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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa Universidade Federal da Paraíba 15 a 18 de agosto de 2017 ISSN 2236-1855 2010 ESCOLA JOCKEY CLUB BRASILEIRO: UMA HISTÓRIA MARCADA PELO SUCESSO ESCOLAR Rosaline Alves 1 O começo de uma história de sucesso Em 1946, no contexto de redemocratização e de modernização nacional (XAVIER, 2005) que se inicia a história da Escola Jockey Club Brasileiro (EJCB), uma instituição peculiar, inaugurada em um período em que o tema do sucesso escolar com alunos de meios populares não era latente, ou melhor, se quer ocupava lugar no centro das discussões sobre o ensino. Nesse quadro histórico, a modernização, a civilização e a racionalidade passam a serem características essenciais para o novo modelo de sociedade que se pretende alcançar no país. Nesse arcabouço, a instituição escolar é vista como o meio fundamental para a veiculação dessa cultura. Assim, a escola, via suas ações pedagógicas, assume papel fundamental na disseminação de um modo de socialização e um conjunto de valores e regras adequados para a configuração social desejada. Nesse cenário, de propagação de novos códigos, valores e convivência sociais, pensados especialmente para as configurações dos espaços urbanos, que ocorre a fundação da Escola Jockey Club Brasileiro (EJCB). Um estabelecimento de ensino que inicia suas atividades atendendo a crianças moradoras, principalmente, dos Parques Proletários dos bairros da Gávea e do Leblon 2 , em 1946. Esses conjuntos habitacionais localizavam-se no interior de dois bairros nobres da Cidade do Rio de Janeiro, antiga sede federativa do país. 1 Graduada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Diretora Adjunta da Escola Jockey Club Brasileiro. E-Mail: <[email protected]>. 2 Os Parques Proletários da Gávea e do Leblon foram construídos pela Prefeitura, entre os anos de 1941 e 1943. O objetivo era alojar, provisoriamente, pessoas removidas de favelas. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/131003_favelas_rio_parques_proletarios.pdf>.

ESCOLA JOCKEY CLUB BRASILEIRO: UMA HISTÓRIA MARCADA … · primeiro período, hoje correspondente às primeira e segunda séries do ensino fundamental. No ano seguinte, em 1949,

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Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 2010

ESCOLA JOCKEY CLUB BRASILEIRO: UMA HISTÓRIA MARCADA PELO SUCESSO ESCOLAR

Rosaline Alves1

O começo de uma história de sucesso

Em 1946, no contexto de redemocratização e de modernização nacional (XAVIER,

2005) que se inicia a história da Escola Jockey Club Brasileiro (EJCB), uma instituição

peculiar, inaugurada em um período em que o tema do sucesso escolar com alunos de meios

populares não era latente, ou melhor, se quer ocupava lugar no centro das discussões sobre o

ensino.

Nesse quadro histórico, a modernização, a civilização e a racionalidade passam a serem

características essenciais para o novo modelo de sociedade que se pretende alcançar no país.

Nesse arcabouço, a instituição escolar é vista como o meio fundamental para a veiculação

dessa cultura.

Assim, a escola, via suas ações pedagógicas, assume papel fundamental na

disseminação de um modo de socialização e um conjunto de valores e regras adequados para

a configuração social desejada.

Nesse cenário, de propagação de novos códigos, valores e convivência sociais, pensados

especialmente para as configurações dos espaços urbanos, que ocorre a fundação da Escola

Jockey Club Brasileiro (EJCB). Um estabelecimento de ensino que inicia suas atividades

atendendo a crianças moradoras, principalmente, dos Parques Proletários dos bairros da

Gávea e do Leblon2, em 1946. Esses conjuntos habitacionais localizavam-se no interior de

dois bairros nobres da Cidade do Rio de Janeiro, antiga sede federativa do país.

1 Graduada em Pedagogia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Diretora Adjunta da Escola Jockey Club Brasileiro. E-Mail: <[email protected]>.

2 Os Parques Proletários da Gávea e do Leblon foram construídos pela Prefeitura, entre os anos de 1941 e 1943. O objetivo era alojar, provisoriamente, pessoas removidas de favelas. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/131003_favelas_rio_parques_proletarios.pdf>.

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Da apresentação da EJCB, trata-se de um estabelecimento gratuito, não filantrópico,

para crianças de classes populares, fundado em 1946, no interior do Jockey Club Brasileiro3,

um clube tradicional destinado a elites sociais com um terreno de grande extensão, 640 mil

m², localizado em uma área nobre da Zona Sul do Rio de Janeiro:

Figura 1: Foto aérea (antiga) do Jockey Club Brasileiro. Fonte: http://www.jcbinforma.com.br/historia

3 O Jockey Club Brasileiro foi fundado em 1932, com a junção dos dois clubes promotores de corridas de cavalos do Rio de Janeiro, o Derby Club e o Jockey Club. Seu primeiro presidente foi o Dr. Lineu de Paula Machado, grande entusiasta e promotor do turfe no Rio de Janeiro.

Em 1933, no dia 6 de agosto, foi realizado o primeiro Grande Prêmio (GP) Brasil no Jockey Clube. Desde então, o GP Brasil tem sido a mais expressiva prova do turfe nacional, sendo reconhecida mundialmente. Fonte: http://www.jcbinforma.com.br/historia

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Figura 2: Foto aérea (atual) do Jockey Club Brasileiro. Fonte: http://www.jcbinforma.com.br/historia

Na realidade, a EJCB origina-se como uma instituição pequena, em 1946, fundada em

um espaço discreto, de pouca visibilidade dentro da Empresa Jockey Club Brasileiro e

idealizada na gestão do presidente responsável pelo clube que a mantém, João Borges Filho4.

O segmento educacional oferecido restringia-se à educação infantil e destinava-se

exclusivamente aos filhos e netos dos funcionários do Turfe, principal atividade oferecida

pela Empresa Jockey Club Brasileiro.

Ao atingir o ano de 1948, a escola amplia suas atividades e possui duas turmas de

primeiro período, hoje correspondente às primeira e segunda séries do ensino fundamental.

No ano seguinte, em 1949, a presidência do Jockey Club decide realizar modificações

na instituição. Assim, foram instalados o curso primário completo e o novo horário escolar.

Com o passar dos anos, a Empresa mantenedora da escola resolve investir na

construção/adaptação de um novo espaço físico para o funcionamento da escola. Assim, a

pequena e discreta escola passa a ocupar um lugar nobre dentro do clube, sendo transferida

para um edifício de arquitetura idêntica à de sua Empresa Mantenedora no ano de 1955.

Por conta da inauguração de seu novo prédio, a escola recebe destaque em diferentes

jornais da época, como Jornal da Noite, Diário de Notícias, Jornal do Brasil, entre outros.

4 Médico de profissão, vice-presidente do Jockey Club Brasileiro (JCB). Uma de suas maiores criações foi, com seu colega Genival Londres, a Clínica São Vicente, centro de excelência médica no Rio de Janeiro. Presidiu o JCB por seis anos e meio, no período de 1945 até 1952. Fonte: http://www.jcb.com.br/noticias/57382/no-domingo-jcb-homenageia-mais-uma-vez-joao-borges-filho/

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Esses documentos noticiavam que a escola é reconhecida pela modernidade e qualidade da

base material (WERLE, BRITTO & COLAU, 2007) de seu novo prédio. Esses acontecimentos

configuram o primeiro marco na trajetória exitosa da escola.

Sobre a base material (WERLE, BRITTO & COLAU, 2007) da instituição, autoridades

políticas, militares e educacionais caracterizam as instalações do novo prédio como exemplo

de modernidade e qualidade5. Inclusive, na ocasião da inauguração do novo edifício, jornais

locais noticiaram que o presidente da república, Café Filho, apontou a Escola Jockey Club

Brasileiro como modelo a ser seguido pelas escolas públicas do país.

Publicações mostram também impressões de outras personalidades. Os pareceres

dados avaliavam a EJCB como uma grande benfeitoria social. Um feito que foi apontado

como uma grande contribuição para o ensino de qualidade pelo prefeito do Rio de Janeiro,

em 1955. Pronunciamentos de diferentes entidades atribuíram à escola uma posição de

excelência tanto no âmbito assistencial quanto no educacional. As transcrições a seguir

mostram exemplos destas apreciações:

“Esta escola vem ajudar a prefeitura do Distrito Federal a absorver os números excedentes nas escolas primárias, atendendo assim, a uma preocupação constante da Prefeitura do Distrito Federal e do Presidente da República.” (Prefeito Alim Pedro em 1955 sobre a EJCB.) Fonte: Jornal “O Mundo”, 11de maio de 1955 [Biblioteca Nacional Digital] “Esta é umas das inaugurações a que assisto com grande prazer. [...] O Jockey Club assim emprega um bom dinheiro numa boa causa: levar o ensino e a educação aos filhos dos trabalhadores.” (Ministro do Trabalho em 1955) Fonte: Jornal “O Mundo”, 11de maio de 1955 [Biblioteca Nacional Digital] “[...] o que aqui se encontra, para os filhos dos servidores do Jockey Club, eu posso disser que não conheço nenhum colégio, mesmo os colégios para as famílias mais abastardas daqui do Rio de Janeiro. [...] É talvez o melhor colégio do Rio de Janeiro no momento que atravessamos.” (Bispo Auxiliar da Cidade D. José Távora) Fonte: Jornal “O Mundo”, 11de maio de 1955 [Biblioteca Nacional Digital]

Além dos dados sobre o que representava a inauguração e as primeiras décadas da

EJCB na sociedade do Rio de Janeiro, como é possível ler nas transcrições acima, outras

publicações e registros apontam que a relação entre o clube e a escola, de proximidade e

inclusão, contribui com um clima favorável ao ensino e à aprendizagem.

5 “A Escola do Jockey. Inaugurada, na Gávea, o moderno estabelecimento de ensino para crianças de ambos os sexos, com capacidade para receber mais de 500 alunos” In Manchete/ maio de 1955. Fonte: Biblioteca Digital Nacional e Acervo da Escola Jockey Club Brasileiro.

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ISSN 2236-1855 2014

Atividades tanto no espaço da escola quanto no do clube eram realizadas reunindo o

público escolar e os sócios do Jockey. Eventos onde os discentes participam como

protagonistas, fazendo apresentações, declamações e/ou simplesmente interagindo com os

demais participantes foram parte do dia a dia da escola. Cultura mantida e valorizada por

esta instituição até os dias atuais.

Durante duas décadas e meia, a escola percorre uma trajetória histórica composta de

muitas mudanças. Na década de oitenta, transformações consubstanciais são realizadas no

currículo da escola, no direcionamento dos gastos, entre outras6. Pode-se se dizer que essa

década consiste em um segundo marco na história de sucesso da EJCB (o primeiro foi a

inauguração do novo prédio). Também é nessa década que a escola deixa de oferecer a

modalidade de educação infantil e há reformulações na política de matrículas.

Os prováveis determinantes de sucesso escolar da EJCB

Por meio da memória da EJCB registrada nas fotos, boletins, manuscritos, registros,

fichas de alunos, publicações de jornais, atas, livro histórico, álbuns históricos e temáticos de

fotografia, entre outros contidos em seu acervo documental, encontramos indicadores dessa

história de sucesso inimaginável.

O primeiro fato que o vasto material dos arquivos analisados nos conta é que esse

estabelecimento, em 1946, denominava-se Jardim de Infância Jockey Club Brasileiro e suas

atividades restringiam-se a turmas de educação infantil. Depois, que a clientela atendida se

limitava a filhos e netos de profissionais do turfe, e, que nessa época, a escola atuava com um

quantitativo pequeno, de sessenta alunos aproximadamente, no horário de 9h às 16h7

O início da pequena escola exibe marcas assistencialistas, as quais podem ser

encontradas nos documentos de seu acervo em diferentes períodos, sobretudo em seus

primeiros anos de fundação. No entanto, juntamente com essas marcas a preocupação com o

ensino e aprendizagem fazem-se presentes. Tanto nos documentos do arquivo da escola

quanto nas matérias de jornais e revistas, armazenados pela Biblioteca Nacional, referências

ao ensino e aprendizagem são feitas. Inclusive com expressões que depositavam nos alunos

da escola o futuro do país.

6 Informações obtidas por meio de conversa telefônica informal com a diretora da escola na década de 80 e via dados do Livro de Registro de Ocorrências do Acervo documental da escola. A diretora da década de 80 reside em Maceió. Está no horizonte da pesquisa irmos a esse município alagoano para realizar entrevista com essa gestora.

7 Esses dados foram obtidos do livro “Termo de Abertura” da escola, que se encontra em seu acervo histórico, sito à Av. Bartolomeu Mitre, 1110, Leblon.

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ISSN 2236-1855 2015

Outro fato identificado via a análise dos documentos refere-se a estreita relação entre

educação e saúde. Esse dado mostra a EJCB enquanto espaço social que compõe as

estruturas de sua época (ELIAS, 1994). Exibem isso quando nos evidencia a presença de um

consultório médico na escola, que dialoga com a concepção de educação da época, herdeira

do período vigente do Ministério de Educação e Saúde (1934 – 1045). Esse último fato,

consequentemente faz com que a preocupação com a sanidade ocupe um lugar principal nas

primeiras décadas da escola. No que se refere à saúde, sabe-se que a mesma tem impacto em

qualquer atividade, logo de certa forma, o cuidado com um corpo saudável favorece o

processo de aprendizagem.

Outra constatação é que atividades cívicas passam a ser privilegiadas nos registros

documentais pós-inauguração do novo prédio, a partir 1955, na gestão escolar do General

Luiz Toledo. Seja expressa em atividades cívicas ou seja nos textos publicados pela escola, a

relação com os ideários civilizatórios e de fortalecimento do patriotismo são considerados no

trabalho pedagógico desenvolvido. Nessa época a escola funda um Centro Cívico e implanta

aulas de Educação Física para os meninos.

A incidência de ênfase à civilidade fica mais bem explicada quando compreendemos a

história da escola dentro de um contexto nacional que busca a construção de uma cultura

social baseada nos princípios de civilidade. Isto é: um modelo de sociedade onde os

indivíduos aprendam os códigos de comportamento necessários ao processo de civilização. A

memória da EJCB mostra como a escola assume a função de modelar esse novo

comportamento por meio de uma forma escolar que reestruture o cognitivo levando à

apropriação de um modo de relacionar-se compatível com uma sociedade civilizada (ELIAS,

1994).

Os desdobramentos históricos da EJCB ilustram que micro e marco se constroem

mutuamente e, de alguma forma, mais nítida ou discretamente, se dão em relações de

interdependência (VEIGA, 2005). Isto é, dão-se via uma estrutura social tecida por meio de

relações funcionais (ELIAS 1994) onde sociedade e indivíduo se constituem mutuamente.

Se por um lado a relação escola e sociedade da cercania impelem para modificações no

interior da escola, por outro, à medida que os alunos dessa instituição educativa vão

crescendo e, paralelamente, ocorre aumento no quantitativo de matrículas, um novo espaço

físico faz-se necessário para a continuidade desse trabalho. Por isso, a Empresa Jockey, em

1953, começa a investir na construção de um edifício maior e melhor equipado para que a

escola passasse a funcionar.

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ISSN 2236-1855 2016

A transferência da EJCB para o novo edifício, em 1955, que seguiu alojado no interior

do clube de elite que a mantém, resulta em um marco na trajetória da escola. Esse marco

significa momento chave na gestação de uma história de excelência escolar.

Pois, essa inauguração se dá acompanhada de transformações realizadas no currículo e

na organização escolar e afetam tanto a ótica assistencialista quanto a pedagógica da EJCB. O

enfoque às ações de cunho mais pedagógico começa a sobrepor as de ótica assistencialista.

Atividades como aulas de teatro, práticas de leitura, premiações de melhores alunos, classes

de balé, cerimônias de formatura, bolsas de estudos para cursar o antigo 2º grau para os

melhores alunos, aula de música, entre outros passam a predominar na cultura escolar.

O marco histórico da construção/adaptação de um novo espaço físico para o

funcionamento da escola mostra a construção de uma nova cena, um novo campo de ações

efetivas (WERLE, BRITTO; COLAU, 2007). Os alunos que darão vida a este novo cenário

terão novas ofertas e possibilidades no campo do ensino e aprendizagem:

“Além dos cursos de Jardim de Infância, Primário e Admissão ministrados às crianças, a escola mantém cursos extensivos de Português e Pedagogia para professores e funcionário, para tanto dispõe de uma biblioteca especializada para a formação de professores primários. Ao lado dos cursos já mencionados, a escola dá anualmente bolsas de estudos para os melhores alunos que terminam o curso primário (admissão), no Internato que a Fundação Getúlio Vargas mantém em Nova Friburgo, destinado a ser o padrão do ensino secundário na União.” (Trecho do texto publicado sobre a escola) Fonte: “Diário de Notícia”, data não identificada – Publicação arquivada no Acervo da EJCB.

“O ensino da Escola do Jockey Club Brasileiro segue rigorosamente o Programa da Secretaria Geral de Educação e Cultura [...]. Trecho do texto publicado sobre a escola Fonte: “Diário de Noite”, 11 de maio de 1966 – Publicação arquivada no Acervo da EJCB. “Os pais, funcionários, servidores inferiores e profissionais do Jockey Club Brasileiro não têm quaisquer despesa com seus filhos durante todo o curso. A sociedade [Jockey] lhes oferece todo material escolar, almoços e lanches, uniformes completos incluindo calçados e meias, com permanente assistência médica, farmacêutica e dentária, e cortes de cabelos. Possui ainda aparelho cinematográfico para projeções de filmes educativos, aulas de ballet e acordeom.” Trecho do texto publicado sobre a escola: Fonte: “O Mundo”, 11 de maio de 1955 – Reportagem arquivada no Acervo da EJCB.

Conforme os textos das reportagens acima, a escola investe em ações voltadas para o

ensino. Biblioteca, auditório, formação continuada dos professores e funcionários e bolsas de

estudos em um internato apontado como padrão de ensino secundário no país, são exemplos

das transformações realizadas pelos responsáveis pela EJCB. Estratégias que provavelmente

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ISSN 2236-1855 2017

foram fatores que contribuíram para a excelência escolar da instituição analisada e que

consequentemente a permite escrever uma história de sucesso.

Em síntese, os acontecimentos que enfraqueceram o ethos pedagógico mais

assistencialista da escola e reforçam a construção de uma ênfase pedagógica de sucesso

escolar resumem-se nas respostas às seguintes interrogações: Ao longo de sua existência, que

critério de seleção a escola utiliza para matricular um aluno? Esses critérios sofreram alguma

alteração durante a existência da escola? O que tem a dizer a memória contida nos

documentos institucionais sobre os possíveis determinantes de sucesso escolar? Como o

paradigma do sucesso escolar foi se construindo no decurso da história institucional?

Para responder às questões colocadas acima, recorremos às contribuições advindas das

abordagens sócio históricas, de modo a analisar a trajetória da EJCB, através das ações de

suas diretoras, coordenadoras e da presidência do Jockey Club Brasileiro contidas nos

registros do acervo documental da escola.

Assim sendo, à luz de referenciais teórico metodológicos que analisam a escola

enquanto espaço social (CHAVES, 2014), buscamos a resposta para as duas primeiras

questões orientadora desse trabalho: Ao longo de sua existência, que critério de seleção a

escola utiliza para matricular um aluno? Esses critérios sofreram alguma alteração durante a

existência da escola?

Os registros contidos no livro ata relatam que as matrículas eram restritas aos filhos e

netos de profissionais do turfe, nos primeiros anos de existência da EJCB. Inicialmente,

mesmo ainda não sendo aberta à comunidade de modo geral, a ideia de a Empresa Jockey

abrir uma escola restrita aos dependentes de seus funcionários nos suou curiosa, tanto pelo

período em que ocorre: quando muitos estavam alijados dos bancos escolares; quanto da

forma que se dá: construída no interior de um clube de elite.

Com a extensão do sistema de matrícula, se abrindo às crianças oriundas de famílias de

baixa renda financeira residentes da cercania, a escola passa a atuar com duas formas de

ingresso. A realizada através de matrícula direta para os filhos e netos de profissionais do

turfe. E a por meio de indicação para os outros alunos. Vale ter presente que esse período,

1946 - 1949, a democratização do ensino era incipiente, limitada e perpassada pelos ideais

nacionalistas idealizados, majoritariamente, pela elite intelectual brasileira (CARVALHO,

2000). Além do mais, esses anos foram embriões do debate sobre a modernização

econômica, política, social e cultural que viria a ocorrer intensamente no país na década de

1950 (CHAVES, 2006).

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Essa escola fundada no contexto descrito acima desperta olhares de entidades políticas,

militares e religiosas, que mesmo antes da escola atingir resultados de excelência escolar a

apontam como modelo tanto no âmbito assistencial quanto no de ensino e aprendizagem

escolar. Essa excelência acentua-se com as instalações modernas do novo espaço, que

parecem ter inspirado a renovação pedagógica (FILHO & VIDAL, 2000) no interior da

escola. Os registros das atividades realizadas mostram que aos poucos a EJCB vai enfatizando

a excelência escolar e consequentemente modifica os critérios de matrícula para aqueles que

não pertencem ao grupo de direito por serem dependentes de profissionais do turfe.

Na década de 1980, a indicação não basta para se pleitear uma vaga. Na gestão escolar

dessa época, foi implantado concursos de ingresso. Dessa forma, os alunos não dependentes

de profissionais de turfe, deveriam ser considerados aptos por meio de provas de português.

Também é nessa década que a escola deixa de oferecer a modalidade de educação infantil,

fato que reforça a constatação de que paulatinamente a ênfase na excelência escolar é

privilegiada, abrindo mão do que seria considerado mais da ótica do assistencial e do

cuidado.

Vale pontuar também que à medida que a sociedade da cercania se modifica em marcha

aos ideais civilizatórios e de progresso advindos da modernidade (SILVA & PAULILO, 2012),

a escola vai se transformando colocando em evidência seus resultados pedagógicos de

sucesso.

Sobre as outras duas questões: O que tem a dizer a memória contida nos documentos

institucionais sobre os possíveis determinantes de sucesso escolar? Como o paradigma do

sucesso escolar foi se construindo no decurso da história institucional? Encontramos na

teoria de que as relações sociais são imprescindíveis nas análises acadêmicas (ELIAS, 1994),

luz para interpretar os dados e inferir as respostas para essas perguntas.

Assim, a partir da própria história da escola e não se limitando a fatos históricos

ocorridos na sociedade (CHAVES, 2014), identificamos no livro ata um possível determinante

de sucesso. No decorrer de sua trajetória a escola recebeu destaque por jornais da época

assim como visita de políticos, militares, ministros, entre outros, sempre pronunciando

discursos que direta ou indiretamente sublinhavam a qualidade, a modernidade e a

excelência. O que coloca em evidência as ações dos responsáveis pela instituição. Em nossa

apreciação, essa projeção encontra-se no rol dos principais fatores que vão levando ao

trabalho de excelência escolar.

Nobert Elias (1994), sociólogo alemão, oferece teorias que nos permitem o

aprofundamento dessa discussão. Em seu livro “Sociedade de indivíduos” considera que o

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conceito de estrutura social só pode ser explicado a partir da ação das pessoas. E completa

explicando que a busca pelo entendimento do ocorrido em um dado contexto deve ser

analisado desde a ação até o lugar ocupado pelos indivíduos que o compõe:

Entretanto, esse arcabouço básico de funções interdependentes, cuja estrutura e padrão conferem a uma sociedade seu caráter específico, não é criação de indivíduos particulares, pois cada indivíduo, mesmo o mais poderoso, mesmo o chefe tribal, o monarca absolutista ou o ditador, faz parte dele, é representante de uma função que só é formada e mantida em relação a outras funções, as quais só podem ser entendidas em termos da estrutura específica e das tensões específicas desse contexto total. (ELIAS, 1994, pp. 22).

De acordo com Elias (1994), os fenômenos sociais são resultados de interdependências

que ligam os indivíduos uns aos outros em um determinado grupo social. Portanto, com base

nesse autor, entender um ou mais fatos históricos requer interpretar, ao longo do decurso

analisado, as tramas de relações que fazem parte do mesmo.

Com base nas teorias de Nobert Elias, resumidas acima, entendemos que os

determinantes de sucesso da EJCB têm origem na complexidade relacional entre uma

sociedade que “precisa” de um modelo de excelência escolar para apontar e uma instituição

educativa que cada vez mais se empenha para manter e ampliar o lugar que passa a ocupar

nesse jogo social (ELAIS, 1994).

Para Elias (1994) “toda sociedade é uma sociedade de indivíduos que interagem por

meio de redes de relações, compostas por dependências recíprocas” (VEIGA, 2005). Elias

aprofunda a discussão. Mostra a complexidade do tema à medida que as características, os

hábitos, as regras e os costumes de uma determinada sociedade de indivíduos são entendidos

em seu processo histórico relacional; ou seja, como resultados advindos de decursos

históricos:

Assim, através de forças reticulares, produziram-se e se produzem na história períodos pacíficos e outros turbulentos e revolucionários [...]. Todas essas mudanças têm origem, não na natureza dos indivíduos isolados, mas na estrutura da vida conjunta de muitos. A história é sempre história de uma sociedade, mas, sem a menor dúvida, de uma sociedade de indivíduos. (ELIAS, 1994, pp. 45).

Nesse sentido, a relação do clube com a escola, que vai além de simplesmente sediar

uma instituição de ensino e participa na construção de uma história de sucesso. Pois as

práticas escolares e as atividades do clube intercedessem-se no cotidiano. Assim, por vezes, a

circulação seja dos sócios do clube ou dos alunos não parecem ter fronteiras acirradas no que

se refere aos diferentes espaços (escola e clube).

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Notas conclusivas sobre o paradigma de sucesso escolar da EJCB

À guisa de conclusão, buscamos investigar o contexto em que a EJCB é pensada e

fundada, remontando a sua história não por uma visão globalizante, mas a partir dos

acontecimentos desde seu interior (CHAVES, 2014).

Roger Chartier (1991), um dos principais autores que discorrem sobre as contribuições

da sociologia para o campo da história, fala das tendências, que refutam da ótica globalizante

e/ou positivista, a qual passa a buscar moldes mais adequados à pesquisa na área das ciências

humanas. Para o autor, essa nova forma de fazer pesquisa produz inovações e

transformações. Na área da história da educação; mais especificamente no campo da

pesquisa educacional, ampliam-se as novas formas de análises e de fontes, a instituição

educativa começa a ser investigada como possibilidade de realização de um estudo celular em

diálogo com o todo (CHAVES, 2014).

Exatamente nessa linha de análises advindas do diálogo entre essas duas áreas de

conhecimento que investigamos o contexto em que a EJCB é pensada e fundada, buscando

dados sobre a excelência escolar que alcança a partir dos fatos ocorridos no decurso dos mais

de sessenta anos de sua memória histórica.

Dessa forma, o conceito de configuração social nos permitiu entender que as

transformações que se dão no interior da EJCB, no curso de sua própria história, são

resultados dos desdobramentos de seu processo (ELIAS, 1994). De acordo com a teoria do

referido autor, entendemos que a história de sucesso da EJCB se constrói e se solidifica por

meio da rede de relações entre os seus mantenedores (os membros da diretoria do Clube), os

responsáveis pela escola (a direção; a coordenação e os funcionários) e a clientela atendida

(os alunos e seus familiares).

Referências

CHARTIER, R.: O Mundo como Representação in Estudos Avançados, 11 (5), p. 173 – 191, 1991. CHAVES, M. W.: História da Educação Escolar e Sociologia: uma relação promissora in Educação em Revista - Belo Horizonte, v.30, n.2, p. 95-116, abr./jun. – 2014. ______________.: Desenvolvimentismo e Pragmatismo: o ideário do MEC nos anos de 1950. In Cadernos de Pesquisa – Belo Horizonte, v. 36, n. 129, p. 705-725, set. /dez. 2006.

Anais Eletrônicos do IX Congresso Brasileiro de História da Educação João Pessoa – Universidade Federal da Paraíba – 15 a 18 de agosto de 2017

ISSN 2236-1855 2021

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