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Simulação e Casamento com Fraude à Lei - O regime da simulação no casamento também se aplica à reserva mental quando conhecida do declaratário (artigo 244.º, n.º 2 Código Civil); - A simulação no casamento só pode ser absoluta (ou seja, as partes não pretenderam celebrar nem o casamento, nem qualquer outro negócio jurídico), na medida em que, dado que os efeitos do casamento não estão na disponibilidade das partes (artigo 1618.º, n.º 2), não é possível um negócio dissimulado válido distinto do casamento. Assim, não se pode verificar uma situação de simulação relativa (prevista em geral no artigo 241.º Código Civil). A simulação relativa, por sua vez, pode ser total ou parcial, consoante o negócio simulado e dissimulado pertencem a dois tipos negociais diversos ou ao mesmo tipo negocial, havendo apenas divergência num ou noutro ponto concreto. - No âmbito do casamento não se pode atribuir uma relevância à fraude à lei (situação na qual os cônjuges querem ser casados, pois apenas o estado de casado lhes permite alcançar determinados fins ou usufruir de determinados benefícios) a par da simulação (hipótese em que os cônjuges não querem ser casados, mas casam-se para obter um efeito jurídico). Desde que haja affectio maritalis entre os cônjuges o casamento é válido, qualquer que tenha sido a motivação que a ela conduziu. Assim, é válido o casamento entre duas pessoas unidas de facto que se casam para obter efeitos sucessórios.

Esclarecimentos Dos Artigos 1692 e 1681

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Simulação e Casamento com Fraude à Lei

- O regime da simulação no casamento também se aplica à reserva mental quando conhecida do declaratário (artigo 244.º, n.º 2 Código Civil);

- A simulação no casamento só pode ser absoluta (ou seja, as partes não pretenderam celebrar nem o casamento, nem qualquer outro negócio jurídico), na medida em que, dado que os efeitos do casamento não estão na disponibilidade das partes (artigo 1618.º, n.º 2), não é possível um negócio dissimulado válido distinto do casamento. Assim, não se pode verificar uma situação de simulação relativa (prevista em geral no artigo 241.º Código Civil). A simulação relativa, por sua vez, pode ser total ou parcial, consoante o negócio simulado e dissimulado pertencem a dois tipos negociais diversos ou ao mesmo tipo negocial, havendo apenas divergência num ou noutro ponto concreto.

- No âmbito do casamento não se pode atribuir uma relevância à fraude à lei (situação na qual os cônjuges querem ser casados, pois apenas o estado de casado lhes permite alcançar determinados fins ou usufruir de determinados benefícios) a par da simulação (hipótese em que os cônjuges não querem ser casados, mas casam-se para obter um efeito jurídico). Desde que haja affectio maritalis entre os cônjuges o casamento é válido, qualquer que tenha sido a motivação que a ela conduziu. Assim, é válido o casamento entre duas pessoas unidas de facto que se casam para obter efeitos sucessórios.

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1692.º, al. b

No que se refere ao artigo mencionado (1692.º, al. b) estão englobadas todas as dívidas que se prendam com responsabilidade meramente civil, por actos lícitos ou ilícitos, culposos ou não culposos, nomeadamente as que resultam de uma situação de incumprimento de um contrato celebrado no interesse do casal pelo cônjuge administrador.

Neste sentido se pronuncia a Professora Cristina Araújo Dias, na página 211 da sua Dissertação de doutoramento que versa a temática das dívidas: 

“A al. b) do art. 1692.º só admite as excepções para os casos de responsabilidade meramente civil538. Quanto a estas, aí sim poderão responsabilizar ambos os cônjuges, nos termos do art. 1692.º, al. b), e art. 1691.º, n. os 1 ou 2 (p. ex., a criada contratada pela mulher que sofre um acidente ao serviço; o acidente de viação que acontece quando o cônjuge está a ocorrer aos encargos normais da vida familiar...)539. Assim, a obrigação de indemnização resultante do não cumprimento de um contrato celebrado no interesse do casal pelo cônjuge administrador, dentro dos limites dos seus poderes, responsabilizará ambos os cônjuges. O mesmo ocorrerá com a obrigação de indemnizar proveniente de acidente de viação em que a viatura, causadora dos danos, circulasse às ordens do cônjuge administrador em serviço de interesse comum540 . É discutido na doutrina italiana se será de incluir na al. b) do art. 186.º do Cód. Civil italiano as dívidas extracontratuais relacionadas com a propriedade ou utilização dos bens comuns (arts. 2051.º a 2054.º do Cód. Civil italiano). A questão está em saber, e dado que a responsabilidade não resulta directamente da titularidade de um direito sobre o bem, se se pode chamar à responsabilidade, por via da responsabilidade dos bens comuns, o cônjuge que não por via do qual a coisa (animal, imóvel, veículo…) da qual decorreu o dano entrou na comunhão (o não titular da coisa) (seja responsabilidade objectiva, como defendem alguns541, ou responsabilidade por violação do dever de cuidado do bem, como entendem outros)542. Mesmo que não tenha sido por esse cônjuge que o bem entrou na comunhão, o que é certo é que ele tem o poder de gozo e utilização da coisa e o poder de administração da mesma (art. 180.º do Cód. Civil italiano). Por isso, tendo tais direitos deve também atribuir-se o dever de responder pelos danos causados pela coisa que utiliza543, por via da responsabilização dos bens comuns. Mas o facto de responderem os bens comuns, não exclui a possibilidade de responsabilizar os patrimónios próprios dos cônjuges. A decisão do tribunal de Bolonha, de 27 de Janeiro de 1986, vai neste sentido, ao reconhecer, depois de afirmar a pertença à comunhão do autocarro que fazia o transporte ao serviço da empresa comercial de um dos cônjuges, a responsabilidade civil solidária do cônjuge (com os seus bens próprios) do condutor-titular que causou um dano mortal. Ou seja, pode dizer-se que além dos bens comuns, respondem os bens próprios dos cônjuges nos termos do art. 190.º do Cód. Civil italiano, sem prejuízo de o cônjuge que causou o dano não se limitar a responder na medida da metade, mas sim com todo o seu património (art. 2740.º do Cód. Civil italiano). Mesmo o outro pode responder com a totalidade dos seus bens se o facto lhe for também imputável (2055.º do Cód. Civil italiano)544. Por isso, entende-se que os arts. 186.º e segs. do Cód. Civil italiano não regulam todos os casos de responsabilidade dos bens comuns ou de responsabilidade de ambos os cônjuges (apesar do elenco taxativo), dado que devem ler-se as referidas disposições em articulação com as normas gerais, seja em matéria contratual ou extracontratual545 546 . O problema das dívidas extracontratuais não tem, de facto, uma solução expressa no Cód. Civil

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italiano, ao contrário do que acontece noutros ordenamentos jurídicos, como o português (art. 1692.º), o francês (art. 1413.º do Cód. Civil francês), e até o alemão (aplicação da regra geral da responsabilidade)547 . “

1681.º, n.º 3

Professor Jorge Pinheiro defender que a situação contemplada no artigo 1681.º, n.º 3, apenas se pode reportar a actos de administração ordinária, tal como acontece no mandato em geral (art 1159.º), a não ser que se prove o conhecimento e falta de oposição expressa do outro cônjuge. 

Assim, a prática de certos actos de disposição e administração extraordinária exige um consentimento expresso (art 1684º). Mais difícil será admitir a aplicação do art 1681.º,n.º 3, embora isso seja possível se se demonstar o conhecimento e falta de oposição do outro cônjuge!