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 APOSTILA DE ESCATOLOGIA O DIA DO SENHOR Pr. A. Carlos G. Bentes DOUTOR EM TEOLOGIA  י ם ו י  

ESCATOLOGIA APOSTILA

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  • APOSTILA DE ESCATOLOGIA O DIA DO SENHOR Pr. A. Carlos G. Bentes

    DOUTOR EM TEOLOGIA

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    NDICE

    INTRODUO ............................................................................................................................ 3

    O PLANO DA REDENO O MAGO DA ESCATOLOGIA ................................................. 4

    O CENTRO DA MENSAGEM ESCATOLGICA A COLOCAO APROPRIADA DE: ........ 4

    AMILENISMO.............................................................................................................................. 4

    PANORAMA DO AMILENISMO ................................................................................................. 5

    A HISTRIA DO AMILENISMO.................................................................................................. 6

    PS-MILENISMO ..................................................................................................................... 10

    PANORAMA DO PS-MILENISMO......................................................................................... 11

    UMA CONSIDERAO DE ARGUMENTOS EM FAVOR DO PS-MILENISMO................... 14

    PR-MILENISMO ..................................................................................................................... 20

    UMA CONSIDERAO DOS ARGUMENTOS EM FAVOR DO PR-MILENISMO ................ 26

    O PR-MILENISMO HISTRICO............................................................................................. 31

    PR-MILENISMO DISPENSACIONAL..................................................................................... 31

    DISPENSACIONALISMO ......................................................................................................... 35

    QUADRO DAS DISPENSAES............................................................................................. 43

    CONCEPES ACERCA DAS LTIMAS COISAS................................................................. 45

    DOUTRINAS TRIBULACIONISTAS......................................................................................... 47

    BIBLIOGRAFIA......................................................................................................................... 65

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    INTRODUO

    A Teologia Sistemtica vem desenvolvendo-se desde os primrdios e em cada poca se prende a um tpico das doutrinas bblicas. No sculo II, a Igreja lidava especialmente com a Apologtica e as idias fundamentais do cristianismo; nos sculos III e IV, com a doutrina de Deus; no sculo V, logo no incio, lidava com a Antropologia e a Hamartiologia; do sculo V at o VII, com a Cristologia, nos sculos XI at XVI, com a expiao, no sculo XVI, com a aplicao da Redeno. Agora, o interesse especial da Era Moderna a Escatologia, o nico tpico da teologia que ainda sobrava para ser desenvolvido. H cem anos atrs, James Orr (1844-1913) predisse que o sculo XX seria a era da escatologia. Estamos no sculo XXI e o interesse s aumenta.

    Escatologia o estudo dos eventos que esto para acontecer segundo as Escrituras. O termo escatologia deriva do grego, eskhatos (), que significa ltimo, e logia (), que significa tratado ou estudo de um conjunto de idias.

    O estudo da Escatologia imprescindvel, quer seja abordado no terreno da cincia, da filosofia ou da religio. O homem vive perenemente a procurar a verdade concernente ao seu destino do Universo no qual habita. Como ser racional, ele indaga: Morrendo o homem, porventura tornar a viver? (J 14.14). E nos apressamos em acrescentar: Como podemos estar certos acerca de uma vida futura, relacionada com a existncia presente?.

    Trs doutrinas principais destacam-se universalmente como afirmadas por todos os cristos exceto os que com relutncia precisam ser considerados hereges ao longo de dois milnios. A primeira que Jesus Cristo retornar terra. Isso s vezes conhecido como f na parousia, que significa aparecimento ou vinda. Cristos de todas as tradies, tribos e denominaes aguardam a segunda vinda de Jesus Cristo. A segunda convico de todos os cristos acerca do futuro coletivo que, quando Cristo retornar, ele h de estabelecer ou manifestar completamente a ordem e a soberania de Deus o reino de Deus que j est operando na histria. A terceira f crist unificadora sobre a escatologia universal que, no fim, Deus criar um novo cu e uma nova terra que duraro para sempre. A maioria dos cristos considera o novo cu e a nova terra uma continuao da criao original sua redeno pela renovao. Alguns poucos consideram essa realidade futura uma criao completamente nova depois da destruio deste mundo. Todos concordam que humanos ressuscitados e redimidos habitaro com Deus, e Deus habitar com eles em uma utopia que jamais acabar.1

    A Escatologia crist, centralizada na Bblia, uma apresentao positiva das promessas baseadas nas palavras irrevogveis de um Deus Eterno e imutvel. No existe vida, presente ou futura, parte de Deus, a qual se torna possvel por intermdio de seu Filho Jesus Cristo. Foi Ele quem disse: Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundncia. (Jo 10.10; 11.25,26; 14.1-3).

    Se o cristianismo no for uma escatologia radical, ele no ter relao com Cristo (Karl Barth). A segunda vinda de Jesus Cristo Terra e os acontecimentos pertinentes mesma criam um

    alicerce de esperana, consolo e bendita antecipao, que para sempre mitiga a sede do povo de Deus, cansado do pecado, do sofrimento e da tristeza associada peregrinao terrena. Deus tem um plano eterno e um propsito, revelado nas Escrituras atravs de muitas passagens (Ef 3.10,11; Is 46.10; 2 Rs 19.25; Ap 1.6). Em Escatologia Bblica estudamos parte deste propsito.

    1 OLSON, Roger E. Histria das Controvrsias na Teologia. 1 ed. So Paulo: Editora Vida, 2004, p. 480,481.

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    O PLANO DA REDENO O MAGO DA ESCATOLOGIA A Doutrina da Redeno abrange:

    1) A Doutrina do Parente Remidor - GOEL (Rute, Lv 25.25-34; Dt 25.5-10 ). 2) A Doutrina da Redeno da Terra - (Rm 8.18-23; Lv 25; Zc 14.4,5,8,10; Is 35.1,2,13; 11.5-9; Jl

    2.22-27; Is 65.20 etc.). 3) A Redeno das Naes (Gn 9.12-17; Ap 10; Zc 14.16-19; Ap 21.24; 22.2; Is 60.3). 4) A Redeno de Israel (Am 9.15; J1 3.20,21; Is 60.4-12). 5) A Redeno do Homem (Ef 1.13,14; Rm 8.23,24; l Jo 3.1,2; Fp 3.21; Ap 1.5,6).

    O CENTRO DA MENSAGEM ESCATOLGICA A COLOCAO APROPRIADA DE: O trono de Davi, na profecia (2 Sm 7.12-16; S1 89.34-37; Is 9.6,7; Zc 14.9,16-19 ). A pessoa que se assentar nesse trono (Lc 1.31-33; Ap 20.6; Jr 23.5; 2 Sm 7.14-17; Mt 19.28;25.31).

    A menos que essas verdades sejam claramente definidas, recebendo alicerce bblico, a profecia perder a sua significao e vitalidade, surgindo assim certa incoerncia, que tende a confundir e no a esclarecer.

    EXISTEM TRS LINHAS ESCATOLGICAS: 1. Amilenismo; 2. Ps-Milenismo; 3. Pr-Milenismo.

    AMILENISMO

    Amilenismo - Embora seja o mais claro e simples dos sistemas, o amilenismo apresenta dificuldades especiais. Este ponto de vista pode ser declarado de modo breve: no haver um reino terrestre de Cristo de mil anos de durao.

    O amilenismo no cr em duas ressurreies fsicas (Ap 20.4-6). A primeira ressurreio, dizem os amilenistas, espiritual, a segunda fsica. Vrios autores advogam este sistema, entre os quais Floyd, E . Hamilton e Ray Summers.

    A outra doutrina importante do amilenismo a sua interpretao dos mil anos em Ap 20.2. Neste texto, fala-se de Satans sendo preso por mil anos, e em Ap 20.4, daqueles que foram decapitados por causa de seu testemunho de Jesus, reinando com Ele por mil anos. Para os amilenistas, estes mil anos no so uma expresso literal, para eles estes mil anos constituem o perodo da Ressurreio do Senhor at a Parusia. Acham que Cristo est reinando, de modo espiritual, nos coraes dos salvos. Acham que a Igreja a Novo Israel de Deus.

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    Panorama do Amilenismo2

    Ao examinarmos os aspectos gerais do amilenismo, talvez nosso procedimento melhor seja notar aquelas doutrinas que tem em comum com o Ps-milenismo. A primeira que a segunda vinda de Cristo inaugurar a era final e o estado final tanto para crentes como para incrdulos. Isto quer dizer que a segunda vinda ser seguida imediatamente pela ressurreio geral, o julgamento de todos os homens, e a consignao de todos para seus para seus estados futuros e finais. No haver perodo de transio, nenhum reino terrestre e pessoal de Cristo, nenhum milnio. Estes eventos se seguiro em seqncia rpida, sem qualquer perodo de tempo interveniente que se possa notar.

    O segundo aspecto (compartilhado com a maioria dos ps-milenistas) que os mil anos em Apocalipse 20 so simblicos mais do que literais. Outro modo de dizer isto declarar que a referncia aos mil anos atemporal. O ps-milenista acredita num reino terrestre de Cristo, mas com Cristo ausente ao invs de presente. Esta crena, no entanto, no se baseia em Apocalipse 20; na realidade, esta passagem considerada irrelevante questo.

    Alm disto, as duas ressurreies em Apocalipse 20 no exigem, como argumenta o pr-milenista, um milnio interveniente. Os amilenistas esto de acordo que as duas ressurreies no so fsicas. Alguns amilenistas, no entanto, consideram a primeira ressurreio como sendo espiritual e a segunda como sendo fsica; outros consideram as duas ressurreies como sendo espirituais.

    Finalmente, as profecias so menos literais do que a maioria dos pr-milenistas as consideram. Estas profecias no sero cumpridas num perodo terrestre de mil anos; tendem, pelo contrrio, a serem cumpridas dentro da histria da igreja, ou, nalguns casos, na nova terra.

    H, alm disto, alguns pontos de congruncia entre o amilenismo e o pr-milenismo. O primeiro o ponto de vista pessimista. O amilenista no antev um crescimento da justia em escala mundial, que se estender a todas as reas da sociedade. Os amilenistas variam quanto s suas estimativas de quo bem-sucedida ser a pregao do evangelho. Alguns concedem a possibilidade de converso em escala mundial e, neste caso, todos confessaro Cristo como Senhor, e poderemos dizer que o reino de Cristo est presente, que chegou o Seu domnio. Muitos amilenistas, porm, duvidam que a evangelizao ser to bem-sucedida assim. O nmero dos que crem e so salvos ser, portanto, apenas um pequeno segmento ou remanescente da populao do mundo. Embora os amilenistas no tenham prazer nesta perspectiva, acreditam que seja consistente com o ensino da Escritura e com o curso recente dos eventos do mundo. Logo, o amilenista pode ter tanta certeza quanto o pr-milenista tpico de que a f de muitos se esfriar. Alm disto, o amilenista acredita na iminncia da segunda vinda de Cristo. Embora este termo tenha vrios matizes diferentes de significado, quer dizer, de modo geral, que o Senhor poderia voltar a virtualmente qualquer tempo. Para o ps-milenista, o Senhor no voltar at que o evangelho tenha sido propagado at aos confins da terra e o mundo tenha desfrutado de um perodo de paz. O amilenista e o pr-milenista, no entanto, no acreditam que estes fenmenos precedero a vinda do Senhor. Logo, sem eventos importantes de longa durao ainda a serem cumpridos, o Senhor poderia vir a qualquer momento. Deve ser notado, no entanto, que embora esta doutrina seja compartilhada pelos amilenistas e pelos pr-milenistas, no produz a mesma atitude ou tom no amilenista tpico que produz no pr-milenista. Logo, o amilenista raras vezes lastima a deteriorao das condies do mundo nem condena a cultura presente. Tem preocupao marcantemente menor com os detalhes e a seqncia das ltimas coisas e menos curiosidade acerca dos sinais dos tempos.Na realidade, o assunto inteiro da escatologia parece receber menos ateno dos amilenistas dos que ds telogos pr-milenistas, especialmente daqueles que so dispensacionalistas. O amilenismo genuno tem um gnio todo seu.

    2 ERICKSON, M.J. Um estudo do Milnio. Opes contemporneas na Escatologia. 2 ed. So Paulo: Edies Vida Nova,

    1986.

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    A Histria do Amilenismo3

    Alguns tm achado elementos amilenistas bem cedo na histria da igreja. Dietrich H. Kromminga, um pr-milenista, discerniu na Epstola de Barnab um tipo muito primitivo de escatologia amilenista e a Epstola de Barnab um dos escritos cristos mais antigos fora da prpria Bblia. O argumento de Kromminga, no entanto, disputado por outros estudiosos da histria da igreja. Mesmo assim, o amilenismo tem estado presente, numa forma nem sempre diferenciada do ps-milenismo, durante longos perodos da histria da igreja.

    Ainda que no tenha havido nenhum amilenismo radical nos primeiros sculos da igreja, elementos amilenistas, no mnimo, provavelmente estavam presentes. Foi Agostinho, porm, aquele que sistematizou e desenvolveu a abordagem. Porque ele estava na vanguarda em certo nmero de reas de pensamento, achamos nos seus escritos nfases confusas que telogos posteriores claramente distinguiam. Logo, tanto os amilenistas quanto os ps-milenistas podem, com alguma justificativa, reivindic-lo para a posio deles. O argumento mais significante (para os nossos propsitos) que Agostinho fez que o milnio no primariamente temporal nem cronolgico. Seu significado, pelo contrrio, se acha naquilo que simboliza. Esta tradio continuou na Igreja nas suas variedades catlica e protestante. provvel que aquilo que agora chamamos de amilenismo e ps-milenismo se achassem juntos at o sculo dezenove, quando o ps-milenismo foi desenvolvido pela primeira vez de modo total e abrangente.

    Com o declnio do ps-milenismo durante o sculo vinte, nmeros considerveis de ps-milenistas anteriores acharam necessrio ajustar sua escatologia. Porque o pr-milenismo representava uma alterao por demais radical, a maioria optou pelo amilenismo. O surto recente do amilenismo, portanto, pode ser relacionado com os eventos que precipitaram a crise para o ps-milenismo. Para alguns, era claramente uma mudana de doutrina. Para outros, era simplesmente adotar uma posio sobre um ponto de vista a respeito do qual no tinham tomado posio antes. De qualquer maneira, as alternativas se estreitaram um pouco, de modo que, na prtica, a escolha est entre o amilenismo e o pr-milenismo. Os conservadores nos grupos reformados histricos - denominaes tais como a Igreja Reformada da Amrica, e a Igreja Reformada Crist, bem como muitos bispos presbiterianos - so, primariamente, amilenistas.

    Amilenismo 4

    A palavra amilenismo significa literalmente nenhum milnio. Estritamente falando, no o caso do amilenismo no ensinar nenhum milnio de forma alguma. A verdade que o amilenismo no cr num milnio literal e futuro.

    O amilenismo ensina que o milnio de Apocalipse 20 toda a era do Novo Testamento, desde a primeira vinda de Cristo at o fim do mundo. Portanto, os mil anos de Apocalipse 20 devem ser entendidos simbolicamente, e no literalmente.

    Este ensino baseado, primeiro, no fato que os nmeros na Escritura, incluindo o nmero mil, so freqentemente simblicos ao invs de literais. Um bom exemplo o Salmo 50.10, onde a Escritura certamente no quer dizer literalmente e somente mil montanhas, mas todas as montanhas.

    Visto que a priso de Satans uma das principais caractersticas deste perodo de mil anos (Apocalipse 20:1-3), o amilenismo ensina que Satans est preso por toda a era do Novo Testamento. Ele

    3 ERICKSON, M.J. Um estudo do Milnio. Opes contemporneas na Escatologia. 2 ed. So Paulo: Edies Vida Nova,

    1986. 4 Fonte (original): Doctrine according to Godliness, Ronald Hanko, Reformed Free Publishing Association, p. 305-306.

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    no est completamente preso, mas preso somente para que mais no engane as naes (Apocalipse 20:3, ARC). Ele est preso, em outras palavras, para que no possa impedir o evangelho de ser pregado e resultar na converso das naes gentlicas.

    Que Satans estava preso no tempo da primeira vinda de Cristo claro a partir de Mateus 12.29. Ali, numa referncia bvia Satans, Jesus usa a mesma palavra grega para amarrar que aparece em Apocalipse 20:2. Ele diz aos fariseus que o homem valente [Satans] deve ser amarrado. No contexto desta declarao, Jesus est falando da vinda do reino atravs da reunio dos gentios, mediante a pregao do evangelho (Mateus 12.14-21,28-30). Mateus 12.29 interpreta Apocalipse 20.2 e mostra que o resultado da priso de Satans o sucesso do evangelho entre as naes no Novo Testamento.

    O amilenismo, portanto, no espera um milnio ainda porvir, mas cr que estamos no meio do milnio agora, e que, quando o milnio terminar, o fim do mundo ter chegado. Esta era do Novo Testamento a ltima era do mundo.

    Os amilenistas no esperam um rapto mil anos antes do fim, nem uma vinda de Cristo mil anos antes do fim, nem esperam que a grande tribulao ocorra mil anos antes do fim do mundo. Antes, eles ensinam que todos estes eventos ocorrero no fim e sero seguidos pelo estado eterno.

    Por isso, o amilenismo ensina que a trombeta de 1Corntios 15.51,52 a ltima, e que seguindo o rapto (1Tessalonicenses 4:16,17), os eleitos estaro para sempre com o Senhor na glria celestial. Da mesma forma, no ensino amilenista a grande tribulao de Mateus 24.29 imediatamente seguida pela trombeta que anuncia a vinda de Cristo na apario real de Cristo sobre as nuvens e a assemblia dos seus eleitos.

    O amilenismo no ensina um perodo de paz e prosperidade sem precedentes para a igreja antes do fim, mas toma seriamente a verdade bblica de que a grande tribulao da igreja preceder o final de todas as coisas que naqueles ltimos dias sobreviro tempos difceis (2Timteo 3.1), tempos nos quais os homens perversos e impostores iro de mal a pior (v. 13).

    Por causa disto, alguns acusam o amilenismo de pessimismo. Contudo, ele no pessimista. Os amilenistas crem que Cristo reina, e que com poder soberano faz com que todas as coisas, mesmo as tristes, cooperem juntamente para o bem dos seus amados.

    Avaliao do Amilenismo5

    No sistema amilenista temos muitas coisas dignas de louvor e vlidas, bem como pontos fracos e at mesmo inconsistncias.

    Aspectos Positivos

    Do lado positivo, o amilenismo reconhece que a profecia e escatologia bblicas fazem uso de grande quantidade de simbolismo, e as maneja de acordo. Alguns milenistas tm tratado das expresses figuradas nas passagens escatolgicas de modo por demais literal, embora poucos expositores tenham levado a efeito este princpio de modo consistente. Algumas passagens representam bem obviamente alguma coisa alm do seu significado imediato e literal. O amilenista, de modo geral, tem procurado levar a srio a natureza da literatura bblica e tem perguntado o que estava sendo transmitido dentro daquele

    5 ERICKSON, M.J. Um estudo do Milnio. Opes contemporneas na Escatologia. 2 ed. So Paulo: Edies Vida Nova,

    1986.

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    meio ambiente cultural, reconhecendo que o simbolismo pode estar presente e operante ainda quando no bvio. No seu aspecto melhor, o amilenismo tambm tem procurado determinar o devido significado dos smbolos ao estudar a cultura ao invs de atribuir um significado de modo arbitrrio.

    Em segundo lugar, o amilenismo tem procurado fazer exegese sria da passagem bblica relevante, Apocalipse 20. Foi, em parte, uma resposta pergunta dos pr-milenistas: O que significa a passagem se no ensinar um milnio terrestre? Do ponto de vista dalgum que acredita que a Bblia a autoridade suprema da f e da prtica crists, este escrutnio da Escritura altamente louvvel. A investigao levada a efeito por Hughes uma tentativa eficiente de chegar ao significado. Os pormenores e o esprito aberto a uma variedade de possibilidades esto na melhor tradio da erudio bblica.

    Parece, tambm, que o amilenismo tem uma filosofia realista da histria. Seu conceito daquilo que h de vir e qual a direo que a histria est tomando encaixa-se bem com os desenvolvimentos recentes e as tendncias que se pode discernir. O ponto de vista amilenista leva em conta ou uma deteriorizao ou uma melhoria das condies, nem ensinando que o mundo inteiro ser convertido antes da volta de Cristo, nem que as condies do mundo inevitavelmente pioraro.

    Aspectos Negativos

    Quando consideramos as doutrinas especificas do amilenismo, bem como os argumentos em prol dele, porm, achamos algumas dificuldades. Um grupo importante destas diz respeito exegese de Apocalipse 20.

    A interpretao convencional amilenista que h dois tipos diferentes de ressurreio, uma ressurreio espiritual e uma fsica, respectivamente. Mediante um exame pormenorizado, no entanto, pergunta-se se isto cria uma distino onde no existe nenhuma. At mesmo Hughes reconhece e admite esta dificuldade, e oferece uma interpretao diferente para esta passagem. O mesmo verbo, ezesan, empregado para as duas ressurreies, e no h base contextual aparente para distinguir entre as duas.

    V. 5 oferece um problema especial para esta interpretao. Depois de afirmar que os mrtires vivem e reinam com Cristo por mil anos, a passagem diz: Os

    restantes (hoi loipoi - oi( loipoi\) dos mortos no reviveram at que se completassem os mil anos. Embora a passagem certamente possa ser interpretada doutra forma, parece dar a entender que aqueles participam da primeira ressurreio no participam da segunda, pois o contraste entre os que foram ressuscitados no comeo do milnio e os que foram ressuscitados no fim. O reviver tambm se descreve de modo semelhante. Presumivelmente os que esto com vida no comeo esto com vida no fim. Se este for o caso, e se estas devem ser tratadas como dois tipos diferentes de ressurreio, parece seguir-se a concluso de que os que esto espiritualmente ressurretos, ou renascidos, no so fisicamente ressurretos. Mas isto dificilmente se encaixaria na doutrina do amilenismo! Alguns argumentariam que isto atribuir um significado que no est presente. O propsito gramatical de hoi loipoi, no entanto, parece ser fazer distino entre os dois grupos. Deve ser notado que a segunda ressurreio no especificamente identificada nem nomeada, e que certamente no h sugesto alguma de que os mrtires participariam dela da mesma forma segundo a qual reviveram e reinaram como resultado da primeira ressurreio. Certamente, o argumento do silncio no forte. O silncio, no entanto achado justamente onde deveramos achar alguma evidncia positiva

    A posio argumentada por Hughes , conforme notamos, bem diferente daquele de Summers. Levando em conta a fora das objees tais como aquelas notadas supra, , de muitos modos, um tratamento novo e original de dados familiares. Mesmo assim, quando se examina os vrios elos detalhados do argumento, revelam-se dificuldades.

    Conforme notamos, Hughes reconheceu que as duas ressurreies devem ser da mesma classe, fazendo com que ambas as ressurreies sejam espirituais. A evidncia que aduziu para a asseverao crucial merece escrutnio especial.

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    Argumentou que se o primeiro verbo, ezesan (viveram), em v. 4 aoristo ingressivo, ento o segundo verbo, ebasileusan (reinaram) tambm o deve ser. Logo, se traduzirmos o primeiro vieram a viver, devemos traduzir o segundo, comearam a reinar. Visto que esta ao abrange mil anos, o resultado claramente ldicro. A alternativa, que pareceria prefervel, no traduzir nenhum dos verbos como aoristo ingressivo viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. A pergunta, porm, porque os dois verbos devem ser tratados da mesma maneira. A. T. Robertson, cuja Grammar of the Greek New Testament in the Light of Historical Research tem sido considerada, j h muito tempo, uma autoridade padronizada, escreveu: Um exemplo bom ezsan kai ebasileusan meta tou christou chilia et (Ap 20.4). Aqui, ezsan provavelmente ingressivo, embora zsman seja constativo em 1 Ts 5.10, mas ebasileusan claramente constativo. Hughes tinha conscincia desta referncia, e at mesmo a citou numa nota de rodap. Mesmo assim , rejeitou-a, meramente com a explicao: Mas isto rompe a conexo entre ezsan e ebasileusan, e remove ezsan de qualquer conexo com a frase chilia et. Porque, porm, ezsan deve ser ligado com a frase chilia et? Parece que Hughes pressups a posio que estava querendo apoiar mediante o argumento - um caso clssico de petio de princpio! Hughes deveria oferecer evidncia mais substancial do que esta, especialmente diante de uma autoridade da estatura de Robertson. Hughes afirmou que os conceitos de julgar e de reinar parecem ser unidos pela expresso as almas dos decapitados por causa do testemunho. Estendeu esta expresso para dizer que estas almas tanto viveram quanto reinaram por mil anos, mas deixou de apoiar esta idia. nesta altura que introduziu a nota de rodap citando Robertson.

    Hughes tambm argumentou com base no uso contemporneo. Disse que somente em dois lugares no Novo Testamento que o aoristo indicativo de za pode ser apropriadamente interpretado como sendo ingressivo. parte das fraquezas inerentes dos argumentos baseados no uso comparativo, Hughes deixou de explicar que o aoristo indicativo de za aparece no Novo Testamento apenas oito vezes, ao total. Reconhece que em duas destas ocasies ingressivo; os argumentos a favor dele, portanto, dificilmente impressionam.

    Outro passo crucial no seu argumento que o termo ressurreio no Novo Testamento pode significar outra coisa alm da ressurreio fsica. Mas nos exemplos que citou, no estabeleceu inequivocamente que a respectiva ressurreio espiritual mais do que fsica. Por exemplo, sua alegao de que em Lucas 20.35 Jesus fez alcanar a era vindoura o equivalente de a ressurreio dentre os mortos muito disputvel. Hughes sugere que nada no contexto indica que Jesus estava falando de uma ressurreio corprea. Na realidade, porm, foi exatamente este assunto que fora levantado pelos saduceus (que negavam uma ressurreio do corpo), e a resposta que Jesus lhes deu evidentemente visava refutar a heresia especfica deles. provvel que fosse assim que os ouvintes de Jesus entenderam Suas palavras. Outro problema para Hughes a falta de quaisquer critrios claros para determinar quando uma referncia ressurreio fsica e quando espiritual. Na ausncia de tais critrios, muito possvel que todas as referncias ressurreio na Bblia sejam espirituais. Se este for o caso, Hughes talvez tenha tirado a base da doutrina da futura ressurreio do corpo, coisa esta que presumivelmente no quer fazer.

    Mais uma dificuldade a sugesto de Hughes de que os restantes dos mortos, que no viveram at ao fim dos mil anos, no vivem ento, tampouco. Acredita que a declarao: Os restantes dos mortos no reviveram at que se completassem os mil anos, o equivalente de dizer: a segunda morte teve poder sobre os restantes dos mortos durantes os mil anos, ao qual acrescentou: e aqueles sobre os quais a segunda morte tem poder nunca so livres do seu poder. Esta ltima declarao , naturalmente, verdadeira se a segunda morte se refere morte espiritual. O que seria necessrio estabelecer, porm, que no viveram (v. 5) se refere segunda morte, e no primeira. verdade que se diz que a segunda morte no tinha poder sobre os que participam da primeira ressurreio, mas possvel que a primeira morte no tivesse semelhante poder, tampouco. Se no o tiver, ento poderemos entender que a declarao: Os restantes dos mortos no reviveram at que se completassem os mil anos, tem o significado mais natural de os restantes dos mortos reviveram depois dos mil anos.

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    Ps-Milenismo Esta interpretao escatolgica facilmente se confunde com o amilenismo. Afirmam seus adeptos

    que o Reino de Cristo espiritual, no geogrfico, de modo que onde h indivduos que recebem Cristo e reconhecem Sua soberania sobre suas vidas, ai est o Reino de Deus. H tambm a esperana da converso de todas as naes do mundo, no na totalidade, mas a grande maioria da populao de todos os povos da Terra. Assim, ser inaugurado um longo perodo de paz entre os homens no mundo, que se identifica com o Reino milenar. Os ps-milenistas no interpretam os mil anos literalmente (Ap 20). Afirmam que haver um curto lampejo de maldade antes da vinda do Senhor, seguido da ressurreio de todos, o julgamento e a consignao dos homens ao estado permanente do cu e do inferno.

    As razes do ps-milenismo so reconhecveis nas idias de Ticnio e Agostinho. Jonathan Edwards, primeiro presidente da Universidade de Princeton no sculo XVIII, e os Hodges e B.B. Warfield, os famosos telogos do seminrio de Princeton, representavam este ponto de vista. Hoje, o Ps-Milenismo tem poucos adeptos em conseqncia dos acontecimentos histricos, nada animadores, mais do que pelas demonstraes de provas bblicas.

    Embora o esquema escatolgico conhecido como ps-milenismo no seja sustentado em grande escala hoje em dia, teve influncia bastante significante dentro da igreja durante longos perodos da sua histria, e, no decurso destes ltimos cem anos tem sido, s vezes, a posio dominante.

    TEMAS BSICOS DO PS-MILENISMO 1. O reino de Deus primariamente uma realidade presente; est aqui de modo terrestre. O reino no

    um imprio ou domnio sobre o qual o Senhor reina. mais corretamente, o governo de Cristo nos coraes dos homens. Onde quer que os homens acreditem em Jesus Cristo, dediquem-se a Ele, e O obedeam, o reino est presente. No algo para ser introduzido de modo cataclsmico nalgum tempo futuro.

    2. O ps-milenista espera uma converso de todas as naes antes da volta de Cristo. A pregao do evangelho ser eficaz.

    3. A expectativa de um longo perodo de paz na terra, chamado o milnio. medida que cada vez mais pessoas se submetem ao plano do Senhor e comeam a praticar os ensinos e modo de vida que Ele estabeleceu, a paz ser o resultado natural.

    4. O crescimento paulatino do reino. O Reino a contnua propagao do evangelho introduzindo mais e mais o reino.

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    5. No fim do milnio haver um perodo de apostasia e uma exploso de iniqidade que ocorrer em conexo com a vinda do Anticristo.

    6. O milnio terminar com a volta pessoal e fsica de Cristo. 7. A volta do Senhor ser imediatamente seguida pela ressurreio de todos - justos e injustos e

    pelo julgamento de todos, e sua atribuio a um dos dois estados finais e permanentes. 8. No pensamento dalguns dos ps-milenistas, mas no em todos, que a nao judaica ser

    convertida. Esta no a idia ensinada por alguns pr-milenistas de que a aliana de Deus basicamente com os judeus, e que, depois de um interldio de tratar com a igreja, Deus restaurar Israel sua posio especial e favorecida. Pelo contrrio, uma crena que certas profecias que ainda no foram cumpridas prometem que grandes nmeros de judeus srio convertidos e entraro na igreja do mesmo modo que quaisquer crentes hoje.

    Panorama do Ps-milenismo

    Um vislumbre rpido de vrios temas bsicos nos do entendimento deste modo de ver as ltimas coisas. O primeiro tema que o reino de Deus primariamente uma realidade presente; est aqui de modo terrestre. O reino no um imprio ou domnio sobre o qual o Senhor reina. mais corretamente, o governo de Cristo nos coraes dos homens. Onde quer que os homens acreditem em Jesus Cristo, dediquem-se a Ele, e O obedeam, o reino est presente. No algo para ser introduzido de modo cataclsmico nalgum tempo futuro.

    Em segundo lugar, o ps-milenista espera uma converso de todas as naes antes da volta de Cristo. A pregao do evangelho ser eficaz. Esta no ser uma realizao humana, realizada por meio de grande percia ou metodologia finamente afiada, mas, sim, uma realizao divina, levada a efeito pela obra do Esprito em convencer e regenerar os homens. Nem necessariamente cem por cento da populao ser convertida; substancialmente todas as pessoas em todas as reas e naes do mundo viro, porm, a crer. Haver um reavivamento em escala mundial, seja rpida ou paulatinamente. Esta cristianizao do mundo geralmente concebida num arcabouo evanglico. A converso de cristos individuais, que acreditam num evangelho da salvao pela graa, mediante a f, levar a efeito esta transformao do mundo. A deciso pessoal e a crena individual constituem o fulcro sobre o qual acontece o novo nascimento.

    Uma terceira doutrina do ps-milenismo a expectativa de um longo perodo de paz na terra, chamado o milnio. medida que cada vez mais pessoas se submetem ao plano do Senhor e comeam a praticar os ensinos e modo de vida que Ele estabeleceu, a paz ser o resultado natural. Este o caso, primeiramente, dos relacionamentos entre as naes. Aqui temos um conceito verdadeiramente revolucionrio, porque dentro da histria registrada, a paz em escala mundial tem prevalecido, em mdia, somente cerca de uma vez cada quinze anos! Um momento de reflexo sobre os desenvolvimentos do sculo XX revelar que a paz genuna, prevalecendo pelo mundo inteiro, realmente rara. No somente cessaro conflitos entre as naes, como tambm cessaro a frico entre as classes sociais e entre as raas. Presume-se que cessaro as disputas trabalhistas. Cessar o conflito racial, que se dissolveria em harmonia entre brancos, negros, ndios, latinos, e outros. At mesmo o turbilho religioso e a competio inter-denominacional ficaro sendo coisas do passado. Aqui temos o cumprimento da predio de que o lobo e o cordeiro se deitaro juntos (Is 11:6). Aquele que disse: Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou (Joo 14:27), cumprir essa promessa em grande escala. Aquele que chamado o Prncipe da Paz (Is 9:6) comprovar que merece tal designao.

    Deve ser notado que o ps-milenista no literalista no que diz respeito durao do milnio: o milnio um perodo longo de tempo, no necessariamente mil anos medidos pelo calendrio. Sua durao seria difcil de calcular, de qualquer modo, porque o milnio no tem qualquer ponto inicial

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    claro. No haver, certo dia, uma condio de paz que estava completamente ausente no dia anterior; o reino chegar paulatinamente.

    Este, pois, o quarto tema distintivo: o crescimento paulatino do reino. Um milenismo anterior, como o pr-milenismo do nosso dia, sustentava que o reino milenar comearia de modo repentino e dramtico, atravs da volta visvel e fsica do Senhor. O conceito ps-milenista, do outro lado, que a continua propagao do evangelho introduziria mais e mais o reino.

    Deve ser notado tambm que a diferena entre a era milenar e as demais eras da vida da igreja no qualitativa mas, sim, quantitativa. Alguns ps-milenistas dizem que o milnio abrange a totalidade do perodo da igreja. Aqueles que no pensam assim, no entanto, entendem que a era presente simplesmente ir se misturando com a era milenar, O casamento, a famlia e o nascimento humanos ainda esto presentes. Ainda haver problemas econmicos, sociais e educacionais, mas seus aspectos mais desagradveis sero grandemente modificados e at mesmo eliminados.

    Logo, a distino entre o pr-milenismo e o ps-milenismo mais do que aquela entre antes e depois. Para o pr-milenista, o milnio uma qualidade de existncia muito diferente das demais eras, at mesmo um tipo diferente de mundo. Para o ps-milenista, apenas diferente da era presente quanto ao grau.

    Em quinto lugar, no fim do milnio haver um perodo de apostasia e uma exploso de iniqidade que ocorrer em conexo com a vinda do Anticristo. Loraine Boettner sugeriu que Deus talvez permita esta manifestao limitada da iniqidade para demonstrar de novo e de modo mais claro que coisa terrvel o pecado e quanto merece o castigo. compreensvel que aqueles que passaram virtualmente sua vida inteira num ambiente de justia dificilmente poderiam crer que o pecado, o diabo e seus seguidores so to ruins quanto se diz deles, ou que merecem um castigo final tal como a entrega ao inferno.

    Um sexto argumento do ps-milenismo que o milnio terminar com a volta pessoal e fsica de Cristo. O conceito ps-milenista da segunda vinda no diferente daquele doutros conceitos milenistas a no ser no seu relacionamento cronolgico com o milnio.

    Uma stima crena, um corolrio de certas outras, que a volta do Senhor ser imediatamente seguida pela ressurreio de todos - justos e injustos e pelo julgamento de todos, e sua atribuio a um dos dois estados finais e permanentes.

    Mais um elemento, que se acha no pensamento dalguns dos ps-milenistas, mas no em todos, que a nao judaica ser convertida. Esta no a idia ensinada por alguns pr-milenistas de que a aliana de Deus basicamente com os judeus, e que, depois de um interldio de tratar com a igreja, Deus restaurar Israel sua posio especial e favorecida. Pelo contrrio, uma crena que certas profecias que ainda no foram cumpridas prometem que grandes nmeros de judeus srio convertidos e entraro na igreja do mesmo modo que quaisquer crentes hoje.

    A Histria do Ps-milenismo6

    Durante os dois ou trs primeiros sculos da sua existncia, a igreja foi, em grande medida, milenista, e considerava os mil anos do Apocalipse de modo escatolgico e futurista. A igreja acreditava que Jesus reinaria na terra no futuro. Este reino seria introduzido por um evento especfico, provavelmente a segunda vinda do Senhor. s vezes, este milnio era retratado de modo bastante vvido, o que deu origem a algo chamado quiliasmo, um entendimento altamente imaginativo do perodo terrestre de mil anos. s vezes o quiliasmo era muito fsico e literal no seu modo de entender a felicidade terrestre dos crentes.! o Este conceito foi especialmente popular durante o perodo da perseguio da igreja, quando parecia improvvel que a igreja fosse bem-sucedida no seu esforo de ganhar o mundo para

    6 ERICKSON, M.J. Um estudo do Milnio. Opes contemporneas na Escatologia. 2 ed. So Paulo: Edies Vida Nova,

    1986.

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    Cristo mediante a pregao do evangelho. Se a igreja deveria ser vitoriosa, teria que ocorrer alguma reviravolta dramtica, cataclsmica e sobrenatural do curso dos eventos.

    Um dos primeiros a questionar este ponto de vista foi Ticnio (m 3907), um donatista africano. Introduziu uma interpretao de Apocalipse 20 que, em vrias formas (especialmente conforme a modificao feita por Agostinho) dominou a exegese daquela passagem durante aproximada mente os treze sculos seguintes.

    Ticnio rejeitou o ponto de vista estritamente escatolgico de Apocalipse 20, de acordo com o qual descreve um reino puramente futuro de Cristo. F-lo, porm, de tal maneira que a esperana escatolgica no fosse completamente perdida. Esperava que o fim viesse, e isto no ano 380. Por causa de no sabermos a data exata da morte dele, no sabemos se Ticnio sobreviveu ao ano 380, ou o que aconteceu ao ponto de vista dele quando Cristo no voltou durante aquele ano.

    O milnio se refere era presente. Se Cristo fosse vir em 380, ento o milnio viria antes. um perodo durante o qual, com a ajuda divina, os santos no somente no so vencidos pelo pecado, mas so triunfantes. Segundo o modo de Ticnio entender, a primeira ressurreio em Apocalipse 20, que introduz o milnio, da morte do pecado para uma vida da justia. Aqueles que participam da primeira ressurreio so aqueles que nasceram de novo, e este novo nascimento levado a efeito atravs do batismo. A primeira ressurreio, portanto, uma ressurreio espiritual: o novo nascimento. O reino milenar da Igreja, segundo Ticnio, duraria at o fim dos tempos, ou seja, 380. Cristo j estava reinando. O trono da glria de Cristo a encarnao. no Seu corpo encarnado que Se assenta destra do poder e reina. Seu domnio est dentro da igreja, e presente, no futuro. O reino de Cristo no comear com Sua vinda; j comeou. As almas dos justos em Apocalipse 20 so aqueles que morrem com Cristo na presente aflio. Morreram antes da ressurreio fsica, pois somente as suas almas so mencionadas. Se participassem do reino fsico, decerto teriam corpos. O reino milenar se estende da paixo de Cristo para Sua parusia, e os mortos bem como os vivos participam dele. Os bem-aventurados so aqueles que mantm seu batismo, porque, assim como a primeira morte devida ao pecado, a primeira ressurreio devida sua remisso.

    Ticnio no interpretava literalmente a palavra millennium, e via o reino de Cristo apenas como um perodo prolongado de tempo. Alguns eram mais literalistas, e acreditavam que se tratava realmente de mil anos, e ficavam muito emocionados nas suas expectativas medida em que o ano 1.000 se aproximava.

    Agostinho (354430) popularizou e promulgou o ponto de vista de Ticnio, a despeito dos fatos de que Ticnio era um donatista e que Agostinho fosse o oponente principal dos donatistas. Agostinho tambm tinha anteriormente entendido o milnio como sendo um sbado universal repleto de gozos espirituais, mas j abandonara essa interpretao futurista, sendo que sua razo principal foi os exageros desenfreados e as idias grosserias nas descries do milnio dadas pelos quiliastas.

    Agostinho, como Ticnio, considerava que a Igreja j estava no milnio. Os mil anos ou datam dos tempos de Joo at ao fim, ou abrangem a totalidade da presente era. Agostinho citava passagens tais como Mc 3.27: Ningum pode entrar na casa do valente para roubar-lhe os bens, sem primeiro amarr-lo; e s ento lhe saquear a casa. O valente, disse Agostinho, Satans. Seus bens representam os cristos, que anteriormente tinha sob seu domnio. Est amarrado, trancado no abismo, de modo que fique longe dos cristos. Satans, portanto, est amarrado durante o perodo inteiro entre a primeira vinda de Cristo e a segunda, e, destarte, incapaz de enganar as naes das quais se constitui a igreja. No fim desta era, ser solto para testar a igreja e depois ser final e completamente subjugado.

    No difcil entender porque este retrato do milnio era atraente a Agostinho, nos tempos em que vivia. Era, sem dvida, afetado pelo estabelecimento da Igreja catlica. Uma srie de eventos que culminaram na converso do imperador Constantino em 312 e na tolerncia que ele concedeu ao cristianismo paulatinamente tornaram o cristianismo virtualmente a religio oficial do imprio. Parecia que, sem qualquer interposio milagrosa de Deus, a Igreja chegara a uma posio de supremacia. medida em que o antigo Imprio Romano, que tinha sido o inimigo da Igreja, estava cambaleando para

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    sua queda, parecia que a Igreja estava para entrar na sua herana. Estava assumindo as funes polticas do imprio. Este fato levou Agostinho a idealizar o lado poltico da Igreja catlica. Foi o primeiro telogo a identificar a Igreja catlica, na sua forma visvel e emprica, com o reino de Deus.

    Embora a forma exata deste ponto de vista fosse um pouco alterada (s vezes era difcil distingui-Ia daquilo que chamamos de amilenismo) prevaleceu por muito tempo. medida que a Idade Mdia se desenvolvia, parecia sempre mais que somente grupos perifricos e excntricos viam o milnio como evento futuro. Aquilo que conhecemos hoje como pr-milenismo era mais e mais sujeito suspeita da heresia. Mui tas denominaes maiores finalmente incorporaram o ps-milenismo nos seus credos. As Confisses de Augsburg e Westminster so basicamente ps milenistas. Os grupos luteranos, presbiterianos e reformados tenderam a seguir esta posio. A famosa faculdade de teologia de Princeton, nos sculos XIX e XX, representada pelos Hodge e por Benjamin B. Warfield, apresentava incondicionalmente este sistema.

    Na sua maioria, os ps-milenistas clssicos acreditavam que o reino de Cristo passaria a ter alcance mundial atravs da pregao do evangelho da converso pessoal. Alguns ps-milenistas, no entanto, acreditam num rei no menos espiritual e, portanto, num evangelho menos espiritual. O reino um reino literal. Estas pessoas praticavam aquilo que s vezes chamado o Evangelho Social, segundo o qual o mundo ser transformado de fora para dentro, ao invs de vice-versa. medida em que as estruturas da sociedade so alteradas e a distribuio econmica disposta de outra forma, o comportamento e o carter das pessoas mudaro tambm. Alguns, que eram de persuaso mais liberal, ressaltavam o lugar do esforo humano neste processo mais do que o lugar do Esprito de Deus. Consideravam que o reino seria introduzido em grande medida atravs de agncias e movimentos daquilo que definido a rigor como sendo a Igreja. Alguns cristos na Alemanha at mesmo viam a poltica guerreira do Imperador Wilhelm como sendo um dos meios da graa de Deus, e, na dcada de 1930, alguns apoiavam o nazismo como sendo a obra de Deus. Karl Barth argumentou que semelhante conceito deixava de distinguir o mal do bem, o demonaco do divino. Na realidade, o fim teolgico do sculo XIX poderia ser datado em agosto de 1914, quando Barth viu numa lista de intelectuais que estavam endossando as polticas do Imperador os nomes de vrios dos seus professores de teologia. Devemos notar, no entanto, que tais pessoas representavam o elemento perifrico do ps-milenismo. A maioria dos ps-milenistas considerava que o carter do estabelecimento do reino terrestre de Cristo era sobrenatural.

    O ps-milenismo tem sofrido um forte declnio na sua popularidade no decurso dos ltimos cinqenta a sessenta anos. Em grande medida, isto tem resultado mais das consideraes histricas do que das exegticas. Certos desenvolvimentos pareciam fornecer evidncia emprica de que o milnio no estava chegando. Conforme notaremos mais tarde, a conexo entre estes desenvolvimentos e o abandono do ps-milenismo era mais psicolgica do que lgica. Mesmo assim, o efeito estava ali. Hoje, os ps-milenistas so, seno uma espcie extinta, pelo menos uma espcie que corre perigo. Conforme observou Boettner, no entanto, outros pontos de vista milenistas tm tido seus altos e baixos tambm. Este fato especialmente aplicvel ao pr-milenismo, que estava em baixo durante os longos sculos da Idade Mdia. bem possvel que o ps-milenismo volte novamente popularidade.

    UMA CONSIDERAO DE ARGUMENTOS EM FAVOR DO PS-MILENISMO 7

    Os argumentos em favor do ps-milenismo so os seguintes: 1. A Grande Comisso leva-nos a esperar que o evangelho se propague com poder e acabe por

    fim resultando num mundo em boa parte cristo. Jesus disse explicitamente: Toda a autoridade me foi dada no cu e na terra. Ide, portanto, fazei discpulos de todas as naes,

    batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Esprito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias at consumao do sculo (Mt 2 8.18-20). Uma vez que Cristo tem toda autoridade no cu e na terra e j que ele promete estar conosco no

    7 GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemtica. 1 ed. So Paulo: Editora Vida Nova, 1999, p. 958-962.

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    cumprimento dessa comisso, podemos esperar que isso transcorra sem impedimentos e, por fim, triunfe em todo o mundo.

    2. Parbolas sobre o crescimento gradual do reino indicam que, por fim, sua influncia cobrir a terra. Aqui, os ps-milenistas destacam o seguinte:

    Outra parbola lhes props, dizendo: O reino dos cus semelhante a um gro de mostarda, que um homem tomou e plantou no seu campo; o qual , na verdade, a menor de todas as sementes e, crescida, maior do que as hortalias, e se faz rvore, de modo que as aves do cu vm aninhar-se nos seus ramos (Mt 13.31-32).

    Podemos tambm observar o seguinte versculo: Disse-lhes outra parbola: O reino dos cus semelhante ao fermento que uma mulher tomou e escondeu em trs medidas de farinha, at ficar tudo levedado (Mt 13.33). De acordo com os ps-milenistas, ambas as parbolas indicam que o reino ter influncia crescente at permear e, em alguma medida, transformar o mundo inteiro.

    3. Os ps-milenistas tambm diriam que o mundo est se tornando mais cristo. A igreja est crescendo e se disseminando por todo o mundo, e mesmo quando perseguida e oprimida, cresce de modo notvel pelo poder de Deus.

    Aqui, porm, precisamos fazer uma distino significativa. O milnio imaginado pelos ps-milenistas muito diferente do milnio de que os pr-milenistas falam. Enquanto os pr-milenistas falam de um mundo renovado, com Jesus Cristo fisicamente presente e governando como Rei junto com os crentes glorificados em corpos ressurretos, os ps-milenistas esto simplesmente falando de uma terra com muitos, muitos cristos influenciando a sociedade. Eles no imaginam um milnio que compreenda uma terra renovada, ou santos glorificados, ou Cristo presente de forma corprea para reinar (pois eles pensam que essas coisas s ocorrero depois que Cristo retornar para inaugurar o estado eterno). Assim, toda a discusso do milnio mais que uma simples discusso da seqncia de eventos que giram em torno dele. Ela tambm inclui uma diferena significativa quanto prpria natureza desse perodo.

    De fato, ainda que no conhea ningum que pense desse modo, no seria impossvel algum ser ps-milenista e pr-milenista ao mesmo tempo, com duas concepes do termo milnio. E concebvel que algum seja ps-milenista e pense que o evangelho crescer em influncia at o mundo ser em grande parte cristo e que ento Cristo voltar, estabelecendo um reino terreno literal, levantando da morte os crentes para que reinem com ele em corpos glorificados. Ou, por outro lado, seria razovel um pr-milenista bem otimista adotar muitos dos ensinos ps-milenistas acerca da natureza cada vez mais crist desta presente era.

    Em resposta aos argumentos ps-milenistas, possvel levantar os seguintes pontos: 1. A Grande Comisso de fato fala da autoridade colocada nas mos dos cristos, mas isso no

    implica necessariamente que Cristo usar essa autoridade para provocar a converso da maioria da populao do mundo. Dizer que a autoridade de Cristo grande simplesmente outro modo de dizer que o poder de Deus infinito, que ningum o negar. Mas a questo esta: quanto desse poder Cristo usar para conseguir o crescimento numrico da igreja? Podemos pressupor que ele a empregar de maneira plena, obtendo a cristianizao mundial, mas tal pressuposto s isso: um pressuposto. No baseado em nenhuma evidncia especfica contida na Grande Comisso ou em outros textos que falam da autoridade e do poder de Cristo nesta era.

    2. As parbolas da semente de mostarda e do fermento de fato nos falam que o reino de Deus crescer gradualmente de algo bem pequeno para algo muito grande, mas no falam da dimenso do crescimento do reino. Por exemplo, a parbola da semente de mostarda no nos diz que a rvore cresceu at cobrir toda a terra. E a parbola do fermento simplesmente fala do crescimento gradual que permeia a sociedade (como a igreja j tem feito), mas nada diz de sua amplitude ou do efeito de sua influncia (no nos diz, por exemplo, se no final 5% da massa ficou levedada e 95% no, ou se 20% levedou-se e 80% no, ou se

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    600/o levedou-se e 40% no, e assim por diante). Simplesmente levamos longe demais a parbola quando tentamos faz-la dizer mais que isto: que o reino crescer gradualmente e por fim exercer influncia em todas as sociedades em que for plantado.

    3. Em resposta ao argumento de que o mundo est-se tornando mais cristo, deve-se dizer que o mundo tambm est piorando. Nenhum estudioso de histria ou da sociedade moderna afirmar que a humanidade progrediu muito ao longo dos sculos na luta contra a perversidade profunda e contra a vasta imoralidade que permanece no corao das pessoas. Alis, a modernizao nas sociedades ocidentais no sculo XX muitas vezes acompanhada no de progresso moral, mas de ndices sem precedentes de uso de drogas, infidelidade conjugal, pornografia, homossexualidade, rebelio contra as autoridades, superstio (na astrologia e no movimento da Nova Era), materialismo, cobia, roubo e falsidade no falar. Mesmo entre cristos professos h indcios recorrentes de imperfeies desalentadoras na vida crist, especialmente nos mbitos da moralidade pessoal e do grau de intimidade com Deus. Em lugares em que os cristos fiis Bblia compreendem vastos segmentos da populao, ainda no ocorre nada parecido com um reino milenar terreno.2 E verdade que o crescimento da igreja como porcentagem da populao mundial tem sido ntido em dcadas recentes,22 e isso nos deve servir de grande incentivo. possvel que algum dia vejamos uma influncia muito maior do cristianismo genuno sobre muitas sociedades e, se isso ocorresse, faria a posio ps-milenista parecer muito mais plausvel. Mas tais eventos tambm poderiam ser entendidos dentro de uma estrutura pr-milenista ou amilenista, de modo que a deciso final a respeito dessas posies divergentes ainda precisa ser tomada pela interpretao dos textos bblicos pertinentes.

    4. Por fim, devemos observar que algumas passagens do Novo Testamento parecem negar explicitamente a posio ps-milenista. Jesus disse: Entrai pela porta estreita (larga aporta, e espaoso, o caminho que conduz para a perdio, e so muitos os que entram por ela), porque estreita a porta, e apertado, o caminho que conduz para a vida, e so poucos os que acertam com ela (Mt 7.13-14). Em vez de ensinar que a maior parte do mundo tornar-se- crist, Jesus aqui parece estar dizendo que os salvos sero poucos em contraste com os muitos que rumam para a destruio eterna. De modo semelhante, Jesus pergunta: ... quando vier o Filho do Homem, achar, porventura, f na terra? (Lc 18.8), pergunta que d a entender que a terra no estar cheia daqueles que crem; antes, ser dominada pelos que no tm f.

    Contrrio idia de que o mundo melhorar cada vez mais com o aumento da influncia da igreja. Paulo prediz que antes da volta de Cristo, vir a "apostasia" e ser revelado o homem da iniqidade" o filho da perdio que se assenta no santurio de Deus, ostentando-se como se fosse o prprio Deus (2Ts 2.3,4).

    Ao escrever para Timteo sobre os ltimos dias, Paulo diz:

    Sabe, porm, isto: nos ltimos dias, sobreviro tempos difceis, pois os homens sero egostas, avarentos, jactanciosos, arrogantes, blasfemadores, desobedientes aos pais, ingratos, irreverentes, desafeioados, implacveis, caluniadores, sem domnio de si, cruis, inimigos do bem, traidores, atrevidos, enfatuados, mais amigos dos prazeres que amigos de Deus, tendo forma de piedade, negando-lhe, entretanto, o poder (2Tm 3.1-5).

    E diz adiante:

    Ora, todos quantos querem viver piedosamente em Cristo Jesus sero perseguidos. Mas os homens perversos e impostores iro de mal a pior, enganando e sendo enganados [...] Pois haver tempo em que no suportaro a s doutrina; pelo contrrio, cercar-se-o de mestres segundo as suas prprias cobias, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusaro a dar ouvidos verdade, entregando-se s fbulas (2Tm 3.12-13; 4.3-4).

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    Por fim, e talvez de maneira mais conclusiva, Mateus 24.15-3 1 fala de uma grande tribulao que preceder a poca da volta de Cristo:

    Porque nesse tempo haver grande tribulao, como desde o princpio do mundo at agora no tem havido e nem haver jamais. No tivessem aqueles dias sido abreviados, ningum seria salvo; mas, por causa dos escolhidos, tais dias sero abreviados [...] Logo em seguida tribulao daqueles dias, o sol escurecer, a lua no dar a sua claridade, as estrelas cairo do firmamento, e os poderes dos cus sero abalados. Ento, aparecer no cu o sinal do Filho do Homem; todos os povos da terra se lamentaro e vero o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do cu, com poder e muita glria (Mt 24.21-30).

    Essa passagem retrata no um mundo cristianizado, mas um mundo de grande sofrimento e mal, uma grande tribulao que excede todos os perodos anteriores de sofrimento sobre a terra. Ela no diz que a grande maioria do mundo dar boas-vindas a Cristo quando ele vier, mas, antes, que quando o sinal do Filho do homem aparecer no cu, todos os povos da terra se lamentaro (Mt 24.30).

    Uma vez que Mateus 24 muito difcil para a perspectiva ps-milenista, houve vrias tentativas de explic-lo no como uma predio de eventos que ocorrero logo antes da segunda vida, mas como algo cumprido principalmente na destruio de Jerusalm em 70d.C.

    Para apoiar essa interpretao, os ps-milenistas consideram simblica a maioria dos elementos de Mateus 24.29-31: o escurecimento do sol e da lua, a queda das estrelas do cu e o abalo dos poderes dos cus no devem ser compreendidos como eventos literais, mas como figuras da vinda de Deus para julgamento. Dizem que figuras semelhantes de julgamentos encontram-se em Ezequiel 32.7; Joel 2.10 e Ams 8.9 - mas essas passagens simplesmente falam de julgamentos de trevas e, assim, no mencionam a queda das estrelas do cu ou os poderes dos cus sendo abalados. R. T France tambm menciona Isaas 13.10 e 34.4 que falam do escurecimento do sol e da lua e da queda da hoste celeste, mas no h nenhuma certeza de que France esteja correto ao afirmar que essas passagens so apenas simblicas elas so colocadas em contextos em que seriam facilmente interpretadas como predies literais de mudanas csmicas que precedero o julgamento final. Assim, no nem um pouco bvio que essas passagens sejam meras figuras apocalpticas do julgamento contra Jerusalm.

    Alm disso, a interpretao que os v como meras declaraes simblicas tornam-se mais difceis na seqncia das declaraes de Jesus, pois ele no s fala dos sinais no sol, na lua e nas estrelas, como diz imediatamente depois: Ento, aparecer no cu o sinal do Filho do Homem [...] e vero o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do cu, com poder e muita glria (Mt 24.30). Coerente com a interpretao simblica anterior dessa passagem, France diz que todos os povos da terra refere-se apenas aos judeus, ou seja, todas as tribos [famlias] da terra, a terra de Israel. E diz que a referncia ao Filho do homem vindo nas nuvens do cu com poder e grande glria no se refere volta de Cristo, mas sua ida ao Pai no cu para receber vindicao e autoridade. France cita com aprovao a declarao de G. B. Caird, que diz que a vinda do Filho do homem nas nuvens do cu nunca foi entendida como uma forma primitiva de viagem espacial, mas como smbolo de uma reverso poderosa da sorte na histria e em nvel Ento, o envio dos anjos de Cristo com o toque de trombeta para juntar seus eleitos de todos os cantos da terra compreendido como referncia a mensageiros que pregam o evangelho em todo o mundo. Assim, a reunio dos eleitos a reunio deles na igreja, por meio da pregao do evangelho.

    Entretanto, nessa interpretao, France no consegue explicar de maneira satisfatria o fato de Jesus dizer que todos os povos da terra "vero o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do cu, com poder e muita glria (Mt 24.30). Isso no uma operao celestial invisvel em que Cristo recebe autoridade de Deus Pai; antes, aqui se prediz sua volta com poder e grande glria. Os que pregam o evangelho em nenhuma outra parte so chamados anjos que tocam trombetas, e a pregao do evangelho em parte alguma chamada reunio dos seus escolhidos, dos quatro ventos, de uma a outra extremidade dos cus (Mt 24.31). Alm disso, quando em outras ocasies Jesus fala de sua vinda nas nuvens, no fala

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    de uma ida ao Deus Pai no cu, mas de uma vinda ao povo na terra: Eis que vem com as nuvens, e todo olho o ver, at quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentaro sobre ele (Ap 1.7). E quando Cristo voltar, Paulo diz: ... ns, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares (l Ts 4.17). Quando Cristo vier nas nuvens de glria com grande poder e autoridade, vir para reinar sobre a terra, e esse o sentido de Mateus 24.30,3l. (France no comenta o fato de Jesus dizer que os povos da terra que se lamentaro vero o Filho do Homem vindo sobre as nuvens do cu [v. 30]. O fato de essas tribos verem a vinda de Jesus faz com que seja difcil compreender aqui alguma interpretao simblica ou celestial invisvel.) Ademais, a conjuno de fatores que conhecemos de outros textos relacionados volta de Cristo (sinais csmicos, a vinda de Cristo com poder, o soar da trombeta, os anjos reunindo os eleitos) fornece uma defesa cumulativa para a certeza de que aqui se v a segunda vinda de Cristo, no uma simples representao do momento em que ele recebe autoridade. E se Mateus 24 trata da segunda vinda de Cristo, ento trata de sua vinda logo aps um perodo de grande tribulao, no aps um milnio de paz e justia estabelecido sobre a terra.

    Por fim, todas as passagens que indicam que Cristo poderia voltar logo e que devemos estar prontos para sua volta a qualquer momento tambm precisam ser consideradas um argumento significativo contra o ps-milenismo. Pois se Cristo pode voltar a qualquer momento e precisamos estar prontos para sua volta, ento o longo perodo necessrio para o estabelecimento do milnio sobre a terra antes da volta de Cristo simplesmente no pode ser considerado uma teoria convincente.

    Avaliao do Ps-milenismo8

    Tendo visto algo da histria do ps-milenismo e das suas doutrinas principais, devemos passar a avali-lo. Quais so as suas fortalezas, e quais as suas fraquezas?

    Aspectos Positivos

    Comeando com o lado positivo, notamos que o ps-milenismo corretamente deu ateno a um tema genuinamente bblico - a dimenso presente do reino de Deus. Jesus disse que o reino estava prximo, que estava entre os homens, e falava acerca de homens que entravam no reino. Em tudo isto, certamente parece que dizia que este reino no era uma realidade puramente futura. O Rei est ausente em certo sentido, mas noutro sentido est certamente presente (Mt 28.19-20). Sabendo que nosso Senhor e Rei est presente e que Seus recursos esto disponveis a ns agora, nosso estilo de vida deve ser caracterizado por confiana, otimismo, e agressividade.

    O ps-milenismo tambm tem encorajado, com toda a razo, um ativismo da parte dos crentes. Se o reino estiver presente, podemos fazer alguma coisa para estend-lo. Desta maneira, a doutrina do cristianismo pode sustentar sua tica. As parbolas de Jesus, em especial, mostram que o reino cresce gradualmente, ao invs de meramente surgir na sua forma completa num eschaton distante. Entender que o reino pode crescer pouco a pouco, e que realmente faz assim, ajuda-nos a perceber nossa participao em levar este reino a efeito atravs de levar o evangelho a outras pessoas e de promover modos cristos de viver. assim que ordena a Escritura, e a descrio ps-milenista do reino apia este mandamento.

    O ps-milenismo tambm bblico ao promover um esprito de otimismo e ao combater o tipo de pessimismo que alguns cristos tm permitido que faa deles suas vtimas. Jesus realmente prometeu poder a todos aqueles que levassem o evangelho (At 1.8). Falava do reino permeando o mundo inteiro. As descries bblicas da apostasia e da iniqidade que caracterizariam os tempos do fim tm tornado fatalistas alguns dos cristos. As condies sero sempre piores, dizem eles, e nada podemos fazer para alter-las. Este tipo de pensamento torna a Igreja menos eficaz do que seria doutra forma, e o mal mais

    8 ERICKSON, M.J. Um estudo do Milnio. Opes contemporneas na Escatologia. 2 ed. So Paulo: Edies Vida Nova,

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    pervasivo. Por serem a confiana e a expectativa to importantes para o sucesso, o ps-milenismo contribui ao cumprimento daquilo que predito.

    Alm disto, o ps-milenismo reconhece que o reino de Deus tem escopo mais amplo do que a Igreja. Sempre onde se faz a vontade de Deus, ali est o reino de Deus, ainda que seja apenas de modo parcial ou fragmentrio. Este pode ser o caso mesmo quando a pessoa que cumpre o ato no tem conscincia de realizar a vontade de Deus. Talvez no seja conscientemente dedicado a Deus. Isto significa que Deus pode realizar Sua vontade, pelo menos em parte, atravs de pessoas, agncias, naes e ideologias no-cristos. Se empregou a Babilnia e a Assria nos tempos bblicos, pode fazer algo semelhante em nossos dias. Quer dizer que o cristo pode e deve cooperar de modo construtivo com qualquer pessoa ou agente que est agindo com alguma parte no aspecto do reino de Deus. Alm disto, quer dizer que o reino , em grande medida, um reino tico.

    Aspectos Negativos

    Do outro lado, o ps milenismo tem certas falhas. Uma delas o seu otimismo a respeito da converso do mundo, que no parece muito realista luz dos acontecimentos mundiais recentes. A porcentagem de cristos no mundo no est aumentando. Na realidade, at em termos de cristos nominais, h uma porcentagem mais baixa da populao do mundo do que ocorria h dez, trinta ou cinqenta anos. At mesmo as oportunidades para a propagao do evangelho parecem desvanecer-se. Faz um quarto de um sculo que o continente chins est fechado aos missionrios - embora os desenvolvimentos polticos recentes ofeream alguma esperana de uma mudana - e certas sees da ndia esto igualmente fechadas. As perspectivas para a converso em escala mundial parecem poucas. O mesmo se pode dizer das estruturas das sociedades. A esperana de que a Primeira Guerra Mundial pusesse fim s guerras revelou-se falsa. A Liga das Naes fracassou, e as Naes Unidas somente tm tido sucesso parcial. Embora o progresso tecnolgico seja inegvel, no tem havido progresso tico e social comparvel.

    Reconhece-se que esta crtica talvez tenha que ser qualificada nalgum tempo futuro. Talvez, nalgum tempo alm do futuro previsvel, as tendncias atuais sero invertidas. Para a esperana ps-milenista concretizar-se, no entanto, seria necessria uma inverso bem radical das tendncias atuais.

    Talvez mais danificante para o ps-milenismo seu aparente descuido das passagens bblicas (e. g. Mt 24.9-14) que retratam uma piora das condies espirituais e morais nos tempos do fim. Parece que o ps-milenismo tem baseado sua doutrina em passagens bblicas muito cuidadosamente selecionadas.

    Mesmo nas passagens que os ps-milenistas discutem, alguma seletividade parece estar em operao. Por exemplo, na parbola do joio e do trigo, no h indicao alguma que o joio venha a ser transmutado em trigo bom; no fim, tem de ser desarraigado e destrudo. Porque no se encaixa na posio deles, os ps-milenistas passam desapercebida, de modo geral, esta dimenso do relato.

    H, tambm, alguma artificialidade no modo de os ps-milenistas tratarem as duas ressurreies e o milnio em Apocalipse 20. Este fato ser demonstrado mais claramente quando avaliamos o amilenismo; bastar por enquanto notar que os ps-milenistas pem de lado o fato de que as descries das duas ressurreies so muito semelhantes.

    Finalmente, os ps-milenistas tm tido certa dificuldade em manter um sobrenaturalismo genuno. medida que seu conceito do reino ficou sendo mais difuso, alguns deixaram de discriminar entre o bem e o mal. Por exemplo, alguns viam o reino sendo cumprido at mesmo atravs do nazismo. A anttese bblica entre o reino bom e santo de Deus, que ser completamente presente somente quando Cristo voltar pessoalmente, e o reino do mal, com o qual o reino de Deus sempre est em conflito nesta vida, foi diminuda.

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    Pr-milenismo 9

    No pr-milenismo temos um ponto de vista bastante popular, especialmente nos crculos evanglicos ou conservadores. Em certas maneiras, este conceito claro, definido, simples e pouco complexo. A silhueta dos seus aspectos principais facilmente se discerne. Mesmo assim, por causa de haver duas variedades distintas de pr-milenismo, difcil, s vezes, determinar qual o pr-milenismo genrico e quais so os aspectos especficos dos seus dois subtipos. Nos captulos posteriores, estas duas variedades sero expostas com detalhes. A esta altura, porm, bastar notar os aspectos gerais do pr-milenismo e depois notar resumidamente os pontos de divergncia.

    Panorama do Pr-milenismo

    O primeiro aspecto importante do sistema pr-milenista um reino terrestre de Cristo que estabelecido pela Sua segunda vinda. Em comum com o ps-milenismo, o pr-milenismo assevera que haver um perodo em que a vontade de Deus feita na terra, perodo este em que o reino de Cristo uma realidade entre os homens. Este reino significa que haver perfeita paz, retido e justia entre os homens. Alguns pr-milenistas consideram que o perodo literalmente de mil anos. Outros seriam menos literais, considerando-o apenas como um perodo extenso de tempo. O fato essencial, no entanto, que este reino ser na terra e que Jesus Cristo estar fisicamente presente. Segundo o ps-milenismo, o reino de Deus ser na terra, mas Cristo no ter voltado fisicamente.

    Alm disto, este milnio terrestre no chegar a ser uma realidade atravs de um processo paulatino de crescimento ou desenvolvimento progressivos. Pelo contrrio, ser inaugurado pela segunda vinda, de modo dramtico ou cataclsmico. Ao passo que o milnio esperado pelos ps-milenistas pode comear to paulatinamente que seu incio ser virtualmente imperceptvel, no haver dvidas quanto ao comeo do milnio, conforme os pr-milenistas o vem. A volta de Cristo ser semelhante Sua partida - dramtica e externa, facilmente observvel por qualquer pessoa, e, como conseqncia, inconfundvel.

    O milnio no ser meramente uma extenso e aperfeioamento de tendncias j presentes na terra. No ser levado a efeito pela engenhosidade humana nem pela melhoria social. Na realidade, ser precedido por uma deteriorizao, e no uma melhoria, das condies espirituais, seno sociais. Os pr-milenistas aplicam a declarao de Cristo em Mateus 24.12 acerca do esfriamento da f dos homens ao perodo de tempo imediatamente antes da segunda vinda. As condies sero transformadas de modo sobrenatural, e Deus usar Seu prprio poder ao invs dos meios humanos para realizar Seus propsitos.

    Os pr-milenistas acreditam que uma Grande tribulao imediatamente preceder o milnio e que esta chegar a ressaltar os efeitos do milnio. Este ser um perodo de intensa angstia, verdadeiramente diferente de qualquer coisa que j ocorreu na terra. Provavelmente incluir fenmenos csmicos, perseguio, e grande sofrimento. Os pr-milenistas diferem entre si quanto presena da Igreja de Jesus Cristo na terra durante a tribulao, ou se Deus a remover da terra imediatamente antes da grande tribulao. Estas duas posies, conhecidas respectivamente como ps-tribulacionismo e pr-tribulacionismo, recebero mais ateno adiante.

    A segunda vinda de Cristo trar Satans e seus ajudadores sob controle, prendendo-os por mil anos. Sem isto, naturalmente, as condies que se acham no milnio seriam impossveis. Perto do fim do milnio, no entanto, Satans ser solto por um breve tempo e se empreender numa luta final desesperada. Depois, ele e seus demnios sero completamente vencidos, e lanados no lago de fogo preparado para eles.

    As duas ressurreies em Ap 20.4-6 devem ser distinguidas com base em seus participantes, e no, como no amilenismo e no ps-milenismo, com base em sua natureza. Ambas as ressurreies, e no apenas a segunda (conforme crem os amilenistas), so fsicas ou corpreas. Somente os crentes esto

    9 ERICKSON, M.J. Um estudo do Milnio. Opes contemporneas na Escatologia. 2 ed. So Paulo: Edies Vida Nova,

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    envolvidos na primeira ressurreio, no entanto, ao passo que o restante da raa humana, os no-cristos, no so ressurretos at ao fim do milnio. Uma razo para dividir a ressurreio que todos os crentes reinaro juntamente com Cristo durante o milnio, aqueles que estiverem com vida quando Cristo voltar e aqueles que morreram na f. A ressurreio dos descrentes serve apenas para lev-los ao julgamento.

    Embora os dois grupos de pr-milenistas concordem quanto aos aspectos enumerados supra, discordam em certo nmero de aspectos. O aspecto mais importante o relacionamento entre a Igreja e a tribulao. O pr-tribulacionista acredita que a igreja ser arrebatada, ou removida tio mundo, antes da grande tribulao. O ps-tribulacionista acredita que a igreja permanecer no mundo durante a tribulao, embora talvez seja protegida dalguns dos aspectos mais severos da tribulao. Um aspecto estreitamente relacionado a natureza da segunda vinda. O ps-tribulacionismo a v como uma vinda nica e unitria ao fim da tribulao. O pr-tribulacionismo a v como sendo feita de duas etapas ou fases - uma vinda para a Igreja no comeo da tribulao, removendo-a do mundo, e uma vinda com os santos no fim da tribulao.

    Outras diferenas so mais sutis. Uma questo de atitude. O pr-tribulacionista geralmente est mais interessado na segunda vinda e sua cronologia do que o ps-tribulacionista. Neste aspecto, o ps-tribulacionista mais semelhante ao amilenista do que ao pr-milenista pr-tribulacionista. H, tambm, um pouco de diferena de gnio entre os dois. Os pr-tribulacionistas, que geralmente so dispensacionalistas, freqentemente tm um tom mais judaico no seu milnio, na sua escatologia, e na sua teologia inteira, do que os ps-tribulacionistas.

    A Histria do Pr-milenismo

    O ponto de vista que hoje chamamos de pr-milenismo tem uma longa histria, cujas razes esto na Igreja primitiva. provvel que fosse a crena dominante durante o perodo apostlico, quando os cristos acreditavam firmemente no fim iminente do mundo com a parusia de Jesus Cristo. Esperavam uma transformao cataclsmica, e no uma chegada paulatina e progressiva do reino. Esta esperana era muitssimo intensa em certas ocasies. No perodo ps-apostlico, a esperana escatolgica ainda era forte, mas a volta do Senhor era considerada um pouco mais distante. Tinha havido uma certa decepo quando a esperada volta breve no se concretizou, mas isto no tinha desanimado especialmente a f destes cristos.

    Justino Mrtir (100? - 165?), o apologista, um exemplo deste perodo. Considerava a crena na ressurreio como sendo indispensvel f crist. Aqueles que no tinham esta crena no tinham o direito de serem chamados cristos. Notou duas sub-classes de cristos: os que esperam um reino terrestre de Cristo, centralizado numa nova Jerusalm, localizada no local topogrfico da antiga Jerusalm; e aqueles que no esperam milnio algum. Considerava que os primeiros eram ortodoxos, e que os ltimos tinham defeitos na sua f. Justino aplicava todas as profecias do Antigo Testamento acerca da glria futura do povo escolhido ao reino intermedirio de Cristo, e no consumao final, e interpretava estas profecias de modo literalista. Este ponto de vista, conhecido como quiliasmo, destaca-se nos escritos teolgicos de Justino, mas no mencionado nos seus escritos apologticos. A razo pode muito bem ter sido que a crena numa vida bem-aventurada aps a morte no complicaria o relacionamento entre o cristianismo e o estado, ao passo que a idia de uma teocracia terrestre, embora seja estabelecida sem o emprego da fora, seria uma ameaa muito maior autoridade civil. Pela mesma razo, o silncio doutros apologistas - tais como Tefilo, Atengoras, e Taciano - quanto questo do milnio, no deve ser considerada relevante.

    Irineu (130? - 200?) tambm era certamente um pr-milenista. Foi mais franco do que Justino na sua crtica e refutao daqueles que no aceitavam sua posio. Alm disto, tinha um fundamento lgico mais definido para o milnio, com dois argumentos. O primeiro que o aperfeioamento dos crentes ocorre em conexo com a viso de Deus. O reino milenar de Cristo, que ocorre entre a condio do homem aqui e agora, e a felicidade eterna Suprema, treina o homem para esta viso. O segundo que a

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    vitria de Cristo seria incompleta se fosse apenas dentro do mundo do porvir. t necessrio que este mundo tambm cumpra os desgnios de Deus. A vitria do Senhor deve ser celebrada no tempo antes de Ele reinar na eternidade.

    Boa parte do milenismo deste perodo primitivo da igreja tinha um sabor algo sensual. As glrias do milnio seriam verses ampliadas das bnos da vida presente. Estes conceitos, em grande medida, eram tirados das idias escatolgicas judaicas. A terra seria renovada e Jerusalm reedificada e glorificada. Os homens seriam perfeitamente justos e felizes. No haveria tristeza nem trabalho penoso. A lua teria o brilho que nosso sol tem agora, e o sol teria sete vezes seu brilho atual. A terra produziria com abundncia, e uma mesa seria perpetuamente posta com comida.

    Alguns acreditavam que o tempo duraria seis mil anos, em correspondncia com os seis dias da criao. Estes homens (Irineu, Hiplito, Lactncio, e outros, seguindo a Epstola de Barnab) acreditavam que a primeira vinda de Cristo ocorrera dentro do sexto perodo de mil anos, e que Sua segunda vinda ocorreria no trmino deste perodo. O stimo perodo de mil anos, o milnio, ento corresponderia ao dia do descanso. Isto significava que a segunda vinda no poderia ser mais distante do que mil anos. Surgiram, assim, tentativas de calcular a data da segunda vida. Alguns tiraram a concluso do Livro de Daniel que o ano 204 a.C. traria o fim do mundo. Lactncio pensava que seria o ano 200. Outra idia, baseada na esperada durao do Imprio Romano, era que o fim do mundo viria em 195. Hiplito baseou seus clculos nas propores da arca santa, e determinou que chegaria em cerca de 500. Os montanistas tambm eram pr-milenistas, mas esperavam a segunda vinda, e com ela o milnio, a qualquer momento.

    A oposio a este quiliasmo surgiu bem cedo, especialmente no Oriente. Os excessos do montanismo ajudaram a desacredit-lo e a rotul-lo como sendo judaico na sua origem e no seu carter, mais do que cristo. Esta rejeio se devia, pelo menos parcialmente, s idias dos quiliastas acerca do milnio serem to realistas (materialista) e crassas. Este fato certamente ajudou a repelir os cristos com inclinaes mais intelectuais, tais quais os da escola Alexandrina - Clemente, Orgenes, e Dionsio - que lideravam a oposio ao quiliasmo. Orgenes, que tinha a tendncia de espiritualizar os conceitos, se ops vigorosamente aos quiliastas. s vezes a controvrsia era severa; a Igreja egpcia quase se dividiu por causa desta questo. O que finalmente prevaleceu no oriente foi um conceito moderadamente espiritualizante, no to extremo como o de Orgenes, mas sem deixar lugar para o quiliasmo.

    No Ocidente, o quiliasmo permaneceu razoavelmente forte por um perodo considervel. Embora nunca fosse universalmente aceito, foi uma fora poderosa at Agostinho e ainda mais tarde. Nunca desapareceu completamente. Lactncio (2507- 320?) um crente sofisticado e culto, era um quiliasta, mas rejeitava alguns dos aspectos mais grosseiros do quiliasmo, tais como a idia de Nero voltando da morte para ser o Anticristo. A reinterpretao do Apocalipse por Agostinho, referida anteriormente, revelou-se o fator principal do declnio do quiliasmo no Ocidente. O prprio Agostinho tinha sido um milenista anteriormente, antes de chegar ao seu novo ponto de vista. Embora Agostinho considerasse o milnio cumprido dentro da era da igreja, tinha muita tolerncia com pontos de vista diferentes que no fossem por demais grosseiros e carnais. O milnio no era um ponto central e indispensvel da doutrina.

    Durante a Idade Mdia, algumas seitas msticas reviveram, e conservaram vivo o pr-milenismo. Na maioria dos casos, porm, prevaleceu o ponto de vista agostiniano. s vezes, o pr-milenismo era tolerado, noutras ocasies era considerado hertico. De qualquer maneira, era muito raro.

    Durante a Reforma, tanto os grupos luteranos como os reformados seguiram Agostinho, na sua maior parte. O segmente radical da Reforma, os anabatistas, perpetuaram, no entanto, a expectativa do reino de Cristo na terra. Mas, por causa dalgumas outras crenas um pouco extremas, o pr-milenismo dos anabatistas tendia a ser desconsiderado pelas correntes principais do cristianismo.

    dentro dos crculos conservadores, e especialmente nos seus segmentos no-reformados, que o pr-milenismo tem experimentado um grande crescimento durante aproximadamente os ltimos cem anos. Os liberais eram quase universalmente ps-milenistas (embora o inverso no fosse verdade, de modo algum), e muitos conservadores consideram suspeita qualquer coisa associada com o liberalismo. Neste perodo, aproximadamente, surgiu a variedade dispensacionalista do pr-milenismo e, propagada

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    especialmente pela Bblia de Referncias de Scofield e pelos Institutos Bblicos, sua popularidade rapidamente aumentou. O pr-milenismo, especialmente nesta forma, muito popular hoje nos movimentos batistas conservadores, e quase universalmente aceito entre as igrejas independentes e fundamentalistas.

    As Doutrinas do Pr-milenismo

    As Duas Ressurreies

    O pr-milenista insiste em que as duas ressurreies mencionadas em Apocalipse 20.4-6 so fsicas na sua natureza. Por causa de este aspecto formar a chave da posio pr-milenista, merece escrutnio cuidadoso.

    Uma palavra de explicao a respeito da hermenutica est apropriada aqui como pano de fundo para o entendimento desta passagem especifica, bem como, na realidade, do Livro do Apocalipse inteiro. O pr-milenista adota uma hermenutica relativamente literalista na interpretao da Escritura, e especialmente do Apocalipse. Segue-se que as palavras so tomadas literalmente quando isto no leva ao absurdo. Alm disto, os pr-milenistas exibem uma forte tendncia para uma interpretao futurista do Apocalipse, ao invs das interpretaes preterista, histrica ou idealista. A interpretao preterista considera que os eventos do livro tinham ocorrido quando o livro foi escrito, a interpretao histrica considera que estes eventos foram futuros quando o livro foi escrito, mas que ocorriam no decurso da histria da igreja; a interpretao idealista ou simblica tira a historicidade destes eventos, fazendo com que sejam puramente smbolos de verdades que so atemporais no seu carter; a interpretao futurista considera que estes eventos ocorrem primariamente no tempo do fim. O pr-milenismo dispensacionalista segue quase exclusivamente o mtodo futurista de interpretao. O pr-milenismo histrico, no entanto, representado por escritores tais como George E. ladd e G. R. Beasley-Murray, combina os conceitos futurista e preterista, sustentando que o livro necessariamente tinha uma mensagem para a prpria era de Joo, e que representa a consumao da histria da redeno. Defensores das duas posies acreditam que, pelo menos parcialmente, compreender a mensagem do Apocalipse entender os eventos ainda no porvir.

    No seu livro Crucial Ouestions About the Kingdom of God, bem como em vrios artigos, ladd deu o que talvez a defesa mais eficiente e enftica do ponto de vista de que h duas ressurreies corpreas. Empregou vrias linhas de argumento, a primeira, a principal, sendo exegtica. Considera que a interpretao de Apocalipse 20 pode ser reduzida a, ou depende de, uma nica pergunta: As duas ressurreies nos vv. 4 e 5 so ressurreies corpreas? A primeira ressurreio literal, uma ressurreio do corpo, ou espiritual, uma ressurreio da alma? A resposta depende da devida interpretao do termo ezesan no v. 4.

    A primeira ressurreio abrange dois grupos: os apstolos e santos aos quais foi prometido poder para julgar e reinar (ver Mt 19.28 e 1 Co 6.3), e os mrtires. H vrias razes porque esta primeira ressurreio no possa ser outra coisa seno uma ressurreio literal, corprea.

    1. A interpretao que faz estas palavras referirem-se condio dos mrtires depois da morte totalmente suprflua. Nenhum cristo precisava da renovada certeza de que o martrio destri o corpo e no a alma. Jesus deixara muito claro em Mateus 10.28 que somente Deus pode danificar a alma.

    2. verdade que os termos morte e vida se empregam tanto da existncia espiritual quanto da fsica. Logo, possvel em princpio que a ressurreio seja espiritual. Quando se empregam da morte e da vida espirituais, porm, sempre h algum indcio no contexto para indicar este fato. Nada no contexto sugere esta interpretao.

    Porque tanto a primeira ressurreio quanto a segunda so descritas com terminologia idntica, ezesan, e porque nenhum adjetivo ou advrbio qualificador, nem qualquer outra coisa, indica que as duas

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    ressurreies so diferentes quanto ao tipo, a tentativa de fazer com que sejam diferentes puramente arbitrria. Conforme a expresso de Henry Alford:

    Se, numa passagem em que se mencionam duas ressurreies, onde certas almas viveram na primeira, e os restantes dos mortos reviveram somente no fim de um perodo especfico depois daquela primeira, - se, em semelhante passagem, a primeira ressurreio possa ser entendida como um levantar-se espiritual com Cristo, ao passo que a segunda significa um levantar-se literal da sepultura; - ento acaba-se toda a relevncia de linguagem, e a Escritura so canceladas como testemunha definitiva de coisa alguma.

    Beasley-Murray argumentava no menos vigorosamente que interpretar viveram (v. 4) como sendo um tipo inteiramente diferente de ressurreio atribuir confuso e pensamento catico ao autor, que supostamente tinha em mente dois tipos diferentes de ressurreio, mas que no deu indicao alguma de uma mudana de referncia.

    A descrio das duas ressurreies, notou Ladd, completamente paralela. O verbo ezsan significa, noutros trechos, ressurreio corprea (Ap 2.8; 13.14; Ez 37.10). Se significa ressurreio corprea no v. 5, deve significar o mesmo em 4b ou perdemos o controle da exegese.

    Visto que o contexto no oferece base alguma para a distino entre as duas, no devemos fazer esta distino a no ser que possamos achar ensinos no restante da Escritura que exijam semelhante distino. No h tais ensinos, no entanto. A ausncia de referncias de um modo ou doutro essencialmente um argumento negativo. Se no h evidncia bblica adicional sobre este assunto, ento devemos interpretar de modo semelhante as duas ocorrncias de ezsan.

    Alm disto, devemos notar que aqueles que participam da segunda ressurreio aparentemente no estavam envolvidos na primeira. Estes so os restantes (hoi loipoi), aqueles que sobram ou que no participam da primeira ressurreio. Embora haja certa ambigidade a respeito da expresso, no parece excluir o ltimo grupo do primeiro.

    Alm desta passagem, segundo Ladd alegou, h outras passagens que parecem dar indcios de mais de uma ressurreio. Filipenses 3.11 fala da exanastasin te ek nekrn, literalmente: a ressurreio para fora, dentre os mortos, significado este que geralmente perdido nas tradues, que dizem alguma coisa como: a ressurreio dentre os mortos. Parece que Paulo, neste texto, estava aspirando uma ressurreio que, em efeito, resultaria numa separao dentre outras pessoas mortas. Lucas 14.14 se refere a uma ressurreio dos justos, o que, segundo parece, subentende uma distino da ressurreio em geral. Lucas 20.35 fala de uma ressurreio dentre os mortos, com significado semelhante a Filipenses 3.11, excetuando-se que esta no uma ressurreio-para-fora. Ladd disse que 1 Corntios 15:23 e 1 Tessalonicenses 4.16 tambm do indcios de uma ressurreio parcial, e Daniel 12.2 e Joo 5.29 sugerem uma ressurreio em duas etapas.

    Ladd tambm argumentou em prol do milnio em bases teolgicas. Embora alguns crticos do pr-milenismo tenham objetado que um milnio suprfluo, Ladd

    argumentou que desempenha um papel especfico e integral no plano de Deus. mais uma etapa no propsito redentor de Deus em Cristo. Durante Sua vida na terra, Cristo experimentou o estado de humilhao em etapas progressivas. Depois da Sua ressurreio e ascenso, reassumiu o poder e a glria que tinham sido dEle, reinando destra do Pai. Seu reino de triunfo ainda no aparente, porm. Se para ser plenamente exercido e demonstrado, precisa tornar-se pblico em poder e glria. Ladd acredita que necessrio esta manifestao da glria e da soberania de Cristo ocorrer na terra. Este o propsito para o qual serve o milnio. Ladd discerniu trs etapas no triunfo de Cristo sobre a morte, conforme a descrio em 1 Corntios 15.23-26: a ressurreio, a segunda vinda a parusia) e o fim (o telos). O intervalo entre a ressurreio e a parusia a era da igreja; o intervalo entre a parusia e o telos - sem o qual os dois poderiam ser encaixados num s evento - o milnio. A primeira destas eras a do reino oculto do Filho; a segunda, a era do Seu reino manifesto.

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    Para o pr-milenista dispensacionalista, h ainda outro argumento em prol do milnio: o grande nmero de profecias, especialmente no Antigo Testamento, ainda no cumpridas. O dispensacionalista acredita que nenhuma profecia do Antigo Testamento cumprida dentro da era da igreja, e que algumas destas profecias so de tal natureza que devem ocorrer na terra. Deve haver, portanto, algum perodo ou interldio na terra quando estas profecias possam ser cumpridas, a saber: um milnio terrestre. A partir destas profecias, tiram-se muitos pormenores do reino milenar de Cristo.

    A Natureza do Milnio

    Embora haja variaes, h, em todos os pontos de vista pr-milenistas do milnio certos elementos em comum. O primeiro obviamente que, durante este perodo, Jesus Cristo possuir controle absoluto. As foras principais que se opunham a Ele e ao Seu domnio durante o perodo entre Sua ascenso e Sua segunda vinda tero sido eliminadas para todos os fins prticos. Satans ter sido preso. O Anticristo (a besta) e o falso profeta tero sido destrudos por Cristo na Sua segunda vinda. Como resultado, todos quantos estiverem com vida durante este perodo se submetero ao domnio do Messias. Cada joelho se dobrar, conforme a expresso de Paulo em Filipenses 2.10-11.

    Este ser um perodo de domnio em justia. O padro de vida previsto no Sermo da Montanha tornar-se- uma realidade. A preocupao no ser meramente com aquilo que uma pessoa faz - suas aes externas mas com aquilo que - seus pensamento