5
Esclarecimento gramatical, método de verificação e jogos de linguagem: um ensaio sobre Wittgenstein e Schoenberg Grammatical clarification, verification method and language games: an essay on Wittgenstein and Schoenberg Palavras chave: Aspectos; Harmonia; Filosofia da Música; Estética Relacional; Verificacionismo. Keywords: Aspects; Harmony; Philosophy of Music; Relational Aesthetics; Verificationism. Este ensaio faz uma aproximação entre as teorias dos aspectos de Wittgenstein e a teoria descritiva de Schoenberg sob o aspecto de uma virada epistemológica que ambos teriam adotado ao considerar a análise como um esclarecimento gramatical de uma linguagem determinada, abandonando a busca de uma essência ou de um isomorfismo entre conceitos e fatos do mundo e adotando a busca do sentido como uma função do método de verificação adotado e resultado relacional dos jogos de linguagem envolvidos. Os dois realizam, cada um em seu campo — linguagem e música — uma obstinada busca de explicação para determinados fenômenos na construção do sentido e da compreensão das proposições assertivas (no caso do lógico), ou temáticas e formais (no caso do compositor). Mais ainda, buscam uma possível ligação entre esses sentidos que carregam as palavras, os sons, os acordes, as frases e as proposições e a realidade: como se relacionam com o mundo e com os

EsclarecimentoGramaticalEJogosDeLinguagem_SEFIM_PoA.docx

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: EsclarecimentoGramaticalEJogosDeLinguagem_SEFIM_PoA.docx

Esclarecimento gramatical, método de verificação e jogos de linguagem: um ensaio sobre Wittgenstein e

Schoenberg

Grammatical clarification, verification method and language games: an essay on Wittgenstein and

Schoenberg

Palavras chave: Aspectos; Harmonia; Filosofia da Música; Estética Relacional; Verificacionismo.Keywords: Aspects; Harmony; Philosophy of Music; Relational Aesthetics; Verificationism.

Este ensaio faz uma aproximação entre as teorias dos aspectos de Wittgenstein e a teoria descritiva de Schoenberg sob o aspecto de uma virada epistemológica que ambos teriam adotado ao considerar a análise como um esclarecimento gramatical de uma linguagem determinada, abandonando a busca de uma essência ou de um isomorfismo entre conceitos e fatos do mundo e adotando a busca do sentido como uma função do método de verificação adotado e resultado relacional dos jogos de linguagem envolvidos.

Os dois realizam, cada um em seu campo — linguagem e música — uma obstinada busca de explicação para determinados fenômenos na construção do sentido e da compreensão das proposições assertivas (no caso do lógico), ou temáticas e formais (no caso do compositor). Mais ainda, buscam uma possível ligação entre esses sentidos que carregam as palavras, os sons, os acordes, as frases e as proposições e a realidade: como se relacionam com o mundo e com os objetos reais a construção do sentido e da própria nomeação das coisas?

Wittgenstein formula, no Tractatus (1993), a ‘teoria da figuração’: as proposições com sentido funcionam como uma imagem dos fatos, descritos pelas proposições como verdadeiros ou falsos. O papel das proposições seria o de descrever estados de coisas.

Page 2: EsclarecimentoGramaticalEJogosDeLinguagem_SEFIM_PoA.docx

Os nomes combinam-se entre si formando as proposições e os objetos combinam-se entre si formando os estados de coisas. Uma proposição com significado é uma proposição que figura um fato. O que garantiria o significado no processo de nomeação seria um radical isomorfismo entre a estrutura lógica da linguagem e a estrutura ontológica do real.

Schoenberg, no tratado de Harmonia (2001) formaliza o sistema tonal levando-o aos seus limites, convergindo suas abordagens para a filosofia da música e análise do discurso (Cf. SOULEZ, 2007).

No sintomático capítulo sobre as “Sons estranhos à harmonia”, quando se pergunta sobre a relação que a teoria musical poderia ter com a natureza, aponta um paradoxo: os sons estranhos à harmonia. Sons estranhos são, tradicionalmente, aceitos como notas de passagem, sob o argumento de que violam as regras da harmonia, por exemplo com dissonâncias não permitidas. Não deveriam figurar em um acorde, mas acabam fazendo parte dele e alterando sua sonoridade, comprometendo a análise com uma carga de dogmatismo (SCHOENBERG, 2001).

O compositor apontava um esgotamento do centro de referência estético e se colocava contra uma teoria estética que se mantinha graças à tradição e o apego a regras pedagógicas rígidas e através do controle e regulamentação profissionais.

Tais regras seriam fundadas, nos dizeres dessa própria teoria, em fenômenos naturais — a teoria da série harmônica — e permitiriam que pudessem ser definidos termos como a dicotomia básica da teoria das resoluções: a diferenciação entre ‘consonância’ e ‘dissonância’.

O isomorfismo garantido entre o modelo harmônico de organização dos intervalos e o mundo real da sonoridade das cordas e tubos, seria responsável por garantir as regras sintáticas da harmonização e condução de vozes, ou determinar o caráter bem-feito ou não de uma obra.

A partir das Observações Filosóficas, entretanto, Wittgenstein afirmará: “uma proposição é analisada completamente em termos lógicos se sua gramática é completamente esclarecida: não importa em que idioma possa estar escrita ou expressa” (2005, §1). Abandona a tese de que o sentido é dado pelo isomorfismo entre nomes e coisas e afirma que o sentido é dado pelo método de verificação: “o

Page 3: EsclarecimentoGramaticalEJogosDeLinguagem_SEFIM_PoA.docx

significado de uma pergunta é o método de responder a essa pergunta” (idem, §27).

Dar o significado de uma oração equivale a dar as regras segundo as quais se vai usar essa oração e esclarecer o modo com que pode ser verificada.

O verificacionismo de Wittgenstein é uma conscientização do uso da estrutura articulada da linguagem e da mobilidade por diversos âmbitos cognitivos e conceituais.

Também Schoenberg irá propor uma virada semelhante, após considerações sobre a análise de peças através de métodos não apropriados: por exemplo analisando músicas modais com critérios de validade tonais. “É a imperfeição dos nossos sentidos o que nos obriga a compromissos graças aos quais alcançamos uma ordem. Porque a ordem não vem exigida pelo objeto, mas pelo sujeito” (SCHOENBERG 2001, 72).

Na prática, o que era postulado como dissonância em um determinado período era absorvido pela técnica e pela escuta e passava a fazer parte da harmonia geral, não podendo mais estar sob a dicotomia dissonância-consonância.

Por isso, defendia Schoenberg, que não pode haver teoria musical no sentido construtivo, mas um sistema que descreva a gramática envolvida na construção da linguagem. Sobre as essências e a natureza, não cabia negá-las ou afirma-las, mas desenvolver uma análise que esclarecesse as relações gramaticas e expusesse os critérios de valoração que estariam em jogo.

Ambos parecem convergir para um mesmo ponto: a todo emprego de uma linguagem pertence, como característica gramatical, algum método de verificação de suas proposições. O processo de construção de sentido é dado pelo uso e pelas relações vitais. “Para entender o discurso musical é necessário conhecer os detalhes do jogo e compreendê-lo em sua totalidade.” (SCHOENBERG, 2008). É uma certeza vital que carregamos ao compartilhar um modo de vida comum. “Chamarei de "jogo de linguagem" também a totalidade formada pela linguagem e pelas atividades com as quais ela vem entrelaçada.” (WITTGENSTEIN, 1996, §7).

Referências Bibliográficas

Page 4: EsclarecimentoGramaticalEJogosDeLinguagem_SEFIM_PoA.docx

PORTA, Sabine Knabenschuh De. El mito de la“ fase verificacionista” de Wittgenstein. Revista de Filosofía, v. 48, n. 3, 2004. Disponível em: <http://www.produccioncientificaluz.org/index.php/filosofia/article/view/18085>. Acesso: 14/04/2016.

SCHOENBERG, Arnold. El Estilo y la idea. Alcorcón, Madrid: Mundimúsica, 2008.

SCHOENBERG, Arnold. Harmonia. Tradução Marden Maluf. São Paulo: UNESP, 2001.

SOULEZ, Antonia. Schoenberg pensador da Forma: música e filosofia. Discurso [Revista do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo], n. 37, 2007. Disponível em: < http://www.revistas.usp.br/discurso/article/view/62933>. Acesso: 14/04/2016.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações Filosóficas. Tradução Marcos G Montagnoli. Petrópolis: Vozes, 1996.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Observações filosóficas. São Paulo: Loyola, 2005.