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8/6/2019 Escola da Amaznia: um Laboratrio de Educao Ambiental
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Escola da Amaznia: um laboratrio de educao ambiental
Silvio Marchini
06 de Julho de 2011
Alunos locais e visitantes em atividade conjunta. Crdito Edson Grandisoli/Escola da Amaznia
O maior e mais deprimente problema de conservao no a
destruio do habitat ou a sobreexplorao, mas a indiferena
humana diante desses problemas. Esse argumento do
professor da Universidade de Cambridge Andrew Balmford
particularmente pertinente na relao entre os brasileiros e a
floresta amaznica. Para a maioria dos brasileiros, a Amaznia
um lugar extico e distante, com o qual tem apenas um tnue
lao de afetividade e responsabilidade. Embora a rea da
Amaznia corresponda a cerca de 61 porcento do territrio nacional, mais de 80 porcento dos brasileiros vivem
fora da regio e simplesmente longe demais para se importar com as queimadas, motosserras e correntes que
destroem a floresta. Por outro lado, aqueles que vivem na fronteira agrcola da Amaznia, diante dos mais altos
ndices de desmatamento tropical no mundo, so tipicamente migrantes e filhos de migrantes, que precisam de
renda, mas tm pouco conhecimento sobre como utilizar os recursos que a floresta oferece. Compartilham a
noo de que a nica maneira pela qual podem ganhar a vida criando gado. Para eles, a floresta vale mais
Para a maioria dosbrasileiros, a Amaznia um lugar extico edistante, com o qual temapenas um tnue lao de
afetividade eresponsabilidade
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depois de derrubada e convertida em pasto.
De acordo com essa viso, o futuro sustentvel da Amaznia vai exigir a disseminao de conhecimentos sobre
a floresta - seus usos, sua importncia e seu estado de conservao e, acima de tudo, uma mudana nos
valores atribudos a ela. As pessoas devero se importar com a floresta, tanto por causa dos produtos e servios
que ela oferece, quanto por razes ticas e estticas, culturais e sentimentais. Razo e emoo devero formar
as bases de uma relao responsvel com a floresta. Ora, conhecimentos e valores so adquiridos por meio da
experincia e, sobretudo, por meio da educao. Portanto, a crise ambiental na Amaznia , em ltima anlise,
tambm uma crise da educao. Em resposta a isso, criamos a Escola da Amaznia, cujo objetivo
desenvolver e testar abordagens de educao para fomentar entre os brasileiros principalmente os mais
jovens o interesse, o apego e, consequentemente, o respeito pela floresta.
A histria
Maratona de Nova York, 1998. No quilmetro 25 de um percurso de 42 quilmetros, uma repentina e completa
fratura por estresse do meu fmur direito ps um fim no meu plano de completar a mais badalada corrida de rua
do mundo. Ca em estado de choque sobre o asfalto gelado sem ter a menor ideia do que havia acontecido e
menos ainda das implicaes que aquilo teria sobre minha vida. Trs cirurgias nos quatro meses subsequentes,
uma severa infeco hospitalar e nove meses sem andar puseram tambm um fim prematuro no meu doutorado
em ecologia, j que fazer o trabalho de campo nas reservas do Projeto Dinmica Biolgica de Fragmentos
Florestais usando muletas seria impossvel. Numa guinada do destino, encerrava-se minha curta carreira de
aspirante a eclogo de florestas tropicais, mas minha vida profissional tomava um novo rumo que culminaria na
criao da Escola da Amaznia.
Ca em estado de choque sobre o asfalto gelado sem tera menor ideia do que havia acontecido e menos ainda das
implicaes que aquilo teria sobre minha vidaEnquanto me recuperava da fratura, aceitei o convite para assumir o cargo de diretor acadmico do programa
Manejo de Recursos Naturais e Ecologia Humana na Amaznia, da School for International Training(SIT). A SIT
oferece programas de estudos em diversos pases os Semestres Letivos no Exterior que proporcionam a
universitrios americanos uma oportunidade rara de imerso em temas especficos. O programa brasileiro tinha
sua sede em Belm do Par, onde os alunos passavam as cinco primeiras semanas morando em casas de
famlia enquanto frequentavam aulas de portugus e assistiam palestras de representantes das instituies
locais dedicadas questo socioambiental na Amaznia, tais como Museu Emlio Goeldi, Imazon e Funai. Na
etapa seguinte, passvamos um ms inteiro viajando e conhecendo um pouco de tudo que relevante para a
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conservao e o desenvolvimento na regio, desde as hidreltricas de Tucuru e Balbina e as madeireiras de
Paragominas, minerao em Carajs, Serra do Navio e Rio Trombetas, plantaes em Jari e Tom-A,
pecuria em Maraj e pesca nas reentrncias paraenses, at os trabalhos do Projeto Sade e Alegria no rio
Tapajs e a Reserva de Desenvolvimento Sustentvel do Mamirau nas vrzeas do rio Solimes. Na ltima
etapa do programa, os alunos tinham um ms inteiro para desenvolver seu prprio projeto de pesquisa, sob
minha superviso.
A experincia era fantstica, mas me incomodava o fato de que apenas alguns poucos estudantes americanos
tinham o privilgio de conhecer a Amaznia brasileira de modo to completo e profundo. A maioria daqueles
estudantes no se envolvia com o tema da conservao quando voltava para suas vidas nos Estados Unidos e
praticamente todos perdiam o vnculo com a Amaznia. Decidi ento buscar uma maneira de oferecer aquela
oportunidade a estudantes brasileiros tambm. Foi com essa motivao que abri, em 2000, a firma
Amazonarium, cuja misso era incentivar e facilitar a vinda de estudantes para a Amaznia, oferecendo
excurses e oportunidades de imerso cultural nos moldes da SIT. Naquele mesmo ano, por meio do
Amazonarium, conheci a empresria e ambientalista Vitria da Riva Carvalho, a Dona Vitria, proprietria do
Hotel de Selva Cristalino (Cristalino Jungle Lodge) e presidente da Fundao Ecolgica Cristalino (FEC), e com
ela estabeleci uma colaborao para levar estudantes para Alta Floresta, na fronteira agrcola da Amaznia.
Em 2002, Dona Vitria e eu demos nossa colaborao o nome de Escola da Amaznia. No ano seguinte,
realizamos nossa primeira oficina com jovens de escolas pblicas de Alta Floresta. Um pouco mais tarde, Edson
Grandisoli, que por felicidade era meu melhor amigo dos tempos da graduao na USP, entrou para o time e
passou a trazer para a Escola da Amaznia grupos de jovens do ensino mdio dos colgios particulares de So
Paulo onde lecionava. Em 2005, a Escola da Amaznia foi incorporada FEC e passou a receber apoio de
patrocinadores, graas ao empenho do seu ento diretor executivo, Renato Farias. No mesmo ano, voltei
academia, com um doutorado pela Universidade de Oxford, na Inglaterra, para investigar os fatores cognitivos,
afetivos e sociais que determinam o comportamento humano de matar grandes felinos e como usar educao e
comunicao como usar a Escola da Amaznia para influenciar aqueles fatores e aumentar a tolerncia
humana s onas. Nos anos seguintes, a Escola da Amaznia se consolidaria como um laboratrio de tcnicas
e estratgias em educao para a conservao.
Os objetivos
Nesses 8 anos de experimentaes, a Escola da Amaznia explorou os meios para se alcanar
fundamentalmente trs objetivos: (i) identificar, mensurar e monitorar os fatores que determinam ocomportamento das pessoas em relao floresta e sua biodiversidade, (ii) influenciar tal comportamento por
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meio da educao, de modo a torn-lo mais compatvel com a conservao, e (iii) desenvolver um modelo de
educao para a conservao que seja sustentvel dos pontos de vista institucional e financeiro.
Entender o comportamento humano em relao ao mundo
natural deveria ser o primeiro passo de qualquer programa de
educao para a conservao. As principais ameaas
biodiversidade - destruio de habitat, sobreexplorao,
introduo de espcies exticas, e poluio - so resultado
direto do comportamento humano. Ao identificar e mensurar os
fatores pessoais e sociais que determinam um comportamento
de interesse, o educador conservacionista pode escolher
intervenes que abordem especificamente os fatores mais
relevantes, elaborando estratgias mais efetivas e eficientes de mudana de comportamento. A mensurao
desses fatores permite tambm que o educador monitore as mudanas decorrentes de suas intervenes, avalie
o impacto da educao e, em ltima anlise, demonstre o sucesso de seu trabalho. Apesar da importncia
dessas avaliaes, so raros os projetos de educao ambiental que fazem uso delas. Educao para a
conservao tem sido tradicionalmente um campo de trabalho de bilogos e outros profissionais das cincias
naturais cuja formao acadmica no inclui as teorias e mtodos das cincias sociais aplicados ao estudo e
mudana do comportamento humano.
Diversas atividades da Escola da Amaznia
tiveram como ponto de partida os
conhecimentos, percepes e valores do
pblico-alvo, avaliados de forma qualitativa e
quantitativa por meio de mtodos de pesquisa
em cincias sociais adaptados s
peculiaridades locais. Questionrios,
entrevistas individuais, grupos focais e mapas
de conceitos so exemplos de tais mtodos.
Construmos escalas para quantificar as
variveis de interesse e fizemos avaliaes
antes e depois das intervenes de modo a
mensurar seu impacto sobre os participantes. O melhor exemplo dessa abordagem entre as atividades da
Escola da Amaznia foi o Projeto Gente e Onas, tema do meu doutorado.
Entender ocomportamento humanoem relao ao mundonatural deveria ser oprimeiro passo dequalquer programa deeducao para aconservao
Visita a madeireira. Crdito: Edson Grandisoli/Escola da Amaznia
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As principais abordagens de educao experimentadas na Escola da Amaznia so aquelas que priorizam a
aprendizagem ativa, na qual os alunos constroem seus prprios conceitos sobre as informaes que adquirem
explorando a floresta. Os alunos so incentivados a compartilhar e discutir suas descobertas e ideias,
generalizando do local para o global. Dessa forma, se aproximam da compreenso de sua conexo com a
floresta; de como afetam e so afetados pela Amaznia.
Participantes da oficina Um Dia na Floresta. Crdito: Tiago Henicka/Escola da Amaznia
Nas oficinas Um Dia na Floresta, atividades ldicas foram desenvolvidas para despertar e fortalecer em crianas
laos afetivos com a floresta. Ironicamente, uma a cada cinco crianas naquela parte da fronteira agrcola da
Amaznia nunca ps os ps na floresta! O programa Prticas Alternativas teve como objetivo estimular entre
jovens do meio rural o interesse por atividades econmicas que no implicam na derrubada da floresta, entre
elas o ecoturismo. O projeto Macaco-Aranha-da-Cara-Branca investigou o potencial do carismtico primata,
endmico da regio, como espcie-bandeira para a proteo do Parque Estadual do Cristalino. No projeto Gente
e Onas, palestras e discusses em sala de aula e uma variedade de ferramentas de comunicao, entre elas
cartazes, oficinas de desenho, teatro, livros de atividades e um guia para produtores rurais (Guia de Convivncia
Gente e Onas) foram desenvolvidos para aumentar a tolerncia das pessoas aos grandes felinos. Nos
Workshops sobre Desenvolvimento Socioeconmico e Conservao da Biodiversidade, alunos visitantes de
alguns dos mais influentes colgios particulares de So Paulo provveis futuros tomadores de deciso so
expostos realidade da fronteira do desmatamento, discutem as oportunidades de integrao entre
desenvolvimento e conservao na regio, e refletem sobre sua responsabilidade sobre o destino da Amaznia,
tanto como cidados quanto como futuros profissionais.
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Educao para a conservao leva tempo para causar o impacto desejado. Muitos projetos de educao
ambiental so encerrados por falta de apoio institucional e financeiro antes de cumprirem plenamente sua
misso. Isso se constitui em desperdcio de recursos e contribui para a noo de que a educao ambiental no
efetiva para fins de conservao. Educao ambiental, combinada com incentivos legais e econmicos e
participao comunitria, pode sim ser efetiva, porm a longo prazo. vital, portanto, que ela seja sustentvel
institucional e financeiramente.
Muitos projetos de educao ambiental so encerradospor falta de apoio institucional e financeiro antes decumprirem plenamente sua misso
A Escola da Amaznia testou mecanismos de sustentabilidade para a educao ambiental. Em sua colaborao
com as escolas locais, envolveu diretores e professores e props a criao de um Grupo de Trabalho em
Educao para a Conservao, composto por representantes das instituies locais competentes, incluindo as
secretarias de educao e de meio ambiente, como um modo de legitimizar suas aes. Sua associao com
um empreendimento turstico privado nos forneceu insightssobre as oportunidades e sinergias na integrao
entre educao ambiental e ecoturismo; a educao se beneficia da infraestrutura do turismo enquanto agrega
valor ao empreendimento na medida que a conscincia socioambiental cresce entre os turistas. Alm disso,
turistas podem contribuir diretamente por meio de taxas de conservao, da compra de produtos do projeto taiscomo camisetas, adesivos e publicaes, e da divulgao do projeto atravs das redes sociais.
No programa Escolas Irms, fomentamos a cooperao entre escolas pblicas rurais locais e colgios
particulares visitantes, com benefcios acadmicos para ambos os lados e benefcios materiais para a escola
local, j que a cooperao envolvia a doao de material escolar pelo colgio visitante e parte da renda gerada
pela visita era usada para subsidiar a participao dos alunos da escola local. Por esse esforo em desenvolver
um modelo sustentvel de educao ambiental, diminuindo a distncia geogrfica e cultural entre classes sociais
num pas de desigualdades como o nosso, a Escola da Amaznia recebeu o Whitley Award 2007. O prmio
considerado o Oscar da conservao na Inglaterra e foi recebido das mos da Princesa Anne em Londres.
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As realizaes e os prximos passos
A Escola da Amaznia avaliou mais de 2000
estudantes de escolas locais e de grupos
visitantes e envolveu em seus experimentos
aproximadamente 1500 crianas e jovens e 50
professores de 15 escolas pblicas locais, alm
de mais de 300 jovens e 25 professores de 5
colgios particulares de So Paulo e 2
universidades estrangeiras. Nossos resultados
tm sido apresentados em congressos e outros
eventos e publicados nas mdias popular e
cientfica. Ainda a fim de compartilhar com
outros educadores conservacionistas as lies aprendidas, lanamos no final de 2010, no Zoo de So Paulo, o
curso Planejamento, Implementao e Avaliao de Aes em Educao Ambiental.
Como comum na pesquisa cientfica, algumas das questes respondidas ao longo do caminho suscitaram
novas questes. Entre as prximas questes a serem abordadas pela Escola da Amaznia, as mais
estimulantes so as referentes replicabilidade do projeto. Estamos buscando oportunidades de testar a
aplicabilidade de algumas de nossas abordagens em outras partes do Arco do Desmatamento e da Amaznia
como um todo, nos outros biomas brasileiros e em diferentes contextos institucionais, com interesse especial
nos contextos empresariais e governamentais. Esperamos assim contribuir para que os brasileiros assumam
seu papel na conservao das florestas e da biodiversidade excepcional que nosso pas abriga.
Silvio Marchini doutor em Conservao da Vida Silvestre, fundador da Escola da
Amaznia. E-mail:[email protected]
Alunos visitantes exploram a floresta. Crdito: Edson
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