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GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. 6ª edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001. Segundo Goffman a sua obra Manicómios, Prisões e Conventos, é o resultado de uma pesquisa de três anos de estudos de comportamentos em enfermarias dos Institutos Nacionais do Centro Clínico de Saúde, dos quais, um ano foi dedicado a um trabalho de campo no Hospital Elizabeths, em Washington, nos Estados Unidos. O objetivo da pesquisa foi conhecer e perceber o mundo vivenciado e percepcionado pelos internados em instituições totais. O interesse fundamental de Goffman é chegar a uma versão sociológica da estrutura do eu. O autor afirma que o trabalho não sofreu influências ou restrições capazes de limitar a liberdade do pesquisador. Neste livro o autor analisa o que chama de Instituições Totais, que, segundo o mesmo, caracterizam-se por constituírem-se de locais de residência ou trabalho, onde um grande número de indivíduos em semelhante condição vivem enclausurados sob uma administração formal. Segundo o autor, o caráter total de sua clausura é simbolizado por uma barreira com relação ao mundo externo e explicitado por barreiras físicas de altos muros, paredes, portões e cadeados. As instituições totais destinam-se a atender pessoas consideradas incapazes de cuidar de si mesmas ou que representem alguma ameaça à comunidade. O autor foca-se, essencialmente, no carácter fechado destas instituições, que pelas suas características e modo de funcionar não permitem qualquer contacto entre o internado e o mundo exterior, pois seu objetivo é excluí-lo completamente do mundo social de origem, de modo que o internado assimile totalmente as regras internas, evitando comparações, prejudiciais ao seu processo de "aprendizagem". Todas as atividades cotidianas dos indivíduos que ali se encontram - dormir, recrear, circular e trabalhar - são realizados no mesmo local, de forma conjunta, sob um regime de atividades e horários predefinidos e regidos por um sistema de regras formais, explícito por uma grupo de funcionários que representam a autoridade vigilante. Essa estrutura se organiza

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GOFFMAN, Erving. Manicômios, Prisões e Conventos. 6ª edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001.

            Segundo Goffman a sua obra Manicómios, Prisões e Conventos, é o resultado de uma pesquisa de três anos de estudos de comportamentos em enfermarias dos Institutos Nacionais do Centro Clínico de Saúde,  dos quais,  um ano foi  dedicado a um trabalho de campo no Hospital Elizabeths, em Washington, nos Estados Unidos. O objetivo da pesquisa foi conhecer e perceber  o  mundo vivenciado  e  percepcionado  pelos   internados  em  instituições   totais.  O interesse fundamental de Goffman é chegar a uma versão sociológica da estrutura do eu. O autor afirma que o trabalho não sofreu influências ou restrições capazes de limitar a liberdade do pesquisador.

Neste livro o autor analisa o que chama de Instituições Totais, que, segundo o mesmo, caracterizam-se  por   constituírem-se  de   locais  de   residência  ou   trabalho,  onde  um grande número de indivíduos em semelhante condição vivem enclausurados sob uma administração formal. 

Segundo o autor, o caráter total de sua clausura é simbolizado por uma barreira com relação ao mundo externo e explicitado por barreiras físicas de altos muros, paredes, portões e cadeados.  As   instituições   totais  destinam-se  a  atender  pessoas   consideradas   incapazes  de cuidar de si mesmas ou que representem alguma ameaça à comunidade.

O autor foca-se,  essencialmente,  no carácter fechado destas  instituições,  que pelas suas características e modo de funcionar não permitem qualquer contacto entre o internado e o mundo exterior, pois seu objetivo é excluí-lo completamente do mundo social de origem, de modo   que   o   internado   assimile   totalmente   as   regras   internas,   evitando   comparações, prejudiciais ao seu processo de "aprendizagem".

Todas as atividades cotidianas dos indivíduos que ali se encontram - dormir, recrear, circular e trabalhar - são realizados no mesmo local, de forma conjunta, sob um regime de atividades e horários predefinidos e regidos por um sistema de regras formais, explícito por uma grupo de funcionários que representam a autoridade vigilante. Essa estrutura se organiza dentro de um plano racional único que busca atender os objetivos oficiais da instituição.

O autor analisa as Instituições Totais dentro de um prisma dividido entre dois mundos antagônicos.   Segundo   ele   há   uma   divisão   básica   entre   um   grande   grupo   controlado (internados)  e uma pequena equipe de supervisão.  Desenvolvem se aí,  duas categorias de grupo que diferem entre si tanto social quanto culturalmente: internados e equipe dirigente, embora estejam oficialmente em contato, estão separados pela distância que existe entre seus papéis. (p.20)

O autor explica que a instituição total, embora possa ter fins como moradia e trabalho, atua nos indivíduo sob condições diferentes daquelas que a sociedade incorpora. Mesmo que haja trabalho e incentivo para o mesmo, ele se desenvolve num conjunto de significâncias diferentes das do mundo externo. A estrutura básica de pagamentos é substituído por um sistema de recompensas e prêmios, e o trabalho é imposto sob ameaça de castigos e punições. 

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O  autor   compara   que  enquanto   no  mundo   exterior  o   indivíduo   busca   alcançar   a dignidade   pelo   trabalho,   no   mundo   fechado   da   instituição   o   indivíduo   está   sujeito   à desmoralização pelo trabalho. Salienta-se também que por mais que a vida se desenvolva em grupo, a convivência entre os indivíduos muito longe está de corresponder a uma família.

“A instituição total é um híbrido social, parcialmente comunidade residencial, parcialmente organização formal. (...) Em nossa sociedade, são estufas para mudar pessoas; cada um é um experimento natural sobre o que se pode fazer ao ‘eu’.”p.22

O autor nos apresenta em capítulo o mundo do internado. 

“Na linguagem exata de alguma de nossas mais antigas instituições totais, começa a uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado.” p.24

“A barreira que as instituições totais colocam entre o internado e o mundo externo assinala a primeira mutilação do ‘eu’.” p.24

A chegada ao mundo do  internato caracteriza-se  inicialmente por um rompimento físico do indivíduo com família e sociedade. Segundo Goffman, este afastamento do ambiente civil impossibilita ao indivíduo o contato com uma série de experiências que confirmam a ele uma concepção de si  próprio.  As   instituições   totais  padronizam um processo que o  autor chama de mortificação do sujeito, a qual é responsável pela perda de identidade, da visão que o internado tem de si e das outras pessoas a sua volta. Nas instituições totais as justificações para a mortificação do “eu”, são segundo Goffman, 

“simples racionalizações, criadas por esforços para controlar a vida diária de grande número de pessoas em espaço restrito e com pouco gasto de recursos. Além disso, as mutilações do eu ocorrem (...) mesmo quando o internado está cooperando e a direção tem interesses ideais pelo seu bem estar.” (p.24).

Há, segundo Goffman, um despojamento de papéis,  assegurada pela ruptura inicial profunda com a vida do sujeito no mundo exterior. O enclausuramento leva a total perda de contado: essa seria sua morte civil.

“os processos de admissão talvez pudessem ser denominados “arrumação” ou “programação”, pois, ao ser “enquadrado” o novato admite ser conformado e codificado num objeto que pode ser colocado na máquina administrativa do estabelecimento modelado suavemente pelas operações de rotina” p.25

No   instante   da   admissão   de   um   novo   internado,   lhe   é   imposta   a   condição   de cooperação e obediência, e a partir daí sucede-se uma sequência de perdas muito íntimas: nome,   bens   materiais,   roupas,   muitas   vezes   os   cabelos,   em   fim,   todo   um   conjunto   de identidade que o   internado  ainda  possuía,  ao  qual  atribuía   sua   imagem ao se  apresentar perante os outros. O autor chama esse processo de deformação pessoal, quando ocorre uma desfiguração do ‘eu’. Uma vez privado de seus bens e de sua própria aparência, a instituição 

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providencia   ao   recém-internado,   algumas   substituições   padronizadas,   distribuídas uniformemente entre todos que ali se encontram.

Segundo   Goffman,   a   vida   do   recém-internado   tem   uma   rotina   de   humilhações frequentes que se referem a uma exposição total de si mesmo quanto a sua história e quanto ao seu presente, além de exposições à nudez, violência, e as relações sociais impostas dentro do novo ambiente. Para o autor, a dignidade se perde completamente quando o indivíduo torna-se parte do fluxo do programa de atividades, às quais ele é obrigado a obedecer. 

Numa instituição total,  a vida é constantemente penetrada e colocada a mercê de sansões. Os menores segmentos de atividades de uma pessoa estão sujeitos a regulamentos e julgamentos.  Esse controle social  torna  impossível desenvolver qualquer autonomia, pois o internado perde o poder de decisão pessoal, perde sua liberdade de ação.

As instituições justificam esse conjunto de ações que autor chamou de mortificações, como uma forma de controlar um grande número de internados num espaço restrito com pouco gasto de recursos (p. 48), mas essa atitude pode ser vista como a forma pela qual a instituição prepara os novatos para começar a viver de acordo com as “regras da casa”.

As   instituições   exploram   um   sistema   de   privilégios   em   troca   de   obediência,   que, segundo o autor, possibilitam a construção de um mundo em torno de atividades secundárias que nada tem a ver com qualquer tratamento. Para o não cumprimento desse sistema existem consequências  que   se  estabelecem dentro  de  um outro   sistema,  o  de   castigos.  Nesse   se enquadram aumento de pena, violência física, humilhação. Ambos os sistemas se ligam a um sistema  de   trabalho   interno  que  serve simplesmente para a manutenção da instituição. Sistema este no qual a moeda é muitas vezes o próprio espaço. Castigo ou privilégios podem ser  efetuados  através  de  posicionamento  e   localização.  Melhores   lugares  aos  obedientes, piores lugares a quem não se adapta as regras. O Lugar adquire valor de moeda.

Por mais duras que sejam as condições de vida no interior das instituições totais, o autor considera que a mais penosa sensação para o internado é angustia do tempo. Tempo que lhe foi tirado, roubado. O sentimento de tempo morto por toda a vida que se deixou além dos   muros,   de   todo   o   contato   social,   pode   ser   a   maior   pena   e   a   maior   tortura   para   o condenado a viver, ou a não viver, numa instituição total. Exilio da vida.

Todavia,  a  angústia do tempo não acaba prestes  a alta  do paciente da  instituição. Existe também uma angústia da liberação. Uma vez internado o individuo adquire um baixo status social de doente mental  que  lhe  imprime uma condição permanente.  Sua saída da instituição poderia significar o fim do pesadelo, da trajetória de alienação e violência, mas, ao deparar-se com o mundo além dos muros, o indivíduo arrasta consigo sua história através do estigma de doente mental.

Depois de ter se adaptado ao mundo do enclausuramento,  a desaculturação é um fator   importante   na   trajetória   do   internado,   que   culmina   com   a   impossibilidade   de acompanhar ou adquirir os hábitos exigidos na sociedade mais ampla.

“(...) pode-se descobrir que a liberação significa passar do topo de um pequeno mundo para o ponto mais baixo de mundo grande.” P.68-69

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O autor nos apresenta em capítulo o mundo da equipe dirigente

“(...) muitas instituições totais parecem funcionar como depósitos de internados, mas (...) usualmente se apresentam (...) como organizações racionais, conscientemente planejadas como máquinas eficientes para atingir determinadas finalidades oficialmente confessadas e aprovadas. (...) um frequente objetivo oficial é a reforma dos internados na direção de algum padrão ideal.”p.69-70

Segundo Goffman, o contexto básico da equipe dirigente de uma instituição total é a contradição entre o que a instituição diz e o que realmente faz. 

O mundo de trabalho da equipe dirigente se refere apenas a pessoas, os internados. Elas se tornam o seu objeto de trabalho, e, como material de trabalho, as pessoas podem adquirir   características   de   objetos,   especialmente   nas   instituições   totais,   onde   o acompanhamento  dado a  elas  é   tratado  dentro  de  um sistema burocrático  de  atividades, expresso por exemplo, nas rígidas notas de registros. No fim do de trabalho elas são livres para sair da instituição e ter seu status social e relações no mundo externo. 

Apesar   de   essa   equipe   ter   obrigações   para   a   manutenção   de   alguns   padrões humanitários de tratamento dos pacientes, bem como na relação com seus familiares, há uma responsabilidade maior com a manutenção da eficiência da instituição. Essa responsabilidade de defesa e controle se coloca acima das obrigações para com as pessoas internadas. 

Segundo Goffman, a equipe está livre para dar interpretações próprias dentro da lógica manicomial, o que torna possível justificar cada ato dentro dos limites desse mundo a parte. E assim,   longe   dos   padrões   do   mundo   exterior,   se   tornam   aceitáveis   e   justificáveis   atos desumanos, violentos e autoritários com fins de controle e defesa da instituição.

“quando as justificativas racionais da sociedade mais ampla não podem ser invocadas, o campo se torna perigosamente aberto para todos os tipos de vôos e excessos de interpretação e consequentemente, a novos tipos de tirania.” P. 83

A instituição estimula a suposição de que dirigentes e internados são tipos humanos profundamente diferentes, exercendo papéis muito distantes um do outro. Essas diferenças, de   qualidade   social   e   caráter   moral,   são   assumidas   por   todos   os   atores   desse   teatro manicomial, e cada grupo tende a perceber o outro como diferente, dentro de uma hierarquia de poder e submissão garantida pela instituição. 

O  autor   ainda   menciona   o  necessário   distanciamento   afetivo  por  parte   do   grupo dirigente, cuja lógica é “não interessa o que você sente, desde que você não demostre”. Para exercer este trabalho é necessário muita frieza e portas afetivas fechadas, devido a grande dificuldade do trabalho. Isso torna sua atividade cada vez mais burocrática e eficiente para a instituição como se ela fosse uma máquina.

Segundo Goffman, ao ser considerado louco, cada sujeito ingressa numa certa carreira singular:  a   carreira  moral  do  doente  mental.  Para  o  autor  carreira   seria   sinônimo de  um posicionamento oficial, um estilo de vida que acarretaria em uma evolução (ou involução) de 

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auto-imagem   e   segurança  do   indivíduo.  Como   aspectos   morais   dessa   carreira   teríamos  a sequencia regular de mudanças que a carreira provoca no eu da pessoa e em seu esquema de imagens para julgar a si mesma e aos outros.

Goffman explica que a categoria de doente mental  é  um estigma,  pois  a  partir do momento em que se está classificado nela, todo o destino social  se altera para sempre. O indivíduo que é passa pelo processo de hospitalização é apanhado pela “pesada máquina de serviços de hospitais para doentes mentais”. Uma   vez   iniciado   neste   caminho,   o  status uniforme de paciente mental assegura um destino comum a um conjunto de pessoas, que se tornam cada vez mais distantes e não pertencentes ao mundo exterior. Independentemente do seu diagnóstico o fato de estar preso à um manicômio é que o define como louco.

“a loucura ou o ‘comportamento doentio’ atribuído ao doente mental são, em grande parte, resultantes da distância social entre quem lhes atribuiu isso e a situação em que o paciente está colocado, e não são, fundamentalmente, um produto de doença mental.”(p.113)

Segundo   Goffman   há   uma   primeira   fase   nessa   carreira,   que   ele   chama   de   fase-prépaciente, ou seja, anterior à admissão no hospital. Muitas vezes há uma procura voluntária, quando o próprio indivíduo percebe a si mesmo como louco. Goffman afirma que a angústia resultante   dessa   percepção   poderia   ser   comum   a   qualquer   pessoa   socializada   em   nossa cultura.   A   percepção   da   loucura   é   baseada   em   estereótipos   culturalmente   derivados   e socialmente impostos quanto a significação de alguns sintomas (p.115) (ver por exemplo a evolução do conceito de loucura no decorrer da história da humanidade, onde cada período formula sua própria definição do que é ou não loucura). Goffman afirma que   perceber-se louco, na maioria das vezes, significa estar passando por perturbações emocionais temporárias em situação de tensão, e que lançar-se ao tratamento em um hospital psiquiátrico implica em levar esse estado a nível de permanência, o estigma. Por outro lado, e representando a grande maioria dos casos, existe a internação involuntária. Segundo Goffman ela ocorre através de membros da família, ou da vigilância policial ou até mesmo por terceiros. Assim, os aspectos morais   dessa   carreira   iniciam   sempre   com   uma   primeira   experiência   de   abandono, deslealdade, amargura, traição, de ser enganado. Esse é o início social da carreira do paciente, quando sofre uma passagem do status civil para o de internado. Para Gofmann é uma carreira construída e imposta.

[aqui  os  exemplos  dados  pelo  autor   se  assemelham muito  ao filme  Bicho de sete cabeças,  dirigido por Laís Bodanzky e com roteiro de Luiz Bolognesi baseado no livro autobiográfico de Austregésilo Carrano Bueno, Canto dos Malditos,  que aliás deve entrar na bibliografia  que  pretendo   ler  para  a  dissertação.  O  filme mostra  a   trajetória  de  Neto  em hospitais psiquiátricos e a realidade de violência e descaso no suposto tratamento dado aos considerados loucos]

 A fase de internamento caracteriza-se pela compreensão do indivíduo – justificada ou não – de que ele foi abandonado pela sociedade e que consequentemente perdeu todas as relações com quem estava próximo a ele. (p. 125) Após uma possível fase de rejeição, ausência e anonimato há uma fase de aceitação, quando o paciente começa a socializar com os demais internados   nas   atividades   quotidianas   do   internato.   Tendo   uma   vez   aceitado   sua   nova condição, as linhas básicas do seu destino segue as linhas da instituição, onde passa um longo 

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período da sua vida (se não toda ela) submisso à uma disciplina rotineira na companhia de um grupo de pessoas com o mesmo status institucional. (p.126)

O novo internado se percebe sem direitos e defesas, satisfações e afirmações, além de estar envolto em um conjunto de experiências de mortificações – restrições ao movimento livre,   vida   comunitária,   submissão   total   à   uma   autoridade   dirigente,   experiências   morais humilhantes.

A partir disso o paciente aprende a orientar-se no sistema do qual agora faz parte – regras como um jogo, totalmente diferente com relação a vida fora do manicômio – para conseguir levar uma vida dentro dele.

“Se desobedecer às normas onipresentes da instituição, o internado recebe castigos severos que  se   traduzem pela  perda  de  privilégios;  pela  obediência,   será  finalmente  autorizado  a readquirir algumas satisfações secundárias que, fora aceitava sem discussão.”

No hospital psiquiátrico, o ambiente e as regras da casa recordam ao paciente que é, afinal  de contas,  um caso de doença mental,  que sofreu algum tipo de colapso social  do mundo externo tendo fracassado de alguma forma global. Ali o indivíduo recebe um atestado de mente doentia, que atinge direto no seu orgulho. Ainda assim, para poder conviver neste ambiente,  o   indivíduo precisa  necessariamente  compreender  –  ou fingir  compreender  –  a interpretação que o hospital tem dele para finalmente adquirir a intenção de “endireitar-se”, e assim ser compensado dentro desse jogo manicomial.

A   carreira   moral   de   uma   pessoa   de   determinada   categoria   social   inclui   uma   sequência padronizada   de   mudanças   em   sua   maneira   de   conceber   os   seus   “eus”   (os   seus,   os   da instituição e os da sociedade). Essas linhas de desenvolvimento podem ser acompanhadas pelo estudo de suas experiências morais – acontecimentos que marcam um momento decisivo na maneira pela qual a pessoa vê o mundo, posições que assume diante dos outros.

O “eu” pode ser visto como algo que se insere nas disposições que um sistema social estabelece para seus participantes. 

“ Cada carreira moral, e, atrás desta, cada eu, se desenvolvem dentro dos limites de um sistema institucional,(…) Neste sentido o eu não é uma propriedade da pessoa a que é atribuído, mas reside no padrão de controle social que é exercido pela pessoa e por aqueles que a cercam”. (p. 142).

Nesta obra, Goffman conclui que muitas instituições totais, parecem funcionar apenas como depósito de internados, embora sejam vistas pelo público como organizações racionais, com planeamento e eficazes nos seus objetivos, estaremos assim perante um faz de conta, entre o que parece e o que na verdade é e se faz. É reconhecido que as instituições ficam muitas vezes longe dos seus objetivos oficiais.