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Rosemar Ferreira Rodrigues Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de São Paulo – UNICID, como requisito para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação do Professor Dr. Júlio Gomes Almeida. UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO - UNICID SÃO PAULO 2010

Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

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Rosemar Ferreira Rodrigues

Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela

comunidade

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa

de Mestrado em Educação da Universidade Cidade de

São Paulo – UNICID, como requisito para obtenção do

título de Mestre em Educação, sob a orientação do

Professor Dr. Júlio Gomes Almeida.

UNIVERSIDADE CIDADE DE SÃO PAULO - UNICID SÃO PAULO

2010

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Rosemar Ferreira Rodrigues

Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

.

Data da defesa: 16 de novembro de 2010

COMISSÃO EXAMINADORA

________________________________________ Professor Dr. Júlio Gomes Almeida

Universidade Cidade de São Paulo

________________________________________ Profa. Dra. Ecleide Cunico Furnaletto

Universidade Cidade de São Paulo

________________________________________ Profa. Dra. Sílvia Regina R. C. Brandão

(FASM) – convidada

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DEDICATÓRIA

A DEUS pela sua infinita sabedoria. Agradeço por ter me dado forças para enfrentar o desconhecido em São Paulo, ter nos protegido sempre, quando no primeiro dia de aula, meu marido ter sido vítima da violência com uma arma na cabeça. Obrigada por não nos fazer desistir, por ter me dado saúde, pela proteção nas viagens e por estar no mundo. À minha família, aos meus pais José Rodrigues Sobrinho e Maria José pelo apoio durante toda minha vida. Ao meu filho, Igor por tentar entender a cada dia, as minhas ausências para estudar e trabalhar.

Ao meu marido, Regis, pelo amor, carinho e estímulo. Compartilhou seu tempo, se entregou a esta jornada. Riu e chorou comigo e compreendeu as minhas ausências mesmo estando perto. Companheiro nas renúncias, viagens e conquistas. À minha amiga-irmã, Terezinha Mauad, que mesmo em Brasília, sempre me deu força e incentivo para buscar os meus objetivos. Sempre dividimos as alegrias e tristezas.

A todos que torcem por mim.

Para vocês, toda a minha gratidão.

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AGRADECIMENTOS Às professoras: Profª. Drª. Margaréte May Berkenbrock Rosito e Profª. Drª. Silvia Regina Rocha Campos Brandão, membros da banca examinadora, pelas valiosas sugestões na ocasião do exame de qualificação, pela atenção, carinho, interesse e acolhimento a mim demonstradas. À Professora Dra. Ecleide Cunico Furnaletto pela receptividade, pela imensa sabedoria e que me despertou algumas questões em relação à Formação de Professores que ainda pretendo desenvolver. Agradeço-lhe pela disposição em participar do meu exame de defesa. Ao Professor Dr. Potiguara Acácio Pereira pelos ensinamentos, por ter me despertado o que estava meio adormecido, a vontade de não desistir nunca de fazer ciência. Fez-me entender como é importante saber o que é a interdisciplinaridade. Obrigada pelo apoio, por sua receptividade, pela sua presteza. Tornou-se um amigo. Ao Professor Dr. João Gualberto de Meneses, pelas gratificantes aulas de Políticas Públicas em Educação. Sempre amável, foi um prazer e honra tê-lo como professor. Ao Professor Jair Militão da Silva pela experiência e segurança. O seu bom humor contagia a todos. Aos colegas do mestrado, Cláudio Perinasso, Clóvis Trezzi, Nelson Peres da Silva e Simone Vianna Molitor. Pelos trabalhos em grupo, pelas conversas nos intervalos, por serem amigos que encontrei em São Paulo. Jamais irei esquecê-los. A todos os colegas do Mestrado da UNICID, pela oportunidade de conhecê-los e compartilhar experiências e vivências. Às funcionárias da Secretaria do Mestrado, Sheila Simone Alves e Juliana Paiva Morgado, pela receptividade, gentileza, competência e prontidão. Ao Governo do Estado de Minas Gerais/Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais pela aprovação dos meus processos de afastamento para cursar o Mestrado em São Paulo. A todas as escolas e companheiros de trabalho das Redes Estadual e Municipal de Educação de Minas Gerais em que fui inspetora, desde o início, no Vale do Mucuri e Jequitinhonha (Superintendência Regional de Ensino - SRE de Teófilo Otoni, onde muito aprendi e da minha região natal, zona da mata - SRE de Ubá). A todas as diretoras, secretárias, supervisores, professores, inspetores e funcionários da SRE - Ubá, que nesses quase dois anos de ausência, não se esqueceram de mim com mensagens frequentes pela internet e telefonemas. À Escola Estadual Cândido Martins de Oliveira em Ubá - MG, que com a participação no Projeto Escola Viva-Comunidade Ativa, me despertou para a abertura da escola. Vamos continuar! O caminho é árduo, mas é gratificante!

 

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AGRADECIMENTO ESPECIAL

Ao Professor, Dr. Júlio Gomes Almeida pelas orientações, pelos ensinamentos e que me mostrou que é possível fazer uma escola aberta. Feliz aquele que o tem como orientador.

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"Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver

são demais de muitas, muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar

de aumentar a cabeça, para o total”

João Guimarães Rosa

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RODRIGUES, Rosemar Ferreira. Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade da Cidade de São Paulo – UNICID, São Paulo, 2010

RESUMO

Esta pesquisa buscou compreender em que medida as propostas de abertura da

escola tem se constituído em mecanismo que favorece a apropriação do espaço

público pela comunidade escolar. Neste sentido buscou inicialmente situar os

processos de abertura da escola no contexto mais amplo da abertura das

organizações, iniciado a partir do fim da Segunda Guerra Mundial por meio do

questionamento das organizações totais, inaugurando um novo paradigma que

organiza diversos campos do conhecimento, entre eles o campo das políticas

públicas de formação de professores. Considerando este novo paradigma, buscou

compreender os sentidos que vêm sendo atribuídos à noção de Escola Aberta nos

diferentes contextos onde a abertura da escola vem sendo adotada como política

pública. Para realização deste trabalho, foi adotada uma abordagem qualitativa de

pesquisa e como procedimento de coleta de dados foi realizada uma revisão da

literatura e análise de documentos referentes à abertura de uma escola, com

objetivo de identificar, por um lado, os princípios que orientam a elaboração e

execução destes projetos que preconizam a abertura da escola como mecanismo de

democratização da educação e, por outro, compreender a relação entre estes

processos de abertura e as políticas públicas para a infância e a juventude que vem

sendo desenvolvidas sob o patrocínio e incentivo da UNESCO – (Organização das

Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura). Com a análise do Projeto Escola

Aberta (PEA) desenvolvido na rede pública municipal de São Paulo buscou-se, por

meio de um exemplo concreto, verificar em que medida a abertura da escola pode

constituir-se em possibilidade de apropriação do espaço público pela comunidade.

Foi possível perceber, por meio da análise da proposta analisada que, embora a

abertura da escola possibilite que a comunidade se aproxime da escola, nem todos

na escola estão preparados para conviver com a comunidade, sobretudo quando ela

começa a compreender os mecanismos de funcionamento da escola a reivindicar

seus direitos.

Palavras chave: escola aberta, pedagogia institucional, infância, juventude.

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RODRIGUES, Rosemar Ferreira. Open School: appropriation of the public space for the pertaining to school community. Dissertation (Master in Education) – University of São Paulo City - UNICID, São Paulo, 2010.

ABSTRACT

This research searched to understand where measured the proposals of opening of the school if it has constituted in mechanism that favors the appropriation of the public space for the pertaining to school community. In this direction it initially searched to point out the processes of opening of the school in the context amplest of the opening of the organizations, initiated from the end of World War II by means of the questioning of the total organizations, inaugurating a new paradigm that organizes diverse fields of the knowledge, between them the field of the public politics of formation of professors. Considering this new paradigm, it searched to understand the directions that come being attributed to the notion of School Opened in the different contexts where the opening of the school comes being adopted as public politics. For accomplishment of this work, a qualitative boarding of research was adopted and as procedure of collection of data was carried through a revision of literature and analysis of referring documents to the opening of a school, with objective to identify, on the other hand, the principles that guide the elaboration and execution of these projects that praise the opening of the school as mechanism of democratization of the education and, for another one, to understand the public relation between these processes of opening and politics for infancy and youth that it comes being developed under the sponsorship and incentive of UNESCO - (Organization of United Nations for Education, Science and Culture). With the analysis of Projeto Open School (PEA) developed in the municipal public net of São Paulo one searched, by means of an example concrete, to verify where measured the opening of the school it can consist in possibility of appropriation of the public space of the community. It was possible to perceive, by means of the analysis of the proposal analyzed that, even so the opening of the school makes possible that the community if approaches to the school, nor all in the school are prepared to coexist the community, over all when it starts to understand the mechanisms of functioning of the school to demand its rights.

KEY WORDS : Open School, institutional pedagogy, childhood, youth.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Lista de Figuras Figura 1 Relações verticais e horizontais – Transversalidade ................................20

Figura 2 Mapeamento do Programa Escola Aberta e Abrindo Espaços conforme

vínculo com a Secretaria de Estado de Educação dos Estados Brasileiros e Distrito

Federal ......................................................................................................................70

Figura 3 Mapa de Localização da escola .................................................................79

Figura 4 Entorno da escola ......................................................................................79

Figura 5 Panorâmica de parte do Parque São Rafael .............................................80

Figura 6 EMEF Cidade de Osaka (a)........................................................................86

Figura 7 EMEF Cidade de Osaka (b)........................................................................86

Lista de Tabelas Tabela 1 Conexão de saberes .................................................................................58

Tabela 2 Secretarias de Educação participantes do Programa Escola Aberta.........65

Lista de Quadros Quadro 1 As Três etapas das organizações no século XX e a evolução da

Psicossociologia e Psicoterapia Institucional ............................................................22

Quadro 2 René Lourau - Principais publicações na década de 90 ..........................35

Quadro 3 Escola Aberta – Parceiros.........................................................................59

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Lista de Siglas e Abreviaturas A.P.M. .................................................. Associação de Pais e Mestres C.D. .........................................................Conselho Deliberativo C.E. ...................................................... Conselho de Escola CESPE.........................................................Centro de Seleção e de Promoção de

Eventos (UnB) CNPS.(França)........................................Centro Nacional de Educação Especial E.M.E.F. ..................................................Escola Municipal de Ensino Fundamental ECA ...................................................... Estatuto da Criança e do Adolescente ECA/USP.................................................Escola de Comunicação e Artes Eqp .........................................................Escola que protege FAPESP......................................................Fundação de amparo à pesquisa do

Estado de São Paulo FEBEM....................................................Fundação do bem estar do menor FNDE...........................................................Fundo Nacional de Desenvolvimento da ................................................................Educação FUNDEF ...................................................Fundo de Manutenção e Desenvolvimento

do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério

FUNDEB ............................................... Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica

LDB..........................................................Lei de Diretrizes e Bases da Educação MEC ........................................................Ministério da Educação N.C.E. ................................................... Núcleo de Comunicação e Educação NDS ........................................................Non Directive Speaker NEPAE ...................................................Núcleo de Estudo e Pesquisa da Ação Educativa ONU........................................................Organização das Nações Unidas PCN’s .....................................................Parâmetros Curriculares Nacionais PDDE .....................................................Programa Dinheiro Direto na Escola PDPI ........................................................ Plano de desenvolvimento pedagógico e

institucional PEA .........................................................Projeto Escola Aberta PMSP ......................................................Prefeitura Municipal de São Paulo S.M.E. .................................................. Secretaria Municipal de Educação SEADE.....................................................Sistema Estadual de Análise de Dados SEB .........................................................Secretária de Educação Básica SECAD ......................................................Secretaria de Educação, Alfabetização e

Diversidade SEE..........................................................Secretaria de Estado de Educação SUPEME...........................................Superintendência Municipal de Educação UnB..........................................................Universidade de Brasília UNEF (França).........................................Sindicato dos Estudantes Franceses UNICID ................................................. Universidade Cidade de São Paulo USP ...................................................... Universidade de São Paulo UNESCO.................................................Organização das Nações Unidas para a

educação, a ciência e a cultura

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SUMÁRIO RESUMO....................................................................................................................vii ABSTRACT...............................................................................................................viii ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES.......................................................................................ix INTRODUÇÃO.......................................................................................................13 CAPÍTULO I

A INSTITUIÇÃO E A PEDAGOGIA INSTITUCIONAL 1.1 A Psicoterapia Institucional.............................................................................18 1.2 A Psicossociologia como intervenção ............................................................21 1.3 Os trabalhos com os grupos – O Grupo ‘‘T’’...................................................23 1.4 As Pedagogias Institucionais .......................................................................24 1.5 A diretividade e a não-diretividade ................................................................28 1.6 Georges Lapassade e as organizações.........................................................30 1.7 René Lourau e a análise institucional............................................................32 1.7.1 O movimento estudantil de 1968 em Nanterre – França ..........................33 1.8 Carl Rogers e a não-diretividade ....................................................................35 1.9 Michel Lobrot e a Pedagogia Institucional.......................................................39 1.10 Considerações sobre o capítulo ...................................................................42 CAPÍTULO II

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INFÂNCIA E A JUVENTUDE PROGRAMA ABRINDO ESPAÇOS E ESCOLA ABERTA

2.1 Legislações e Acordos....................................................................................45 2.2 O Programa Abrindo Espaços.........................................................................50

2.2.1 Um exemplo do Projeto Abrindo Espaços - Estado de Minas Gerais........................................................................................................53

2.3 O Projeto Escola Aberta..................................................................................56 2.3.1 Avaliação do Programa Escola Aberta.....................................................60 2.4 As principais diferenças do Programa Abrindo Espaços e Escola Aberta ................................................................................................63

2.5 A Formação de profissionais para uma Escola Aberta ...................................71 2.6 Considerações sobre o capítulo ......................................................................73

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CAPÍTULO III

PROJETO ESCOLA ABERTA: APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO ESCOLAR COMO EXERCÍCIO DE CIDADANIA

3.1 Aqui tem uma escola ...........................................................................................80 3.2 Uma escola, diversos olhares .............................................................................83 3.3 O Diretor de Escola..............................................................................................85 3.4 O Projeto Escola Aberta.......................................................................................94 3.5 Os projetos especiais ........................................................................................100 3.5.1 Educom. Rádio.........................................................................................101

3.6 A Formação de professores...............................................................................104 3.7 Escola Aberta e a participação da comunidade.................................................109 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................115 REFERÊNCIAS ..................................................................................................120 ANEXOS................................................................................................................126

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INTRODUÇÃO

Com esta pesquisa busquei investigar as propostas de abertura da escola

com a finalidade de compreender em que medida estas propostas têm se constituído

em mecanismo que favorece a apropriação do espaço público pela comunidade

escolar. Inicialmente, procurei situar os processos de abertura da escola no contexto

mais amplo da abertura das organizações, iniciados com o fim da Segunda Guerra

Mundial por meio do questionamento das organizações totais, inaugurando um novo

paradigma que organiza diversos campos do conhecimento, entre eles o campo das

políticas públicas de formação de professores. Com isto procurei, por um lado,

compreender os princípios que orientam a elaboração e execução dos processos

que preconizam a abertura da escola como mecanismo de democratização da

educação e, por outro, a relação entre estes processos de abertura e as políticas

públicas para a infância e a juventude que vem sendo desenvolvidas sob o

patrocínio e incentivo da UNESCO (Organização das Nações Unidas para

Educação, Ciência e Cultura).

O desenvolvimento desta pesquisa apresenta grande relevância pessoal e

social. A relevância pessoal está relacionada com a atuação da pesquisadora que,

como inspetora escolar1 da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais

(SEE/MG), tem se deparado com a necessidade de orientar escolas que desejam

abrir-se para a comunidade. Deste fato, decorre a relevância social na medida em

que a produção de conhecimento sobre o assunto pode contribuir com outros

educadores que tenham a responsabilidade de orientar os gestores de unidades

educacionais ou que sejam eles próprios gestores destas unidades.

O interesse pelo tema surgiu a partir do contato com o programa Abrindo

Espaços: educação e cultura para a paz, criado em 2000 pela Organização das

Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Inspirado nesse

programa foi criado no Brasil o Projeto Escola Aberta: Educação, Cultura, Esporte e

1 O cargo de Inspetor Escolar pertence ao Quadro do Magistério do Estado de Minas Gerais, com provimento por meio de concurso público de provas e títulos. Corresponde ao cargo de Supervisor de Ensino na rede pública estadual de São Paulo e ao de Supervisor Escolar na rede pública do Município de São Paulo.

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Trabalho para a Juventude por meio da Resolução/Conselho

Deliberativo(CD)/Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação(FNDE) /nº. 052,

de 25 de outubro de 2004 (anexo). Uma das justificativas para abertura da escola é

o combate a violência apontada em pesquisas patrocinadas pela UNESCO como um

dos principais problemas enfrentados pela juventude, sobretudo nas regiões mais

pobres.

A Resolução CD/FNDE nº. 052, de 25 de outubro de 2004, aponta a criação do

programa como possibilidade de abertura de diálogo com os jovens na medida em

que eles passam a ver na escola uma possibilidade de atividades esportivas,

culturais, de lazer e, em alguns casos, de profissionalização. Segundo a mesma

legislação, no seu preâmbulo, a criação do projeto visa “promover maior diálogo,

cooperação e participação entre os alunos, pais e equipes de profissionais que

atuam nas escolas e a necessidade de redução da violência e da vulnerabilidade

socioeconômica nas comunidades escolares”.

Escolhi estudar uma proposta concreta, buscando compreender em que

medida a abertura da escola vem contribuindo para apropriação do espaço público

pela comunidade usuária, considerando, para isso, os impactos das ações

implementadas na escola em decorrência da implementação do projeto. O critério

utilizado para a escolha da escola pesquisada foi a quantidade de material

disponível sobre a experiência de abertura nela desenvolvida, bem como a facilidade

de acesso a esses dados.

Para alcançar tal objetivo foram considerados alguns aspectos:

- O primeiro aspecto da pesquisa buscará situar a noção de escola aberta no

contexto da abertura das organizações, buscando mostrar que abrir a escola é mais

que abrir os portões nos finais de semana, trata-se de abrir o pensamento das

pessoas que trabalham e usam a escola. Busquei, então, compreender a construção

teórica sobre a Pedagogia Institucional.

- O segundo aspecto apresentará os sentidos da noção de escola aberta como

programa e política pública buscando a melhoria da qualidade da educação

principalmente as escolas cujo entorno é marcado pela violência. Estas escolas

estão situadas em contextos marcadas por altos índices de violência e

vulnerabilidade social. Para o entendimento destas políticas procurei conhecer a

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produção bibliográfica produzida principalmente pela UNESCO, Ministério da

Educação (MEC) e autores envolvidos com pesquisas financiadas por estes órgãos.

- No terceiro aspecto, procurei conhecer e analisar as produções bibliográficas,

documentos oficiais e informações recolhidas sobre a escola através da internet

sobre a Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Cidade de Osaka,

pertencente ao Sistema Municipal de Ensino (SME) da Cidade de São Paulo

principalmente as referentes à participação da escola no Projeto Escola Aberta no

período de 2001 a 2003 e descrever aspectos importantes sobre o projeto e sobre o

cenário onde ele se desenvolveu.

A reflexão sobre objeto de estudo – “apropriação do espaço público pela

comunidade” deixou claro para mim que a realização da pesquisa deveria ter

respaldo na abordagem qualitativa de pesquisa por esta se aproximar mais ao objeto

de estudo. Logo, a abordagem qualitativa envolve a produção de dados descritivos

na bibliografia utilizada através dos acontecimentos, fala das pessoas envolvidas na

análise do material bibliográfico e documental produzido sobre a escola escolhida.

Como procedimento metodológico, utilizarei a pesquisa documental onde

busquei identificar através da seleção dos autores da pedagogia institucional, as

bases teóricas. A análise documental, segundo GIL (2002, p. 45), ‘‘vale-se de

materiais que não recebem ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser

reelaborados de acordo com os objetivos da pesquisa’’.

Para analisar a produção teórica bem como as entrevistas, além do material

recolhido na internet e documentos oficiais será adotada como estratégia

metodológica, a análise de conteúdo.

Quando se fala neste trabalho sobre apropriação, recorro ao Dicionário

Aurélio para verificar que o termo é originado do latim “appropriare” e apropriar pode

funcionar como verbo transitivo direto e indireto “Tomar como próprio ou adequado,

conveniente; adequar, adaptar, acomodar” e como verbo pronominal “adaptar-se, ajustar-se”, logo, “apropriação do espaço

público”, refiro a uma representação mental e quero demonstrar que se pode

“apropriar-se de um bem público” no sentido de participação, construção, melhoria,

zelo, de adaptação, adequação, usufruir desse bem e não como verbo pronominal

“tomar para si: apossar-se, apoderar-se”, e ainda como verbo transitivo direto e

indireto “tomar como propriedade, como seu; “arrogar-se a posse de” usado no

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sentido jurídico de “apropriação indébita” de tomar para si algo que não é de sua

propriedade.

Ao utilizar o material bibliográfico produzido sobre o objeto de estudo da

questão investigada – a apropriação do espaço público pela comunidade – da EMEF

da Cidade de Osaka entre os anos de 2001 a 2003 com a implantação do Projeto

Vida através da Secretaria Municipal de Educação (SME) da Prefeitura Municipal de

São Paulo em parceria com a UNESCO, que tinha como uma das ações, o projeto

Escola Aberta procurei baseada na sugestão de Laville e Dionne (1999, p.112), fazer

um “zoom”, “a partir de uma tomada ampla da pergunta, sobre um espaço

documental que a ultrapasse grandemente, mas sem dele desviar os olhos e, assim

que possível, fechar progressivamente o ângulo da objetiva sobre ela”.

Para a coleta de dados, utilizei como referências as produções bibliográficas

de ALMEIDA (2003, 2005, 2008); CORDAS (2004); BENZATTI, NHOQUE e

ALMEIDA (2008), além da pesquisa realizada nos diversos sítios eletrônicos através

dos buscadores “Google”, “Yahoo” em que obtive algumas notícias referentes à

escola e aos projetos em que a escola participou entre os anos de 2001 a 2003.

Esta pesquisa está organizada em três capítulos.

O primeiro capítulo intitulado A Instituição e a Pedagogia Institucional onde

faço um histórico sobre a pedagogia institucional destacando o pensamento dos

autores sobre o que se passa nas organizações e instituições bem como as

intervenções institucionais, os trabalhos com os ‘‘Grupo T’’, a diretividade e não

diretividade no tratamento dos grupos. Para esta realização, selecionei um

referencial teórico que, entre outros, cito, LAPASSADE (1983, 2007); LOBROT

(1977, 1995, 2002, 2008); LOUREAU (1995, 1999); ROGERS (1978, 1982).

Apresento também um salto no tempo com pensamentos sobre a abertura das

pessoas e da escola que se espera com autores como DELORS (1998); MORIN

(2000) e concluo com considerações sobre o capítulo.

No segundo capítulo, Políticas Públicas para a infância e juventude:

Programa ‘‘Abrindo Espaços’’ e “Escola Aberta” apresento as legislações e

acordos realizados no Brasil sobre política educacional e os projetos ‘‘Abrindo

Espaços’’ e “Escola Aberta” onde destaco as semelhanças e diferenças dos

projetos. Faço também, neste capítulo, uma reflexão sobre a formação dos

profissionais para uma escola aberta. Em seguida, teço algumas considerações

sobre o capítulo. Como referencial teórico foi utilizado autores como NOLETO

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17

(2004), (2008, v. 1, v.2, v.3), publicações da UNESCO e sítios eletrônicos das

Secretarias de Educação dos Estados.

O terceiro capítulo, intitulado Projeto Escola aberta: a apropriação do

espaço escolar como exercício de cidadania, analiso a experiência de abertura

desenvolvida na EMEF Cidade de Osaka por meio da implantação do Projeto Escola

Aberta. A análise do processo é precedida por uma apresentação da escola e do

bairro onde ela está inserida. Em seguida destaco a importância do diretor na

implantação do projeto e o processo de desenvolvimento do mesmo destacando

aspectos como: participação da comunidade, os projetos especiais, parceria com o

governo local, dentre outros. Desta forma, procurei encontrar elementos que

permitissem compreender em que medida a abertura da escola contribui para

apropriação deste espaço público pela comunidade usuária.

CAPÍTULO I

A INSTITUIÇÃO E A PEDAGOGIA INSTITUCIONAL

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“Minha vida é uma aprendizagem contínua”. Georges Lapassade - L’autobiographe,1980.

Nesse capítulo situaremos a abertura da escola à abertura das organizações.

Assim, se faz necessário, o estudo dos autores da pedagogia institucional tais como:

Renê Loreau, Michel Lobrot, Georges Lapassade e da não diretividade, Carl Ranson

Rogers.

O termo instituição vem do latim (institutione). Foi objeto da Sociologia de

Émile Durkleim (5/4/1858-15/11/1917), e segundo Durkleim apud LOURAU (1995,

p.105) “a instituição é sinônimo de regulação social e o conceito de instituição é o

próprio objeto da sociologia”.

O termo “institucional” aparece pela primeira vez em um artigo da revista portuguesa

Anais Portugueses de Psiquiatria em 1952 de autoria do psiquiatra francês Georges

Daumezon2 (1912-1979) que inventa o conceito de “Psicoterapia Institucional’’.

A seguir, farei um breve relato da evolução da Psicoterapia Institucional,

Psicossociologia e o estudo das organizações, devido ao fato que a partir desse

entendimento, ajuda-nos a compreender a Pedagogia Institucional.

1.1 A Psicoterapia Institucional

A Psicoterapia Institucional começa a ser desenvolvida por volta dos anos 39-

40 em plena Segunda Guerra Mundial e foi fortemente influenciada pelos

acontecimentos decorrentes dela e lembra Le Guillant, apud LOURAU, 1995, p. 181:

“Nossa primeira ‘revolução’ continha essencialmente esta nova atitude com relação

aos doentes, a saber, o respeito, a solicitude, o interesse, o reconhecimento deles

enquanto pessoas”.

A Psicoterapia Institucional foi classificada por Lourau (1995) em três fases:

2Daumezon G. , Koechlin P., Psychothérapie française institutionnelle contemporaine, (Psicoterapia francesa institucional contemporânea), publicação nos Anais Portugueses de Psiquiatria, volume IV, n° 4, páginas 721-312, 1952.

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1) Empírica - com a modificação médico-paciente. É uma fase ideológica, de

mudança de atitudes. Muitos psiquiatras dessa época são influenciados pelo

marxismo, daí o sentido clínico e político estarem próximos, o que caracteriza a fase

ideológica. Foi Le Guillant, um dos fundadores do movimento. Segundo Le Guillant,

apud LOURAU (1995):

[...] revolta, nascida em um contexto social e político determinado [...] da tomada de consciência que suscitou em nós com relação à opressão de nossos doentes, que nós mesmos acabávamos de viver, às condições desumanas que eram muitas vezes as deles e que foram, durante estes anos, levadas a um grau de evidência intolerável (Le Guillant, apud LOURAU, 1995, p. 181).

Observa-se que a Guerra contribuiu para criar novas relações entre médicos-

enfermeiros e médicos-pacientes. Nos anos 40 (século XX), o espanhol republicano,

Tosquelles começa a desenvolver no hospital Saint Alban na França, onde era

diretor, a psicoterapia institucional.

2) Ideológica – Nos anos 40 (século XX), a psicóloga do hospital de Saint Alban,

Mireille Monod, trouxe dos Estados Unidos, o psicodrama de J. Moreno. Cabe

esclarecer que o psicodrama foi criado por ele, ainda na Aústria nos fins da I Guerra

Mundial. O psicodrama consistia na troca de papéis ou representação de papéis,

funcionando como uma técnica de grupo. Nos anos 40, já emigrado nos Estados

Unidos, Moreno desenvolve o Sociograma para a análise das organizações e passa

a ser considerado o Fundador da Sociometria.

Segundo Tosquelles (1967) apud LOURAU (1995), antes de tratar a instituição na

sua dimensão, o que é preciso tratar, cuidar, é o comportamento humano e declara

que “é daí que todos nós partimos”.

3) Teórica – nesta fase, já nos fins dos anos 50 e início da década de 60 aparece a

preocupação com a demanda social conforme Pontalis (1965), apud LOBROT

(1995). A partir daí, o conceito de instituição passa por variações e críticas quanto

aos significados quando se descobre o nível inconsciente, oculto das instituições.

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Pierre Guattari em 1965 publica a obra “La Transversalité colocando o conceito de

transversalidade entre os grupos e dividindo os grupos em Grupo-sujeito e Grupo

submetido. Para ele, o Grupo sujeito anuncia algo e o Grupo submetido escuta.

Assim, na vertical está o oficial e na horizontal estão as relações menos formais. A

transversalidade ultrapassa esses pontos como demonstrado no diagrama abaixo:

Para Guattari (1965) apud LOURAU (1995):

A transversalidade vence esses dois impasses (o da verticalidade “oficial” e o da horizontalidade “informal”) tende a se realizar quando se efetua uma comunicação máxima entre os diferentes níveis e sobretudo nos diferentes sentidos. É o próprio objeto da pesquisa de um grupo-sujeito. (p.190)

LOURAU (1995) questiona que se o significante do grupo, seu sujeito efetivo para

Guattari, é o inconsciente, a transversalidade deveria ser conjugada com outros

conceitos da psicanálise e explica a sua interpretação:

Não queremos dizer que a transversalidade esteja ausente do sistema de referência da análise individual, parecendo mesmo que está sempre presente. Mas aquilo que o olhar do analista atravessa neste caso, é uma região (o inconsciente, o significante da sua relação com o analisado) iluminada por dentro. O sistema de referência da psicanálise é o aparelho psíquico tal como foi construído por Freud. O sistema de referência da análise institucional é o “aparelho das instituições” (LOURAU, 1995, p.192).

Grupo Sujeito

Grupo Submetido 

Figura 1 - Relações verticais e horizontais - Transversalidade

Page 21: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

21

1.2 A Psicossociologia como intervenção A psicossociologia nasceu da necessidade do estudo das demandas sociais e

do sistema de referência na qual se constituiu. É originária das disciplinas já

constituídas ou em formação tais como: a psicologia social, a psicanálise, a

psicopedagogia, a terapêutica, a sociologia das organizações. (LOURAU, 1995,

p.193).

Segundo Lapassade (1983, p.86), para os psicossociólogos, a intervenção

significa ação numa organização social, a pedido dessa organização, para facilitar

essas mudanças.

O início do século XX marca a evolução das sociedades ocidentais. O fim da

Primeira Guerra Mundial bem como a queda da bolsa de NovaYork em 1929

repercute na formação das demandas sociais. Assim, surgem as primeiras

experiências com grupos nos Estados Unidos já desenvolvido economicamente.

Observa-se que nos países com um retardo econômico, o desenvolvimento da

psicossociologia e várias outras ciências só ganham força a partir do fim da

Segunda Guerra Mundial diante do desenvolvimento econômico, a automação

comercial além de que muitos cientistas de origem judia emigraram principalmente

para os Estados Unidos passando a desenvolver suas pesquisas naquele país.

Apresento a seguir, uma tabela adaptada a partir das etapas das organizações no

século XX (Chiavenato, 1997), onde destaco os principais acontecimentos em

relação à psicossociologia e psicoterapia Institucional.

Quadro 1 - As Três etapas das organizações no século XX e a evolução da Psicossociologia e

Psicoterapia Institucional

Industrialização 

Clássica 

Industrialização 

Neoclássica 

Era da 

Informação 

Período  1900 - 1950 1950 - 1990 Após 1990

Estrutura 

organizacional 

Predominante 

Burocratização das grandes empresas Funcional,burocrática, piramidal,rígida, centralizadora e inflexível

Matricial enfatizando departamentalização por produtos/serviços

Fluída e flexível, totalmente descentralizada, redes de equipes multifuncionais

Cultura  Teoria X. Foco no passado, nas

Transição. Foco no presente e no

Teoria Y. Foco no futuro

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22

Organizacional  tradições e nos valores. Ênfase na manutenção do status quo. Valor a experiência anterior. 1917 – a burocracia torna-se problema da organização e do poder

atual. Ênfase na adaptação ao ambiente.

destino. Ênfase na mudança e na inovação.

Ambiente 

Organizacional

Estático, previsível, poucas e gradativas mudanças. Poucos desafios ambientais.

Intensificação das mudanças e com maior velocidade.

Mutável, imprevisível, Turbulento, com grandes e intensas mudanças.

Modo de  lidar com 

as pessoas 

Pessoas como fatores de produção inertes e estáticos, sujeitos a regras e a regulamentos rígidos para serem controlados.

Pessoas como recursos organizacionais que precisam ser administrados.

Pessoas como seres humanos proativos, dotados de inteligência e habilidades e que devem ser impulsionados.

Denominação  Relações Industriais Administração de Recursos humanos

Administração de pessoas

Psicossociologia 

e  Psicoterapia 

Institucional 

1924 – Elton Mayo – trabalho para a Western Eletric company. 1944-Termo dinâmica de grupo aparece em um artigo de Kurt Lewin. 1947-1948 - Invenção do T-Group em Bethel , Maine-EUA 1952-Daumezon cria o termo Psicoterapia institucional.

1955-1956 - Difusão do T-Group na Europa e França. Ardoino – Grupo de diagnóstico/instrumento de Formação. 1962-Félix Guattari publica Psicoterapia institucional (define grupo-sujeito x grupo-submetido).

Adaptado do Livro – Recursos Humanos de Idalberto Chiavenato, p.29, 1997.

1.3 Os trabalhos com os grupos – O Grupo ‘‘T’’

A história do Grupo T começa com as experiências de Kurt Lewin que em

1944 criou o termo, “Dinâmica de Grupo”, em um artigo. Pouco antes de sua morte,

em 1947,Lewin se preocupava com os Grupos de formação. No verão de 1947 em

Bethel, Maine, EUA foi inventado o “T-Group” a partir de reuniões feitas pelos

animadores após as dinâmicas realizadas.

Page 23: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

23

A partir do fim da 2ª Guerra Mundial (1945, século XX), nos Estados Unidos e

na Europa como já abordado anteriormente, intensificou-se a necessidade do

trabalho com grupos, desenvolvendo a Psicologia Social e a Psiquiatria Clínica.

O ‘‘Grupo T ou do inglês, training-group’’ é conhecido por inúmeros termos,

tais como: treinamento de laboratório, treinamento de sensibilidade, grupo de

encontro, seminário (workshop), grupos de formação, etc.

As dinâmicas dos grupos diferem conforme o assunto, a finalidade, a intenção como,

por exemplo, os grupos de formação que segundo Lapassade (1983) trata

essencialmente de

Uma experiência vivida do que se passa em todo o grupo, experiência discutida em comum, sob a orientação de um monitor. É uma invenção pedagógica que consiste, sobretudo, em formar um grupo que seja, ao mesmo tempo, sujeito e objeto de experiência: cada um “se forma”, cada um aprende a “diagnosticar” o funcionamento dos pequenos grupos, observando in vivo no grupo de que faz parte, os mecanismos diversos característicos por hipótese da vida de todo o grupo. (LAPASSADE, 1983, p.77)

O Grupo T também está presente na psiquiatria desenvolvida principalmente em

hospitais psiquiátricos.

Para Rogers (1975), o Grupo T é um dos meios mais eficazes já descobertos de

facilitar a aprendizagem, pois:

Em termos gerais, a finalidade dessas experiências intensivas de grupo é a de aperfeiçoar as aprendizagens e aptidões dos participantes em áreas tais como as de liderança e de comunicação interpessoal. Outro objetivo é o de suscitar mudança nos climas e estruturas organizacionais em que os membros trabalham. (ROGERS, 1975, p.297).

Neste sentido, o T-Group constitui-se em importantes espaços de formação e

que contribuiu para o desenvolvimento de conceitos como liderança e comunicação

interpessoal.

1.4 As Pedagogias Institucionais

Page 24: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

24

Na década de 1960, surge a pedagogia institucional. Segundo

Menezes e Santos (2002), no verbete do Dicionário Interativo da Educação

Brasileira define Pedagogia Institucional como:

É considerada uma vertente revolucionária da educação, discutida na década de 1960 e que desencadeou uma nova forma de ver a cultura e a própria educação. Defende uma crítica às instituições de ensino existentes, ultrapassando os muros da escola, diversificando o papel dos professores e atribuindo importância ao sistema educativo com o recurso às metodologias de análise política e de intervenção social. O “institucional” não deve ser entendido como burocracia neste caso, mas como uma relação sistemática entre grupo e regras. Na prática, podemos dizer que o objetivo dessa pedagogia é transformar conflitos em situações de aprendizagem. Ou seja, por exemplo, um aluno novo e diferente na sala de aula pode ser concebido como um problema. No entanto, o novo e diferente pode também ser motivo de enriquecimento para o grupo. Nesse sentido, um aspecto importante dessa pedagogia é o ensino mútuo, já que o conhecimento dos próprios alunos são estruturados para uma participação ativa de cada um no processo de aprendizagem. O professor ou o adulto que acompanha o processo deve interferir o mínimo possível, concentrando sua atenção e seu tempo para o registro e a avaliação das atividades. (MENESES E SANTOS, 2002)

O surgimento da Pedagogia Institucional na década de 60 (século XXI) muito

contribuiu para o entendimento do que se passa no interior das organizações.

Acrescentamos à definição do dicionário que a interferência mínima se refere aos

educadores não diretivos, o que difere dos diretivos que usam a como intervenção

como forma de resolver as questões dos grupos e da burocracia e que a pedagogia

institucional vai muito além dessa prática citada na definição como veremos a seguir.

Segundo Gomes (1979), a pedagogia institucional surge em 1962 (século

XX).

Entre os anos de 1963-1964 aparecem divisões na Pedagogia Institucional com

duas tendências:

1) – a autogestionária – com influência política onde se destaca os autores:

Georges Lapassade, René Lourau, Michel Lobrot, Jacques Ardoino, etc. A

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25

autogestionária se caracteriza por ações que podem ser objeto de uma

atividade instituinte dentro de uma instituição interna. Como exemplos de

autogestão, podemos citar os acordos feitos com os alunos para uso de

materiais didáticos, salas de informática e as eleições para os Conselhos de

classe e Colegiados.

2) – a Terapêutica, representada Felix Guattari , Fernand Oury e Aida Vasques,

etc. Para Lapassade (1983, p.298), o movimento surgiu por volta de 1943

para superar a burocracia criada pela organização tradicional dos hospitais

psiquiátricos. A pedagogia de Freinet com o sistema de cooperação foi

adaptado ao hospital. As técnicas de dinâmicas de grupo também foram

responsáveis para o desenvolvimento de métodos para a terapêutica

institucional.

Em 1963, Lapassade e Lourau se encontram com Tosquelles em Saint Alban, para

conhecerem os trabalhos realizados com os pacientes, com os médicos e

enfermeiros daquele hospital. Assim, surge a primeira ligação entre a pedagogia e a

psicologia institucional.

Foi Cornelius Castoriades (1917-1997) em 1964, que fez a primeira definição de

instituição como: “rede simbólica, socialmente sancionada, em que se combinam em

proporções e relações variáveis, uma componente funcional e uma componente

imaginária”, Castoriades, (1975) apud GOMES,(1979).

Sob influência de Jean-Paul Sartre (1905-1980), principalmente na obra ‘‘Critique de

La Raison Dialettique’’(Crítica da Razão Dialética), publicada em 1960, obra de

cunho existencialista e influenciada pelo Marxismo, Georges Lapassade publicou na

França em 1966, o livro ‘‘Groupes, organizations et institutions’’ (Grupos,

Organizações e Instituições).O livro foi criado diante das observações de Lapassade

na psicossociologia sobre o que se passa nos grupos, nas instituições e para Lourau

(1995, p. 254) o livro representou as bases de uma pedagogia institucional.

A partir do movimento de maio de 19683 na França que eclodiu para vários países

do mundo, verifica-se uma socialização da análise institucional iniciada por

3 Em Maio de 1968 uma greve geral aconteceu na França. Rapidamente ela adquiriu significado e proporções revolucionárias, mas em seguida foi desencorajada pelo Partido Comunista Francês, de orientação Stalinista, e finalmente foi suprimida pelo governo, que acusou os Comunistas de tramarem contra a República. Alguns

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Lapassade. Sobre a importância e, principalmente a influência dos acontecimentos

do movimento, ele assim definiu:

Os acontecimentos de maio foram para nós uma confirmação e uma refutação de tudo o que havíamos podido produzir... Uma confirmação, ao que parece, se considerarmos a importância que assumiu no curso desses acontecimentos a ideologia da dinâmica de grupo modificada, que assumiu a crítica da burocracia, que assumiram as primeiras tentativas de autogestão pedagógica... Havíamos descoberto novamente em Maio, à luz do acontecimento, que o Estado não é nada, desde que não encontre apoio nas ‘‘instituições dominantes’’- e havíamos novamente descoberto que essas instituições, só se mantém por meio de sustentáculo do estado e de seu aparelho de repressão. Assim, por exemplo, quando a instituição universitária, não pode mais garantir a ordem interna das universidades, a Polícia do Estado toma imediatamente o lugar de todas as polícias culturais em crise. (LAPASSADE, 1983, p. 26-28).

O que não é visível, em particular, nas escolas, Lapassade em 1963, propôs chamar

de: ‘‘análise institucional, o método que visa revelar, nos grupos, esse nível oculto de

sua vida e de seu funcionamento’’(p.11). Esta análise desse

lado oculto dos grupos e das organizações, Lourau (1995) denominou de sócio-

análise: ‘‘ o tipo de intervenção que tem por objeto analisar este material ocultado ou

desfigurado pelos outros tipos de intervenção’’(p.143).

Em 1970, René Lourau publicou a primeira edição de ‘‘L`analyse institutionnelle’’ (A

análise Institucional). Nesta obra, Lourau chama a atenção pela polissemia do

conceito de instituição.

A polissemia do conceito de instituição revela-se desde a filosofia do direito até os últimos desenvolvimentos da sociologia. Façamos um resumo. A filosofia do direito, a partir de Hegel, acentua o momento da universalidade do conceito. Arrola as normas universais, as formas de regulação estabelecidas, já existentes nos códigos ou no costume não escritos. Quando a instituição possui um aparelho jurídico, a filosofia do direito esforça-se, sempre na trilha de Hegel,

filósofos e historiadores afirmaram que essa rebelião foi o acontecimento revolucionário mais importante do século XX, porque não se deveu a uma camada restrita da população, como trabalhadores ou minorias, mas a uma insurreição popular que superou barreiras étnicas, culturais, de idade e de classe. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Maio_de_1968). Acesso em: 25/06/2010.

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27

mas também seguindo a corrente tradicionalista, por fazer aparecer a universalidade das formas singulares de jurisprudência e de legislação. Assim procedendo, contribui enormemente para mistificar o problema da instituição. Com efeito, nada é mais relativo e contingente que as formas singulares de regulação que são as leis ou as constituições. (LOURAU, 1995, p.139)

Lourau (1995) continua o seu pensamento sobre a polissemia e coloca o “equivoco’’

e a ‘‘problemática” nos conceitos de instituição.

O equívoco segundo Lourau (p.141) está que “não vale mais reconhecer que a

instituição é o instituído e o instituinte?”. A instituição é a coisa estabelecida, o

instituído. Para Lourau (1995) podemos classificar os grupos em instituídos e

instituintes, formais e informais e para compreendermos que:

O essencial é compreender que todo o grupo, qualquer que seja seu lugar nesta ou naquela tipologia, remete-nos à instituição, na medida em que sua definição, característica e inserção em uma estrutura ou em um sistema residem na análise daquilo que o institui, o produz e garante sua duração e funções na prática social A instituição é o objeto de um estudo próprio, não enquanto “forma social” entre outras, mas enquanto separa, e por conseguinte pode articular todas as formas de sociabilidade.(LOURAU,1995, p.169)

A problemática aparece no conceito de instituição, “isto significa que a instituição

não se apresenta quase nunca imediatamente à observação ou ao estudo indutivo”

(p.142). Surge a proposição de Lourau de denominar de intervenção

institucional:

a exploração de domínios onde, por trás dos sistemas de referência (grupos, agrupamentos, organizações, ‘‘instituições (no sentido banal do termo), que a expulsam ou lhe ao lugar reduzido (psicanálise, psicossociologia, pedagogia), sua presença-ausência faz surgir o caráter problemático do conceito’’(LOURAU,1995, p.142).

Lourau (1995) propõe chamar de ‘‘intervenções institucionais’’, as práticas acima

citadas e a intervenção que visa analisar o que está ocultado, de sócio-análise.

1.5 A diretividade e a não diretividade

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28

As questões da não diretividade e diretividade no início da Pedagogia Institucional

levou Lapassade, no prólogo da 2ª edição da obra Grupos, Organizações e

Instituições (1983) a realizar algumas observações sobre a função que a

psicossociologia teve para a análise das instituições. Para ele, a psicossociologia

deveria ter analisado ‘‘ a contestação institucional contida nas experiências dos

grupos’’, e não se ‘‘deter nos problemas de regulamento e em novas receitas’’(p.31).

E explica a diferença da diretividade e a não diretividade dos grupos T.

Em relação ao Movimento de maio de 1968, fala da diretividade das ações,

a diferença fundamental provém da falta de monitores no T. Group’’ da Revolução. O estopim aqui não é mais aquilo que os psicossociólogos chamam de uma intervenção; é a ação direta como prática revolucionária... A ação dos psicossociólogos não diretivos mantém uma relação pedagógica que é uma relação de poder. A ação revolucionária visa, ao contrário, a acabar com as diferenças, a abrir a brecha que permitirá aos grupos conduzir-se eles próprios e analisar-se sem o sustentáculo dos animadores que se encarregam, ao mesmo tempo, da análise e do ‘‘serviço de ordem’’ nos grupos de formação. (LAPASSADE, 1983, p.32).

Lapassade fala também da importância e contribuição da prática não diretiva da

psicossociologia em relação à análise institucional concluindo que apesar de não

provado, os psicossociólogos dos grupos prepararam a crise, ou ao menos, que eles

lhe forneceram uma linguagem e uma ideologia (p.31).

Foi dito que o país inteiro – digamos ao menos Paris – se havia então transformado num “imenso grupo de base”. Será necessário concluir que os psicossociólogos dos grupos prepararam a crise, ou, ao menos, que eles lhe forneceram uma linguagem e uma ideologia? Isso não está provado. É verdade que se descobrem na experiência de Maio, e nos textos que dela resultaram, esquemas e uma linguagem que fazem lembrar, não os laboratórios da dinâmica dos grupos no sentido escrito, mas a ideologia que se havia difundido nas experiências pedagógicas dos pequenos grupos. É preciso, no entanto, quando isto é sublinhado, observar logo que essa libertação da palavra social ocorreu na rua, sem monitores,sem ordens que instituíssem a experiência. Se, portanto, encontramos semelhanças é porque as duas situações – o seminário e a revolução – tem como traço comum o fato de que se desenvolvem num certo espaço livre, a partir de uma supressão da repressão. (ibiden, p.31/32)

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Cabe ressaltar que a prática não diretiva não é uma prática laisser-faire como foi

interpretada por muitos da comunidade pedagógica. A não diretividade teve sua

origem na psicanálise onde os pacientes/clientes eram conduzidos a tomarem

decisões e fazerem reflexões sobre eles (self), sem a preocupação com a realidade

que o cercava, pela própria evolução histórica da época. A preocupação era

centrada na pessoa, no paciente.

Rogers como psicoterapeuta, desenvolveu a técnica com indivíduos com certa

maturidade psicológica, estudantes universitários e trabalhadores de empresas, o

que não poderia ser aplicado da mesma forma com crianças pequenas. Em relação

a não diretividade de Rogers, Lapassade (1983) fala que a contradição central é

porque “a autoformação não diretiva não se funda na autogestão dessa formação” e

Só se pode esperar resolvê-la reunindo o que foi separado: a política e a educação, quer dizer, elaborando os princípios e as técnicas de uma autoformação que implicaria, em seu início, a gestão da formação por aqueles que são os seus clientes. Isso não elimina o monitor. Não propomos o laisser faire em Pedagogia. O problema do monitor continua colocado.Talvez o monitor verdadeiramente “não diretivo” seja aquele que dá a possibilidade ao grupo de autoformação – e não mais do “grupo de formação” de estruturar ele próprio as condições da pedagogia. (LAPASSADE,1983, p.61)

1.6 Georges Lapassade e as organizações

Georges Lapassade (1924-2008) apresenta a instituição a partir de duas

perspectivas: como um grupo social oficial e como um sistema de regras. Para ele, a

escola pertence ao aparelho ideológico do estado e logo, é uma organização

burocrática. Lapassade analisou em seu livro Grupos, organizações e Instituições, a

escola em sua burocracia. Para ele, a burocracia:

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... ao contrário, não apenas se apresenta como a serviço da coletividade, como a serve efetiva e realmente... O que é preciso reprovar na burocracia e nos burocratas é, antes de tudo, o fato de que alienam fundamentalmente os seres humanos, retirando-lhes o poder de decisão, a iniciativa, a responsabilidade de seus atos, a comunicação; o que é preciso reprovar na burocracia e nos burocratas, dito de outra forma, é que privam os seres humanos de sua atividade propriamente humana. Essa apropriação no plano psicológico, essa apropriação das faculdades humanas de outrem, essa colocação dos grupos sociais reais entre parênteses ultrapassa de longe em nocividade tudo o que possa ter feito o capitalismo. A consequência em relação à qual frequentemente se insiste: desvios dos recursos coletivos para ‘‘assalariar’’ a categoria dirigente, empobrecimento da coletividade. O fato de que as pessoas não se interessam mais no trabalho que fazem e não trabalham mais verdadeiramente, a rigidez dos processos econômicos são apenas consequências. É preciso chegar à origem: a mais total das servidões já concebida, porque é a servidão do homem enquanto homem. (LAPASSADE, 1983, p.201-202).

Lapassade fala das relações não burocráticas. Ele coloca que a partir do

comprometimento de todos é capaz de se produzir o saber, a transformação rumo à

autonomia de todos e resistência ao que está (até hoje) colocado como modelo.

Propõe os grupos de autogestão como metodologia de trabalho chamado de Grupo

T, por via da Pedagogia Institucional, fruto da sua prática como docente. E assim,

fala da viabilidade da sua implantação na instituição escolar, afirmando ser possível

separar sem alienar o sujeito da sua dimensão social e mesmo assim colocá-lo

diante de uma forma particular e única desde que a autogestão pedagógica ‘‘vise a

modificar as atitudes e os comportamentos’’(p.37).

Para Lapassade (1983, p.218), “o professor não pode permitir-se a inocência

de agir como se o antigo estatuto não existisse”. É preciso que ele próprio destrua

sua autoridade, onde ele negue a si próprio como burocrata. Para ele:

a origem e o sentido do que se passa nos grupos humanos devem ser buscadas apenas no que parece visível do que se chama a dinâmica do grupo. Nesses grupos, sejam eles reunidos para formação de homens ou para experiência e a pesquisa de “leis”, há uma dimensão oculta, não analisada e portanto, determinante: a dimensão institucional. Eu propus então (em 1963) chamar de “análise institucional” o método que visa a revelar, nos grupos, esse nível oculto de sua vida e de seu funcionamento. (LAPASSADE, 1983, p.13).

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Através da análise dos trabalhos realizados na psicoterapia hospitalar, esses

revelaram que só se consegue efeitos satisfatórios se levar em conta a instituição e

essa também deverá ser tratada.. Lapassade fala da

capacidade da ideologia de inculcar nos indivíduos, se ‘‘apropriando no plano

psicológico’’ que ‘‘as coisas têm que ser assim mesmo’’ e os indivíduos se situarem

em um conformismo com as situações impostas pela burocracia (Estado), sendo

omissos ou não se interessando pelo trabalho. A maior escravidão do indivíduo é a

apropriação pelo Estado do plano psicológico dos sujeitos.

Ao trabalhar a autogestão pedagógica, o autor adverte das dificuldades do

professor em relação ao aluno. Se aposta nas relações horizontais aluno-professor,

ele conduz o aluno a descobrir os seus interesses e seus saberes.

1.7 René Lourau e a análise institucional

Em 1964, Lourau iniciou em sua sala de aula, a autogestão pedagógica e,

dessa experiência, iniciou-se na análise institucional. No

mesmo ano, Lourau e Lapassade visitaram o hospital psiquiátrico de Saint-Alban na

França onde Tosquelles era diretor de um hospital para crianças deficientes e em

Marvejols em outro hospital. De lá foram a Toulouse em um congresso nacional da

UNEF (sindicato de estudantes franceses) que resultou no início da “tendência

psicossociológica” na direção nacional da organização. A análise

institucional, era vista como de esquerda na psicossociologia dos grupos. Lourau vai

para Paris e de 1964 a 1967, começa a frequentar o centro de sócio-análise.

Segundo Lourau apud LAPASSADE (2007), “o interesse maior pela pedagogia está

ligado, desde o começo de nosso próprio movimento, à experimentação da sócio-

análise”. Lapassade (2007) ao explicar os termos usados

sobre a análise institucional assim explica:

Adotáramos este termo (“sócio-análise”) para designar nossa prática de formação e de intervenção, especialmente em Tours e Hendaye. Estas sessões de “sócio-análise”, que eram ao mesmo tempo

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sessões de formação, constituirão mais tarde a base de uma obra que Lourau virá a publicar em 1972, sob o título Les analyseurs de l’église. Um pouco mais tarde, utilizamos a expressão “análise institucional sócio-analítica” para distinguir nossa corrente daquela da Psicoterapia Institucional. (LAPASSADE, 2007).

Assim, Lapassade (2007), explica as diferenças dos termos adotados no início da

Pedagogia Institucional e ficando o termo ‘‘sócio-análise’’ para estudo da psicologia

e o termo ‘‘“análise institucional sócio-analítica” passa a ser usado na Pedagogia

institucional.

1.7.1 O movimento estudantil de 1968 em Nanterre - França

No dia 22 de março de 1968, Lourau estava em Nanterre, França onde era

professor e conduzia um trabalho de análise coletiva onde faziam uma reflexão da

situação no momento. Os estudantes o convidam para a ocupação da torre

administrativa e ao convite dos estudantes, Lapassade (2007) diz que: ‘‘ Ele recusa,

considerando – foi seu diagnóstico e sua resposta – que esta “passagem ao ato”

significa uma recusa da análise, à qual, como analista, não deveria aderir’’.

Mais tarde de uma maneira autocrítica ele explica a sua recusa em seguir os

estudantes para a ocupação da torre: O ato da ocupação da Torre era a figura do

analisador do que era a universidade francesa.

Poderíamos explicar que essa ‘‘passagem ao ato’’ o deixaria em uma condição de

incapacidade de analisar sobre a situação. E assim não seria um analisador a que

se propunha dentro da pedagogia não diretiva. Lourau in LAPASSADE (2007),

explica assim a recusa:

Tornando visíveis e concretas as ideias, as esperanças e as estratégias que se acreditavam ou se desejavam encerradas no mofo de velhos alfarrábios marxistas ou anarquistas – ou na poesia surrealista, ou mesmo nos grandes sonhos de Rousseau e dos socialistas ditos utópicos do século XIX –, o movimento social de Maio de 68 orientou a análise institucional em uma direção que, sem esse acontecimento analisador das instituições, poderia se integrar

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pacificamente nas correntes modernizadoras que já influenciavam a intelligentsia e o poder político (LOURAU, p.99-00).

Em 2007, um antes de sua morte, Lapassade escreveu o artigo, ‘‘René

Lourau, pedagogo’’ onde faz um balanço dos “anos de aprendizagem” do amigo e

companheiro de trabalho:

a) René Lourau entrou na análise institucional pela via pedagógica (ao passo que eu entrei, alguns anos antes, pela porta da psicossociologia, mais precisamente pela do Grupo-T o que quer dizer, de certo modo, também pela Pedagogia);

b) a segunda porta de entrada na análise institucional foi, para ele, a da socioanálise, que significou a princípio uma espécie de complemento da pedagogia, tornando-se, em seguida, uma prática de intervenção (é o que acontece à época de meu retorno de Tunísia, em 1967-68, quando animamos juntos seminários de formação/intervenção em Tours e Hendaye);

c) a partir dessa associação entre práticas pedagógicas e sócioanalíticas, bem como de um importante trabalho de teorização, Lourau produz, em forma de tese, uma obra que encerra seus anos de aprendizagem e, ao mesmo tempo, começa a instalar nossa análise institucional no espaço universitário. Ele dá provas de uma grande capacidade de conceptualização, o que caracteriza, aliás, o conjunto de sua obra. (LAPASSADE, 2007).

Para ele, ‘‘Lourau nunca deixou de se interessar pelos problemas pedagógicos’’.

Abaixo, apresentamos um quadro resumo das publicações na década de 90

(sec.XX):

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Quadro 2 – René Lourau - Principais publicações na década de 90 (século XX) Ano René Lourau – Principais publicações na década de 90

(século XX) 1994 publica, em colaboração com Jacques Ardoino, um livro intitulado Les

pédagogies institutionnelles (Ardoino e Lourau, 1994)

1995 está presente, através de seus escritos, em obras coletivas, como a que

Patrick Boumard e Ahmed Lamihi dedicam, em 1995, na editora Ivan

Davy, às pedagogias autogestionárias um capítulo de La clé des champs

é dedicado à autogestão pedagógica. Lourau volta ao tema da ação

contrainstitucional, ressaltando “a confusão que não cessa de reinar” nas

pedagogias de vanguarda: Lourau mistura muito comodamente a não

diretividade de Carl Rogers, os anarquistas franco-maçons Sébastien

Faure e Francisco Ferrer, o funcionário da Tcheka (futura KGB)

Makarenko, o freudismo libertário de Neil, a utopia crítica de Ivan Illitch, as

educações centradas na criança com Korczack, na Polônia, ou Freinet, na

França...

1999 no terceiro Cahier de l´implication (pág. 164), a propósito do debate sobre

o lugar concedido à formação de sócio-analistas no Laboratório de Análise

Institucional de Paris VIII, Lourau lembra que este laboratório organizou

“jornadas de estudo tratando unicamente de Pedagogia: uma sobre

Célestin Freinet e Fernand Deligny, outra sobre Janusz Korczack e Paulo

Freire”

Fonte: LAPASSADE (2007)

1.8 Carl Rogers e a não diretividade

Segundo Hipólito (1999) foi Kirschenbaum (1989) na obra "The Carl Rogers Reader",

que nomeou Rogers como sendo o mais influente psicoterapeuta da história

americana.

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35

Carl Ranson Rogers nasceu em 08/01/1902 e faleceu em 04/02/1987 nos Estados

Unidos da América.

Rogers dedicou grande parte da sua vida profissional ao trabalho como

psicólogo clínico. Foi através da experiência com indivíduos que desenvolveu

trabalhos na área da psicologia e da educação. Apresenta na sua obra,

principalmente ‘‘Liberdade para Aprender’’(1969), uma concepção diferente de

educação e de homem.

Para ele, a realidade é um fenômeno subjetivo, cada ser se reconstrói em si

mesmo (o eu ou self) e com o mundo exterior através da percepção que recebe

através de experiências (estímulos) e coloca nessas experiências e significados.

Cada indivíduo tem uma consciência que o faz ter opções e construir assim os

significados. A consciência interna e autônoma é a liberdade e segundo Rogers é o

ponto em que deve a educação se direcionar para que haja o crescimento e a

preservação da liberdade. Somente através do exercício dos aprendizados e seus

significados, o indivíduo se aceitando se produzirá o homem livre.

Rogers (1975, p.283) acreditava que a educação deveria se adaptar as

mudanças ‘‘só uma extraordinária mudança na direção básica da educação, pode ir

ao encontro das necessidades da cultura contemporânea’’. A

aprendizagem deveria ocorrer num clima harmonioso, propício, respeitando as

capacidades criativas dos sujeitos. Só assim, os indivíduos que estão no sistema

escolar poderão crescer pessoalmente para que se tornem pessoas ‘‘inovadoras e

construtivas’’(1975, p.297).

Conforme Rogers, o homem para ser educado tem que ‘‘aprender a

aprender’’, e, será educado somente aquele que se adaptou às mudanças. Assim,

segundo Rogers (1975), o professor ao ser facilitador da aprendizagem será uma

pessoa que:

‘‘Se a nossa cultura atual sobrevive é porque fomos capazes de desenvolver pessoas para as quais a mudança é o fato central da vida e que se preparam para viver, satisfatoriamente, tendo em vista esse fato central. Quer dizer que tais pessoas não se preocuparão com o fato de que a aprendizagem que receberam é inadequada para habilitá-las a superar situações correntes. Achar-se-ão, ao contrário na tranquila expectativa de que será continuamente necessário incorporar novas e desafiadoras aprendizagens sobre situações em mutação incessante’’. (ROGERS, 1975, p.165).

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Em relação ao aluno, o facilitador da aprendizagem será um recurso didático.

Sendo ele um recurso vivo, ele facilitará as relações interpessoais, sendo estas

relações, condições imprescindíveis para qualquer instituição educacional que

pretenda uma educação baseada no respeito e na convivência humana.

Rogers retira da sua experiência com a terapia e coloca as qualidades necessárias a

qualquer encontro, seja ele terapêutico ou educacional:

1) Retirar as máscaras, ser transparente – o professor deve ser real. Ele precisa

manifestar o seu humor, suas ansiedades e alegrias, ser o mais natural

possível e também os estudantes devem agir da mesma forma. Rogers dá

exemplo de uma professora que se incomodava com a sujeira da sala. Sem

repreender os alunos, colocou para eles que ela se sentia mal com a

situação. Os estudantes então passaram a limpar a sala agindo assim com

respeito à necessidade da professora. Todos foram transparentes, autênticos.

2) Aceitar o outro – Todos devem se aceitar como sujeitos únicos, o que ocorre

através da convivência. Na aprendizagem sempre se necessita a organização

do eu e assim, o professor e aluno aprendem a confiança mútua.

3) Toda relação deve haver comunicação – a aprendizagem ocorre quando há

comunicação. Quando ocorre a comunicação, ocorre a aprendizagem através

das relações, da empatia do facilitador com seus aprendizes.

Rogers (1975) através de pesquisa realizada com professores sobre as

relações acima citadas concluiu que eles: ...são eficazes não apenas na facilitação de uma aprendizagem e compreensão profundas do eu num relacionamento tal como a psicoterapia, mas que as atitudes mencionadas caracterizam professores tidos como eficientes, e que alunos de semelhantes professores aprendem mais, mesmo num currículo convencional, do que os de professores a que faltam aquelas atitudes (p.121).

O que deve ser levado em consideração são o respeito e confiança nas capacidades

dos indivíduos a desenvolverem as suas potencialidades. Quando o estudante

participa do seu processo de aprendizagem com responsabilidade, a aprendizagem

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37

é verdadeira. O aluno tem que aprender a ser aluno, sempre aberto às mudanças de

seu próprio processo.

Rogers recomenda para uma aprendizagem autêntica, o grupo de encontro,

também chamado de ‘‘Grupo-T’’, realizado com o objetivo de melhorar e facilitar a

autoaprendizagem, as relações e a comunicação interpessoal.

O autor fala da liberdade junto com a responsabilidade e a partir dos encontros de

grupo, as relações entre os envolvidos estarão mais fortes para enfrentarem as

dificuldades que porventura surgirem. Assim, o clima nas salas de aula se tornará

propício ao trabalho autodirigido. É através da aprendizagem que os alunos

descobrirão a responsabilidade de cada um.

Rogers (1983) coloca a sua perspectiva e visão do mundo de fins de século: Gostaria de colocar o meu sonho – admitidamente um sonho idealista – relativo ao ponto para onde talvez estejamos nos deslocando. Este mundo novo será mais humano e humanitário. Explorará e desenvolverá as riquezas e capacidades da mente e do espírito humanos. Produzirá indivíduos que serão mais integrados e plenos. Será o mundo que valorizará a pessoa individual, o maior de nossos recursos. Será um mundo natural, com um renovado amor e respeito pela natureza. Desenvolverá uma ciência mais complexa e humana, baseada em conceitos novos e menos rígidos. Sua tecnologia objetivará o engrandecimento das pessoas, ao invés da exploração delas e da natureza. Liberará a criatividade, à medida que os indivíduos sentirem o seu poder, suas capacidades, sua liberdade. Os ventos da mudança científica social e cultural estão soprando fortemente. As enormes perturbações da sociedade moderna forçarão uma transformação para uma ordem nova e mais coerente. E nessa ordem parece crescer uma nova visão do mundo, a relação, um renovado amor pela natureza e por cada pessoa, uma compreensão da unidade espiritual do universo. Deve ser um mundo mais humano, com mais lugar para indivíduos que são integrados e totais. Esta é pelo menos, minha entusiasmada esperança. (ROGERS, 1983, p.18-19). Grifos nosso.

Nessa fala, grifamos onde Rogers preconizou em mais de quinze anos, as condições

essenciais para a vida no século XXI que cita Delors (1998), denominado os pilares

da educação, que é a capacidade dos indivíduos de ‘‘aprender a ser’’, ‘‘aprender a

fazer’’, ‘‘aprender a conhecer’’, ‘‘aprender a conviver e a viver juntos’’ e para Morin

(2000, p.13-18), que a educação para o futuro deve estar fundamentada em sete

saberes: ‘‘as cegueiras do conhecimento (o erro e a ilusão), os princípios do

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conhecimento pertinente, ensinar a condição humana, ensinar a identidade terrena,

enfrentar as incertezas, ensinar a compreensão e a ética do gênero humano’’.

1.9 Michel Lobrot e a Pedagogia Institucional

Michel Lobrot nasceu em 22 de janeiro de 1924, em Paris. Estudou no Liceu Pasteur e na

Sorbonne. Ensinou na École Normale d'Arras e em 1958 passa a lecionar psicologia infantil no Centro

Nacional de Educação Especial em Beaumont-sur-Oise (CNPS). O centro é um lugar onde se treina

professores para crianças deficientes. A partir dessas experiências, Lobrot publicou seu primeiro livro

em 1966, intitulada Pedagogia Institucional.

Após o movimento de 1968, em conflito com seus colegas de Beaumont, devido a pedagogia

não diretiva aplicada aos alunos, transfere-se em 1969 para a Universidade de Paris 8, Vincennes.

Assim passa a desenvolver experiências educacionais inspiradas na pedagogia institucional. Inventou

o método de Non Directional Speaker (NDS) na década de 80 (sec. XX) que explicaremos adiante e

fundou em 1975 o Instituto Ágora, que existe até hoje. Para Michel Lobrot, a instituição projetada e a instituição vivida só podem ser

analisadas na dinâmica interna da própria instituição. As questões dos grupos

interferem na dinâmica das instituições e a análise do que se passa dentro dos

grupos é fundamental para a compreensão dos problemas das instituições de

ensino.

Para Lobrot (1977), a autoridade vem do medo que temos do outro, sendo que

este medo é uma forma de defesa: se o outro pode me atacar, devo antecipar-me a

ele. Assim, a autoridade pode mudar a vontade do outro que Lobrot denomina de

repressão ou coerção:

A autoridade é um sistema que permite alterar a vontade do outro, curvá-la no sentido que se deseja. Dois casos podem ser apresentados. Ou bem se procura suprimir pura e simplesmente a vontade do outro, porque ela constitui um perigo e, então, utiliza-se um mecanismo que chamaremos a Repressão. Ou bem se procura fazer o outro agir num sentido diferente daquele que ele próprio desejaria, num sentido que deseja útil. Utiliza-se então um mecanismo que chamaremos Coerção.

Quer se trate de Repressão ou Coerção, o princípio é sempre o mesmo e devemos mais uma vez analisá-lo. O princípio é o de transformar o campo psicológico do indivíduo sobre o qual se quer agir de tal modo que o ato que ele projeta tenha consequências

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distintas daquela que deveria ter normalmente (LOBROT, 1977, p.34).

Lobrot já na década de 80 (séc. XX) propôs uma redefinição na noção do

termo “não diretividade”, criado por Carl Rogers na década de 40 (séc. XX). Na

redefinição, Lobrot propõe a colaboração e a participação a partir de uma atividade

ou uma proposta previamente definida.

Para Lobrot (2002) existem formas diferentes de atividades quando o

indivíduo está desenvolvendo algum tipo de atividade, como por exemplo,

aprendendo. Estas atividades também se referem ao professor que está ajudando o

aluno a aprender. Segundo ele, estas atividades apresentam características

específicas. Assim:

Uma série de atividades que fazemos na vida é feito sob restrições, ou seja, com motivações externas, que apenas empurra-nos a olhar para recompensas ou evitar punições. Existem dois tipos de restrições impostas. Elas podem ser restrições da própria realidade e limitações nascidas da vida social, que são procuradas e organizadas por outros seres humanos que têm objetivos específicos. LOBROT (2002)

Para uma escola que se propõe ser uma escola aberta a comunidade, buscarei em

LOBROT, 2002 a partir do método Non Directional Speaker (NDS) alguns indicadores

que facilitariam a abertura da escola e da comunidade.

O método NDS dá importância vital para a intervenção, e é essa intervenção que

pode ser o elemento transformador dentro da escola. O método possui seis etapas:

1) Estabelecimento de um plano de ação que não se limita somente a ações. Esse

plano deve ser conhecido pela comunidade escolar. A partir do conhecimento do

plano de ação, a comunidade ficará ciente dos possíveis resultados além de

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prepará-los psicologicamente para as futuras ações que possivelmente irão

acontecer e que ele compara ao “efeito pigmaleão”4 ;

2) O plano de ação é comunicado pela escola (emissor) à comunidade escolar

(receptores) e assim se desencadeia todo o processo de comunicação, que para

Lobrot , uma das maiores descobertas de Rogers;

3) Uma escola ao utilizar o método NDS, deve-se obrigatoriamente conhecer os

desejos da comunidade escolar. Sem esse real conhecimento, a escola não

conseguirá chegar até a comunidade para que esta consiga elaborar o seu próprio

projeto;

4) A escola deverá propor atividades como reuniões, jogos, exposições para que a

comunidade escolar consiga “ir mais longe e se descobrirem”. É nesse momento que

a comunidade se apropria da escola. Essa conscientização e internalização é o

momento da percepção da realidade do mundo e segundo Lobrot ocorre no sujeito

psíquico, que precisa se ajustar a nova realidade;

5) A escola e seu gestor deverá estar sempre atentos às atividades desenvolvidas,

aos acontecimentos, às dificuldades e aos progressos. Sempre que for necessário,

as intervenções deverão ser realizadas. A esta fase, Lobrot denominou de

“Acompanhamento”.

6) As conversações, principalmente entre escola/comunidade, professor/aluno

devem ser sempre retomadas sem que essas causem constrangimentos. Os

problemas devem ser tratados de forma delicada e tranquila.

Para Lobrot, todo esse processo “leva tempo e energia”. Assim, seja de forma

diretiva ou não diretiva, ou um equilíbrio entre as duas formas, Non Directional Speaker

(NDS) observa-se a contribuição da Pedagogia Institucional na abertura das

organizações e das pessoas.

A diferença da não diretividade de Rogers e Lobrot desenvolvida

principalmente a partir dos anos sessenta (sec.XX) está na concepção de que a não

direção era o papel principalmente da psicologia em não interferir nos pensamentos

4 Segundo a enciclopédia virtual Wikipedia - Efeito Pigmaleão (também chamado efeito Rosenthal), é nome dado em psicologia ao efeito de nossas expectativas e percepção da realidade na maneira como nos relacionamos com a mesma, como se realinhássemos a realidade de acordo com as nossas expectativas em relação a ela. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Efeito_Pigmale%C3%A3o>. Acesso em: 05/09/2010.

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dos seus clientes para tratá-los. O que ocasionou na pedagogia institucional e nas

traduções que se deveria deixar o aluno para que esse conduzisse a sua própria

aprendizagem sem ser direcionado pelo professor. Já Lobrot a partir da década

de oitenta verifica que a nova sociedade emergente e para um novo século deveria

ser baseada na autonomia, na participação dos indivíduos e na comunicação

interpessoal. E assim, a não diretividade pura, como apresentada na primeira fase

da Pedagogia Institucional, só seria possível em tratamentos da psicologia e mesmo

assim sem levar em conta a história de vida de cada paciente, o que na pedagogia,

seria impossível de fazê-lo, principalmente com crianças.

1.10 Considerações sobre o capítulo

Após este estudo, verifiquei que após quase cinquenta anos do surgimento da

Pedagogia institucional, a forma como o Estado trata as suas instituições, no caso as

escolas, principalmente em relação à autonomia, não modificou muito. O Estado

Brasileiro continua controlando as suas instituições, através de legislações,

diretrizes, referenciais e repasse financeiro. Após os anos 90 (século XX), com a

globalização e instalação da política neoliberal entendemos como Chauí (1985, p.69-

70): ‘‘O Estado aparece como a realização geral, mas na realidade, ele é a forma

pelo qual os interesses da parte mais forte e poderosa da sociedade ganham a

aparência de interesses de toda a sociedade’’, e assim se vê que o sistema

educacional é um instrumento para a utilização das suas necessidades (econômicas,

políticas e sociais).

Ao discutir o papel do Estado nas organizações, verificamos serem atuais as

afirmações de Lapassade (1983, p.23) que diz que ‘‘o Estado cumpre essa função

de encobrimento ‘‘ideológico’’ através das mediações institucionais que penetram

toda a sociedade’’. Esse ‘‘encobrimento’’ é o nível oculto, e, na dinâmica do

funcionamento dos grupos, esse nível oculto deve ser buscado no que é visível

desses grupos.

Transpondo para a prática educativa, não adianta trabalhar somente os alunos, tem

que se trabalhar a escola como um todo, entendida como comunidade escolar.

Quando Lapassade (1983, p.14) diz que a análise do grupo só é verdadeira desde

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que se fundamentem na análise institucional, estas deverão estar em constante

movimento, pois assim exercem a soberania coletiva. Daí, concluímos que todas as

mudanças que ocorrem na escola, desejadas pela comunidade escolar, como é o

caso de abrir a escola, é um exercício de soberania coletiva.

Verifiquei que os autores da Pedagogia e Psicologia Institucional são de

fundamental importância para analisarmos o que se passa no interior das

organizações e no caso específico, nas escolas.

O estudo do que se passa nos grupos muito pode contribuir para a abertura da

escola, não só aquelas que participam dos projetos de abertura nos fins de semana,

mas a abertura da comunidade escolar.

Ao trabalhar com a autonomia, participação, comunicação interpessoal, a

pedagogia institucional tem grande contribuição para o entendimento do termo

“protagonismo juvenil”, usado frequentemente nos últimos anos.

Segundo Gomes da Costa (1998) a palavra “protagonista” vem do grego e significa

personagem principal ou ator principal. Para ele, o termo “protagonismo juvenil” vem

sendo usado para designar jovens autônomos, solidários, competentes e

participativos. Já para NOLETO (2008) explica que o programa Abrindo Espaços

estimula a participação na articulação do jovem com a comunidade assim o

programa tem possibilitado uma transformação pessoal na vida de milhares de

jovens, que, por meio das atividades propostas no fim de semana, descobriram seus

talentos, potencialidades e tornaram-se mais autônomos. (p.33, v.1).

Assim, ao trabalhar com a organização escolar e os grupos nela inseridos como, por

exemplo, as relações dos alunos e a melhoria de comportamentos e atitudes bem

como a participação da comunidade, as relações da comunidade escolar como um

todo - partindo da gestão, pais, professores e funcionários da escola aos novos

desafios de “quebrar os muros”, das atitudes dos gestores, professores e

funcionários fazem-se necessários o entendimento do que se passa no interior e

exterior da escola para que se possam alcançar os objetivos propostos pela

instituição.

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CAPÍTULO II

POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A INFÂNCIA E A JUVENTUDE

PROGRAMA ABRINDO ESPAÇOS E PROGRAMA ESCOLA ABERTA

“De tudo, ficaram três coisas: a certeza de que estamos sempre começando, a certeza de que precisamos continuar e a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar. Por isso precisamos fazer da interrupção um caminho novo, da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sono uma ponte, da procura um encontro”. Fernando Sabino

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2.1 Legislações e Acordos

Não faltam leis, princípios, normas e regulamentos para amparar os direitos

das crianças e adolescentes em relação às garantias de educação, saúde, lazer.

Algumas merecem destaque, quando se fala em acesso pleno à educação.

A primeira é a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada

pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948. O

artigo 1º, diz que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e

em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros

em espírito de fraternidade”. Em relação aos direitos da vida em sociedade, o artigo

22º determina que “toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à

segurança social. O artigo 26º refere-se especificamente a educação: 1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

A segunda é a Declaração dos Direitos da Criança, da ONU de 1959. Entre

os princípios, o artigo 7º - direito da criança a “uma educação capaz de promover a

sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver

as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade

moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade”. O princípio 9º e 10 º diz

que:

9º Princípio – A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, abandono, crueldade e exploração. Não deve trabalhar quando isto atrapalhar a sua educação, o seu desenvolvimento e a sua saúde mental ou moral.

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10 º Princípio – A criança deve ser criada num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes.

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, no artigo 6º,

que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a

segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência

aos desamparados, na forma desta Constituição”. Já no artigo 206, da parte

dedicada à educação, estabelece que “o ensino será ministrado com base nos

seguintes princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; V – valorização dos profissionais do ensino, garantidos, na forma da lei, planos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos; VI – gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII – garantia de padrão de qualidade.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Lei nº. 8.069, de 13 de

julho de 1990. O artigo 5º determina que “nenhuma criança ou adolescente será

objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência,

crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou

omissão, aos seus direitos fundamentais”. No capítulo II, sobre o direito à liberdade,

ao respeito e à dignidade, o artigo 16 diz que o direito à liberdade compreende os

seguintes aspectos:

I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; II – opinião e expressão; III – crença e culto religioso; IV – brincar, praticar esportes e divertir-se; V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; VI – participar da vida política, na forma da lei; VII – buscar refúgio, auxílio e orientação.

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No artigo 53, que inicia o capítulo dedicado ao direito à educação, à cultura, ao

esporte e ao lazer, o Estatuto assegura à criança e ao adolescente: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – direito de ser respeitado por seus educadores; III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores; IV – direito de organização e participação em entidades estudantis; V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº. 9.394, aprovada em

20 de dezembro de 1996, no artigo 3º, a Lei estabelece onze princípios segundo os

quais o ensino deve ser ministrado, que são: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de qualidade; X – valorização da experiência extra-escolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.

O ano 2000 foi importante para a cultura de paz5 em todo o mundo. A

Assembléia Geral das Nações Unidas declarou o ano de 2000 como o Ano

Internacional da Cultura de Paz, e o período compreendido entre 2001 e 2010 como

5 A cultura de paz está intrinsecamente relacionada à prevenção e à resolução não violenta dos conflitos. É uma cultura baseada em tolerância, solidariedade e compartilhamento em base cotidiana, uma cultura que respeita todos os direitos individuais - o princípio do pluralismo, que assegura e sustenta a liberdade de opinião - e que se empenha em prevenir conflitos resolvendo-os em suas fontes, que englobam novas ameaças não-militares para a paz e para a segurança como exclusão, pobreza extrema e degradação ambiental. A cultura de paz procura resolver os problemas por meio do diálogo, da negociação e da mediação, de forma a tornar a guerra e a violência inviáveis. (Gomes, Candido Alberto. Abrindo Espaços: múltiplos olhares – Brasília: UNESCO, Fundação Vale, 2008).

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a Década Internacional da Promoção da Cultura de Paz e Não-Violência em

Benefício das Crianças do Mundo. O resultado de reuniões providas durante aquele

ano foi o Manifesto 2000 onde foi elaborado os Compromissos do Manifesto de

2000, a saber:

Respeitar a vida e a dignidade de cada pessoa, sem discriminação ou preconceito. Rejeitar a violência: praticar a não-violência ativa, rejeitando a violência sob todas as suas formas: física, sexual, psicológica, econômica e social, em particular contra os grupos mais desfavorecidos e vulneráveis como as crianças e os adolescentes. Ser generoso: compartilhar o tempo e os recursos materiais em um espírito de generosidade visando ao fim da exclusão, da injustiça e da opressão política e econômica. Ouvir para compreender: defender a liberdade de expressão e a diversidade cultural, dando sempre preferência ao diálogo e à escuta do que ao fanatismo, a difamação e a rejeição do outro. Preservar o planeta: promover um comportamento de consumo que seja responsável e práticas de desenvolvimento que respeitem todas as formas de vida e preservem o equilíbrio da natureza no planeta. Redescobrir a solidariedade: contribuir para o desenvolvimento da comunidade, com a ampla participação da mulher e o respeito pelos princípios democráticos, de modo a construir novas formas de solidariedade. (NOLETO,2008,v.3,p.24)

Desta forma, a UNESCO tem em seu ato constitutivo: “Uma vez que as guerras

começam na mente dos homens, é na mente dos homens que as defesas da paz

devem ser construídas,” o que representa a missão do Órgão como pode ser visto em

sua ata constitucional: “O propósito da Organização é contribuir para a paz e a segurança, promovendo cooperação entre as nações por meio da educação, da ciência e da cultura, visando a favorecer o respeito universal à justiça, ao estado de direito e aos direitos humanos e a liberdades fundamentais afirmados aos povos do mundo”. (NOLETO, 2008, v.1, p.21), (a).

Assim, a UNESCO espera que a partir de uma cultura de paz, as pessoas de todo o

mundo se conscientizem da necessidade de se viver em paz e que essas atitudes

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sejam uma constante na vida de todos. Daí, a criação de vários projetos em todo o

mundo durante a Década Internacional da Promoção da Cultura de Paz e Não-

Violência em Benefício das Crianças do Mundo (2000-2010) como desdobramento

da cultura de paz, preconizada pela UNESCO, o Brasil procurou criar programas

nesse sentido, sendo um deles, o Projeto Escola Aberta em 2004 e a adesão ao

Projeto Abrindo Espaços desde 2000 que abordo a seguir.

2.2 O Programa Abrindo Espaços

O Programa Abrindo Espaços: educação e cultura para a paz, criado em 2000

pela Organização das Nações Unidas (ONU) para a Organização das Nações

Unidas para a educação, a ciência e a cultura (UNESCO) tem como objetivos, abrir

as escolas nos fins de semana com atividades que envolve os jovens e a

comunidade usuária da escola, contribuindo para a inclusão e aproximação dos

jovens da escola, como mostra o trecho seguinte: O Programa Abrindo Espaços consiste na abertura das escolas públicas nos fins de semana, com oferta de atividades de esporte, lazer, cultura, inclusão digital e preparação inicial para o mundo do trabalho. Ao contribuir para romper o isolamento institucional da escola e fazê-la ocupar papel central na articulação da comunidade, o programa materializa um dos fundamentos da cultura de paz: estimular a convivência entre grupos diferentes e favorecer a resolução de conflitos pela via da negociação. (NOLETO, 2008, vol.3, p.21), (c).

O Programa Abrindo Espaços, baseado em princípios, valores e conceitos propostos

pela UNESCO, destacam-se abaixo, os principais elementos que compõem a

identidade do programa: 1) o respeito e a valorização da educação de qualidade e do papel dos educadores – professores, diretores e outros membros da comunidade escolar –, traduzidos em constantes e periódicas formações continuadas, produções de publicações destinadas a eles e outras ações; 2) a importância da integração entre as ações regulares da escola (e seu projeto pedagógico) e as ações desenvolvidas nos fins de semana;

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3) a importância da integração da direção pedagógica da escola – definidores e executores das linhas pedagógicas – no planejamento conjunto das ações do fim de semana com a coordenação do programa; 4) a prática de uma relação dialógica e democrática com os parceiros e com toda comunidade escolar; 5) a construção e a definição coletiva com os parceiros locais das fases e ações do programa; 6) a valorização e a promoção da cultura local, e a preocupação com a construção de relações positivas com a comunidade local; 7) a identificação e a valorização dos talentos locais; 8) a valorização e a promoção das organizações não-governamentais comunitárias; 9) a prática da comunicação permanente e do constante fluxo de informações entre os profissionais envolvidos no programa; 10) a elaboração constante de publicações sobre temas relacionados ao programa, como importante instrumento de produção e disseminação do conhecimento; 11) a determinação dos critérios de “risco e vulnerabilidade social” como fundamentais para a seleção de escolas participantes do programa”. (NOLETO, 2008, vol.3, p.26-27), (c).

O lançamento do Programa no Brasil realizado pela UNESCO em 2000 foi

criado devido a várias pesquisas sobre juventude feitas pela UNESCO no Brasil

como cita Noleto (2008): Tais pesquisas revelavam que os jovens eram, como ainda são, o grupo que mais se envolve em situações de violência, tanto na condição de agentes quanto de vítimas. A maior parte desses atos violentos acontece nos fins de semana, nas periferias, envolvendo, sobretudo, jovens de classes empobrecidas e em situação de vulnerabilidade. (ibidem, p.15)

A partir de 2001 o programa passou a ser implementado em alguns estados do

Brasil principalmente naquelas escolas em que possuíam altos índices de violência

escolar e risco social, conforme Noleto (2008) destaca:

Ao inserir-se no marco mais amplo de atuação da UNESCO, o programa contribui para fortalecer o conceito de educação ao longo da vida, bem como para a erradicação e o combate à pobreza. Volta-se ainda para a construção de uma nova escola para o século XXI, caracterizada muito mais como “escola-função”, e não apenas como “escola-endereço”, ou seja, uma escola que, de fato, contribua

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para o desenvolvimento humano e integral dos seus alunos e da comunidade. O programa atua para ajudar a transformar as escolas em espaço de acolhimento e pertencimento, de trocas e de encontros. O objetivo é que elas sejam capazes de incorporar na programação oferecida no fim de semana as demandas do segmento jovem, bem como suas expressões artísticas e culturais, fortalecendo a participação dos estudantes e jovens nas atividades da escola. (vol.3, p.14),(c).

Observa-se que o programa revela uma preocupação com o envolvimento do jovem

com o cotidiano da escola e propõe a transformação desta em espaço de encontro

da juventude. Neste sentido a unidade escolar pode constituir-se em local de

validação de experiências das comunidades e dos saberes locais, como mostra o

trecho seguinte:

...O fato de o Abrindo Espaços validar a experiência das comunidades e os saberes locais faz com que o programa contribua para “quebrar o muro” do isolamento institucional das escolas, abrindo de fato suas portas para os moradores, os pais dos alunos, enfim, a toda a comunidade, que passa a reconhecer a escola como sua. Os estudantes e sua comunidade sentem-se valorizados à medida que suas demandas são atendidas e que as expressões juvenis são fortalecidas. Isto possibilita maior integração entre todos os atores envolvidos no processo e favorece a descoberta de novas formas de relação capazes de gerar o sentimento de pertencimento tão necessário para o exercício do protagonismo juvenil. (NOLETO, 2008, vol.2, p.14-16), (b).

Desta forma, o programa apresenta uma proposta que acolhe o jovem na

perspectiva de geração de um sentimento de pertencer ao ambiente escolar e ao

ambiente comunitário. E, ao desenvolver esses sentimentos, o jovem passa a se

sentir cidadão, a sentir-se importante para a sua família e sua comunidade.

Page 51: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

51

2.2.1 Um exemplo do Projeto Abrindo Espaços Estado de Minas Gerais

No Estado de Minas Gerais a idéia de abertura da escola para a comunidade

assumiu o nome de Escola Viva, Comunidade Ativa.

a) Justificativa para realização do projeto

Vinculado ao Programa Abrindo Espaços, o Projeto Escola Viva-Comunidade Ativa

foi implantado em Minas Gerais desde 2003, inicialmente nas escolas municipais da

Grande Belo Horizonte (hoje participantes do projeto Escola Aberta/MEC), através

da Resolução SEE/MG nº. 416/03 de 04 de julho de 2003 instituiu na Rede Pública

de Minas Gerais o Projeto Abrindo Espaços - “Escola Viva - Comunidade Ativa”

(anexo) com o objetivo de apoiar as escolas em área de risco social.

b) Objetivos do projeto

O Projeto Escola Viva, Comunidade Ativa é um projeto estruturador do Governo de

Minas que tem por objetivo ‘‘promover mudanças na qualidade das interações entre

a escola e a comunidade, com o objetivo de alcançar maior sintonia entre ambas,

tendo como base valores como a colaboração e o respeito mútuo’’. Segundo os

documentos da Secretaria de Educação:

“Pretende a construção de uma escola aberta à comunidade, solidária, sem violência e de boa qualidade educacional. É desenvolvido sob a orientação e apoio da Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais e segundo metodologia elaborada por equipe de especialistas da UNESCO. A escola, para participar deste Programa, precisa manifestar o seu interesse em desenvolvê-lo”. (SEE-MG –Escola Viva – Comunidade Ativa – PDPI).

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c) Dificuldades

Observa-se que o entendimento de “área de risco social” é confundido com escolas

que tem alto índice de violência escolar, no entanto, não se situam em área de risco,

o que dificulta a operacionalização do Projeto e a apropriação do espaço público

com a abertura da escola. Esse fato é necessário uma explicação para melhor

entendimento da situação.

Muitas cidades do interior mineiro possuem somente uma escola estadual de anos

finais do ensino fundamental e ensino médio. Isso é fato. Em muitas delas a clientela

reside em seu entorno, condição necessária a implantação do projeto para que a

comunidade tenha uma participação efetiva e se aproprie dela. Na maioria das

cidades de pequeno porte, as escolas situam-se na área central da cidade e a

maioria da clientela é moradora dos arredores da cidade, distante da escola. Assim,

verifica-se a dificuldade da apropriação do espaço público pela comunidade diante

da distância física dos usuários e seus responsáveis e a escola. É um critério de

participação no projeto que deve ser revisto, pois muitos objetivos do projeto não

são alcançados devido a dificuldades de locomoção da comunidade até a escola, o

que desencadeia a baixa participação da comunidade no projeto. Para participar do

Projeto Escola Aberta, a escola participante deve estar situada na comunidade, no

bairro. As escolas participantes elaboraram um Plano de

Desenvolvimento Pedagógico e Institucional (PDPI) conforme documento da

Secretaria de Educação:

“O PDPI é um plano global de desenvolvimento da instituição escolar a ser elaborado e implementado por todas as escolas integrantes do Projeto Escola Viva, Comunidade Ativa, devendo resultar de um processo de planejamento participativo. Sua construção envolve um conjunto de decisões e ações encadeadas e articuladas em um plano de ação comum, norteador da caminhada da comunidade escolar por um período de tempo determinado, na direção de seus objetivos. Sua lógica deve ser compreendida e apropriada por todos os integrantes dessa comunidade e o processo vivenciado coletivamente, tanto na sua elaboração quanto na sua implementação, deve fazer com que a escola alcance um primeiro patamar de transformação, constituindo-se como:

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• Um grupo operativo, que sabe construir e desenvolver um projeto comum • Um grupo socialmente competente cujo trabalho é reconhecido pelas sociedades na qual se insere • Um grupo que ‘‘aprende, que sabe agir de maneira integrada e auto-regulada’’. Escola Viva – Comunidade Ativa (www.educacao.mg.gov.br) (grifo nosso).

d) Perspectivas do projeto

Em relação aos objetivos esperados a SEE/MG assim coloca:

Há três classes de resultados que se deseja obter com a implementação deste Projeto. A primeira, relativa aos próprios alunos e à atividade fim da educação, relaciona-se à sua aprendizagem e ao seu desenvolvimento. Trata-se, neste caso, de assegurar a todos o direto à educação, não enquanto um enunciado genérico e concebido apenas como o direito de acesso à escola ou à "instrução pública", mas também como o direito à inclusão e permanência numa escola democrática que privilegie também novas dimensões da formação humana. Exige, portanto, que a proposta curricular expresse a pluralidade das dimensões da formação das crianças, dos jovens, dos adultos – sujeitos de aprendizagem – e dos próprios profissionais que com eles trabalhem. Espera-se, então, que a escola fique sintonizada com a pluralidade das experiências e necessidades culturais dos educandos, tornando-se uma escola que resgate sua condição de tempo-espaço de socialização e de individualização, de cultura e de construção de identidades diversas.

A SEE/MG ainda coloca como resultados esperados a participação da comunidade e

a apropriação da escola como um patrimônio a ser usufruído, tema que vai ao

encontro do nosso objetivo na pesquisa:

A segunda classe de resultados refere-se ao reconhecimento da escola como um bem comum, um patrimônio da comunidade a ser usufruído e preservado por todos. Para isso, a escola deve tornar-se um espaço de vida, integrada à própria vida da comunidade. Nessa perspectiva, o direito à educação constitui-se como direito à cultura, e, para isso, é preciso que a escola se perceba como espaço de vivência e criação culturais, abrindo-se à produção cultural do seu entorno e da própria cidade, assegurando que essa postura se materialize e se expresse no seu currículo, garantindo que a experiência escolar seja, de fato, uma experiência cultural significativa. Em terceiro lugar, espera-se que a escola se transforme de um modo fundamental, passando a atuar como um

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grupo operativo, capaz de superar suas dificuldades internas e construir um projeto comum, como um grupo que aprende com a sua própria experiência e como um grupo socialmente competente. Disponível em: <http://200.198.28.154/sistema43/index.asp?ID_PROJETO=23&ID_OBJETO=160683&ID_PAI=160681&AREA=ATRIBUTO > Acesso em 10/09/2009.

Observa-se no documento da Secretaria a necessidade da compreensão e

apropriação da comunidade escolar sobre os objetivos do projeto, ‘‘processo

vivenciado coletivamente’’, o que só acontece se houver a apropriação do espaço

público pela comunidade. E para isto, deve haver condições físicas e principalmente

união das pessoas em torno de objetivos comuns.

2.3 O Projeto Escola Aberta

Tornou-se política pública criado pela Resolução/CD/FNDE/Nº. 052, de 25 de

outubro de 2004 com o nome de Escola Aberta: Educação, Cultura, Esporte e

Trabalho para a Juventude levando em consideração a necessidade de ampliação

de espaços públicos para a comunidade com vistas à promoção da melhoria da

qualidade de vida.

a importância de se ampliar o escopo das atividades da escola para promover a melhoria da qualidade da educação no país, de se promover maior diálogo, cooperação e participação entre os alunos, pais e equipes de profissionais que atuam nas escolas e a necessidade de redução da violência e da vulnerabilidade socioeconômica nas comunidades escolares. (Resolução/CD/FNDE/nº. 052, de 25 de outubro de 2004).

Com a criação do Programa como política pública a partir de 2004, muitos Estados e

prefeituras municipais migraram do Programa Abrindo Espaços para o Programa

Escola Aberta (PEA). A partir de 2008, o

Programa Escola Aberta passa a pertencer a ações integradas do MEC que são:

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Escola que protege (Eqp), Conexões de Saberes, e Pintando a liberdade, vinculado

ao Ministério dos Esportes. Segundo o MEC:

O projeto Escola que Protege (Eqp) é voltado para a promoção e a defesa dos direitos de crianças e adolescentes, além do enfrentamento e prevenção das violências no contexto escolar. A principal estratégia da ação é o financiamento de projetos de formação continuada de profissionais da educação da rede pública de educação básica, além da produção de materiais didáticos e paradidáticos nos temas do projeto.

Conforme a Secretaria de Educação, Alfabetização e Diversidade - (SECAD -

MEC), o Programa Conexões de Saberes: diálogo entre as universidades e as

camadas populares, tem como objetivos a articulação entre as universidades e

comunidades populares com o objetivo “de troca de saberes, experiências e

demandas”, além de que jovens das camadas populares desenvolvam na sua

comunidade, trabalhos que visem à produção científica para desta forma, ampliar a

capacidade de intervenção. Para a realização dos trabalhos, o aluno recebe uma

ajuda financeira (bolsista). As instituições universitárias que participam do

projeto cabem a realização de estudos, diagnósticos para “propor medidas que

criem condições para o maior acesso e permanência, com qualidade, dos

estudantes oriundos das favelas e periferias nas instituições de ensino superior”,

além de:

Estimular a criação de metodologias, com a participação prioritária dos jovens universitários dessas comunidades, voltadas para: o monitoramento e avaliação do impacto das políticas, em particular as da área social; o mapeamento das condições econômicas, culturais, educacionais e de sociabilidade, a fim de desenvolver projetos de assistência aos grupos sociais em situação crítica de vulnerabilidade social, em particular as crianças e os adolescentes. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12360&Itemid=817>.

Tabela 1 - Conexão de saberes Conexão de Saberes — evolução

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Ano Universidades bolsistas

2004 (piloto) 5 75 2005 14 210 2006 26 520 2007 31 775 2008 33 2.200

Fonte:MEC-SECAD Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12360&Itemid=817>.

Já o programa Pintando a Liberdade conforme o Ministério do Esporte, visa a

ressocialização de internos do Sistema Penitenciário por meio da fabricação de materiais esportivos. Além da profissionalização, os detentos reduzem um dia da pena para cada três dias trabalhados e recebem salário de acordo com a produção.

A justificativa sobre esta integração é assim abordada pelo MEC/ SECAD:

o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação, Alfabetização e Diversidade - Secad implementou o Projeto Escola que Protege. Este projeto tem em sua estrutura o curso "Formação de educadores (as) - subsídios para atuar no enfrentamento a violências contra crianças e adolescentes", abordando a temática da violência física, psicológica, abandono, negligência, exploração sexual comercial e exploração do trabalho infantil. A Secad integrou as ações dos programas Escola que Protege e Escola Aberta por terem objetivos próximos e também o ambiente escolar como cenário para o desenvolvimento de suas ações, de modo a garantir que todas as escolas participantes do programa Escola Aberta incorporem efetivamente a rede de proteção à criança e ao adolescente.

A seguir apresento um quadro retirado da página eletrônica do MEC que

facilita ao leitor um entendimento sobre os órgãos executores do programa bem

como suas respectivas funções.

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Fonte: MEC - 2009 2.3.1 Avaliação do Programa Escola Aberta pelo MEC

Quadro 3 - Escola Aberta - Parceiros

Órgãos Executores:

Secretarias de Educação: Coordenador interlocutor - Profissional disponibilizado pelas respectivas secretarias de educação. É responsável pelas seguintes ações: dar o suporte necessário ao desenvolvimento das atividades; coordenar as ações juntà Unidade Gestora do Programa (MEC); promover o diálogentre as secretarias participantes do Programa; realizar o acompanhamento pedagógico por meio de visitas in loco e prelatórios apresentados pelos coordenadores temáticos, supervisores e coordenadores escolares e contribuir paradivulgação do Programa. Coordenadores temáticos (pedagógico, esportivo cultural) São três profissionais, disponibilizados pelas respectivas secretarias de educação. Têm a responsabilidadde organizar atividades de integração entre todas as escolabeneficiadas pelo Programa, promovendo feiras, festivais,campeonatos e gincanas sobre as várias temáticas, acompanhando o desempenho das oficinas e dos demeventos e oferecendo orientações para o aprimoramento dasações realizadas nos finais de semana. Supervisor Profissional responsável por visitar as escolas, nosfinais de semana, com o objetivo de acompanhar o desenvolvimento Programa, verificando se as ações previstas estão sendo efetivamente executadas. O supervisor, na proporção de 01 (umpara cada 05 (cinco) escolas, será, preferencialmente, professor da rede pública de educação. Coordenador escolar - Responsável pela manutenção da relação entre o Programa Escola Aberta, a unidade escolar e a comunidade do entorno. É indicado pelo diretor escolar entre pessoas de sua inteira confiança, considerando aspectos de formaçe/ou experiência. Participa da identificação dos oficineiros entre os talentos da comunidade e coordena o planejamento das oficinas conforme consulta à comunidade. Deve ser bem articulado, ter liderança e ter um bom nível de aproximação com o jovem e as comunidades interna e externa à escola, com vistas a proporcionaa criação de vínculos. Responsabiliza-se pela abertura da escola nofinal de semana. Portanto, deve ficar com as chaves da instituição e nela permanecer durante todo o período das atividades. Oficineiro - Pessoa identificada entre os talentos da comunidade. É o responsável pela realização das atividades nas oficinas. Atuará conforme a demanda necessidades da comunidade, desenvolvendo ações culturais, esportivas, de lazer de saúde coletiva, de formação inicial para o trabalho, entre outras, em conformidade com as orientações do coordenador escolar.

Unesco: cooperação técnica para gestão administrativo-financeira do programa, bem como para transferência de tecnologia social construída a partir da gestão de programas semelhantes

Ministério do Trabalho e Emprego: qualificação jovens nos Consórcios Sociais da Juventude, que atuarão como oficineiros nas escolas aos finais de semana e receberão ajuda de custo mensal.

Ministério do Esporte: distribuição de material esportivo, qualificação na área esportiva

Ministério da Cultura: qualificação de agentes culturais e interligação com os Pontos de Cultura.

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No recente documento – Relatório Executivo do Programa Escola Aberta

(2008) realizado pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (CESPE) da

Universidade de Brasília (UnB), o relatório apresentou os principais resultados da

pesquisa de avaliação do Programa Escola Aberta (PEA). A pesquisa de abordagem

quantitativa e qualitativa relata os principais problemas detectados na execução do

Programa, que se fazem necessários à apresentação de alguns tópicos para um

melhor entendimento das dificuldades encontradas. Um dos problemas detectado

foi:

...Desenvolvimento de ações específicas voltadas para ampliação do público alvo Um sério problema que foi detectado é o do atual público que o PEA tem atendido. Ele é, majoritariamente, composto por crianças na faixa de 10 a 15 anos de idade. No entanto, de acordo com as diretrizes do PEA, o público-alvo deveria ser constituído por jovens e também por adultos de diversas faixas de idade. Aparentemente, as oficinas que são oferecidas não têm conseguido atrair este último grupo de participantes. Essa constatação demanda ações específicas do PEA voltadas para ampliar o público alvo e incluir outras faixas de idade que, na prática, hoje não estão sendo atendidas pelo programa.

Outro problema:

Integração com as atividades da escola e ampliação no número de oficinas voltadas para formação educativa complementar A dualidade na estrutura organizacional também acaba se influenciando na maneira como as atividades do PEA refletem no dia-a-dia da escola. Vários atores entrevistados apontam que há grande espaço para aperfeiçoamentos no sentido de uma maior integração entre as atividades do PEA e da escola. Um exemplo disso é a enorme carência de oficinas em determinadas áreas, especialmente as voltadas para a formação complementar.

A avaliação destacou ainda:

Aperfeiçoamentos na forma de auscultar a comunidade

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Há diferenças de opinião em relação à participação da comunidade na escolha das oficinas. Tanto beneficiários quanto oficineiros e coordenadores escolares afirmam que a participação da comunidade é limitada. A opinião desses atores é muito importante, pois eles representam a comunidade diretamente. Essa parece ser uma indicação segura de que há espaço significativo para aperfeiçoamento na forma como a comunidade participa do PEA.

Em relação ao problema do dualismo e ambigüidade de competências

principalmente na figura do diretor da escola verificamos pontos conflitantes em

relação às relações horizontais e verticais, onde destaco que as relações do diretor

com a comunidade devem ser horizontais para evitar as tensões existentes, o que

parece ser ocasionado pela maneira de gerir a escola com autoridade e

verticalidade, sem envolvimento necessário ao Programa conforme demonstrado na

avaliação abaixo:

Alterações na estrutura organizacional do programa, com mudanças na divisão de competências e redução da tensão entre a estrutura organizacional da escola versus estrutura organizacional do PEA O Programa Escola Aberta utiliza uma estrutura educacional paralela àquela que é utilizada no dia-a-dia da escola. Ele estabelece uma nova divisão de competências e uma nova forma de acompanhamento das atividades desempenhadas no âmbito da escola, da forma como foi concebido. Em outras palavras, o PEA cria uma estrutura organizacional “dual” e, até certo ponto, ambígua. Essa “dualidade e ambiguidade” aparecem em diferentes níveis, mas talvez o mais significativo seja no papel do diretor da escola. Há uma tensão e uma ambigüidade entre o papel do diretor durante a semana e aos finais de semana. Durante a semana, o diretor é a autoridade mais importante dentro da escola. Ele coordena as relações intra-organizacionais ou “horizontais’’ no âmbito da escola, envolvendo alunos, professores e funcionários. Ademais, ele também é ator fundamental em relação às atividades “inter-organizacionais” ou “verticais” entre a escola e as demais instâncias decisórias do sistema educacional (Secretaria Municipal, prefeitura, Secretaria Estadual, MEC etc) e no relacionamento com os demais membros da própria comunidade. No entanto, o PEA, ao estabelecer uma estrutura paralela de gestão do programa, acaba criando um novo conjunto de relações “horizontais” e “verticais” resultando em um “dualismo” organizacional dentro da escola. Durante a semana, centrado na figura do diretor. Aos finais de semana, o diretor entrega a escola à equipe do PEA. A sugestão é de que esse “dualismo” seja revisto, a tensão entre as duas estruturas seja reduzida e que se busque o fortalecimento do papel do diretor no âmbito do PEA, assim como

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60

das instâncias de gestão democrática da escola, especialmente o Conselho Escolar. (Relatório Executivo – Escola Aberta, 2008), grifo nosso.

Diante das constatações verificadas nos documentos acima citados, verificam-se as

dificuldades em relação ao sentido de abertura organizacional. Romper os muros,

romper as barreiras criadas pelas pessoas envolvidas para a participação na vida da

comunidade.

A necessidade de participação na vida comunitária, os objetivos comuns e a

história de vida de cada um principalmente em áreas de vulnerabilidade social, faz

com que se procure um lugar prazeroso que, segundo BAUMAN (2003) define:

“comunidade é nos dias de hoje outro nome do paraíso perdido... mas que

esperamos ansiosamente retornar, e assim buscamos febrilmente os caminhos que

podem levar até lá” (p.9). A escola parece ser um dos elos do “paraíso perdido” de

Zygmunt Bauman devido ao fato que:

Somos todos interdependentes nesse nosso mundo que rapidamente se globaliza, e devido a essa interdependência nenhum de nós pode ser senhor de seu destino pó si mesmo. Há tarefas que cada indivíduo enfrenta, mas com as quais não se pode lidar individualmente. O que quer que nos separe e nos leve a manter distância dos outros, a estabelecer limites e construir barricadas, torna a administração dessas tarefas ainda mais difícil. Todos precisamos ganhar controle sobre as condições sob as quais enfrentamos os desafios da vida – mas para a maioria de nós esse controle só pode ser obtido coletivamente. [...] uma comunidade tecida em conjunto a partir do compartilhamento e do cuidado mútuo; uma comunidade de interesse e responsabilidade em relação aos direitos iguais de sermos humanos e igual capacidade de agirmos em defesa desses direitos. (BAUMAN, 2003, p.134)

2.4 As principais diferenças do Programa Abrindo Espaços e Escola Aberta

Page 61: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

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A principal diferença entre os programas está na esfera de execução. O

Programa Abrindo Espaços foi lançado em 2000 e teve a adesão de alguns estados

da federação tais como Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro, Ceará, Rio Grande do

Sul, São Paulo e de algumas prefeituras em diversos estados da federação.

A participação do governo federal na ação de abrir escolas marca nova fase do programa que vai além de uma mudança de denominação de Abrindo Espaços para Escola Aberta. O primeiro desafio diz respeito à gestão. A administração tornou-se mais complexa em razão da necessidade de articular número maior de parceiros. São quatro ministérios: Educação, Trabalho e Emprego, Esportes e Cultura, além da UNESCO e das secretarias municipais e estaduais de Educação. O segundo desafio é articular as agendas e demandas dos estados e municípios com a realidade de uma política pública nacional. É preciso definir uma linha mestra comum, baseada nos princípios da cultura de paz, que possa ser executada por todos os estados e municípios sem que o Programa Escola Aberta perca a flexibilidade. Como o programa federal foi implantado em estados em que o Abrindo Espaços já estava consolidado (caso de Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul), houve a necessidade imediata de harmonizar os programas localmente, sem perder de vista o cenário nacional. (NOLETO, 2008, v.1, p. 45-46), (a).

A UNESCO entrou com a “cooperação técnica para gestão administrativo-

financeira do programa, bem como para transferência de tecnologia social

construída a partir da gestão de programas semelhantes”.

Aos estados e municípios participantes do “Abrindo Espaços” cabe disponibilizar os

recursos financeiros para o desenvolvimento do Programa. Daí, verifiquei a

diferença nas atividades de cada estado na gestão de recursos em cada escola,

principalmente referente à contratação de serviços e pessoal necessário para as

atividades nos fins de semana.

Há diferenças entre os dois programas – o Abrindo Espaços e o Escola Aberta – assim como sempre houve distinções regionais no âmbito do próprio Abrindo Espaços. Em São Paulo, por exemplo, as oficinas eram coordenadas por voluntários ou universitários, que recebiam bolsa de estudos e, em troca trabalhavam nas escolas no fim de semana. No Rio, os oficineiros sempre foram remunerados e em Pernambuco eram voluntários. (ibidem)

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62

Já no programa “Escola Aberta”, por ser uma política pública, os Estados e

municípios participantes, já possuem um “Termo de Compromisso” e a cada escola

participante é repassado uma verba mensal através do Fundo Nacional de

Desenvolvimento da Educação (FNDE) através do Programa Dinheiro Direto na

Escola (PDDE). Pelos documentos analisados, a escola possui autonomia na

contratação de oficineiros, serviçais, professores para as atividades dos fins de

semana. No caso do Estado de São Paulo e Minas Gerais, os estados participam do

programa “Abrindo Espaços” e não aderiram ao Programa Escola Aberta do MEC.

Algumas cidades do interior paulista aderiram ao PEA (ver tabela 3, p.75).

Observei que a questão do nome do Programa seja ele vinculado ao Abrindo

Espaços, ou a Escola Aberta do governo federal tem gerado certa confusão no

entendimento da questão a qual ele foi, ou é vinculado e que foi observado também

por Noleto (2008)

O nome que o programa terá também é de livre escolha: o importante é que este nome reflita o fio condutor dos sentidos literal e metafórico de abertura das escolas. Literalmente, as escolas devem-se abrir a toda a comunidade – alunos, jovens, moradores. O sentido metafórico refere-se à necessidade de serem acolhedoras, inclusivas, receptivas e comprometidas, de fato, com o novo, com as sugestões, as necessidades e os desejos da comunidade escolar, e que traduzam uma nova prática pedagógica, com mais qualidade e com o compromisso de formar cidadãos democráticos, tolerantes e capazes de contribuir para a construção da cultura de paz. (NOLETO, 2008, vol.3, p.35),(c).

A seguir apresento uma tabela sobre as Secretarias de Educação de cada

Estado participantes do Programa Escola Aberta elaborada a partir de documentos

do MEC/SECAD e consultas os sítios eletrônicos dos Estados. Tabela 2 - Secretarias de Educação participantes do Programa Escola Aberta

ESTADOS Número de escolas

ACRE ESTADUAL

RIO BRANCO 05

ALAGOAS MUNICIPAIS MACEIÓ 15 ESTADUAL

MACEIÓ

10

AMAPÁ ESTADUAL MACAPÁ

SANTANA 12 09

Page 63: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

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AMAZONAS MUNICIPAIS MANAUS 50 BAHIA MUNICIPAIS

LAURO DE FREITAS SALVADOR

21 46

ESTADUAL Nome - Escola Aberta – início - 2005

CAMAÇARI CANDEIAS SALVADOR SIMOES FILHO VERA CRUZ

01 01 55 01 02

CEARÁ MUNICIPAIS

FORTALEZA MARACANAU

39 18

ESTADUAL FORTALEZA 15 DISTRITO FEDERAL ESTADUAL Nome - Escola Aberta - início - 2006 55 ESPÍRITO SANTO MUNICIPAIS CARIACICA

VIANA SERRA VITÓRIA VILA VELHA

20 10 20 30 22

ESTADUAL Nome - Escola Aberta - início - 2004

CARIACICA SERRA VILA VELHA VITÓRIA

19 16 13 05

GOIÁS MUNICIPAIS AGUAS LINDAS DE GOIAS

GOIANIA LUZIANIA

14 30 15

MARANHÃO MUNICIPAIS SÃO LUIS 20 ESTADUAL SÃO LUIS

SÃO JOSÉ 09 01

MATO GROSSO ESTADUAL CUIABÁ

VÁRZEA GRANDE 20 10

MATO GROSSO DO SUL MUNICIPAIS CAMPO GRANDE 40 MINAS GERAIS MUNICIPAIS BELO HORIZONTE

BETIM BRUMADINHO CONTAGEM ESMERALDAS IBIRITÉ JUATUBA NOVA LIMA RIBEIRÃO DAS NEVES SABARÁ VESPASIANO

85 21 05 32 05 05 03 05 07 04 07

PARÁ MUNICIPAIS BELÉM 15

Page 64: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

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URUARA 01 ESTADUAL BELÉM 20 PARAÍBA MUNICIPAIS JOAO PESSOA 20 ESTADUAL JOAO PESSOA 20 PARANÁ ESTADUAL ALMIRANTE

APUCARANA CAMPO LARGO COLOMBO CURITIBA FAZENDA RIO ITAPERUCU LONDRINA PINHAIS PIRAQUARA SAO JOSE DOS PINHAIS

02 01 01 01 11 02 01 01 02 03 02

PERNAMBUCO MUNICIPAIS ARAÇOIABA

CABO DE SANTO AGOSTINHO CAMARAGIBE IGARASSU IPOJUCA ILHA DE ITAMARACÁ ITAPISSUMA JABOATÃO DOS GUARARAPES MORENO OLINDA PAULISTA RECIFE SÃO LOURENÇO DA MATA

08 13 10 09 18 12 02 09 06 25 10 105 06

ESTADUAL Escola Aberta Cultura de Paz e Lazer nas Escolas nos Finais de Semana

ABREU E LIMA ARAÇOIABA BUIQUE CABO DE SANTO AGOSTINHO CAMARAGIBE CARPINA FEIRA NOVA FERNANDO DE NORONHA IGARASSU ILHA DE ITAMARACÁ IPOJUCA ITAPISSUMA JABOATÃO DOS GUARARAPES LIMOEIRO MORENO OLINDA PAULISTA PETROLINA RECIFE RIACHO DAS ALMAS

06 01 01 07 09 01 01 01 01 04 01 03 25 03 03 25 12 05 59

Page 65: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

65

SALGUEIRO SAO JOSE SAO LOURENCO DA MATA SURUBIM

01 02 01 07 01

PIAUÍ MUNICIPAIS ESCOLA ABERTA, ESCOLA DA GENTE – INÍCIO - 2005

TERESINA 60

ESTADUAL

TERESINA UNIÃO

08 01

RIO DE JANEIRO MUNICIPAIS BELFORD ROXO

DUQUE DE CAXIAS ITABORAÍ ITAGUAÍ JAPERI MAGÉ MANGARATIBA MESQUITA NILÓPOLIS NITERÓI NOVA IGUAÇU PARACAMBI QUEIMADOS RIO BONITO RIO DE JANEIRO 30 SÃO GONÇALO SÃO JOÃO DE MERITI SEROPÉDICA TANGUÁ

20 15 09 07 08 10 07 10 10 10 55 03 08 07 30 10 16 08 07

ESTADUAL

BELFORD ROXO CACHOEIRAS DE MACACU DUQUE DE CAXIAS ITABORAÍ ITAGUAÍ NILÓPOLIS NOVA IGUAÇU PARACAMBI QUEIMADOS RIO DE JANEIRO SÃO GONÇALO SÃO JOÃO DE MERITI SEROPÉDICA

04 01 07 03 02 02 09 01 03 07 06 05 01

RIO GRANDE DO NORTE MUNICIPAIS NATAL

São Gonçalo do Amarante 12 01

ESTADUAL - PROJETO ESCOLA ABERTA INÍCIO - 2007

NATAL 08

RIO GRANDE DO SUL MUNICIPAIS ALVORADA

ARROIO DOS RATOS CACHOEIRINHA CAMPO BOM CANOAS

03 02 06 03 06

Page 66: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

66

CHARQUEADAS ELDORADO DO SUL ESTEIO GRAVATAÍ NOVO HAMBURGO PORTO ALEGRE SÃO LEOPOLDO TRIUNFO VIAMÃO

07 03 02 30 25 35 11 04 12

ESTADUAL PROJETO ESCOLA ABERTA PARA A CIDADANIA.

ALEGRETE ALVORADA ARAMBARE BUTIA CACHOEIRINHA CAMAQUA CANOAS CHARQUEADAS ELDORADO DO SUL GRAVATAÍ GUAÍBA MONTENEGRO NOVO HAMBURGO PORTO ALEGRE SANTANA DO LIVRAMENTO SÃO JERONIMO SÃO LEOPOLDO SÃO SEBASTIÃO SAPIRANGA SAPUCAIA DO SUL TAPES TAQUARA URUGUAIANA VIAMÃO

01 05 01 01 02 02 02 02 01 01 02 01 01 18 01 01 03 01 01 01 01 01 01 03

RORAIMA MUNICIPAIS BOA VISTA 19 RONDÔNIA MUNICIPAIS PORTO VELHO 33 SANTA CATARINA MUNICIPAIS FLORIANOPOLIS 09 ESTADUAL Escola Aberta à Cultura e à Cidadania - 2005

BOM JARDIM DA BOM JESUS DESCANSO FLORIANOPOLIS ICARA JOINVILLE LAGES LAGUNA MACIEIRA PONTE ALTA DO SALTINHO SANTA HELENA SAO JOSE TUBARAO

01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01 01

Page 67: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

67

SERGIPE MUNICIPAIS ARACAJU 10 ESTADUAL ARACAJU

JAPARATUBA MURIBECA NOSSA SENHORA DO SAO CRISTOVAO

09 01 01 04 03

SÂO PAULO MUNICIPAIS DIADEMA

SANTO ANDRE SUZANO TABOAO DA SERRA

06 11 10 05

TOCANTINS MUNICIPAIS PALMAS 12 ESTADUAL MIRACEMA DO NORTE

NOVA ROSALANDIA NOVO ACORDO PALMAS

01 01 01 05

Fonte: 1)http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/escola_aberta/escolas_municipal.pdf 2)http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/escola_aberta/escolas_estadual.pdf 3)SÍTIOS ELETRÔNICOS DAS SECRETARIAS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO DOS ESTADOS E MUNICÍPIOS. Acesso em 22/08/2010.

A partir do levantamento dos Estados e municípios participantes do Programa Escola

Aberta/MEC observei que atualmente dos 26 estados brasileiros, 20 Estados e Distrito

Federal participam do Projeto. As Secretarias Estaduais de Educação dos Estados do

Amazonas, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Roraima, Rondônia e São Paulo

não participam do Projeto Escola Aberta/MEC, porém as Secretarias estão vinculados

ao Programa “Abrindo Espaços”/UNESCO, como demonstro no mapeamento abaixo.

Figura 2 - Mapeamento do Programa Escola Aberta e Abrindo Espaços conforme vínculo com a Secretaria de Estado de Educação dos Estados Brasileiros e Distrito Federal

Page 68: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

68

Abrindo Espaços Escola Aberta

2.5 A Formação de profissionais para uma Escola Aberta

Page 69: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

69

As últimas décadas do século XX e início do século XXI foram marcadas,

tanto na Europa como nas Américas por reformas educacionais com muitas

propostas inovadoras. A busca pela excelência econômica, política e cultural no

movimento de globalização encontram na educação os alicerces para enfrentar a

alta competitividade da vida moderna. Recorre-se a educação como recurso

inigualável para formar as bases de uma nova sociedade da informação onde o

trabalho não se limita mais a transformação da matéria, mas prioriza a ação sobre o

ser humano, com o humano e para o ser humano.

Assim, o professor é colocado como sujeito principal para o sucesso ou o

fracasso das políticas educacionais como veremos a seguir:

Os profissionais responsáveis pela abertura das escolas públicas no fim de semana enfrentam, em todo o país, desafios complexos: estão sendo convidados a renovar sua visão da prática educativa para tornar a escola, de fato, uma instituição significativa para o desenvolvimento dos seus alunos e dos jovens da comunidade. Eles precisam torná-la mais atraente e, para isso, é necessário colocar o foco nos estudantes, fortalecendo seu potencial criativo e sua capacidade de tornarem-se autônomos. A comunidade passa a ser vista como aliada no processo. Tudo isso envolve mudanças profundas e complexas nas relações aluno–professor e escola–comunidade. É por isso que a formação continuada é vista como um processo fundamental para o amadurecimento das equipes e o conseqüente sucesso do Programa Abrindo Espaços. Embora a abertura das escolas tenha características diferentes nas mais variadas regiões do país, há um elemento comum encontrado em todas as escolas onde o projeto é bem sucedido: a participação e o envolvimento de todos os profissionais destacados para realizar esta ação (NOLETO, 2008, vol.2, p.73), (b).

No Brasil, o movimento das reformas educacionais encontrou forças principalmente

a partir dos debates para a elaboração da Constituição de 1988 e da LDB (Lei nº

9394/96). A partir das reformas para reorganização da LDB, a formação do educador

passa a se destacar. Nos debates e definição dos rumos da política educacional,

destaco a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino

Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF) e mais tarde, a transformação

em ........................................................ Fundo de Manutenção e Desenvolvimento

da Educação Básica (FUNDEB) e pela participação da

Page 70: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

70

sociedade que atua no campo da educação, formada principalmente de professores

universitários e cuja contribuição apoiou-se em propostas fundadas no empenho

coletivo da investigação e da produção científica.

Um conceito em matéria de formação de professores independente da natureza da

orientação das políticas públicas educacionais, é a profissionalização do trabalho

docente.

Em relação à prática social do professor, a maioria dos autores estudiosos da

área como Nóvoa (2005; 2009); Tardif e Lessard (2008); Tardif (2002); Perrenoud

(1999, 2001), Ferry (2000) dentre outros dizem que o profissional do ensino deverá

ser formado sob a égide de saberes e competências, reagrupados em referenciais

ou em bases de conhecimento e na dinâmica do desempenho pessoal, e que grande

parte dos saberes docentes são fundados na experiência, integrados a uma cultura

pessoal e passíveis de transformação desenvolvidas principalmente através da

prática de ensino e da formação continuada.

Assim, o professor que se propõe a trabalhar na Escola Aberta deverá estar

aberto às mudanças e refazer a sua prática diariamente como assinala Noleto

(2008):

A formação continuada deve ser entendida como uma ação organizada, direcionada, intencional, contínua e permanente que conduz à prática do diálogo genuíno, como uma estratégia para exercitar a capacidade de compreender o outro: um momento de reflexão sobre a própria prática com base na fala do outro, uma oportunidade de desenvolver ações conjuntas para a solução de problemas. (NOLETO, 2008, vol.2, p.64),(b).

O trecho acima permite destacar tanto a importância da formação quanto do lugar

onde ela se realiza na medida em que define a formação como reflexão sobre a

própria prática. Ao referir-se a escola como lugar de formação Almeida (2008) assim

se manifesta:

A reflexão sobre essa situação coloca, para todos aqueles que trabalham no campo educacional, a questão do significado do seu trabalho. A necessidade de encontrar um significado para o próprio trabalho vem sendo colocado de forma cada vez mais incisiva para os educadores, sobretudo, para aqueles que atuam nas grandes metrópoles e que têm acrescida à tarefa tradicional de exercer a mediação para o conhecimento, a necessidade de também ocupar-se com a formação de identidades. (ALMEIDA, 2008, p.73)

Page 71: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

71

As reflexões acerca da formação dos educadores e qual o lugar que ele ocupa

dentro da sua profissionalização e os significados que a importância do próprio

trabalho docente assume, ao ser um formador, e como estas ressignificações a

partir da sua prática ao longo da sua trajetória profissional se desenvolve é objeto de

estudo que vem ganhando destaque na última década.

2.6 Considerações sobre o capítulo No documento Proposta Pedagógica do MEC (2007), verifica-se além de abrir

os portões nos fins de semana para o uso da comunidade visando à diminuição da

violência escolar já apresenta uma diferencial quanto à apropriação do espaço

público segundo Tinôco (2007) apud MEC (2007):

...A Proposta Pedagógica do PROGRAMA ESCOLA ABERTA evidencia a opção política por conceitos como apropriação democrática do espaço público, valorização das culturas locais, celebração das diferenças no âmbito da igualdade perante a lei e socialização do saber como promoção de autonomia e de participação social. Portanto, sua presença em áreas urbanas com um alto índice de risco e vulnerabilidade social ultrapassa a intenção de buscar a simples solução de retirar os jovens das ruas, ocupando-lhes o tempo. (Introdução - Proposta Pedagógica do Programa Escola Aberta, p.9).

O trecho acima permite entender que em relação à condução da política educacional

brasileira, observam-se nos documentos oficiais pós LDB - Lei no 9394/96, tais como

os Parâmetros Curriculares Nacional (PCN`s), Diretrizes e Referenciais Curriculares

Nacionais, uma base nacional comum que é caracterizada ao mesmo tempo pela

flexibilidade e pela regulação pelo Estado, o que reflete diretamente na gestão da

escola pública. A autonomia da escola pública é assim limitada ou praticamente

inexistente já que existe a obrigação na prestação de contas seja no recebimento de

recursos financeiros, seja de ordem administrativa e pedagógica à sua esfera de

pertencimento o que Therrien e Loiola (2001) assim retrata:

Page 72: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

72

Há uma preocupação oficial, voltada para aproximar a escola da comunidade local, dos pais, de organismos comunitários, e de agentes econômicos, entre outros. Assim, a ideologia do associacionismo, do voluntarismo, da participação de todos, veicula uma nova porosidade que se instala nas fronteiras das instituições escolares e no contexto social. Trata-se, na verdade, de um movimento generalizado de reestruturação escolar, introduzindo a descentralização das decisões, a introdução de uma ideologia da participação de pais e, por extensão, da comunidade numa perspectiva de gestão ou fiscalização administrativa, a responsabilização da escola e, consequentemente, dos professores em relação aos resultados, a prescrição de um programa nacional comum centrado nos conteúdos de base e, finalmente, a emergência de novas orientações pedagógicas, suscitando debates e redefinindo práticas. No Brasil, o Estado não desapareceu de cena, ele continua sendo um ator que deve ser considerado como um poder regulador de primeiro plano. (THERRIEN E LOIOLA, 2001, p. vol. 22, n -74).

Atualmente, verifica-se uma cobrança clara, visível e em alguns casos, até

ameaçadora quando se fala de avaliação sistêmica. Prêmios por produtividade,

avaliações de desempenho são introduzidos nos sistemas de ensino em condição

ao bom desempenho dos alunos nas avaliações externas. Metas, quase impossíveis

são impostas as escolas, principalmente àquelas situadas em áreas de

vulnerabilidade social. As metas nos resultados são na maioria das vezes,

inatingíveis devido a vários fatores como exemplo, as provas das avaliações

externas.

Elas são iguais em todas as escolas, o que garante a igualdade de direitos, porém

desconsideram-se:

1) os alunos moradores de comunidades carentes, onde a vulnerabilidade social e

demais fatores afetam diretamente na aprendizagem;

2) os alunos em situação de extrema pobreza, que diante da fome crônica possuem

dificuldades na aprendizagem;

3) alunos portadores de necessidades especiais e educativas e o meio em que

vivem.

Page 73: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

73

Em nossa prática, somente os alunos que possuem laudo médico e

psicológico são dispensados das avaliações sistêmicas, o que na realidade de sala

de aula temos muitos casos de alunos com dificuldades de aprendizagem que não

configuram como portadores de necessidades especiais e educativas.

Muitas famílias se omitem ou se negam a reconhecer as dificuldades dos seus

filhos, não procurando ajuda especializada, mesmo quando orientadas a procurá-las

pela escola. Em uma ocasião, conversamos com uma mãe cujo filho era portador de

deficiência auditiva e possuía o aparelho de surdez, porém a mãe não deixava a

criança ir à escola com o aparelho alegando que o aluno ficava melhor e escutava

sem ele. Os disparates são inúmeros para quem vivencia a escola diariamente.

Muitas vezes, o preconceito começa na própria família. O que nos remete ao

pensamento de Boaventura Souza Santos (2001):

Nós temos de salientar as diferenças. Igualdade e diferença é uma dupla que precisa andar junta na nova sociedade civil. Temos o direito de ser iguais quando a diferença nos descaracteriza e temos o direito de ser diferentes quando a igualdade nos caracteriza. (p. 118).

Em relação ao desempenho dos alunos nas escolas, Charlot (1997) apud

ABRAMOVAY E CASTRO (2003) lembra que: Neste sentido, vale lembrar as ponderações feitas por Charlot, a respeito da relação entre origem social e trajetória escolar. Segundo o autor, é importante atentar para os sentidos diversos atribuídos pelos alunos à escola. O fracasso escolar deve ser entendido não apenas a partir de explicações de natureza externa à escola, mas das múltiplas reações e interações estabelecidas no interior da escola.

Page 74: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

74

Retornando a Pedagogia Institucional, o autor demonstra que como

Lapassade (1983), Lourau (1995), que existe o nível oculto nas instituições e essas

relações estabelecidas dentro da escola devem ser identificadas e melhor

compreendidas.

CAPÍTULO III

PROJETO ESCOLA ABERTA: APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO ESCOLAR COMO EXERCÍCIO DE CIDADANIA

“Para ser, tem que [se] estar sendo” (FREIRE, 1983)

Page 75: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

75

Neste capítulo pretendo apresentar a proposta de abertura da escola

desenvolvida na EMEF Cidade de Osaka, uma escola da rede pública municipal de

São Paulo na qual foi desenvolvido o projeto escola aberta no período de 2001 a

2004 quando a gestão municipal tinha o Projeto Escola Aberta entre os programas

de governo que constituíam as políticas publicas para a infância e a juventude, na

cidade. Embora não se possa dizer que esta experiência é representativa do que foi

o projeto na rede como um todo, trata-se de uma experiência, que no processo de

pesquisa, destacou-se em função da quantidade de registro existente sobre ela.

Desta forma, foi a produção bibliográfica existente sobre a abertura da EMEF Cidade

de Osaka que me levou a escolhê-la como foco desta pesquisa.

Sobre essa experiência foi possível encontrar livros, teses, trabalhos de

conclusão de cursos e referencia a muitos trabalhos apresentados em eventos

educacionais tais como Fórum Mundial de Educação, Congresso Internacional de

Pesquisa Auto Biográfica, Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino,

Reuniões Anuais da Associação Nacional de Pesquisa e Pós Graduação, entre

outros.

Além disso, em decorrência do projeto, desenvolveu-se na unidade uma

experiência de formação de educadores, envolvendo professores e demais

funcionários da unidade a partir do qual foi realizada a pesquisa “Alfabetização

Inclusiva a melhoria da escola pública” que contou com apoio financeiro da

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). A partir dos

registros desta experiência foi elaborado o livro “Histórias de Vida: quando falam os

professores” com relatos de experiências dos participantes do grupo.

Os registros evidenciam que no período estudado houve grande presença da

comunidade na escola participando de cursos e oficinas oferecidos para os alunos e

para a comunidade. Dentre estes cursos e oficinas vale destacar o curso de

informática que envolveu pessoas de todas as idades. Foram desenvolvidos também

diversos projetos e oficinas com atividades relacionadas à arte, cultura e lazer.

Desta forma esta experiência parece conter elementos cuja análise permite

verificar em que medida a abertura da escola pode constituir-se em oportunidade de

apropriação do espaço escolar pela comunidade usuária. Antes de falar

especificamente da escola e do projeto, parece oportuno apresentar o ambiente

onde ela esta inserida. A descrição do cenário é necessária, para que se possa

entender, sobretudo as discussões que surgiram a partir da implantação do Projeto

Page 76: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

76

Escola Aberta. Assim, será facilitado o entendimento de algumas relações que se

estabelecem no cotidiano da escola.

3.1 Aqui tem uma escola

A escola fica no Parque São Rafael, um dos distritos que compõe a Sub-

Prefeitura de São Mateus. Para descrever o Parque São Rafael recorri à

enciclopédia Wikipédia e Almeida (2003), onde é apresentado uma descrição

pormenorizada do bairro com destaque tanto para seus aspectos físicos quanto

culturais, econômicos e sociais. O Parque São Rafael é o principal e mais antigo

bairro do distrito de São Rafael, que está situado no extremo sudeste da cidade de

São Paulo.

Figura 3 - Mapa localização da escola

Page 77: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

77

Fonte: http://maps.google.com.br/maps

O “Rafael” como é carinhosamente chamado pelos moradores, faz divisa com

vários bairros menores do distrito como Jardim Buriti, Jardim Vera Cruz, Jardim

Santa Adélia, Jardim Valquíria e também com o município de Mauá. O bairro fica a

aproximadamente vinte e cinco quilômetros da Praça da Sé, marco-zero da cidade

de São Paulo e a oito quilômetros do centro da cidade de Santo André. Figura 4 - Entorno da Escola

Fonte: http://images.google.com.br/images

O bairro foi construído a partir de loteamento iniciado na década de 1960,

quando áreas foram loteadas e vendidas para famílias de trabalhadores

principalmente migrantes que vinham para trabalhar na Região do Grande ABC num

Page 78: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

78

período de grande desenvolvimento econômico, dando ao bairro características de

classe-média e média-baixa. Nos anos 70, um grande assentamento foi instalado

pela prefeitura na divisa do Parque São Rafael com o Jardim Vera Cruz, com

moradores oriundos da Favela Vergueiro, que foi desocupada e mais tarde

transformou-se na Chácara Klabin, bairro de alto padrão na Zona Sul de São Paulo,

próximo à Vila Mariana.

Além das famílias que compraram lotes regulares e construíram suas casas,

famílias sem condições de adquirirem lotes regulares passaram a ocupar de forma

irregular as margens do Rio Cipoaba, que como assinala (Almeida 2003, p.105)

configura-se como “um esgoto a céu aberto”

Figura 5 - Panorâmica de parte do Parque São Rafael. Ao fundo algumas indústrias do Pólo Petroquímico de Capuava.

Fonte: http://images.google.com.br/images

Em 2004, de acordo com dados da Fundação - Sistema Estadual de Análise

de Dados (SEADE), o distrito de São Rafael (o bairro Parque São Rafael é o mais

populoso) possuia cerca de 136 mil habitantes. Entre 1991 e 2004 apresentou taxa

média de crescimento populacional de 3,3% ao ano, uma das mais elevadas da

Capital. Tal crescimento é explicado pela intensa ocupação das regiões limítrofes do

distrito nos anos 90 por famílias de baixa renda, tanto aquelas que passaram a

ocupar ilegalmente os terrenos, quanto àquelas que foram instaladas em conjuntos

habitacionais construídos pelo poder municipal e estadual de São Paulo.

Outro aspecto que pode explicar esse crescimento é o fato da região contar ainda

com grandes áreas como, por exemplo, o Morro do Sabão e o Parque das Flores,

Page 79: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

79

onde fica a nascente do Córrego das Flores, um dos afluentes do Rio Aricanduva.

Tratam-se de áreas destinadas à preservação ambiental, que abriga outras

nascentes do Aricandura e nas quais se encontra nestas áreas remanescentes de

Mata Atlântica primária e secundária bem como vários exemplares da fauna

regional. Apesar disso são muito tímidas as ações do poder público com vistas à

preservação e os pontos de entulhos e moradias irregulares vão se multiplicando.

A principal via de acesso ao bairro é a Avenida Baronesa de Muritiba, que vai

perdendo sua feição de avenida residencial e assumindo as feições de uma região

de comércio. Residências são reformadas para serem transformadas em

lanchonetes, supermercados, padarias, casa lotérica, drogarias etc.

O bairro é composto por uma parte alta, com moradias construídas em lotes

regulares, adquiridos pelos primeiros moradores que ali chegaram e por uma parte

baixa, onde ficam as moradias construídas à margem do Rio Cipoaba onde além do

problema ambiental os moradores vivem em constante risco em função do contato

com a água contaminada por esgotos e pelo perigo de enchentes. O trecho seguinte

fornece pistas sobre o processo de ocupação e a constituição geográfica do bairro:

Nesses 30 anos que moro nesse bairro, começando lá de trás, nosso bairro não tinha nada. Quando nós vimos para cá, era meia dúzia de casas. Agora, eles levantaram uma rua principal, construíram-se algumas casas que era um aperto. Com o passar dos anos, o pessoal começou a procurar um lugar mais fácil para comprar casa e começou a povoar. Hoje, o bairro é um bairro assim [...]. Vamos colocar assim, ele cresceu bastante, ele é um bairro assim que tem de tudo: temos escolas, temos lojas, não temos banco. Não temos coisas importantes para ser chamado um bairro de primeira escala, vamos colocar assim, mas ele cresceu muito nesses anos. Vamos colocar assim: a gente pega o crescimento de uma idade para cima. Nesses últimos 15 anos, cresceu muito, mas ele cresceu tanto para o lado de moradia quanto para o lado da marginalidade. Infelizmente, a juventude de hoje em dia, devido à droga, devido ao desemprego, cresceu muito a violência no bairro (Sebastião, pai de aluno, citado por Almeida (2003)

.

O trecho citado mostra que paralelamente ao desenvolvimento do bairro em

termos de recursos e infraestrutura nota-se uma piora nas condições de vida porque

o bairro foi se tornando violento por causa do avanço do desemprego e da chegada

das drogas. A fala seguinte deixa mais explícito o principal problema do bairro e que

Page 80: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

80

interferia muito no cotidiano da escola: a desigualdade social. Essa desigualdade se

expressava na escola de diversas maneiras entre elas podemos destacar o

preconceito, a discriminação e os conflitos decorrentes destas situações.

A característica principal [do bairro] é que tem uma comunidade dividida em dois grupos. Acho que é uma comunidade carente, pois está perto da favela, que a gente tem uma preocupação com eles, com o atendimento e tudo mais e o outro lado de cima que é nobre, que é um pessoal mais elitizado. É um pessoal que já tem um emprego, o pessoal que já tem um convívio social diferente, já participa da igreja, dos grupos de rua, e isso é importante. Já o lado da favela eu não sinto essa participação efetiva e nota-se essa diferença dentro da escola (Maria).

O trecho acima nos fala de uma comunidade dividida, cita os moradores da

favela que é motivo de preocupação e os moradores da parte nobre do bairro, o

“lado de cima que é nobre”. O bairro possui uma topografia plana em sua maior

parte, mas muitas famílias vivem em áreas de risco que se situam na beira de

córregos. Almeida (2003) destaca que o Rafael fica no lado alto do bairro e o Vera

fica embaixo, no buraco e assinala que a topografia faz parte da identidade das

crianças, aparecendo nos discursos como sinal de discriminação:

– Aquele não tem jeito, professora, é lá de baixo.

– Aqueles caras lá de baixo estão aí de novo, para comer.

– Ah, Diretor, ele falou que não quer mais vir para a escola. Não liga não, Diretor, ele é lá de baixo, da favela. (ALMEIDA, 2003).

Neste contexto, a escola acaba sendo o cenário onde duas realidades se

encontram e estranham. Certamente um dos aspectos que merecem destaque no

trabalho da escola, no período estudado, é a maneira com os conflitos decorrentes

deste encontro passaram a ser mediados, como procurarei mostrar ao longo deste

capítulo.

3.2 Uma escola, diversos olhares

Page 81: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

81

A EMEF Cidade de Osaka fica na parte alta do bairro e durante muito tempo

atendeu preferencialmente as crianças da sua parte nobre. Neste tempo a escola foi

considerada referencia no bairro e na cidade. Participava do convênio “Cidades

Irmãs” e recebia com frequência representantes de Osaka, Japão, para onde

também mandava representantes em visita à escola Cidade de São Paulo, existente

em Osaka e que também fazia parte do convênio. Restam deste convênio, o nome

da escola, quadros na parede e a lembrança na memória dos professores e

funcionários mais antigos. O acesso à escola não era fácil, sobretudo para as

crianças que vinham da favela. E mais difícil ainda era a permanência. Muitas

pessoas da comunidade lembram com saudade deste tempo, quando a escola era

boa.

Antigamente, e não precisa ser muito longe, o aluno que era a parte principal da historia, era lidado como uma pessoa que vem aqui e tem que cumprir algumas regras, algumas obrigações, que estudar é uma obrigação. Acabou, vai embora. O professor vem, dá a aula dele e, acabou, também vai embora. E era todo muito regrado, tudo tinha que correr certinho. O papel do Diretor era fazer com que isso corresse tudo nos conformes, tudo dentro daquela realidade de escola tradicional (Lucimara, professora). (ibiden, 2003)

A fala mostra uma escola muito diferente daquela que encontra-se presente

na fala da professora e parece viva na memória da pessoas: uma escola com regras

que tinham de ser cumpridas. Naquela escola cada um sabia o que tinha que fazer e

fazia sua parte por que “tudo tinha que correr certinho”. Era uma escola com uma

cultura estabelecida, na qual os papeis estavam rigidamente definidos e na qual o

diretor tinha como incumbência garantir que tudo “corresse nos conformes”. Na

escola real nada corria nos conforme como é possível observar na fala seguinte:

Eu posso falar da escola em si, até pelo caso de minha esposa que ela cresceu estudando aqui, adorando esta escola. Quando ela começou aqui era disputada a tapa para você conseguir uma vaga, não era porque eram pessoas aqui da favela não, tanto da favela quanto daqui, que sempre existiu essa favela aí, tanto da favela quanto daqui sempre teve, só que era uma escola disputada no tapa, porque o regime dela era um regime que você via o estudo, que você saia daqui direto para uma faculdade. O ensino aqui era um ensino excelente. Infelizmente eu vejo isso de uns seis anos para cá, infelizmente o ensino daqui caiu, talvez pela situação do bairro, por toda violência na região, a escola assim o ensino dela caiu (...) vamos colocar (...) pela metade. Muitos professores ainda lutam e

Page 82: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

82

tentam fazer dessa escola uma escola, mas infelizmente o nível da escola em si caiu muito, tem esforço para tudo isso, ela tem vamos colocar assim... eu que estou participando agora do conselho, a gente vê que a escola tem muito para dar, só acho que precisa empenhar um pouco mais (Sebastião, pai de aluno).

As falas dão conta de uma escola tradicional que por muitos anos colocou-se

na comunidade como uma ponte para a ascensão social. Agora era uma escola

comum à qual todos tinha acesso, mesmo aqueles que não queriam estudar. Havia

assim uma pressão para que a escola voltasse a ser a escola boa de antes, uma

escola respeitada, com regras rígidas e, sobretudo que preparasse os alunos para

as escolas técnicas.

Dentre as medidas necessárias, estava a retomada das regras para serem

seguidas pelos alunos que desejassem permanecer na escola. Por conta da

desobediência a estas regras, muitos alunos eram excluídos da escola.

O declínio da escola era atribuído a vários fatores, como mostra a fala citada,

mas a sua reconstrução deveria começar pela a permanência na escola apenas de

quem desejava estudar.

Neste contexto foi proposta a adesão da escola ao projeto escola aberta. O

Conselho de Escola aprovou a adesão ao projeto considerando apenas os

esclarecimentos dados pelo diretor, sem maiores discussões. Os questionamentos

ao projeto tiveram inicio depois, quando algumas práticas consagradas na escola

começaram a ser questionadas. Almeida (2008) apresenta algumas destas práticas:

1 – Impedimento de matrícula dos alunos que apresentavam

problema de indisciplina 2 – incentivo aos pais para que tirassem da escola as

crianças que “não conseguiam aprender”. 3 – solicitação da presença da polícia para resolver

problemas de relação com alunos 4 - Realização de atividades nas quais a participação estava

condicionada a pagamento; 5 – presença do aluno na escola apenas no seu horário de

aulas; 6 – ideia de que o professor já sabe e o aluno precisa

aprender.

Uma das primeiras decisões com bases nos princípios do projeto foi que os

alunos não poderiam mais ser expulsos e aqueles que já haviam sido excluídos da

Page 83: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

83

escola voltaram a ter possibilidade de matricularem-se novamente. Estas medidas

promoveram um verdadeiro levante de professores e pais contra o projeto e a

direção que o defendia.

O projeto trazia de volta para a escola “aqueles que não queriam estudar”,

e que eram frequentemente considerados os culpados pelo declínio da escola.

Coincidentemente a comunidade via nos alunos da área “de baixo”, o Vera Cruz,

aqueles que promoviam a desordem na escola, onde iam para brincar, namorar,

brigar, comer, tudo, menos estudar. Desta forma, abrir a escola para muitos, no

início era “coisa do diretor”, “era a administração”, vinculando a abertura da escola

com a política e desfazendo do caráter social e educacional que o projeto

representava.

Figura 6 - EMEF Cidade de Osaka Figura 7 - EMEF Cidade de Osaka

Fonte: http://images.google.com.br/images (6,7)

O inicio da implantação do projeto foi marcado por grande confusão, pois

cada um o apresentava conforme o próprio interesse. Segundo Almeida (2005), para

aqueles que se colocavam contra a abertura da escola, o projeto era a possibilidade

de invasão do espaço escola por agentes externos. Na opinião destes, manter a

escola fechada é uma garantia de segurança dos alunos e de todos que

Page 84: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

84

frequentavam a unidade escolar. Nesta perspectiva, a escola deveria permanecer

totalmente fechada e vigiada, sobretudo quando as crianças e funcionários

estivessem ali dentro. A violência estava fora e qualquer descuido poderia ser fatal.

Havia também, aqueles que viam certa positividade na abertura dos portões aos

finais de semana, para a realização de cursos e mesmo para atividades na quadra.

Essa concessão talvez ajudasse a evitar vandalismos. Para estes a escola deveria

abrir desde a abertura fosse controlada pelos funcionários da escola e vigiada pela

polícia, para evitar exageros. Havia ainda, outra tendência que via na abertura da

escola a ocupação dos equipamentos públicos pelos movimentos sociais e

pregavam a primazia dos pais no Conselho de Escola. Ao referir-se a essa

tendência Almeida (2005) assim se manifesta:

Esta é uma tendência que vê a escola como caudatária do movimento social e acredita que a sua tomada pelos usuários é uma maneira de garantir que ela cumpra este papel. Neste sentido, acreditam que há um conflito entre a direção e a comunidade escolar. (ALMEIDA, 2005, p.32).

O processo de abertura da escola, pelo que revela os documentos, foi

marcado pela discussão de todas estas ideias e chegou como definição o sentido

revelado por Almeida (2005) que é a escola vista como espaço de inclusão social,

onde incluir a criança e o adolescente com a abertura física do espaço escolar seria

apenas um viés, considerando que “o aspecto mais importante, aliás, seria uma

abertura à diversidade cultural existente, sobretudo dentro da escola (p.33). A

abertura da escola, desta forma estava pautado pelo entendimento da educação

como direito das crianças que deveria ser garantido pelo estado por meio da escola.

Almeida (2008) assinala que “após a implantação do projeto Escola Aberta,

outras práticas foram instituídas e algumas que estavam escondidas encontraram

expressão”. As práticas que merecem destaque são:

1 – prioridade de matrícula para crianças e adolescentes em situação de risco; 2 – possibilidade das crianças e adolescentes participarem de atividades organizadas na escola, fora do seu horário de aula, inclusive nos finais de semana;

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85

3 – incentivo aos pais a retomarem os estudos como forma de realização pessoal e como incentivo aos filhos a permanecerem na escola; 4 – privilégio do diálogo com os alunos e seus familiares na resolução dos problemas de relacionamento; 5 – discussão da relação entre indisciplina e a descontextualização do ensino oferecido pela escola; 6 – constituição de grupo de estudos a partir de situações cotidianas buscando compreender estas situações. (ALMEIDA, 2008, p.73).

A organização e funcionamento da escola, tendo como referência essas

práticas envolveram diferentes sujeitos e teve diferentes repercussões no cotidiano

da escola. No caso da priorização de matrícula para crianças e adolescentes em

situação de risco, foi uma decisão da direção da escola que determinou que essa

atitude fosse tomada, com base no princípio da democratização do direito à

educação, entendendo como democratização, a garantia de acesso à escola e à

permanência dos alunos no sistema escolar. Foi uma atitude que desagradou a

maior parte da comunidade escolar na medida em que colocou em cheque o sistema

de poder na escola. Afinal, quem mandava na escola, era o diretor ou o Conselho de

Escola? Como o diretor mandava matricular alunos que o coletivo havia “convidado

a se retirar da escola”? Foi uma atitude, segundo os registros da escola que

provocou momentos de muita tensão e também de crescimento para o grupo no

sentido de discutir se democracia na escola é garantia do direito do aluno a

permanecer na escola ou a possibilidade do coletivo decidir, inclusive pela expulsão

do aluno.

Com relação à possibilidade das crianças e adolescentes participarem de

atividades organizadas na escola, fora do seu horário de aula, inclusive nos finais de

semana, verificou-se também uma certa controvérsia inicial que foi solucionada com

o desenvolvimento dos projetos. Muitos destes alunos começaram a dar ajuda

concreta aos professores, com relação à utilização do rádio, da sala de informática e

mesmo com relação ao controle da disciplina e, principalmente com o trabalho que

desenvolveram nos intervalos por meio do projeto chamado “recreio divertido” por

meio do qual promoviam atividades com as crianças nos momentos de intervalo.

Uma das práticas muito frequentes na escola era chamar os pais para discutir

o comportamento das crianças. Os educadores envolvidos nas discussões dos

problemas da escola na perspectiva da inclusão chegaram à conclusão que chamar

os pais apenas para reclamar não apenas não ajudava as crianças, mas também

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86

afastavam os pais da escola. Assim, ficou definido que só podia chamar os pais

quando tivesse ajuda a oferecer. Foi uma medida difícil, que tirava dos professores

um importante instrumento de poder, mas que o seu desenvolvimento trouxe muitos

benefícios. A escola começou a promover junto aos pais o incentivo de retomada

dos escudos como forma de realização pessoal e como motivação para que os filhos

permanecessem na escola. Surgiu assim a ideia de buscar-se a demanda passiva

que, como diz Silva (2001) pode ser um diferencial dos gestores democráticos. A

escola, tendo se dado conta dessa demanda buscou forma de atendê-la:

Para atender a essa “demanda passiva” a escola propôs a criação de salas de Suplência I e passou a divulgá-las nas reuniões de pais. Além disso, nos atendimentos individuais que eram feitos pela equipe técnica da escola sempre se incentivava os pais a voltarem para a escola. Foi possível perceber que muitos eram pessoas que gostariam de voltar a estudar, mas que não bastava apenas o convite: era necessário “um encorajamento” porque muitos já haviam frequentado a escola e dela sido excluído como incapazes ou inconvenientes. Alguns conseguiram transpor essa barreira ajudados pela escola e realizaram o sonho de “se formar”. (ALMEIDA, 2008, p.76)

A busca de atendimento às pessoas que não frequentaram a escola ou que

dela foram excluídos foi outro aspecto que merece destaque no trabalho da escola

na medida em que possibilitou que pessoas recuperassem a auto estima e voltasse

à escola depois de muito tempo.

A escola, tradicionalmente, diante das dificuldades com os adolescentes

chamava os pais para resolver. As conversas com os pais e alunos foram mostrando

que esta é uma situação que envergonha os pais e nem sempre resolve o problema

dos adolescentes. Assim, a escola resolveu privilegiar o diálogo com os alunos na

perspectiva de ajuda a seus familiares na resolução dos problemas de

relacionamento e de aprendizagem. Essa atitude levou muitos alunos e pais aos

projetos da escola.

Outra atitude polêmica tomada pela direção foi buscar a relação entre

indisciplina e a descontextualização do ensino oferecido pela escola. Essa atitude

gerou muita polêmica, mas acabou sendo importante porque as pessoas passaram

a procurar resolver os problemas dentro da sala de aula no lugar de buscar a

terceirização costumeira.

Page 87: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

87

Por fim, vale destacar a constituição de grupo de estudos a partir de situações

cotidianas buscando compreender estas situações. Esta situação, como tem sido

reiterado neste trabalho foi muito importante, pois resultou em projeto de pesquisa

que contou com incentivo da FAPESP e motivou a publicação de um livro, além de

diversos trabalhos com autoria dos educadores envolvidos.

3.3 O Diretor de Escola Um dos aspectos que me pareceram importantes destacar no processo de

implantação do Projeto Escola Aberta na EMEF Cidade de Osaka foi o papel

desempenhado pelo diretor da unidade. A escola, como toda organização, constitui

um ambiente com instituições e características próprias que precisam ser

consideradas no processo de implantação de qualquer projeto. Ao analisar a

organização escolar, ambiente de trabalho do diretor de escola, o professor José

Augusto Dias assim se manifesta:

A escola é organizada com a finalidade de atingir certos objetivos, os quais dão sentido à organização e orientam, consequentemente, a tomada de decisões no que se refere à natureza dos currículos e programas, ao tipo de edifício escolar, à quantidade e qualidade do equipamento, ao número e qualificação de pessoal escolar. (DIAS: p. 218)

A partir dessa afirmação o autor assinala que “quem quer que se proponha

a trabalhar em uma escola precisa procurar se informar sobre seus objetivos e, na

medida do possível, dar sua contribuição para o aperfeiçoamento dos mesmos”. O

autor aponta ainda que essa é uma necessidade essencialmente relevante para o

diretor e os professores” com vistas a evitar que a falta de atenção leve a atividades

inúteis ou mesmo contraproducentes.

No caso da escola estudada o que se verifica, porém, é que o diretor chega

à unidade com um projeto pessoal que pretendia implantar na unidade. Almeida

(2003) destaca que o diretor assumiu o cargo com propósito de verificar quais as

possibilidades de realização da intervenção na escola por aquele que ali exerce o

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88

cargo de diretor. Acrescenta ainda que a realização da intervenção na escola por

seu diretor era objeto da pesquisa que pretendia realizar em função da elaboração

da tese de doutoramento. Considerando essa situação pareceu-me importante, para

entender o processo de implantação do projeto escola aberta, mostrar que no caso

específico da escola estudava ele estava relacionado com um projeto pessoal do

diretor.

Além disso, destacar o papel do diretor neste processo parece relevante na

medida em que indica a importância do envolvimento deste profissional no processo

de mudança em um modelo de escola como o que predomina em nossa sociedade.

Ao descrever a chegada do diretor Almeida (2003) coloca em destaque a

preparação da escola para recebê-lo e, com isso, nos dá a entender a importância

que tem esse profissional na cultura escolar:

A chegada de um novo Diretor exerce grande influência na

dinâmica da escola tanto em seus aspectos formais e burocráticos, com seus códigos, regras e normas – o lado iluminado – quanto no que se refere à dinâmica cotidiana, o seu lado de sombra. Assim, nos dias, semanas ou meses que separam a escolha da escola do início de exercício propriamente dito, a escola se prepara para recebê-lo, ou melhor, para que o novo Diretor ocupe o cargo. Essa preparação se dá tanto no nível formal, com a redefinição da ocupação de cargos e funções quanto no nível informal com a busca de informação sobre a pessoa que virá dirigir a escola. Um dos pontos fundamentais deste momento é saber se o novo Diretor é alguém que permanecerá na escola ou não. Por isso, a busca de informação que contribua para a construção da imagem do novo Diretor passa a ser moeda em alta nas trocas simbólicas que permeiam as relações cotidianas. Em decorrência disso, quando um Diretor é nomeado ou se remove para uma escola, sua fama chega antes que sua pessoa.

No caso da escola pesquisada, essa preocupação da escola revestiu-se

de alguns ingredientes a mais. Afinal o diretor estava reassumindo o cargo após

um período atuando em órgão central da Secretaria o que acrescentava às

duvidas tradicionais algumas mais específicas. Almeida (2003) relata que nos

corredores da escola ouviam-se os murmúrios: “Veio passar uma chuva,

não mantém a disciplina dos alunos, acha que todo professor é mal formado, faz

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89

doutorado na Universidade de São Paulo (USP), trabalhou na SUPEME6, onde

passou implantou sala-ambiente, pensa que tudo é projeto [...]”.

Outro aspecto desta preparação que vale apena ser destacado é aquele

que diz respeito à acomodação das pessoas que, enquanto o diretor estava fora,

ocupavam funções diferentes daquelas inicialmente ocupadas. Assistente que

substituía o diretor, professor que substituía o assistente, professor que

substituía o outro professor. Essa situação é bem descrita no trecho da ata da

reunião do Conselho de escola citada por Almeida (2003):

O Sr. Presidente do Conselho, Sérgio, iniciou a reunião agradecendo a presença de todos e iniciou com a pauta do dia, passando a palavra à Sra. Diretora em substituição, Profa. Maria, que explicou o primeiro item da pauta, dizendo que o nosso Diretor efetivo, Prof. Romeu, estava em serviços na SUPEME, mas que, com todas a mudanças ocorridas em todos os setores, o Prof. Romeu resolveu voltar para o seu cargo efetivo de Diretor de Escola, em nossa Unidade Escolar; sendo assim, resolveu também tirar sessenta dias de férias acumuladas. Portanto, a Profa. Maria continua substituindo-o até sua volta e o Prof. Sérgio continua substituindo no cargo de Assistente. Após o retorno do Prof. Romeu, a Profa. Maria retorna à função de Assistente de Direção e o Prof. Sérgio retorna ao seu cargo de professor de Educação Física. Ao final da explicação, a senhora diretora deu a palavra aos presentes, mas “ninguém” quis fazer uso dela, dando-se por satisfeitos com a explicação (Reunião do C.E., 22/06/2000).

Comentando esta citação Almeida chama atenção para um aspecto que

merece destaque: a palavra ninguém na expressão, “mas ninguém quis fazer uso

dela” (palavra oferecida pela diretora), vem entre aspas, evidenciando que

alguém tinha algo a dizer e que não poderia ser dito naquele momento, porque

provavelmente a sua palavra fizesse parte dos murmúrios dos corredores. “A

verdade era que aquele retorno mexia com muitas coisas: o assistente teria que

voltar para suas aulas, a professora que as estava ministrando iria perdê-las,

gerando diversas consequências.”

Segundo Almeida (2003) um dos aspectos que interferem negativamente

no desenvolvimento do trabalho na escola são as frequentes mudanças tanto no

6 Superintendência Municipal de Educação.

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90

corpo docente quanto no administrativo, conforme é possível entender do trecho

seguinte:

Esta situação expõe um dos principais problemas do sistema municipal que são as constantes mudanças no quadro funcional, dificultando a continuidade dos processos e alimentando a tendência que acredita que na rede nada é pra valer. Nos últimos anos, a escola passou por várias mudanças de direção e talvez por isso sabia que cada mudança traz suas novidades. Os primeiros rumores sobre a chegada do novo Diretor carregavam a dúvida sobre a sua permanência na escola. Afinal, nenhum Diretor titular havia ficado na escola além do tempo necessário para inscrever-se na remoção, tempo este que, de acordo com a legislação em vigor, não passa de um ano. O fato de ter vindo de órgão central e de estar fazendo doutorado aumentava ainda mais esta dúvida. Não é muito comum aquele que pode escolher uma escola menor ou mais centralizada ficar em uma escola grande e difícil de trabalhar, em razão da distância e do alto índice de violência. No entanto, a não inscrição no concurso de remoção deixou claro que, no mínimo, por mais um ano, o Diretor iria permanecer.

A não inscrição no concurso de remoção colocou fim a uma das certezas que

circulavam nos corredores, compartilhada por grande parte do grupo: o diretor não

iria permanecer na escola. Diante deste fato a discussão do papel do diretor surge

como demanda atribuída à comunidade escolar, apresentada por (Almeida 2003) no

trecho seguinte:

A quebra de certeza sempre traz consequências, ainda mais em uma organização antiga, como a escola pesquisada. A primeira consequência que me parece valer a pena destacar foi a discussão do papel do Diretor, que até ali ou era claro ou não havia sido posto em questão talvez até em função da transitoriedade tão previsível. A fala seguinte ajuda nesta reflexão:

A fala de uma dos professores apresentada em seguida mostra a maneira como um

dos grupos atuantes na escola a entendia este papel:

Antigamente, e não precisa ser muito longe, o aluno que era a parte principal da historia, era lidado como uma pessoa que vem aqui e tem que cumprir algumas regras, algumas obrigações, que estudar é uma obrigação. Acabou, vai embora. O professor vem, dá a aula dele e, acabou, também vai embora. E era todo muito regrado, tudo tinha

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91

que correr certinho. O papel do Diretor era fazer com que isso corresse tudo nos conformes, tudo dentro daquela realidade de escola tradicional (Lúcia, professora, citado por Almeida).

Analisando essa fala Almeida (2003) destaca que “para uma das

tendências da escola, o papel do Diretor era garantir a ordem estabelecida”

segundo a qual o papel do aluno era estudar e o do professor ensinar, cabendo

ao Diretor fazer com que nada saísse dos trilhos. Esta, porém não era a única

maneira de ver o papel do diretor existente na escola, como evidencia a fala

seguinte:

O Diretor participa da articulação de tudo. Tem que articular o que está dentro da escola e participar. Eu acho que ele tem que acompanhar. Muitas vezes, eu sei o que eu tenho que fazer, eu sei o que é certo e sei qual minha função, qual minha responsabilidade, mas às vezes passa desapercebido. Ah, ninguém faz, ninguém está ligando mesmo. Eu acho que tem que acompanhar. Tirando com o coletivo uma ação, não tem que estar cobrando toda hora, o que tem que fazer sabe, todos sabem seu papel, sua função (Cássia, professora).

Essas falas mostram a importância do diretor no desenvolvimento do trabalho

da escola e, no caso da escola estudada, é possível que o diretor teve papel

fundamental no desenvolvimento do projeto Escola Aberta. Embora não pareça o

ideal para uma escola democrática organizar-se em torno de uma pessoa parece

importante considerar que o trabalho do diretor pode ser importante inclusive para o

processo de formação de pessoas capazes de trabalhar com maior autonomia.

3.4 O Projeto Escola Aberta Assim retomou o cargo o diretor tomou algumas medidas que podem ser

entendidas como coerentes com o propósito inicialmente anunciado: intervir na

escola. Foram medidas simples, mas que tinha como objetivo melhorar as condições

de permanência na escola de pessoas que frequentavam a quadra nos finais de

semana. Até então, as pessoas da comunidade que frequentavam a escola tinham

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92

que pular o muro, então o portão foi aberto. Com o portão aberto surgiu uma nova

demanda: colocação de uma torneira na quadra, para que pudessem tomar água

durante o futebol. Essas atitudes foram frutos da primeira parceria que o diretor

conseguiu realizar com o professor de Educação Física da unidade que, tempos

depois se tornou Assistente de Direção.

A intenção de intervir na escola não se restringia à abertura dos portões nos

finais de semana, mas também colocar em discussão que se estabeleciam no seu

cotidiano. Com esse objetivo inicialmente foi colocado em discussão a implantação

do Projeto Sala Ambiente. O projeto foi aprovado pelo Conselho de Escola, com

adesão de grande número de professores, mas havia dificuldades para sua

implantação. Uma delas era a falta de recursos e a outra, para ficar só em duas, era

o fato de nem todos os professores terem aderido ao projeto. No momento em que

se discutiam as dificuldades e perspectivas do “Projeto Sala Ambiente” na escola, a

nova Administração que assume a Prefeitura de São Paulo lança o Projeto Escola

Aberta, como uma das ações do Projeto Vida, um projeto amplo que articulava as

ações da administração municipal voltadas para implementação das políticas

públicas com vistas ao atendimento à infância e à juventude. A escola que aderisse

ao projeto contaria com possibilidade de formação para professores e alunos, com

equipamentos e com a possibilidade de contratação de oficineiros para as escolas

que aderissem ao projeto. O foco do projeto eram os finais de semana, mas

considerando a formação para alunos e professores, a possibilidade de contratação

de oficinas e os equipamentos oferecidos era possível perceber que teria

repercussão no cotidiano da escola. Esse projeto estava em sintonia com as

preocupações da direção da escola que de imediato propôs ao Conselho de Escola

a adesão da unidade ao mesmo.

A abertura da escola foi uma das ações do Projeto Vida, um dos projetos

estruturadores da gestão de Marta Suplicy (2001-2004), implantado em algumas

escolas da Rede Municipal de Educação, sendo que a adesão ao projeto era uma

decisão de cada escola. O objetivo inicial do Projeto Vida era desenvolver ações de

combate à violência principalmente aquelas onde a violência escolar merecia um

olhar dos educadores e da comunidade. Os objetivos do Projeto Vida eram:

1 - Possibilitar a abertura das escolas nos finais de semana, feriados, recesso e férias, como forma de prevenção da violência;

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2 – promover a articulação da escola/comunidade buscando uma interlocução com as lideranças locais para construir a convivência, a justiça e a paz; 3 – Resgatar o bem público na perspectiva da democratização dos equipamentos sociais; 4 – Incentivar o protagonismo infanto-juvenil, reconhecendo o jovem como sujeito do seu próprio processo de desenvolvimento; 5 – Garantir oportunidades iguais de aceso e de condições concretas de participação e expressão, por meio do desenvolvimento de atividades culturais, esportivas e de lazer, assim como atividades programadas pelas unidades educacionais e que respondam às necessidades da comunidade escolar; 6 – Promover a articulação com a Secretaria Municipal da Cultura e a Secretaria Municipal de Esportes, lazer e recreação e demais secretarias, conforme a necessidade para a realização de atividades que melhor atendam às demandas das unidades educacionais, somando com outros projetos já existentes. (ALMEIDA, 2005, p. 23-24)

A adesão da escola ao projeto foi importante na medida em que legitimou

algumas ações que vinham acontecendo sem um respaldo concreto da

administração. Com essa adesão seria possível justificar a presença de funcionário

no final de semana o que até então era feito com base apenas na boa vontade das

pessoas que acreditavam no projeto.

O projeto que iniciou com abertura dos portões para que a comunidade

utilizasse a quadra logo ganhou outras dimensões uma vez que a presença do

diretor e do assistente na escola provocou uma proximidade com adolescentes que

por razões diversas haviam deixado de frequentar a escola. Um dos princípios

básicos que orientavam a ideia de “intervenção na escola” cuja possibilidade de

realização pelo diretor era objeto da pesquisa já referida era a garantia de acesso e

permanência na escola. O contato com os adolescentes nos finais de semana

evidenciava de maneira muito clara os mecanismos de seleção e exclusão destes

alunos, sobretudo daqueles que vinham da chamada parte pobre do bairro. Ao

referir-se à adesão da escola ao projeto Almeida (2003) destaca trecho da Ata da

Reunião do Conselho de Escola (CE) na qual esta adesão foi aprovada:

O Sr. Presidente do Conselho iniciou a reunião agradecendo a presença de todos e passou a palavra ao Sr. Diretor que explanou sobre a inclusão do projeto Escola Aberta, salientando a importância da participação da comunidade, nos possibilitando adquirir recursos, inclusive de manutenção e segurança da escola. Posto em votação,

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94

nada constou contra. O Sr. Diretor então iniciará processo de providências necessárias para entrar em vigor esse projeto (Reunião do C.E., 09/05/2001). ALMEIDA (2003, 34-35).

Comentando o trecho da ata o autor destaca alguns aspectos que parece

importante colocar em evidência. Inicialmente ele afirma que a “adesão da escola ao

Projeto Escola Aberta se pautou pelo entendimento da escola como espaço de

inclusão do diferente que, muitas vezes, se encontra dentro da escola” e logo em

seguida afirma que “a clareza sobre as implicações desta proposta não era

unanimidade na comunidade escolar” e chama atenção para o fato

de não haver “registros explícitos de dúvidas ou

divergências” no trecho da ata transcrito.

O trecho transcrito, conforme comenta o autor não apresenta evidencias de

divergências, mas chama atenção o trecho: “O Sr. Diretor então iniciará processo de

providências necessárias para entrar em vigor esse projeto”. A leitura deste trecho

permite entender que a responsabilidade pelas providencias no sentido de

implantação do projeto é do diretor.

Embora o projeto Escola Aberta na escola estudada esteja relacionado ao

projeto oficial, os documentos evidência que ele assumiu características próprias

nesta unidade, sendo a principal delas a colocação em discussão algumas práticas

desenvolvidas na escola. Dentre as práticas que foram questionadas, Almeida 2008

destaca a convocação de pais para reclamar dos seus filhos, o desenvolvimento de

atividades como festas e passeios cuja participação se deva mediante pagamento

entre outras atividades já citada neste trabalho e que feriam princípios fundamentais

como o da gratuidade do ensino nos estabelecimentos oficiais e o da educação

como direito. Neste sentido, o mesmo autor assinala:

Foi possível perceber que várias práticas que faziam parte da tradição da escola e outras que foram instituídas com a implantação do Projeto Escola Aberta. Tanto aquelas práticas existentes, como aquelas instituídas, foram fortemente questionadas a partir da implantação deste projeto. Os registros mostram que no período houve uma movimentação muito grande dentro da escola, com forte presença da comunidade para defender certas práticas e condenar outras. Um dos sinais de que a problematização das práticas contribuiu para o processo de formação coletiva foi o nível de

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aceitação que o Projeto Escola Aberta passou a ter a partir do momento em que a comunidade começou a ver os frutos do projeto: 11 oficinas com atividades para as crianças, adolescentes e adultos; convites para apresentar o projeto em outras unidades da rede pública municipal ou de outras redes, a escola sendo visitada por pessoas de outros países, enfim, várias situações que evidenciavam a seriedade e a positividade do projeto. A avaliação do final do ano de 2004 pedia que indicassem ações positivas e negativas da escola. O projeto Escola Aberta recebeu 40 indicações positivas sendo seguido por gestão democrática da escola que recebeu 14 indicações. (ALMEIDA, 2008, p.).

Refletindo sobre a organização de atividades tais como festas e passeios cuja

participação dependia de pagamento Almeida (2003) faz a seguinte reflexão:

As festas, passeios ou qualquer outra atividade, que dependessem de pagamento, foram proibidos pela direção da escola, que entendia a cobrança para participar de atividades organizadas pela escola como uma violação do princípio da gratuidade da escola pública previsto na Constituição e reiterado em todas as leis educacionais. Havia ainda o entendimento de que, como as demais experiências que a escola oferecia aos alunos, estas atividades também integravam o currículo e exerciam papel importante na formação da identidade das crianças. Aliás, esse papel em certos momentos chegou a ser explicitado em afirmações como “é preciso preparar para o mundo real, onde uns tem e outros não” ou “assim eles aprendem que nada cai do céu para ter as coisas é preciso esforço e quem sabe começam esse esforço se dedicando aos estudos” Essa situação trouxe para dentro da escola debates muito importantes sobre a relação gratuidade do ensino e acesso aos bens culturais da cidade. Foi talvez um dos temas que, junto com a questão da inclusão, mais promoveu o crescimento do grupo, pois foi razão de discursos inflamados, abaixo assinados dos alunos e questionamento sobre conceito de democracia, considerando-se que esta decisão da direção da escola contrariava a deliberação do seu Conselho de Escola. (ALMEIDA, 2008, p.76).

O questionamento de práticas tradicionalmente consagradas trouxe algumas

dificuldades para o desenvolvimento do projeto, sendo uma destas dificuldades o

próprio questionamento sobre o que seria abrir a escola. O trecho seguinte parece

importante para entender a discussão sobre este conceito na escola pesquisada:

Essa dificuldade de entender a escola aberta, não sei se deve à falta de conhecimento do seu contexto real ou a falta de vontade de

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entendê-la e abraçá-la, já que para isso é necessário desejo de mudança em si próprio. Sabemos que nem todos se abriram para a escola aberta, talvez por não acreditarem em uma escola diferente daquela “arrumadinha e sem sal” onde sempre estiveram; ou por medo de enfrentá-la de frente com seus meninos e meninas que precisam e anseiam por algo muito maior do que aquilo que está escrito nos planos de ensino copiado dos anos anteriores (L, professora, citado por Almeida, 2005).

Essa dificuldade de entendimento sobre o que seria abrir a escola foi campo

fértil para aqueles que desejavam combater o projeto, sobretudo antes de surgirem

os primeiros resultados. A partir do surgimento dos primeiros resultados a discussão

sobre o que seria abrir a escola foi aos poucos dando lugar uma maior aproximação

das pessoas interessadas em ajudar a resolver os problemas da escola,

participando dos projetos neste sentido e um afastamento daqueles que desejavam

apenas criticar. Nesta perspectiva foi importante o apoio do governo local ao projeto,

como mostra a fala seguinte:

“Eu só acredito que a gente, a escola tem que ter um suporte a mais, como esta escola tem agora, o Governo Local todo, então a gente tem, nós aqui trabalhando e tem um pessoal acima de nós trabalhando com a gente, eu acho que a inclusão dá certo em qualquer escola, mas desde que ela tenha esse suporte, e o suporte é lógico, da comunidade, os pais também”. (Débora, mãe de aluno).

O projeto começou a ser consolidado a partir do momento em que a

administração municipal, por meio do governo local passou a acompanhar e apoiar o

projeto. O primeiro gesto neste sentido foi assumir que o projeto tinha como cerne a

inclusão e que esta é bandeira da política municipal deixando de ser o diretor como

único responsável pelo projeto e seus problemas. Outro gesto importante foi a

disponibilização de suporte para a realização do projeto, como oficina de formação

para professores e funcionários, promoção de palestras, atitudes que, alem dos

benefícios práticos constituiu-se em apoio político necessário à sobrevivência do

projeto.

Pelos fatos decorridos na escola, a abertura da escola foi um caminho árduo.

A aceitação de matrícula dos alunos que haviam sido m excluídos da escola gerou

um movimento de retorno destes alunos que se estendeu a alunos de outras escolas

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97

que passaram a buscar vagas na Cidade de Osaka. A escola passou a ser vista

como especializada em receber alunos com problema de indisciplina nas demais

escolas da região. Essa situação aumentou ainda mais os conflitos.

3.5 Os projetos especiais O exame dos documentos referentes ao período estudado mostra que a

implantação do projeto escola aberta na escola foi marcado por muitos conflitos,

sobretudo envolvendo alunos e professores e estes com a direção da escola. Estes

conflitos tinham origem na matrícula de alunos que por razões diversas estavam fora

da escola. Para alguns se tratavam de alunos que não queriam estudar e haviam

abandonado a escola; para outros de alunos cujas famílias não cuidavam e que

também deixaram de frequentar a escola; já para a direção tratava-se de alunos com

os quais a escola não conseguia lidar e, por isso, colocou para fora. Ao falar do

retorno destes alunos Almeida (3003) assim se manifesta:

Este processo trouxe consequências que se alastraram rapidamente para todos os tempos e espaços da escola. Um dos fatores que mais contribuiu para essa situação foi o retorno de adolescentes que haviam sido convidados a se retirar da escola. Sua matrícula foi considerada por alguns como um desrespeito do diretor à decisão de uma instância democrática da escola: o seu conselho de escola. (ALMEIDA, 2005, p. 63).

O retorno dos alunos que haviam sido convidados a se retirar da escola foi

como evidencia os registros, um drama para vários setores da escola. Por um lado,

professores e funcionários que não desejavam recebê-los de volta e acusavam o

diretor de promover a volta dos marginais para a escola e por outros aqueles

adolescentes que, não se sentindo acolhidos, respondiam ao tratamento que lhe era

dispensado da maneira que sabiam responder. Esse conflito passou a ser

harmonizado com o envolvimento dos alunos com projetos na escola.

O envolvimento dos alunos com os projetos ajudou muito a escola, mas não

foi fácil, sobretudo porque muitos destes alunos não contavam com a confiança dos

professores e alguns deles viam um risco muito grande na entrega de equipamentos

de valor nas mãos destes alunos. Isso aconteceu, sobretudo com o rádio, que era

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98

um equipamento caro e com fácil possibilidade de quebra, superada essa

desconfiança inicial, o projeto funcionou muito bem e os alunos participantes tiveram

grande destaque na escola e fora dela, tendo sido convidados para falar da

experiência junto a outras unidades do sistema municipal e mesmo fora da cidade e

do estado. Além do educom.rádio, a escola contou com outros projetos que também

contribuíram para o envolvimento dos alunos e da comunidade, como o projeto de

informática, Banda Escolar, Esporte na Quadra, etc. Dentre estes projetos vou

destacar, a título de ilustração, o Educom.rádio.

3.5.1 Educom. Rádio

Este projeto, conforme relato de ALMEIDA (2003, 2005, 2008) foi resultado de

uma parceria envolvendo S.M.E/N.C.E./E.C.A/USP. Um dos critérios que levaram a

escola a ser escolhida para participar foi o fato de participar do Projeto Escola

Aberta. O projeto previa formação para alunos e professores da unidade por meio de

curso coordenado pela ECA/USP, um dos fatores que muito contribuíram para

aprovação do projeto na escola uma vez que os professores tinham interesse em

participar do curso porque o certificado de participação no mesmo garantia bons

pontos na evolução funcional.

Com relação à escolha dos professores não houve problema uma vez que já

existiam critérios de escolha consagrados pela corporação. Assim, inscreveram-se

os interessados e realizou-se um sorteio. Não foi levado em consideração critérios

de outra natureza como habilidade no trato com novas tecnologias, interesse em

repensar sua prática etc. Já com relação à escolha dos alunos a situação foi bem

diferente e gerou muita polêmica. Afinal, como o diretor escolhe justamente os

alunos indisciplinados para participar de projetos importantes, como o Educom.rádio

Almeida (2005) coloca a discussão da questão na escola:

Como não havia critério institucionalizado - pelo programa -

para escolha dos alunos, indicamos para a formação aqueles alunos que eram reiteradamente apontados pelos professores como alunos problema. Tal indicação gerou muita polêmica na escola: “então os bons alunos vão ter que virar marginais para terem oportunidade”, “vão destruir tudo em uma semana”, só nesta escola é que os maus elementos são premiados. ALMEIDA (2005, p.73).

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99

Até então o critério consagrado para escolha de alunos para participarem de

atividades extracurriculares era o bom comportamento. O critério era

orientado pela crença em que premiando os alunos bem comportados aqueles que

não mostravam bom comportamento mudavam de atitude para se tornarem

merecedores do prêmio. Embora não se tivesse evidencia de resultados positivos de

tal política ela era tradicionalmente praticada na escola. Utilizar como critério para

escolha dos alunos a quantidade de registros de reclamações contra estes alunos

era algo inusitado e gerou protestos e descontentamentos. Houve também gestos de

apoio porque embora a medida tenha sido intencionalmente entendida como obra do

diretor ela foi uma medida compartilhada por parte dos educadores, como o trecho

seguinte evidencia:

Com relação à escolha dos alunos o critério utilizado foi a inclusão. A direção indicou alguns alunos que vinha acompanhando, que considerava em situação de risco, e avaliou que o projeto seria uma maneira de envolvê-los com uma atividade prática imediata. Além disso, solicitou a alguns professores em cuja prática revelava preocupação com a situação dos alunos, que indicassem mais alguns. Esse processo recebeu critica de algumas pessoas para as quais possibilitou a escolha dos piores alunos (ALMEIDA, 2003, p. 245).

O desenvolvimento deste projeto contribuiu muito com o processo formativo

na unidade principalmente porque deixou claro que é possível reconstruir a auto

estima e o sentido de responsabilidade nos alunos mesmo quando se encontram em

situação de alta vulnerabilidade e comprometimento.

Embora os registros evidenciem que houve muitas críticas a esse direcionamento, mostram também que elas foram neutralizadas porque, por um lado, “os indisciplinados” que receberam a confiança da escola responderam positivamente e, por outro, “os bons alunos” não passaram a ser maus em função dos alegados privilégios que aquelas passaram a receber. Finalmente os registros permitem perceber que o tratamento respeitoso para com os alunos por parte dos educadores cria laços de confiança entre estes e os alunos e que esses laços são importantes no momento destas crianças e adolescentes fazerem suas escolhas e a assumirem as responsabilidades que lhes que surgem em seu cotidiano. (ALMEIDA, 2003, p. 245).

Page 100: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

100

Muitos foram os projetos desenvolvidos na unidade, conforme indicam os

registros existentes, este parece ter sido o mais importante. Para não citar apenas

um vou apresentar um outro projeto a título de ilustração e que também me pareceu

figurar entre os mais importantes, que foi a banda escolar.

A realização dos projetos promoveu a mudança na escola: a primeira delas

está relacionada à ideia de que seria uma escola boa. Seria uma escola boa aquele

que não ouve os alunos, que acolhe os alunos de acordo com sua origem familiar e

social. E o que seria um bom aluno? Seria aquele aluno que vem para a escola, faz

o que lhe mandam fazer, um cumpridor de ordens? A fala seguinte nos ajuda a

refletir um pouco sobre estas questões:

“Eu acho que aquela coisa que a gente diz de aluno bom, que entra senta e estuda não sei mais se ele é o aluno bom, porque muitas vezes ele só está engolindo o que estão pondo para ele engolir. Aquele aluno que briga, que reclama talvez ele esteja reclamando daquela escolinha que ele não quer mais, e o nosso aluno daqui ele já vem com uma carga que pra mim é muito triste isso. O aluno de uma situação econômica bastante difícil, um aluno com grandes problemas familiares e esse aluno ele chega aqui com uma esperança nas mãos e que a gente nem sempre consegue dar isso que ele está procurando. Eu acho que a minha visão é muito triste com o aluno, não que ele seja triste, ele é alegre e lutador. Eu acho que ele luta pelo que ele quer, pelo menos uma grande parte luta pelo que ele quer, ele não é mais o aluno bobinho, ele é o aluno que pensa. Eu acho que é um aluno que pense, talvez ele não pense naquilo que o professor quer que ele pense, só no conteúdo, eu acho que ele está querendo pensar em mais coisas e a gente não esta conseguindo dar isso pra ele” (Ana, professora).

Considerando os efeitos dos projetos especiais que foram desenvolvidos no

período, é possível dizer que a possibilidade de realizá-los foi um dos grandes

méritos ou talvez o principal mérito do Projeto Escola Aberta. A reflexão sobre estes

projetos leva a perceber que não adianta abrir a escola se não tiver algo para

oferecer às crianças e aos adolescentes bem como à comunidade.

3.6 A Formação de professores

Page 101: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

101

A formação dos educadores é outro aspecto que merece destaque no

trabalho da escola no período estudado. Antes de chegar à escola a fama de diretor

preocupado com a formação dos educadores e com o desenvolvimento de projetos

já circulava entre os muros da escola. Afinal, estas tinham sido marcas de sua

atuação nas escolas por onde tinha passado. Nas escolas onde havia sido diretor

sempre criou oportunidade de formação para os educadores e para a comunidade e

incentivou a elaboração e desenvolvimento de projetos com a finalidade de melhorar

a convivência e a aprendizagem na escola. Esse incentivo se traduziu na adequação

dos horários dos funcionários para que pudessem frequentar cursos, possibilidade

de participação de todos os funcionários nos espaços de formação da escola tais

como reuniões pedagógicas, horários de trabalho coletivo, palestras dentro e fora da

unidade, promoção de encontros para discutir temas de interesse e mesmo cursos

preparatórios para participação em concursos públicos.

Essa preocupação com a formação promoveu diferentes reações dentro da

escola: por um lado aqueles que o viam como uma pessoa arrogante e que não

respeitava a experiência alheia, que considerava todos os educadores

incompetentes. Estes procuravam combater o viés formativo e defendia o

afastamento entre professores e direção. Por outro lado aqueles que viam neste viés

formativo do diretor uma oportunidade de crescimento pessoal e coletivo e

buscavam uma aproximação. Na semana de planejamento da escola para o ano

letivo de 2000, estes dois movimentos tiveram expressão na organização dos grupos

de formação organizados na escola por meio dos Projetos Especiais de Ação (PEA)

organizados para aquele ano. Aqui vela esclarecer que os professores da rede

pública municipal de São Paulo, anualmente podem fazer opções por uma jornada

especial de trabalho que contempla oito horas de trabalho coletivo, destinadas à

formação em serviços. Os professores organizam projeto de formação para ser

desenvolvido neste horário coletivo considerando as necessidades de formação

apontadas na avaliação do projeto pedagógico. Esses projetos são coordenados

pelo Coordenador Pedagógico, aprovado pelo Conselho de Escola, em seguida pelo

Supervisor Escolar e finalmente homologado pelo Diretor Regional de Educação. No

ano de 2000 um grupo de professores resolveu dar continuidade ao projeto que

vinha sendo desenvolvido no ano anterior e o outro grupo decidiu participar da

construção de um novo projeto, que seria coordenado pelo diretor da escola. Uma

Page 102: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

102

novidade na constituição destes grupos era a possibilidade de participação de outros

funcionários além dos membros da equipe técnica e dos professores.

O segundo grupo foi de imediato batizado de “o grupo do diretor”. Essa

designação era uma maneira de constranger os seus participantes e avisar aos

novos que chegassem à escola que quem participasse daquele grupo não seria bem

vindo entre os docentes. Os pioneiros dos grupos conseguiram resistir a essa

pressão inicial e continuou firme no propósito de entender os temas que faziam parte

do cotidiano da escola.

Um dos temas que se impôs nos estudos foi à questão da interação entre os

grupos dentro da organização. Então, conforme Almeida (2003, 2005) o grupo

contou com a ajuda dos trabalhos de Enriquez (1987) e Maffesoli (1984) onde

buscou-se estudar os mecanismos de constituição e funcionamento dos grupos. Os

momentos de estudo passaram a ser muito divertidos porque muitos temas do

cotidiano eram valorizados de modo que as pessoas se sentiam reconhecidas e ao

mesmo tempo espantadas pelo fato de questões banais terem sido objeto de

reflexões tão interessantes.

Assim, entender questões como a paranoia nos grupos, a questão do bode

expiatório, o desejo de reconhecimento, a duplicidade, a solidariedade orgânica

foram momentos de aprendizagem divertidos e significativos.

Uma descoberta importante para o processo de constituição do grupo foi que

para a constituição de um grupo se faz necessária a existência de um projeto

comum. Diante desta descoberta o grupo passou a se preocupar com esse projeto

que poderia mantê-lo unido. Discutindo essa preocupação com o professor Jair

Militão da Silva, do Programa de Mestrado em Educação da UNICID surgiu a

possibilidade de elaboração de um projeto de pesquisa para ser encaminhado à

FAPESP – Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo, na linha destinada a

melhoria da escola pública. O grupo passou a buscar a elaboração deste projeto.

O projeto estava mais ou menos encaminhado quando veio uma mudança na

rede que atingiu “em cheio” as intenções do grupo. O processo de ingresso de

professores, diretores e coordenadores pedagógicos mudou a configuração do

grupo. Uns voltaram para a sala de aula, outros assumiram cargos diferentes, em

outras escolas, outros tiveram que mudar horários em razão de novas situações

funcionais, etc. As pessoas que faziam parte do grupo inicial se espalharam por

diversas escolas da mesma região ou de regiões distantes. Ao mesmo tempo,

Page 103: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

103

chegaram à escola, pessoas que não haviam participado do processo e que teriam

dificuldade de acompanhá-lo. O trecho seguinte descreve esse momento do grupo:

Quando o grupo ainda engatinhava houve na rede um processo de ingresso que obrigou algumas pessoas a mudarem de escola, o que se apresentou como uma ameaça de destruição do mesmo. O grupo reagiu propondo a continuidade do estudo para além do Projeto Especial de Ação e começamos a nos reunir aos sábados na escola. Assim que criamos o grupo começamos a nos preocupar com a sua identidade e após a discussão de várias sugestões de nomes resolvemos adotar o nome de NEPAE (Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre a Ação Educativa). Com esse nome passamos a nos identificar enquanto grupo. (BENZATTI, 2008, p.15).

Diante desta situação adversa, como mostra a citação, o grupo passou a se

reunir aos sábados, fora do horário de trabalho. Essa possibilidade foi facilitada pelo

fato da escola participar do Projeto Escola Aberta. Vários educadores que

participavam do grupo além de continuarem participando trouxeram outros colegas

de suas escolas para as reuniões. O grupo passou a desenvolver atividades

envolvendo comunidades de mais de uma escola uma vez que outras escolas

passaram a fazer parte do projeto. Ao referir-se a esta experiência Almeida (2008)

assim se manifesta:

A partir desta experiência outros momentos de formação, envolvendo professores, pais e funcionários foram organizados inclusive trabalhando temas relacionados aos concursos, que surgiram à época. O comentário sobre o estudo de temas relacionados aos concursos começou a circular nas outras unidades do entorno e muitos professores de outras escolas começaram a frequentar a escola pesquisada nos finais de semana. O grupo de estudos inicialmente criando com o objetivo de compreender os mecanismos de constituição e funcionamento dos grupos se constituiu enquanto grupo de pesquisa e passou a estudar temas ligados ao cotidiano da escola. (ALMEIDA, 2008, p.76).

Esse movimento desencadeou um processo formativo que se traduziu em

mudanças no cotidiano das escolas, na produção de trabalhos acadêmicos

apresentados em eventos científicos e, sobretudo na criação do Núcleo de Estudo e

Pesquisa sobre a Ação Educativa (NEPAE), conforme revela o trecho seguinte: Também evidencia contribuição das discussões para o processo de formação coletiva a quantidade de trabalhos apresentados em

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104

eventos educacionais. No Fórum Mundial São Paulo a escola apresentou cinco pôsteres sobre temas variados e participou de uma mesa sobre a utilização da rádio na escola. Além disso, se constituiu na escola o Núcleo de Estudo e Pesquisa sobre a Ação Educativa – NEPAE que extrapolou aquele momento e continua se encontrando e pesquisando as questões relativas ao cotidiano da escola. (ALMEIDA, 2008, p.78).

O grupo se constituiu a partir de um encontro entre pessoas preocupadas

com os problemas da escola e, a partir da discussão destes problemas, constituíram

um juízo comum sobre a realidade. Desta forma foi criando um sujeito dentre da

organização escolar capaz de diálogo com outros sujeitos internos e externos. Desta

forma pode-se dizer que constituiu-se na unidade escolar o que SILVA (2003, p.18)

define como sujeito coletivo:

Um sujeito coletivo é um grupo de pessoas que possui uma identidade comum, um juízo comum sobre a realidade e reconhecem-se participantes do mesmo ‘‘nós-ético’’, ou seja, percebem-se fazendo parte de uma mesma realidade comportamental, que é, por assim dizer, extensão de suas próprias pessoas. Procuram viver em comunidade, não necessariamente sob a mesma determinação geográfica. O que as unifica é principalmente o juízo comum sobre a realidade.

Para esse autor a “existência de sujeitos coletivos nas instituições é que as

sustenta e conduz numa ou outra direção. (SILVA, 2003, p.52). A existência destes

sujeitos pode criar entre as pessoas o sentimento de pertencimento a um grupo de

referencia dentro da instituição escolar.

E esse sentimento de pertencimento também é abordado por NÓVOA (2009)

que fala sobre a importância da formação continuada dos professores e concorda

com Pat Hutchings e Mary Taylor Huber (2008) quando abordam a necessidade das

comunidades de prática que é

um espaço conceptual construído por grupos de educadores comprometidos com a pesquisa e a inovação, no qual se discutem ideias sobre o ensino e aprendizagem e se elaboram perspectivas comuns sobre os desafios da formação pessoal, profissional e cívica dos alunos. Através dos movimentos pedagógicos ou das comunidades de prática, reforça-se um sentimento de pertença e de identidade profissional que é essencial para que os professores se apropriem dos processos de mudança e os transformem em práticas

Page 105: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

105

concretas de intervenção. É esta reflexão coletiva que dá sentido ao seu desenvolvimento profissional. (NÓVOA, 2009, p.21)

Nos encontros e reuniões da comunidade escolar, observei que nem todos

falavam ou por não quererem se manifestar, ou por não aproveitar a oportunidade

de falar. Esse sentimento de pertencer, se apropriar da escola como um bem público

não é só daqueles indivíduos que se destacam nas reuniões, aqueles que se

manifestam, não é só falando que se está participando e sim Sendo. Para Nóvoa

(2009):

É necessário comunicar para fora da escola. O “novo” espaço público da educação chama os professores a uma intervenção política, a uma participação nos debates sociais e culturais, a um trabalho continuado junto das comunidades locais. (NÓVOA, 2009, p.67)

É criado assim um grau de intimidade mesmo que as pessoas não se

conheçam intimamente, desenvolvendo nos indivíduos um sentimento de pertencer

ao grupo e esse se desenvolve através do exercício da participação, da troca de

experiências que segundo Wood apud ROGERS (1983):

No curso da experiência nos variados contextos da relação de um a um, pequeno grupo de encontro e nestes grandes grupos de comunidade, muitas associações de pensamento têm sido quebradas. Por exemplo, pensava-se que a intimidade dependia do conhecimento detalhado que uma pessoa tivesse de outra. Mas relações ricas, íntimas e de longa duração são formadas com praticamente nenhum conhecimento da ocupação do outro, formação, posição política, religião, etc. A intimidade pode ocorrer, como todos sabem, sem que se compartilhe diretamente sentimentos profundos, mas pela vivência comum de uma experiência profunda...( p.34, 1983).

O trecho acima expressa em grande medida o que foi experienciado pelo grupo

de formação que se desenvolveu na escola no período estudado: a vivência comum

de uma experiência profunda, uma vivencia que gerou frutos e que, sobretudo,

mudou as pessoas.

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106

3.7 Escola Aberta e a participação da comunidade A participação da comunidade nas atividades da escola tem sido objeto de

muitas discussões nas últimas décadas. Em alguns casos tem-se a impressão de

que basta a comunidade entrar na escola que todos os problemas educacionais

estão resolvidos. Este olhar para a participação como solução para a todas as

mazelas da escola configura-se como rejeição veemente ao modelo que escola que

se considera um clube fechado do qual a comunidade não fazia parte.

Tal modelo de escola ainda não está totalmente superado, mas tem sido

fortemente questionado tantos por formuladores e gestores de políticas públicas de

educação quanto pelas comunidades cada vez mais cientes de seus direitos, sendo

um deles o direito a uma escola democrática e de qualidade. O exame dos registros

das atividades desenvolvidas na escola pesquisada mostra dois aspectos desta

presença: por um lado a possibilidade de crescimento da comunidade que vem para

a escola e, por outro, a dificuldade da escola conviver com uma comunidade que

começa a compreender o seu funcionamento e a exigir coerência entre aquilo que

se fala e o que se faz.

Para Bordenave (1994) a palavra participação vem da palavra ‘‘parte’’ e

significa fazer parte. O nível de participação é o que vai diferenciar o ato “de fazer

parte, tomar parte ou ter parte” (p.22). Para ele o bem comum só é de fato assumido

quando se torna parte em, quando se partilha algo e a participação é um direito das

pessoas e por ser direito e necessidade ela pode ou não atingir os objetivos. É

através da participação que pessoas passivas e conformistas poderão se tornar

sujeitos críticos e ativos.

Olhando para a experiência desenvolvida na escola estudada é possível

afirmar que houve participação da comunidade na medida em que nos diversos

registros sobre as atividades e projetos desenvolvidos consta sua presença nas

decisões e encaminhamentos. Esse me parece um indicador seguro para a

afirmação.

Ainda segundo Bordenave (1994) é só através da participação que o povo se

apropria do seu desenvolvimento e também é corresponsável pelo sucesso ou

fracasso de um projeto. É participando que se aperfeiçoa e se aprende a participar e

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107

o que sentem de mais importante é a necessidade intrínseca de participação ao

oposto que muitos pensam que é preferível que as decisões mais importantes são

de competência dos governos, assim o autor afirma que:

[...] Pode haver gente assim. Mas a maioria prefere a democracia. E para um crescente número de pessoas, democracia não é apenas um método de governo onde existem eleições. Para elas, democracia é um estado de espírito e um modo de relacionamento entre as pessoas. Democracia é um estado de participação (BORDENAVE, 1994, p. 8).

Assim, concordamos com o autor quando ele afirma ‘‘trata-se de uma

participação provocada por agentes externos, que ajudam outros a realizarem seus

objetivos’’ (p. 28).

Embora a participação na escola seja apresentada, em alguns casos como

tema consensual há situações em que essa participação é foco de controvérsia

porque a comunidade é chamada a participar das atividades, porém supõe-se que

ela conheça os limites de sua participação. No caso da escola estudada a

participação foi recebida como muito bem vinda enquanto se caracterizou como

ajuda para controlar a indisciplina dos alunos ou como ajuda no combate ao Projeto

Escola Aberta no momento que surgiram os primeiros problemas. A partir do

momento que a comunidade, presente na escola, passou a conhecer a dinâmica e a

questionar práticas que na realidade beneficiava a quem ali trabalhava em

detrimento dos direitos dos alunos, ela passou a ser malvista como relata Almeida

(2005):

Os pais começaram a participar e foram aos poucos percebendo que a escola tinha outros problemas além dos da inclusão e da abertura. Alguns começaram a ajudar como voluntários, olhando os intervalos, distribuindo merenda, ajudando na limpeza e começaram a compreender o funcionamento da escola, a vivenciar a falta de professores no quadro docente a as ausências diárias dos professores que compunham o quadro, a ver que os professores demoravam a voltar para a sala depois dos intervalos e saiam da sala para conversar com os colegas durante o horário de aula, a questionar os horários do diretor e da coordenação, enfim começou a solicitar explicações cada vez mais incômodas. (Almeida, 2005, p.59).

Page 108: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

108

O mesmo autor aponta ainda que a “comunidade começou a interferir de fato

nas decisões e a se constituir em uma ameaça ao que estava estabelecido”. E que a

partir deste momento começou a crescer “um movimento no sentido de limitar o seu

espaço dentro da escola”, mostrando que a escola ainda não estava preparada para

essa convivência.

Com a opção pela democratização da escola pública consolidada na

Constituição de 1988 e detalhada na LDB Lei 9394/96 e demais legislações

pertinentes a participação da comunidade na escola passou a ser exigência legal.

Criaram-se em termos legais os colegiados para garantir essa participação. Para

garantir essa participação em diversos sistemas de ensino, inclusive no sistema ao

qual pertence a escola estudada, muitos atos da escola antes de serem

homologados pela autoridade precisa ser aprovado pelo Colegiado, que no caso é o

Conselho de escola. Desta forma a comunidade tem sido chamada a acompanhar a

vida escolar de seu filho e participar das decisões que dizem respeito à comunidade

escolar. Essa participação, no entanto tem se resumido ao formalismo para atender

a exigências burocráticas.

Os dados coletados permitiram observar que com a implantação do Projeto

Escola Aberta, na escola estudada, foi ampliada essa participação da comunidade,

tanto nos espaços formais quanto nos espaços informais da escola. Inicialmente,

com objetivo de combater o projeto e o diretor que era tido como responsável pela

sua implantação e, em seguida, a partir do momento que foi recebendo os

esclarecimentos e participando nas tomadas de decisão foi se envolvendo com as

atividades da escola. No trecho seguinte Almeida (Almeida, 2003) fala de uma das

reuniões tensas na qual a comunidade escolar apresenta suas criticas ao projeto:

Apesar da tensão e agressividade que marcaram o início daquela reunião, ela foi um marco importante para a vida da escola. Eu diria que a partir daquele momento a escola não seria a mesma. O início foi marcado pela catarse e ouvi com atenção mesmo as ofensas mais grosseiras. Porém, à medida que as falas foram se sucedendo, que fui dando as explicações pedidas, aspectos que até então estavam escondidos começaram a emergir, obrigando as pessoas a refletirem.

Apesar dos desgastes daquelas reuniões, o autor destaca a sua importância

para a construção do projeto na escola:

Page 109: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

109

A discussão acabou por revelar aos pais, que a criança indisciplinada hoje é o adolescente ou adulto violento amanhã e que trabalhar a rebeldia dentro da escola era a melhor alternativa. As razões de algumas atitudes que tomei começaram a vir à tona e iluminar aquele cenário onde todas as ações vinham se desenrolando na sombra. ALMEIDA (2003).

As posições do diretor foram claras, objetivas favorecendo o esclarecimento

sobre a proposta pedagógica que orientava o projeto e com isso os pais passaram

perceber o projeto como algo bom para a comunidade. Essa percepção dos

membros da comunidade levou parte dela a comprometer-se com o projeto e, a

partir deste compromisso foram se organizando as oficinas e os projetos menores

que aos poucos foram se constituindo em elementos importantes para a mudança

do olhar da comunidade para o Projeto Escola Aberta. “Daí em diante, as relações

começaram a mudar como revela a fala do pai “João” e da mãe Débora”:

“As coisas estão começando a se organizar, começaram, não sei se graças ao conselho ou à mente de algumas pessoas que abriram para a realidade que está acontecendo aqui dentro. As coisas começaram a caminhar, a ver com outros olhos as dificuldades e os problemas. Começaram a sentar pessoas com maior condição política, pessoas para montar o quebra-cabeça, hoje eu acho que a gente está em um terço dele, então eu já não vejo isso como um cadeião até porque as mães quando chegam aqui dentro, gritam, gritam esperneiam lá fora, só que agora tem um grupo de pais que está dentro da escola lutando e eu já estou vendo esta escola como uma escola com muita coisa pra fazer, mas como uma escola, isso eu não vou negar, tanto que a gente está aí não só participando do conselho, participando de eventos que tem dentro da escola, campeonato, teve visita na escola, não vou negar que fiquei feliz, que a gente se sente bem não só de brigar, mas participar de coisas boas também, mas só o fato deles terem vindo na escola significa que a escola tem um projeto” (João, pai de aluno). (ALMEIDA, 2005, p. 45).

A análise dos registros referentes à participação da comunidade na escola

mostra que, embora essa presença venha sendo proclamada como solução para

todos os males da escola, a escola nem sempre vê desta forma, chegando a

determinados momentos vê nesta presença certa ameaça. Neste sentido, a

pesquisa aponta para a necessidade de um trabalho no sentido de incluir a

comunidade na escola. Não basta constar do texto legal que a comunidade tem

Page 110: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

110

direito de participar das atividades da escola é preciso que comunidade e escola

sejam preparadas para isso.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Page 111: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

111

O objetivo inicial deste trabalho foi buscar compreender em que medida as

propostas de abertura da escola têm se constituído em mecanismo que favorece a

apropriação do espaço público pela comunidade escolar. Neste sentido buscou

inicialmente situar os processos de abertura da escola no contexto mais amplo da

abertura das organizações, com o fim da Segunda Guerra Mundial por meio do

questionamento das organizações totais.

O questionamento destes modelos de organização inaugura o novo

paradigma que organiza diversos campos do conhecimento, entre eles o campo das

políticas públicas de formação de professores. Essa contextualização foi muito

importante para o entendimento os sentidos que vêm sendo atribuídos à noção de

abertura da escola nos diferentes contextos onde essa abertura tem feito parte das

políticas públicas que a preconizam como mecanismo de democratização da

educação e da sociedade. Neste contexto, fez sentido o estudo das políticas

públicas para a infância e para a juventude que vem sendo desenvolvidas sob o

patrocínio e incentivo da UNESCO. Uma das ideias recorrentes nestes

projetos está relacionada com a apropriação do espaço público pela juventude,

sobretudo em contextos de alto grau de violência e vulnerabilidade social para que,

por meio de ações protagonistas, estes jovens possam encontrar caminhos

alternativos para a própria vida e para a vida de suas comunidades.

Com o objetivo de investigar como são vivenciadas na escola essas políticas

busquei analisar o “Projeto Escola Aberta” desenvolvido em uma escola da rede

pública municipal de São Paulo. Desta forma, por meio do estudo de uma

experiência concreta, foi possível perceber em que medida aquilo que vem sendo

preconizado tem se tornado vivencia no dia a dia da escola.

Ao me debruçar sobre o objeto de estudo ficou claro, que a realização da

pesquisa deveria ter respaldo na abordagem qualitativa por esta se aproximar mais

deste objeto. A abordagem qualitativa envolve a produção de dados descritivos na

bibliografia utilizada através dos acontecimentos, fala das pessoas envolvidas na

análise do material bibliográfico e documental produzido sobre a escola escolhida.

Como procedimento metodológico, como anunciado anteriormente, utilizei a análise

documental e encontrei nos autores da pedagogia institucional consultados, as

bases teóricas para desenvolvimento do trabalho.

Page 112: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

112

Foi possível perceber, por meio da análise do trabalho realizado na escola no

período estudado que a implantação do projeto trouxe algumas mudanças

importantes para a escola. A principal delas foi a possibilidade de discussão das

instituições que organizavam e escola, da presença da comunidade na escola, dos

papeis das pessoas que compunham o quadro de funcionários, incluindo o diretor da

escola. Importante que essa discussão envolveu desde o papel do Agente Escolar

até o papel do Diretor da escola. Os dados permitem observar que na vigência do

projeto a escola foi um centro de discussão de temas importantes para a ação

educativa que se desenvolveu na escola e fora dela e vale destacar alguns deles a

título de ilustração.

Abertura da escola: A reflexão sobre a experiência mostra que abrir a

escola é mais que abrir os portões nos finais de semana, é preciso repensar os

tempos e espaços da escola de modo que a criatividade aflore. Todos que

frequentam a escola tem potencial criativo e a escola nem sempre tem se

preocupado em se organizar de maneira que esse potencial seja bem aproveitado. A

dinâmica do projeto na EMEF Cidade de Osaka mostra que alunos, professores e

comunidade podem encontrar alternativas quando são tratados com respeito e

confiança. Vale destacar a importância dos “projetos especiais” como sustentação

do projeto escola aberta. Em especial, a importância da rádio, da banda da escola,

do projeto de informática, projeto esporta na quadra, entre outros. Não adianta abrir

a escola se não se tem algo a oferecer para a comunidade.

Presença da comunidade na escola: Os documentos evidenciam que

a comunidade esteve muito presente na escola durante o período, que em

determinados momentos questionou e, na medida em que suas dúvidas foram

sendo esclarecidas, assumiu com responsabilidade a tarefa de melhorar a escola.

Os registros mostram algo interessante na participação da comunidade: chegou na

escola para restabelecer a ordem antiga e, à medida que foi se envolvendo com a

escola, passou entender os mecanismos de funcionamento da escola e a questionar

inclusive as incoerências nos modos de agir da escola. Há aqui outro aspecto

interessante a ser destacado: assim que a comunidade passou a conhecer o

funcionamento da escola e a ter meios para interferir nas decisões a sua presença

deixou de ser bem vista pelas pessoas que veem com importante a comunidade na

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113

escola apenas quando esta presença constitui uma ajuda para aquilo que a escola

faz. Se essa presença implica em questionar modos de sentir, pensar ou agir da

escola, essa presença começa a ser questionada. A abertura da escola possibilitou

a aproximação da comunidade com a escola, mas nem todos na escola se

mostraram preparados para conviver com essa proximidade, sobretudo quando ela

começa a natureza de certas instituições que organizam a escola e começa querer

interferir.

Demanda passiva: Um dos aspectos importantes no sentido da

apropriação do espaço escolar pela comunidade foi o atendimento à demanda

passiva. Grande parte dos pais dos alunos que frequentavam a escola se situam no

quadro do que chamamos de analfabetos funcionais ou mesmo analfabetos. Embora

estejam nesta condição quase todos – se não todos – já passaram pela escola. Essa

passagem deixou marcas que os impede de voltar à escola. A ideia de chamar

esses pais, trabalhar a auto estima para que voltem à escola parece uma condição

para que se possa pensar em apropriação deste espaço por ele.

Inclusão Social: Uma das principais ações do projeto foi a matricula

dos alunos que haviam sido “convidados a se retirar da escola”. Esta parece ter sido

uma fonte de problemas e de soluções. Por um lado mobilizou a comunidade escolar

em torno de questões importantes e, por outro, possibilitou que alunos tidos como

caso perdido dessem a volta por cima e se tornassem exemplo de responsabilidade

e solidariedade. Assim que famílias entenderam a seriedade do projeto passaram a

ir mais frequentemente a escola e também a participar e colaborar. Há o caso de

um pai que sempre reclamava da abertura da escola e dos alunos que foram

matriculados após serem excluídos e que, depois que passou a colaborar com a

escola, organizando o esporte na quadra, mudou de ideia sobre a volta deles à

escola. Um caminho para a transformação da escola é o compartilhamento de

responsabilidades, a valorização dos talentos e da criatividade dos alunos,

professores e pais.

O papel do diretor: A análise da experiência mostra que o diretor

exerceu papel importante no desenvolvimento do projeto na escola. Vale dizer que

Page 114: Escola Aberta: A apropriação do espaço público pela comunidade

114

sem o envolvimento de outros sujeitos o projeto não iria para frente e a importância

do diretor foi justamente articular estes sujeitos.

Com relação à apropriação do espaço escolar pela comunidade foi possível

perceber que com a implantação do projeto, a comunidade passou a frequentar a

escola. Primeiro, para lutar contra o projeto e quem coordenava a sua implantação –

o diretor da escola. Depois, se colocando como ajuda no enfrentamento dos

problemas e, finalmente, se envolvendo nos projetos. Essa participação acontecia

durante a semana, nos finais de semana, não só nas atividades que aconteciam na

escola e na comunidade, mas também em atividades que aconteciam em outros

locais da cidade. Os dados mostram que a abertura da escola contribuiu muito para

a apropriação do espaço público pela comunidade, mas há necessidade de mais

que a abertura da escola. É necessário que a comunidade participe das decisões e,

para isso precisa conhecer os mecanismos de organização e funcionamento da

escola.

Quando a comunidade se apropria do espaço público, no caso, a escola, é

possível observar a mudança de comportamento das famílias em relação à

participação na vida comunitária. A partir da abertura das escolas nos fins de

semana com a comunidade presente e participando das atividades e decisões,

pode-se pensar em apropriação do espaço público. As atividades devem ser

discutidas, pensadas. É importante ressaltar que durante a semana ela deverá estar

aberta às necessidades da comunidade. Estas reflexões favorecem a construção

social dos princípios de igualdade e direitos. E entender e praticar a educação como

direito humano significa concebê-la como parte do resgate de uma dívida social

onde pensar o passado é fundamental para compreender o presente e colocá-lo

numa situação crítica (BAZÍLIO, 2003, p.125).

Desta forma, a comunidade cria sentimentos de ‘‘pertencer à escola’’, faz com

que os seus membros se apropriem do espaço público e esta atitude deve ser

pensada como uma prática social. E assim, quando as práticas sociais nos fins de

semana passam a permear o cotidiano da escola através da abertura não só dos

muros da escola e sim da abertura das pessoas, elas passam a construir a escola

que desejam e assim se apropriam do espaço que é de direito. “A possibilidade de

participar, de construir coletivamente gera o sentimento de pertencimento, de

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fortalecimento da autoestima e de busca do bem estar comum, que são requisitos

para o efetivo exercício da cidadania no cotidiano”. (Noleto (2008, p.53).

Considerando os dados levantados, pode-se observar que naquele momento

em que a escola participou do Projeto Escola Aberta (2001 - 2003) foram criadas

condições para que a comunidade estivesse mais presente no espaço público

escolar. É possível verificar também esse sentimento de pertencimento nos gestos

de muitos pais que assumiram-se como corresponsáveis na busca de definição dos

destinos da escola. Essa corresponsabilidade se materializa tanto

pela sua presença na escola quanto por sua participação, não apenas por meio dos

mecanismos tradicionais de participação quanto por meio da participação direta,

como assembleias e comissões. Contudo, há que se considerar que o processo não

é tranquilo e linear, há idas e vindas que demanda atenção daqueles que lideram o

processo porque no trabalho cotidiano, o limite “entre” é bastante tênue. A presença

da comunidade na escola traz incômodos na medida em que exige coerência entre

aquilo que se preconiza e aquilo que efetivamente se oferece.

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