendo que a pena será aumentada de um sexto a um terço se a exposição da vida ou da saúde de outrem a perigo decorre do transporte de pessoas para a prestação de serviços em estabelecimentos de qualquer natureza, em desacordo com normas legais.

d) O art. 15 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) prevê o delito de “disparo de arma de fogo” que, por ser delito mais grave, tem primazia sobre o delito previsto no art. 132 do CP.

e) Caso a exposição da vida ou saúde de outrem a perigo se dê por meio do uso de veículo automotor, deve-se aplicar a Lei nº 9.503/1997 (Código de Trân-sito Brasileiro), que trouxe vários delitos de perigo 310 e 311 e que ficarão absorvidos caso ocorra dano efetivo (lesões corporais ou homicídio culposo na condução de veículo automotor).

f) Trata-se de crime de ação penal pública incondi-cionada. Trata-se de infração penal de menor poten-cial ofensivo de competência dos Juizados Especiais Criminais (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

ABANDONO DE INCAPAZ

Art. 133. Abandonar pessoa que está sob seu cuidado, guarda, vigilância ou autoridade, e, por qualquer motivo, incapaz de defender-se dos riscos resultantes do abandono:Pena – detenção, de seis meses a três anos.§ 1º Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave:Pena – reclusão, de um a cinco anos.§ 2º Se resulta a morte:Pena – reclusão, de quatro a doze anos.

Aumento de Pena

§ 3º As penas cominadas neste artigo aumen-tam-se de um terço:I – se o abandono ocorre em lugar ermo;

II – se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima;III – se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.

O objeto jurídico tutelado é a segurança da pes-soa humana que não pode defender-se. Protege-se, portanto, a sua incolumidade física.

O sujeito ativo é aquele que tem o dever de zelar pela vítima. Trata-se, então, de crime próprio, pois só pode ser autor desse delito aquele que tem o dever de cuidado, guarda, vigilância ou autoridade em relação ao sujeito passivo. Este, por sua vez, é aquele que está sob os cuidados, guarda, vigilância ou autoridade do sujeito ativo. São sujeitos passivos todos aqueles que não podem defender-se, por si mesmos. Protege-se, inclusive, a incapacidade temporária (pessoa embriagada, deficiente físico ou mental etc.).

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em abandonar (deixar

sem assistência no local de costume). Esse crime pode ocorrer na modalidade comissiva e omissiva. De qualquer forma, exige-se que da conduta resulte perigo concreto para a vítima. Não há crime quando o próprio assistido se afasta da pessoa que tem o dever de prestar-lhe assistência.

De acordo com Jesus (1998, v. 2, p. 164), cuidado é a assistência eventual (por exemplo, enfermeiro que cuida de um doente). Guarda é a assistência duradoura (tutor de um menor). Vigilância é a as-sistência acauteladora (o guia de uma escalada em relação ao esportista). Por fim, autoridade é o poder que uma pessoa exerce sobre outra, podendo a relação ser de direito público ou privado.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de abandonar alguém, colocando-o em situação de perigo efetivo.

Não se admite a modalidade culposa. Caso o agente desconheça o seu dever de assistência para com o sujeito passivo, poderá ocorrer erro de tipo (art. 20 do CP), excluindo-se o crime em tela.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com o abandono do in-

capaz, causando-lhe situação concreta de perigo. Ainda que o agente posteriormente retome sua posição de garantidor, o crime estará consumado. Trata-se de crime instantâneo (consuma-se em um dado momento) com efeitos permanentes. A tentativa é admitida na modalidade comissiva.

Observaçõesa) Caso não haja especial relação de vinculação

entre sujeito ativo e passivo pode restar configurado o delito de omissão de socorro (art. 135 do CP).

b) Caso o agente deseje, com o abandono, ocul-tar desonra própria e a vítima seja recém-nascido, o crime será o previsto no art. 134 do CP.

c) A forma simples desse crime está prevista no caput do art. 133 do CP. As formas qualificadas encontram-se previstas em seus §§ 1º (quando resulta lesão corporal grave) e 2º (quando resulta morte). Na modalidade qualificada, o agente não

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deseja o resultado, sendo-lhe imputado a título de culpa (figuras preterdolosas). Caso o resultado não seja ao menos previsível ao agente, fica excluída a qualificadora.

d) O § 3º do art. 133 traz causas de aumento de pena: I) se o abandono ocorrer em local ermo (local habitual mente isolado). Caso o lugar esteja frequentado não incidirá o aumento de pena; II) se o agente é ascendente ou descendente, cônjuge, irmão, tutor ou curador da vítima (não se podendo incluir outros parentes, pois tal interpretação seria mais gravosa para o acusado); e III) se a vítima é maior de 60 anos (inovação trazida pela Lei nº 10.741/2003 – Estatuto do Idoso). Essas duas últimas figuras de aumento de pena afastam as agra-vantes genéricas previstas no art. 61, II, e e h, do CP.

e) A ação penal é pública incondicionada. Admi-te-se, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, a suspensão condicional do processo quando a pena mínima abstratamente cominada for igual ou inferior a um ano.

Exposição ou Abandono de Recém‑Nascido

Art. 134. Expor ou abandonar recém-nascido, para ocultar desonra própria:Pena – detenção, de seis meses a dois anos.§ 1º Se do fato resulta lesão corporal de na-tureza grave:Pena – detenção, de um a três anos.§ 2º Se resulta a morte:Pena – detenção, de dois a seis anos.

O objeto jurídico tutelado é a vida e a saúde do recém-nascido. Trata-se de crime de perigo concre-to. O sujeito ativo é a mãe adúltera que concebeu a criança fora do matrimônio ou o pai, visando a ocultar filho adulterino ou incestuoso (trata-se de crime próprio). Sujeito passivo é o recém-nascido.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em expor (remover a

vítima para outro lugar, deixando-a sem assistência) ou abandonar (deixar a vítima sem assistência no local de costume) recém-nascido para ocultar de-sonra própria, surgindo para a vítima uma situação de perigo concreto.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo de perigo, consistente na vontade livre e consciente de expor ou abandonar o recém-nascido, criando-se uma situação de perigo concreto, com o especial fim de agir (elemento subjetivo do tipo especial) de “ocultar desonra própria”. Só haverá esse delito se o nasci-mento do infante for sigiloso, pois, se notório, não há que se falar em se ocultar um fato já conhecido. Se o dolo do agente for de dano, ou seja, caso o agente realize o abandono com o intuito de causa a morte do neonato, haverá o delito de infanticídio, se presente o estado puerperal, ou homicídio, se ausente este estado. Inexiste a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva exposição

ou abandono do recém-nascido, criando-se uma situação concreta de perigo. Trata-se de crime instantâneo de efeitos permanentes. Admite-se a tentativa quando o delito for praticado na modalidade comissiva.

Observaçõesa) A forma simples desse crime está prevista

no caput do art. 134 do CP. As formas qualificadas encontram-se previstas em seus §§ 1º (quando resulta lesão corporal grave) e 2º (quando resulta morte). Na modalidade qualificada, o agente não deseja o resultado, sendo-lhe imputado a título de culpa figuras preterdolosas. Caso o resultado não seja ao menos previsível ao agente, fica excluída a qualificadora.

b) A ação penal é pública incondicionada.c) A forma simples desse delito constitui infra-

ção penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admite-se, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, a suspensão con-dicional do processo quando a pena mínima abs-tratamente cominada for igual ou inferior a um ano.

OMISSÃO DE SOCORRO

Art. 135. Deixar de prestar assistência, quan-do possível fazê-lo sem risco pessoal, à crian-ça abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.Parágrafo único. A pena é aumentada de me-tade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.

O objeto jurídico tutelado é a vida e a saúde da pessoa humana. Em outras palavras, protege-se a solidariedade entre os seres humanos. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não se exigindo qualquer vínculo jurídico com a vítima. Já o sujeito passivo serão apenas aqueles elencados no art. 135 do CP:

a) criança abandonada: é aquela que foi propo-sitadamente deixada por seus responsáveis, ficando sujeita a sua própria sorte. Não se confunde com o crime de abandono de incapaz;

b) criança extraviada: é a criança perdida;c) pessoa inválida: é aquela que não pode, por

si própria, praticar atos inerentes à vida normal. É imprescindível que se encontre ao desamparo no momento da omissão;

d) pessoa ferida: é aquela que sofreu lesões corporais. Também é imprescindível que se encontre ao desamparo no momento da omissão;

e) pessoa em grave e iminente perigo: não se exige que a pessoa seja inválida ou esteja ferida, bastando que se encontre diante de uma situação de perigo grave e que esteja prestes a acontecer. Exemplo: pessoa pendurada em um abismo. Pouco importa se a vítima quer ou não ser socorrida, pois a

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incolumidade física e a vida são bens indisponíveis. No entanto, não haverá o crime em tela se a oposição da vítima inviabilizar o socorro.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica apresenta duas modalidades:a) o agente deixa de prestar assistência,

quando possível fazê‑lo sem risco pessoal (as‑sistência imediata): o agente pode prestar socorro a um terceiro que se encontra em situação de perigo, sem que isso acarrete risco pessoal, mas não o faz. Exemplo: João, exímio nadador, vê uma pessoa se afogando e nada faz para salvá-la. Somente haverá o crime se o agente pudesse prestar socorro ao ter-ceiro, sem que isso acarretasse risco a sua própria vida ou incolumidade física. Algumas profissões, entretanto, já possuem um risco inerente à própria atividade exercida (exemplo: bombeiros). Nesse caso, seus agentes apenas não responderão pela omissão quando o risco for desproporcional ao tipo de atividade exercida;

b) o agente, não podendo prestar socorro, deixa de pedir socorro à autoridade pública (as‑sistência mediata): ocorre quando o agente não pode prestar socorro e não pede ajuda à autoridade pública. Imagine, no exemplo já citado, que João não soubesse nadar. Nesse caso estaria impedido de prestar socorro, mas deveria solicitar ajuda às autoridades públicas. Note que não se trata de uma opção do agente, ou seja, se ele tem condições de prestar socorro à vítima, deverá fazê-lo. Do contrário, responderá pelo crime de omissão de socorro, ainda que solicite ajuda da autoridade.

O elemento subjetivo é o dolo (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de expor a vítima a uma situação de perigo. Havendo o dolo de causar a morte da vítima, por exemplo, haverá crime de homicídio. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no exato momento em que

o agente se omite em prestar socorro (abstenção do comportamento devido). Trata-se de crime omissivo puro ou próprio. A prestação do socorro deve ser imediata. Da mesma forma, haverá o crime caso o agente retorne ao local onde se encontra a pessoa que necessita de socorro e foi deixada à própria sor-te. Por se tratar de crime omissivo puro ou próprio, a tentativa não é admissível.

Observaçõesa) Caso haja uma pluralidade de agentes e es-

tes se neguem a prestar socorro às vítimas, todos responderão pelo crime previsto no art. 135 do CP.

b) Caso apenas uma pessoa preste socorro quando há a possibilidade de várias prestá-lo, não haverá o crime de omissão de socorro, tendo em vista que a vítima foi socorrida.

c) Caso o agente preste o socorro e, ainda assim, a vítima morra, não poderá ser responsabilizado pelo crime de omissão de socorro.

d) A forma simples do delito de omissão de so-corro está prevista no art. 135, caput, do CP. A forma

majorada está prevista no parágrafo único desse mesmo dispositivo. Trata-se de crime preterdoloso, sendo a omissão atribuída ao agente a título de dolo e o resultado agravador (lesão corporal de natureza grave ou morte) a título de culpa. O agente só incidirá na causa de aumento de pena se restar provado que, caso o agente tivesse prestado socorro, o resultado lesivo poderia ter sido evitado.

e) Caso, em decorrência da omissão de socorro, a vítima vier a sofrer lesões leves, responderá o agente apenas pelo delito do art. 135 do CP, ficando as lesões absorvidas.

f) Caso a omissão de socorro seja cometida na condução de veículo, incidirá o agente no art. 304 da Lei nº 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro). Esse crime especial apenas admite a modalidade dolosa e só se aplica ao condutor do veículo envolvido no acidente com a vítima. Logo, os motoristas dos outros veículos ou as pessoas que não estejam na condução de veículos automotores que, na mesma oportuni-dade, não prestarem socorro à vítima, responderão pelo crime genérico de omissão de socorro previsto no art. 135 do CP. No caso de morte instantânea da vítima, não haverá crime de omissão de socorro por absoluta impropriedade do objeto (crime impossível).

g) Caso o agente omita socorro a uma pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, tendo em vista o princípio da especialidade, responderá nos termos do art. 97 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).

h) O agente que, acreditando correr risco pes-soal, deixar de prestar socorro à vítima quando, na realidade, não havia qualquer risco, não responderá por omissão de socorro. Devem-se aplicar as regras relativas ao erro de tipo (art. 20 do CP), ou seja, se o erro for invencível, excluirá o dolo e a culpa e, se vencível, excluirá o dolo, mas permitirá a punição a título de culpa, se prevista em lei a modalidade cul-posa. Como esse crime não admite a forma culposa, nessa última hipótese, o fato será atípico.

i) A ação penal é pública incondicionada. Nos ter-mos das Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001, trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, em todas as suas modalidades, sendo de competência dos Juizados Especiais Criminais.

MAUS‑TRATOS

Art. 136. Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilân-cia, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa.§ 1º Se do fato resulta lesão corporal de na-tureza grave:Pena – reclusão, de um a quatro anos.§ 2º Se resulta a morte:Pena – reclusão, de quatro a doze anos.§ 3º Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos.

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O objeto jurídico tutelado é a incolumidade da pessoa humana, abrangendo sua vida e saúde. O su-jeito ativo é somente aquele que tem o sujeito passivo sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia. Exige-se uma vinculação jurídica entre os agentes (crime pró-prio). Já o sujeito passivo é aquele que se encontra sob a autoridade, guarda ou vigilância de outra, para fins de educação, ensino, tratamento ou custódia.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em expor a vida ou

saúde de outrem a perigo utilizando-se de uma das condutas previstas na lei (crime de ação vinculada). As condutas são as seguintes:

a) privar a vítima de alimentos ou cuidados indispensáveis: basta a privação relativa para confi-guração do delito. Se a intenção do agente ao privar a vítima é matar, deverá responder por homicídio e não maus-tratos. Cuidados indispensáveis são aqueles exigíveis à preservação da vida e saúde de alguém. Ambas constituem modalidade omissiva do delito;

b) sujeitar a vítima a trabalhos excessivos ou inadequados: refere-se a trabalhos que causem fadiga acima do normal, ou que sejam impróprios à vítima, considerando suas condições de idade, sexo, capacidade física etc. (trabalho inadequado);

c) abusar dos meios de disciplina ou correção: trata da aplicação de castigos corporais excessivos. Apesar de o fim visado pelo agente ser justo, o fim não justifica o excesso do meio. A lei não proíbe o uso de meios de correção contra o filho, mas apenas a sua utilização imoderada. Assim, não haverá cri-me na conduta do pai que, moderadamente, aplica algumas palmadas nas nádegas do filho.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de expor a incolumidade física ou psíquica da vítima a uma situação de perigo. Não há previsão de mo-dalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva exposição do

sujeito passivo à situação de perigo, de que decorra probabilidade de dano. Trata-se de crime de perigo concreto que exige a comprovação da situação de perigo. A modalidade de “privação de alimentação ou cuidados” é crime habitual, não bastando que o agente pratique uma única conduta de deixar a vítima sem uma refeição. Constitui crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo. A tentativa é admissível nas modalidades comissivas desse delito.

Observaçõesa) As formas qualificadas desse delito encon-

tram-se previstas nos §§ 1º e 2º do art. 136 do CP, e são modalidades exclusivamente preterdolosas.

b) Já o § 3º desse mesmo artigo traz uma causa de aumento de pena que correrá quando o crime é praticado contra pessoa menor de 14 anos. Nesse caso, a pena é aumentada de um terço.

c) Caso os maus-tratos constituam meio vexa-tório, o crime poderá ser outro como, por exemplo, injúria. Exemplo: castigar o filho em público.

d) O ato de submeter criança ou adolescente à autoridade, guarda ou vigilância do agente, a vexa-me ou constrangimento, configura crime previsto no art. 232 da Lei nº 8.069/1990 (ECA).

e) O crime de maus-tratos se assemelha ao delito de tortura previsto no art. 1º, II, da Lei nº 9.455/1997:

Art. 1º [...]II – submeter alguém, sob guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência física ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo ou medida de caráter preventivo.Pena: reclusão, de dois a oito anos.

No entanto, o crime de tortura pressupõe que a vítima seja submetida a intenso sofrimento físico ou mental. Trata-se, assim, de uma situação extre-mada. Ademais no crime de maus-tratos, o agente visa a corrigir a vítima, mas se excede nos meios de correção (animus corrigendi ou disciplinandi), ao passo que, na tortura, o agente age motivado por ódio. Para a distinção de ambos, faz-se necessário uma análise quanto aos elementos normativos e subjetivos desses delitos.

f) A ação penal é pública incondicionada.g) Será infração penal de menor potencial ofensi-

vo na sua forma simples (caput), ainda que incida a causa de aumento de pena prevista no § 3º (Leis nos

9.099/1995 e 10.259/2001). Admite-se a suspensão condicional do processo tanto na modalidade simples desse delito quanto na qualificada prevista no § 1º do art. 136 (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

DA RIXA

Art. 137. Participar de rixa, salvo para separar os contendores:Pena – detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.Parágrafo único. Se ocorrer morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato da participação na rixa, a pena de deten-ção, de seis meses a dois anos.

O crime de rixa consiste uma luta desordenada entre três ou mais pessoas, de modo que não se consiga identificar dois grupos distintos. Nesse caso, todos os envolvidos respondem pela simples participação na rixa. Caso seja possível identificar dois grupos contrários, lutando entre si, cada um responderá pelas lesões corporais causadas nos integrantes do outro grupo.

O objeto jurídico tutelado é a vida e saúde das pessoas e, de forma mediata, a ordem social. Os su-jeitos ativo e passivo podem ser qualquer pessoa. Trata-se de crime de concurso necessário, exigin-do-se a participação de, pelo menos, três pessoas (ainda que menores de idade). É classificado pela doutrina como crime de condutas contrapostas, uma vez que os envolvidos atuam uns contra os outros. Assim, são, ao mesmo tempo, sujeitos ativos e passivos do delito.

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Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “participar de rixa”.

Pouco importa o momento em que o agente participa da rixa. Essa participação pode ser material (a pes-soa realmente toma parte da luta – exemplo: desferir socos ou chutes) ou moral (estimula os outros a participarem da rixa). Nesse último caso, ele deverá ser, no mínimo, a quarta pessoa, já que o art. 137 exige, para a configuração da rixa, a presença de pelo menos três pessoas.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de participar da rixa. Caso a intenção do agente seja de separar os contendores, não responderá por esse crime. Inexiste a modali-dade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação se dá com a efetiva troca de agres-

sões. Não se exige contato físico, entretanto, pode ocorrer o delito de rixa com o arremesso de objetos.

A tentativa, de regra, não é admitida, pois ou a rixa se inicia e o crime se consuma ou ela não se inicia, e, nesse caso, não haverá crime de rixa. Contudo, a doutrina admite a tentativa no caso da rixa preor‑denada ou ex proposito. Exemplo: os contendores marcam a briga para determinado dia e local, mas, chegando ao local marcado e armados de pedras e paus, são impedidos pela polícia de iniciar o tumulto.

Observaçõesa) A rixa pode surgir:I) de forma preordenada, ou ex proposito (rixa

planejada – exemplo: os rixosos combinam de se encontrar) ou II) de improviso, ou ex improviso (surge de forma inesperada).

b) A rixa pode ser simples (prevista no caput do art. 137) ou qualificada (prevista no parágrafo único). De acordo com esse parágrafo, se ocorrer morte ou lesão corporal de natureza grave, aplica-se, pelo fato de participação na rixa, a pena de deten-ção de seis meses a dois anos. Pouco importa se os resultados (morte ou lesão corporal de natureza grave) foram desejados pelo agente ou ocorre-ram culposamente. Somente será aplicada essa qualificadora se a morte ou lesão corporal grave chegarem a se consumar. Note que os contendo-res responderão por rixa qualificada pela simples participação na rixa, independentemente de serem eles ou não os responsáveis pela morte ou lesão corporal grave (para a doutrina, é um dos últimos resquícios da responsabilidade penal objetiva). Até mesmo a vítima das lesões graves responderá por rixa qualificada. Identificado o autor do resultado agravador, ele responderá por rixa qualificada em concurso material com o crime de lesões corporais de natureza grave ou homicídio, enquanto os demais responderão por rixa qualificada. Havendo mais de uma morte, ainda assim, haverá crime único de rixa qualificada, devendo tal circunstância ser levada em consideração quando da fixação da pena-base pelo juiz (art. 59 do CP).

c) Existe entendimento minoritário na doutrina de que o autor do homicídio ou lesão corporal gra-ve deveria responder por rixa simples em concurso

material com o homicídio ou lesão grave, pois puni-lo pela rixa qualificada constituiria bis in idem.

d) Caso o contendor entre na rixa depois de já produzida a morte ou lesão corporal de natureza grave não poderá ser responsabilizado por rixa qualificada. No entanto, caso o agente esteja partici-pando da rixa e saia da contenda antes da ocorrência do resultado morte ou lesão corporal grave, ainda assim responderá por rixa qualificada, pois o seu comportamento anterior contribuiu para a produção do resultado.

e) Caso a rixa seja cometida por meio de vias de fatos (empurrões, tapas), os envolvidos responderão apenas por rixa, ficando as vias de fato absorvidas. Já se da rixa resulta lesão corporal leve, aquele que tiver praticado tais lesões responderá por rixa simples e lesão corporal de natureza leve. Os outros envolvidos responderão apenas por rixa simples.

f) A rixa não se confunde com os crimes multitu-dinários. Nesses, a conduta dos agentes convergem em uma mesma direção, buscando alcançar deter-minado fim. As condutas são paralelas. Exemplo: várias pessoas buscando linchar um terceiro. Já na rixa, as condutas são contrapostas, ou seja, os en-volvidos agem uns contra os outros.

g) O crime de rixa pode ocorrer na modalidade comissiva (pressupõe uma conduta positiva por parte dos rixosos) ou omissiva. No entanto, essa última só ocorrerá quando o omitente gozar do status de garantidor.

h) A rixa simulada (aquela em que os envolvidos apenas simulam a rixa), de acordo com a doutrina majoritária, não constitui crime.

i) Como a rixa é um ato antijurídico, não há que se falar em legítima defesa, com o intuito de se afastar a responsabilização por esse delito. No entanto, será possível falar-se em legítima defesa quando ocorre uma mudança nos meios em que era travada a rixa. Exemplo: os contendores estavam se agredindo com socos, pontapés, quando, de repente, um deles saca um revólver para atirar em outro. Nesse caso, esse último poderá agir em legítima defesa, podendo, até mesmo, chegar a produzir o resultado morte do primeiro rixoso. Nessa hipótese, não responderá pelo homicídio (legítima defesa), respondendo apenas por rixa qualificada pelo resultado morte.

j) A ação penal é pública incondicionada.k) Trata-se de infração penal de menor poten-

cial ofensivo, tanto em sua forma simples, quanto nas formas qualificadas (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admite-se a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

CRIMES CONTRA A HONRA

A honra é um bem constitucionalmente protegido, nos termos do art. 5º, X, da CF/1988:

Art. 5º [...] X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente da sua violação.

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A honra se classifica em subjetiva e objetiva. A pri-meira consiste no sentimento que cada um de nós tem a respeito de nossos atributos físicos, morais, intelectuais etc., ou seja, aquilo que a pessoa pensa de si mesma. Ela se subdivide em honra-dignidade (conjunto de atributos morais do cidadão) e honra-de-coro (conjunto de atributos físicos e intelectuais). Já a honra objetiva diz respeito àquilo que os outros pensam a respeito do cidadão, no tocante a seus atributos físicos, morais, intelectuais etc. A honra pode ser ainda comum (refere-se à pessoa comum, independentemente de suas atividades) ou especial, também chamada profissional (refere-se à atividade de cada profissional). Importante ressaltar que a honra é bem jurídico disponível.

Os crimes contra a honra são definidos pela dou-trina como crimes formais, bastando que o agente aja com o dolo de ofender a honra alheia. Não importa se há a efetiva causação de dano à reputação do ofendido. A legislação penal comum (CP) somente será aplicada se não ocorrer nenhuma das hipóteses previstas em lei especial.

Nos termos do art. 53 da Constituição Federal, “os deputados e senadores são invioláveis, civil e penal-mente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Trata-se da chamada imunidade material ou absoluta que garante aos parlamentares, na defesa de seu mandato, exprimir livremente suas palavras, opiniões e votos sem sofrer qualquer tipo de repri-menda penal ou civil. Essa imunidade, entretanto, não existirá quando o deputado ou senador ofender a honra das pessoas sem qualquer ligação com a defesa do mandato. Os parlamentares também possuem a chamada imunidade formal, relativa ou processual, prevista nos §§ 3º e 4º do art. 53 da CF/1988. Finalmente, os vereadores, nos termos do disposto no art. 29, VIII, da Carta Política, possuem apenas a imunidade material ou absoluta, desde que a ofensa seja cometida no exercício do mandato e na circunscrição do município.

CALÚNIA

Art. 138. Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.§ 1º Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.§ 2º É punível a calúnia contra os mortos.

Exceção da Verdade

§ 3º Admite-se a prova da verdade, salvo:I – se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível;II – se o fato é imputado a qualquer das pes-soas indicadas no nº I do art. 141;III – se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível.

O objeto jurídico tutelado é a honra objetiva. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime co-mum). O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, mesmo aqueles que gozem de má fama. Também os mortos podem ser caluniados (art. 138, § 2º, do CP), mas os seus parentes é que serão o sujeito passivo do delito.

De acordo com a doutrina mais tradicional, a pes-soa jurídica não pode ser sujeito passivo do crime de calúnia, uma vez que não pode delinquir. Apesar desse entendimento, vem predominando a tese de que, como advento da Lei nº 9.605/1998, que permite a responsabilização penal das pessoas jurídicas em se tratando de atividades consideradas lesivas ao meio ambiente, assim, a pessoa jurídica poderia ser sujeito passivo do crime de calúnia. É essa a posição de Greco (2005, p. 491):

[...] Alguém, por exemplo, que divulgue uma notícia falsa, no sentido de que determinada pessoa jurídica está poluindo o meio ambiente em proporções tais que possa resultar danos à saúde humana, poderá ser responsabiliza-do pelo delito de calúnia, uma vez que esse fato está descrito no art. 54 da Lei Ambiental como crime.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “caluniar alguém”,

ou seja, imputar-lhe falsamente um fato definido como crime, atribuindo-lhe a responsabilidade pelo cometimento de fato. São, portanto, três os requisitos para que se possa configurar o crime de calúnia:

a) imputação de um fato;b) fato definido como crime;c) falsidade do fato imputado.

A imputação de um fato definido como contraven-ção penal (Decreto-Lei nº 3.688/1941) não constitui calúnia, mas poderá configurar difamação. O fato imputado deve ser concreto, não se exigindo, en-tretanto, a sua descrição pormenorizada. Exemplo: dizer falsamente que João matou Pedro, pois este não pagou o dinheiro devido ao primeiro. No entanto, dizer apenas que João é assassino configura crime de injúria (atribuir qualidade negativa) e não calúnia. Atribuir falsamente a alguém a prática de um fato atípico não constitui crime de calúnia, mas poderá configurar outro crime contra a honra.

Exige-se, ainda, que a imputação de um fato definido como crime seja falsa. A expressão “falsa-mente” constitui elemento normativo do tipo. Caso o fato imputado ao agente seja verdadeiro, não haverá o delito de calúnia. A falsidade pode recair sobre o fato (fato nunca ocorreu) ou sobre a autoria (o fato ocorreu, mas não foi o agente que o praticou). O sujeito ativo ao imputar o fato deve ter consciência da sua falsidade, caso contrário, haverá erro de tipo (art. 20 do CP).

Nos termos do § 1º do art. 138 do CP, na mesma pena incorre quem, sabendo ser falsa a imputação, a propala ou divulga. A conduta típica consiste em propalar ou divulgar. Propalar seria a divulgação ver-bal, enquanto divulgara abrange relatar por qualquer

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meio. Esse subtipo se consuma com a divulgação a uma única pessoa. Se a falsa imputação for divul-gada para um número indeterminado de pessoas, poderá incidir causa de aumento de pena prevista no art. 141, III, do CP.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo de dano, consistente na vontade livre e consciente de ofender a honra do sujeito passivo. O dolo pode ser direto ou eventual, na figura descrita no caput, e apenas direto, na figura descrita no § 1º. Inexiste a modali-dade culposa para o crime de calúnia.

Consumação e TentativaA consumação ocorre quando a imputação chega

aos conhecimentos de uma terceira pessoa, que não o próprio ofendido. Isso ocorre quando a calú-nia ofende a honra objetiva da pessoa. Admite-se a tentativa quando a ofensa for irrogada por escrito. A calúnia verbal não admite tentativa por se tratar de crime unissubsistente (perfaz-se em um único ato). Nesse caso, ou o agente profere a ofensa e o crime se consuma ou não a faz e, nessa hipótese, não haverá crime.

Observaçõesa) O Supremo Tribunal Federal entendeu que

o conjunto de dispositivos da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250/1967) não foi recepcionado pela Consti-tuição Federal. Com isso, qualquer crime contra a honra praticado por meio da imprensa, deve-se aplicar as disposições constantes do Código Penal e da legislação extravagante.

b) O art. 138, § 3º, trata da exceção da verdade, cujo procedimento encontra-se previsto no art. 523 do Código de Processo Penal. A lei penal admite, em regra, que o agente acusado de calúnia prove a veracidade do fato, afastando, assim, o delito em análise, salvo nos casos descritos no § 3º do art. 138 do CP:

I) se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condena‑do por sentença irrecorrível: o intuito desse dispositivo foi impedir que o autor do delito de calúnia viesse em juízo dar publicidade ao crime de ação privada, desrespeitando a von-tade da vítima que preferiu não movimentar a ação. A proibição de utilização da exceção da verdade cessa no momento em que o ofendido for condenado por sentença penal irrecorrível pelo crime a ele imputado;II) se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141: justi-fica-se essa proibição em razão do cargo ou função pública que eles ocupam, evitando-se, assim, expô-las ao vexame. Note que, nesse caso, é possível que o agente responda pelo crime de calúnia, ainda que o fato por ele imputado como criminoso seja verdadeiro, já que não se admite a exceção da verdade;III) se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível: se o caluniado já foi absolvido, por sentença irrecorrível, do crime

a ele imputado, não se admite a exceção da verdade, em respeito aos efeitos da coisa julgada.

c) A exceção da verdade oposta contra quere-lantes (vítima da calúnia) dotados de foro especial deve ser julgada pelo foro competente para o seu julgamento. Exemplo: “A” afirma que “B”, senador, mandou matar determinada pessoa. “B” entra com ação penal privada contra “A” por crime de calúnia. Caso “A” deseje opor exceção da verdade, deverá ela ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal, foro competente para julgar os senadores. A admissibili-dade e instrução da exceção da verdade, de acordo com o entendimento do STF e STJ, será feita pelo juízo de primeiro grau, cabendo ao foro especial apenas o julgamento dessa exceção. Diferentemente do que ocorre na calúnia, a exceção da verdade nos crimes de difamação contra querelante que detenha foro por prerrogativa de função, conforme posição do STF, será julgada pelo próprio juiz do processo de conhecimento.

d) Caso as afirmações do réu do crime de calúnia ou difamação sejam de domínio público, não há que se falar nesses delitos (exceção de notoriedade).

e) O crime de calúnia (art. 138) não se confunde com o de denunciação caluniosa (art. 339, pois neste o agente não só atribui a alguém, falsamente, a prática de um crime, como também leva tal fato ao conhecimento das autoridades, causando a instau-ração de inquérito policial ou ação penal.

f) O Superior Tribunal de Justiça entende que a testemunha ao prestar depoimento sob compro-misso, narra fatos relativos à causa, atribuindo a terceiros fatos criminosos, não comete crime contra a honra, mas sim crime de falso testemunho (art. 342 do CP).

g) Calúnia também não se confunde com difa-mação e injúria. Na difamação, o fato imputado não é criminoso, e sim ofensivo à reputação do agente (honra objetiva). Para a configuração do crime de difamação pouco importa se o fato imputado é ou não falso. Por fim, na injúria, o agente atribui a outrem uma qualidade negativa (ofende-se a honra subjetiva da pessoa). A injúria se consuma quando a própria vítima toma conhecimento da imputação.

DIfAMAÇÃO

Art. 139. Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

Exceção da Verdade

Parágrafo único. A exceção da verdade so-mente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções.

O objeto jurídico tutelado é a honra objetiva das pessoas (reputação). O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), inclusive aquele

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que divulga a difamação. O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, desde que determinada. Os inimputáveis (menores de idade, doentes men-tais etc.) podem ser sujeito passivo do delito de difamação, se tiverem capacidade suficiente para compreenderem que estão sendo ofendidos em sua honra. Segundo doutrina majoritária, também a pessoa jurídica pode ser sujeito passivo do crime de difamação, pois a sua reputação pode ser atacada por fatos desabonadores.

A lei penal não prevê a difamação contra a me-mória dos mortos, o fato, assim, será atípico.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “difamar alguém”.

Imputar a outrem fatos que são ofensivos a sua honra objetiva (reputação), que se traduz na ideia que terceiras pessoas têm do indivíduo. O intuito do legislador foi evitar que as pessoas façam comen-tários desabonadores umas das outras. Esse é o motivo porque, em regra, não se admite a exceção da verdade no crime de difamação (art. 139, parágrafo único, do CP). Caso o fato imputado seja criminoso, o crime será o de calúnia. Atribuir a alguém um fato definido como contravenção penal configura crime de difamação. Para a doutrina, aquele que propala ou divulga a difamação comete nova difamação.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo de dano (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de atribuir a alguém um fato ofensivo a sua reputação. Não importa se o fato imputado é verdadeiro ou falso. Exige-se, ainda, um especial fim de agir (elemento subjetivo especial do tipo), consistente na vontade de denegrir a reputação de alguém. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação se dá quando um terceiro, que

não a vítima, toma conhecimento do fato ofensivo à reputação (honra objetiva) de alguém. Admite-se a tentativa quando a ofensa for realizada por escrito.

ObservaçãoNos termos do parágrafo único do art. 139,

admite-se a exceção da verdade somente quando o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativa ao exercício de suas funções. Esta possibilidade justifica-se pelo interesse público de se fiscalizar a conduta moral daquele que ocupa um cargo ou função pública. O fato difamatório deve guardar relação com o exercício do cargo público. Exemplo: dizer que determinado funcionário público frequenta casas de prostituição não se refere ao exercício de sua função, não cabendo, portanto, exceção da verdade nessa hipótese.

INjÚRIA

Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.§ 1º O juiz pode deixar de aplicar a pena:

I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.§ 2º Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência.§ 3º Se a injúria consiste na utilização de ele-mentos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:Pena – reclusão de um a três anos e multa.

O objeto jurídico tutelado é a honra subjetiva, ou seja, aquilo que cada um de nós pensa, sobre si mesmo. Difere, portanto, da calúnia e da difamação que tutelam a honra objetiva do indivíduo. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, desde que capaz de compreender o conteúdo da expressão ultrajante. A pessoa jurídica não pode ser sujeito passivo, já que não possui honra subjetiva. Os inimputáveis (menores, doentes mentais) podem ser sujeito passivo do delito de injúria, desde que tenham capacidade de compreender o conteúdo ofensivo das palavras. A lei penal não prevê a injúria contra os mortos, sendo, portanto, fato atípico.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “injuriar alguém”. Em

outras palavras, consiste em atribuir uma qualidade negativa ao agente. Exemplo: dizer que João é um ladrão. Difere, assim, da difamação que consiste em atribuir a alguém um fato ofensivo a sua reputação. Na injúria, pouco importa se a qualidade negativa atribuída ao agente é ou não verdadeira. Eventu-almente, a injúria pode consistir em atribuir-se um fato a alguém, desde que essa imputação seja vaga e imprecisa.

A doutrina classifica a injúria em:I) imediata: aquela que é cometida pelo próprio

agente; II) mediata: ocorre quando o agente se uti-liza de um terceiro para praticar o crime de injúria; III) direta: a ofensa é dirigida ao próprio ofendido; IV) oblíqua: a ofensa se dirige contra alguém que o ofendido estima; V) indireta ou reflexa: ocorre quando o agente, ao ofender determinada pessoa, também ofende a honra subjetiva de um terceiro; VI) explícita ou inequívoca: o agente se utiliza de expressões que não deixam dúvidas quanto à sua conotação; VII) equívoca: o agente se utiliza de palavras ou expressões ambíguas.

O elemento subjetivo é o dolo (direto ou eventual) de dano, consistente na vontade livre e consciente de atribuir uma qualidade negativa a alguém, ofendendo sua honra subjetiva. Exige-se, ainda, um especial fim de agir (elemento subjetivo especial do tipo), consistente na vontade de denegrir a imagem da pessoa. Inexiste modalidade culposa.

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Consumação e TentativaA consumação ocorre quando a vítima toma

conhecimento da imputação que ofende sua honra subjetiva, sendo desnecessário o conhecimento por parte de terceiras pessoas. Pouco importa se o ofendido se sente ou não lesado em sua honra sub-jetiva, bastando que o ato tenha capacidade ofensiva (crime formal). Também não se exige que a injúria seja praticada na presença do ofendido. Admite-se a tentativa quando a ofensa for feita por escrito.

Observaçõesa) A exceção da verdade encontra-se totalmente

vedada.b) O crime de injúria contra funcionário público

não se confunde com o de desacato, pois enquanto o primeiro pode ser cometido na ausência do fun-cionário público, o crime de desacato deve, neces-sariamente, ser cometido na presença dele.

c) A injúria pode ocorrer nas modalidades:I) simples: prevista no caput do art. 140 do CP; II)

majorada: prevista no art. 141 do CP (será estudada mais adiante nas disposições comuns aos crimes contra a honra); e III) qualificada: é a injuria real (§ 2º do art. 140) e a injúria qualificada por preconceito de raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência (§ 3º do art. 140).

Injúria Real: é aquela em que o agente, para ofender a vítima, utiliza-se de violência com o fim de humilhar a pessoa ou vias de fato. O dolo do agente é de causar vergonha na vítima, desonrá-la. A injúria real absorve as vias de fato, ou seja, o agente que dá um tapa no rosto da vítima para humilhá-la res-ponderá apenas por injúria real. No entanto, caso a injúria real seja cometida com emprego de violência, haverá concurso de crimes (o agente responderá pela injúria real e lesão corporal, aplicando-se cumu-lativamente as penas).

Injúria Qualificada por Preconceito de Raça, Cor, Etnia, Religião, Origem ou a Condição de Pessoa Idosa ou Portadora de Deficiência: en-contra-se prevista no § 3º do art. 140 do CP. Ocorre quando o agente, ao cometer a injúria, utiliza-se de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Não se confunde com os crimes descritos na Lei nº 7.716/1989 (crimes resultan-tes de preconceito de cor, raça, etnia, religião ou preconceito nacional) Exemplo: impedir pessoa de determinada cor de entrar em um estabelecimento comercial. Assim, xingamentos que envolvam cor, raça, etnia, religião ou origem constituem crime de injúria qualificada e não racismo. Exemplo: chamar alguém de “preto”. A Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) introduziu, na injúria qualificada, a expressa “condição de pessoa idosa ou portadora de deficiên-cia”. Pessoa idosa, nos termos dessa lei, é a maior de 60 anos de idade. Para a configuração desse crime, é necessário que a injúria diga respeito à condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Exemplo: dizer para um estrábico que ele é um zarolho. Nessa figura do § 3º, o agente deve ter dolo de injuriar mais

o elemento subjetivo do tipo (especial fim de agir), consistente na vontade de discriminar o ofendido. Com a Lei nº 12.033, a redação do parágrafo único do art. 145 do CP foi alterada, estabelecendo que esse crime será de ação penal pública condicionada à representação.

d) Perdão judicial: o Código Penal, em seu art. 140, § 1º, prevê dois casos de perdão judicial (causa extintiva da punibilidade). Nos termos desse dispositivo, o juiz pode deixar de aplicar a pena:

I) quando ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria: essa primeira hi-pótese ocorre quando a vítima provocou, de maneira reprovável, a injúria.

II) no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria: aqui, há uma provocação (que consiste em uma injúria) e é retorquida (revidada) por outra injúria. Para que haja a aplicação do perdão judicial, essa retorsão deve ser imediata. Exige-se, assim, que as partes estejam presentes face a face.

DISPOSIÇõES COMUNS AOS CRIMES CONTRA A HONRA (ARTS. 141 A 145)

Art. 141. As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:I – contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro;II – contra funcionário público, em razão de suas funções;III – na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria.Parágrafo único. Se o crime é cometido me-diante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro.

Exclusão do Crime

Art. 142. Não constituem injúria ou difamação punível:I – a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;II – a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar;III – o conceito desfavorável emitido por fun-cionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício.Parágrafo único. Nos casos dos nos I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade.

Retratação

Art. 143. O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difa-mação, fica isento de pena.Art. 144. Se, de referências, alusões ou fra-ses, se infere calúnia, difamação ou injúria,

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quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, res-ponde pela ofensa.Art. 145. Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal.Parágrafo único. Procede-se mediante requisi-ção do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3º do art. 140 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 12.033, de 2009)

formas Majoradas dos Crimes contra a Honra (art. 141)

Nos termos do art. 141 do CP, os crimes contra a honra (calúnia, injúria e difamação) terão as penas aumentadas de um terço (nas hipóteses previstas nos incisos I, II, III e IV) ou da metade (no caso do parágrafo único) quando cometidos:

a) contra o Presidente da República, ou con‑tra Chefe de Governo Estrangeiro: aumenta-se a pena em razão do cargo de representante supremo da Nação que o ofendido ocupa ou por razões diplo-máticas. Busca-se, com isso, evitar que tais ofensas maculem a vida política do governante, afetando as diretrizes políticas da nação ou repercutindo nega-tivamente sobre determinada nação estrangeira. A expressão “chefe de governo estrangeiro” abran-ge tanto o chefe de Estado (Presidente) quanto o chefe de governo (Primeiro-Ministro, Presidente de Conselho etc.). Importante ressaltar que a calúnia ou difamação cometida com motivação política, atentatória à segurança nacional, contra o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do STF constitui crime contra a Segu-rança Nacional (Lei nº 7.170/1983);

b) contra funcionário Público, em razão de suas funções: busca-se proteger a moralidade e dignidade da função pública. A ofensa deve se rela-cionar ao exercício do cargo. Exemplo: afirmar que determinado funcionário público cometeu peculato. Não se aplica a causa de aumento se a vítima já não é mais funcionário público;

c) na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da di‑famação ou da injúria: o aumento da pena, nesse caso, decorre da maior facilidade de divulgação ou circulação da ofensa. “Várias pessoas”, segundo a doutrina, pressupõem, no mínimo, três pessoas, fora o ofendido, ofensor e eventual coautor ou partícipe. Só incidirá essa majorante se o ofensor tiver conhe-cimento da presença de várias pessoas. Também incidirá o aumento de pena se a calúnia, difamação ou injúria for cometida por qualquer meio que facilite sua divulgação (exemplos: alto-falante, pichações em muros);

d) contra pessoa maior de 60 anos ou portado‑ra de deficiência, exceto no caso de injúria: não se aplica no caso da injúria, pois se esta for come-tida contra pessoa maior de 60 anos ou portadora

de deficiência, o crime será de injúria qualificada (preconceituosa), prevista no § 3º do art. 140 do CP. O agente deve conhecer idade da vítima ou condição de deficiência, pois, do contrário, poderia se alegar erro de tipo;

e) se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa: trata-se de motivo torpe, sendo a pena aplicada em dobro. Na paga, o recebimento do dinheiro antecede a prática do crime, diferentemente da promessa de recompensa, em que esse recebimento é posterior.

Causas Especiais de Exclusão da Antijuridi‑cidade (art. 142)

Apesar da divergência doutrinária quanto à natu-reza jurídica dos incisos do art. 142 do CP, predomina o entendimento de que se trata de causas especiais de exclusão da antijuridicidade. Assim, não consti-tuem injúria ou difamação punível:

a) a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador: esse primeiro inciso trata da chamada imunidade judiciá-ria, como forma de se permitir a discussão da causa. Assim, as ofensas apesar de típicas, não podem ser consideradas antijurídicas. Importante ressaltar que o art. 7º, § 2º, da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB) estabelece que

o advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares junto a OAB pelos excessos que cometer.

O STF, por meio de Ação Direta de Inconstitu-cionalidade (ADIn nº 1.127-8), suspendeu a eficácia da expressão “ou desacato” contida no art. 7º, § 2º, do Estatuto da OAB. Portanto, para que haja a imunidade judiciária são necessários os seguintes requisitos: I) que a ofensa tenha sido feita em juízo, ou seja, na discussão da causa; II) que essa ofensa tenha relação com a discussão da causa; III) que a ofensa tenha sido proferida pela parte ou por seu procurador;

b) a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar: o Código Penal autorizou a crítica literária, artística ou científica, ainda que em tons severos. Aquele que expõe sua obra ao público está sujeito a críticas. Entretanto, se for inequívoca a intenção de injuriar ou difamar, não terá aplicação essa excludente;

c) o conceito desfavorável emitido por fun‑cionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento de dever do ofício: o funcionário público, que age em benefício da Admi-nistração Pública, é obrigado a fazer relatos, prestar informações que, por vezes, ofendam a honra objeti-va ou subjetiva das pessoas, e por estar no exercício das suas atribuições, não poderá ser punido.

RetrataçãoNos termos do art. 143 do CP, “o querelado que,

antes da sentença, se retrata cabalmente da calú-

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nia ou da difamação, fica isento de pena”. Trata-se de causa de extinção da punibilidade, prevista no art. 107, VI, do CP. A retratação só se aplica na ca-lúnia e difamação, pois apenas nesses crimes há a imputação de um fato, havendo interesse da vítima que o agressor declare que suas alegações não são verdadeiras.

A retratação só é cabível até a sentença, ou seja, até a sua publicação. Caso a retratação seja feita após a sentença já ter sido publicada, não fi-cará o réu isento de pena, mas poderá incidir uma atenuante genérica prevista no art. 65, III, b, do CP. A retratação deve abranger todas as imputações feitas pelo agressor.

Finalmente, de acordo com o STJ, tendo em vista que o art. 143 do CP se utilizou da expressão “que-relado”, a retratação só será permitida nos crimes de ação penal privada. Logo, não caberá retratação quando a calúnia ou difamação for feita nos casos previstos nos incisos I e II do art. 141 (contra o Pre-sidente da República ou chefe de governo estran-geiro e contra funcionário público em razão de suas funções), pois, nessa hipótese, a ação será pública (condicionada à requisição e à representação, res-pectivamente).

Pedido de ExplicaçõesO pedido de explicações, previsto no art. 144 do

Código Penal, trata-se de uma medida facultativa, anterior ao início da ação privada, que permite que aquele que se sinta ofendido em sua honra, peça, em juízo, explicações para esclarecer qual foi a verdadeira intenção do agente ao proferir tais pala-vras. Geralmente ocorre quando o agente se vale de expressões dúbias, veladas, ambíguas.

Caso o suposto agressor se recuse a dar explica-ções ou não as dê de modo satisfatório, responderá pela ofensa. Isso não significa que será obrigatoria-mente condenado pelo crime contra a honra, mas que será processado por esse crime (ou seja, a recu-sa em prestar as explicações tem influência sobre o recebimento ou rejeição da denúncia ou queixa nos crimes contra a honra). A lei penal não fixa prazo para o pedido de explicações, no entanto, tendo em vista que o prazo decadencial da ação penal privada e da pública condicionada à representação é de seis meses contados do conhecimento da autoria, o pe-dido de explicações deverá ser feito dentro desse prazo. O juiz que conhecer o pedido de explicações fica prevento para conhecer eventual e futura ação penal por crime contra a honra.

Ação PenalComo regra geral, nos crimes contra a honra,

a ação penal é de iniciativa privada. Entretanto, quatro exceções podem ser apontadas:

a) a ação penal será pública condicionada à requisição do Ministro da Justiça quando o crime contra a honra for cometido contra o Presidente da República ou chefe de governo estrangeiro;

b) a ação penal será pública condicionada à representação da vítima ou do seu representante legal quando o crime contra a honra for cometido contra funcionário público em razão de suas funções. Importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal

também admite, nessa hipótese, a ação penal priva-da (Súmula nº 714 do STF);

c) a ação penal será pública incondicionada no crime de injúria real (art. 140, § 2º) quando da vio-lência resultar lesão corporal. No entanto, é preciso fazer algumas distinções. Considerando que a Lei nº 9.099/1995 (Juizado Especial) estabeleceu que os crimes de lesão corporal leve e culposa serão de ação penal pública condicionada à representação, o crime de injúria real só será de ação penal pública incondicionada caso, da violência, resulte lesão cor-poral grave e gravíssima. Caso resulte lesão corporal leve, a ação penal será pública condicionada. Final-mente, se a injúria real for cometida com o emprego de vias de fato, a ação penal será privada, seguindo a regra geral prevista no caput do art. 145 do CP;

d) após a Lei nº 12.033/2009 que alterou o pa-rágrafo único do art. 145 do CP, o crime de injúria qualificada passou a ser de ação penal pública condicionada à representação.

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE INDIVIDUAL

O Código Penal, neste capítulo, define os crimes contra a liberdade individual. Protege-se a liberda-de dos seres humanos de praticarem condutas de acordo com sua própria vontade.Seção I – Dos crimes contra a liberdade pessoal;Seção II – Dos crimes contra a inviolabilidade do domicílio;Seção III – Dos crimes contra a inviolabilidade de correspondência;Seção IV – Dos crimes contra a inviolabilidade dos segredos.

DOS CRIMES CONTRA A LIBERDADE PESSOAL

Constrangimento Ilegal

Art. 146. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a ca-pacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Aumento de Pena

§ 1º As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.§ 2º Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.§ 3º Não se compreendem na disposição deste artigo:I – a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu re-presentante legal, se justificada por iminente perigo de vida;II – a coação exercida para impedir suicídio.

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O objeto jurídico tutelado é a liberdade física e psíquica da pessoa, consistente na sua liberdade de autodeterminação, constitucionalmente tutelada (art. 5º, II, da CF/1988). O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Caso se trate de funcionário público no exercício de suas funções, o crime será outro (violência arbitrária – art. 322 – , exercício arbitrário ou abuso de puder – art. 350 – , ou abuso de autoridade – Lei nº 4.898/1965). O su-jeito passivo também pode ser qualquer pessoa, desde que possua alguma capacidade de autode-terminação. Excluem-se, assim, os doentes mentais, os completamente embriagados, os menores de idade etc. Importante ressaltar que a conduta de atentar contra a liberdade pessoal do Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos De-putados, do Supremo Tribunal Federal constitui crime contra a Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983).

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em constranger (forçar,

obrigar) alguém, mediante violência, grave ameaça ou qualquer outro meio que possa reduzir sua ca-pacidade de resistência, a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Esse delito admite três meios de execução:

I) mediante violência (emprego de força física). Pode ser direta (violência dirigida contra a própria ví-tima) ou indireta (violência empregada sobre terceira pessoa ou coisa a que a vítima esteja de tal forma vinculada, capaz de tolher sua liberdade de ação);

II) mediante grave ameaça (violência moral). O mal prometido deve ser relevante, grave, iminente e inevitável;

III) qualquer outro meio capaz de reduzir a capacidade de resistência da vítima (hipnose, bebida, drogas etc.). A vítima é coagida a fazer o que a lei não manda ou não fazer o que ela permite. A coação deve ser ilegítima, ou seja, o agente não pode ter direito de exigir que a vítima faça ou deixe de fazer algo. Caso a pretensão do agente seja legítima, o crime será o de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP).

O elemento subjetivo é o dolo (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de cons-tranger a vítima a fazer ou deixar de fazer alguma coisa. Exige-se que o agente saiba que não está autorizado pela lei a exigir determinado compor-tamento por parte da vítima. Do contrário, poderá ocorrer o erro de tipo (art. 20 do CP). Necessário, ainda, a presença do especial fim de agir (elemento subjetivo especial do tipo), consistente na vontade de que a vítima faça ou deixe de fazer alguma coisa, sob pena do crime ser outro (exemplos: ameaça, le-são corporal). Não se admite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação se dá quando o agente faz ou

deixa de fazer a coisa a que foi obrigado (crime material). Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) O constrangimento ilegal é crime expressa-

mente subsidiário, ou seja, só existe enquanto não

for praticado crime mais grave como, por exemplo, roubo, extorsão, estupro.

b) Caso a violência ou grave ameaça seja exerci-da para que a vítima pratique um crime mais grave, entende a doutrina que haveria concurso material (art. 69 do CP) entre o constrangimento ilegal e o crime efetivamente praticado. Exemplo: João é constrangido por Pedro a matar uma pessoa, sob pena de, não o fazendo, vir, ele mesmo, a ser morto. Nesse caso, apenas Pedro responderá (João agiu acobertado pela excludente da culpabilidade da coação moral irresistível, prevista no art. 22 do CP) pelos crimes de constrangimento ilegal e homicídio.

c) Nos termos do § 1º do art. 146, as penas aplicam-se cumulativamente e em dobro quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas (no mínimo quatro), ou há emprego de ar-mas. A palavra “armas” é usada no plural para indicar o gênero. Além disso, não incide essa majorante se a arma utilizada for de brinquedo, tendo em vista que a Súmula nº 174 do STJ foi cancelada em 24/10/2001.

d) Nos termos do § 2º do art. 146, apesar de a violência integrar o tipo do constrangimento ilegal, o legislador achou por bem puni-la separadamen-te. Segundo a doutrina, trata-se de uma hipótese de concurso material, pois, além das penas do constrangimento ilegal, serão aplicadas as penas correspondentes à lesão praticada, toda vez que, da violência empregada no constrangimento ilegal, resultarem lesões. Nas outras hipóteses em que o constrangimento ilegal for meio de execução para prática de outro crime, ficará por ele absorvido, ainda que a pena desse outro crime seja mais leve.

e) O art. 146, § 3º, do CP traz, segundo maioria da doutrina, duas causas de exclusão da antijuridici-dade. São elas: I) a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu repre-sentante legal, nos casos de iminente risco de vida (estado de necessidade em favor de terceiro); e II) a coação exercida para impedir o suicídio.

f) A ação penal é pública incondicionada. O crime de constrangimento ilegal é de competência dos Juizados Especiais Criminais (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Ameaça

Art. 147. Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.Parágrafo único. Somente se procede median-te representação.

O objeto jurídico tutelado é a liberdade psíquica. Predomina na doutrina o entendimento de que a ameaça ofende a liberdade das pessoas de auto-determinar-se segundo sua vontade. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Caso, en-tretanto, o delito seja cometido por funcionário públi-co, no exercício de suas funções, o crime poderá ser de abuso de autoridade (art. 3º da Lei nº 4.898/1965). O sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, desde

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que capaz de entender a ameaça e de sentir-se in-timidada. Ameaça contra o Presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Supremo Tribunal Federal constitui crime contra a Segurança Nacional (Lei nº 7.170/1983).

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “ameaçar alguém”,

ou seja, intimidá-la, seja por palavra, escrito, gesto ou qualquer outro meio simbólico. A ameaça por ser:

I) direta (dirigida contra a própria vítima);II) indireta (dirigida a uma terceira pessoa que

está ligada à vítima);III) explícita (feita de forma expressa);IV) implícita (feita de forma implícita. A vítima é

capaz de entender que sofrerá um mal);V) condicionada (o mal prometido depende de

algum acontecimento – exemplo: “se falar isso no-vamente, eu te mato”). O mal prometido pelo agente deve ser injusto, ou seja, não acobertado pela lei. Exemplo: dizer que vai bater em alguém. No entanto, se digo que vou protestar um título de crédito caso fulano não me pague, não respondo pelo crime de ameaça, pois o mal prometido é justo, já que constitui um direito do credor. Além disso, o mal prometido deve ser grave, capaz de intimidar o homem médio. Do contrário, ainda que a vítima se sinta atemoriza-da, não haverá o crime em tela.

O elemento subjetivo é o dolo (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de ameaçar alguém, intimidando-a. Não se exige que o agente queira concretizar o mal prometido, bastando a von-tade de ameaçar, com o intuito de intimidar a vítima (especial fim de agir ou elemento subjetivo especial do tipo). A doutrina e jurisprudência divergem quanto à exigência de ânimo calmo e refletido do agente para a configuração do crime de ameaça, ou se é necessário o estado de ira do agente.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que o

ofendido toma conhecimento da ameaça, indepen-dentemente de sentir-se intimidado ou não. Também não importa se o mal prometido concretiza-se ou não. Trata-se de crime formal. Admite-se a tentativa quando a ameaça for cometida por escrito.

Observaçõesa) De acordo com a maioria da doutrina, a ameaça

proferida em estado de embriaguez não exclui o delito. O que pode acontecer é que, caso a embriaguez seja completa proveniente de caso fortuito ou força maior, poderá ocorrer a exclusão da culpabilidade.

b) A ameaça é crime expressamente subsidiário, ou seja, só existe enquanto não for praticado crime mais grave, como, por exemplo, roubo, extorsão, estupro.

c) No crime de ameaça o agente visa apenas a intimidar a vítima, no constrangimento ilegal ele visa a que a vítima pratique um comportamento positivo ou negativo. Além disso, na ameaça, o mal prometido deve ser injusto e grave, enquanto no constrangi-mento ilegal basta que o mal prometido seja grave, nada impedindo que seja justo.

d) A ação penal é pública condicionada à repre-sentação. Nos termos das Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001, trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo.

Sequestro e Cárcere Privado

Art. 148. Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado:Pena – reclusão, de um a três anos.§ 1º A pena é de reclusão, de dois a cinco anos:I – se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos;II – se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;III – se a privação da liberdade dura mais de 15 (quinze) dias;IV – se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos;V – se o crime é praticado com fins libidinosos.§ 2º Se resulta à vítima, em razão de maus-tra-tos ou da natureza da detenção, grave sofri-mento físico ou moral:Pena – reclusão, de dois a oito anos.

O objeto jurídico tutelado é a liberdade pessoal ambulatorial, ou seja, de ir e vir do indivíduo. O su-jeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), porém sendo este funcionário público, no exercício de suas funções, o crime poderá ser outro (exemplos: art. 322 ou 350 do CP, ou abuso de autoridade – Lei nº 4.898/1965). O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “privar alguém de

sua liberdade de locomoção, mediante sequestro ou cárcere privado”. A doutrina diferencia essas duas últimas expressões. No sequestro existe uma maior liberdade ambulatorial por parte da vítima, tendo em vista que esta fica privada de sua liberdade em local aberto. Exemplo: manter uma pessoa presa em uma chácara ou fazenda. Já no cárcere privado, sua liber-dade ambulatorial é menor. Exemplo: manter uma pessoa presa em um banheiro ou quarto fechado. Dessa forma, sequestro seria o gênero e o cárcere privado seria a espécie. O sequestro ou cárcere privado pode se realizar por duas formas:

I) detenção: levar a vítima para outro local, impedindo-a de sair, ou

II) retenção: impedir que a vítima saia de casa, por exemplo.

O elemento subjetivo é o dolo (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de privar a vítima de sua liberdade de locomoção. Não se exige qualquer intenção específica, mas se o intuito do agente for o de receber resgate, o crime será o de extorsão mediante sequestro (art. 159 do CP). Após o advento da Lei nº 11.106/2005, havendo fim libidinoso, restará configurada a forma qualificada do sequestro ou cárcere privado. Não se admite a modalidade culposa.

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Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva privação

da liberdade da vítima por um tempo juridicamente relevante (crime material). Trata-se, ainda, de crime permanente, cuja consumação perdura enquanto a vítima estiver privada de sua liberdade de locomo-ção. Nos termos do art. 303 do CPP, admite-se a prisão em flagrante enquanto durar a situação de permanência. Discute-se na doutrina qual deve ser a duração da privação da liberdade para que o crime de sequestro reste configurado, predominando o entendimento de que a privação da liberdade deve se dar por um tempo razoável.

Imagine-se a hipótese daquele que, querendo praticar o crime de sequestro, segura a vítima pelo braço, impedindo-a de se locomover. Ato contínuo, alguém percebe o comportamento delitivo do agente e o prende em flagrante delito. Nesse caso, o crime de sequestro estaria consumado pelo fato de o agen-te ter impedido, por alguns segundos, a liberdade ambulatorial da vítima? Acreditamos que a resposta pela tentativa seria melhor. Isso porque, para que possa restar consumado o sequestro, faz-se mister que a privação da liberdade seja por um tempo ra-zoável. Poucos segundos, de acordo com o nosso entendimento, não têm o condão de consumar a in-fração penal. Tratando-se de crime material, e tendo em vista que o inter criminis pode ser perfeitamente fracionado, a tentativa é admissível.

Observaçõesa) Tendo em vista que a liberdade de locomoção

é um bem disponível, havendo o consentimento da vítima, não há que se falar no crime de sequestro ou cárcere privado. Também não haverá o crime se a privação da liberdade ocorrer nos casos permitidos por lei. Exemplos: prisão em flagrante, isolamento de doentes contagiosos.

b) O art. 148, § 1º, do CP traz formas qualificadas do delito em exame quando:

I) a vítima for ascendente, descendente, côn‑juge ou companheiro do agente ou maior de 60 anos: redação determinada pela Lei nº 11.106/2005. Tal dispositivo, por ser norma penal incriminadora, não pode ser interpretado extensivamente. O agente só responde pela qualificadora caso tenha conheci-mento dessa qualidade do sujeito passivo, pois, do contrário, incidirá em erro de tipo;

II) o crime for cometido mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital;

III) a privação da liberdade for superior a quin‑ze dias: na contagem, deve-se incluir o dia de início e excluir o de término (art. 10 do CP);

IV) se o crime for praticado contra menor de 18 anos: incluído pela Lei nº 11.106/2005;

V) se o crime for praticado com fins libidino‑sos: incluído pela Lei nº 11.106/2005;

c) Nos termos do art. 148, § 2º, do CP, justifica-se esta qualificadora pelo grande sofrimento físico ou moral a que a vítima está sujeita devido à natureza da detenção (exemplos: manter a vítima em local frio, deixá-la amarrada a uma árvore) ou maus-tratos (exemplos: privar a vítima de refeições, impedir que ela durma).

d) A ação penal é pública incondicionada. Na hi-pótese prevista no caput do art. 148 do CP, admite-se a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995), uma vez que a pena mínima aplicada não ultrapassa um ano.

Redução a Condição Análoga à de Escravo

Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a traba-lhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto:Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência.§ 1º Nas mesmas penas incorre quem:I – cerceia o uso de qualquer meio de trans-porte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.§ 2º A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido:I – contra criança ou adolescente;II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem.

O objeto jurídico tutelado é a liberdade individual. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime co-mum). O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA figura típica consiste em “sujeitar alguém a

condição análoga à de escravo”, ou seja, tem-se a completa sujeição de uma pessoa ao poder de outra.

O elemento subjetivo é o dolo (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de subme-ter outrem a seu poder, reduzindo-o à condição aná-loga a de escravo. Nas figuras equiparadas previstas no § 1º do art. 149, exige-se, ainda, o especial fim de agir (elemento subjetivo especial do tipo) de reter a vítima em seu local de trabalho. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação desse delito ocorre quando a

vítima é reduzida a condição análoga à de escravo, sendo privada de sua liberdade. Trata-se de crime permanente. Admite-se flagrante enquanto não cessar a permanência (art. 303 do CPP). Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) O crime de redução à condição análoga a

de escravo, na modalidade simples, encontra-se previsto no caput e no § 1º. Esse último traz formas equiparadas de cometimento do delito, a saber:

I) quem cerceia o uso de qualquer meio de trans-porte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; e II) quem mantém vigilância

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ostensiva no local de trabalho ou se apodera de do-cumentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.

b) O § 2º do art. 149 do CP, incluído pela Lei nº 10.803/2003, trata de causas de aumento de pena.

c) A ação penal é pública incondicionada. O STF decidiu, em novembro de 2006 (RE nº 398.041/PA), que o crime de redução à condição análoga à de escravo se caracteriza como crime contra a organi-zação do trabalho. A competência da Justiça Federal (art. 109, VI, da CF/1988).

DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO

Violação de Domicílio

Art. 150. Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade ex-pressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.§ 1º Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas:Pena – detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência.§ 2º Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder.§ 3º Não constitui crime a entrada ou perma-nência em casa alheia ou em suas depen-dências:I – durante o dia, com observância das for-malidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência;II – a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.§ 4º A expressão “casa” compreende:I – qualquer compartimento habitado;II – aposento ocupado de habitação coletiva;III – compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.§ 5º Não se compreendem na expressão “casa”:I – hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do nº II do parágrafo anterior;II – taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.

O objeto jurídico tutelado é a tranquilidade do-méstica. A inviolabilidade do domicílio encontra-se protegida pela Constituição Federal que, em seu art. 5º, XI, dispõe:

a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), inclusive o proprietário quando a posse es-tiver legitimamente com terceiro (exemplo: locação). Assim, cometerá o delito em tela o proprietário de um apartamento que o invade sem o consentimento do inquilino. O sujeito passivo encontra-se descrito no art. 150 do CP pela expressão “de quem de direito”, podendo ser o morador, quem o represente, isto é, todo aquele que tenha a faculdade de admitir ou não alguém em seu espaço privado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em entrar (ingressar por

completo) ou permanecer (o agente, com autoriza-ção, já se encontra dentro do domicílio e, cessada essa autorização, se recusa a sair) em casa alheia ou em suas dependências, contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito. Por se tratar de crime de ação múltipla ou conteúdo variado, ainda que o agente entre e permaneça na residência alheia, sem autorização de quem de direito, haverá crime único.

Essa entrada ou permanência pode ser clandes-tina (sem que a vítima perceba), astuciosa (o agente emprega algum artifício malicioso para induzir o morador em erro – exemplo: uso de roupa de em-presa de TV a cabo) ou ostensiva (contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito). A entrada ou permanência deve ser realizada contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de entrar ou permanecer em casa alheia, sem o consentimento do morador ou de quem de direito. Caso a entrada ou permanência em casa alheia seja meio de execução de outro cri-me, a violação de domicílio será absorvida por esse outro crime. Exemplo: o agente, com o fim de furtar a televisão que se encontra dentro da residência, pula o muro e entra na casa para subtrair esse bem, o que efetivamente é feito. Nesse exemplo, ele responderá apenas por furto, e não pela violação de domicílio que ficará absorvida pelo primeiro. O agente deve saber que atua contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito e que a casa é alheia. Do con-trário, será o caso de erro de tipo.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva entrada ou

permanência. No primeiro caso (entrar), trata-se de crime instantâneo que se consuma no momento em que o agente ingressa completamente na casa da vítima. Na segunda hipótese (permanecer), tem-se um caso de crime permanente, cuja consumação se prolonga no tempo. O agente, ciente de que deve sair, não o faz, por tempo juridicamente relevante. A violação de domicílio é crime de mera conduta, já que a lei não descreve qualquer resultado natu-ralístico (não há nenhum resultado que provoque a modificação do mundo exterior). A lei penal apenas descreve a conduta criminosa (entrar ou perma‑necer). Para a maioria da doutrina, o crime de violação de domicílio admite a tentativa em ambas as modalidades (entrar e permanecer)1. Exemplo:

1 Nesse sentido: Delmanto (2000), Bitencourt (2001), Jesus (1998), Capez (2004) e outros.

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o agente é surpreendido tentando pular o muro da residência da vítima ou o agente, convidado a sair da casa e pretendendo permanecer no interior da casa alheia, é retirado. No entanto, existe entendimento de que a tentativa não seria possível na modalidade de permanecer2.

Observaçõesa) No caso de divergência entre cônjuges ou

companheiros, tendo em vista que a Constituição Federal de 1988 trata ambos com igualdade, prevale-cerá a negativa. Predomina, entretanto, na doutrina, o entendimento de que comete crime o amante que entra na residência do cônjuge infiel a pedido des-te. Havendo divergência entre os filhos menores e os pais, prevalecerá a vontade destes últimos. Da mesma forma, tem prevalecido o entendimento de que havendo divergência entre os empregados e os donos da casa, prevalecerá a vontade destes.

b) O § 4º do art. 150 define o que se entende por casa:

I) qualquer compartimento habitado: casas, apartamentos, barracos de favelas, barraca de cam-po. Protege-se tanto a coisa imóvel quanto a móvel (exemplo: trailer);

II) aposento habitado de ocupação coletiva: quarto de hotel, cortiço, pensionato etc. Protege-se apenas os locais privativos (aposentos), excluin-do-se, assim, os locais de uso comum;

III) compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade: consultório, escritório, parte interna de uma boate, oficina etc. No entanto, não haverá crime no caso de entrada nas partes abertas ao público desses locais (sala de espera, recepção etc.);

IV) dependências da casa: quintais, jardins, pátios, celeiros, garagem, terraço etc. também estão protegidos pela lei penal. É preciso que tais locais estejam cercados, a fim de deixar clara a vontade de se excluir estranhos;

c) O § 5º do art. 150 estabelece que não se compreendem na palavra “casa”: I) hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coleti‑va, enquanto aberta, salvo a restrição nº II do parágrafo anterior: são locais que qualquer um pode entrar, não estando vedados ao público; II) taverna, casa de jogo e outras do mesmo gêne‑ro: também são lugares abertos ao público. A parte interna desses locais está protegida, nos termos do art. 150,§ 4º, III, do CP.

d) A casa desabitada não é objeto de proteção legal.

e) O § 1º do art. 150 traz formas qualificadas desse delito, com pena de detenção, de seis me-ses a dois anos, além da pena correspondente à violência. Ocorrerá quando o crime for cometido: I) durante a noite: período em que não há luz solar. Segundo Hungria, é o intervalo de tempo que vai da aurora ao crepúsculo; II) em lugar ermo: local de-sabitado, em que não há habitualmente a circulação de pessoas; III) com emprego de violência: tanto pode ser a violência aplicada contra pessoas quanto

2 Nesse sentido: Greco (2005).

contra coisas, já que a lei penal não fez nenhuma distinção. A grave ameaça não autoriza o aumento de pena. Havendo lesões corporais ou morte, haverá o concurso entre o homicídio ou lesão corporal e a violação de domicílio; IV) com emprego de arma: própria (feita especificamente para matar – exem-plo: revólver) ou imprópria feita para outros fins, mas que pode ser utilizada para matar – exemplos: faca, navalha). Com relação à arma de brinquedo, tendo em vista que a Súmula nº 174 do STJ foi cancelada, entende-se que ela não mais qualifica o delito; v) por duas ou mais pessoas: só haverá a aplicação dessa hipótese quando duas ou mais pessoas efetivamente entrarem ou permanecerem em casa alheia, ou seja, quando eles atuarem como coautores e não partícipes.

f) Nos termos do § 2º do art. 150, a pena será aumentada de um terço se o fato for cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder. No entanto, entende a doutrina que, como a Lei nº 4.898/1965 (Lei de Abuso de Autoridade) é especial em relação ao Código Penal, caso o funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder, viole o domicílio de alguém, responderá pelo art. 3º, b, da Lei nº 4.898/1965 e não pelo art. 150, § 2º, do CP.

g) O art. 150, § 3º, traz algumas causas de ex-clusão da ilicitude. São elas: I) quando a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependên-cias for realizada durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência; II) a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de ser. Na primeira hipótese, exige-se mandado judicial.

h) A ação penal é pública incondicionada.i) Por se tratar de infração penal de menor po-

tencial ofensivo, aplicam-se as disposições dos Juizados Especiais Criminais (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Aplica-se também a suspensão con-dicional ao processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995). I) A Lei nº 11.767, de 7 de agosto de 2008, alterou o art. 7º da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB) para estabelecer a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho do advogado, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia. Nada obstante, havendo indícios de autoria e materialidade da prá-tica de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do art. 7º, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cum-prido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos do-cumentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes. Finalmente, registre-se que a regra constante do § 6º do art. 7º da Lei nº 8.906/1994, com nova redação determinada pela

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Lei nº 11.767/2008, não se estende a clientes do ad-vogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou coautores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.

DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DE CORRESPONDÊNCIA

O Código Penal, na seção III do Capítulo VI (arts. 151 e 152), define os crimes contra a invio-labilidade de correspondência. Trata-se de espécie do gênero “crimes contra a liberdade individual”. A Constituição Federal, em seu art. 5º, XII, garante a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das te-lecomunicações telegráficas, de dados e telefônicas, para que seja livre a manifestação do pensamento, de modo que as pessoas possam se comunicar sem a intromissão de terceiros.

Violação de Correspondência

Art. 151. Devassar indevidamente o conte-údo de correspondência fechada, dirigida a outrem:Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Sonegação ou Destruição de Correspondência

§ 1º Na mesma pena incorre:I – quem se apossa indevidamente de corres-pondência alheia, embora não fechada e, no todo ou em parte, a sonega ou destrói;

Violação de Comunicação Telegráfica, Radioelétrica ou TelefônicaII – quem indevidamente divulga, transmite a outrem ou utiliza abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica entre outras pes-soas;III – quem impede a comunicação ou a con-versação referidas no número anterior;IV – quem instala ou utiliza estação ou aparelho radioelétrico, sem observância de disposição legal.§ 2º As penas aumentam-se de metade, se há dano para outrem.§ 3º Se o agente comete o crime, com abuso de função em serviço postal, telegráfico, ra-dioelétrico ou telefônico:Pena – detenção, de um a três anos.§ 4º Somente se procede mediante represen-tação, salvo nos casos do § 1º, IV, e do § 3º.

Violação de Correspondência (art. 151, caput)Esse crime foi tacitamente revogado pelo art. 40

da Lei nº 6.538, de 22 de junho de 1978, que dispõe sobre os serviços postais. O artigo tem o seguinte teor:

Art. 40. Devassar indevidamente o conteúdo de correspondência fechada dirigida a outrem.Pena – detenção, até seis meses, ou paga-mento não excedente a vinte dias-multa.

O objeto jurídico tutelado é a liberdade individual, especialmente a garantia de sigilo de correspondên-cia. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o remetente e o destinatário (crime de dupla subjetividade passiva).

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “devassar [tomar co-

nhecimento, olhar dentro] indevidamente o conteúdo de correspondência fechada”. Nota-se que o objeto material desse crime é a correspondência fechada. Nos termos da Lei nº 6.538/1978, trata-se de “toda comunicação de pessoa a pessoa, por meio de carta, através de via postal, ou por telegrama” (carta, bilhete, telegrama etc.). Além de estar fechada, a correspon-dência deve ser dirigida a outrem (nome do destina-tário e endereço onde ele possa ser encontrado), mas nada impede que o remetente seja anônimo.

Esse tipo penal possui um elemento normativo “indevidamente”, que significa de maneira ilegítima, sem o consentimento do remetente ou do destinatário. Importante ressaltar que o sigilo de correspondência não se trata de direito absoluto. Não há que se falar em crime, por exemplo, na conduta do curador que abre carta endereçada ao doente mental ou quando o diretor do estabelecimento penitenciário, mediante ato motivado, leia as correspondências que chegam para os detentos. Quanto à possibilidade do cônjuge, sem autorização, ler a correspondência que chega para o outro cônjuge, existem duas posições na doutrina:

a) não há que se falar em crime, em razão da comunhão de vidas que decorre do matrimônio;

b) há crime. Essa segunda posição é que vem ganhado força atualmente.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na von-tade livre e consciente de devassar indevidamente correspondência fechada alheia. Não há previsão de modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que o

agente toma conhecimento do conteúdo da cor-respondência, sendo imprescindível que o agente tome conhecimento do seu conteúdo, mesmo que parcialmente. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admi-te-se, ainda, a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

b) A ação penal é pública incondicionada.

Sonegação ou Destruição de Correspondên‑cia (art. 151, § 1º, I)

Esse parágrafo foi tacitamente revogado pelo art. 40, § 1º, da Lei nº 6.538/1978. Segundo esse dispositivo:

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Art. 40. [...] § 1º Incorre nas mesmas penas quem se apossa indevidamente de corres-pondência alheia, embora não fechada, para sonegá-la ou destruí-la, no todo ou em parte.

O objeto jurídico tutelado é a liberdade individual, especialmente a garantia de sigilo de correspondên-cia. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o remetente e o destinatário (crime de dupla subjetividade passiva).

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em apossar-se (reter a

correspondência) indevidamente de correspondência alheia, embora não fechada, para sonegá-la (fazer com que não chegue até a vítima) ou destruí-la (arruiná-la), no todo ou em parte.

O objeto material aqui é a correspondência aberta ou fechada. O que se pune aqui é o ato do agente se apossar indevidamente da correspondência alheia, aberta ou fechada, para sonegá-la ou destruí-la. Assim, pouco importa se o agente efetivamente teve conhecimento do seu conteúdo. Quanto ao elemento normativo “indevidamente”, aplica-se o que já foi comentado anteriormente.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consis-tente na vontade livre e consciente de apossar-se indevidamente de correspondência alheia, aberta ou fechada. Exige-se, ainda, um elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir), consistente na finalidade de sonegar ou destruir a correspondência alheia. Não se pune a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação se dá com o efetivo apossamento

da correspondência alheia, não se exigindo que o agente chegue a sonegá-la ou destruí-la (crime formal). A efetiva sonegação ou destruição é mero exaurimento do crime. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admi-te-se, ainda, a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

b) A ação penal é pública incondicionada.

Violação de Comunicação Telegráfica, Radio‑elétrica ou Telefônica (art. 151, § 1º, II)

O objeto jurídico tutelado é a liberdade individual, especialmente a garantia de sigilo de correspondên-cia. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o remetente e o destinatário (crime de dupla subjetividade passiva).

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica subdivide-se em três: a) divul‑

gar indevidamente comunicação telegráfica ou radioelétrica: relatar o conteúdo da correspondência a terceiros; b) transmitir indevidamente a outrem comunicação telegráfica ou radioelétrica: é noti-ciar a outrem, dar ciência; c) utilizar abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica: significa usar para qualquer fim.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de indevidamente divul-gar, transmitir ou utilizar abusivamente comunicação telegráfica ou radioelétrica dirigida a terceiro, ou conversação telefônica. Inadmissível a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação se dá com a divulgação ou trans-

missão indevida da comunicação telegráfica ou radioelétrica, ou sua utilização abusiva. Por se tratar de crime material, admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admi-te-se, ainda, a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

b) A ação penal é pública condicionada à re-presentação no tocante à violação de comunica-ção telegráfica e radioelétrica. Já no que tange à interceptação telefônica, a ação penal é pública incondicionada.

Impedimento de Comunicação ou Conversa‑ção (art. 151, § 1º, III)

Esse tipo penal pune quem impede (coloca obs-táculo) a comunicação telegráfica ou radioelétrica ou a conversação telefônica. Pune-se tanto aquele que impede o início quanto aquele que interrompe a comunicação ou conversação já iniciada. Segundo a doutrina, esse dispositivo do Código Penal não foi revogado pela Lei nº 9.296/1996 (regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Fe-deral), já que esta pune a interceptação telefônica, e não a conduta de impedi-la.

Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo nos termos das Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001.

Instalação ou Utilização de Estação de Apa‑relho Radioelétrico (art. 151, § 1º, IV)

O inciso IV do § 1º do art. 151 do CP foi tacita-mente revogado pelo art. 70 da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962 (Código Brasileiro de Telecomu-nicações), que assim dispõe:

Art. 70. Constitui crime punível com a pena de detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos, aumen-tada da metade se houver dano a terceiro, a instalação ou utilização de telecomunica-ções, sem observância do disposto nesta Lei e nos regulamentos.Parágrafo único. Precedendo ao processo pe-nal, para os efeitos referidos neste artigo, será liminarmente procedida a busca e apreensão da estação ou aparelho ilegal.

A ação penal, nessa hipótese, é pública incon-dicionada.

Causa de Aumento de Pena (art. 151, § 2º)Nos termos do § 2º do art. 151 do CP, as penas

aumentam-se da metade se houver dano para ou-

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trem. Esse dano pode ser moral ou material e pode atingir qualquer pessoa. Essa causa de aumento aplica-se apenas aos crimes ainda previstos pelo Código Penal, já que na Lei nº 6.538/1978 existe regra própria (art. 40, § 2º).

Qualificadora (art. 151, § 3º)Nos termos do § 3º do art. 151 do CP, se o agente

comete o crime com abuso de função em serviço postal, telegráfico, radioelétrico ou telefônico, a pena será de detenção de um a três anos. A ação penal, nesse caso, é pública incondicionada. Esse disposi-tivo não foi revogado pela Lei nº 4.898/1965 (Abuso de Autoridade), uma vez que nem todo funcionário público pode ser considerado autoridade.

Correspondência Comercial

Art. 152. Abusar da condição de sócio ou empregado de estabelecimento comercial ou industrial para, no todo ou em parte, desviar, sonegar, subtrair ou suprimir correspondência, ou revelar a estranho seu conteúdo:Pena – detenção, de três meses a dois anos.Parágrafo único. Somente se procede median-te representação.

O objeto jurídico tutelado é o sigilo da corres-pondência. O sujeito ativo é o sócio ou empregado de estabelecimento comercial ou industrial (crime próprio). Já o sujeito passivo é o estabelecimento comercial ou industrial remetente ou destinatário.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em desviar (dar rumo

diverso), sonegar (esconder), subtrair (tirar), supri-mir (destruir, eliminar) correspondência, ou revelar (divulgar) seu conteúdo a estranho, abusando da condição de sócio ou empregado de estabelecimento comercial ou industrial. Trata-se de um tipo penal chamado de misto alternativo ou de ação múltipla, uma vez que descreve várias condutas criminosas.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na von-tade livre e consciente de desviar, sonegar, subtrair, suprimir correspondência ou revelar seu conteúdo a estranho, abusando da condição de sócio ou em-pregado de estabelecimento comercial ou industrial. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com o efetivo desvio,

sonegação, subtração, supressão ou revelação. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Trata-se de infração penal de menor poten-

cial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admite-se, ainda, a suspensão condicional do pro-cesso (art. 89 da Lei nº 9.099/1995). A ação penal é pública condicionada à representação da pessoa jurídica ofendida.

DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DOS SEGREDOS

Divulgação de Segredo

Art. 153. Divulgar alguém, sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência confidencial, de que é des-tinatário ou detentor, e cuja divulgação possa produzir dano a outrem:Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.§ 1º Somente se procede mediante repre-sentação.§ 1º-A Divulgar, sem justa causa, informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informa-ções ou banco de dados da Administração Pública:Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.§ 2º Quando resultar prejuízo para a Admi-nistração Pública, a ação penal será incon-dicionada.

O objeto jurídico tutelado é a liberdade individual, especialmente a proteção dos segredos. O sujeito ativo é o destinatário ou o detentor do segredo. Já o sujeito passivo é a pessoa que pode sofrer dano com a divulgação do segredo (ainda que não seja o remetente ou autor).

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em divulgar (contar a

alguém, espalhar), sem justa causa, o conteúdo de documento. Para a maioria da doutrina, exige-se que o segredo seja divulgado para mais de uma pessoa. Existe, ainda, a presença do elemento normativo do tipo “sem justa causa”, ou seja, contrário ao orde-namento jurídico. Portanto, não haverá crime se a divulgação se der com o consentimento do interes-sado ou para apurar a autoria de um delito.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de divulgar o segredo sem justa causa para tanto. O agente deve saber que o seu comportamento é ilegítimo e que o conteúdo divulgado era sigiloso. Não se pune a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação se dá com a divulgação de se-

gredo para um número indeterminado de pessoas, sendo desnecessário que alguém venha a sofrer um prejuízo decorrente dessa conduta (crime formal). Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admi-te-se, ainda, a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995). A ação penal é pública condicionada à representação.

b) Quando resultar prejuízo à Administração Pública, a ação penal será pública incondicionada (art. 153, § 2º).

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Violação de Segredo Profissional

Art. 154. Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem:Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.Parágrafo único. Somente se procede median-te representação.

O objeto jurídico tutelado é a liberdade individual, especialmente a inviolabilidade do segredo profissio-nal (o sigilo que determinados profissionais devem manter – exemplos: padres, advogados, psicólogos, médicos).

O sujeito ativo são aquelas pessoas que tive-rem conhecimento do segredo em razão da função (encargo decorrente de lei, contrato ou ordem judi-cial – exemplos: curador, tutor, diretor de escola), ofício (atividade mecânica ou manual. Exemplos: sapateiro, costureira), profissão (qualquer atividade exercida habitualmente e com fim lucrativo – exem-plos: médico, psicólogo, advogado) ou ministério (atividade decorrente de situação fática, de origem religiosa ou social – exemplos: padres, freiras, ati-vidade voluntária). Já o sujeito passivo é qualquer pessoa que possa sofrer dano com a divulgação do segredo.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em revelar (transmitir,

contar a alguém), sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão e que possa produzir dano a outrem. Basta que o segredo seja revelado a uma única pessoa, sendo que esta a quem o segredo é reve-lado não comete crime. Não se exige que o dano efetivamente ocorra. Existe, ainda, a presença do elemento normativo do tipo “sem justa causa”, ou seja, sem motivo justificável. Dessa forma, haverá justa causa para divulgação do segredo quando se tem o consentimento do titular do segredo, nos ca-sos de estado de necessidade (exemplo: advogado que divulga segredo contado por seu cliente para inocentar terceiro acusado de praticar crime).

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de revelar, sem justa causa, o segredo. O agente deve ter conhecimento da falta de justa causa e de que o fato é sigiloso. Inexiste modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva divulgação

do segredo, independentemente da produção do prejuízo (crime formal). Admite-se a tentativa quando a revelação do segredo é feita por escrito.

Observaçõesa) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admi-te-se, ainda, a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995). A ação penal é pública condicionada à representação.

DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO

O Código Penal, em seu Título II define os crimes contra o patrimônio. O objetivo da lei penal é proteger o patrimônio da pessoa física e jurídica.

Do furto

furto

Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:Pena – reclusão, de um a quatro anos, e mul-ta.§ 1º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.§ 2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.§ 3º Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.

Furto Qualificado§ 4º A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:I – com destruição ou rompimento de obstá-culo à subtração da coisa;II – com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;III – com emprego de chave falsa;IV – mediante concurso de duas ou mais pessoas.§ 5º A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Es-tado ou para o exterior.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio. O sujei-to ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), exceto o proprietário (o tipo penal exige que a coisa seja “alheia”). Já o sujeito passivo pode ser o pro-prietário, possuidor ou detentor do bem, podendo ser tanto uma pessoa física quanto jurídica.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “subtrair [retirar,

tirar de alguém], para si ou para outrem, coisa alheia móvel”. Essa subtração pode ser realizada por qual-quer meio (crime de ação livre). Caso o agente utilize violência ou grave ameaça à pessoa, ou qualquer meio que dificulte a sua resistência, o crime será de roubo (art. 157 do CP). O objeto material desse delito é a coisa (qualquer bem corpóreo, passível de subtração e que tenha valor econômico) alheia (aquela que se encontra sob a posse, propriedade ou detenção de outro) móvel (pode ser transportada de um local para outro sem perda ou destruição de sua substância).

As coisas incorpóreas, imateriais não podem ser objeto de furto, salvo se corporificadas em algum do cumento. Da mesma forma, os bens imóveis não

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podem ser objeto de furto, já que não podem ser des-locados de um lugar para outro. Segundo a doutrina, aqueles bens que, de acordo com a lei civil, forem considerados imóveis, mas puderem ser deslocados de um local para outro, poderão ser objeto de furto. Exemplo: navio. Os animais, se possuírem dono, podem ser objeto de furto. Exemplo: furto de gado. A coisa sem dono, coisa abandonada coisa perdida não podem ser objetos de furto, pois não estão sob a posse, propriedade ou detenção de ninguém. Nada impede, entretanto, constitua objeto de outro crime contra o patrimônio (exemplo: apropriação de coisa achada). Nos termos do § 3º do art. 155, a energia elétrica ou qualquer outra que possua valor eco-nômico está equiparada a coisa móvel (exemplos: energia nuclear, energia mecânica).

A subtração de cadáver poderá tipificar crime de furto, desde que ele pertença a alguém e pos-sua destinação específica – exemplo: cadáver da faculdade de medicina. Do contrário, poderá restar configurado o crime do art. 211 do CP. O agente que se apropria de coisa própria que se acha em poder de outrem em razão de contrato ou determinação judicial comete o crime do art. 346 do CP. O furto cometido por empregado a serviço do patrão, em sua residência ou não, é denominado pela doutrina de famulato.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem (especial fim de agir). Desse modo, para a configuração do crime de furto, não havendo crime se ele apenas subtrai a coisa para uso e, posteriormente, a devolve nas mesmas condições (furto de uso). Pouco importa a motivação do agente ao efetuar a subtração. Exige-se, apenas, o intuito de se apoderar definitivamente da coisa.

O consentimento da vítima na subtração exclui o crime. Caso o agente se aproprie de coisa alheia supondo, por erro, tratar-se de coisa própria, incidi-rá em erro de tipo (art. 20 do CP). Inexiste a forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaDe acordo com a doutrina, o furto consuma-se

no momento em que o bem sai da esfera de dispo-nibilidade da vítima e passa para a do agente (teoria da inversão da posse). Conforme a jurisprudência majoritária (precedentes mais atuais do STJ), não se exige a posse mansa e pacífica do bem, bastando que o agente obtenha a simples posse do bem, ainda que por um curto período de tempo. Assim, a coisa deve sair da esfera de vigilância e do alcance da vítima, mesmo que por poucos instantes. Entretanto, podemos destacar alguns casos em que o furto se reputa consumado:

I) quando há perda do bem subtraído (nesse caso, a vítima sofreu efetiva perda de seu poder econômico); II) prisão em flagrante de um dos agentes e fuga dos demais (nesse caso, consi-derando que alguns dos envolvidos lograram êxito em obter a posse tranquila do bem, reputa o crime consumado para todos os envolvidos); III) subtração e posse tranquila de parte dos bens: aqui o agen-te se apodera de alguns bens, obtendo sua posse

tranquila, mas, no momento em que se repara para se apoderar de outros, é preso em flagrante. O cri-me se reputa consumado, pois ele obteve a posse tranquila, ainda que de somente parte dos bens; IV) prisão em flagrante quando o agente já obteve a posse tranquila dos bens: isso ocorre nos casos de flagrante ficto ou presumido em que o agente é encontrado, logo depois da infração, com armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor do crime. Por se tratar de crime material, admite-se a tentativa quando, por circunstâncias alheias a sua vontade, o agente não logra êxito em subtrair o bem ou não consegue retirá-lo da esfera de vigilância da vítima.De acordo com a doutrina, a jurisprudência, nos casos em que o agente tenta subtrair automóvel com dispositivo antifurto ou defeitos mecânicos, mas não logra êxito, haverá tentativa. O agente que, que-rendo furtar a pessoa que se encontra em sua frente no ônibus, enfia a mão em seu bolso, mas não logra êxito, uma vez que a carteira se encontrava no outro bolso, responderá por tentativa. Caso, entretanto, a vítima tenha saído de casa sem dinheiro naquele dia, será o caso de crime impossível.

Observaçõesa) Segundo a jurisprudência, o furto de uso

constitui fato atípico, tendo em vista a falta do ânimo de assenhoramento definitivo do bem.

b) O furto famélico constitui uma causa exclu-dente da ilicitude. Trata-se da hipótese em que o agente, em razão de situação extrema de miséria e pobreza, subtrai alimentos para saciar sua fome ou de sua família. Segundo a doutrina, trata-se de situação de estado de necessidade, que exclui a an-tijuridicidade de sua conduta. Somente haverá essa exclusão se preenchidos os requisitos do art. 24 do CP, quando não mais restava outra opção ao agente. Segundo a doutrina, também será o caso de estado de necessidade o apoderamento de veículo para transportar pessoa gravemente ferida para o hospital.

c) O § 1º do art. 155 trata do furto noturno. Trata-se de uma causa especial de aumento da pena que justifica-se em razão da menor vigilância que é exercida sobre os bens durante o repouso noturno. Não se deve confundir repouso noturno com noite. Esta ocorre, segundo o critério dominante, com a ausência da luz solar, já aquele é o período em que as pessoas dormem, variando conforme os costumes locais. Segundo a doutrina e jurisprudência dominan-tes, aplica-se essa causa de aumento de pena pouco importando se a casa estava ou não habitada, ou o seu morador estava dormindo (precedentes do STF e STJ). Ademais, prevalece o entendimento de que essa majorante somente se aplica ao furto simples (caput), não se aplicando ao qualificado (§§ 4º e 5º).

d) O furto privilegiado encontra-se previsto no § 2º do art. 155. Assim,

se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

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Exige-se, portanto, dois requisitos: I) primarie‑dade do agente: entende-se como sendo aquele que não é reincidente (arts. 63 e 64 do CP). Portan-to, o simples fato dele estar respondendo a vários crimes não impede a concessão desse benefício. Além disso, aquele que já foi definitivamente con-denado por um crime e comete uma contravenção penal, não é considerado reincidente (art. 63). Da mesma forma, se já transcorrido o prazo de cinco anos entre a data de cumprimento ou extinção da pena e a infração penal posterior, o agente readqui-re a sua condição de primário (art. 64, I, do CP); II) coisa subtraída de pequeno valor: a jurisprudência adotou o critério objetivo para definir a coisa de pe-queno valor. Assim, segundo os tribunais, somente aqueles bens cujo valor não ultrapasse um salário mínimo na data do fato se enquadram no conceito de coisa de pequeno valor. Mas deve-se levar em conta a situação econômica da vítima. Segundo o STJ, a ausência ou pequeno prejuízo sofrido pela vítima não autorizam a concessão do privilégio. Presentes esses dois requisitos (primariedade e pequeno valor da coisa), o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. Apesar de a lei ter usado a expressão “pode”, trata-se de verdadei-ro direito subjetivo do acusado, quando presentes os requisitos. Entende a doutrina que o juiz pode cumulativamente substituir a pena de reclusão pela de detenção e, em seguida, diminuí-la, já que não se trata de medidas incompatíveis. Não se deve con-fundir esse privilégio previsto no § 2º com o princípio da bagatela ou da insignificância. Este é admitido, em algumas hipóteses,quando a lesão patrimonial for irrisória, não havendo justa causa para a propo-situra da ação penal. Haverá, no entanto, crime se a coisa subtraída possuir valor afetivo (exemplo: furto de uma fotografia da família).

Vem prevalecendo o entendimento de ser incabí-vel a aplicação desse privilégio ao furto qualificado (§§ 4º e 5º), pois a gravidade desse delito é incom-patível com as consequências brandas do privilégio3. Desse modo, a figura privilegiada aplica-se apenas ao furto simples e ao furto noturno.

e) O furto qualificado encontra-se previsto nos §§ 4º e 5º do CP. Trata-se de rol taxativo. Havendo mais de uma qualificadora, uma servirá para quali-ficar o furto e a outra será levada em consideração pelo juiz para fixação da pena base (art. 59 do CP). Assim, a pena será de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime for cometido: I) com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa: nessa modalidade, o agente destrói (desfaz) ou rompe (abre, vence) obstáculo à subtração da coisa. Note que a violência não é dirigida contra a pessoa (do contrário, o crime seria de roubo), mas, sim, contra a coisa. Exemplo: arrombamento de fechaduras, trincos, cofres. A violência pode ser empregada em qualquer momento da execução do crime. Caso seja empregada após a consumação do delito, haverá concurso de crimes (exemplos: furto simples e dano). Obstáculo é entendido como

3 Em sentido contrário: Jesus (1998) e Capez (2004).

qualquer meio destinado a proteger a propriedade do bem. O mero desligamento do alarme não qua-lifica o crime, pois, nesse caso, não há rompimento ou destruição de obstáculo. Segundo a doutrina e jurisprudência, não haverá essa forma qualificada se o obstáculo destruído for inerente à própria coisa. Exemplos: destruir o vidro ou cortar a fiação elétrica de um automóvel, visando a subtraí-lo. No entanto, o furto seria qualificado se o agente quebrar o vidro do veículo para subtrair bens que se encontram no seu interior. Essa é a posição majoritária dos tribu-nais. Há, entretanto, uma corrente minoritária que entende que essa situação geraria um contrassenso, pois se o agente arrombar o veículo para subtrair bens que estão no seu interior, responderia por furto qualificado. Porém, caso arrombe e subtraia o próprio automóvel, o furto seria simples, uma vez que destruiu a própria res que foi objeto do furto e não algum obstáculo a sua subtração. Essa corrente, para evitar injustiças, defende, então, que nos dois casos o furto deveria ser qualificado, não se devendo distinguir entre obstáculo inerente ou não inerente à coisa. Para configuração dessa qualificadora, exige-se a realização do exame de corpo de delito, já que a infração deixa vestígios (art. 158 do CPP);

II) com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza: no abuso de confiança, o agente se aproveita da relação de confiança (empregatícia, de amizade ou parentesco etc.) estabelecida entre ele e o proprietário do bem, o que faz com que a vigilância da vítima sobre o bem seja menor. Caso o agente subtraia o bem sem se valer das facilidades que o vínculo proporciona, não incidirá a qualificadora. Já a fraude consiste no ardil, artifício, engodo utilizado pelo agente para iludir a vítima e, assim, faz com que ela diminua a vigi-lância sobre o bem. Exemplo: o agente se disfarça de funcionário da empresa de TV por assinatura e, ao entrar na residência, pratica o furto. Essa forma de furto qualificado não se confunde com o crime de estelionato, pois neste o agente ilude a vítima e esta, voluntariamente, lhe entrega o bem. Segundo a jurisprudência do STJ, o agente que, a pretexto de experimentar carro que pretende comprar, foge com ele, deverá responder por furto mediante fraude e não estelionato, pois, no caso, houve efetiva subtra-ção do bem. A escalada consiste em se utilizar de uma via anormal para entrar em algum lugar. Não havendo, portanto, a incidência dessa qualificadora quando se tratar de um muro baixo, por exemplo. Nos termos do art. 171 do CPP, exige-se a realização de perícia para a configuração dessa qualificadora. Finalmente, a destreza seria a habilidade física ou manual do agente que permite que ele se apodere do bem sem que a vítima perceba. Segundo a doutrina, se a vítima percebe que está sendo desposada de seus bens, haverá tentativa de furto simples. Caso, entretanto, só se dê conta após o agente já ter se apoderado do bem, mas antes dele se afastar do local, seria o caso de tentativa de furto qualificado, uma vez que presente está a sua destreza. Da mes-ma forma, se terceiros percebem a subtração. Nesse caso, também teremos tentativa de furto qualificado,

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já que a própria vítima não percebeu a retirada do bem. Não há que se falar em destreza caso a vítima se ache em estado de inconsciência ou dormindo;

III) com emprego de chave falsa: para a dou-trina, é considerada chave falsa aquela alterada de modo a permitir a abertura da fechadura e a gazua (qualquer instrumento, com ou sem forma de chave, capaz de abrir uma fechadura sem arrombá-la – exemplos: grampos, chave “mixa”). Caso o agente utilize a chave verdadeira, furtada ou obtida de ma-neira fraudulenta, poderá incidir a qualificadora do meio fraudulento, e não do emprego de chave falsa (posição majoritária da jurisprudência);

IV) mediante concurso de duas ou mais pes‑soas: aplica-se essa qualificadora ainda que um dos envolvidos seja inimputável ou não possa ser identificado. Discute-se, na doutrina e jurisprudência, a necessidade ou não de todos os agentes pratica-rem atos de execução do delito. Hungria e Delmanto entendem que, para a incidência dessa qualificadora, é necessário que pelo menos duas pessoas prati-quem atos de execução do crime. Já Jesus (1998), Fragoso (1981), Mirabete (2005) e Capez (2004) en-tendem que a qualificadora incide ainda que apenas um dos envolvidos no crime pratique atos executórios ou esteja no local do delito, já que o Código Penal não faz qualquer distinção entre a coautoria e a participação (abrangendo, portanto, as duas hipóte-ses). É esse o entendimento que vem prevalecendo na jurisprudência. Questiona-se, ainda, se aqueles que formam uma quadrilha (associação de mais de três pessoas com o fim permanente de praticar crimes – art. 288 do CP) e cometem efetivamente furtos deverão responder pela quadrilha em concurso com o furto simples ou pelo crime de quadrilha em concurso com furto qualificado pelo concurso de pessoas? Segundo a corrente majoritária (prece-dentes do STF), os agentes deverão responder pelo crime de quadrilha em concurso material com o furto qualificado pelo concurso de agentes. Não haveria, no caso, bis in idem, pois o crime de quadrilha se consuma com a simples associação dos agentes, independentemente da participação conjunta desses associados.

f) O § 5º do art. 155 trata-se de mais uma hipótese de furto qualificado. Refere-se exclusivamente a veículos automotores, não incidindo quando o agente transporta apenas partes do veículo. Exige-se, para a incidência dessa qualificadora, que haja a trans-posição de limites territoriais (“veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior”). Caso o agente subtraia o bem, mas seja surpreendido tentando transportá-lo para outro Estado, responderá pelo crime de furto simples con-sumado. Entretanto, caso o agente, em perseguição, chegue a transpor a divisa de outro Estado, mas não obtenha a posse tranquila do bem, deverá responder por tentativa de furto qualificado.

g) A ação penal é pública incondicionada. Nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, aplica-se a suspensão condicional do processo ao crime de furto simples (caput) e privilegiado (§ 2º).

furto de Coisa Comum

Art. 156. Subtrair o condômino, coerdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legiti-mamente a detém, a coisa comum:Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.§ 1º Somente se procede mediante repre-sentação.§ 2º Não é punível a subtração de coisa co-mum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente.

O objeto jurídico tutelado é a propriedade ou posse legítima. O sujeito ativo só pode ser condô-mino (coproprietário), coerdeiro ou sócio (trata-se de crime próprio). Já o sujeito passivo é o condômino, coerdeiro, sócio ou terceiro que possua a coisa le-gitimamente. Caso a posse ou detenção não sejam legítimas, o fato será atípico.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “subtrair o condô-

mino, coerdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum”. Trata-se de delito bastante similar ao furto (art. 155 do CP), com a diferença de que o objeto material do delito em comento é a coisa comum.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de subtrair, para si ou para outrem, coisa comum. Não se admite a moda-lidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaNo que se refere à consumação e tentativa,

aplicam-se as mesmas regras estudadas no furto (art. 155 do CP).

Observaçõesa) Nos termos do art. 156, § 1º, do CP, a ação

penal é pública condicionada à representação.b) Nos termos do § 2º do art. 156 do CP, não é

punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente. Trata-se de uma causa de exclusão da antijuridi-cidade (ou da ilicitude). Exigem-se dois requisitos para sua aplicação: I) que a coisa seja fungível (que pode ser substituída por outra da mesma espécie, quantidade e qualidade); e II) que o seu valor não ultrapasse o valor da quota-parte de quem a subtraiu. Sendo a coisa subtraída infungível, haverá o crime do art. 156.

c) Trata-se de infração de menor potencial ofensi-vo, nos termos das Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001.

DO ROUBO E DA EXTORSÃO

Roubo

Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

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Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.§ 1º Na mesma pena incorre quem, logo de-pois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de as-segurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.§ 2º A pena aumenta-se de um terço até metade:I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;II – se há o concurso de duas ou mais pessoas;III – se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circuns-tância;IV – se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Es-tado ou para o exterior;V – se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a re-clusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio, posse, propriedade, integridade física e liberdade individual (trata-se de crime complexo). O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), exceto o proprietá-rio ou possuidor do bem. Já o sujeito passivo será o proprietário, possuidor, detentor da coisa ou qualquer outra pessoa que sofra a violência ou grave ameaça.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resis-tência.

Trata-se, em verdade, de crime complexo, já que se compõe de fatos que individualmente constituem crime (furto, constrangimento ilegal e lesão corpo-ral, quando houver). Difere-se do furto pelo uso da grave ameaça ou violência à pessoa, ou qualquer outro meio que reduza a possibilidade de resistên-cia da vítima. Assim, são os seguintes os meios de execução do roubo: a) emprego de grave ameaça: violência psíquica que causa um mal iminente e grave. A simulação de arma de fogo e a utilização de arma de brinquedo configuram a grave ameaça; b) emprego de violência física: é o uso da força física sobre a vítima, com o fim de possibilitar a sub-tração do bem (também chamada de vis absoluta). Segundo a doutrina e jurisprudência, os empurrões violentos e trombadas constituem violência física e, portanto, tipificam o roubo. Já nos casos de arreba-tamento de objeto preso ao corpo da vítima (golpe dirigido contra o objeto, só atingindo a vítima por repercussão), entende a doutrina que o crime seria de furto, pois somente acessoriamente a violência

atinge a pessoa4; c) qualquer outro meio que re‑duza a vítima à impossibilidade de resistência: é a chamada violência imprópria, abrangendo todos os outros meios, diferentes da violência ou grave ameaça, que impossibilitem a resistência da vítima. Exemplos: obrigar a vítima a ingerir bebida alcoólica, usar soníferos.

A doutrina classifica o roubo em próprio e im‑próprio. O roubo próprio está previsto no art. 157, caput, nesta modalidade, a violência ou grave ame-aça é empregada antes ou durante a subtração do bem, constituindo meio para que o agente consiga efetivá-lo. Já o roubo impróprio previsto no § 1º do art. 157 do CP, o agente, após ter subtraído e se apoderado do bem, emprega a violência ou grave ameaça para garantir a impunidade do furto ou assegurar a detenção do bem. Ademais, o roubo impróprio não admite o emprego da fórmula genérica como no próprio. É indispensável que o agente use a violência ou grave ameaça para garantir a impunida-de do crime ou detenção do bem. Do contrário, será o caso de concurso material de crimes (fruto e lesão corporal, por exemplo). Finalmente, exige a doutrina que essa violência ou grave ameaça seja empregada “logo após” a subtração do bem, sem que tenha se passado um lapso de tempo prolongado. Caso o furto já tenha se consumado, a violência ou grave ameaça empregada constituirá crime autônomo (exemplos: lesões corporais, ameaça).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem (especial fim de agir), mediante violência ou grave ameaça, ou depois de havê-la, aplicando qualquer meio que impossibilite a resistência da vítima. Inexiste forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaNo roubo próprio, no que tange à consumação,

existem duas posições:a) a consumação ocorre com a simples subtração

do bem, pouco importando se o agente obteve ou não a posse tranquila do bem. Isso significa que o crime se consuma no exato momento em que o agente emprega a violência ou grave ameaça contra a pessoa, subtraindo o bem. É a posição que predomina hoje na jurisprudência (precedentes do STJ). De acordo com essa posição, ainda que o agente venha a ser perseguido após a subtração da coisa e esta seja restituída à vítima, o crime estará consumado;

b) para essa segunda corrente, o roubo se con-suma no momento em que o agente retira o bem da esfera de disponibilidade da vítima, obtendo sua posse mansa e pacífica, ainda que por um curto perí-odo de tempo. Assim, caso o agente seja perseguido após a subtração do bem, haverá apenas tentativa.

No roubo impróprio, a consumação ocorre no momento em que o agente, após retirar o bem da vítima, emprega violência ou grave ameaça. Pou-co importa se o agente consegue ou não garantir a impunidade do crime ou a detenção da coisa. A doutrina diverge quanto à admissibilidade ou não

4 Nesse sentido: Capez (2004)

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da tentativa, mas prevalece o entendimento, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, de que esta não é possível, uma vez que ou o agente emprega a violência ou grave ameaça (nesse caso o crime estará consumado), ou não as emprega (nesse caso haveria apenas crime de furto consumado).

Causas de Aumento de Pena (art. 157, § 2º)O § 2º do art. 157 prevê cinco causas de aumen-

to de pena que se aplicam tanto ao roubo próprio quanto ao impróprio. É erroneamente chamado de “roubo qualificado”. Assim, a pena aumenta-se de um terço até metade:

a) se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma: aplica-se tanto às armas próprias (fabricadas com a finalidade específica de matar ou ferir – exemplos: revólver, pistola) quanto às impróprias (objetos produzidos para outras finalida-des – exemplos: faca, navalha, machado), uma vez que a lei não distinguiu. Fundamenta-se o aumento de pena nessa hipótese em razão do maior poder intimidatório que o uso da arma causa sobre a vítima. A simulação de arma (colocar a mão sob a blusa simulando estar armado) constitui grave ameaça para o roubo, porém não faz incidir a majorante. Com relação ao simulacro de arma (arma de brin-quedo), vale ressaltar que o STJ cancelou, em 2001, a Súmula nº 174 que dispunha: “no crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento de pena”. Assim, atualmente o uso de arma de brinquedo configura a grave ameaça. Apesar de divergências na jurisprudência, a doutrina vem en-tendendo que a arma desmuniciada ou descarregada não faz incidir essa majorante.5Para a incidência do aumento de pena, não basta o mero porte ostensivo da arma, mas que ela seja efetivamente usada pelo agente. Segundo a doutrina, ainda que somente um dos comparsas se utilize da arma, tal majorante se aplicará a todos, já que, por se tratar de circunstân-cia objetiva, ela se comunica (art. 30 do CP). Além disso, o agente que comete o crime de roubo com emprego de arma de fogo, sem ter o porte legal des-ta, responderá por roubo em concurso material com o porte ilegal de arma (Lei nº 10.826/2003). Por fim, o Supremo Tribunal Federal tem-se se manifestado no sentido da possibilidade de cumulação da majo-rante do crime de roubo (emprego de arma) com a majorante da quadrilha ou banco (emprego de arma) prevista no parágrafo único do art. 288, no mesmo sentido Capez (2004, v. 2, p. 392-393);

b) se há o concurso de duas ou mais pessoas: ver comentários feitos em relação ao furto qualificado pelo concurso de agentes (art. 155, § 4º, IV, do CP);

c) se a vítima está a serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância: So-mente se aplica essa majorante se a vítima trabalha com o transporte de valores (exemplos: carros-fortes, office boys que carregam valores). Exige-se, en-tretanto, que o agente tenha conhecimento dessa circunstância;

d) se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado

5 Nesse sentido: Jesus (1998), Delmanto (2000), Fragoso (1981) e outros.

ou para o exterior: ver comentários feitos ao furto qualificado do art. 155, § 5º, do CP;

e) se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade: a privação da liberdade da vítima funciona como meio de execução do roubo ou serve para permitir que o agente, após a consu-mação do crime, se furte à ação policial. Note se trata do tão conhecido “sequestro-relâmpago”, uma vez que, neste caso, o agente responderá pelo crime de extorsão. No “sequestro-relâmpago”, o compor-tamento da vítima é preponderante para o agente atingir o seu escopo criminoso, já que somente ela poderá fornecer a senha do cartão do banco. Não há, portanto, subtração alguma, razão pela qual não se pode falar em roubo. Caso o sequestro ocorra após a subtração da coisa, em contextos fáticos distintos, haverá concurso de crimes (sequestro em concurso material com o roubo, por exemplo). Registre-se, por fim, que a Lei nº 11.923/2009 incluiu o § 3º do art. 158 do CP, tipificando o crime de sequestro relâmpago (ver comentários ao art. 158 do CP, infra).

Roubo Qualificado pela Lesão Corporal de Natureza Grave (art. 157, § 3º, 1ª parte)

Essa primeira parte do parágrafo terceiro do art. 157 traz uma forma qualificada do roubo. Abran-ge tanto a lesão corporal de natureza grave quanto a gravíssima (art. 129, §§ 1º e 2º, do CP). Esse resultado agravador (lesão corporal) pode ocorrer a título doloso ou culposo. Não se trata, portanto, de crime exclusivamente preterdoloso, apesar de poder ocorrer essa modalidade. Essa forma qualificada aplica-se tanto ao roubo próprio quanto ao impróprio. A doutrina e jurisprudência majoritárias não admitem a incidência das causas de aumento de pena (§ 2º) sobre as modalidades qualificadas do roubo (§ 3º), uma vez que a pena em abstrato já é bastante elevada. A tentativa será admissível somente se o resultado agravador (lesão de natureza grave) for causado a título doloso.

Roubo Qualificado pela Morte (Latrocínio – art. 157, § 3º, 2ª parte, do CP)

O latrocínio é uma forma de roubo qualificado no qual, do emprego da violência física aplicada com o fim de subtrair a coisa ou assegurar sua posse ou impunidade do crime, resulta a morte da vítima. Trata-se de crime complexo (roubo + homicídio) que, apesar de, em sua constituição, conter um delito contra a vida, constitui eminentemente crime contra o patrimônio, uma vez que o seu fim é a subtração patrimonial. Consequentemente não é de competên-cia do Júri (Súmula nº 603 do STF). Nada impede que uma pessoa sofra a subtração patrimonial e a outra, a violência (exemplo: morte do guarda-costas e subtração dos bens do empresário). O resultado agravador (morte) tanto pode ter sido causado a tí-tulo de dolo quanto culposamente. Veja-se, portanto, que, apesar de possível, não necessariamente esse crime será preterdoloso. Admite-se a tentativa ape-nas se o resultado agravador (morte) for almejado, na forma dolosa. Em regra, o latrocínio consuma-se com a efetiva subtração da coisa e morte da vítima. Dúvidas surgiram, entretanto, quando um dos delitos

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se consumava e o outro não. O resultado a que a jurisprudência chegou foi o seguinte:

a) subtração patrimonial consumada + morte consumada = latrocínio consumado;

b) subtração patrimonial tentada + morte tentada = latrocínio tentado;

c) subtração patrimonial consumada + morte tentada = latrocínio tentado;

d) subtração patrimonial tentada + morte consu-mada = latrocínio consumado.

(Súmula nº 610 do STF):

há crime de latrocínio, quando o homicídio se consuma, ainda que não realize o agente a subtração de bens da vítima). Importante ressaltar, ainda, que, considerando que a lei utilizou a expressão “se da violência resultar”, entende-se que não há latrocínio quando a morte decorre do emprego de grave ameaça pelo agente. Exemplo: vítima vem a falecer em decorrência de um ataque cardíaco provoca-do pelo susto que sofreu em razão da grave ameaça. Nessa hipótese, deverá o agente responder pelo crime de roubo em concurso formal com o homicídio (desde que esse últi-mo decorra de dolo ou culpa – art. 19 do CP).

De acordo com a jurisprudência (precedentes do STJ), nos casos de roubo com emprego de arma do qual resulte morte da vítima ou de terceiro, serão coautores do latrocínio tanto aquele que se apoderou da coisa quanto o que desferiu os tiros para garantir sua posse ou a impunidade do crime. Não importa nem mesmo saber qual dos coautores desferiu os tiros, pois todos responderão pelo mesmo fato. Exige-se apenas que eles tenham conhecimento que o comparsa trazia a arma, sob pena de restar configurada a responsabilidade penal objetiva. Nos termos da Lei nº 8.072/1990 (Lei dos Crimes He-diondos), o latrocínio é considerado crime hediondo.

O STJ entende que o furto posterior à morte da vítima constitui crime de latrocínio (CAPEZ, 2004, v. 2, p. 401). Assim, aqueles que, sem a intenção de roubar, matam a vítima e, aproveitando-se que ela já estava morta, subtraem seus pertences, respondem por latrocínio.

Observaçõesa) A doutrina majoritária entende que o roubo de

uso constitui crime. Parte da doutrina e jurisprudên-cia, entretanto, entende que, se o uso do bem for imediato, deveria o agente responder apenas pelo constrangimento ilegal. Da mesma forma, não se admite a aplicação do princípio da insignificância no roubo, em razão da violência empregada (pre-cedentes do STF).

b) A ação penal é pública incondicionada.

Extorsão

Art. 158. Constranger alguém, mediante vio-lência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vanta-gem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:

Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.§ 1º Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumen-ta-se a pena de um terço até metade.§ 2º Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior.§ 3º Se o crime é cometido mediante a restri-ção da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio, a liber-dade e a incolumidade pessoal. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum).

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

constranger [obrigar, coagir] alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vanta-gem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa.

A violência ou grave ameaça pode ser dirigida ao próprio titular do patrimônio ou a alguém a ele ligado (exemplos: pais, filhos, irmãos).

A extorsão se diferencia do crime de constrangi-mento ilegal (art. 146 do CP), pois, no primeiro, há a presença de um elemento subjetivo do tipo (especial fim de agir do agente) representado pela vontade de obter indevida vantagem econômica, para si ou para outrem. A vantagem deve ser indevida, sob pena de restar configurado o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP). Também se exige que a vantagem tenha cunho patrimonial.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo represen-tado pela vontade livre e consciente de constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a fa-zer, deixar de fazer ou tolerar que se faça alguma coisa, visando à obtenção de indevida vantagem econômica (especial fim de agir). Não se admite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaExistem duas correntes na doutrina quanto ao

momento consumativo no crime de extorsão. São elas: a) por se tratar de crime formal, a consuma-ção ocorre quando a vítima, devido ao emprego da violência ou grave ameaça, faz, tolere que se faça ou deixa de fazer alguma coisa, não se exigindo a obtenção de qualquer vantagem indevida por parte do agente. Essa é a posição majoritária na doutri‑na e encontra-se consubstanciada na Súmula nº 96 do STJ: “O crime de extorsão consuma-se indepen-dentemente de obtenção de vantagem indevida”. A obtenção da indevida vantagem econômica pelo agente será mero exaurimento do crime; b) trata-se de crime material que se consuma com a efetiva

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obtenção da vantagem econômica indevida. Essa posição é minoritária. Admite-se a tentativa, quer se conheça a extorsão como crime formal ou material.

Observaçõesa) Nos termos do § 2º do art. 158 do CP, note que

esse parágrafo não menciona concurso de duas ou mais pessoas, e sim cometimento do crime por duas ou mais pessoas, excluindo, portanto, a participação, ou com emprego de arma, a pena será aumentada de um terço até metade. Trata-se de uma causa especial de aumento de pena, apesar de ser erroneamente denominada de “extorsão qualificada”;

b) O § 3º foi incluído pela Lei nº 11.923/2009, trazendo uma forma qualificada de extorsão. A pena é de reclusão de seis a 12 anos, além da multa, se o crime é cometido mediante a restrição da liber-dade da vítima e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica. Trata-se da tipificação do crime de sequestro relâmpago. Por outro lado, se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente. A extorsão da qual resulta morte é considerada crime hediondo (art. 1º da Lei nº 8.072/1990). A competência para julgamento é do juiz singular, e não do Tribunal do Júri. No mais, aplicam-se os comentários já feitos ao crime de roubo qualificado (art. 157, § 3º, do CP);

c) O crime de sequestro relâmpago deve ser tipi-ficado como extorsão, aplicando-se, no caso, o § 3º do art. 158 do CP. Note que esse delito pressupõe necessariamente a restrição de liberdade da vítima, constituindo-se condição necessária para a obtenção da vantagem econômica. Não obstante, trata-se de crime formal, que se consuma no momento em que o agente restringe a liberdade da vítima por tempo juridicamente relevante. É de se ressaltar ainda que, se resultar lesão corporal grave ou morte, aplicam-se, respectivamente, as penas dos §§ 2º e 3º do art. 159 do CP;

d) A ação penal é pública incondicionada.

Extorsão mediante Sequestro

Art. 159. Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer van-tagem, como condição ou preço do resgate:Pena – reclusão, de oito a quinze anos.§ 1º Se o sequestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o sequestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha.Pena – reclusão, de doze a vinte anos.§ 2º Se do fato resulta lesão corporal de na-tureza grave:Pena – reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos.§ 3º Se resulta a morte:Pena – reclusão, de vinte e quatro a trinta anos.§ 4º Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio, a in-columidade e a liberdade pessoais. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, tanto aquela que sofre a lesão patrimonial, quando a que sofre privação da liberdade.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “sequestrar [privar

de sua liberdade] pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate”. A vítima deve ser necessaria-mente um ser humano. Assim, caso o agente prive da liberdade um animal de estimação com o intuito de receber o preço do resgate, o crime será tão somente o de extorsão (art. 158).

Apesar de o tipo penal fazer menção apenas ao sequestro, a doutrina entende essa expressão no seu sentido amplo, abrangendo também o cárcere privado (privação da liberdade em recinto fechado).

Diverge a doutrina se a vantagem visada deve ter natureza patrimonial ou não. Para a maioria dos autores, entretanto, tendo em vista que esse delito se insere dentro do título que trata dos crimes contra o patrimônio, a vantagem deverá ser necessariamente econômica6. Exige-se, ainda, que a vantagem seja indevida, sob pena de restar configurado outro delito (exemplo: extorsão).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo consistente na vontade livre e consciente de sequestrar alguém com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, condição ou preço do resgate (especial fim de agir). Não há a previsão culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com o efetivo sequestro

da vítima (privação de sua liberdade por um tempo juridicamente relevante), pouco importante se o agente obtém a vantagem almejada ou não (crime formal e permanente). Basta que se comprove a intenção do agente em obter a condição ou preço do resgate. O efetivo recebimento da vantagem visada será mero exaurimento do crime. Admite-se a tentativa. Exemplo: por circunstâncias alheias à sua vontade, o agente não consegue privar a vítima da sua liberdade de locomoção, ficando provada a sua intenção de obter a vantagem econômica como condição ou preço do resgate.

Observaçõesa) A forma simples deste delito está prevista no

caput do artigo. As formas qualificadas estão previs-tas em seus §§ 1º, 2º e 3º e são descritas abaixo. Trata-se de crime hediondo em todas as suas moda-lidades (simples e qualificada). I) Se o sequestro dura mais de 24 horas, se o sequestrado é menor de 18 ou maior de 60 anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha (no mínimo quatro pessoas, não se aplicando a qualificadora se a reunião for ocasio-nal). Se a vítima for menor de 14 anos, a pena será aumentada da metade, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.072/1990 (Lei dos crimes hediondos). A idade 6 Nesse sentido: Fragoso (1981), Noronha (1988), Capez (2004) e outros.

Em sentido contrário: Jesus (1998).

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será auferida no momento da conduta. II) Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave. Trata-se de forma qualificada do delito e pode ocorrer tanto na forma dolosa, quanto culposa. Exige-se que a lesão grave seja praticada na própria pessoa que foi vítima do sequestro. III) Se do fato resulta a morte. Também é hipótese de crime qualificado pelo resultado.

b) O § 4º do art. 159 trouxe uma causa especial de diminuição da pena. É a chamada delação premiada ou eficaz. Ocorrerá na seguinte hipótese:

se o crime é cometido em concurso, o concor-rente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

Nessa hipótese, o crime deve ser cometido por, pelo menos, duas pessoas, de modo que uma delas se arrependa e delate os demais envolvidos para a autoridade pública. Só haverá a redução da pena se a delação de alguma forma facilitar a liberação do sequestrado.

c) A ação penal é pública incondicionada.

Extorsão Indireta

Art. 160. Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, do-cumento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro:Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio e a li-berdade individual. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa. O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro.

Na modalidade de “exigir”, a conduta inicial parte do sujeito ativo que exige, como condição para for-necer o crédito, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou terceiro. Já na modalidade de “receber” a conduta inicial parte da própria vítima. Esta oferece documento que pode vir a incriminá-la como condição para obter o cré-dito. Nas duas modalidades, o sujeito ativo se vale da necessidade da vítima para exigir ou receber o documento.

Não se exige que o procedimento criminal contra a vítima seja efetivamente instaurado para fins de tipificação desse delito, bastando a mera potenciali-dade para tanto. Segundo a jurisprudência, não ha-verá o delito em tela caso a vítima entregue cheque “pré-datado” ao credor, já que este não poderá dar ensejo a qualquer procedimento criminal contra ele.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de exigir ou receber, como garantia de dívida, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou terceiro. Não existe a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaNa modalidade de “exigir”, é crime formal que se

consuma com a simples exigência do documento. Já a modalidade de “receber” será crime material, consumando-se com o efetivo recebimento do docu-mento. Admite-se a tentativa (na primeira modalidade a tentativa é possível apenas se a exigência for feita por escrito e, por circunstâncias alheias à vontade do agente, não chegar até o conhecimento da vítima).

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Nos

termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, admite-se a suspensão condicional do processo.

DA USURPAÇÃO

Alteração de Limites

Art. 161. Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo e linha divi-sória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia:Pena – detenção, de um a seis meses, e multa.§ 1º Na mesma pena incorre quem:

Usurpação de águas

I – desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias;

Esbulho PossessórioII – invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.§ 2º Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada.§ 3º Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

O objeto jurídico tutelado no caput (alteração de limites) é a posse e o patrimônio imobiliário. A dou-trina diverge quanto a quem pode ser considerado sujeito ativo desse delito. Para Hungria (1979), Fra-goso (1981) e Jesus (1988), é somente o proprietário do imóvel vizinho (corrente majoritária). Já o sujeito passivo é o proprietário ou possuidor do imóvel. Já no caso tratado no inciso I (usurpação de águas) o objeto jurídico tutelado é o patrimônio imobiliário, especialmente o direito de uso das águas.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo será o proprietário ou possuidor da água desviada ou represada. No caso do inciso II (esbulho possessório), o objeto jurídico tutelado é posse ou propriedade imobiliária, além da

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integridade física e da liberdade da vítima. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, exceto o proprietário do imóvel. O condômino somente responderá por esse delito se a posse for pro diviso (cada condômino ocupa uma parte certa e determinada do imóvel). Já o sujeito passivo é aquele que legalmente detém a posse do imóvel (possuidor, usufrutuário, locatário etc.).

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoO crime de alteração de limites consiste em

suprimir [eliminar] ou deslocar [mudar de lugar] tapume [cercas, muros ou qualquer outro meio de separação de terrenos, marco [sinais materiais – toco, poste, árvores – que indicam a linha divisória] ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória [exemplos: valas, cursos d’água], para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia.

O elemento subjetivo é o dolo consistente na vontade livre e consciente de alterar o sinal divisório de coisa alheia móvel. Não se admite a forma cul-posa. Já no crime de usurpação de águas, a con-duta típica consiste em desviar (alterar) ou represar (conter, impedir), em proveito próprio ou de outrem, águas alheias.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de desviar ou represar águas alheias. Exige-se a presença do especial fim de agir representado pela expressão “em proveito próprio ou de outrem”. Inexiste a modalidade cul-posa.

Finalmente, o crime de esbulho possessório consiste em

invadir [entrar, penetrar no terreno ou edifício alheio], com violência a pessoa ou grave ame-aça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.

Não se exige que todos eles invadam efetiva-mente o imóvel. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de invadir, com violência à pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessó-rio (especial fim de agir). Não existe a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA alteração de limites consuma-se com a su-

pressão ou deslocamento de tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, não se exigindo a efetiva apropriação do bem (crime formal). Admite-se a tentativa.

O crime de usurpação de águas consuma-se com o efetivo desvio ou represamento de águas alheias, não se exigindo a obtenção de qualquer pro-veito (crime formal). É crime instantâneo, mas pode ter efeitos permanentes ou ser crime permanente

quando o desvio ou represamento for mantido de forma contínua. Admite-se a tentativa. Já o esbulho possessório consuma-se quando o agente invade o terreno ou edifício alheio, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas. Exige-se a comprovação de que a in-tenção do agente era esbulhar. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) A ação penal é pública incondicionada. Nos

termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, admite-se a suspensão condicional do processo.

b) No crime de esbulho possessório, se o agente se utiliza de violência, incorre também na pena a esta cominada (art. 161, § 2º). Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, o crime será de ação penal privada (§ 3º do art. 161).

Supressão ou Alteração de Marcas em Animais

Art. 162. Suprimir ou alterar, indevidamente, em gado ou rebanho alheio, marca ou sinal indicativo de propriedade:Pena – detenção, de seis meses a três anos, e multa.

O objeto jurídico tutelado é a propriedade dos semoventes, especialmente o gado e o rebanho. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o proprietário dos animais.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

suprimir [fazer desaparecer] ou alterar [trans-formar, modificar], indevidamente, em gado ou rebanho alheio, marca ou sinal indicativo de propriedade.

Exige-se que a alteração ou supressão sejam indevidas (elemento normativo do tipo).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consis-tente na vontade livre e consciente de suprimir ou alterar, indevidamente, marca ou sinal indicativo de propriedade em gado ou rebanho alheio. Inexiste a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação se dá com a supressão ou alte-

ração da marca ou sinal indicativo de propriedade. Pouco importa se o agente se apropria ou não dos animais. Admite-se a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Admite-se

a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

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Dano

Art. 163. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Dano Qualificado

Parágrafo único. Se o crime é cometido:I – com violência à pessoa ou grave ameaça;II – com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave;III – contra o patrimônio da União, Estado, Mu-nicípio, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista;IV – por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima:Pena – detenção, de seis meses a três anos, e multa, além da pena correspondente à violência.

O objeto jurídico tutelado é a posse e propriedade dos bens móveis e imóveis. Apesar de esse delito estar inserido no título que trata dos crimes contra o patrimônio. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), exceto o proprietário. Já o sujeito passivo é o proprietário e, excepcionalmente, o possuidor.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

destruir [eliminar, fazer com que a coisa perca a sua essência], inutilizar [tornar imprestável, inútil – a coisa torna-se, total ou parcialmente, imprópria para a finalidade que se destina] ou deteriorar [estragar, reduzir o seu valor] coisa alheia.

Esse delito pode ser praticado nas modalidades comissiva ou omissiva. O objeto material desse delito é a coisa alheia, móvel ou imóvel. Inclui também a coisa que foi perdida pelo dono. Entretanto, a res nullius (coisa de ninguém) não pode ser objeto desse crime. Atualmente, os tribunais vêm aplicando, com maior incidência, o princípio da insignificância no crime de dano.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia. A doutrina discute se seria necessária a existência do fim especial de causar dano (animus nocendi) para a configuração do crime de dano. Há duas posições a respeito: I) Hungria (1979) entende ser indispensável a existência de tal elemento; II) a maioria da doutrina, entretanto, entende ser dispensável a vontade de causar dano para a configuração desse delito, uma vez que o tipo penal não o exige e tal vontade já estaria incluída

na própria ação criminosa7. Inexiste a forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva destruição,

inutilização ou deteriorização da coisa alheia (crime material). Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Atualmente a conduta de pichar muros e pare-

des está enquadrada no art. 65 da Lei nº 9.605/1998;b) Para a maioria da jurisprudência, o preso que

danifica as grades do presídio com o fim de empre-ender fuga não responde pelo crime de dano, uma vez que a conduta foi praticada visando à fuga e não a causar prejuízo ao Estado;

c) A forma simples desse delito está prevista no caput do art. 163. Já as formas qualificadas estão elencadas no seu parágrafo único. Estas últimas ocorrerão quando o crime for cometido: I) com vio‑lência ou grave ameaça à pessoa: exige-se que a violência ou grave ameaça sejam empregadas antes ou durante a execução do crime (para garantir a sua execução). Do contrário, o agente responderá pelo crime de dano em concurso material com a lesão corporal. Por outro lado, nos termos desse parágrafo único, havendo essa forma qualificada de dano, será aplicada a pena correspondente a essa modalidade de delito, além da pena correspondente à violência; II) com emprego de sustância inflamável ou ex‑plosiva, se o fato não constitui crime mais grave: trata-se de infração subsidiária que ficará absorvida quando o fato constituir crime mais grave (exemplo: homicídio qualificado pelo emprego de fogo ou ex-plosivo); III) contra o patrimônio da União, Estado, Município e empresa concessionária de servi‑ços públicos ou sociedade de economia mista: visa-se a proteger o patrimônio público (exemplos: danos a telefones públicos, pardais, lâmpadas de postes). Abrange também o patrimônio das autar-quias, empresas públicas e fundações públicas. Os bens particulares alugados pela Administração Pública estão excluídos desse rol; IV) por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima: motivo egoístico é aquele ligado à obtenção de um futuro benefício. Exemplo: sabotar o carro do competidor adversário para ganhar a corrida. Nos termos do art. 167 do CP, a ação penal neste caso é privada;

d) Subtração de telefone público constitui crime de furto e não dano;

e) O crime de dano simples (caput) e qualificado (somente o inciso IV do parágrafo único) são de ação penal privada. Nos demais casos, serão de ação penal pública incondicionada;

f) O crime de dano simples (caput) constitui infração penal de menor potencial ofensivo e ad-mite a suspensão condicional do processo (Lei nº 9.099/1995);

h) Gonçalves (2004b, v. 9, p. 58) ressalta uma questão interessante: [...] como algumas formas qualificadas são de ação pública e o tipo simples

7 Nesse sentido: Jesus (1998), Noronha (1988) e Capez (2004).

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é de ação privada, pode surgir um grave problema processual na hipótese em que o réu é denunciado por uma dessas formas de dano qualificado e, ao fi-nal, o juiz entende que a autoria está provada, mas a qualificadora não. Nesse caso, o juiz deve realizar a desclassificação para o delito de dano simples e, em vez de condenar o réu, decretar a nulidade da ação, desde o princípio, por ilegitimidade da parte, já que a ação foi proposta pelo Ministério Público, quando o correto teria sido a própria vítima fazê-lo (arts. 43, III, e 564, II, do CPP). Daí, a vítima poderá propor novamente a ação, mas apenas se não tiver decorrido o prazo decadencial de seis meses.

i) Dano a sepulturas tipifica o crime do art. 210 do CP. Já o dano às coisas destinadas ao culto religioso configura o delito do art. 208 do CP.

Introdução ou Abandono de Animais em Propriedade Alheia

Art. 164. Introduzir ou deixar animais em pro-priedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que do fato resulte prejuízo:Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, ou multa.

O objeto jurídico tutelado é a inviolabilidade da posse e da propriedade alheia. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), exceto o proprietário. Já o sujeito passivo é o proprietário ou legítimo possuidor.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

introduzir [fazer entrar – a conduta aqui é co-missiva] ou deixar [abandonar, largar – essa conduta é omissiva] animais em propriedade alheia [terreno rural ou urbano], sem consenti-mento de quem de direito [elemento normativo do tipo], desde que do fato resulte prejuízo.

A lei usa a palavra “animais” no plural, mas, para a doutrina, basta a introdução de um único animal para a tipificação desse delito.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consis-tente na vontade livre e consciente de introduzir ou deixar animais em propriedade alheia. Segundo a doutrina, se a intenção do agente é aferir lucro ou outro proveito direto, o crime será o de furto. Exem-plo: introduzir os animais em terreno alheio para que estes se alimentem das plantações. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre quando, em razão da

introdução ou abandono do animal em propriedade alheia, resulta prejuízo (crime material). Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Nos termos do art. 167 do CP, a ação penal é

privada. Trata-se de infração penal de menor poten-cial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Dano em Coisa de Valor Artístico, Arqueológico ou Histórico

Art. 165. Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtu-de de valor artístico, arqueológico ou histórico:Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

Este artigo foi tacitamente revogado pelo art. 62, I, da Lei nº 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais) que possui a seguinte redação: “Destruir, inutilizar ou deteriorar: I – bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial. Pena – reclusão, de um a três anos, e multa”.

Alteração de Local Especialmente Protegido

Art. 166. Alterar, sem licença da autoridade competente, o aspecto de local especialmente protegido por lei:Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Artigo revogado pelo art. 63 da Lei nº 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais) que possui a seguinte redação:

Art. 63. Alterar o aspecto ou a estrutura de edificação ou local especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial, em razão de seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico, cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental, sem autorização da autoridade competente ou em desacordo com a concedida. Pena – reclusão de um a três anos, e multa.

Ação Penal

Art. 167. Nos casos do art. 163, do inciso IV do seu parágrafo e do art. 164, somente se procede mediante queixa. Já comentado nos itens precedentes.

DA APROPRIAÇÃO INDÉBITA

Apropriação Indébita

Art. 168. Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:Pena – reclusão, de um a quatro anos, e mul-ta.

Aumento de Pena

§ 1º A pena é aumentada de um terço, quando o agente recebeu a coisa:I – em depósito necessário;II – na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;III – em razão de ofício, emprego ou profissão.

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O objeto jurídico tutelado é o patrimônio e o direito à propriedade. O sujeito ativo será aquela que tem a posse ou detenção lícita da coisa alheia móvel. Já o sujeito passivo é o dono ou possuidor da coisa.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “apropriar-se [tomar

para si] de coisa alheia móvel, de que tem a posse [art. 1.197 do CC] ou a detenção [arts. 1.198 e 1.208 do CC]”. Nesse delito, o agente recebe legitimamente a coisa, mas passa a se comportar como se dono fosse, recusando-se a devolvê-la. Note que a coisa foi entregue, de forma livre e consciente, pelo pro-prietário, sem o emprego de qualquer tipo de fraude ou violência.

A apropriação indébita não se confunde com o furto mediante fraude ou com o estelionato. No furto mediante fraude, a vítima é induzida a erro, o que faz que diminua a sua vigilância sobre a coisa. O agente, então, aproveitando-se desse fato, a subtrai. Note que a vítima, mesmo em erro, não entrega a coisa voluntariamente ao agente. É justamente essa a diferença para o crime de estelionato. Nesse último, a vítima é enganada, induzida a erro, o que faz com que, espontaneamente, entregue a coisa ao agente. No estelionato o dolo do agente é anterior ao rece-bimento da posse ou detenção da coisa.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de apropriar-se de coisa alheia móvel que tem a posse ou detenção. Essa intenção de se apropriar da coisa só surge após o agente já ter obtido a sua posse ou detenção. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no exato momento em que

o agente inverte o seu ânimo sobre a coisa, passan-do a atuar como se dono fosse e recusando-se a devolvê-la (crime material). A maioria da doutrina ad-mite a tentativa, apesar de ser de difícil constatação.

Observaçõesa) A detenção de um bem pode ser vigiada ou

desvigiada. Somente nessa última é que poderá ocorrer o crime de apropriação indébita. Caso o agente se apodere de um bem cuja detenção seja vigiada, responderá pelo crime de furto, uma vez que não dispunha do livre poder sobre a coisa.

b) A doutrina costuma diferenciar dois tipos de apropriação indébita: i) a apropriação indébita propriamente dita e ii) a apropriação indébita na modalidade de negativa de restituição. A primeira ocorre quando o agente pratica algum ato de disposi-ção da coisa que somente poderia ter sido efetuado pelo proprietário. Já a segunda modalidade ocorre quando o agente se recusa a devolver coisa alheia, passando a se comportar como se dono fosse.

c) A forma simples desse delito está prevista no caput do artigo. Já o § 1º traz algumas causas de aumento de pena. Assim, a pena será aumentada de um terço quando o agente recebeu a coisa: i) em depósito necessário: o depósito receberá esse nome quando se der por expressa disposição legal; em razão de alguma calamidade ou quando se fizer por equiparação (referente a bagagens de viajantes

ou hóspedes nos hotéis, hospedaria ou pensões). Esse inciso, entretanto, abrange apenas a segunda modalidade de depósito necessário (chamado de-pósito miserável), pois, no primeiro (depósito legal), o agente sempre será funcionário público e, portanto, responderá pelo crime de peculato. Já no ultimo, o crime será aquele previsto no art. 168, § 1º, III, do CP; ii) na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou de‑positário judicial: essa enumeração é taxativa, sob pena de ser aplicada analogia em malam partem. Apesar de todos serem funcionários públicos, não responderão pelo crime de peculato, por expressa disposição legal em contrário; iii) em razão de ofício, emprego ou profissão: só incidirá essa causa de aumento de pena se o agente recebeu a coisa alheia em razão do ofício, emprego ou profissão.

d) O art. 170 do CP traz a previsão da apropria‑ção indébita privilegiada, aplicando os mesmos requisitos exigidos pelo § 2º do art. 155 do CP.

e) A ação penal é pública incondicionada. A sua forma simples admite a suspensão condicional do processo, prevista no art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

Apropriação Indébita Previdenciária

Art. 168‑A. Deixar de repassar à previdên-cia social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou con-vencional:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:I – recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de paga-mento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;II – recolher contribuições devidas à previ-dência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de pro-dutos ou à prestação de serviços;III – pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, es-pontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:I – tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pa-gamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ouII – o valor das contribuições devidas, inclu-sive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, admi-nistrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

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O objeto jurídico tutelado é o patrimônio de todos aqueles que integram o sistema previdenciá-rio. O sujeito ativo somente pode ser aquele com o dever legal de repassar à Previdência Social os valores recolhidos dos contribuintes (crime próprio). Já o sujeito passivo é o Estado, especialmente a Previdência Social.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “deixar de repassar

[não encaminhar] à previdência social as contribui-ções recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional”.

Trata-se de um crime omissivo puro ou próprio em que o agente não repassa à Previdência Social as contribuições recolhidas dos contribuintes no prazo e forma legal ou convencional. Como o tipo penal se refere ao “prazo e forma legal ou convencional”, percebe-se que se trata de norma penal em branco, que exige complementação pelas normas previden-ciárias em vigor.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de não repassar à Pre-vidência Social as contribuições recolhidas. Inexiste a forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento de exaurimen-

to do prazo (legal ou convencional) assinalado para o recolhimento das contribuições previdenciárias. Por se tratar de crime omissivo puro ou próprio, a tentativa é inadmissível.

Observaçõesa) A forma simples desse delito encontra-se

prevista no caput do artigo. Já as formas equipara‑das encontram-se previstas em seu § 1º. Assim, nas mesmas penas incorre quem deixar de: I) recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público; II) recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; III) pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tive‑rem sido reembolsados à empresa pela previdên‑cia social. Nesses três incisos previstos no § 1º do art. 168 do CP, pune-se a conduta do contribuinte empresário que deixa de recolher contribuições ou outra importância destinada à Previdência Social ou deixa de pagar benefício ao segurado.

b) O § 2º do art. 168 traz uma causa extintiva da punibilidade. O prazo final para pagamento das contribuições, importâncias ou valores devidos é até o início da ação fiscal. Para Bitencourt (2001) e Capez (2004), o início da ação fiscal se dá não com o Termo de Início da Ação Fiscal (TIAF), mas, sim, com a notificação pessoal do contribuinte de sua instauração. Caso o pagamento ocorra após o início da ação fiscal, mas antes do oferecimento da denúncia, poderá ser aplicado o § 3º do art. 168 do CP. Caso ocorra após o oferecimento da denúncia,

mas antes do seu recebimento, poderá incidir o art. 16 do CP (arrependimento posterior). Finalmen-te, se o pagamento ocorrer após o recebimento da denúncia, poderemos ter a incidência de atenuante prevista no art. 65 do CP.

c) Nos termos do § 3º do art. 168 do CP “é facul-tado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar so-mente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que”: I) tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou II) o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas exe‑cuções fiscais: atualmente, nos termos do art. 20 da Lei nº 10.522/2002, com redação dada pela Lei nº 11.033/2004, esse valor é de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Trata-se de hipótese de perdão judicial ou aplicação apenas da pena de multa. Exige-se que o agente seja primário e de bons antecedentes.

d) A ação penal é pública incondicionada. Nos termos do art. 170 do CP, aplica-se o art. 155, § 2º, para esse delito (forma privilegiada). Trata-se de crime de competência da Justiça Federal (art. 109 da Constituição Federal).

Apropriação de Coisa Havida por Erro, Caso fortuito ou força da Natureza

Art. 169. Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza:Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.Parágrafo único. Na mesma pena incorre:

Apropriação de tesouroI – quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria, no todo ou em parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio;

Apropriação de coisa achadaII – quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de 15 (quinze) dias.

O objeto jurídico tutela é o patrimônio. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o proprietário do bem.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoNos termos do caput deste artigo, a conduta típica

consiste em “apropriar-se [apoderar- se] alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza”. O que caracteriza esse delito é que a coisa vem até o poder do agente por erro (engano, falsa representação de uma realidade), caso fortuito (evento acidental que decorre de um comportamento humano) ou força da natureza (even-to acidental e imprevisível provocado pela natureza).

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Aqui, o agente recebe a coisa independentemente da sua vontade (até aqui a conduta é atípica); porém, no momento em que inverte o seu ânimo sobre a coisa e passa a se comportar como se dono fosse, ocorrerá esse delito.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de apropriar-se de coisa alheia recebida por erro, caso fortuito ou força maior. Inexiste forma culposa.

O inciso I trata da apropriação de tesouro e ocorrerá quando o agente “acha tesouro em prédio alheio e se apropria, no todo ou em parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio”.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de se apropriar, no todo ou em parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio, no caso de tesouro achado em prédio alheio. Inexiste a modalidade culposa desse delito.

Já o inciso II desse mesmo artigo trata da apro‑priação de coisa achada. Ocorrerá quando o agente “acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de 15 (quinze) dias”. A conduta típica não se achar a coisa perdida, mas, sim, apropriar-se dela. Nos termos do Código Civil, aquele que acha coisa perdida, deve restituí-la ao dono ou legítimo possuidor (art. 1.233). Caso esse não seja conhecido, o descobridor deverá entregá-la à autoridade competente. Segundo a maioria da doutrina, haverá esse delito quer o encontro tenha sido casual (exemplo: alguém encontra uma pulseira no chão), quer tenha sido intencional.

É atípica a conduta daquele que acha coisa que foi abandonada ou coisa que nunca teve dono ou possuidor. Considera-se coisa perdida aquela que foi esquecida em local público ou de uso público. No entanto, aquele que se apodera de coisa que foi por outrem esquecida em local privado comete crime de furto. O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consis-tente na vontade livre e consciente de se apoderar de coisa alheia perdida, deixando de restituí-la ao dono ou possuidor, ou de entregá-la à autoridade competente, dentro do prazo de 15 dias. Deve-se comprovar a intenção do agente de se apropriar da coisa, não respondendo por esse delito aquele que deixa de entregá-la por mera negligência. O simples escoamento do prazo de 15 dias sem que haja a entrega do bem não configura automaticamente o delito (trata-se de mera presunção que admite prova em contrário). Inexiste a forma culposa desse delito.

Consumação e tentativaPara a conduta descrita no caput e inciso I do

parágrafo único, a consumação ocorre no exato momento em que o agente inverte o seu ânimo sobre a coisa, passando a atuar como se dono fosse e recusando-se a devolvê-la (crime material). A maioria da doutrina admite a tentativa, apesar de ser de difícil constatação. Já na apropriação de coisa achada (inciso II), a consumação se dá no momento em que o agente, conhecendo o proprietário ou le-gítimo possuidor do bem, deixa de entregá-lo. Caso o agente ignore o proprietário ou possuidor do bem,

a consumação ocorrerá quando deixar de entregá-lo à autoridade competente após transcorrido o prazo de 15 dias. Admite-se a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Nos

termos do art. 170 do CP, aplica-se o art. 155, § 2º, para esse delito (forma privilegiada).

DO ESTELIONATO E OUTRAS fRAUDES

Estelionato

Art. 171. Obter, para si ou para outrem, van-tagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.§ 1º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º.§ 2º Nas mesmas penas incorre quem:

Disposição de Coisa Alheia como Própria

I – vende, permuta, dá em pagamento, em loca-ção ou em garantia coisa alheia como própria;

Alienação ou Oneração fraudulenta de Coisa PrópriaII – vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer des-sas circunstâncias;

Defraudação de PenhorIII – defrauda, mediante alienação não con-sentida pelo credor ou por outro modo, a ga-rantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;

fraude na Entrega de CoisaIV – defrauda substância, qualidade ou quan-tidade de coisa que deve entregar a alguém;

fraude para Recebimento de Indenização ou Valor de SeguroV – destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;

fraude no Pagamento por Meio de ChequeVI – emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.§ 3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.

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O objeto jurídico tutelado é o patrimônio. O sujei-to ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Admite-se a coautoria e a participação. O sujeito passivo também pode ser qualquer pessoa, porém é possível que sejam pessoas diversas (ocorrerá quan-do a vítima enganada for pessoa diversa daquela que sofrer a lesão patrimonial). Exige-se, entretanto, que a vítima seja determinada. Caso seja indeterminada, será o caso de crime contra a economia popular (Lei nº 1.521/1951). Exemplo: adulteração de bombas de gasolina ou taxímetro.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “obter, para si ou

para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro [falsa percepção da realidade], mediante artifício [fraude material, isto é, alteração, ao menos aparente, do aspecto real da coisa], ardil [fraude intelectual, ou seja, dirigida à vítima de modo a despertar algum sentimento de compaixão ou alguma emoção quanto à situação ilusória criada], ou qualquer outro meio fraudulento”. Nesse delito, o agente se utiliza da fraude, do ardil ou engano, para induzir ou manter a vítima em erro e, assim, obter alguma vantagem ilíci-ta. Não há o emprego de violência ou grave ameaça. Importante destacar que somente haverá o delito de estelionato se o meio fraudulento empregado pelo agente for capaz de, pelo menor em tese, ludibriar a vítima (para essa aferição deve-se considerar as condições pessoais da vítima e o caso concreto). A vantagem visada pelo agente deve ter conteúdo econômico (uma vez que o estelionato está inserido no título que trata dos crimes contra o patrimônio).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita (especial fim de agir), induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento. O agente deve saber que a vantagem por ele alme-jada é ilícita. Do contrário, poderá responder pelo crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP). Inexiste forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no exato momento em que

o agente obtém a vantagem ilícita (crime material). Admite-se a tentativa. Exemplo: o agente aplica a fraude, mas não consegue enganar a vítima (nesse caso, haverá tentativa apenas se comprovado que a fraude empregada pelo agente era idônea para enganar a vítima. Do contrário, será o caso de crime impossível por absoluta ineficácia do meio empregado).

Observaçõesa) No crime de estelionato (forma simples prevista

no caput do art. 171), se o agente repara o dano an-tes do recebimento da denúncia, haverá a aplicação do arrependimento posterior previsto no art. 16 do CP. Caso essa reparação se dê após o recebimento da denúncia, mas antes da sentença, haverá a inci-dência de uma atenuante genérica (art. 65 do CP).

Questiona-se na doutrina se, caso a vítima tam-bém agir de má-fé (intuito de obter proveito mediante a prática de um negócio ilícito), ficaria excluído o crime de estelionato praticado pelo agente (torpeza bilateral). De acordo com a posição majoritária, haverá, sim, crime de estelionato nessa hipótese. O Direito Penal não admite a compensação de cul-pas. Assim, deve-se punir o sujeito ativo do crime de estelionato e, se for o caso, também a vítima.

b) Já o § 1º do art. 171 trata sua forma privile‑giada. Segundo a jurisprudência, o prejuízo será de pequeno valor quando não ultrapassar um salário mínimo. A forma privilegiada aplica-se ao caput e ao § 2º do art. 171. As formas equiparadas des-se delito estão previstas no seu § 2º. São elas: I) disposição de coisa alheia como própria: nessa modalidade o agente, se fazendo passar por dono da coisa, vende, permuta ou dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como se fosse própria. A consumação ocorre, no caso de venda, com o recebimento do preço; na permuta, com o recebimento da coisa; na locação, quando o agente recebe o primeiro aluguel; na dação em pagamento, ao receber a quitação e; na dação em garantia, com o recebimento do empréstimo. A tentativa é admissível; II) alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria: ocorrerá quando o agente

vende, permuta, dá em pagamento ou em ga-rantia coisa própria inalienável [não pode ser vendida, por determinação legal ou conven-ção], gravada de ônus [sobre a qual recai um direito real – exemplos: hipoteca, anticrese] ou litigiosa [objeto de discussão judicial], ou imó-vel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias.

Como se vê, o agente silencia-se sobre o ônus ou encargo que recai sobre a coisa. É nessa conduta que consiste a fraude. O crime consuma-se com o efetivo recebimento da vantagem indevida, em prejuízo de alheio. Admite-se a tentativa; III) de‑fraudação de penhor: ocorre quando o agente “defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado”. Tere-mos esse delito quando o bem objeto de penhor ficar em posse do devedor (hipótese excepcional, mas possível) e este aliená-lo sem autorização do credor, ou, de qualquer outra forma, inviabilizar a garantia pignoratícia. Esse delito se consuma quan-do o agente defrauda o penhor, seja alienando-o, destruindo-o ou ocultando-o. Admite-se a tentativa; IV) fraude na entrega da coisa: ocorre quando o agente “defrauda [trocar, alterar, privar] substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém”. Para sua consumação, o tipo exige que ocorra a efetiva entrega da coisa defraudada. Do contrário, haverá tentativa; V) fraude para recebi‑mento de indenização ou valor de seguro: essa modalidade se dá quando o agente “destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o pró-prio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências

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da lesão ou doença, com o intuito de haver indeni-zação ou valor de seguro”. Esse delito se consuma com a simples conduta de destruir, ocultar, lesar ou agravar, pouco importando se há ou não recebimento de indenização ou seguro (crime formal). Admite-se a tentativa; VI) fraude no pagamento por meio de cheque: ocorre quando o agente “emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento”. Exige-se que o agente aja com o dolo de causar prejuízo alheio. Assim, caso o agente, ao emitir o cheque, imagine que possui fundos suficientes, não responderá pelo delito em análise. É nesse sentido a Súmula nº 246 do STF “Comprovado não ter havido fraude, não se configura o crime de emissão de cheque sem fun-dos”. Segundo a doutrina e jurisprudência, sendo o cheque ordem de pagamento à vista, qualquer atitu-de que lhe retire essa característica desnatura essa modalidade de delito. Exemplo: cheque pós-datado (vulgarmente conhecido como cheque pré-datado). Entende, ainda, a doutrina e jurisprudência que a emissão de cheque sem a devida provisão de fundos para o pagamento de dívida preexistente não confi-gura delito em tela, já que, nesse caso, o prejuízo da vítima é anterior à emissão do cheque e não decorre dele. Além disso, quando o agente encerra a conta bancária antes da emissão do cheque, responderá pelo delito em sua modalidade simples (art. 171, caput), pois a fraude empregada é anterior à emissão do cheque.

Esse delito se consuma no momento em que o banco sacado recusa o pagamento do cheque, quando só então haverá o prejuízo. Admite-se a tentativa. Não se admite a forma culposa.

c) Discute-se, na doutrina, se a emissão de che-que sem fundos para pagamento de jogos ilícitos constitui crime. Noronha (1988) entende não haver crime na hipótese, pois o Direito não tutela o patrimô-nio do jogador. Hungria (1979), entretanto, defende haver crime nesse caso, pois, ainda que o jogo seja ilícito, o crime não deixa de existir. Já com relação à emissão de cheque sem fundos para pagamento de relações sexuais com prostituta os tribunais têm oscilado em suas decisões, ora considerando haver crime de estelionato, ora entendendo ser atípica a conduta.

d) A ação penal é pública incondicionada. Nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, admite-se a suspensão condicional do processo no caput e no § 2º, desde que não incida a causa de aumento prevista no § 3º.

fatura, Duplicata ou Nota de Venda Simulada

Art. 172. Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.Parágrafo único. Nas mesmas penas incorrerá aquele que falsificar ou adulterar a escritura-ção do Livro de Registro de Duplicatas.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio e a boa-fé de que devem gozar os títulos de crédito e outros documentos públicos. O sujeito ativo somente poderá ser aquele que emite a fatura, duplicata ou nota de venda. Para a maioria da doutrina, o endossatário e avalista não podem ser sujeitos ativos desse de-lito, uma vez que eles não emitem tais títulos. Já o sujeito passivo é aquele que desconta da duplicata (recebedor do título), bem como o sacado de boa-fé (aquele contra quem é sacada a duplicada e emitida a fatura ou nota de venda).

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “emitir [criar, pro-

duzir] fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado”. Para a confi-guração desse delito, não se exige que o título seja efetivamente posto em circulação ou que tenha havido o aceite da duplicata. A fraude reside em produzir-se um título que não corresponda ao ne-gócio que foi efetivamente realizado pelas partes. O comerciante, sabendo disso, desconta o título com um terceiro de boa-fé que, ao apresentá-lo ao comprador da mercadoria, não receberá o valor do documento, pois esse terceiro vai negar-se a pagá-lo com o argumento de que ele não representa o ne-gócio que foi de fato realizado.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de emitir duplicata, fatura ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida ou ao serviço prestado. Inexiste a forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva emissão da

fatura, duplicata ou nota de venda, não se exigindo que ela seja efetivamente posta em circulação (cri-me formal). A tentativa é incabível, pois ou o agente emite o documento (havendo o crime nesse caso) ou não o emite (nessa hipótese a conduta será atípica).

ObservaçãoA forma simples desse delito está descrita no caput

do art. 172. Já a forma equiparada encontra-se no parágrafo único desse mesmo artigo que tem a seguinte redação: “nas mesmas penas incorrerá aquele que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas”. Esse crime é de falsidade documental, mas, por opção legislativa, encontra-se classificado como crime contra o pa-trimônio. O sujeito passivo aqui é o Estado. A ação penal é pública incondicionada.

Abuso de Incapazes

Art. 173. Abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiên-cia de menor, ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro:Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa.

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O objeto jurídico tutelado é o patrimônio. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o menor (de 18 anos), alienado (louco) ou débil mental (deficiente do ponto de vista psíquico). Essa enumeração é taxativa.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de me-nor, ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro.

Nesse delito, o agente abusa de condições particulares (necessidade, paixão ou inexperiência) do menor ou do estado de alienação ou debilidade mental de outrem, com o fim de induzí-los a praticar atos que gerem efeitos jurídicos em proveito próprio ou de terceiros. Não se exige que o dano chegue efetivamente a se concretizar, bastando a mera potencialidade de sua ocorrência.

O elemento subjetivo é o dolo (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de abusar da necessidade, paixão ou inexperiência de menor ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo-os a praticar atos que possam gerar efeitos negativos para eles ou terceiros. O agente deve ter conhecimento da particular situação das vítimas. Do contrário, se tiver agido com fraude ou engodo, responderá pelo crime de estelionato. Exige-se, ainda, que o agente aja visando a atingir proveito próprio ou alheio (especial fim de agir), que pode ser vantagem patrimonial ou não. Segundo a doutrina, esse proveito deve ser indevido, sob pena de restar configurado outro delito. Não se admite a forma culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que o

incapaz pratica ato suscetível de prejudicar ele próprio ou terceiros, não importa se o agente obtém ou não qualquer proveito (crime formal). Admite-se a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada.

Induzimento à Especulação

Art. 174. Abusar, em proveito próprio ou alheio, da inexperiência ou da simplicidade ou inferioridade mental de outrem, induzindo-o à prática de jogo ou aposta, ou à especulação com títulos ou mercadorias, sabendo ou de-vendo saber que a operação é ruinosa:Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é a pessoa inexperiente, simples ou com inferioridade mental.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

abusar, em proveito próprio ou alheio, da inex-periência ou da simplicidade ou inferioridade mental de outrem, induzindo-o à prática de jogo ou aposta, ou à especulação com títulos ou mercadorias, sabendo ou devendo saber que a operação é ruinosa.

Pouco importa se a prática é lícita ou ilícita.O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consis-

tente na vontade livre e consciente de abusar da inexperiência, simplicidade ou inferioridade mental de outrem, induzindo-o à prática de jogo ou aposta ou à especulação com títulos ou mercadores, sa-bendo ou devendo saber que a operação é ruinosa. O agente deve visar à obtenção de proveito próprio ou alheio (especial fim de agir). Na modalidade de induzir a vítima à especulação com títulos ou mer-cadoria, exige-se que o agente saiba ou deva saber (dolo direto ou eventual) que a operação é ruinosa. Inexiste a forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva prática de

jogo, aposta ou especulação com títulos ou mercado-rias, não se exigindo que o agente obtenha qualquer tipo de proveito ou que a vítima sofra prejuízo (crime formal). Admite-se a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Nos

termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, admite-se a suspensão condicional do processo.

fraude no Comércio

Art. 175. Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor:I – vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;II – entregando uma mercadoria por outra:Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.§ 1º Alterar em obra que lhe é encomendada a qualidade ou o peso de metal ou substituir, no mesmo caso, pedra verdadeira por falsa ou por outra de menor valor; vender pedra falsa por verdadeira; vender, como precioso, metal de ou outra qualidade:Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.§ 2º É aplicável o disposto no art. 155, § 2º.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio e a mo-ralidade no comércio. O sujeito ativo, para a maioria da doutrina, somente poderá ser o comerciante ou comerciário (crime próprio)8. Do contrário, o crime será o de fraude na entrega da coisa (art. 171, § 2º, IV, do CP). Já o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa.

8 Nesse sentido: Jesus (1988), Capez (2004), Fragoso (1981), Hungria (1979) e outros.

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Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “enganar, no

exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor: I – vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada; ou II – entregando uma mercadoria por outra”.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consisten-te na vontade livre e consciente de vender, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada, ou entregar uma mercadoria por outra. O agente deve saber que a mercadoria é falsificada ou deteriorada. Não se exige um especial fim de agir representado pela vontade de obter proveito econô-mico. Há, no entanto, um perigo de dano patrimonial para a vítima. Inexiste a forma culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no exato momento em

que a coisa é entregue à vítima (tradição do bem). Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) A ação penal é pública incondicionada.b) A forma simples desse delito está prevista

no caput do art. 175. Já a forma qualificada está prevista no § 1º.

c) Nos termos do § 2º, aplica-se o art. 155, § 2º, do CP a esse delito (forma privilegiada).

d) A forma simples desse delito (caput), nos ter-mos da Lei nº 9.099/1995 c/c Lei nº 10.259/2001, configura infração penal de menor potencial ofensivo.

e) A suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995) é cabível para a forma simples (caput) e qualificada (§ 1º).

Outras fraudes

Art. 176. Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento:Pena – detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.Parágrafo único. Somente se procede median-te representação, e o juiz pode, conforme as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é quem presta o serviço.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

tomar refeição em restaurante [qualquer lo-cal cuja atividade inclua fornecer alimentos], alojar-se em hotel [qualquer estabelecimento destinado ao alojamento de pessoas] ou utilizar-se de meio de transporte [qualquer meio de transporte cujo pagamento é feito ao final da prestação do serviço] sem dispor de recursos para efetuar o pagamento.

O passageiro que usa bilhete falsificado ou entra clandestinamente no veículo de transporte comete o crime de estelionato.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar uma das con-dutas descritas no tipo penal. Exige-se que o agente tenha consciência de que não dispõe de numerário suficiente para efetuar o pagamento. Inexiste forma culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva tomada da

refeição, alojamento ou utilização do meio de trans-porte. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) O parágrafo único deste artigo traz hipótese de

perdão judicial em que o juiz, conforme as circuns-tâncias, pode deixar de aplicar a pena.

b) A ação penal é pública condicionada à repre-sentação. Trata-se de infração penal de menor po-tencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

fraudes e Abusos na fundação ou Administração de Sociedades por Ações

Art. 177. Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em prospecto ou em comunicação ao público ou à assembleia, afirmação falsa sobre a constituição da so-ciedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo:Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular.§ 1º Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular:I – o diretor, o gerente ou o fiscal de socieda-de por ações, que, em prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou à assembleia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo;II – o diretor, o gerente ou o fiscal que pro-move, por qualquer artifício, falsa cotação as ações ou de outros títulos da sociedade;III – o diretor ou o gerente que toma emprés-timo à sociedade ou usa, em proveito próprio ou de terceiro, dos bens ou haveres sociais, sem prévia autorização da assembleia geral;IV – o diretor ou o gerente que compra ou vende, por conta da sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite;V – o diretor ou o gerente que, como garantia de crédito social, aceita em penhor ou em caução ações da própria sociedade;VI – o diretor ou o gerente que, na falta de balanço, em desacordo com este, ou mediante balanço falso, distribui lucros ou dividendos fictícios;VII – o diretor, o gerente ou o fiscal que, por interposta pessoa, ou conluiado com acionista, consegue a aprovação de conta ou parecer;

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VIII – o liquidante, nos casos dos nos I, II, III, IV, V e VII;IX – o representante da sociedade anônima estrangeira, autorizada a funcionar no País, que pratica os atos mencionados nos I e II, ou dá falsa informação ao Governo.§ 2º Incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa, o acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de assembleia geral.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio. O sujeito ativo é aquele que funda a sociedade por ações. Já o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “promover a funda-

ção de sociedade por ações, fazendo, em prospecto ou em comunicação ao público ou à assembleia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo”. Nesse delito, o agente omite certas informações ou faz afirmações falsas referentes à sociedade por ações de modo a atrair o maior número de interes-sados em subscreveras ações dessa sociedade.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de fazer afirmação fal-sa sobre a constituição de sociedade por ações, ou ocultar fraudulentamente fato a ela relativo. Inexiste forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que o

agente faz a afirmação falsa ou oculta fraudulenta-mente fato relativo à sociedade por ações, não se exigindo que haja a efetiva subscrição das ações pelos interessados (crime formal). Admite-se a ten-tativa apenas na modalidade comissiva desse delito (“fazer afirmação falsa”).

Observaçõesa) A forma simples desse delito está prevista no

caput do art. 177. No § 1º estão descritas as formas equiparadas. Esses delitos também são subsidiá-rios, já que somente restarão configurados se o fato não constituir crime contra a economia popular.

b) O art. 177, caput, é um artigo expressamente subsidiário, uma vez que somente terá aplicação se o fato não constituir crime contra a economia popular.

c) Nos termos do § 2º do art. 177 “incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa, o acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de assembleia geral”. De acordo com a doutrina, considerando que o art. 118 da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/1976) admite o acordo entre os acionistas no que tange ao direito de voto, esse parágrafo terá aplicação apenas quando a nego-ciação contrariar dispositivo legal expresso ou não observar as formalidades legais. Essa conduta típica se consuma com a efetiva negociação do voto.

d) A ação penal é pública incondicionada. A con-duta descrita no § 2º deste artigo constitui infração

penal de menor potencial ofensivo, nos termos da Lei nº 10.259/2001. Admite-se a suspensão con-dicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, em todas as formas previstas no art. 177.

Emissão Irregular de Conhecimento de Depósito ou warrant

Art. 178. Emitir conhecimento de depósito ou warrant, em desacordo com disposição legal:Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é portador ou endossatário dos títulos.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “emitir [pôr em cir-

culação] conhecimento de depósito ou warrant, em desacordo com disposição legal”. Segundo Capez (2004, v. 2, p. 524):

[...] Conceitua o art. 1º do Decreto nº 1.102, de 21/11/1903, as empresas de armazéns gerais como sendo aquelas que têm por fim ‘a guarda e conservação de mercadorias e a emissão de títulos especiais que as representem’. Há entre essas empresas e o indivíduo que lhes entrega as mercadorias um verdadeiro contra-to de depósito, em que o primeiro se compro-mete a guardar e conservar a coisa em nome do segundo. Tais mercadorias em depósito ficam imobilizadas, contudo, para possibilitar ao depositante a transmissão delas a terceiro (venda ou penhor das mercadorias), sem que haja necessidade do transporte das mesmas; os armazéns gerais expedem em favor dele, depositante, o conhecimento de depósito ou warrant. Tais títulos, que representam as mer-cadorias depositadas, podem ser colocados em circulação por meio do chamado endosso (em preto ou branco) [...].

Haverá o crime em estudo quando alguém emitir, ou seja, criar e colocar em circulação conhecimento de depósito ou warrant, em desacordo com disposi-ção legal (norma penal em branco). A simples emis-são do título não configura crime, sendo necessário que ele seja posto em circulação9. A emissão desses títulos será considerada irregular quando:

I) a empresa não está legalmente constituída (art. 1º);II) inexiste autorização do Governo Federal para a emissão (arts. 2º e 4º);III) inexistem as mercadorias especificadas como depósito;IV) há a emissão de mais de um título para a mesma mercadoria ou gêneros especificados nos títulos;

9 Nesse sentido: Delmanto (2000), Gonçalves (2003) e outros.

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V) o título não apresenta as exigências legais (art. 5º).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de emitir conhecimento de depósito ou warrant, em desacordo com dispo-sição legal. O agente deve ter consciência dessa irregularidade. Não se admite a forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva circulação

do título, sendo irrelevante a ocorrência de qualquer tipo de prejuízo (crime formal). Por se tratar de delito unissubsistente (se consuma com a prática de um único ato), não se admite a tentativa.

ObservaçõesA ação penal é pública incondicionada. Admite-se

a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

fraude à Execução

Art. 179. Fraudar execução, alienando, des-viando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas:Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.Parágrafo único. Somente se procede me-diante queixa.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio. O su-jeito ativo é o devedor que está sendo demandado judicialmente. Segundo a doutrina, caso o sujeito ativo seja comerciante, e já tenha sido decretada sua falência, o crime será falimentar. Já o sujeito passivo é o credor que está acionando esse devedor.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “fraudar execução,

alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas”. Para a configuração desse delito é imprescindível que o devedor esteja sofrendo uma cobrança judicial de sua dívida (já exis-te a fase de execução judicial). O devedor, mesmo sabendo que existe uma ação judicial para cobrança de dívida, começa a se desfazer de seu patrimônio, com o intuito de tornar-se insolvente.

As condutas descritas somente serão conside-radas criminosas se, em razão delas, o agente vier a se tornar insolvente, impedindo o credor de obter a satisfação de seu crédito. Do contrário, mesmo havendo a alienação, desvio, destruição, danificação ou simulação de dívidas, se o devedor conseguir honrar suas dívidas, não haverá qualquer conduta criminosa.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de fraudar a execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens ou simulando dívidas. Exige-se esse especial fim de agir (elemento subjetivo especial do tipo) de fraudar a execução. Inexiste a forma culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que a

exe cução da dívida se torna impossível em razão da alienação, desvio, destruição, danificação dos bens ou simulação da dívida, ou seja, o devedor se torna insolvente. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Nos termos do parágrafo único deste artigo,

a ação penal é privada. Caso o crime seja come-tido em detrimento do patrimônio ou interesse da União, de Estado, Município ou do DF, nos termos do art. 24, § 2º, do CPP, a ação penal será pública incondicionada.

b) Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo, nos termos da Lei nº 10.259/2001.

DA RECEPTAÇÃO

Receptação

Art. 180. Adquirir, receber, transportar, condu-zir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Receptação Qualificada

§ 1º Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qual-quer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa.§ 2º Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência.§ 3º Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.§ 4º A receptação é punível, ainda que des-conhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa.§ 5º Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do art. 155.§ 6º Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, em-presa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio. O sujei-to ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum),

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salvo o autor, coautor ou partícipe do crime ante-cedente. Também o advogado que recebe, a título de honorários advocatícios, dinheiro ou coisa que sabe ser produto de crime responderá pelo delito de receptação. Para Capez (2004) e Gonçalves (2003), todos aqueles que, nas sucessivas negociações do bem, tiverem conhecimento da sua origem ilícita, responderão pelo crime de receptação (cabe, assim, a receptação da receptação). Já o sujeito passivo é o titular do bem que foi atingido pelo delito ante-cedente.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte.

Trata-se de crime de ação múltipla ou conteúdo variado (ainda que o agente incida em mais de um verbo, haverá o delito único de receptação). De acordo com a maioria da doutrina somente o bem móvel pode ser objeto material da receptação, uma vez que receptar significa “dar esconderijo”, recolher algo, o que não se compatibiliza com a natureza dos bens imóveis10. A receptação é um delito acessório, pois pressupõe a existência de um crime anterior (chamado de delito pressuposto). Não se exige que o crime antecedente seja contra o patrimônio. Exem-plo: alguém pode ser receptador de um bem oriun-do de um crime de peculato. Considerando que o art. 180 do CP usou a expressão “produto de crime”, não haverá o delito de receptação se o fato antece-dente for uma contravenção. Além disso, haverá a receptação mesmo que o autor do crime antecedente seja desconhecido ou isento de pena (art. 180, § 4º). Se o autor do crime antecedente for absolvido por estar provada a inexistência do fato (art. 386, I); não houver prova da existência do fato criminoso anterior (art. 386, II); não constituir o fato infração penal (art. 386, III); ou existirem circunstâncias que excluam o crime (CPP, art. 386, VI, 1ª parte, com redação dada pela Lei nº 11.690/2008), não há que se pensar na condenação do receptador. Nos termos do art. 108 do CP, ainda que ocorra a extinção da punibilidade do crime antecedente, haverá o delito de receptação.

O art. 180, caput, primeira parte, descreve o crime de receptação própria. Consiste em adqui-rir [obter o domínio oneroso ou gratuito do bem], receber [obtenção da posse, a qualquer título, não havendo a transferência da propriedade do bem], transportar [carregar, levar de um local para outro], conduzir [guiar, dirigir. Refere-se a qualquer meio de transporte] ou ocultar [esconder], em proveito pró-prio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime.

10 Nesse sentido: Delmanto (2000), Jesus (1998), Capez (2004) e Hungria (1979). É também a posição do STF. Em sentido contrário: Fragoso (1981) e Mirabete (2005).

Já a segunda parte do caput deste artigo trata da receptação imprópria. Ocorrerá quando o agente “influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte”. Aqui o agente induz, influi um terceiro de boa-fé a adquirir, receber ou ocultar coisa que é produto de crime. Note que o agente influenciador não pode ser o autor do crime antecedente, pois, do contrário, responderá apenas por aquele delito e não pela receptação (princípio da consunção).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte. O agente deve ter certeza que a coisa é produto de crime (dolo direto). Caso ele apenas desconfie da origem ilícita do bem, haverá o delito de receptação culposa (art. 180, § 3º, do CP). Caso o agente oculte o bem para proteger o autor do crime antecedente, o delito será o de favorecimento real (art. 349). De acordo com a maioria da doutrina, caso o agente adquira o bem de boa-fé e só depois tome conhecimento da sua origem criminosa, continuando a usá-lo, não haverá o delito de receptação, exceto se ele praticar nova conduta criminosa (exemplo: o agente adquire o bem de boa-fé e, após tomar ciência de sua origem criminosa, oculta-o ou influi para que terceiro de boa-fé o adquira, receba ou oculte). A forma culposa desse delito está prevista no § 3º deste artigo.

Consumação e TentativaNo caso da conduta descrita na primeira parte

do caput do art. 180 (receptação própria), o crime se consuma no momento em que o agente adquire, recebe, transporta, conduz ou oculta, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime. Trata-se de crime material. Na modalidade de “ocultar”, “conduzir” e “transportar” é também crime permanente. Já no caso da receptação imprópria (segunda parte do caput), segundo a maioria da dou-trina, o crime se consuma no momento que o agente influencia terceiro de boa-fé a receber, adquirir ou ocultar coisa que o primeiro sabe ser produto de cri-me, não se exigindo que ele chegue a efetivamente a recebê-la, adquiri-la ou ocultá-la (crime formal). A tentativa é cabível somente na receptação própria.

Observaçõesa) A ação penal é pública incondicionada.b) A forma simples desse delito está prevista

no caput do art. 180. Já o § 1º trata da receptação qualificada. O sujeito ativo é somente aquele que desempenha atividade comercial ou industrial (crime próprio). Nos termos do § 2º desse mesmo artigo “equipara-se à atividade comercial, para efeito do pa-rágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência”. Exemplo: os famosos camelôs. Essa modalidade de delito, segundo a doutrina, só admite o dolo eventual (“coisa que deve saber ser produto de crime”).

c) A parte final do § 5º do art. 180 trata da forma privilegiada desse delito. Esse privilégio aplica-se apenas à receptação dolosa (própria ou imprópria),

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e não à culposa. Segundo a maioria da doutrina, entretanto, ele não se aplica à receptação qualifica-da (§ 1º), pois o privilégio seria incompatível com a gravidade da forma qualificada.

d) A primeira parte do § 5º deste artigo traz uma hipótese de perdão judicial. Assim, “na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena”. Aplica-se apenas à receptação culposa e exige dois requisitos: I) a primariedade do agente e II) a constatação de que as circunstâncias do crime indicam não ser ele de especial gravidade. Exemplo: pequeno valor da coisa adquirida. Trata-se de direito objetivo do acusado.

e) A receptação culposa encontra-se prevista no § 3º do art. 180. Nos termos desse dispositivo “adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso. Pena: detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas”. Como se pode perceber, esse parágrafo não descreveu a conduta de “ocultar” a coisa. Assim, de acordo com a doutrina predominante, a conduta daquele que oculta uma coisa de origem ilícita, sem conhecer essa circunstância, mas podendo presumir que a sua origem é ilícita, é atípica. Para esse dispositivo, são três os critérios que indicam ter o agente agido com culpa:

I) natureza da coisa adquirida ou recebida: certos objetos, por sua própria natureza, exigem um maior cuidado por parte de quem os recebe ou adquire, por exemplo, a compra de um carro;

II) desproporção entre o valor da coisa e o preço pago: por exemplo, compra de um carro importado ou de um apartamento de luxo por um preço irrisório;

III) condição do ofertante da coisa: aqui o agen-te adquire ou recebe o bem de alguém que não tinha condições econômicas de possuir tal coisa. A análise a ser feita pelo juiz deverá levar em consideração o homem médio, ou seja, deve-se verificar, no caso concreto, se outra pessoa (de prudência e cautela ordinárias) desconfiaria da origem ilícita do bem.

f) O art. 180, § 6º, traz uma causa especial de aumento de pena. Assim, “tratando- se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Muni-cípio, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro”. Essa causa de aumento aplica-se apenas à receptação dolosa simples (prevista no caput do artigo), não se aplicando à receptação culposa e nem qualificada.

g) A receptação culposa constitui infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admite-se a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995) na forma simples (caput) e na receptação culposa (§ 3º).

DISPOSIÇõES GERAIS

Art. 181. É isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos neste título, em prejuízo:

I – do cônjuge, na constância da sociedade conjugal;II – de ascendente ou descendente, seja o parentesco legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural.Art. 182. Somente se procede mediante re-presentação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo:I – do cônjuge desquitado ou judicialmente separado;II – de irmão, legítimo ou ilegítimo;III – de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita.Art. 183. Não se aplica o disposto nos dois artigos anteriores:I – se o crime é de roubo ou de extorsão, ou, em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa;II – ao estranho que participa do crime.III – se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.Esses dispositivos previstos no Capítulo VIII do Título II do CP tratam das chamadas imu-nidades penais absolutas e relativas.

Imunidades Penais Absolutas (art. 181)

São as chamadas escusas absolutórias que, por razões de política criminal, são causas que extin-guem a punibilidade do agente. Nos termos desse dispositivo, é isento de pena quem comete qualquer dos crimes previstos nesse título, em prejuízo: I) do cônjuge, na constância da sociedade conjugal: a escusa absolutória somente terá aplicação se o crime contra o patrimônio for cometido na constância da sociedade conjugal. Enquanto, o vínculo matrimonial só se extingue pela morte ou pelo divórcio (art. 1.571, § 1º do Código Civil), a sociedade conjugal poderá ter fim pela morte, divórcio, nulidade ou anulação do casamento e pela separação judicial (art. 1.571, II e III do Código Civil). Assim, se os cônjuges já esti-verem separados judicialmente, apesar do vínculo matrimonial persistir, já não mais existe a sociedade conjugal. Consequentemente, não se aplicaria a es-cusa absolutória nesse caso. Entretanto, para aque-les que estão apenas separados de fato aplica-se essa escusa, uma vez que a sociedade conjugal ainda não se extinguiu. Ademais, tendo em vista que a Constituição Federal equiparou a união estável ao casamento (art. 226, § 3º), entende a doutrina que essa escusa absolutória se aplica à hipótese. Finalmente, não se aplica essa escusa nos casos de concubinato (relação estável entre homem e mulher que estejam impedidos de se casar), uma vez que, nesse caso, dispõe o Código Civil que não haverá união estável (art. 1.521). Há apenas uma exceção: quando o concubino já estiver separado judicialmen-te ou de fato (art. 1.723, § 1º, do CC). Nesse caso, ele continua impedido de se casar novamente (pois já é casado; apenas está separado judicialmente ou de fato), porém poderá constituir união estável; II) de ascendente ou descendente, seja o parentesco

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legítimo ou ilegítimo, seja civil ou natural: a Cons-tituição veda qualquer distinção quanto ao estado de filiação (art. 227, § 6º). Abrange-se qualquer que seja o grau de parentesco na linha reta (pai, avô, bisavô, filho, neto, bisneto etc.). Essa imunidade, entretanto, não abrange o parentesco por afinidade (sogro, sogra, genro, cunhado etc.). A interpretação do dispositivo deve ser restritiva, em razão do dis-posto no art. 183, II, do CP.

Imunidades Penais Relativas (art. 182)

O art. 182 do CP trata das chamadas escusas penais relativas ou imunidades processuais. Não se trata de causa extintiva da punibilidade, mas apenas de causas objetivas de procedibilidade da ação pe-nal. Apenas transforma-se um crime que é de ação penal pública incondicionada em crime de ação penal pública condicionada à representação (não se aplica, assim, aos crimes contra o patrimônio de ação penal privada). Nos termos desse dispositivo: “somente se procede mediante representação, se o crime previsto neste título é cometido em prejuízo”: I) do cônjuge, desquitado ou judicialmente separado: desde o advento da Lei nº 6.515/1977 já não existe mais o termo desquitado. Consequentemente, aplica-se aos cônjuges que cometam crime contra o patrimônio estando separados judicialmente. Aos cônjuges divorciados não se aplica essa imunidade; II) de irmão, legítimo ou ilegítimo: atualmente não se faz distinção entre os irmãos; III) de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita: exige-se efetiva coa-bitação, mas não se exige que o crime seja cometido no local onde os agentes coabitam.

ExceçõesNos termos do art. 183 do CP, não se aplica o

disposto nos dois artigos anteriores:I) se o crime é de roubo ou de extorsão, ou,

em geral, quando haja emprego de grave ameaça ou violência à pessoa; II) ao estranho que parti‑cipa do crime: um filho resolve furtar a televisão de plasma do pai e, para isso, pede ajuda de seu amigo, e caso haja efetivamente a prática da infração penal, o filho ficará isento de pena em razão da aplicação de imunidade penal absoluta (art. 181). Já o amigo responderá pelo delito de furto.

III) se o crime é praticado contra pessoa com idade igual ou superior a 60 anos: Todo o crime contra o patrimônio cometido contra pessoa com idade igual ou superior a 60 anos será punido, não se aplicando nenhuma das imunidades vistas ante-riormente.

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O Código Penal, em seu Título XI (arts. 312 a 359-H), define os Crimes contra a Administração Pública. Esse título encontra-se dividido em quatro capítulos:

Capítulo I – Dos crimes praticados por funcionário público contra a Administração em Geral (arts. 312 a 327);

Capítulo II – Dos crimes praticados por particular contra a Administração em Geral (arts. 328 a 337);

Capítulo III – Dos crimes contra a Administração da Justiça (arts. 338 a 359);

Capítulo IV – Dos crimes contra as Finanças Públicas (arts. 359-A a 359-H).

Em seu sentido penal, o termo “Administração Pública” deve ser entendido em um aspecto amplo, ou seja, abrangendo a atividade administrativa, legis-lativa e judiciária do Estado. Entre os vários crimes contra a Administração Pública existem aqueles que são cometidos por funcionários públicos (intranei) e outros que são cometidos por particulares (extranei). Como exemplo dos primeiros, temos o peculato (art. 312 do CP) e como exemplo dos segundos pode-se citar a desobediência (art. 330). Nada im-pede, entretanto, que haja o concurso de pessoas (coautoria e participação), nos termos do art. 30 do CP, conforme se verá mais adiante.

O objeto jurídico tutelado nesses delitos é o regu-lar desenvolvimento da atividade do Estado, princi-palmente, em seu aspecto da eficiência e probidade.

Entre as várias classificações que os delitos possuem, existe uma que adquire especial relevo nesse tópico da matéria. São os chamados crimes funcionais, ou seja, delitos próprios que exigem uma característica especial do sujeito ativo, qual seja, ser funcionário público. São funcionais, portanto, aqueles crimes que somente podem ser cometidos por aqueles que são funcionários públicos. Os crimes funcionais dividem-se em:

a) Crimes funcionais próprios: são aqueles em que a qualidade de funcionário público é elementar do tipo, ou seja, uma característica essencial do crime. Excluindo-se tal qualidade, o fato passa a ser atípico (atipicidade absoluta). Exemplo: prevaricação (art. 319). Caso o agente não seja funcionário públi-co, o fato torna-se atípico.

b) Crimes funcionais impróprios: são aqueles em que a qualidade de funcionário público não é uma característica essencial do crime (elementar do tipo), de modo que, excluindo tal característica, o fato deixa de ser um crime e passa a ser outro, ocorrendo a desclassificação (atipicidade relativa). Exemplo: peculato (art. 312). Caso fique provado que o agente não era funcionário público, ocorrerá a desclassificação do crime para furto ou apropriação indébita.

CONCEITO DE fUNCIONáRIO PÚBLICO (ART. 327)

Art. 327. Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transito-riamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.§ 1º Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conve-niada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

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§ 2º A pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos nes-te Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou asses-soramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa públi-ca ou fundação instituída pelo poder público.

No Direito Penal, o conceito de funcionário público é muito mais amplo que aquele adotado pelo Direito Administrativo, quando se refere ao servidor público. Inclusive, o Direito Penal optou por utilizar o termo “funcionário público”. Nos termos do art. 327 do CP, funcionário público é todo aquele que exerce alguma função na Administração Pública, direta ou indireta. Para Capez (2004, v. 3, p. 380):

[...] Alcança, assim, todas as espécies de agentes públicos, pois o que importa para o CP é o exercício, pela pessoa, de uma função de natureza e interesse público. Não importa se o servidor é ocupante de cargo ou se foi apenas investido no exercício de uma função. Do mesmo modo, é irrelevante se seu vínculo com a Administração é remunerado ou não, definitivo ou transitório. São denominados funcionários públicos todos os que desempe-nham, de algum modo, função na Administra-ção direta ou indireta do Estado.

Os cargos públicos são criados por lei, em número certo e com denominação própria, sendo remunerados pelos cofres públicos (art. 3º, parágrafo único, da Lei nº 8.112/1990). No caso de se referirem a serviços auxiliares do Poder Legislativo, serão cria-dos por Resolução da Câmara ou Senado, conforme se trate de uma ou outra Casa. O emprego público também é uma unidade de atribuições, porém o vínculo que liga o servidor ao Estado é contratual, regido pela CLT. Geralmente se refere a um serviço temporário, com contrato com regime especial ou de acordo com a CLT. Exemplos: diaristas, mensalistas. Já a função pública deve ser vista como um con-junto de atribuições públicas que não correspondam a cargo ou emprego público. Exemplos: mesários eleitorais, jurados. De acordo com Noronha (1995, p. 206), os tutores, curadores, inventariantes judi-ciais, síndicos falimentares (denominados de ad-ministradores judiciais pela nova Lei de Falências) não exercem função pública, mas sim um múnus público. De acordo com o STJ, equipara-se a fun-cionário público, para os fins legais, quem exerce cargo, emprego ou função pública em sociedade de economia mista.

A Lei nº 9.983, de 14 de julho de 2000, alterou a redação do § 1º do art. 327 do CP, considerando funcionário público por equiparação “quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraesta-tal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública”. Esse conceito, para melhor compreensão, pode assim ser desmembrado:

a) quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal: as entidades paraestatais (ou terceiro setor) são aquelas que estão ao lado do Estado, desempenhando serviços de relevância pública. Como o próprio nome sugere, elas não inte-gram a Administração indireta, pois não fazem parte da estrutura do Estado. Estão, sim, ao lado deste. Exemplos: Sesi, Sesc, Senai;

b) quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública: o que se tem aqui são empresas privadas que prestam serviços de natureza pública, em razão de delegação do Estado, por meio de concessão, permissão ou autorização. São, portanto, atividades típicas da Administração Pública. Exemplos: coleta de lixo, segurança, serviço hospitalar. Abrange ainda empresas conveniadas para a execução de atividade típica da Administração Pública. No exemplo forne-cido por Capez (2004, v. 3, p. 384):

[...] Assim, por exemplo, em um convênio firmado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo (FAU), que é uma entidade pública, e determinados órgãos par-ticulares integrados por paisagistas ou restau-radores renomados, que visem à recuperação do centro histórico de São Paulo, a eventual apropriação de verba pública destinada a esse projeto por qualquer de seus conveniados, ainda que particulares, configurará o crime de peculato.

Não é abrangido pelo conceito de funcionário público, para fins penais, aqueles que trabalham para empresa de serviço contratada ou conveniada para o exercício de atividades para a Administração Pública (consumo interno da Administração). Exemplo: pintor que trabalha para uma empresa contratada para executar a reforma do prédio do Fórum de Brasília.

Causa de Aumento de Pena (Art. 327, § 2º)Nos termos do § 2º do art. 327 do CP,

a pena será aumentada da terça parte quando os autores dos crimes previstos neste Capítulo forem ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.

Com relação a esse parágrafo, duas correntes se formaram na doutrina. A primeira, conhecida como restritiva ou limitada, defende que as pessoas elencadas nesse § 2º (ocupantes de cargos em comissão ou de função de direção ou assessora-mento de órgão da Administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público) são consideradas funcionários públicos, tendo sua pena aumentada. Porém, essa equiparação só se aplica àqueles que

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ocuparem função de direção nessas entidades, não alcançando os que não têm cargo de direção. Já para a corrente ampliativa, todos os funcionários das entidades arroladas no § 2º são considerados funcionários públicos para os efeitos penais, porém essa causa de aumento de pena somente se aplica àqueles que exercem cargos de direção. Essa é a posição que vem predominando.

DOS CRIMES PRATICADOS POR fUNCIONáRIO PÚBLICO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

Peculato

Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.§ 1º Aplica-se a mesma pena, se o funcio-nário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

Peculato Culposo

§ 2º Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem:Pena – detenção, de três meses a um ano.§ 3º No caso do parágrafo anterior, a repara-ção do dano, se precede à sentença irrecorrí-vel, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.

O objeto jurídico tutelado é a moralidade e a probidade na Administração Pública. Resguarda-se também o patrimônio da Administração e, eventu-almente, o patrimônio do particular quando estiver sob a guarda daquela. O sujeito ativo é o funcionário público (crime próprio), admitindo-se, nos termos do art. 30 do CP, o concurso de pessoas (coautoria e participação) desprovidas dessa qualidade, desde que tenham conhecimento da qualidade de funcioná-rio público do agente. Já o sujeito passivo é o Estado e, em se tratando de patrimônio público, as entidades de direito público. Eventualmente, também o particu-lar prejudicado pode ser sujeito passivo desse delito, quando seus bens forem apropriados ou desviados por funcionário público.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoO peculato pode ser doloso ou culposo. O pecu-

lato doloso, por sua vez, subdivide-se em:I) peculato-apropriação, II) peculato-desvio,

III) pe culato-furto e IV) peculato mediante erro de outrem. O peculato-apropriação está previsto na primeira parte do caput do art. 312 do CP. Nessa

primeira modalidade a conduta típica consiste em “apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel que tem a posse em razão do cargo”. Note que o agente (funcionário público) já possui a posse ou detenção lícita do bem, porém passa a se comportar como se dono fosse, não mais devolvendo ou restituindo a coisa. Deve-se ressaltar que o funcionário público tem a posse ou detenção do bem em razão do cargo que ocupa. De acordo com Gonçalves (2003c, v. 10, p. 122):

A posse deve ter sido obtida de forma lícita. Logo:a) se a entrega do bem decorre de fraude, há

estelionato;b) se a posse decorre de violência ou grave ame-

aça, haverá roubo ou extorsão;c) se alguém, por engano quanto à pessoa, coisa

ou obrigação entrega objeto a funcionário público, em razão do cargo deste, e se ele se apropria do bem, haverá peculato mediante erro de outrem (art. 313 do CP). Ex.: alguém entrega objeto ao funcionário B quando deveria tê-lo entregue ao funcionário A, e o funcionário B, percebendo o equívoco, fica com o objeto.

O peculato-desvio (também chamado peculato próprio) está previsto na segunda parte do caput do art. 312 do CP. Nele o funcionário público tem a posse ou detenção do dinheiro, valor ou outro bem móvel, porém lhe dá uma destinação diversa da-quela prevista em lei, agindo em proveito próprio ou alheio. Caso o proveito seja da própria Administração Pública, o crime será o previsto no art. 315 do CP (emprego irregular de verbas ou rendas públicas).

O peculato-furto (também chamado peculato impróprio) encontra-se previsto no § 1º do art. 312 do CP e consiste na conduta do funcionário público que, não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se da facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário. Essa modalidade de peculato é muito parecida com o de-lito de furto, tendo como diferença o fato de o agente ser funcionário público e se valer dessa qualidade para subtrair o bem. Difere do peculato-apropriação ou desvio, pois nestes o agente já tem a posse ou detenção da coisa, enquanto no peculato-furto ele subtrai o bem, valendo-se da facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário público. Importante ressaltar que só haverá o peculato-furto se o funcionário público valer-se dessa qualidade para subtrair o bem. Do contrário, ou seja, se ele subtrai o bem sem se valer da sua qualidade de funcionário público, o crime será o de furto (art. 155 do CP). Veja o exemplo de Capez, citando Hungria (2004, v. 3, p. 397):

[...] fiscal da prefeitura verifica que o tesoureiro deixou o cofre aberto e daí retira certa impor-tância. No entanto, se o funcionário arromba a porta da Prefeitura e, posteriormente, o cofre desta, haverá o crime de furto qualificado.

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Haverá também o crime de peculato-furto quan-do o funcionário público concorre para que outrem subtraia o bem, valor ou dinheiro. Exemplo: o tesou-reiro da prefeitura propositadamente deixa aberta a porta da repartição para que outrem entre e realize a subtração.

O peculato culposo encontra-se descrito no art. 312, § 2º, do CP. Ocorre quando o funcionário público, por imperícia, imprudência ou negligência, concorre para a prática do crime por outrem. O fun-cionário só responderá por peculato culposo se o crime doloso praticado pelo terceiro chegar a se consumar.

No peculato-apropriação o elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de apropriar-se do dinheiro, valor ou outra coisa móvel, ou seja, a intenção de se apoderar definitivamente da coisa, não mais a devolvendo ou restituindo, agindo como se dono fosse (animus rem sibi habendi). Na modalidade do peculato-desvio o elemento subje-tivo também é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de desviar a coisa do fim para o qual foi entregue. Em ambas as modalidades, exige-se, ainda, um elemento subjetivo especial do tipo (es-pecial fim de agir), representado pela expressão “em proveito próprio ou alheio”. Por expressa previsão legal (art. 312, §2º), admite-se o peculato culposo.

Consumação e TentativaNo peculato-apropriação a consumação ocorre

no momento em que o agente passa a agir como se fosse dono do dinheiro, valor ou outra coisa móvel, transformando a posse ou detenção em domínio. Ele efetivamente passa a dispor do objeto material como se fosse seu (crime material). Já o peculato-desvio se consuma no momento em que ocorre o desvio, ou seja, quando o funcionário público dá à coisa destino diverso daquele previsto em lei, pouco im-portando se o fim pretendido é ou não alcançado. Admite-se a tentativa em ambas as modalidades. No peculato-furto a consumação e a tentativa ocorrem nos mesmos moldes do crime de furto. Também se exige o elemento subjetivo especial do tipo (espe-cial fim de agir), representado pela expressão “em proveito próprio ou alheio”.

Observaçõesa) A jurisprudência não vem admitindo o arrepen-

dimento posterior (art. 16 do CP) nos crimes contra a Administração Pública, uma vez que o bem jurídico ofendido (moralidade da Administração) não teria como ser reparado.

b) Questiona-se se a apropriação de coisas fungí-veis (aquelas que podem ser substituídas por outras da mesma espécie, qualidade ou quantidade) pelo funcionário público configura o crime de peculato. Segundo a doutrina, haverá sim o crime de pecu-lato nesse caso, uma vez que as coisas fungíveis também são objeto material do delito. Além disso, pouco importa que o agente tenha a intenção de restituir a coisa.

c) De acordo com entendimento da doutrina, o funcionário público que se apropria de um bem infungível e o devolve após o uso não responde por peculato, pois, a exemplo do que ocorre no furto de uso, o fato seria atípico, já que o agente não tem a intenção de ter a coisa para si. Exemplo: funcionário da prefeitura que utiliza carro oficial para ir a uma festa particular, devolvendo-o em seguida no mesmo estado e local em que se encontrava.

d) Não há crime de peculato na conduta de utilizar-se de serviços ou mão de obra pública, constituindo sim ato de improbidade administrativa (art. 9º, IV, da Lei nº 8.429/1992). Exemplo: pedir que seu subalterno efetue reparos em sua casa particular. Caso o funcionário público infrator seja prefeito, haverá o crime específico do art. 1º, II, do Decreto-Lei nº 201/1967.

e) Tanto os bens públicos quanto os bens par-ticulares que se encontram sob a custódia da Ad-ministração constituem objeto material do crime de peculato. Nesse último caso (bens particulares sob a custódia da Administração) o delito é chamado de peculato-malversação.

f) Caso o funcionário público fique com o dinheiro público para se ressarcir de dívidas que o Estado possui com ele, haverá, segundo a maioria da doutri-na, crime de peculato. No entanto, parte da doutrina defende que o crime seria o de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP).

g) No peculato-furto, caso o subtrator não tenha conhecimento da participação do funcionário públi-co no crime, deverá responder pelo delito de furto, enquanto o funcionário público responderá pelo crime de peculato. Exemplo: o vigia de uma repar-tição pública, desgostoso com seu baixo salário e, verificando que um grupo de indivíduos suspeitos vinha rondando a referida repartição com fins ilícitos, resolve deixar a porta destrancada para que eles en-trem na repartição e subtraiam bens de seu interior. Nesse caso, considerando que esses indivíduos não tinham conhecimento da participação do funcionário no evento criminoso, deverão responder por furto, ao passo que o funcionário público responderá por peculato.

h) Nos termos do § 3º do art. 312 do CP, no peculato culposo, se a reparação do dano precede à sentença irrecorrível, fica extinta a punibilidade do funcionário público. Essa reparação (restituição da coisa ou pagamento de indenização correspon-dente ao valor do bem) deve ser total e anterior ao trânsito em julgado da sentença. Além disso, só abrange o funcionário público, autor do peculato. Caso a reparação do dano seja posterior à sentença irrecorrível, a pena será reduzida da metade, não havendo a extinção da punibilidade. Esse parágrafo aplica-se apenas ao peculato culposo. No peculato doloso, a reparação do dano após o recebimento da denúncia e antes da sentença final faz incidir uma atenuante genérica prevista no art. 65, III, b, do CP.

i) A ação penal é pública incondicionada.j) Nos termos da Lei nº 9.099/1995 (Juizados

Especiais Criminais), o peculato-culposo constitui infração penal de menor potencial ofensivo.

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Peculato Mediante Erro de Outrem

Art. 313. Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Esse delito também é chamado de peculato-es-telionato. O objeto jurídico tutelado é a moralidade e probidade na Administração Pública. Resguarda-se também o patrimônio da Administração e, eventu-almente, o patrimônio do particular quando estiver sob a guarda daquela. O sujeito ativo é o funcionário público (crime próprio), admitindo-se, nos termos do art. 30 do CP, o concurso de pessoas (coautoria e participação) desprovidas dessa qualidade, desde que tenham conhecimento da qualidade de funcioná-rio público do agente. Já o sujeito passivo é o Estado e, em se tratando de patrimônio público, as entidades de direito público. Eventualmente, também o particu-lar prejudicado pode ser sujeito passivo desse delito, quando seus bens forem apropriados ou desviados por funcionário público.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “apropriar-se de

dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem”. Aqui o agente também se apropria de um bem ou valor que recebeu no exercício do cargo, porém o recebeu devido ao erro de outrem. Exemplo: ao receber em casa uma multa de trânsito, Tício dirige-se até o Detran e efetua o pagamento ao funcionário da portaria, incompeten-te para receber o pagamento, mas que, ao perceber o erro de Tício, silencia-se, se apropriando do valor pago. Neste caso o agente se aproveita do erro em que incidiu espontaneamente a vítima para se apoderar do bem. Caso a vítima seja induzida em erro, o crime será de estelionato (art. 171 do CP). Exemplo: funcionário incompetente para receber o tributo afirma falsamente ser competente para tal, induzindo a vítima em erro.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de se apropriar de dinhei-ro ou qualquer outra utilidade que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem (caso o agente se aproprie de dinheiro ou qualquer utilidade que recebeu fora do exercício do cargo, o delito será o de “apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza – art. 169 do CP”). O funcionário deve ter ciência do erro em que incidiu a vítima, pois, caso esteja convencido de ser ele o competente para receber o bem ou valor, não haverá o crime. Caso, entretanto, descubra o erro e, mesmo assim, se aproprie do bem, haverá o delito em exame.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que o fun-

cionário se apropria do bem, ou seja, passa a atuar como se dono fosse. Não basta o mero recebimento da coisa ou valor. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) A ação penal é pública incondicionada.b) Nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995

admite-se a suspensão condicional do processo, desde que não incida a causa especial de aumento de pena prevista no § 2º do art. 327 do CP.

Inserção de Dados falsos em Sistema de Informações

Art. 313‑A. Inserir ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.

O objeto jurídico tutelado é a probidade adminis-trativa, especialmente a segurança do seu conjunto de informações, inclusive nos meios informatizados. O sujeito ativo é o funcionário público que possui acesso irrestrito a determinado banco de dados ou sistema informatizado (crime funcional próprio). Caso o funcionário não tenha autorização para manipular os dados, o crime será outro. Nada impede que o particular, nos termos do art. 30 do CP, seja coautor ou partícipe desse delito. Já o sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, o particular quando vier a sofrer algum dano.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

inserir [introduzir] ou facilitar, o funcionário autorizado, a inserção de dados falsos, alterar [modificar] ou excluir [eliminar] indevidamente dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública com o fim de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de inserir ou facilitar a inserção de dados falsos, alterar ou excluir indevi-damente (se devidamente, o fato será atípico) dados corretos nos sistemas informatizados ou bancos de dados da Administração Pública. Exige-se, ainda, um elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir), representado pela vontade de obter vantagem indevida para si ou para outrem ou para causar dano. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com inserção ou facilitação

da inserção de dados falsos, ou com a alteração ou exclusão de dados corretos nos sistemas informati-zados ou banco de dados da Administração Pública (crime formal). Pouco importa se o funcionário efe-tivamente obtém a vantagem indevida para si ou para outrem ou causa dano. Admite-se a tentativa.

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ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada.

Modificação ou Alteração não Autorizada de Sistema de Informações

Art. 313‑B. Modificar ou alterar, o funcioná-rio, sistema de informações ou programa de informática sem autorização ou solicitação de autoridade competente:Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos, e multa.Parágrafo único. As penas são aumentadas de um terço até a metade se da modificação ou alteração resulta dano para a Administração Pública ou para o administrado.

O objeto jurídico tutelado é a incolumidade dos sistemas de informação e programas de informá-tica da Administração Pública. O sujeito ativo é o funcionário público, porém não precisa ser aquele devidamente autorizado a trabalhar com o sistema de dados da Administração. Já o sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, o particular quando vier a sofrer algum dano.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “modificar ou alterar

sistema de informações ou programa de informática, sem solicitação ou autorização da autoridade com-petente”. O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de modificar ou alterar, sem solicitação ou autorização da autoridade com-petente, sistema de informações ou programa de informática. Não há previsão da modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação se dá com a modificação ou

alteração do sistema de informações ou programa de informática. Para a maioria da doutrina trata-se de crime formal, já que é possível a ocorrência de resultado naturalístico (dano à Administração Públi-ca), embora não seja imprescindível sua ocorrência para a consumação do delito11. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) A ação penal é pública incondicionada.b) Trata-se de infração penal de menor poten-

cial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001), desde que não incida a causa de aumento de pena (art. 327, § 2º, do CP). Admite-se, ainda, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, a suspensão condi-cional do processo.

Extravio, Sonegação ou Inutilização de Livro ou Documento

Art. 314. Extraviar livro oficial ou qualquer documento, de que tem a guarda em razão do cargo; sonegá-lo ou inutilizá-lo, total ou parcialmente:

11 Para Jesus (1998), trata-se de crime de mera conduta, sem previsão de qualquer resultado naturalístico.

Pena – reclusão, de um a quatro anos, se o fato não constitui crime mais grave.

O objeto jurídico tutelado é o regular desenvolvi-mento e funcionamento da Administração Pública. O sujeito ativo é o funcionário público a quem com-pete a guarda do livro ou documento (crime próprio), admitindo-se, entretanto, o concurso de pessoas. O sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, o particular, nos casos em que o livro ou documento lhe pertença.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

extraviar [dar destino diverso, desviar], sone-gar [não mencionar o que é devido] ou inutili-zar [tornar imprestável] livro oficial ou qualquer outro documento de que tem a guarda em razão do cargo.

Exige-se que essas condutas sejam praticadas por funcionário público no exercício do cargo, ou seja, estando incumbido da guarda do livro oficial ou documento.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de extraviar, sonegar ou inutilizar livro oficial ou qualquer outro documento de que tem a guarda em razão do cargo. Não se pune a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com o extravio (nessa mo-

dalidade será crime permanente e admite tentativa), a sonegação (consumação no momento em que o agente deve apresentar o livro ou documento e não o faz. É crime permanente nessa modalidade, não admitindo a tentativa) ou inutilização (nessa modali-dade é crime instantâneo de efeitos permanentes e admite a tentativa) do livro oficial ou qualquer outro documento.

Observaçõesa) O crime descrito no art. 314 do CP é expressa-

mente subsidiário e só existe se o fato não constitui crime mais grave. Exemplo: o crime será o previsto no art. 305 do CP, caso haja ofensa à fé pública.

b) A ação penal é pública incondicionada.c) Nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995,

admite-se a suspensão condicional do processo.

Emprego Irregular de Verbas ou Rendas Públicas

Art. 315. Dar às verbas ou rendas públicas aplicação diversa da estabelecida em lei:Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.

O objeto jurídico tutelado é a regularidade da Administração Pública, considerando-se, principal-mente, a correta aplicação das rendas ou verbas públicas. O sujeito ativo é o funcionário público que

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tem o poder de dispor sobre as verbas ou rendas públicas (crime próprio). Entretanto se o sujeito ativo do delito for prefeito municipal, deve-se aplicar o Decreto-Lei nº 201/1967 (princípio da especialidade). O sujeito passivo é o Estado e a entidade lesada com o emprego irregular da verba ou renda pública.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

dar às verbas [somas em dinheiro reservadas ao pagamento de determinadas despesas] ou rendas públicas [valores, em dinheiro, recebidos pelo erário] aplicação diversa da estabelecida em lei.

O que caracteriza esse delito é que a verba ou renda pública é aplicada em favor da própria Admi-nistração, porém de forma diversa daquela prevista na lei. Nesse crime, o funcionário público não se apropria nem subtrai as verbas ou rendas públicas, em proveito próprio ou de terceiro, mas apenas as aplica em desconformidade com o que estabelece a lei. O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de dar às verbas ou ren-das públicas aplicação diversa do que estabelece a lei. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação se dá com a efetiva aplicação

irregular da verba ou renda pública. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) A ação penal é pública incondicionada.b) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Concussão

Art. 316. Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida:Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.

Excesso de exação§ 1º Se o funcionário exige tributo ou con-tribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega na cobrança meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza:Pena – reclusão, de três a oito anos, e multa.§ 2º Se o funcionário desvia, em proveito próprio ou de outrem, o que recebeu indevi-damente para recolher aos cofres públicos:Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

O objeto jurídico tutelado é a moralidade adminis-trativa, apesar de se tutelar também o patrimônio do particular e a sua própria liberdade. O sujeito ativo é o funcionário público, ainda que fora da função, ou antes, de assumi-la, desde que o crime seja cometido em razão da função. Exemplo: agente que ainda

não tenha tomado posse ou esteja de licença ou de férias. Admite-se o concurso de pessoas (coautoria e participação). Já o sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o particular que teve o seu patri-mônio e liberdade ofendidos.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

exigir [ordenar, demandar, reclamar], para si ou para outrem, direta [na presença da vítima] ou indiretamente [o agente se vale de terceira pessoa], ainda que fora da função, ou antes, de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida.

Nesse crime o agente exige uma vantagem inde-vida e a vítima, temendo sofrer alguma represália, cede a essa exigência. Difere-se do delito de extor-são (art. 158), pois lá o agente exige uma vantagem indevida, valendo-se da violência ou grave ameaça, ao passo que na concussão, a vítima cede, pois teme eventuais represálias relacionadas com a função exercida pelo agente. De acordo com Capez (2004):

Assim, não é necessária a promessa de causação de um mal determinado: basta o temor que a autoridade inspira. [...] Caso haja a promessa expressa de represália, esta deve ter necessariamente nexo causal com a função pública exercida pelo agente. Dessa forma, o policial militar que exige dinheiro da vítima para não prendê-la em flagrante comete o delito de concussão. Contudo, não pratica esse delito, mas o de extorsão ou roubo, por exemplo, o policial militar que exige vantagem indevida da vítima utilizando-se de violência, ou ameaçando-a gravemente de sequestrar seu filho.

Pouco importa se a exigência feita pelo funcio-nário público é cometida fora da função (de férias, de licença etc.), ou antes, de assumi-la (agente já nomeado, mas que ainda não tomou posse), porém é indispensável que tal exigência seja feita em razão dela. A vantagem exigida deve ser indevida, ou seja, não permitida por lei, pois, se for devida o crime será o de abuso de autoridade (art. 4º, h, da Lei nº 4.898/1965). Discute-se na doutrina se tal vantagem indevida deve ter cunho patrimonial ou não. Jesus (1998), Hungria (1979), Delmanto (2000), Bitencourt (2001) e Noronha (1988) entendem que essa vantagem deve ter cunho patrimonial ou eco-nômico. Já Mirabete (2005), Fragoso (1981) e Capez (2004) entendem que essa vantagem pode ser de qualquer espécie, uma vez que não se trata de de-lito contra o patrimônio, mas sim de crime contra a Administração Pública.

Na concussão a vítima só cede às exigências do agente, pois teme eventuais represálias que pode vir a sofrer. Assim, caso a vítima venha efetivamente a entregar o dinheiro exigido pelo funcionário público, não responderá pelo delito de corrupção ativa, já que somente fez isso por ter sido constrangida.

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O elemento subjetivo é o dolo, consistente na von-tade livre e consciente de exigir vantagem indevida, ainda que fora da função, ou antes, de assumi-la, mas em razão dela. Exige-se, ainda, a presença do elemento subjetivo do tipo especial (especial fim de agir), representado pela expressão “para si ou para outrem”. Caso a vantagem seja para a própria Administração, poderá haver o delito de excesso de exação (art. 316, § 1º, do CP). Não se admite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a mera exigência da

vantagem indevida, pouco importando se o funcio-nário público efetivamente a recebe ou não (crime formal). Caso haja o recebimento da vantagem indevida, estar-se-á diante de simples exaurimento do crime. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) No crime de concussão o agente “exige”

vantagem indevida, porém a vítima só cede a tal exigência diante do temor de sofrer represálias (consequentemente, a conduta da vítima é atípica, não respondendo por nenhum delito). Já no delito de corrupção passiva (art. 317), o agente “solicita” a vantagem indevida, ou seja, faz um pedido, e a vítima atende livremente ao pedido efetuado pelo funcionário, podendo, em alguns casos, obter algum benefício em troca.

b) Caso o agente se faça passar por policial e exija dinheiro para não efetuar a prisão de alguém, o crime será o de extorsão (art. 158 do CP), e não concussão, uma vez que ele não é funcionário pú-blico.

c) Nos termos do art. 445 do CPP, com redação determinada pela Lei nº 11.689/2008, o jurado, no exercício da função ou a pretexto de exercê-la, será responsável criminalmente nos mesmos termos em que o são os juízes togados, podendo, em tese, responder pelo crime de concussão caso exija, para si ou para outrem, vantagem indevida.

Excesso de Exação (art. 316, § 1º)Nesse delito o funcionário público exige um

tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido, ou, quando devido, emprega um meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza. O que se tem, em verdade, é a cobrança rigorosa de uma dívida ou imposto. Esse crime pode ocorrer de duas formas:

a) exigir um tributo ou contribuição social que sabe ou deveria saber indevido: é o exemplo de tributo que não está previsto na lei ou que já foi quitado pela vítima;

b) exigir um tributo ou contribuição social devido, porém empregando meio vexatório ou gravoso que a lei não autoriza: seria um meio que cause humilhação, vergonha na vítima ou que importe maiores despesas.

O sujeito ativo é o funcionário público (crime próprio), porém não se exige que ele seja o compe-

tente para a arrecadação. Admite-se o concurso de pessoas (coautoria e participação). O sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o particular lesado.

O elemento subjetivo é o dolo (direto ou eventual), consistente na vontade livre e consciente de exigir um tributo ou contribuição social que sabe ou deve-ria saber indevido, ou, quando devido, empregando meio vexatório ou gravoso, que a lei não autoriza. Não se admite a modalidade culposa.

Na modalidade da exigência indevida, a consu-mação ocorre no momento em que o funcionário público faz a exigência do tributo ou contribuição social indevida, pouco importando se há o seu efe-tivo recebimento ou não (crime formal). Admite-se a tentativa. Já na modalidade de cobrança vexatória ou gravosa, a consumação se dá com o emprego do meio vexatório ou gravoso na cobrança do tributo ou contribuição social, pouco importando se há ou não o seu efetivo recebimento. A tentativa é possível.

Excesso de Exação – forma qualificada (art. 316, § 2º)

Nessa modalidade pune-se o agente que, ao in-vés de recolher o tributo ou contribuição social inde-vidamente exigidos, os desvia, em proveito próprio ou alheio. Difere-se, portanto, da forma descrita no § 1º, pois lá o agente recolhe aos cofres públicos o tributo ou contribuição social que indevidamente exigiu, ao passo que aqui, ele os desvia em proveito próprio ou de outrem. A consumação ocorre com o efetivo desvio daquilo que foi recebido. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) A ação penal, no crime de excesso de exação,

é pública incondicionada.b) O excesso de exação constitui infração ina-

fiançável (pena mínima superior a dois anos) e não está sujeito ao procedimento especial aplicado aos crimes cometidos por funcionário públicos (art. 513 a 518 do CPP).

Corrupção Passiva

Art. 317. Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função, ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.§ 1º A pena é aumentada de um terço, se, em consequência da vantagem ou promes-sa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.§ 2º Se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem:Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

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O objeto jurídico tutelado é o regular funciona-mento da Administração Pública, especialmente a moralidade administrativa. O sujeito ativo é o funcio-nário público, ainda que fora da função, ou antes, de assumi-la, desde que pratique o fato em razão dela (crime próprio). Admite-se o concurso de pessoas (coautoria e participação). O particular que oferece ou promete a vantagem indevida ao funcionário público responderá pelo crime de corrupção ativa (art. 333 do CP). O sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, o particular, nas hipóteses em que não responde por corrupção ativa.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em:a) solicitar: pedir. Nesse caso, a conduta inicial

parte do funcionário público que solicita a vantagem indevida. Consequentemente, tendo em vista que o particular não ofereceu nem mesmo prometeu a vantagem, mas tão somente entregou o que lhe foi solicitado, sua conduta será atípica. Como se per-cebe, em nossa legislação, nem sempre que ocorrer o crime de corrupção passiva restará configurado o de corrupção ativa e vice-versa;

b) receber: entrar na posse, aceitar. Diferente-mente da conduta de “solicitar”, aqui a conduta inicial parte do particular que oferece a vantagem indevida ao funcionário público, e este a aceita e a recebe. Assim, o funcionário público responderá pelo delito de corrupção passiva, ao passo que o particular que ofereceu a vantagem indevida responderá por corrupção ativa;

c) aceitar promessa de tal vantagem: con-cordar, anuir com a proposta. Nessa modalidade, a conduta inicial parte do particular que promete a vantagem indevida ao funcionário público, e este a aceita. Não se exige que ele efetivamente receba a vantagem prometida, bastando que concorde com o seu recebimento. Assim, o particular que fez a promessa da vantagem indevida responderá por cor-rupção ativa, ao passo que o funcionário público que a aceitou deverá responder por corrupção passiva.

No delito de concussão, a vítima cede às exi-gências feitas pelo funcionário temeroso de sofrer represálias. Já na corrupção passiva a vítima visa a obter algum benefício com a vantagem prestada. Ocorre uma espécie de troca de favores entre a vítima e o funcionário público. Aquela presta uma vantagem indevida em troca de uma ação ou omis-são do funcionário.

Em regra, o funcionário público recebe uma van-tagem indevida para praticar um ato ilegal ou deixar, de forma ilegal, de praticar ato de ofício. No entanto, é possível que o funcionário público receba uma van-tagem indevida para que pratique um ato não ilegal. Ainda assim haverá o delito de corrupção passiva, já que o funcionário já é pago pelos cofres públicos para realizar o seu serviço, não podendo receber quantias extras. Exemplo: cometerá o crime de corrupção pas-siva o policial que receber determinada quantia para realizar rondas ostensivas em certo bairro.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consis-tente na vontade livre e consciente de solicitar ou

receber vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem. Exige-se, ainda, o elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir), representado pela expressão “para si ou para outrem”. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que o

funcionário público solicita, recebe ou aceita a pro-messa de vantagem indevida (crime formal). Pouco importa se ele efetivamente a recebe ou pratica ou não algum ato em razão dessa vantagem. Caso o funcionário, em razão da vantagem ou promessa indevida, efetivamente retarde ou deixe de praticar ato de ofício ou o pratique infringido dever funcio-nal, a pena será aumentada nos termos do § 1º do art. 317 do CP. Admite-se a tentativa na modalidade de “solicitar”, quando feita por escrito.

Observaçõesa) De acordo com a jurisprudência, gratificações

usuais de pequeno valor por serviços extraordinários (desde que não se trate de ato contrário à lei) ou pequenas doações ocasionais, geralmente de Natal ou Ano Novo, não configuram o crime de corrupção passiva.

b) Caso a vantagem recebida seja revertida em favor da própria Administração Pública, não há que se falar em corrupção passiva (já que esta exige que a vantagem seja para o próprio agente ou para terceiro), mas poderá restar configurado ato de im-probidade administrativa (Lei nº 8.429/1992).

c) O § 1º do art. 317 traz uma causa de aumento de pena quando, em consequência da vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou deixa de praticar qualquer ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional. A pena é aumentada, pois o funcionário, além de receber a vantagem indevida, efetivamente retarda ou deixa de praticar ato de ofício ou o pratica infringindo dever funcional.

d) A corrupção passiva pode ser própria ou imprópria. A primeira ocorre quando o funcionário público solicita, recebe ou aceita promessa de van-tagem indevida a fim de que pratique um ato ilícito. Já na corrupção passiva imprópria visa-se a que o funcionário pratique um ato lícito.

e) Nos termos do art. 317, § 2º, se o funcionário pratica, deixa de praticar ou retarda ato de ofício, com infração de dever funcional, cedendo a pedido ou influência de outrem, a pena será de detenção, de três meses a um ano, ou multa. A pena menor justifica-se, pois o funcionário é motivado não pelo recebimento de vantagem indevida, mas sim em razão de pedido ou influência de outrem.

f) Não se deve confundir o delito de prevaricação com a corrupção passiva. Na prevaricação o agente retarda ou deixa de praticar indevidamente ato de ofício, ou o pratica contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Já na corrupção passiva ele visa a receber vanta-gem indevida por parte de terceiro. A prevaricação também não se confunde com a corrupção passiva privilegiada (317, § 2º), pois na primeira o agente visa a satisfazer interesse ou sentimento pessoal (não há

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intervenção alheia nesse crime), ao passo que, na última, ele cede a pedido ou influência de outrem.

g) A ação penal é pública incondicionada.h) Admite-se, nos termos do art. 89 da Lei

nº 9.099/1995, a suspensão condicional do pro-cesso. A corrupção privilegiada (§ 2º), em razão da pena máxima aplicada, constitui infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

facilitação de Contrabando ou Descaminho

Art. 318. Facilitar, com infração de dever funcional, a prática de contrabando ou des-caminho (art. 334):Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa.

O objeto jurídico tutelado é a Administração Pública, em especial o erário. O sujeito ativo é o funcionário público com dever funcional de repressão ao contrabando ou descaminho (crime próprio). Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “facilitar [eliminar

os obstáculos, tornar mais fácil], com infração do dever funcional, contrabando ou descaminho”. Os conceitos de contrabando e descaminho serão analisados mais adiante quando estudarmos o delito do art. 334 do CP.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de facilitar o contra-bando ou descaminho. Exige-se, ainda, o elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir), re-presentado pela expressão “com infração de dever funcional”. Ausente essa condição, deverá o agente responder como partícipe de delito de contrabando ou descaminho (art. 334). Não se admite a modali-dade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a facilitação prestada

pelo funcionário, pouco importando se ocorre efetiva-mente o contrabando ou descaminho (crime formal). Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) A ação penal é pública incondicionada.b) Trata-se de infração inafiançável (pena mínima

superior a dois anos) e não sujeita ao procedimento especial aplicado aos crimes cometidos por funcio-nário público (art. 513 a 518 do CPP).

c) A facilitação de contrabando ou descaminho é de competência da Justiça Federal, ainda que o funcionário seja estadual (Súmula nº 151 do STJ).

Prevaricação

Art. 319. Retardar ou deixar de praticar, inde-vidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.

O objeto jurídico tutelado é o normal funciona-mento da Administração Pública. O sujeito ativo é o funcionário público (crime próprio). Admite-se, entretanto, o concurso de pessoas (coautoria e participação). Já o sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, o particular lesado pelo crime.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “retardar [poster-

gar, alongar no tempo, adiar] ou deixar de praticar [omitir-se em praticar o ato], indevidamente, ato de ofício [aquele que se insere dentro da competência ou atribuições funcionais do agente, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei [o ato é efetivamen-te praticado, porém contra ao que a lei estabelece], para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. São, portanto, três condutas típicas: retardar, deixar de praticar ou praticar contra disposição expressa de lei.

Nas duas primeiras opções, a conduta do agente é omissiva, ao passo que, na última, a sua conduta é comissiva. Existe, ainda, um elemento normativo do tipo, representado pela expressão “indevidamente”, ou seja, a omissão ou retardamento deve ser injusti-ficado, ilegal. Não se considera ilegal a omissão ou retardamento provocado por motivo de força maior. A conduta típica também pode ser comissiva, ou seja, o agente pode praticar o ato de ofício contra disposição expressa de lei (exclui-se o regulamento) que veda a prática desse ato.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei. Exige-se, ainda, um elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir), representado pela expressão “para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Esse interesse pode ser moral ou patrimonial. Caso o funcionário exija ou receba uma vantagem indevida de particular a pretexto de praticar ou omitir a prática de um ato de ofício, o crime será outro (concussão ou corrupção passiva). Note, portanto, que na prevaricação há o interesse pessoal do funcionário em praticar ou se omitir na prática do ato, sem a intervenção de terceiros na consecução desse fim. A lei também se refere ao “sentimento pessoal”, como vingança, ódio, inimiza-de, amizade. Haverá o delito em tela, ainda que o sentimento pessoal seja nobre. Exemplo: autoridade policial deixa de efetuar a prisão em flagrante de traficante de drogas, por ser seu amigo de infância.

É indispensável que o agente saiba que sua omis-são foi indevida ou que a prática do ato é contrário ao que dispõe a lei, sob pena de ficar configurada a atipicidade do fato. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a omissão, o retar-

damento ou a prática do ato. Admite-se a tentativa apenas na forma de “praticar ato de ofício contra disposição expressa de lei”, ou seja, na modalidade comissiva.

Observaçõesa) Caso o funcionário público retarde ou deixe

de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou o prati-

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que contra disposição expressa de lei, por simples desleixo, negligência ou comodismo, mas sem o fim de satisfazer interesse ou sentimento pessoal, não haverá o crime de prevaricação, mas poderá haver ato de improbidade administrativa, nos termos do art. 11 da Lei nº 8.429/1992.

b) Trata-se de infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

c) A ação penal é pública incondicionada.

Art. 319‑A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunica-ção com outros presos ou com o ambiente externo:Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

O objeto jurídico tutelado é o normal funciona-mento da Administração Pública. O sujeito ativo é o Diretor de Penitenciária e/ou agente público, enquanto o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “Deixar o Diretor de

Penitenciária e/ou agente público, de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefô-nico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”. Esse tipo penal foi incluído pela Lei nº 11.466, de 28 de março de 2007, em uma tentativa de coibir conduta que vinha sendo praticada pelos detentos, qual seja, utilizar-se de aparelho celular, clandestinamente adquirido, para extorquir pessoas fora do presídio. O elemento subjetivo do tipo é o dolo. Inexiste a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que o

Diretor de Penitenciária e/ou agente público deixa de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. Por se tratar de crime omissivo puro ou próprio, não se admite a tentativa.

Observaçõesa) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo.b) A ação penal é pública incondicionada.

Condescendência Criminosa

Art. 320. Deixar o funcionário, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhe-cimento da autoridade competente:Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

O objeto jurídico tutelado é o regular funciona-mento da Administração Pública. O sujeito ativo é

somente o funcionário público que seja superior hierárquico do funcionário infrator (crime próprio). Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoEsse crime consiste na conduta do funcionário

público que, por indulgência (tolerância), deixa de responsabilizar seu subordinado quando este come-te uma infração penal ou administrativa no exercício de suas funções, ou não leva o fato ao conhecimento da autoridade competente. Ainda que motivado por um sentimento nobre, não pode o funcionário público escapar da responsabilidade por seus atos, já que se deve prezar pelo regular desenvolvimento da função administrativa. São duas as condutas típicas, ambas omissivas:

a) deixar o funcionário, por indulgência, de res-ponsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo;

b) não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente, quando faltar ao funcionário competên-cia para punir o infrator.

A infração deve estar ligada ao exercício do cargo que o funcionário público ocupa, compreendendo tanto as infrações disciplinares quanto as infrações penais.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de deixar de praticar uma dessas duas condutas típicas. Exige-se, ainda, um elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir), representado pela expressão “por indulgência”, ou seja, por condescendência, tolerância. Caso o agente se omita para atender sentimento ou inte-resse pessoal, o crime será de prevaricação. Caso vise a receber vantagem indevida, haverá o delito de corrupção passiva. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a simples omissão do

agente em deixar, por indulgência, de responsabilizar o seu subordinado ou de comunicar o fato à auto-ridade competente. Por se tratar de crime omissivo puro ou próprio, a tentativa é incabível.

Observaçõesa) A ação penal é pública incondicionada.b) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Lei nº 9.099/1995).

Advocacia Administrativa

Art. 321. Patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Administração Pú-blica, valendo-se da qualidade de funcionário:Pena – detenção, de um a três meses, ou multa.Parágrafo único. Se o interesse é ilegítimo:Pena – detenção, de três meses a um ano, além da multa.

O objeto jurídico tutelado é o regular desenvol-vimento da Administração Pública e a moralidade administrativa. O sujeito ativo é somente o funcio-

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nário público (crime próprio). Admite-se o concurso de pessoas. Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

patrocinar [defender, pleitear, apadrinhar, advogar], direta ou indiretamente, interesse privado [legítimo ou ilegítimo] perante a Ad-ministração Pública, valendo-se da qualidade de funcionário,

ou seja, o funcionário público, aproveitando-se dessa qualidade (prestígio que goza junto a outros fun-cionários, amizade etc.), defende interesse privado perante a Administração Pública. Esse interesse pode ser legítimo ou ilegítimo. Nesse último caso, porém, nos termos do parágrafo único do art. 321, a pena será de detenção, de três meses a um ano, além da multa (qualificadora). Não se exige que esse patrocínio ocorra no mesmo órgão da Administração em que o funcionário está lotado. Exemplo: funcio-nário do Ministério da Cultura que defende interesse particular perante o Ministério da Defesa, devido às amizades que lá mantém. Só haverá o crime em tela se o agente se valer de sua qualidade de funcionário público para patrocinar interesse alheio, do contrário, o fato será atípico. Analisemos o seguinte exemplo dado por Capez (2004, v. 3, p. 451):

escrevente de tabelião que se propõe e ob-tém, para os interessados, documentação necessária à lavratura de escritura. Não com-provado que ele se valeu de sua condição de serventuário da justiça para obter a referida documentação, o crime não se configura.

O interesse patrocinado deve ser particular e alheio, legítimo ou ilegítimo. Para Gonçalves (2003c, v. 10, p. 144), “nos termos do dispositivo, não existe a infração penal quando o funcionário patrocina interesse próprio”.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a Adminis-tração Pública, valendo-se da qualidade de funcio-nário público. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que o

agente pratica o primeiro ato objetivando patrocinar interesse alheio, pouco importando o fim visado pelo agente, ou mesmo se o particular é efetivamente beneficiado (crime formal). Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Caso o patrocínio de interesse privado se dê

perante a administração fazendária, deve-se aplicar a Lei nº 8.137/1990 (crimes contra a ordem tributá-ria), por se tratar de lei especial.

b) Não se deve confundir a advocacia admi-nistrativa com o delito de prevaricação. Neste é o próprio funcionário que retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou o pratica contra dis-

posição expressa de lei para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Já na advocacia administrativa, o agente, não tendo atribuições para praticar o ato, utiliza-se da qualidade de funcionário público, para patrocinar interesse privado perante a Administra-ção Pública, influenciando o servidor dotado de tal competência.

c) A ação penal é pública incondicionada.d) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Lei nº 9.099/1995).

Violência Arbitrária

Art. 322. Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la:Pena – detenção, de seis meses a três anos, além da pena correspondente à violência.

O entendimento predominante tanto na dou-trina quanto na jurisprudência é o de que o artigo em comento foi revogado pelo art. 3º, i, da Lei nº 4.898/1965 (descreve os crimes de abuso de au-toridade), que regulou integralmente essa matéria. De acordo com esse dispositivo, “constitui abuso de autoridade qualquer atentado: [...] à incolumidade física do indivíduo”. A pena constitui-se em multa, ou detenção de dez dias a seis meses, ou perda do cargo, com inabilitação para qualquer função pública pelo prazo de até três anos. É válido lembrar que essas sanções podem ser aplicadas cumulativa ou alternadamente.

Abandono de função

Art. 323. Abandonar cargo público, fora dos casos permitidos em lei:Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.§ 1º Se do fato resulta prejuízo público:Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.§ 2º Se o fato ocorre em lugar compreendido na faixa de fronteira:Pena – detenção, de um a três anos, e multa.

O objeto jurídico tutelado é a Administração Pú-blica, em especial a continuidade e regularidade de seus serviços. O sujeito ativo é somente o funcionário público ocupante de cargo público (crime próprio). Pela descrição contida no tipo penal, somente o ocupante de cargo público que o abandona é que comete esse delito, e não os ocupantes de emprego ou função pública. Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “abandonar [deixar,

largar] cargo público, fora dos casos permitidos em lei”. Esse abandono deve se dar por um tempo ju-ridicamente relevante, de modo a colocar em risco a continuidade do serviço público. Do contrário, ou seja, uma falta injustificada ou o desleixo na realização do serviço, poderá haver apenas falta disciplinar, sujeita a sanções administrativas. Ainda que o servidor tenha pedido exoneração, se o pedido

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ainda não houver sido deferido e este abandonar o cargo, haverá a configuração do delito em apreço. Existe, no tipo penal, um elemento normativo do tipo, caracterizado pela expressão “fora dos casos permi-tidos em lei”. Assim, não haverá esse delito quando o abandono do cargo se dá nos casos permitidos em lei, como para prestação de serviço militar. Para a jurisprudência, não há que se falar em abandono de cargo nos casos de suspensão do trabalho pelo funcionário público, ou seja, greve, enquanto esta não for declarada ilegal.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de abandonar o cargo. Exige-se que o agente tenha consciência de que o abandono se faz fora dos casos permitidos em lei. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com o abandono do cargo

público por um tempo juridicamente relevante, com probabilidade de dano para a Administração Pública. Não se exige a produção de efetivo dano à Adminis-tração. Não se admite a tentativa, por se tratar de crime omissivo puro ou próprio.

Observaçõesa) Nos termos do § 1º do art. 323 do CP, se do

abandono do cargo resultar prejuízo público, a pena será de detenção, de três meses a um ano e multa. Trata-se de figura qualificada do delito. De acordo com Jesus e Fragoso, prejuízo público é o que afe-ta os interesses ou serviços de natureza pública, excluindo-se, entretanto, os de natureza particular. Há, no entanto, o entendimento de que prejuízo pú-blico é o que provoca um prejuízo social ou coletivo.

b) Esse delito também ocorrerá na forma qua-lificada (art. 323, § 2º) quando o abandono se der em lugar compreendido na faixa de fronteira. Por faixa de fronteira entende-se aquela localizada até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres (art. 20, § 2º, da CF/1988). O agravamento da pena, nessa hipótese, justifica-se por questões de segurança nacional.

c) A ação penal é pública incondicionada.d) As formas previstas no caput e no § 1º deste

artigo constituem infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Já a fi-gura contida no § 2º admite apenas a suspensão con-dicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

Exercício funcional Ilegalmente Antecipado ou Prolongado

Art. 324. Entrar no exercício de função pública antes de satisfeitas as exigências legais, ou continuar a exercê-la, sem autorização, depois de saber oficialmente que foi exonerado, re-movido, substituído ou suspenso:Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

O objeto jurídico tutelado é o regular funciona-mento da Administração Pública, evitando-se o de-sempenho da função pública por quem não preenche

os requisitos para tanto. O sujeito ativo é somente o funcionário público que se antecipa ou prolonga suas funções. O sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica subdivide-se em duas:a) entrar no exercício da função pública antes

de satisfeitas as exigências legais: ocorre, por exemplo, quando o agente já foi nomeado, mas ainda não tomou posse e, apesar disso, começa a praticar os atos inerentes à função;

b) continuar a exercê‑la, sem autorização, de‑pois de saber oficialmente que já foi exonerado, removido, substituído ou suspenso: exige-se que o agente tenha sido comunicado oficialmente que não poderia mais exercer suas funções públicas e, apesar disso, continue a exercê-las. Como se per-cebe, é imprescindível que o funcionário saiba de seu impedimento para continuar a exercer a função pública, mesmo que se trate de um ato notório.

Segundo a doutrina, não basta a publicação do ato no Diário Oficial, sendo necessário que

fique provado ter o funcionário público tomado conhecimento desse impedimento. Também para a doutrina, a única hipótese em que essa comunicação oficial não é necessária ocorre nos casos de aposentadoria compulsória, por se tratar de um ato automático.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de entrar no exercício da função pública antes de satisfeitas as exigências legais ou continuar a exercê-la, sem autorização, depois de saber oficialmente que já foi exonerado, removido, substituído ou suspenso. Exige-se que o agente saiba que não preenche os requisitos legais para o exercício da função pública, ou que tenha sido oficialmente comunicado que não poderá mais continuar a exercê-la. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre quando o agente pratica

algum ato inerente à função pública antes de satis-feitas as exigências legais para exercê-la, ou depois de saber oficialmente que foi exonerado, removido, substituído ou suspenso. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) A ação penal é pública incondicionada.b) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Violação de Sigilo funcional

Art. 325. Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação:Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave.§ 1º Nas mesmas penas deste artigo incorre quem:I – permite ou facilita, mediante atribuição, fornecimento e empréstimo de senha ou

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qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública;II – se utiliza, indevidamente, do acesso restrito.§ 2º Se da ação ou omissão resulta dano à Administração Pública ou a outrem:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.

O objeto jurídico tutelado é a inviolabilidade dos segredos da Administração Pública. O sujeito ativo é apenas o funcionário público, inclusive o aposentado ou afastado, pois, ainda assim, permanece o interes-se público de manutenção do sigilo (crime próprio). Não haverá, entretanto, esse delito se o funcionário já tiver deixado definitivamente o exercício da função pública. Admite-se o concurso de agentes. O sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, o particular lesado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica subdivide-se em duas:a) revelar fato de que tem ciência em razão

do cargo e que deva permanecer em segredo: aqui o funcionário público, intencionalmente, revela a terceiro, oralmente ou por escrito, fato que deveria ser mantido em sigilo. Basta a revelação a um único indivíduo. Exemplo: examinador de concurso público que, antes do dia de realização do certame, divulga a alguns candidatos o conteúdo das questões;

b) facilitar a revelação de fato de que tem ciên‑cia em razão do cargo e que deveria permanecer em segredo: aqui, tem-se hipótese de revelação indireta, em que o funcionário público não revela o fato, mas toma determinados procedimentos que facilita o seu conhecimento por terceiras pessoas. Ele só responderá pelo delito em apreço se dentre as suas atribuições encontra-se o conhecimento do fato e, consequentemente, o dever de sigilo. Caso o funcionário ocasionalmente tome conhecimento do segredo e o divulgue, não haverá esse crime.

O elemento subjetivo é o dolo, que consiste na vontade livre e consciente de revelar ou facilitar a revelação de segredo funcional. O agente deve ter consciência de que deve guardar sigilo. Não se ad-mite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre quando terceira pessoa

toma conhecimento da informação sigilosa. Pouco importa se há ou não efetivo dano à Administra-ção Pública; basta a mera possibilidade de dano. Admite-se a tentativa quando a revelação do segredo funcional é feita por escrito e também na modalidade de facilitar a revelação.

Observaçõesa) Nos termos do § 1º do art. 325, constituem

figuras equiparadas ao delito:a.1) permitir ou facilitar, mediante atribuição,

fornecimento e empréstimo de senha ou qualquer outra forma, o acesso de pessoas não autorizadas a sistemas de informações ou banco de dados da Administração Pública;

a.2) utilizar-se, indevidamente, do acesso restrito (art. 325, § 1º).

b) Caso da ação ou omissão resulte dano à Administração Pública ou a outrem, a pena será de reclusão, de dois a seis anos, e multa (art. 325, § 2º).

c) A ação penal é pública incondicionada.d) As formas simples (caput) e equiparada (§ 1º)

constituem infração penal de menor potencial ofen-sivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Violação do Sigilo de Proposta de Correspondência

Art. 326. Devassar o sigilo de proposta de concorrência pública, ou proporcionar a ter-ceiro o ensejo de devassá-lo:Pena – Detenção, de três meses a um ano, e multa.

Essa infração penal foi tacitamente revogada pelo art. 94 da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações), que pune com pena de detenção, de dois a três anos, e multa a conduta de “devassar o sigilo de proposta apresentada em procedimento licitatório, ou propor-cionar a terceiro o ensejo de devassá-lo.”

DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL

Usurpação de função Pública

Art. 328. Usurpar o exercício de função pública:Pena – detenção, de três meses a dois anos, e multa.Parágrafo único. Se do fato o agente aufere vantagem:Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

O objeto jurídico tutelado é a regularidade dos serviços da Administração Pública. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), inclusive o funcionário público quando se investe de função que não possui, ou seja, função pública alheia. Já o sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, o particular.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “usurpar [apode-

rar-se, tomar, exercer indevidamente] o exercício de função pública”. Nesse crime, o agente assume ilegalmente uma função pública, praticando atos de ofício, sem que tenha sido legalmente investido em tal função. Não basta que ele apenas se intitu-le funcionário público (nessa hipótese teríamos a contravenção penal de simulação da qualidade de funcionário público – art. 45 da Lei de Contravenções Penais), sendo indispensável que efetivamente ve-nha a praticar algum ato funcional.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de usurpar o exercício da função pública. Inexiste a modalidade culposa.

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Consumação e TentativaA consumação ocorre quando o agente, efetiva-

mente, pratica algum ato de ofício, como se fosse funcionário legítimo. Não basta o agente apenas se intitular funcionário público, sendo indispensável efe-tivamente praticar algum ato funcional. Não se exige que ocorra nenhum outro dano para a Administração Pública. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Nos termos do parágrafo único do art. 328,

se do fato o agente aufere vantagem (material ou moral), a pena será de reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

b) A ação penal é pública incondicionada.c) Em sua forma simples (caput) constitui infração

penal de mero potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Resistência

Art. 329. Opor-se à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio:Pena – detenção, de dois meses a dois anos.§ 1º Se o ato, em razão da resistência, não se executa:Pena – reclusão, de um a três anos.§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

O objeto jurídico tutelado é a Administração Públi-ca, especialmente sua autoridade, o prestígio da fun-ção pública. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o Estado e a pessoa contra quem o ato de resistência é praticado (funcionário público ou pessoa que o auxilia).

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “opor-se [resistir, ir

contra] à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcionário público competente para executá-lo ou a quem lhe esteja prestando auxílio”. Essa oposição deve ter um caráter ativo, ou seja, um comportamento positivo, no qual se vislumbre o emprego de violência ou ameaça (verbal ou real. Essa ameaça deve ter poder intimidatório, mas não necessita ser grave). Exemplos: agente que, para evitar sua prisão em flagrante, desfere socos e pontapés nos policiais que efetuam a prisão. Para a maioria da doutrina, só haverá o delito de resistência se a violência for empregada contra pessoa, e não contra coisas. Assim, não haveria que se falar nesse delito caso o agente, para não ser preso, quebre os vidros de viatura policial. Nessa hipótese, pode ficar configurado o delito de dano qualificado. A mera resistência passiva não constitui crime. Exemplo: agarrar-se a um poste para não ser preso (nessa hipótese, o crime seria de desobediência). Para Capez (2004, v. 3, p. 475):

Também não perfaz o crime em tela o ato de rogar pragas contra o funcionário, cuspir sobre

ele ou atirar-lhe urina, fazer gestos ultrajantes, xingá-lo. Até mesmo as vias de fato ultrajan-tes, por exemplo, dar uma leve bofetada na face do oficial de justiça, não configuram esse delito. São todas hipóteses caracterizadoras do crime de desacato.

São, portanto, pressupostos desse delito:a) a legalidade do ato: para a maioria da dou-

trina, o ato que se pretende executar deve ser legal formalmente. Sendo o ato legal, do ponto de vista formal, ainda que injusto, haverá o delito de resis-tência. Exemplo: juiz decreta a prisão preventiva de certa pessoa acusada de homicídio. O agente, então, mediante violência ou ameaça, se opõe à execução dessa ordem pela polícia. Posteriormente, prova-se que o agente não foi o autor do homicídio, sendo ab-solvido. Ainda assim subsiste o delito de resistência;

b) funcionário competente: é indispensável que o funcionário seja competente para a execução do ato, estendendo-se essa qualidade ao particular que o assiste.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de se opor à execução de ato legal, mediante violência ou ameaça a funcio-nário público ou a quem o auxilie. O agente deve ter consciência da legalidade do ato e da competência do funcionário público para executá-lo. Exige-se, ainda, a presença de um elemento subjetivo espe-cial do tipo (especial fim de agir) representado pela finalidade de se opor à execução de ato legal. Do contrário, o crime poderá ser outro (lesão corporal, ameaça etc.). Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a prática de violência

ou ameaça contra o funcionário público. Pouco importa se o agente consegue ou não obstar a execução do ato (crime formal). Caso, em razão da violência ou ameaça empregada, o ato não se realize, a pena será de reclusão, de um a três anos (art. 329, § 1º, do CP). Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) O emprego de violência contra dois ou mais

funcionários públicos configura crime único de resis-tência, já que o sujeito passivo principal é o Estado.

b) Para a jurisprudência, caso o agente xingue e empregue violência contra funcionário público, haverá delito único de resistência, pois o desacato ficaria absorvido por esse último delito.

c) Para que haja o crime de resistência, é pre-ciso que a violência ou ameaça sejam aplicadas para evitar a prática de ato funcional. Caso o ato já tenha ocorrido, o crime será outro (lesão corporal, ameaça etc.). Caso a violência seja aplicada com o intuito de assegurar a fuga do agente, após já ter ocorrido a sua prisão, o crime será aquele previsto no art. 352 do CP.

d) Nos termos do § 2º deste artigo, as penas do crime de resistência são aplicadas sem prejuízo da pena correspondente à violência. Exemplo: Caso da violência aplicada resulte morte ou lesão corporal,

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o agente responderá pelo crime de resistência, em concurso com lesão corporal ou homicídio.

e) A ação penal é publica incondicionada.f) A modalidade simples desse delito (caput) cons-

titui infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Já a forma qualificada (§ 1º) admite apenas a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

Desobediência

Art. 330. Desobedecer a ordem legal de fun-cionário público:Pena – detenção, de quinze dias a seis meses, e multa.

O objeto jurídico tutelado é a Administração Pú-blica, especialmente o fiel cumprimento das ordens legalmente emanadas do funcionário público com-petente. Protege- se assim o prestígio da máquina administrativa. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Prevalece, na doutrina, o en-tendimento de que até mesmo o funcionário público pode ser sujeito ativo desse delito, porém é preciso que a ordem recebida não se relacione com suas funções, já que, nessa hipótese, o seu descumpri-mento poderia configurar crime de prevaricação. Já o sujeito passivo é o Estado e o funcionário público competente que emitiu a ordem.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “desobedecer

[desatender, não cumprir, ignorar] a ordem legal de funcionário público”. Exige, portanto, a presença de dois requisitos:

a) existência de uma ordem legal: não se trata de mero pedido ou solicitação, mas sim de uma ordem, determinação dirigida a quem tem o dever de cumpri-la. Não há crime em desobedecer a um pedido ou uma solicitação. Essa ordem deve ser legal (material e formalmente), pouco importa se é justa ou injusta, porém não pode ser ilegal;

b) ordem emanada de funcionário público competente: o funcionário público emissor da or-dem deve ser aquele que é competente para tanto. É indispensável, assim, a competência funcional do agente para expedir ou executar a ordem. Exige-se, ainda, que ela seja dirigida a quem tem o dever jurídico de obedecê-la, ou seja, o dever de acatá-la.

De acordo com Hungria (1979, v. 9, p. 420),

se a lei cominar penalidade civil ou administra-tiva à desobediência da ordem, não se deverá reconhecer o crime em exame, salvo se a dita lei ressalvar expressamente a cumulativa aplicação do art. 330.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consisten-te na vontade livre e consciente de desobedecer à ordem legal de funcionário público. O agente deve ter consciência da legalidade da ordem e da com-petência do funcionário público, sob pena de o fato tornar-se atípico. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação depende do conteúdo da ordem

dada:a) caso a ordem consista em uma omissão

(determina-se que a pessoa não faça alguma coi-sa), a consumação ocorrerá no momento em que o agente atuar, desrespeitando a ordem de abster-se;

b) caso a ordem consista em uma ação (deter-mina-se que o agente faça algo), deve-se verificar se o funcionário público fixou ou não um prazo para que essa ordem fosse cumprida. Em caso positivo, a consumação ocorrerá no momento em que o prazo transcorrer sem que o agente cumpra a ordem (a consumação se dá com a expiração do prazo). En-tretanto, caso o funcionário público não tenha fixado prazo para cumprimento da ordem, a consumação ocorrerá com o decurso de um tempo juridicamente relevante (analisado caso a caso).

Admite-se a tentativa apenas na modalidade comissiva desse delito (segunda hipótese descrita acima).

Observaçõesa) Não configura o crime de desobediência a recu-

sa do suspeito de dirigir embriagado em submeter-se ao “bafômetro” ou exame hematológico (de sangue) para essa finalidade, já que ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo (direito de se não autoincriminar). Nesse caso, a autoridade deve procurar outros meios para confirmar a embriaguez, como os reflexos, a fala, o hálito.

b) De acordo com a jurisprudência, a recusa do indiciado em identificar-se civilmente configura o crime de desobediência, e da mesma forma, aquele que se recusa a identificar-se criminalmente nos casos previstos em lei.

c) Para a jurisprudência, a recusa em apresentar documento do veículo quando solicitado configura o crime de desobediência, salvo quando essa soli-citação for abusiva, com o intuito, por exemplo, de humilhar ou menosprezar o cidadão. Nesse último caso, haveria abuso de autoridade por parte da autoridade pública.

d) A recusa em submeter-se ao exame de DNA, hematológico ou de dosagem alcoólica não configura crime de desobediência, já que ninguém está obriga-do a produzir prova contra si mesmo. Da mesma for-ma e pelo mesmo motivo, o agente não está obrigado a submeter-se ao exame grafotécnico. Registre-se, ainda, que, com a Lei nº 12.004/2009, a recusa do réu em se submeter ao exame de código genético (DNA) gerará a presunção da paternidade, a ser apreciada em conjunto com o contexto probatório.

e) A recusa em servir como testemunha em pro-cesso judicial configura o crime de desobediência, além de poder ensejar sua condução coercitiva.

f) O crime de desobediência não se confunde com o delito de resistência, pois, nesse último, há o emprego de violência ou ameaça contra o funcio-nário público.

g) O ato de violar a suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor constitui o crime previsto no art. 307 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997).

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h) A ação penal é pública incondicionada.i) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Desacato

Art. 331. Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

O objeto jurídico tutelado é a Administração Pública, no que se refere a seu prestígio, dignidade e respeito aos seus agentes no exercício de suas funções. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Quanto à possibilidade de o funcio-nário público ser sujeito ativo do crime de desacato, existem três posições doutrinárias:

a) o funcionário público não responde por desaca-to, uma vez que esse crime está inserido no capítulo do Código Penal que trata “Dos crimes praticados por particular contra a Administração em geral”. Con-sequentemente, somente quem não é funcionário público poderia cometê-lo. É a posição defendida por Hungria, segundo o qual a ofensa cometida por um funcionário público contra outro configuraria o crime de injúria;

b) para uma segunda corrente, só haverá o cri-me de desacato se o agressor for hierarquicamente subordinado ao ofendido. É defendida por Bento de Faria;

c) finalmente, uma terceira corrente defende ser sempre possível que o funcionário público cometa o crime de desacato, uma vez que, ao cometer essa infração, ele se despe da qualidade de funcionário público e passa a atuar como se particular fosse. Pouco importa se o ofensor é ou não superior hierár-quico do ofendido. Essa é a posição mais aceita na doutrina e em concursos públicos, sendo defendida, entre outros, por Jesus (1998), Noronha (1988) e Mirabete (2005).

O sujeito passivo é o Estado, assim como o fun-cionário público desacatado. Caso, no momento da ofensa, o agente não seja mais funcionário público, não há que se falar no crime de desacato, já que a ofensa a particular não ofende a Administração.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “desacatar [ofender,

humilhar, menosprezar] funcionário público no exer-cício da função ou em razão dela”. Admite-se qual-quer meio de execução: palavras, gestos, ameaças etc. Exemplos: cuspir no rosto do policial, xingá-lo, fazer sinais ofensivos, jogar urina ou excrementos nele. De acordo com a doutrina, o crime de desacato deve ser cometido na presença do funcionário públi-co (não há esse crime se a ofensa é feita por meio de carta ou telefone, por exemplo. Nesse caso, poderia configurar-se crime contra a honra), embora não se exija que eles estejam face a face. Exemplo: haverá crime de desacato caso os envolvidos estejam em salas separadas, mas o funcionário seja capaz de ouvir as palavras ofensivas do agente. Para Capez

(2004, v. 3, p. 491): “Ressalve-se que, desde que presentes no mesmo local, não é necessário que o funcionário ouça ou veja o ofensor: basta que tome conhecimento da ofensa”. Estando o funcionário pú-blico em lugar diverso daquele em que se encontra o agressor, não há que se falar em desacato, podendo configurar-se outro delito, como crime de calúnia, injúria ou difamação.

O desacato pode ser cometido “no exercício da função” ou “em razão dela”. No primeiro caso, o fun-cionário público é ofendido, humilhado no momento em que está desempenhando sua função. Não se exige que ele esteja dentro da repartição pública, bastando apenas que esteja no exercício da função pública. Pouco importa se as palavras ofensivas têm ou não relação com a função pública desempenhada pelo agente. Assim, haverá o crime de desacato se alguém chamar o delegado de “galanteador barato”. Considera-se que o crime é de desacato pelo simples fato de o agente estar desempenhando a função pública, ainda que a ofensa com ela não se relacio-ne. Já na segunda hipótese, o funcionário público não está desempenhando a função pública naquele momento, mas a ofensa com ela se relaciona. Nesse caso, como o funcionário não está desempenhado a função pública, a ofensa deve guardar relação com a função por ele exercida. Exemplo: dizer que determinado fiscal da receita é um “vampiro” da Ad-ministração. Caso a ofensa seja particular, não há que se falar em desacato, mas poderá haver crime contra a honra. Exemplo: afirmar que o funcionário trai sua esposa.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. O agente deve ter conhecimento de que o agredido é funcionário público e se encontra no exercício da função ou que a agressão é proferida em razão dela. Do contrário, poderá haver erro e o agente res-ponder por outro delito, como injúria ou difamação. Exige-se, ainda, um elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir), consistente no propósito de ofender ou desprestigiar a função pública do ofen-dido. De acordo com a doutrina, não há que se falar em desacato no ato do agente que censura, critica, de forma justa, o funcionário público, ainda que de forma incisiva e enérgica. Também não responderá por esse crime aquele que apenas revida ofensa recebida por funcionário público. Finalmente, atos de grosseria, falta de educação, não configuram o delito de desacato. Inexiste a forma culposa desse crime.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que o fun-

cionário público é ofendido, pouco importando se ele se sente ou não efetivamente ofendido com os atos praticados (crime formal). Também não se exige que terceiras pessoas presenciem a ofensa. Admite-se a tentativa, dependendo do meio que foi eleito pelo agente para cometer a ofensa. Não cabe, entretanto, a tentativa se a ofensa é feita verbalmente.

Observaçõesa) Discute-se na doutrina se a exaltação de

ânimos exclui o crime de desacato. Predomina, na

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jurisprudência, o entendimento de que o crime de desacato só pode ser cometido em estado de ânimo calmo, refletido, pois a exaltação de ânimos exclui a intenção de desprestigiar a função do agente públi-co. Nesse caso, então, responderia por outro delito, como injúria. Indaga-se também se a embriaguez exclui o desacato. A jurisprudência majoritária de-fende que exclui a intenção do agente de humilhar, desprestigiar a função pública desempenhada pelo funcionário, razão pela qual o agente embriagado não responderia pelo delito de desacato.

b) O art. 7º, § 2º, da Lei nº 8.906/1994 (Estatuto da OAB) estabelece que o advogado tem imunidade profissional, não constituindo injúria, difamação ou desacato puníveis qualquer manifestação de sua parte, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, sem prejuízo das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.

No entanto esse dispositivo foi objeto de ação direta de inconstitucionalidade que suspendeu a eficácia da expressão “ou desacato”. A justificativa é que a imunidade constante do art. 133 da Cons-tituição Federal abrange apenas os crimes contra a honra, e não os crimes contra a Administração Pública. Assim, o advogado está sujeito a cometer o crime de desacato caso ofenda funcionário público no exercício da função ou em razão dela.

c) O crime de desacato não se confunde com o delito de resistência, pois no primeiro o ofensor tem a intenção de humilhar, desprestigiar a função exercida pelo agente público. Já na resistência, o que existe é a mera vontade de se opor à execução de ordem legal.

d) Ainda que o agente ofenda vários funcionários públicos, haverá crime único de desacato, já que o principal sujeito passivo é a Administração Pública.

e) A ação penal é pública incondicionada.f) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Tráfico de Influência

Art. 332. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário.

O objeto jurídico tutelado é o prestígio da Admi-nistração Pública. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive o funcionário público (crime co-mum). Já o sujeito passivo é o Estado e, eventual-mente, a pessoa que compra o prestígio, ou seja, que paga ou promete a vantagem com o intuito de obter algum benefício.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

solicitar [pedir], exigir [demandar, ordenar], cobrar [fazer com que seja pago] ou obter

[alcançar, conseguir], para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem, a pre-texto de influir em ato praticado por funcionário público no exercício da função.

Nesse crime o agente, gabando-se de influência que supostamente possui junto a funcionário pú-blico, solicita, exige, cobra ou obtém vantagem ou promessa de vantagem, a fim de influir no ato a ser praticado por tal funcionário. O que existe é uma venda, mercancia de suposta influência em troca de vantagem ou promessa de vantagem (material ou de outra natureza). Só haverá esse delito se o agente não possuir influência junto à Administração Pública, pois, do contrário, poderá ocorrer outro delito, como corrupção ativa. Note que o tráfico de influência em muito se parece com o estelionato, já que o agente visa a iludir, ludibriar as vítimas, sob o falso argumento de possuir prestígio junto à Admi-nistração Pública. No entanto o bem jurídico maior a ser protegido aqui não é o patrimônio, mas sim o prestígio da Administração Pública.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de enganar a vítima, fazendo-a acreditar que influirá em ato praticado por funcionário público no exercício da função. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a solicitação, exigên-

cia ou cobrança de vantagem ou promessa desta. Pouco importa se o agente realmente obtém a vanta-gem visada (crime formal). Na modalidade de “obter”, trata-se de crime material que se consuma com a efetiva obtenção da vantagem ou de sua promessa. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Nos termos do parágrafo único do art. 332,

a pena será aumentada da metade se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada ao funcionário. Basta que o agente dê a entender que haverá esse recebimento pelo funcionário, pouco importando se a vítima acredita ou não nisso.

b) A ação penal é pública incondicionada.

Corrupção Ativa

Art. 333. Oferecer ou prometer vantagem in-devida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço, se, em razão da vantagem ou promes-sa, o funcionário retarda ou omite ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

O objeto jurídico tutelado é a moralidade e o regular funcionamento da Administração Pública. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), inclusive o funcionário público, desde que aja fora dessa qualidade. Já o sujeito passivo é o Estado.

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Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “oferecer [pôr à dis-

posição] ou prometer [fazer promessa, comprome-ter-se com] vantagem indevida a funcionário público, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. O delito de corrupção ativa representa uma exceção à teoria monista ou unitária do concurso de pessoas, uma vez que tanto o corruptor quanto o corrupto poderiam responder pelo mesmo delito. Entretanto o legislador preferiu criar tipos autônomos: corrupção ativa (art. 333) e passiva (art. 317).

O crime de corrupção ativa pode se dar sob duas modalidades:

a) oferecer: significa pôr à disposição. Aqui a con-duta criminosa inicial parte do particular que oferece vantagem indevida ao funcionário público, sendo que este a aceita e a recebe. Assim, o funcionário público responderá pelo delito de corrupção passiva, ao passo que o particular que ofereceu a vantagem indevida responderá por corrupção ativa;

b) prometer: significa fazer promessa, compro-meter-se a fazer algo. Também aqui a conduta inicial parte do particular que promete a vantagem indevida ao funcionário público, sendo que este a aceita. Não se exige nem mesmo que ele efetivamente receba a vantagem, bastando que concorde com o seu re-cebimento. Nesse caso, o particular que prometeu a vantagem responderá por corrupção ativa, enquanto o funcionário público que a aceitou estará incurso nas penas da corrupção passiva.

É possível que exista corrupção ativa sem cor‑rupção passiva. Isso ocorrerá quando o particular oferece ou promete vantagem indevida ao funcioná-rio público, mas este não a recebe ou não a aceita.

Da mesma forma, é possível que haja corrup‑ção passiva sem corrupção ativa. Tal fato ocorre quando o funcionário público solicita vantagem inde-vida ao particular e este a entrega. Note que, nesse caso, o funcionário público responderá por corrup-ção passiva (basta o simples fato de ter solicitado a vantagem indevida, pouco importando se vem ou não a recebê-la efetivamente), enquanto a conduta do particular que entregou a vantagem será atípica, uma vez que a lei só pune a conduta de “oferecer ou prometer” a vantagem indevida. Além disso, caso o funcionário público solicite a vantagem indevida e o particular se recuse a entregá-la, só haverá o delito de corrupção passiva. São, portanto, duas hipóteses.

De modo a esclarecer melhor o que acabou de ser dito, podermos fazer o seguinte quadro comparativo:

CORRUPÇÃO PASSIVA CORRUPÇÃO ATIVA(Funcionário Público) (Particular)a) solicitar a) fato atípicob) receber b) oferecerc) aceitar promessa c) prometer

Percebe-se, assim, que nem sempre que houver o delito de corrupção passiva haverá o crime de cor-rupção ativa e vice-versa. De acordo com Gonçalves (2003c, v. 10, p. 163):

E se o agente se limita a pedir para o funcioná-rio ‘dar um jeitinho’? Não há corrupção ativa, pois o agente não ofereceu nem prometeu qualquer vantagem. Nesse caso, se o funcio-nário público ‘dá o jeitinho’ e não pratica o ato que deveria, responde por corrupção passiva privilegiada (art. 317, § 2º) e o particular figura como partícipe. Se o funcionário público não dá o jeitinho, o fato é atípico.

A vantagem prometida pelo particular ao funcio-nário público pode ser de qualquer natureza (patri-monial, moral, sexual etc.), mas deve ser indevida, pois, se devida, o fato será atípico. Caso a vantagem seja oferecida para impedir que o funcionário público pratique contra o agente um ato ilegal, não haverá crime.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consis-tente na vontade livre e consciente de oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público. O agente deve ter consciência de que a vantagem é indevida e que ela se destina a funcionário público. Exige-se, ainda, a presença do elemento subjetivo especial do tipo (ou especial fim de agir), represen-tado pela expressão “para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício”. Não existe a moda-lidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a simples oferta ou

promessa de vantagem indevida feita pelo particu-lar ao funcionário público, pouco importando se ele aceita ou não essa vantagem (crime formal). Isso significa que, para a consumação desse delito, basta que a oferta ou promessa de vantagem indevida chegue ao conhecimento do agente público. Não se exige também que o funcionário chegue a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. Admite-se a tentativa, salvo se a oferta ou promessa de vantagem indevida for feita oralmente.

Observaçõesa) Só haverá o delito de corrupção ativa se o

funcionário público tiver competência para praticar o ato. Assim, caso o particular ofereça ou prometa vantagem indevida para que agente de polícia não instaure inquérito policial contra ele, não há que se falar nesse delito, uma vez que não se inclui nas atribuições legais de um agente de polícia instaurar e presidir inquérito; essa atribuição é do delegado.

b) Nos termos do parágrafo único do art. 333 do CP, a pena será aumentada de um terço se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário retardar ou omitir ato de ofício, ou o praticar infringindo dever funcional. De acordo com a doutrina, caso o ato seja praticado sem infringir dever funcional, não incidirá essa causa de aumento de pena, devendo o agente responder pela modalidade simples do delito.

c) A ação penal é pública incondicionada.d) A modalidade simples desse delito (caput)

admite a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

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Contrabando ou descaminho

Art. 334. Importar ou exportar mercadoria proi-bida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamen-to de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:Pena – reclusão, de um a quatro anos.§ 1º Incorre na mesma pena quem:a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei;b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho;c) vende, expõe à venda, mantém em depó-sito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de proce-dência estrangeira que introduziu clandestina-mente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clan-destina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem;d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de pro-cedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos.§ 2º Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mer-cadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências.§ 3º A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo.

O objeto jurídico tutelado é a Administração Pú-blica, especialmente o controle do Estado sobre a entrada de mercadorias em seu território e sua saída deste, além do interesse da Fazenda Pública na tributação de tais mercadorias. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). O funcionário público que facilita, com infração do dever funcional, a prática de contrabando ou descaminho responderá pelo delito previsto no art. 318 do CP (facilitação de contrabando ou descaminho). Caso facilite o con-trabando ou descaminho, porém sem infração do dever funcional, será partícipe do crime previsto no art. 334. Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “importar ou exportar

mercadoria proibida ou iludir [mascarar, enganar], no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria”. De acordo com Jesus (1998, v. 4, p. 221):

No sentido jurídico, a expressão contra‑bando quer dizer importação ou exportação de mercadorias ou gêneros cuja entrada ou saída do País é proibida, enquanto o termo descaminho significa fraude no pagamento de impostos e taxas devidos para o mesmo

fim (entrada ou saída de mercadorias ou gêneros). A diferença entre contrabando e descaminho reside em que no primeiro a mer-cadoria é proibida; no segundo, sua entrada ou saída é permitida, porém o sujeito frauda o pagamento do tributo devido.

O art. 334 do CP é, em verdade, norma penal em branco, pois a legislação extrapenal dirá quais mer-cadorias são absolutas ou relativamente proibidas de ingressar no território brasileiro, que compreende o solo pátrio, o mar territorial e o espaço aéreo bra-sileiro. Para Capez (2004, v. 3, p. 511):

não devem necessariamente ser estrangeiras, isto é, fabricadas no exterior. Na hipótese em que a mercadoria é fabricada no Brasil e destinada exclusivamente à exportação, tendo em vista que sua venda em território nacional é proibida, a posterior reintrodução no País configura o delito em tela.

É possível que o agente consiga realizar a im-portação ou exportação de mercadorias proibidas pela aduana, ou seja, ultrapassando a fiscalização alfandegária e sendo esta liberada. Nesse caso, res-ponderá por contrabando ou descaminho, enquanto a autoridade que facilitou essa conduta estará incur-sa nas penas previstas no art. 314 do CP (facilitação de contrabando ou descaminho).

Segundo a doutrina, para a configuração do crime de descaminho, não basta a simples entrada ou saída da mercadoria sem o recolhimento do im-posto devido, sendo indispensável que o agente se utilize de algum meio tendente a iludir a autoridade alfandegária. Capez (2004, v. 3, p. 512) esclarece a questão:

Com efeito, o tipo emprega o verbo iludir, que significa enganar, frustrar, lograr, burlar, não sendo suficiente a mera omissão no recolhi-mento do tributo. Tivesse a lei empregado o verbo elidir, que significa suprimir, aí sim seria suficiente o comportamento omissivo. Não é o caso, contudo, do delito em questão, de modo que o inadimplemento caracteriza mero débito de natureza fiscal.

Importante ressaltar, apenas, que o STF manifes-tou-se contrariamente a essa posição, entendendo que basta o simples ingresso da mercadoria no terri-tório brasileiro ou sua saída deste sem o pagamento dos direitos alfandegários, não sendo necessária a prática de qualquer ato tendente a iludir ou enganar a autoridade competente.

O § 1º do art. 334 traz figuras equiparadas. Assim, incorre nas mesmas penas quem:

a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei: trata-se de navegação entre os portos do País, dentro de suas águas e rios, visando à comunicação e ao comércio direto entre esses portos;

b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho: nos termos do

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Decreto-Lei nº 288/1967, por exemplo, “será con-siderado contrabando a saída de mercadorias da Zona Franca sem a autorização expedida pelas autoridades competentes”;

c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estran‑geira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem: nesse caso a lei pune não somente o próprio contrabandista que pratica uma dessas con-dutas, como também aquele que adota tais medidas em relação a mercadorias introduzidas clandestina-mente ou importadas fraudulentamente por terceiro;

d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade co‑mercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos: essa modalidade é muito parecida com o crime de receptação, porém se aplica a mer-cadorias contrabandeadas.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, saída ou consumo da mercadoria. Inexiste modalidade culposa.

Consumação e TentativaNo crime de contrabando, devem-se distinguir

duas situações:a) caso a mercadoria entre pelos caminhos

normais, ou seja, pela zona alfandegária, a consu-mação ocorre no momento em que se ultrapassa a zona fiscal;

b) caso a mercadoria entre no País clandestina-mente, ou seja, por meios escusos, a consumação se dará no momento de entrada ou saída da mercadoria do território nacional.

No delito de descaminho, a consumação ocorre no momento em que a mercadoria é liberada sem o devido pagamento do imposto ou direito a ela refe-rente. A tentativa é admissível.

Observaçõesa) Caso a importação ou exportação seja de

substância entorpecente ou que cause dependência física ou psíquica, o fato será enquadrado no art. 33 da Lei nº 11.343/2006, e não no art. 334 do CP. Caso se trate da importação, sem autorização de autoridade federal competente, de armamento ou material privativo das Forças Armadas, o fato será enquadrado no art. 12 da Lei nº 7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional).

b) Nos termos do § 2º do art. 334, equipara-se às atividades comerciais, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, mesmo se exercido em residências.

c) Nos termos do art. 334, § 3º, a pena aplica-se em dobro se o crime de contrabando ou descami-

nho é praticado em transporte aéreo. Essa norma dirige-se aos voos internacionais clandestinos.

d) Grande parte da doutrina admite a aplicação do art. 34 da Lei nº 9.249/1995 ao crime de descaminho. De acordo com esse dispositivo:

extingue se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137/1990, e na Lei nº 4.729/1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive aces-sórios, antes do recebimento da denúncia.

e) Concurso de crimes: falsidade documental e contrabando ou descaminho. Caso a falsificação do documento se esgote no contrabando ou desca-minho (exaurir todo o seu potencial lesivo), deverá o agente responder apenas por esse último delito, ficando o crime de falso absorvido pelo princípio da consunção. Caso, entretanto, a falsificação sirva para a prática de várias outras fraudes, deverá o agente responder pelo crime de contrabando ou descaminho em concurso material com o de falsi-dade documental.

f) De acordo com a doutrina, caso o agente importe ou exporte arma de fogo ou acessórios de uso proibido ou restrito, estará incurso nas penas do art. 16 da Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarma-mento), sem prejuízo da pena por eventual crime de contrabando ou descaminho.

g) Trata-se de crime de competência da Justiça Fe deral, sendo esta determinada pelo Juízo Federal do lugar de apreensão dos bens (Súmula nº 151 do STJ).

h) A ação penal é pública incondicionada.

Impedimento, Perturbação ou fraude de Concorrência

Art. 335. Impedir, perturbar ou fraudar con-corrência pública ou venda em hasta pública, promovida pela administração federal, estadu-al ou municipal, ou por entidade paraestatal; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem:Pena – detenção, de seis meses a dois anos, ou multa, além da pena correspondente à violência.Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém de concorrer ou licitar, em razão da vantagem oferecida.

Esse dispositivo do Código Penal foi revogado pelos arts. 93 e 95 da Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações). De acordo com essa Lei:

Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a re-alização de qualquer ato de procedimento licitatório:Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.Art. 95. Afastar ou procura afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo:

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Pena – detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência.Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar, em razão da vantagem oferecida.

Inutilização de Edital ou de Sinal

Art. 336. Rasgar ou, de qualquer forma, inu-tilizar ou conspurcar edital afixado por ordem de funcionário público; violar ou inutilizar selo ou sinal empregado, por determinação legal ou por ordem de funcionário público, para identificar ou cerrar qualquer objeto:Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.

O objeto jurídico tutelado é a Administração Pública. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, inclusive o funcionário público. Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

rasgar [lacerar, cortar, total ou parcialmente], inutilizar [tornar inútil, inelegível] ou conspur-car [sujar, manchar, macular] edital afixado por ordem de funcionário público; violar [romper, quebrar] ou inutilizar [tornar inútil, inservível] selo ou sinal empregado, por determinação legal ou por ordem de funcionário público, para identificar ou cerrar qualquer objeto.

A primeira figura típica tem como objeto material o edital que foi afixado por ordem de funcionário público. O edital pode ser administrativo (exemplo: edital para licitação) ou judicial (exemplo: edital para citação do réu que se encontra em local desconhe-cido). Já na segunda figura típica, o objeto material é o selo ou sinal empregado por determinação legal ou ordem de funcionário público, para identificar ou cerrar qualquer objeto. Esse selo ou sinal pode ser confeccionado em qualquer material, mas deve con-ter a assinatura ou o carimbo da autoridade.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na von-tade livre e consciente de praticar uma das condutas descritas no tipo penal. Inexiste modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre quando o agente efetiva-

mente rasga, inutiliza, conspurca ou viola selo ou sinal. Na conduta de violar, não se exige que ele tome conhecimento do conteúdo do selo ou sinal. Para Capez (2004, v. 3, p. 530): “somente será necessário o devassamento do conteúdo na hipótese em que, havendo a violação, permaneça intacto o selo ou o sinal empregado”. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Caso o edital esteja com o prazo de validade

vencido e mesmo assim permanecer afixado no local devido ao esquecimento do funcionário, não

haverá esse delito, assim como no caso de o objeto selado ou sinalizado já estar com o seu conteúdo identificado.

b) A ação penal é pública incondicionada.c) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Subtração ou Inutilização de Livro ou Documento

Art. 337. Subtrair, ou inutilizar, total ou parcial-mente, livro oficial, processo ou documento confiado à custódia de funcionário, em razão de ofício, ou de particular em serviço público:Pena – reclusão, de dois a cinco anos, se o fato não constitui crime mais grave.

O objeto jurídico tutelado é a Administração Pública. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Caso seja cometido por funcionário público que detém a guarda do livro oficial, proces-so ou documento, o crime será aquele previsto no art. 314 do CP. Já o sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, o ofendido com a subtração ou inu-tilização do documento.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

subtrair [retirar, tirar do poder de outrem], ou inutilizar [tornar inútil, imprestável], total ou parcialmente, livro oficial, processo ou docu-mento confiado à custódia de funcionário, em razão de ofício, ou de particular em serviço público.

O objeto material desse delito é o livro oficial, processo (administrativo ou judicial) ou documen-to (público ou privado). É necessário que eles se encontrem confiados à custódia de funcionário, em razão de ofício, ou de particular em serviço público.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consis-tente na vontade livre e consciente de subtrair ou inutilizar, total ou parcialmente, livro oficial, processo ou documento. O agente deve ter consciência de que esses objetos se encontram sob a custódia de funcionário, em razão de ofício, ou de particular em serviço público. Inexiste forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva subtração

(nos mesmos moldes do crime de furto) ou inutili-zação, total ou parcial, do livro oficial, processo ou documento. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Não devemos confundir esse delito com aquele

previsto no art. 314 do CP (extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento), pois esse último é crime próprio que só pode ser cometido pelo fun-cionário público que detém a sua guarda. No delito previsto no art. 337, ao contrário, o crime é cometido por aquele que não tem a guarda do livro oficial, processo ou documento.

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b) Esse delito também não se confunde com aquele previsto no art. 356 do CP (sonegação de pa-pel ou objeto de valor probatório), pois esse último é crime contra a Administração da Justiça que somente pode ser cometido por advogado ou procurador.

c) A ação penal é pública incondicionada.

Sonegação de Contribuição Previdenciária

Art. 337‑A. Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:I – omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregados, empresários, trabalhadores avulsos ou trabalhadores autônomos ou a estes equiparados que lhe prestem serviços;II – deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;III – omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de con-tribuições sociais previdenciárias:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.§ 1º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as con-tribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.§ 2º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:I – (Vetado)II – o valor das contribuições devidas, inclu-sive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, admi-nistrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.§ 3º Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena de um terço até a metade ou aplicar apenas a de multa.§ 4º O valor a que se refere o parágrafo ante-rior será reajustado nas mesmas datas e nos mesmos índices do reajuste dos benefícios da previdência social.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio da Se-guridade Social. Tutela-se a regular escrituração dos dados referentes à Previdência Social. O sujeito ativo é o particular a quem incumbe o lançamento das informações nos documentos relacionados com a Previdência Social. Não é o simples fato de alguém ser sócio ou diretor de uma empresa que faz com que automaticamente seja responsabilizado nos casos de sonegação de contribuição previdenciária. É necessário que efetivamente pratique uma das

condutas incriminadas, sob pena de haver respon-sabilidade penal objetiva. Já o sujeito passivo é o Estado e, especialmente, a Previdência Social.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “suprimir [deixar

de pagar] ou reduzir [diminuir, recolher menos do que é devido] contribuição social previdenciária ou qualquer acessório, mediante a prática das seguintes condutas”:

a) omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregados, empresários, trabalhadores avulsos ou trabalhadores autônomos ou a este equiparado que lhe prestem serviços. Aqui, o sujeito ativo deixa de incluir na folha de pagamento os segurados elencados acima, acarretando uma su-pressão ou redução no recolhimento da contribuição social previdenciária ou qualquer acessório;

b) deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;

c) omitir, total ou parcialmente, receitas ou lu-cros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias.

Para Bitencourt (2001), trata-se de crime omissivo em todas suas modalidades. Já para Gomes (2005), trata-se de crime comissivo de conduta mista.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessó-rio, mediante a prática de qualquer uma das condutas incriminadas. Não se pune a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva supressão

ou redução de contribuição social previdenciária e qualquer acessório, por meio da prática de uma das condutas criminosas descritas na lei penal. Discute-se na doutrina o cabimento da tentativa em tais delitos. Para aqueles que entendem tratar-se de um crime omissivo, a tentativa mostra-se incabível. Outra corrente defende, entretanto, que se trata de um crime de conduta mista (comissivo de conduta mista), cabendo, portanto, a tentativa.

Observaçõesa) Nos termos do § 1º do art. 337-A do CP,

é extinta a punibilidade se o agente, espon-taneamente, declara e confessa as contri-buições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal.

Nesse dispositivo, não se exige que o agente efetue o pagamento das contribuições ou quaisquer acessórios devidos. Caso o agente efetue o paga-mento do tributo ou contribuição social antes do rece-bimento da denúncia, haverá a extinção de sua puni-

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bilidade, nos termos do art. 34 da Lei nº 9.249/1995. Finalmente, nos termos da Lei nº 10.684/2003, caso o agente solicite o parcelamento de seu débito tribu-tário, ficará suspensa a pretensão punitiva e, tão logo quite a última parcela desse parcelamento, ocorrerá a extinção da punibilidade.

b) Nos termos do § 2º do art. 337-A,

É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:[...]II – o valor das contribuições devidas, inclu-sive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, admi-nistrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

Trata-se de uma hipótese de perdão judicial (po-dendo o juiz deixar de aplicar a pena) ou de aplicação apenas da pena de multa. Presentes os requisitos exigidos pelo § 2º, o réu tem o direito subjetivo de ver aplicado o perdão judicial ou somente a pena de multa.

c) Nos termos do § 3º do art. 337-A,

Se o empregador não é pessoa jurídica e sua folha de pagamento mensal não ultrapassa R$ 1.510,00 (um mil, quinhentos e dez reais), o juiz poderá reduzir a pena de um terço até a metade ou aplicar apenas a de multa.

Além disso, nos termos do § 4º desse mesmo artigo “o valor a que se refere o parágrafo anterior será reajustado nas mesmas datas e nos mesmos índices do reajuste dos benefícios da previdência social”.

Trata-se de causa de diminuição da pena. Pre-sentes os seus requisitos, torna-se direito subjetivo do acusado.

d) A ação penal é pública incondicionada.e) A competência para processo e julgamento

dessa infração penal é da Justiça Federal, nos ter-mos do art. 109 da Constituição da República.

DOS CRIMES PRATICADOS POR PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ESTRANGEIRA

Corrupção Ativa nas Transações Comerciais Internacionais

Art. 337‑B. Prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a fun-cionário público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional:Pena – reclusão, de 1 (um) a 8 (oito) anos, e multa.

Parágrafo único. A pena é aumentada de 1/3 (um terço), se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

O objeto jurídico tutelado é a lisura e transparên-cia nas transações comerciais internacionais. O su-jeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), inclusive o funcionário público, desde que não aja nessa qualidade. Para Jesus (1998), o sujeito pas-sivo é o Estado estrangeiro titular da Administração Pública atingida.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

prometer [fazer promessa], oferecer [pôr à disposição] ou dar [doar, entregar], direta ou indiretamente, vantagem indevida a funcioná-rio público estrangeiro, ou a terceira pessoa, para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comer-cial internacional.

Nesse delito, a corrupção do funcionário público estrangeiro visa a que ele pratique, omita ou retarde ato de oficio relacionado com a transação comercial internacional. O funcionário público que recebe ou aceita promessa de vantagem indevida não responde por corrupção passiva (art. 317 do CP), devendo res-ponder nos termos da lei penal do seu país de origem.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de prometer, oferecer ou dar vantagem indevida a funcionário público es-trangeiro. Exige-se, ainda, um elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir), representado pela expressão “para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício relacionado à transação comercial internacional”. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a simples promessa ou

oferta de vantagem indevida ao funcionário público estrangeiro, pouco importando se ele chega ou não efetivamente a aceitá-la (crime formal nessas duas modalidades). Já na modalidade de “dar”, a consu-mação se dá com a efetiva entrega da vantagem indevida ao funcionário público estrangeiro (crime material). As ações criminosas devem ser praticadas, no todo ou em parte, no território nacional. Admite-se a tentativa, salvo se a promessa ou oferta forem feitas oralmente.

Observaçõesa) Nos termos do seu parágrafo único,

Art. 337‑B. [...]Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço se, em razão da vantagem ou promessa, o funcionário público estrangeiro retarda ou omite o ato de ofício, ou o pratica infringindo dever funcional.

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Trata-se de um agravamento na pena, pois, nesse caso, a conduta do funcionário público estrangeiro ultrapassa o simples recebimento da vantagem indevida.

b) A ação penal é pública incondicionada.c) Admite-se a suspensão condicional do pro-

cesso, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

Tráfico de Influência em Transação Comercial Internacional

Art. 337‑C. Solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indireta-mente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação comercial internacional:Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.Parágrafo único. A pena é aumentada da metade, se o agente alega ou insinua que a vantagem é também destinada a funcionário estrangeiro.

O objeto jurídico tutelado é a lisura e transpa-rência nas transações comerciais internacionais. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (nacional ou estrangeiro), inclusive o funcionário público. Já o sujeito passivo é o Estado estrangeiro lesado e, secundariamente, a pessoa que compra o prestígio, entrega ou promete a vantagem.

Há entendimentos de que se trata de um crime vago, cujo sujeito passivo seria a credibilidade, imagem das transações comerciais internacionais e, secundariamente, a empresa iludida.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

solicitar [pedir], exigir [demandar, ordenar], cobrar [fazer com que seja pago] ou obter [alcançar, conseguir], para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promes-sa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transação comercial internacional.

Trata-se de novatio legis incriminadora que cria nova infração penal, não se aplicando, portanto, aos fatos ocorridos antes de sua vigência. Nesse crime, o agente pratica uma das ações típicas descri-tas acima (solicitar, exigir, cobrar ou obter vantagem ou promessa de vantagem), a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado a transações comerciais de natureza internacional. Para Capez (2004, v. 3, p. 552):

Há, dessa forma, a venda de suposta influên-cia exercida pelo agente junto a funcionários públicos estrangeiros em troca de vantagem. Vejamos um exemplo: brasileiro que, alegando

falsamente prestígio junto às autoridades do Timor Leste, solicita vantagem a uma empre-sa brasileira, com a promessa de lograr sua contratação pelo governo timorense, para a construção de viadutos.

Note-se que o agente faz a vítima crer que ele exercerá uma influência no comportamento de funcionário público estrangeiro. Ele pode ou não efetivamente gozar de influên cia junto a determinado funcionário, mas, em qualquer caso, será punido, já que a lei incrimina a fraude em seu comportamento (o agente não tomará qualquer atitude junto à Ad-ministração Pública). Para Capez (2004), ainda que o funcionário goze de prestígio junto a funcionário público estrangeiro haverá esse delito, pois o que se pune é a fraude quanto à influência. Na realidade, ele não tomará qualquer atitude junto à Administração Pública estrangeira. Caso ele realmente goze de prestígio junto à Administração Pública estrangeira e corrompa o funcionário, o crime será outro (cor-rupção ativa, art. 333 do CP).

Aquele que compra o prestígio não será respon-sabilizado nem por corrupção ativa nem pelo crime de tráfico de influência. O funcionário estrangeiro corrompido, por sua vez, responderá nos termos da legislação de seu país de origem. Vale destacar que esse funcionário, sobre o qual o agente alega exercer influência, tanto pode existir quanto ser imaginário.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consisten-te na vontade livre e consciente de solicitar, exigir, cobrar ou obter, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem ou promessa de vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionário público estrangeiro no exercício de suas funções, relacionado com transação comercial internacional. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre quando o agente solicita,

exige ou cobra a vantagem ou promessa de van-tagem (crime formal), não importando se ele vem efetivamente a obtê-la. Na modalidade de “obter”, é crime material, que se consuma quando o agente efetivamente obtém a vantagem ou promessa de vantagem. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Nos termos do parágrafo único do art. 337-C,

a pena será aumentada da metade se o agente ale-gar ou insinuar que a vantagem é também destinada a funcionário estrangeiro.

b) A ação penal é pública incondicionada.

funcionário Público Estrangeiro

Art. 337‑D. Considera-se funcionário público estrangeiro, para os efeitos penais, quem, ainda que transitoriamente ou sem remunera-ção, exerce cargo, emprego ou função pública em entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro.Parágrafo único. Equipara-se a funcionário público estrangeiro quem exerce cargo, em-

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prego ou função em empresas controladas, diretamente ou indiretamente, pelo Poder Pú-blico de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais.

Este artigo foi introduzido no Código Penal pela Lei nº 10.497/2002. Pouco importa se o vínculo do funcionário é definitivo ou transitório, remunerado ou não. Basta que ele exerça cargo, emprego ou função pública em entidades estatais (exemplo: parlamentar da Indonésia) ou em representações diplomáticas de país estrangeiro (embaixadas). Nos termos do pará-grafo único deste artigo, equipara-se a funcionário público estrangeiro quem exerce cargo, emprego ou função em empresas controladas, direta ou indire-tamente, pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais. Exemplo: funcionário de uma empresa de aço controlada pelo governo americano. Nos termos deste artigo, não será considerado funcionário público estrangeiro quem trabalha em empresas privadas estrangeiras, ainda que atuem por representação, convênio ou contrato de Estado estrangeiro. Apenas o serão os que exercem cargo, emprego ou função pública em entidades estatais ou em representações diplomá-ticas de país estrangeiro, ou aqueles que trabalham em empresas controladas pelo Poder Público de país estrangeiro ou em organizações públicas in-ternacionais.

DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO DA jUSTIÇA

Reingresso de Estrangeiro Expulso

Art. 338. Reingressar no território nacional o estrangeiro que dele foi expulso:Pena – reclusão, de um a quatro anos, sem prejuízo de nova expulsão após o cumprimen-to da pena.

O objeto jurídico tutelado é a eficácia e prestígio do ato administrativo que determinou a expulsão do estrangeiro. O sujeito ativo é somente o estrangeiro que foi expulso do território nacional (crime próprio). Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “reingressar [voltar,

entrar novamente] no território nacional o estrangeiro que dele foi expulso”. Nesse crime, o estrangeiro, após ter sido expulso do território brasileiro (já houve decreto de expulsão), reingressa no território nacio-nal. Segundo a doutrina, o ingresso de estrangeiro expulso em zona contínua (zona de 12 a 24 milhas marítimas na qual o Brasil exerce fiscalização) e zona econômica exclusiva (faixa que se estende de 12 a 200 milhas marítimas na qual o Brasil realiza atividades que visam à exploração e ao aproveita-mento de recursos naturais disponíveis), bem como no território brasileiro por equiparação (art. 5º, § 1º, do CPP), não constituem esse delito.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consis-tente na vontade livre e consciente de reingressar,

depois de expulso, no território nacional. O agente deve saber que a sua entrada é ilícita. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com o efetivo reingresso do

estrangeiro expulso no território nacional. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Não haverá esse crime caso o agente, após

ter sido expulso, continue no território brasileiro, uma vez que a lei pune somente o reingresso.

b) A ação penal é pública incondicionada.c) Esse crime é de competência da Justiça Fe-

deral (art. 109 da CF).d) Admite-se a suspensão condicional do pro-

cesso, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

Denunciação caluniosa

Art. 339. Dar causa à instauração de investi-gação policial, de processo judicial, instaura-ção de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente:Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa.§ 1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto.§ 2º A pena é diminuída de metade, se a im-putação é de prática de contravenção.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça, evitando-se falsas imputações. Protege-se, secundariamente, a honra da pessoa acusada de crime de que é inocente. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Exemplo: promo-tor de justiça que oferece denúncia contra pessoa que sabe ser inocente. De acordo com Gonçalves (2003c, v. 10, p. 174):

[...] em se tratando de crime de ação privada ou de ação pública condicionada a representação, o sujeito ativo somente pode ser aquele que poderia dar início ao procedimento, ou seja, o ofendido ou seu representante legal, pois apenas com autorização destes é que pode ser iniciada qualquer forma de persecução.

Já o sujeito passivo é o Estado e, secundaria-mente, a pessoa a quem se atribuiu falsamente o cometimento de um crime.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

dar causa [provocar, dar início] à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade admi-nistrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente.

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• investigação policial: diligências da autorida-de policial no sentido de apurar a veracidade quanto à prática de determinada infração penal. Não se exige que haja a instauração de inquérito policial;

• processo judicial: é o processo penal. Nessa hipótese, devido à falsa imputação de crime a outrem, tem-se o início do processo penal, que ocorrerá com o recebimento da denúncia ou queixa;

• investigação administrativa: introdução feita pela Lei nº 10.028/2000. Abrange a instaura-ção de sindicância ou processo administrativo disciplinar;

• inquérito civil: aquele previsto na Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública), de atribuição específica do Ministério Público;

• ação de improbidade administrativa: inovação também introduzida pela Lei nº 10.028/2000. Trata-se da ação prevista na Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Admi-nistrativa).

Como se percebe, na denunciação caluniosa, o agente provoca uma investigação policial ou ad-ministrativa, ação penal etc. Essa provocação pode ser direta (o agente formalmente apresenta notícia do crime à autoridade, oralmente ou por escrito) ou indireta (o agente, por qualquer meio, faz com a que a notícia chegue até o conhecimento da autoridade, a fim de que a investigação seja iniciada – exemplo: ligação telefônica).

O policial que coloca a droga na bolsa da vítima e a prende comete o crime de denunciação caluniosa e abuso de autoridade (art. 3º, a, da Lei nº 4.898/1965).

Questão interessante ocorre quando o agen-te imputa falsamente a alguém a prática de uma infração penal, mas descreve circunstâncias que evidenciam ter o agente agido acobertado por uma excludente da ilicitude, como a legítima defesa. Ha-veria denunciação caluniosa nessa hipótese, caso se iniciasse a persecução penal? Para Capez (2004, v. 3, p. 565-566),

[...] entendemos que, se o fato imputado for típico, mas não ilícito, em face da possibilida-de de o sujeito ter agido sob a proteção de alguma excludente da ilicitude (CP, art. 23), deverá o delegado de polícia, ainda assim, instaurar o inquérito policial, pois os requisi-tos configuradores da excludente devem ser provados durante a persecução penal, sendo certo que somente o Ministério Público poderá requerer o arquivamento do inquérito em face da existência dessa causa. Desse modo, aquele que narrar ao delegado a prática de crime de homicídio em legítima defesa deverá responder pelo crime em tela se tiver agido com má-fé, pois, dolosamente, e mediante o emprego da malícia, deu causa à instauração de inquérito policial.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de dar causa à instau-

ração de investigação policial, de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente. O agente deve saber que a imputação é falsa (dolo direito), não se admitindo o dolo eventual. Assim, caso o agente esteja na dúvida quanto à falsidade da imputação, o fato será atípico. Inexiste a moda-lidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a instauração de in-

vestigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém. No primeiro caso (in-vestigação policial), não se exige, para a consuma-ção desse delito, que haja a instauração de inquérito policial, bastando que a autoridade policial realize investigações policiais para apurar a veracidade das alegações. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Nos termos do art. 339, § 1º, do CP, a pena

será aumentada da sexta parte se o agente se valer do anonimato ou de nome suposto. De acordo com o § 2º desse mesmo dispositivo legal, a pena será diminuída da metade se a imputação for da prática de contravenção penal.

b) Por falta de previsão legal, a retratação no crime de denunciação caluniosa não isenta o réu de pena. Admitem-se, entretanto, os institutos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz.

c) Não se deve confundir o delito em estudo com o crime de calúnia. Nesse último, o agente visa a ofender a honra de um terceiro, imputando-lhe fal-samente um fato que sabe ser criminoso. Já o crime de denunciação caluniosa é crime contra a Adminis-tração Pública, em que o agente, além de imputar a alguém um fato que sabe ser criminoso, também o leva ao conhecimento da autoridade, dando causa à instauração de investigação policial, processo judicial, investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa. Além disso, só haverá calúnia nos casos de imputação falsa de crime, enquanto a denunciação caluniosa pode ser referir a crimes ou contravenções penais.

d) Na denunciação caluniosa, atribui-se a deter-minada pessoa a prática de uma infração penal. Já no crime de comunicação falsa de infração penal, o agente não aponta uma pessoa determinada como autora do crime ou da contravenção penal que alega ter acontecido. Finalmente, na autoacusação falsa o agente atribui a si mesmo o cometimento de crime inexistente ou praticado por outrem.

e) Discute a doutrina o momento adequado para o ajuizamento da ação penal por crime de denunciação caluniosa. Para Hungria (1979) e Noronha (1988), a ação penal pelo crime de denunciação caluniosa só poderá ser iniciada após o arquivamento do in-quérito policial instaurado contra o agente ou após sua absolvição na ação penal, pois só assim ficaria provada oficialmente sua inocência, tendo-se certeza da falsidade da imputação. Visa-se, assim, a evitar decisões conflitantes. Já para Jesus (1998), Mirabete

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(2005) e Capez (2004), a ação penal por denuncia-ção caluniosa pode ser iniciada mesmo antes de arquivado o inquérito policial ou absolvido o agente. A questão, entretanto, não é pacífica, havendo de-cisões nos dois sentidos em nossa jurisprudência.

f) A ação penal é pública incondicionada.

Comunicação falsa de Crime ou de Contravenção

Art. 340. Provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de contravenção que sabe não se ter verificado:Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

O objeto jurídico tutelado é a Administração da Justiça. Procura-se evitar as falsas comunicações de crimes ou contravenções. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “provocar [dar cau-

sa, desencadear] a ação de autoridade [exemplos: juiz, delegado, promotor, autoridade administrativa com atribuições legais para iniciar investigações], comunicando-lhe a ocorrência de crime ou de con-travenção que sabe não se ter verificado”.

De acordo com Gonçalves (2003c, v. 10, p. 157):

não se confunde com a denunciação calu-niosa, pois, nesta, o agente aponta pessoa certa e determinada, como autora da infração, enquanto no art. 340 isso não ocorre. Nesse crime, o agente se limita a comunicar falsa-mente a ocorrência de crime ou contravenção, não apontando qualquer pessoa como res-ponsável por ele ou então apontando pessoa que não existe.

Para a maioria da doutrina o elemento sujeito é o dolo direto, consistente na vontade livre e consciente de provocar a ação de autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime ou contravenção. O agente deve ter conhecimento de que o crime ou a con-travenção realmente não se verificou. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre quando a autoridade

pratica algum ato tendente a elucidar o crime ou a contravenção. Não se exige, entretanto, que o inqué-rito policial seja efetivamente instaurado. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Caso o agente cometa a comunicação falsa de

crime ou de contravenção com o intuito de praticar outro delito, (exemplo: comunicar que seu carro foi furtado para receber o valor do seguro), há duas posições na doutrina:

a.1) o agente seria responsabilizado apenas pelo crime principal (no exemplo, art. 171, § 2º, V, do CP),

ficando a comunicação falsa de crime ou contraven-ção absorvida pelo princípio da consunção;

a.2) haveria concurso material de crimes: comu-nicação falsa de crime ou contravenção e o outro delito almejado pelo agente.

b) Para a doutrina, caso o agente faça a comuni-cação de ocorrência de um furto, quando na verdade, o delito cometido foi de roubo, não há que se falar no crime em tela, pois, nessa hipótese, eventual inves-tigação que venha a ser feita não será de todo inútil.

c) A ação penal é pública incondicionada.d) Trata-se de infração penal de menor poten-

cial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admite-se a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

Autoacusação falsa

Art. 341. Acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem:Pena – detenção, de três meses a dois anos, ou multa.

O objeto jurídico tutelado é a Administração Públi-ca. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), excluindo-se, por óbvio, aqueles que foram autores, coautores ou partícipes do delito objeto da autoacusação falsa. Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “acusar-se [atribuir a

si mesmo], perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem”. Essa autoridade deve ser pública (delegado, juiz, promotor etc.). Assim, não há crime se a autoacusação falsa é perante um funcionário que não seja autoridade ou particular. A autoacusação diz respeito a um crime que nunca existiu ou, embora ocorrendo, tenha sido praticado por outro. Isso significa que, caso o partícipe de um crime se autoacuse falsamente, atribuindo a si toda a responsabilidade pelo evento criminoso, visando a proteger os demais comparsas que são seus pa-rentes, não haverá o delito em tela.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de acusar-se, perante a autoridade, de crime inexistente ou praticado por outrem. O agente deve ter a consciência de que essa acusação é falsa. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação se dá quando a autoacusação

chega ao conhecimento da autoridade, pouco im-portando se ela dá início ou não às investigações (crime formal). Caso o agente se retrate (diga que não foi mais ele que cometeu o crime), incidirá uma atenuante genérica. Admite-se a tentativa quando a autoacusação falsa for feita por escrito.

Observaçõesa) A conduta de se autoatribuir falsamente a

prática de uma contravenção penal é atípica, já que o art. 341 do CP se refere apenas a crime.

b) De acordo com a doutrina, não se aplicam a esse delito as escusas absolutórias previstas no

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art. 348, § 2º, do CP. Assim, ainda que a autoacusa-ção falsa seja realizada para favorecer ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do autoacusador, não ficará ele isento de pena.

c) A ação penal é pública incondicionada.d) Trata-se de infração penal de menor potencial

ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

falso Testemunho ou falsa Perícia

Art. 342. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral:Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.§ 1º As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é praticado mediante suborno ou se cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal, ou em processo civil em que for parte entidade da Administração Pública direta ou indireta.§ 2º O fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade.

O objeto jurídico tutelado é a Administração da Justiça, em especial a verdade das provas. O sujeito ativo somente poderá ser a testemunha, o perito, contador, tradutor ou intérprete (crime próprio). Já o sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, a pessoa prejudicada com a falsidade.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

fazer afirmação falsa [afirmar alguma inver-dade], ou negar [o agente tem consciên-cia do fato, mas nega a verdade] ou calar [silenciar-se a respeito de algo que se tem conhecimento] a verdade como testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete em processo judicial, ou administrativo, inquérito policial, ou em juízo arbitral.

Na primeira modalidade (fazer afirmação falsa), tem-se a chamada falsidade positiva (exemplo: testemunha que afirma que o acusado estava em sua residência no momento do crime). A segunda forma desse delito (negar a verdade) constitui a chamada falsidade negativa (exemplo: testemunha de acusação que, mesmo sabendo, não afirma que o acusado atirou na vítima porque essa última estava prestes a atirar nele). Já a terceira modalidade (calar a verdade) é chamada pela doutrina de reticência.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de fazer afirmação falsa, calar ou negar a verdade em processo judicial ou administrativo, inquérito policial ou juízo arbitral. O agente deve saber que falta com a verdade, pois o mero engano ou esquecimento exclui o dolo. Inexiste a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que o

depoimento é encerrado ou que o laudo pericial, os cálculos, a tradução ou interpretação são entre-gues. Exige-se que eles já tenham sido efetivamente concluídos, pois, nos termos do § 2º, o fato deixa de ser punível se, antes da sentença no processo em que ocorreu o ilícito, o agente se retrata ou declara a verdade. Apesar de grande divergência, a maioria da doutrina admite a tentativa nesse delito.

Observaçõesa) Nos termos do § 1º, as penas aumentam-se

de um sexto a um terço se o crime é praticado mediante suborno ou cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da Administração Pública direta ou indireta.

b) Em se tratando de carta precatória, o foro competente para processar e julgar o delito de falso testemunho ou falsa perícia é o juízo deprecado (local de consumação do delito).

c) Ainda que a testemunha narre um fato que seja verdadeiro, caso esse fato não tenha sido presen-ciado ou ouvido pela testemunha, haverá o crime de falso testemunho. Exemplo: a testemunha narra um homicídio que realmente ocorreu e, inclusive, encontra-se comprovado pelos outros elementos de prova, porém esta não ouviu ou presenciou tal acontecimento. De acordo com Gonçalves (2003, p. 181-182):

Com relação ao falso, há duas teorias:a) objetiva: há crime quando o depoimento

simplesmente não corresponde ao que aconteceu;b) subjetivo: só há falso testemunho quando não

há correspondência entre o depoimento e aquilo que a testemunha/perito percebeu, sentiu ou ouviu. Essa é a posição adotada pela doutrina e pela jurispru-dência. Assim, só há crime quando o depoente tem consciência da divergência entre a sua versão e o fato presenciado.

d) É possível que haja o crime de falso testemu-nho ainda que o fato seja verdadeiro. Para tanto, basta que a testemunha narre um fato que realmente aconteceu, mas não foi presenciado por ela (teoria subjetiva).

e) Não há crime de falso testemunho quando o agente mente quanto à sua qualificação (nome, en-dereço, profissão etc.), podendo tal atitude configurar o crime de falsa identidade (art. 307 do CP).12 Da mesma forma, não responderá por falso testemunho aquele que mente para evitar sua própria incrimina-ção (nesse caso, ter-se-ia hipótese de inexigibilidade de conduta diversa).

f) Aquele que faz afirmação falsa, nega ou cala a verdade em depoimento perante Comissão Parla-mentar de Inquérito responderá pelo delito previsto no art. 4º, II, da Lei nº 1.579/1952.

g) O depoimento falso prestado perante uma autoridade incompetente não exclui o crime, pois ainda assim permanece o dever de falar a verdade.

12 Nesse sentido: Jesus (1998). Em sentido contrário, defendendo haver crime de falso testemunho nesse caso: Hungria (1979) e Noronha (1988).

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h) Para Capez (2004, v. 2, p. 583):

Segundo a doutrina, para que se configure o crime em tela, é imprescindível que a falsida-de verse sobre fato juridicamente relevante, sendo apta a influir de algum modo na decisão final da causa; do contrário, se o falso recair sobre fatos secundários, não haverá falar nesse crime. É necessário, portanto, que a falsidade tenha potencialidade lesiva, isto é, seja apta a prejudicar a busca da verdade no processo, de modo a interferir no futuro julgamento da causa. Ressalve-se que, para a configuração do crime, não é necessário que a falsidade interfira efetivamente na decisão final, pois basta somente a potencialidade para lesar os interesses da Administração da Justiça.

i) A ação penal é pública incondicionada.j) A forma simples desse delito (caput) admite, nos

termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, a suspensão condicional do processo.

Corrupção Ativa de Testemunha, Perito, Contador, Tradutor ou Intérprete

Art. 343. Dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verda-de em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação:Pena – reclusão, de três a quatro anos, e multa.Parágrafo único. As penas aumentam-se de um sexto a um terço, se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal ou em processo civil em que for parte entidade da Administração Pública direta ou indireta.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça, principalmente a veracidade das provas. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime co-mum). Admite-se o concurso de pessoas (coautoria e participação). Já o sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, a pessoa prejudicada com a falsa perícia ou testemunho.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

dar [entregar], oferecer [pôr à disposição] ou prometer [fazer promessa, comprometer-se a] dinheiro ou qualquer outra vantagem a teste-munha, perito, contador, tradutor ou intérprete, para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação.

Deve haver um processo judicial ou administrati-vo, inquérito policial ou juízo arbitral em andamento. Esse perito a que se refere o art. 343 do CP é o perito

não oficial (ou louvado), uma vez que o suborno a pe-rito oficial configura crime de corrupção ativa (art. 333 do CP), já que ele é considerado funcionário público.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na von-tade livre e consciente de dar, oferecer ou prometer dinheiro ou qualquer outra vantagem a testemunha, perito, contador, tradutor ou intérprete para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoi-mento, perícia, cálculos, tradução ou interpretação. Exige-se um elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir), representado pela expressão “para fazer afirmação falsa, negar ou calar a verdade em depoimento, perícia, cálculos, tradução ou inter-pretação”. Inexiste modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a dação, oferta ou pro-

messa do dinheiro ou de qualquer outra vantagem, pouco importando se há ou não efetivamente a sua aceitação (crime formal). A tentativa é possível, salvo se o suborno for realizado oralmente.

Observaçõesa) O corruptor (aquele que dá, oferece ou promete

dinheiro ou qualquer outra vantagem) responde pelo delito do art. 343. Já a testemunha, o perito, contador, tradutor ou intérprete corrompido responderão pelo art. 342 do CP. Trata-se, assim, de uma exceção à teoria monista ou unitária do concurso de pessoas.

b) A ação penal é pública incondicionada.

Coação no Curso do Processo

Art. 344. Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou admi-nistrativo, ou em juízo arbitral:Pena – reclusão, de um a quatro anos, e mul-ta, além da pena correspondente à violência.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, aquele submetido à violência ou grave ameaça.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

usar de violência [violência física] ou grave ameaça [violência psíquica], com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio, contra autoridade [juiz, promotor, delegado etc.], parte [autor, réu], ou qualquer outra pessoa [perito, tradutor, testemunha etc.] que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial [inquérito policial] ou administrativo, ou em juízo arbitral.

A ameaça empregada deve ser grave e a aprecia-ção deve ser feita em relação à pessoa do ameaça-do. Caso a pessoa ameaçada não mais funcione no

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processo ou inquérito, o crime será outro (ameaça, lesão corporal etc.).

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse pró-prio ou alheio, contra autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral. Exige-se a presença do elemento subjetivo do tipo (especial fim de agir), representado pela expressão “com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio”. Exemplo: com o intuito de não ser processado, o suspeito ameaça o promotor de justiça caso ele ofereça a denúncia. Inexiste a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação se dá com a prática da violência

ou grave ameaça contra uma das pessoas descritas neste artigo, pouco importando se o fim visado pelo agente é ou não atingido (crime formal). Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) A pena é de reclusão de um a quatro anos e

multa, sendo ainda somada com a pena correspon-dente à violência. Assim, haverá concurso material entre esse crime e eventuais delitos que resultem da violência empregada (lesão corporal, homicídio etc.). A contravenção de vias de fato fica absorvida pela coação no curso do processo.

b) A ação penal é pública incondicionada.c) Admite-se a suspensão condicional do proces-

so (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

Exercício Arbitrário das Próprias Razões

Art. 345. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.Parágrafo único. Se não há emprego de vio-lência, somente se procede mediante queixa.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça, buscando-se impedir que o particular faça justiça com as próprias mãos. De fato, ele deve bus-car junto à autoridade estatal competente a solução de seus conflitos. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, a pessoa prejudicada com a conduta do agente.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “fazer justiça pelas

próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite”. Quando alguém possui um direito e a outra parte se recusa a cumprir determinada obrigação, deve-se recorrer ao Judiciário, órgão ao qual incumbe solucionar os conflitos de interesses. Não pode, então, o interes-sado fazer justiça com as próprias mãos. Caso o

faça responde pelo delito previsto no art. 345 do CP. A pretensão que o agente visa a satisfazer pode ser legítima ou ilegítima (desde que o agente, por motivos razoáveis, acredite se tratar de pretensão legítima). Caso o agente tenha consciência da ilegi-timidade da pretensão, responderá por outro delito (furto, apropriação indébita, lesão corporal, violação de domicílio etc.).

Só haverá esse crime se a pretensão que o agente almeja puder, em tese, ser satisfeita pelo Poder Judiciário. Do contrário, não haverá o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP), pois não haveria desrespeito à administração da justiça. Exemplos: dívida já prescrita ou pedido juridicamente impossível. Nesses casos, o fato será atípico ou poderá configurar outro delito. Exemplo: pedir que alguém mate o assassino de seu filho (o crime nesse caso será o de homicídio).

O art. 345 traz, ainda, um elemento normativo, representado pela expressão “salvo quando a lei o permite”. Isso significa que, em alguns casos, a lei permite que se faça justiça com as próprias mãos, não havendo crime nesse caso. Exemplo: aquele que estiver sendo turbado (ameaçado) ou for esbu-lhado (retirado) de sua posse poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, desde que o faça logo (art. 1.210 do novo Código Civil).

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na von-tade livre e consciente de fazer justiça com as pró-prias mãos. Exige-se, ainda, um elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir), representado pela expressão “para satisfazer pretensão, embora legítima”. Inexiste a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA doutrina diverge quanto ao momento em que

ocorre a consumação desse delito. Para uma primei-ra corrente, a consumação ocorre no instante em que o agente emprega o meio arbitrário para satisfazer sua pretensão (crime formal). Já outra corrente en-tende que o momento consumativo ocorre quando o agente obtém a satisfação de sua pretensão. A pri-meira corrente é que vem prevalecendo. Qualquer que seja a corrente adotada, a tentativa é admissível.

Observaçõesa) Caso haja emprego de violência física, a ação

penal será pública incondicionada. Não havendo emprego de violência, a ação penal será privada (exemplo: delito cometido com emprego de ameaça).

b) Trata-se de infração penal de menor poten-cial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admite-se a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

Subtração ou Dano de Coisa Própria em Poder de Terceiro

Art. 346. Tirar, suprimir, destruir ou danificar coisa própria, que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção:

Pena – detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

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O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça. O sujeito ativo somente poderá ser o proprie-tário da coisa (crime próprio). Admite-se o concurso de pessoas (coautoria e participação). Já o sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o prejudi-cado com a conduta do agente.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

tirar [retirar, subtrair], suprimir [fazer desa-parecer], destruir [tornar inexistente, atentar contra sua essência] ou danificar [deteriorar, estragar] coisa própria, que se acha em po-der de terceiro por determinação judicial ou convenção.

Esse delito é, em verdade, uma modalidade mais agravada do delito anterior (exercício arbitrário das próprias razões). No delito do art. 346, o agente tira, suprime, destrói ou danifica coisa própria (móvel ou imóvel) que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção. Exemplo: a estante do réu foi penhorada, em razão de dívida de alimentos, encontrando-se em poder de terceiro. O réu, então, destrói esse bem.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de tirar, suprimir, des-truir ou danificar coisa própria que se acha em poder de terceiro por determinação judicial ou convenção. Inexiste a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva retirada,

supressão, destruição ou danificação da coisa. Admite-se a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Trata-se

de infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admite-se também a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

fraude Processual

Art. 347. Inovar artificiosamente, na pendên-cia de processo civil ou administrativo, o es-tado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito:Pena – detenção, de três meses a dois anos, e multa.Parágrafo único. Se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), pouco importando se ele tem ou não interesse no processo. O perito que altera a cena criminosa, realizando posteriormente falsa perícia, deverá responder pelo crime do art. 342 do CP. Já o sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, o pre-judicado com tal inovação artificiosa do processo.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

inovar [alterar, modificar] artificiosamente, na pendência de processo civil ou administrativo, o estado de lugar, de coisa ou de pessoa, com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito.

Exemplos: colocar uma arma na mão da vítima, apagar manchas de sangue. Essas inovações devem estar aptas a enganar o juiz ou perito, pois, se forem grosseiras, não haverá crime.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de inovar artificiosa-mente, na pendência de processo civil ou adminis-trativo, o estado de lugar, coisa ou pessoa. Exige-se um especial fim de agir (elemento subjetivo especial do tipo), representado pela expressão “com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito”. Não existe a forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a alteração do estado

de lugar, coisa ou pessoa, ou seja, com a inovação artificiosa, capaz de induzir o juiz ou perito em erro. Pouco importa, entretanto, se eles são ou não efetivamente enganados. Caso o sejam, será mero exaurimento do crime. Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) O parágrafo único do art. 347 do CP traz uma

modalidade majorada desse delito, estabelecendo que, se a inovação se destina a produzir efeito em processo penal, ainda que não iniciado, as penas aplicam-se em dobro.

b) Caso o agente inove artificiosamente o estado de lugar, coisa ou pessoa, em caso de acidente au-tomobilístico, na pendência de inquérito policial ou processo penal, a fim de induzir em erro o agente po-licial, perito ou juiz responderá nos termos do art. 312 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997).

c) A ação penal é pública incondicionada. A mo-dalidade simples desse delito (caput do art. 347) é infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admite-se a sus-pensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995). A forma majorada do delito admite apenas a suspensão condicional do processo.

favorecimento Pessoal

Art. 348. Auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública autor de crime a que é cominada pena de reclusão:Pena – detenção, de um a seis meses, e multa.§ 1º Se ao crime não é cominada pena de reclusão:Pena – detenção, de quinze dias a três meses, e multa.§ 2º Se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge ou irmão do criminoso, fica isento de pena.

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O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça, buscando-se evitar que se preste auxílio ao autor de um crime. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Nos termos do § 2º desse dispositivo, se quem presta o auxílio é ascendente, descendente, cônjuge (também o companheiro ou companheira) ou irmão (inclusive o adotivo) do cri-minoso, fica isento de pena (escusa absolutória). De acordo com Capez (2004, v. 3, p. 621-622):

No caso de favorecimento praticado em be-nefício de coautor ou partícipe, o agente não responderá pelo crime previsto no art. 348 do CP quando tiver prestado o auxílio com o intuito de beneficiar-se. É o caso, por exem-plo, do sujeito que empresta um veículo para o comparsa refugiar-se em sua cidade natal, a fim de evitar que seja preso e o delate em uma eventual confissão. Nessa hipótese, o favorecimento pessoal estaria acobertado pelo direito a não incriminação, englobado pelo princípio da ampla defesa, na modalidade autodefesa. O sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “auxiliar a subtrair-se

à ação de autoridade pública [autoridade policial, administrativa, judicial etc.] autor de crime a que é cominada pena de reclusão”. Caso ao crime não seja cominada pena de reclusão, aplica-se o § 1º deste artigo. Esse delito possui os seguintes requisitos:

a) que haja o prévio cometimento de um crime: para que haja o delito de favorecimento pessoal, é necessário que o agente auxilie o autor de um crime a furtar-se à ação de autoridade pública. Não haverá esse delito se o fato anterior for uma con-travenção penal ou um crime acobertado por uma excludente da ilicitude, excludente da culpabilidade, causa extintiva da punibilidade ou alguma escusa absolutória. Predomina na doutrina o entendimento de que, se o criminoso foi absolvido por falta de provas, aquele que o auxiliou a subtrair-se à ação de autoridade pública não responderá pelo crime de favorecimento pessoal. Caso o crime praticado pelo agente seja de ação penal privada ou ação penal pública condicionada a representação ou requisição, enquanto estas não forem apresentadas, não há que se falar em favorecimento pessoal;

b) que o crime cometido anteriormente seja punido com reclusão: se o crime for apenado com detenção aplica-se o disposto no § 1º deste artigo (forma privilegiada).

Exemplos do crime de favorecimento pessoal: emprestar dinheiro ou o carro para o criminoso escondê-lo em sua residência, prestar informações falsas à polícia. Exige-se que o sujeito pratique algu-ma conduta concreta tendente a auxiliar o autor de um crime. Aquele que apenas o instiga a se esconder da autoridade não comete crime algum. Exemplo: amigo que orienta o criminoso para não se entregar à polícia. Não se exige que o agente esteja sendo perseguido pela autoridade no momento em que é auxiliado ou mesmo que já tenha sido instaurado inquérito policial ou se iniciado o processo. Somente

haverá esse delito se o auxílio for prestado depois do cometimento do crime, pois, se prestado antes da prática criminosa ou durante esta, será hipótese de coautoria ou participação em tal crime. Veja-se o exemplo de Capez (2004, v. 3, p. 621):

A ciente de que seu irmão, B, que mora em um Estado vizinho, praticará um crime, envia-lhe uma carta dizendo que, se B realmente re-solver cometer o ilícito, poderá esconder-se em sua residência. Se B praticar o crime e depois se esconder na casa de A, este não responderá por favorecimento pessoal, mas sim como partícipe do delito praticado por B, uma vez que seu convite constituiu meio instigatório à prática do ilícito.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de auxiliar a subtrair-se à ação de autoridade pública o autor de um crime. O agente deve ter conhecimento de que o sujeito está sendo ou será perseguido pela autoridade. A dú-vida quanto à situação do beneficiado não exclui o crime. Não existe a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre quando o beneficiado

consegue subtrair-se à ação da autoridade pública, ainda que por poucos instantes. Admite-se a ten-tativa. Exemplo: o auxílio é prestado, mas, ainda assim, o criminoso não consegue furtar-se à ação da autoridade.

Observaçõesa) Caso o agente seja funcionário público, com o

dever legal de prender o criminoso, e, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, responderá pelo crime de prevaricação (art. 319 do CP).

b) A ação penal é pública incondicionada.Trata-se de infração penal de menor potencial ofen-sivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admite-se a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

favorecimento Real

Art. 349. Prestar a criminoso, fora dos casos de coautoria ou de receptação, auxílio desti-nado a tornar seguro o proveito do crime:Pena – detenção, de um a seis meses, e multa.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça, buscando-se evitar que se preste auxílio ao autor de um crime. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum), exceto o coautor ou partícipe do crime anterior. Já o sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, a vítima do crime anterior.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “prestar a criminoso,

fora dos casos de coautoria ou de receptação, auxílio destinado a tornar seguro o proveito do crime”. Esse

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delito não se confunde com o favorecimento pessoal, pois neste o que se quer é assegurar a ocultação ou fuga do autor de crime anterior (exemplo: esconder o criminoso em sua residência), ao passo que no favo-recimento real busca-se tornar seguro o proveito do crime (exemplo: guardar a mercadoria roubada em sua residência). O auxílio deve ser prestado depois do cometimento do crime, pois se prestado antes ou durante será o caso de coautoria ou participação no delito antecedente. Além disso, conforme exige o caput do art. 349, o auxílio deve ser prestado fora dos casos de receptação. A diferença entre a receptação e o favorecimento real está em que, neste delito, o agente visa exclusivamente a auxiliar o autor de crime antecedente, ao passo que, naquele, busca a satisfazer interesses próprios ou de terceiros, e não do autor do delito antecedente. Ademais, na receptação, o receptador busca obter proveitos de natureza econômica, enquanto no favorecimento real esse proveito pode ser de natureza econômica ou moral. Exemplos de favorecimento real: esconder as joias ou o dinheiro furtado, levar o carro roubado para um desmanche.

O art. 349 do CP utiliza-se da expressão “proveito do crime”, excluindo, portanto, o proveito de contra-venções penais. Assim, se alguém auxiliar outrem a tornar seguro o proveito de uma contravenção penal (jogo do bicho, por exemplo) não cometerá nenhum delito. Por proveito do crime deve-se entender a vantagem que foi obtida com a prática da infração penal. Essa vantagem pode ser de natureza patrimo-nial ou moral. Para Capez (2004, v. 3, p. 627), essa expressão “proveito do crime” abrange

a) o preço do crime (exemplo: pagamento obti-do pelo mandante para praticar um homicídio);b) o produto do crime (o próprio objeto obtido com a prática criminosa como, por exemplo, o veículo furtado, o dinheiro roubado, as joias apropriadas; ou provenientes de modificação ou alteração como, por exemplo, colares de ouro que são fundidos. É também conside-rada proveito a coisa que veio a substituir o objeto material do delito como, por exemplo, veículo comprado com o dinheiro furtado). Desse modo, aquele que esconde o veículo para beneficiar o criminoso pratica o crime em tela. Ficam excluídos os instrumentos do cri-me, os quais não são considerados proveitos deste. Na hipótese, se alguém, por exemplo, guarda a faca usada por um homicida, com o fim de atrapalhar as investigações policiais e impedir a perseguição do delinquente, poderá haver o crime de favorecimento pessoal.

De acordo com a doutrina, tendo em vista o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF/1988), só haverá o crime de favorecimento real se o auxílio for prestado àquele que já tiver sido condenado por sentença transitada em julgado. O fato será atípico se o auxílio vier a ser prestado a quem ainda não foi definitivamente condenado. Isso ocorre porque o art. 349 do CP usou a expressão “criminoso”, e não simplesmente “acusado ou autor de um crime”.

Finalmente, ainda que o autor do crime ante-cedente seja inimputável ou tenha sido extinta a sua punibilidade, caso alguém preste auxílio a ele, visando a tornar seguro o proveito do crime, haverá o delito de favorecimento real, uma vez que o fato não deixou de ser crime.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de prestar auxílio a cri-minoso, exigindo-se ainda um elemento subjetivo es-pecial do tipo (ou especial fim de agir), representado pela expressão “destinado a tornar seguro o proveito do crime”. Caso o agente não tenha conhecimento da procedência criminosa do bem, não haverá esse delito. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva prestação de

ajuda ao criminoso, pouco importando se o proveito do crime fica ou não realmente seguro (crime formal). Admite-se a tentativa.

Observaçõesa) Haverá o delito de favorecimento real ainda que

quem preste o auxílio, com o intuito de tornar seguro o proveito do crime, seja o cônjuge, ascendente, descendente ou irmão do criminoso.

b) A ação penal é pública incondicionada. Tra-ta-se de infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admite-se, ainda, a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

Ingresso de Aparelho Telefônico de Comunicação Móvel em Estabelecimento Prisional

Art. 349‑A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho te-lefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabele-cimento prisional.Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

Esse delito foi incluído pela Lei nº 12.012, de 6 de agosto de 2009, com o intuito de se punir a conduta daquele que faz ingressar, promove, intermedeia, auxilia ou facilita a entrada de aparelho telefônico móvel (telefone celular), rádio ou similar, sem auto-rização legal, em estabelecimento prisional.

Com isso, busca-se eliminar, ou pelo menos dimi-nuir, prática muito comum, nos dias atuais, em que presos ligam de dentro dos presídios para números aleatórios, ameaçando ou extorquindo pessoas. Geralmente, simulam possuir algum ente querido da vítima sob seu domínio e ameaçam algum mal se determinada quantia em dinheiro não lhes for concedida.

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o Estado.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de praticar algumas das condutas previstas no tipo penal. Inexiste a forma culposa desse delito.

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Esse crime se consuma quando o agente efetiva-mente faz ingressar (entrar), promove (permite), in-termedeia (serve como intermediário), auxilia (presta ajuda) ou facilita a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem auto-rização legal, em estabelecimento prisional (crime material). Pouco importa se o aparelho efetivamente chega a ingressar no presídio. Admite-se a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Trata-se

de infração penal de menor potencial ofensivo, nos termos da Lei nº 9.099/1995 c/c a Lei nº 10.259/2001.

Exercício Arbitrário ou Abuso de Poder

Art. 350. Ordenar ou executar medida privati-va de liberdade individual, sem as formalida-des legais ou com abuso de poder:Pena – detenção, de um mês a um ano.Parágrafo único. Na mesma pena incorre o funcionário que:I – ilegalmente recebe e recolhe alguém a prisão, ou a estabelecimento destinado a execução de pena privativa de liberdade ou de medida de segurança;II – prolonga a execução de pena ou de me-dida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de executar imediatamente a ordem de liberdade;III – submete pessoa que está sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;IV – efetua, com abuso de poder, qualquer diligência.

De acordo com a maioria dos autores, o art. 350 do CP foi revogado pela Lei nº 4.898/1965 (Lei de Abuso de Autoridade), uma vez que essa última lei, em seus arts. 3º e 4º, reproduz todas as hipóteses contidas no art. 350 do CP.

fuga de Pessoa Presa ou Submetida a Medida de Segurança

Art. 351. Promover ou facilitar a fuga de pes-soa legalmente presa ou submetida a medida de segurança detentiva:Pena – detenção, de seis meses a dois anos.§ 1º Se o crime é praticado a mão armada, ou por mais de uma pessoa, ou mediante arrombamento, a pena é de reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.§ 2º Se há emprego de violência contra pes-soa, aplica-se também a pena correspondente à violência.§ 3º A pena é de reclusão, de um a quatro anos, se o crime é praticado por pessoa sob cuja custódia ou guarda está o preso ou o internado.§ 4º No caso de culpa do funcionário incum-bido da custódia ou guarda, aplica-se a pena de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça. Visa-se a impedir que alguém promova ou facilite a fuga de preso ou pessoa submetida a medida de segurança. O sujeito ativo pode ser qual-quer pessoa (crime comum). O preso que foge não responde por esse delito, salvo se houver emprego de violência (art. 352 do CP). Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

promover [tornar possível, propiciar os meios necessários] ou facilitar [ajudar, tornar mais fácil, auxiliar] a fuga de pessoa legalmente presa [admite-se qualquer tipo de prisão] ou submetida à medida de segurança detentiva [internada em hospital de custódia ou sujeita a tratamento psiquiátrico ou, na falta destes, em outro estabelecimento adequado].

Nesse crime, então, o agente torna possível ou facilita a fuga de pessoa presa ou submetida à me-dida de segurança. Não se exige que o preso tenha conhecimento do auxílio que lhe é prestado. Exem-plo: o carcereiro que deixa a porta da cela aberta, sem conhecimento do detento, a fim de auxiliá-lo na fuga, responde por esse delito. Esse delito não abrange quem promove ou facilita a fuga de menor sujeito à medida socioeducativa de internação (Lei nº 8.069/1990 – ECA).

Não há esse crime se a prisão era ilegal (exemplo: prisão para averiguações) ou se o agente já havia cumprido integralmente a reprimenda. Além disso, a fuga pode ser de cadeias públicas, penitenciárias ou qualquer outro lugar (viatura que escolta o preso, hospital em que ele está internado para tratamento de saúde etc.) (GONÇALVES, 2003c, v. 10, p. 202).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de promover ou facilitar a fuga de pessoa presa ou submetida à medida de segurança. A forma culposa desse delito está previs-ta no seu § 4º, no caso de funcionário incumbido da custódia ou guarda de pessoa presa ou submetida à medida de segurança.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva fuga do preso

ou detento, ainda que ele seja recapturado poste-riormente. Admite-se a tentativa. Exemplo: agente auxilia a fuga do preso, mas ele não consegue obter êxito nessa empreitada.

Observaçõesa) Esse delito pode ser cometido nas formas

simples (caput) ou qualificada. Essa última ocor-rerá quando o crime for praticado à mão armada (qualquer tipo de arma, e não apenas a arma de fogo); por mais de uma pessoa (mínimo duas) ou mediante arrombamento (violência contra a coisa). Nesse caso, a pena será de reclusão, de dois a seis anos (§ 1º). Além disso, tem-se também hipótese qualificada do delito quando o crime é praticado por pessoa sob cuja custódia ou guarda está sujeito o

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preso ou o internado. A pena será de reclusão, de um a quatro anos (§ 3º). Exemplo: carcereiro que facilita a fuga do preso.

b) Nos termos do § 2º do art. 351, se há empre-go de violência contra a pessoa, aplica-se também a pena correspondente à violência. Trata-se de hipótese de concurso de crimes. Assim, se, para promover ou facilitar a fuga de pessoa presa ou su-jeita a medida de segurança, o agente causar lesão corporal ou matar outrem, responderá pelo homicídio ou pela lesão corporal em concurso com o delito do art. 351 do CP.

c) A forma culposa desse delito encontra-se pre-vista no § 4º. Aqui, o agente dá causa ao resultado fuga por imperícia, imprudência ou negligência. Exemplo: policial que se esquece de algemar o preso e trancar a porta da viatura que o transporta.

d) A ação penal é pública incondicionada. As for-mas simples (caput) e culposa (§ 4º) constituem infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001). Admitem, inclusive, a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995. A forma qualificada do § 3º admite apenas a suspensão condicional do processo.

Evasão Mediante Violência Contra a Pessoa

Art. 352. Evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou o indivíduo submetido à medida de segu-rança detentiva, usando de violência contra a pessoa:Pena – detenção, de três meses a um ano, além da pena correspondente à violência.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça. O sujeito ativo somente poderá ser o preso ou a pessoa submetida à medida de segurança deten-tiva (crime próprio). Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “evadir-se [fugir,

escapar] ou tentar evadir-se [tentar fugir ou esca-par] o preso ou o indivíduo submetido à medida de segurança detentiva, usando de violência contra a pessoa”. A simples fuga do preso ou internado, sem violência contra a pessoa, não constitui crime, embora constitua falta grave, nos termos da Lei nº 7.210/1984 – Lei de Execuções Penais, art. 50, II. A violência deve ser física, não configurando esse delito o emprego de violência moral (grave amea-ça). O crime estará consumado tanto se o agente evadir-se como se tentar evadir-se (o mero ato de tentar fugir já consuma o crime). Exemplo: preso que emprega violência contra o carcereiro e se põe a fugir, sendo capturado no momento em que tentava escalar o muro da prisão, responderá por esse delito na modalidade consumada.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de evadir-se ou tentar evadir-se o preso ou a pessoa submetida a medida de segurança usando de violência contra a pessoa. Inexiste forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com fuga ou tentativa de

fuga. Não há que se falar em tentativa desse delito, pois o legislador equiparou a tentativa ao crime con-sumado. Esses delitos são chamados de crimes de atentado ou de empreendimento.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Trata-se

de infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001), admitindo, inclusive, a suspensão condicional do processo.

Arrebatamento de Preso

Art. 353. Arrebatar preso, a fim de maltratá-lo, do poder de quem o tenha sob custódia ou guarda:Pena – reclusão, de um a quatro anos, além da pena correspondente à violência.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o preso arrebatado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “arrebatar [arrancar,

tomar à força, tirar] preso, a fim de maltratá-lo, do po-der de quem o tenha sob custódia ou guarda”. Esse delito consiste em retirar o preso do poder de quem o tenha sob guarda ou custódia, a fim de maltratá-lo. É muito comum em crimes que geram grande clamor social, causando indignação na população, que, muitas vezes, quer linchar o criminoso. Exemplo: linchamento de um estuprador. Não importa o local onde o preso se encontra (viatura, penitenciária etc.).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de arrebatar preso do poder de quem o tenha sob custódia ou guarda. Exige-se um elemento subjetivo especial do tipo (especial fim de agir), representado pela expressão “a fim de maltratá-lo”. Inexiste a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com o efetivo arrebatamento

do preso, pouco importando se o agente chega ou não a maltratá-lo (crime formal). Admite-se a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Admite-se

a suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995.

Motim de Presos

Art. 354. Amotinarem-se presos, perturbando a ordem ou disciplina da prisão:Pena – detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça. O sujeito ativo serão apenas os presos (crime

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próprio e de concurso necessário, pois somente pode ser cometido por mais de uma pessoa). Exclui-se o detento, ou seja, aquele submetido à medida de segurança. Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “amotinarem-se

[revoltarem-se, levantarem-se em motim] presos, perturbando a ordem ou disciplina da prisão”. Trata-se de um movimento coletivo de rebeldia dos presos visando aos mais variados fins. Exemplos: para que se atenda determinada reivindicação, para tentar fugir. É indispensável que o motim perturbe a ordem ou disciplina da prisão. Como o tipo penal refere-se apenas aos “presos”, aqueles sujeitos a medida de segurança (detentos) estão excluídos desse delito.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de amotinarem-se os presos, perturbando a ordem ou disciplina da prisão. Inexiste a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaTrata-se de crime material, que se consuma no

momento em que ocorre a efetiva perturbação da ordem ou disciplina da prisão. Admite-se a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Trata-se

de infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001), admitindo, inclusive, a suspensão condicional do processo.

Patrocínio Infiel

Art. 355. Trair, na qualidade de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudican-do interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado:Pena – detenção, de seis meses a três anos, e multa.

Patrocínio Simultâneo ou TergiversaçãoParágrafo único. Incorre na pena deste ar-tigo o advogado ou procurador judicial que defende na mesma causa, simultânea ou sucessivamente, partes contrárias.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça, buscando-se coibir atos que violem a lealdade e probidade que deve existir na defesa dos direitos e no patrocínio das causas de clientes. O sujeito ativo é somente o advogado (bacharel em direito inscrito na OAB) ou procurador judicial (estagiário). Trata-se de crime próprio. Já o sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o lesado pelo patrocínio infiel.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “trair, na qualidade

de advogado ou procurador, o dever profissional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado”. Nesse crime, o advogado trai a con-fiança que foi nele depositada, praticando condutas

contrárias aos interesses de seus clientes. Só haverá esse delito se, em razão da conduta do advogado ou procurador, advier prejuízo para o patrocinado.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de trair o dever profis-sional, prejudicando interesse, cujo patrocínio, em juízo, lhe é confiado. Inexiste a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva causação

de prejuízo à pessoa (crime material). Admite-se a tentativa quando o crime é cometido na modalidade comissiva (o agente faz alguma coisa).

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Nos

termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, admite-se a suspensão condicional do processo.

Patrocínio Simultâneo ou TergiversaçãoDe acordo com o parágrafo único do art. 355 do

CP, são duas, portanto, as condutas típicas elen-cadas:

a) advogado ou procurador que defende na mesma causa simultaneamente partes contrárias e

b) advogado ou procurador que defende na mes-ma causa sucessivamente partes contrárias. Na primeira hipótese, ele é, ao mesmo tempo, advogado ou procurador de partes contrárias (autor e réu).

Já no segundo caso, após deixar de representar uma parte, o advogado ou procurador passa a re-presentar os interesses da parte contrária, ou seja, aquele que era o seu oponente dentro do processo. Esse crime se consuma com a prática do primeiro ato que caracterize o patrocínio simultâneo ou sucessivo (crime formal). Admite-se a tentativa. Diferentemente do que ocorre no caput, aqui não se exige que a parte experimente um prejuízo concreto.

Sonegação de Papel ou Objeto de Valor Probatório

Art. 356. Inutilizar, total ou parcialmente, ou deixar de restituir autos, documento ou objeto de valor probatório, que recebeu na qualidade de advogado ou procurador:Pena – detenção, de seis a três anos, e multa.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça. O sujeito ativo somente poderá ser o advoga-do ou procurador judicial (estagiário de advocacia). Trata-se de crime próprio. Já o sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, a pessoa prejudicada.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

inutilizar [danificar, tornar imprestável], total ou parcialmente, ou deixar de restituir [não devolver] autos, documento ou objeto de va-lor probatório, que recebeu na qualidade de advogado ou procurador.

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O agente deve ter recebido os autos (de natureza cível, criminal, trabalhista etc.), documento ou objeto de valor probatório (capaz de comprovar um fato juridicamente relevante) na qualidade de advogado ou procurador judicial (estagiário de Direito).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de inutilizar, total ou parcialmente, ou deixar de restituir autos, documento ou objeto de valor probatório que recebeu na quali-dade de advogado ou procurador. Não existe a forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaNa primeira modalidade típica (“inutilizar”), o de-

lito se consuma quando a coisa perde a sua capa-cidade probatória. Já na modalidade de “deixar de restituir os autos”, consuma-se quando, vencido o prazo de empréstimo, o agente não devolve os autos. Finalmente, na modalidade de “deixar de restituir documento ou objeto de valor probatório”, o crime se consuma no momento em que o agente não os devolve em tempo hábil ou depois de compelido a fazê-lo. Admite-se a tentativa apenas na modalidade de “inutilizar” (crime comissivo).

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Nos

termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, admite-se a suspensão condicional do processo.

Exploração de prestígio

Art. 357. Solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intér-prete ou testemunha:Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa.Parágrafo único. As penas aumentam-se de um terço, se o agente alega ou insinua que o dinheiro ou utilidade também se destina a qualquer das pessoas referidas neste artigo.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o Estado e, secundariamente, o iludido com a fraude.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “solicitar [pedir] ou

receber [entrar na posse, obter] dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário de justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha”. De acordo com a doutrina, esse delito constitui uma espécie de estelionato, uma vez que o agente afirma exercer influência sobre essas pessoas. Exemplo: advogado, a pretexto de exercer influência junto ao juiz, pede dinheiro de seu cliente, dizendo que lhe obterá uma sentença favorável. Caso a vantagem seja dirigida ao próprio juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário da justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha, não será o caso desse delito, mas sim de corrupção ativa e corrupção passiva.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de solicitar ou receber dinheiro ou qualquer outra utilidade, a pretexto de influir em juiz, jurado, órgão do Ministério Público, funcionário da justiça, perito, tradutor, intérprete ou testemunha. Inexiste a forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaNa primeira modalidade delitiva (“solicitar”), o cri-

me se consuma quanto o agente solicita a vantagem, pouco importando se chega ou não a efetivamente recebê-la. Já na modalidade de “receber”, o delito se consuma no momento em que o agente recebe o dinheiro ou qualquer outra utilidade. Admite-se a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Nos

termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, admite-se a suspensão condicional do processo.

Violência ou fraude em Arrematação judicial

Art. 358. Impedir, perturbar ou fraudar arre-matação judicial; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem:Pena – detenção, de dois meses a um ano, ou multa, além da pena correspondente à violência.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, o concorrente, licitante ou terceiro prejudicado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

impedir [obstruir, obstar], perturbar [embara-çar] ou fraudar [iludir, mascarar] arrematação judicial; afastar ou procurar afastar concor-rente ou licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem.

Na primeira modalidade, o agente quer impedir, perturbar ou fraudar a arrematação judicial, ou seja, a hasta pública que será realizada devido à deci-são judicial. Já na segunda modalidade, o agente, empregando violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem, busca que o licitante ou concorrente se afaste, ou seja, deixe de participar da hasta pública.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de impedir, perturbar ou fraudar arrematação judicial; afastar ou procurar afastar concorrente ou licitante, por meio de violên-cia, grave ameaça, fraude ou o oferecimento de van-tagem. Inexiste a modalidade culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre quando a arrematação

judicial é impedida, perturbada ou fraudada. Na

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segunda modalidade, o delito se consuma no mo-mento em que o agente emprega a violência, grave ameaça, fraude ou o oferecimento de vantagem ao concorrente ou licitante, pouco importando se o agente chega ou não a se afastar efetivamente. Admite-se a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Trata-se

de infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001), admitindo-se a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

Desobediência a Decisão judicial sobre Perda ou Suspensão de Direito

Art. 359. Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial:Pena – detenção, de três meses a dois anos, ou multa.

O objeto jurídico tutelado é a administração da justiça. O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa (crime comum). Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “exercer função,

atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial”. Nesse crime, o agente desobedece a uma decisão judicial (cível ou criminal) que o privou ou suspendeu de exercer determinada função, atividade, direito, au-toridade ou múnus.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na von-tade livre e consciente de exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial. O agente deve ter ciência de que foi impedido, por determinação judi-cial, de exercer tais funções. Inexiste forma culposa desse delito.

Consumação e TentativaA consumação ocorre quando o agente vem a

exercer efetivamente a função, a atividade, o direito, a autoridade ou o múnus público de que foi suspenso ou privado por decisão judicial. Admite-se a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Trata-se

de infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001), admitindo-se a suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/1995).

DOS CRIMES CONTRA AS fINANÇAS PÚBLICAS

Este capítulo foi introduzido pela Lei nº 10.028, de 19 de outubro de 2000, que trouxe profunda al-teração no Código Penal, introduzindo um capítulo que visa a tutelar o bem jurídico finanças públicas.

Contratação de Operação de Crédito

Art. 359‑A. Ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, interno ou externo, sem prévia autorização legislativa:Pena – reclusão, de 1 (um) a 2 (dois) anos.Parágrafo único. Incide na mesma pena quem ordena, autoriza ou realiza operação de cré-dito, interno ou externo:I – com inobservância de limite, condição ou montante estabelecido em lei ou em resolução do Senado Federal;II – quando o montante da dívida consolidada ultrapassa o limite máximo autorizado por lei.

O objeto jurídico tutelado é o patrimônio público, ou seja, as finanças públicas. O sujeito ativo são as entidades elencadas no art. 1º da Lei Complementar nº 101/2000, ou seja, União, Estados, DF, Municí-pios, bem como os Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, o Tribunal de Contas, o Ministério Público, fundações públicas, fundos, autarquias e empresas estatais dependentes. (crime próprio). Para Prado (2002, v. 4, p. 791/792):

todavia, poderão figurar como sujeitos ativos do delito de contratação de operação de crédi-to tão somente os chefes do Poder Executivo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (Presidente da República, governadores e prefeitos, respectivamente). No âmbito do Poder Legislativo e do Poder Judiciário, bem como do Ministério Público, a realização dessa conduta não se faz possí-vel, visto que apenas aos integrantes do Poder Executivo é dado levar a cabo operações de crédito, cujos limites e condições de realiza-ção, na esfera de cada ente da Federação, serão fiscalizados pelo Ministério da Fazenda, inclusive quanto às empresas por eles con-troladas, direta ou indiretamente (art. 32, LC nº 101/2000).

A conclusão a que se chega, portanto, é que somente os agentes públicos integrantes do Poder Executivo é que podem ser sujeito ativo desse de-lito, desde que detenham atribuição para ordenar, autorizar ou realizar a operação de crédito, sem prévia autorização legislativa. Já o sujeito passivo é o Estado e, segundo Capez (2004), também a pessoa jurídica dotada de personalidade própria, em nome da qual se realizou a operação de crédito.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

ordenar [mandar, determinar que outro faça – a iniciativa parte do próprio funcionário], au-torizar [conceder autorização, permissão – a iniciativa parte de outrem, sendo que o funcio-nário público apenas autoriza a operação] ou realizar [a operação é feita diretamente pelo funcionário] operação de crédito, interno [na-cional] ou externo [internacional], sem prévia autorização legislativa.

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Nos termos do art. 29, III, da Lei Complementar nº 101/2000,

operação de crédito é o compromisso financei-ro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes de venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de ordenar, autorizar ou realizar operação de crédito, sem prévia autorização legislativa. Só haverá o crime se a operação for realizada sem essa prévia autorização legislativa (elemento normativo do tipo), que, nos termos do art. 32, I e IV, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), é a autorização constante no texto da lei orçamentária, em créditos adicionais ou lei específica e, quando se tratar de operação de crédito externo, de autorização específica do Senado Federal. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que o

agente público, com atribuição para tanto, ordena, autoriza ou realiza operação de crédito, sem prévia autorização legislativa. Para a maioria da doutrina, na modalidade de “ordenar” e “autorizar”, trata-se de crime formal (não exigem a produção de um re-sultado para se consumarem, ou seja, não se exige que a operação de crédito chegue efetivamente a ser realizada). Já na modalidade de “realizar”, trata-se de crime material, já que somente se consuma com a efetiva realização da operação de crédito. Somente se admite a tentativa na nessa última modalidade (realizar operação de crédito).

Observaçõesa) Nos termos do parágrafo único do art. 359-A do

CP, incide na mesma pena quem ordena, autoriza ou realiza operação de crédito, interno ou externo, com inobservância de limite, condição ou montante estabe-lecido em lei ou em resolução do Senado Federal ou quando o montante da dívida consolidada ultrapassar o limite máximo autorizado por lei. No primeiro caso, a ordem é regular, porém o agente desrespeita limite, condição ou montante previsto em lei ou em resolução do Senado (desrespeito quantitativo).

b) A ação penal é pública incondicionada. Tra-ta-se de infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Inscrição de Despesas não Empenhadas em Restos a Pagar

Art. 359‑B. Ordenar ou autorizar a inscrição em restos a pagar, de despesa que não tenha sido previamente empenhada ou que exceda limite estabelecido em lei:Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

O objeto jurídico tutelado é o equilíbrio das con-tas públicas. Busca-se evitar que o administrador público contraia despesas sem que haja recursos disponíveis para efetuar, posteriormente, o seu pa-gamento. Assim, tenta-se impedir que as despesas sejam repassadas às próximas gestões. De acordo com o art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal:

É vedado ao titular do Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentre dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja sufi-ciente disponibilidade de caixa para este feito.

O sujeito ativo é somente o funcionário público que detenha competência para ordenar ou autorizar a inscrição de despesa em restos a pagar (crime próprio). Já o sujeito passivo é o Estado, represen-tado pela União, pelos Estados, pelo DF e pelos Municípios.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

ordenar [mandar, determinar que outro faça] ou autorizar [conceder autorização, permis-são] a inscrição em restos a pagar, de despesa que não tenha sido previamente empenhada ou que exceda limite estabelecido em lei.

Na primeira hipótese (que não tenha sido previa-mente empenhada), exige-se o prévio empenho da despesa. Para Prado (2002, v. 4, p.799):

Nos termos da Lei nº 4.320/1964, [...], con-sideram-se restos a pagar ‘as despesas empenhadas, mas não pagas até o dia 31 de dezembro, distinguindo-se as processadas das não processadas’ (art. 36, caput). O empenho, elemento normativo do tipo de valoração jurídi-co-financeira, é uma fase da execução da des-pesa pública consistente em ato da autoridade competente para criar a obrigação do Estado de efetuar pagamento pendente de implemento de condição (art. 58, Lei nº 4.320/1964).

A segunda ação típica consiste em ordenar ou autorizar a inscrição de despesa que exceda o limite estabelecido em lei. Aqui as despesas públicas foram previamente empenhadas, porém excederam o limite previsto na lei.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na von-tade livre e consciente de ordenar ou autorizar a ins-crição, em restos a pagar, de despesa que não tenha sido previamente empenhada ou que exceda limite estabelecido em lei. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre quando a ordem ou au-

torização para pagamento são efetivadas, ou seja, inscritas em “restos a pagar”. Para a maioria da doutrina, a tentativa é admissível.

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ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Trata-se

de infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Assunção de Obrigação no Último ano do Mandato ou Legislatura

Art. 359‑C. Ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, cuja des-pesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa:Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

O objeto jurídico tutelado são as finanças públi-cas, mais especificamente o equilíbrio orçamentário. Busca-se a evitar a assunção de dívidas irresponsá-veis e demagógicas, contraídas como forma de in-viabilizar a administração subsequente, evitando-se os já conhecidos métodos de dificultar a gestão do adversário político (CAPEZ, 2004, v. 3, p. 665). O sujeito ativo é o agente público capaz de assumir a dívida (crime próprio). Exemplo: Presidente da República, governadores, prefeitos, dirigentes das casas legislativas, Presidente do Tribunal de Contas. Até mesmo aquele que está temporariamente no cargo pode ser sujeito ativo desse delito. Exemplo: Vice-governador, Vice- Presidente da República. Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

ordenar [determinar – a iniciativa é do próprio agente] ou autorizar [permitir – a iniciativa é do terceiro] a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do man-dato ou legislatura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício se-guinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa.

Na primeira modalidade (nos dois últimos qua-drimestres do último ano do mandato ou legisla-tura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro), busca-se evitar que a próxima administração fique prejudicada ou dificultada em razão de endividamento preexistente. Na segunda modalidade (nos dois últimos quadrimestres do últi-mo ano do mandato ou legislatura, cuja parcela a ser paga no exercício seguinte não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa), as parce-las são repassadas para o próximo mandato ou legislatura, sem que haja disponibilidade em caixa para o seu efetivo pagamento. Assim, se o agente ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, que resulte em obrigação a ser paga no exercício seguinte, havendo suficiente disponibilidade em caixa para honrá-la, então não

haverá crime. Da mesma forma, não há crime caso a obrigação seja assumida antes desse prazo (dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura), mesmo que não haja disponibilidade em caixa para honrá-la.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consis-tente na vontade livre e consciente de ordenar ou autorizar a assunção de obrigação, nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legis-latura, cuja despesa não possa ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponibilidade de caixa. O agente deve ter consciência dessa situação (que a despesa não pode ser paga no mesmo exercício financeiro ou, caso reste parcela a ser paga no exercício seguinte, que não tenha contrapartida suficiente de disponi-bilidade em caixa). Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva ordem ou

autorização para a assunção da obrigação nos dois últimos quadrimestres do último ano do mandato ou legislatura, pouco importando se a obrigação é real-mente assumida (crime formal). Segundo doutrina dominante, não cabe tentativa: ou o administrador ordena ou autoriza a despesa, havendo, nesse caso, crime; ou não a ordena nem a autoriza, sendo o fato atípico.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Nos

termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, admite-se a suspensão condicional do processo.

Ordenação de Despesa não Autorizada

Art. 359‑D. Ordenar despesa não autorizada por lei:Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

O objeto jurídico tutelado são as finanças públi-cas, buscando-se evitar a dilapidação do patrimônio público devido a decisões arbitrárias e impensadas do administrador público. O sujeito ativo somente pode ser o agente público que tenha atribuições para ordenar despesa não autorizada por lei (crime próprio). Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “ordenar [mandar,

determinar] despesa não autorizada por lei”. Trata-se de norma penal em branco, já que as hipóteses em que as despesas então autorizadas encontram-se na Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), em seus arts. 15 a 17. Caso se trate de despesa não autorizada, mas justificada, ainda assim haverá o crime em estudo (princípio da legalidade estrita, que rege a Administração Pública).

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de ordenar despesa não autorizada por lei. O agente deve ter consciência de que essa despesa não está autorizada por lei. Inexiste modalidade culposa.

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Consumação e TentativaA consumação ocorre no exato momento em

que a despesa é autorizada (crime formal), pouco importando se essa despesa chega ou não a ser efetivada. Para a maioria da doutrina, a tentativa não é possível, pois ou o agente ordena a despesa e o crime estará consumado, ou, do contrário, não haverá fato criminoso.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Nos

termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, admite-se a suspensão condicional do processo.

Prestação de Garantia Graciosa

Art. 359‑E. Prestar garantia em operação de crédito sem que tenha sido constituída con-tragarantia em valor igual ou superior ao valor da garantia prestada, na forma da lei:Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.

O objeto jurídico tutelado são as finanças públi-cas, especificamente o equilíbrio orçamentário e o patrimônio público. O sujeito ativo somente poderá ser o agente que detenha as atribuições para de-terminar garantia em operação de crédito (crime próprio). Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “prestar [conceder]

garantia em operação de crédito sem que tenha sido constituída contragarantia em valor igual ou superior ao valor da garantia prestada, na forma da lei”. Trata-se de norma penal em branco, já que exige complementação pela Lei Complementar nº 101/2000, que determina os limites das garantias prestadas. O que se busca impedir com a tipificação desse delito é a concessão de garantias graciosas pela Administração, colocando em risco o patrimônio público.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de prestar garantia em operação de crédito sem que tenha sido constituída contragarantia em valor igual ou superior ao valor da garantia prestada, na forma da lei. Não se admite a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a efetiva prestação

de garantia em operação de crédito, sem constituir uma contragarantia. A maioria da doutrina admite a tentativa nesse delito.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Trata-se

de infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Não Cancelamento de Restos a Pagar

Art. 359‑f. Deixar de ordenar, de autorizar ou de promover o cancelamento do montante de

restos a pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei:Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.

O objeto jurídico tutelado são as finanças públi-cas, especificamente o equilíbrio das contas públi-cas. O sujeito ativo só pode ser aquele que detém atribuição legal para promover o cancelamento de despesas inscritas em restos a pagar (crime próprio). Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

deixar de ordenar [o agente não determina que terceiro cancele os restos a pagar], de autorizar [o agente não autoriza que terceiro cancele os restos a pagar] ou de promover [incumbe ao agente público promover o cancelamento dos restos a pagar, mas ele não o faz] o cancela-mento do montante de restos a pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei.

Nesse delito, o agente não tem responsabilidade pela inscrição em restos a pagar (do contrário, res-ponderia pelo crime do art. 359-B do CP). Entretanto deve o agente, ao perceber que o valor inscrito é superior ao permitido em lei, providenciar o seu cancelamento, sob pena de, não o fazendo, incorrer no art. 359-F.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de deixar de ordenar, de autorizar ou de promover o cancelamento do montante de restos a pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre no momento em que o

administrador deixa de ordenar, de autorizar ou de promover o cancelamento do montante de restos a pagar inscrito em valor superior ao permitido em lei. Trata-se de crime omissivo puro ou próprio, que não admite a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Trata-se

de infração penal de menor potencial ofensivo (Leis nos 9.099/1995 e 10.259/2001).

Aumento de Despesa Total com Pessoal no Último Ano do Mandato ou Legislatura

Art. 359‑G. Ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete aumento de despesa total com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato ou da legislatura:Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

O objeto jurídico tutelado são as finanças públi-cas, especificamente o equilíbrio das contas públi-cas. O sujeito ativo é somente o titular do mandato com atribuições para determinar o aumento com gastos de pessoal (crime próprio). Já o sujeito pas-sivo é o Estado.

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Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em “ordenar [mandar,

determinar que terceiro pratique o ato – a iniciativa é do próprio agente], autorizar [permitir que outrem pratique o ato – a iniciativa é do terceiro] ou executar [execução feita pelo próprio agente] ato que acarrete aumento de despesa total com pessoal, nos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato ou da legislatura”. Busca-se impedir manobras tendentes a prejudicar o sucessor político. O conceito de “des-pesa total com pessoal” encontra-se no art. 18 da Lei Complementar nº 101/2000. Nos termos do art. 19 dessa mesma lei, o limite máximo para despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do DF e dos Municípios não poderá ultrapassar 50% da receita líquida, no caso da União, e 60%, para os Estados, o DF e os Municípios.

O elemento subjetivo do tipo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de ordenar, autorizar ou executar ato que acarrete aumento de despesa total com pessoal, nos 180 dias anteriores ao final do man-dato ou da legislatura. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a ordem, autorização

ou execução de ato que acarrete aumento de des-pesa total com pessoal, nos 180 anteriores ao final do mandato ou da legislatura. Nas duas primeiras modalidades (“ordenar” e “autorizar”), trata-se de crime formal, que se consuma com a mera ordem ou autorização, pouco importando se efetivamente a despesa vem a ser implementada. Nessa hipóte-se, não se admite a tentativa. Já na modalidade de “executar”, tem-se crime material, que se consuma com a efetiva execução do aumento de despesa. Nessa última hipótese, cabe a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Nos

termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, admite-se a suspensão condicional do processo.

Oferta Pública ou Colocação de Títulos no Mercado

Art. 359‑H. Ordenar, autorizar ou promover a oferta pública ou a colocação no mercado financeiro de títulos da dívida pública sem que tenham sido criados por lei ou sem que estejam registrados em sistema centralizado de liquidação e de custódia:Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.

O objeto jurídico tutelado são as finanças públicas e o equilíbrio orçamentário. O sujeito ativo só pode ser aquele que detenha competência para ordenar, autorizar ou promover a oferta pública ou colocação de títulos no mercado (crime próprio). Já o sujeito passivo é o Estado.

Elementos Objetivos e Subjetivos do TipoA conduta típica consiste em

ordenar [mandar, determinar que terceiro pra-tique o ato], autorizar [permitir, conceder auto-

rização] ou promover [cumprir, levar a efeito] a oferta pública ou a colocação no mercado financeiro de títulos da dívida pública sem que tenham sido criados por lei ou sem que estejam registrados em sistema centralizado de liquidação e de custódia.

O elemento subjetivo é o dolo, consistente na vontade livre e consciente de ordenar, autorizar ou promover a oferta pública ou a colocação no mercado financeiro de títulos. O agente deve ter ciência de que os títulos não foram criados por lei ou não foram registrados em sistema centralizado de liquidação e de custódia. Inexiste a modalidade culposa.

Consumação e TentativaA consumação ocorre com a ordem, autorização

ou promoção de oferta pública ou colocação de tí-tulos no mercado. Nas duas primeiras modalidades (“ordenar” e “autorizar”), trata-se de crime formal, que se consuma com a ordem ou autorização, pouco importando se efetivamente ocorre a oferta pública ou colocação de títulos no mercado. Essas moda-lidades não admitem a tentativa. Já na modalidade de “promover” esse delito é material, ocorrendo a consumação com a efetiva oferta pública ou coloca-ção dos títulos no mercado. Nesse caso, admite-se a tentativa.

ObservaçãoA ação penal é pública incondicionada. Nos

termos do art. 89 da Lei nº 9.099/1995, admite-se a suspensão condicional do processo.

Disposições finais

Art. 360. Ressalvada a legislação especial sobre os crimes contra a existência, a segu-rança e a integridade do Estado e contra a guarda e o emprego da economia popular, os crimes de imprensa e os de falência, os de responsabilidade do Presidente da República e dos Governadores ou Interventores, e os crimes militares, revogam-se as disposições em contrário.Art. 361. Este Código entrará em vigor no dia 1º de janeiro de 1942.

REfERÊNCIA BIBLIOGRáfICA

CORRêA JúNIOR, Luiz Carlos Bivar. Direito Penal: Resumos esquemáticos. Brasília: Vestcon, 2009.